Projeto Memórias da Zona Norte
Depoimento de Victor Rodrigo Faustino
Entrevistado por Claudio Felipe Bernardo e Rubens de Souza
São Paulo, 28/08/19
PCSH_HV795
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
P/1 - Qual é o seu nome e local de nascimento?
R - Meu nome é Victor Rodrigo Faustino e sou nascido em São Paulo.
P/1 - Aqui na Zona Norte?
R - Zona Norte.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - O nome da minha mãe Benedita Faustino, nome do meu pai Adir Francisco, mas eu não tenho registro dele, não tenho registro dele, só o registro no nome da minha mãe mesmo.
P/2 - Em que data você nasceu?
R - Nasci dia 4 do mês 9 de 1980.
P/1 - E o que os seus pais faziam?
R - Minha mãe empregada doméstica né, meu pai já faz... Na média de uns 30, 32 anos que ele faleceu, já faz bastante tempo, eu era bem pequeno ainda. Eu não sei, eu não me recordo a profissão dele, porque assim, a gente era bem pequeno né, ele faleceu e tal, e acho que foi se perdendo no tempo essa situação aí, minha mãe também não expõe tanto a situação dele, não sei se passou por situações aí que não foi muito legal para ela, então não... A gente não tem muito esses detalhes aí não, sobre meu pai não.
P/1 - Com a sua mãe, como era a relação, como você descreve ela?
R - A relação com a minha mãe? Na infância, assim, a gente sempre teve uma relação boa assim, porque minha mãe ela foi mãe e pai praticamente, então na... Na infância, assim, teve uma relação boa, uma mulher trabalhadora e tal, que sempre se dedicou bastante aí, independente das dificuldades aí para cuidar dos filhos, mas quando foi chegando na adolescência assim, eu tive um pouco, assim, que um afastamento da minha mãe e tal, por circunstâncias assim né, do lugar onde a gente vivia, situações minhas que... Que assim, comecei a frequentar bastante a rua, minha mãe já não tinha tanto tempo para tá olhando a gente, então teve uma época que foi um pouco turbulenta a relação com a minha mãe, mas só que de um tempo para cá isso aí mudou bastante também, muito devido, né, a minha maturidade hoje em dia, eu ter me formado pai, constituído família e tudo, então hoje a minha mãe, eu e minha mãe, eu posso dizer que a gente é bastante amigo e a gente tem uma ótima relação hoje em dia, graças a Deus, a gente conseguiu... Fazer um pouco que aquela história, assim, que ficou para trás, mudasse um pouco.
P/1 - Na sua infância, na sua casa, como era? Você tinha irmãos, como foi a sua infância aqui na Zona Norte?
R - A minha infância em casa a gente sempre foi em 4 irmãos né, meu irmão mais velho Luiz Fernando, aí o segundo eu, meu outro irmão, terceiro mais velho José Luiz, e a minha irmã mais nova que é Isabel. Assim, dentro de casa a gente sempre teve uma relação relativamente boa, mas saía também né, briga de molecada, de irmãos que todo mundo, quem tem bastante irmão assim deve saber né, tinha aquelas situações assim de briga, desavenças e tal, mas geralmente a gente também tinha nosso momento bom ali, brincadeira, passeios né, quando dava, quando a minha mãe conseguia levar a gente para algum lugar. Tinha... A gente tinha uma uma infância relativamente assim boa, era uma época também que a gente conseguia... Hoje em dia devido acho que a violência, a gente chega sete, oito horas da noite, já não tem mais muita gente na rua, mas assim no bairro onde a gente vive, há uns... Coisa de 20, 25 anos atrás, a gente ainda conseguia brincar na rua até mais tarde né, com os amigos, vizinhos, todo mundo, então era uma infância legal sim, participamos daquelas brincadeiras todas, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, rodar pião, pega-pega, esconde-esconde, todas essas coisas aí a gente conseguiu viver, foi uma infância assim que legal.
P/2 - Que bairro?
R - Na Vila Brasilândia, Zona Norte aqui em São Paulo.
P/2 - Você disse que as vezes dava pra fazer um passeio com a sua mãe, você lembre de algum passeio que você gostou bastante?
R - Ah, que eu me recorde... Lembro, lembro sim. Teve uma época, muitos anos atrás, que... Não sei se vocês se lembram também, vocês devem se lembrar, deve ter bastante tempo né, aqui na cidade de São Paulo, quando a CMTC fez aquele ônibus de dois andares. Não durou muito tempo, não sei se vocês se recordam. Não durou muito tempo, mas só que minha mãe chegou fazer um passeio desse com a gente, para a gente conhecer esse ônibus e a gente foi, foi bastante legal, mas a gente também já... A gente passeava, um lugar que a gente ia bastante era no Parque da Água Branca ali na Barra Funda, onde sempre tinha eventos né, Dia das Crianças, Dia dos Pais, Dia das Mães, no Ibirapuera também a gente já foi algumas vezes, que eram parques públicos assim né, onde dava para a gente... A gente tinha mais acesso né, então teve... Já teve alguns passeios assim que foi bastante legal sim.
P/2 - E na Região Norte, teve também pro lado de cá?
R - Ah, na Região Norte... Na Região Norte, no extremo norte, no extremo norte mesmo, mais para dentro ali na periferia, ali era um pouco complicado, ali não tinha muito... Não tinha muita opção de lazer não, o que mais tinha... tem um clube que eu me recordo que tem até hoje, que é o Clube do CEEFO, que é um dos poucos né, onde tem quadra de futebol, tinha algum tipo de brinquedo assim para as crianças, playground, essas situações, mas é um dos poucos clubes que a gente tinha opção para estar ali, aí devido a eu gostar bastante de jogar bola né, a gente juntava aquela galerinha ali da comunidade e sempre tava indo para lá para jogar bola né, para a gente se divertir ali jogando, que era o que a gente mais gostava de fazer.
P/1 - Você falou que com os seus amigos ia jogar bola, e o que você queria ser do futuro, o que imaginava, o menino ali da Brasilândia, no futuro?
R - É, ali desde pequeno né, o que a gente, até falando sobre futebol, o que a gente mais gostava era de jogar bola, então o sonho era ser jogador de futebol né (risos), acho que a maioria da molecada ali, que nasceu na periferia naquela época ali, tinha um sonho de jogar futebol. E a gente a gente conseguiu... Hoje em dia já tá bem diferente né, o tempo tá bastante... Mudou-se muita coisa, é tecnologia, essas situações, criança de hoje em dia já não se apega tanto a futebol que nem na nossa época, mas a gente conseguir juntar 15, 20, 25 garotos assim e ir jogar bola, então nosso sonho era ser jogador de futebol. Inclusive muitas vezes a gente saiu para fazer teste né, sem muito recurso, mas a gente ia, a gente já saiu para fazer teste na época no Nacional, Portuguesa, em algum lugar onde o Corinthians ou o Palmeiras tava... Né, tava abrindo ali uma seleção, para tentar selecionar garotos ali para jogar. O sonho era jogar futebol, mas... Aí o tempo foi passando, muita coisa aconteceu, a gente não... Eu não consegui né.
P/1 - Por vontade ou... Você jogava futebol de verdade, das pessoas falarem "esse cara conhece"?
R - Ah, modéstia parte eu jogo bem sim (risos), modéstia parte eu jogo bem. E foram poucos times que eu joguei que eu fui reserva, assim, modéstia parte, não é... Difícil a gente estar falando da gente mesmo, mas modéstia parte eu sempre joguei bem sim, onde eu joguei, os times que eu joguei ali na periferia. Eu jogo de volante e jogo como zagueiro também. Assim, eu jogo mais como volante, não sou destro, jogo mais como volante, mas quando precisa ali dar uma segurada na zaga, a gente é bom marcador ali, dá para fechar ali legal.
P/2 - Vitor, teve algum jogo... Quando você era mais jovem assim, adolescente, ainda na rua ou no clube, teve alguma situação bem marcante que até hoje você lembra? Jogando assim, de algum jogo, algum passe?
R - É... Assim, situação marcante no jogo em si... Já teve situações marcantes assim, já teve... Tanto situações ruins como já tiveram situações boas também, já teve uma situação marcante assim, eu disputando um campeonato onde a gente montou um time que dentro desse campeonato a gente tinha... A gente tinha outros times que eram bem melhores que a gente, a gente sabia disso, a gente era um time meio que limitado assim, mas ali todo mundo sabia jogar, mas só que tinha um time que eram caras mais velhos e tal e relativamente eles eram melhores que a gente, ai a gente chegou, se eu não me engano, nas quartas, conseguimos chegar nas quartas de finais desse campeonato, e foi onde a gente pegou o time nas quartas de final que era o time que tava cogitado para ser campeão desse campeonato. E antes de começar o jogo, a gente viu a diretoria dos caras lá na beira do campo falando "não, a gente montou esse time" né, o time adversário nosso, "a gente montou esse time para ser campeão, porque esse campeonato da acesso a um campeonato melhor né e tal, e a gente montou esse time para ser campeão, então a gente veio hoje para desbancar esse time do favela", que era no caso o nosso, o nosso time se chamava favela né, na época, "e a gente veio hoje para ganhar deles e partir para semifinal, e na semifinal a gente já consegue essa vaga para esse outro campeonato né", a semifinal já dava essas vagas para esse campeonato melhor e tal, aí foi onde eu escutei isso do pessoal e levei isso, coloquei isso na minha mente, coloquei isso dentro de mim tal, e entrei para dentro do vestiário. Ai dentro do vestiário a gente tava se trocando né, aí eu fui e falei para os meus companheiros, falei: "Ó, o pessoal ali fora falou que montou esse time deles aí para ser campeão e que hoje não daria para nós e que eles iam atropelar a gente né, mas só que eu acredito mais na gente, eu acredito que a gente pode sim, a gente sabe que o time dos caras é muito bom, que acha que não tem time melhor do que eles nesse campeonato, mas só que eu, quando eu entro dentro de campo, é para ganhar, não importa, eu gosto de desafio, eu gosto de dificuldade, né, que na minha vida também nunca foi nada fácil, então vamos para cima, quem tiver afim de ir para cima agora, essa é a hora. Os caras estão falando que vão atropelar gente, mas só que a gente vai entrar dentro de campo para bater de frente com eles e mostrar que a gente também tem nosso valor" né, então eu acho que aquele depoimento ali deu uma... Né, deu uma vibe em todo mundo ali, e entramos para o jogo. E quando a gente começou a jogar, deu 10, 15 minutos, acho que os cara experimentando nosso time, tocando a bola e tal, aí a gente pegava também, tocava a bola, e acho que no primeiro ou no segundo contra-ataque nosso, de uma roubada de bola, a gente conseguiu fazer 1 a 0 em cima dos caras, sem acreditar fizemos um a zero. Legal, mas ainda assim continuamos com o pé no chão, sabendo que a gente era um time inferior a eles, e eles ainda com aquele negócio de estrelinha né e tal, os caras já tinham sido campeões da Copa Kaiser, aqueles campeonatos mais fortes que tem na Várzea, mesmo com um a zero para gente eles continuaram com aquele salto alto e tal, num segundo contra-ataque a gente foi lá e conseguiu fazer 2 a 0 nos caras (risos). No primeiro tempo, tudo isso no primeiro tempo. Então quando eles começaram a cair em si que o negócio tava ficando meio difícil para eles, aí foi quando eles começaram acordar e começaram a jogar de verdade (risos), eles começaram a se comportar com mais firmeza no jogo, até então já tava 2 a 0 para gente. E acabou o primeiro tempo. Na volta do segundo tempo, aí foi onde acho que eles realmente acordaram, então foi um jogo de ataque e contra defesa, eles atacando e a gente só se defendendo, a gente não conseguia mais se sair de uma forma legal, mas só que eu acreditava que o meu time pudesse sair dali com a vitória né, 2 a 0, pensava em muita retranca aí, que a gente já viu muito treinador aí no profissional fazer uma retranca e dar certo, então a gente conseguiu ir se segurando, os caras foram mais ou menos aos 15, 20 minutos do segundo tempo, eles conseguiram fazer um, e ainda assim a gente acreditando, a gente acreditando, isso ai foi bem marcante porque o juiz dessa parte partida era amigo deles também, e na Várzea a gente sabe que tem muito isso, muito juiz caseiro, então vai ficando complicado a coisa para gente que não... Que aquele juiz tá tá sendo bastante caseiro né, acaba complicando. O juiz, por incrível que pareça, acabou, geralmente na várzea ali cada tempo eles levam em torno de 35 minutos, no máximo 40 minutos esse é o tempo né, que eles dão na Várzea, se a gente jogou esses 35, 40 minutos e o juiz colocou, se eu não me engano, mais 15, 17 minutos de acréscimo (risos) para ver se os caras conseguiam empatar esse jogo e levar para os pênaltis né, que eram as quartas de finais, que eles não estavam acreditando que eles tavam perdendo para gente. E o juiz ali sendo pressionado pela diretoria dos caras, que eram amigos deles e tal, deu mais 15, 17, 18 minutos de acréscimo e a gente brigando com o juiz, não tinha jeito, ele não acabava, até que teve uma hora que não teve mais como ele esticar né, acabou o jogo. E aí foi bem marcante porque a gente conseguiu tirar o melhor time do campeonato, ir para semifinal, conquistar uma vaga né, nesse campeonato melhor que tinha, e foi bastante marcante para mim, isso aí foi bem legal.
P/1 - E vocês ganharam.
R - Ganhamos, ganhamos, esse dia ganhamos.
P/1 - Vitor, a gente vai ainda falar sobre futebol, mas vamos falar um pouco ai sobre a educação. Qual a lembrança que você tem da escola e até o ciclo que você estudou?
R - Da escola? Assim, minha lembrança na escola Foi uma... Foi uma lembrança, assim... Assim, boa.
P/1 - Você lembra o nome da escola?
R - Lembro, é... Quer ver... A primeira escola que eu estudei foi aqui na Barra Funda, a gente sempre morou na Zona Norte né, ali na Brasilândia, periferia, um pouco mais afastado, mas a escola que eu estudei, minha primeira escola, foi a Olga Ferraz Pereira Pinto, que era do lado do... Hoje em dia ainda tem, que é do lado do parque da Água Branca ali na Francisco Matarazzo. Devido a minha mãe trabalhar né ali na região das Perdizes, então ela conseguiu essa vaga e a gente ia, era só eu e meu irmão mais velho na época, a gente estudava ali e... E a gente... Voltava para casa, estudava ali na Barra Funda, mas depois teve uma mudança, depois é o seguinte, eu vou te dizer, eu sempre fui um menino um pouco que arteiro na escola (risos), eu era um pouco arteiro e não sei se foi se foi a falta do meu pai, se foi algo ali que... Não sei, acho que... Hoje em dia eu acredito que Deus Ele tem um plano traçado para cada um né, cada um tem sua personalidade, cada um...
P/1 - O que você define como arteiro, o que era um menino arteiro?
R - Ah, eu era bagunceiro, fazia arte na escola.
P/1 - Arte de pintura, essas coisas?
R - Não, arte de pintura não (risos). Eu era aquele menino bagunceiro, meio que... Às vezes... Não era briguento, mas... Sempre estava envolvido ali situações que... Que assim, não eram muito... Não era muito... Não era um menino vamos, dizer que é muito obediente, mas não era um menino malvado, mas também não era obediente assim, a ponto de ser aquele aluno ali que todo professor quer ter não (risos).
P/1 - Você me enganou, porque você tem uma cara de menino que empinava pipa no ventilador.
R - (risos) Não, não, que isso. A minha infância é pipa no ventilador ali, a gente sempre fala isso também, pessoal joga bolinha de gude no carpete, empinar pipa no ventilador, mas a minha infância foi bem diferente. Bolinha de gude no chão de terra ali da rua mesmo, da periferia, pipa ao ar livre mesmo, cerol, essa coisa toda ai.
P/1 - E nesse período de escola, de menino arteiro, você tem lembrança de algum professor? Boa ou ruim, algum professor que te marcou? Ou professora.
R - Tem, tem. Tem uma professora minha que me marcou, assim. Tinha uma que era muito brava, professora muito brava, que era aquelas que era linha dura mesmo, que chegava... Acho que peguei uma época que a gente ainda, quando colocava de castigo elas ainda colocavam com o joelho no chão ali atrás da porta (risos), ainda cheguei a passar por isso ai. Mas teve... Teve pessoas assim que também eram pessoas bacanas, que eram acolhedoras assim também, na escola eu sempre... Depois que eu sai da escola, ali na Olga Ferraz, eu fui transferido para uma outra escola, que era o Dom Pedro I, ali na própria Barra Funda também, ali não sei se vocês conhecem, ali na Rua Marta, Rua Olga, Rua Marta, ali, do lado da Igreja Católica São Geraldo ali, na entrada do Elevado Costa e Silva. Ai estudei, ali foi uma época bastante legal porque eu tive uma professora, eu só não me recordo o nome dela, que era uma professora de educação física, e a aula que eu mais gostava era educação física, português, educação física, mas educação física era predileta né, que aquele menino bastante agitado, que gostava de futebol, de esporte, então... Tinha uma professora bastante bacana que ela selecionava, na época a gente tinha a Copa Danape, não sei se você se recordam, tinha Copa Danape, tinha algumas olimpíadas entre escolas e tal, da região, então ela selecionava né, tinha o time de vôlei da escola, tinha o time de futebol, tinha o time de basquete. Então foi uma época bastante legal que... Que na época eu fiz parte da seleção de futebol da escola né, mais jovem ali, infanto-juvenil nessa época, então era uma época bastante legal porque a gente saia para competir fora né, ai tinha o ônibus da escola, o pessoal levava a torcida da escola também, então era legal né, era legal fazer parte daquilo, você ser né, ali fazer parte do time, a escola ali torcendo por você, aí também era legal porque também tinha né, as meninas que gostavam do... Né, as meninas gostavam dos meninos que jogavam, automaticamente também tinha as meninas do vôlei, a gente ia para vê-las jogarem também, o pessoal do basquete era um pessoal mais velho, era um time mais velho ali que era legal torcer também, que na escola tinha um time, ali no Dom Pedro tinha um time bastante bom, ali era uma escola bem competitiva assim nas modalidades que tinham ali.
P/1 - Ai você está falando ai, tinha as menininhas que iam lá curtir os caras que jogam, e rolava uns namoros?
R - Ah, rolava (risos). Rolavam uns namoros. E na época, assim, eu me recordo que a gente era mais ficar né, não tinha... Às vezes namorar assim, a gente era bastante jovem, 13, 14, 15 anos assim, era mais né... Não tinha tanto compromisso, mas geralmente a gente ficava com uma menina ali e tal, ficava um tempo, às vezes né... Às vezes já não dava muito certo, aí tinha uma outra garota, ai a gente ficava com uma garota (risos) e assim o negócio ia (risos).
P/1 - Você estudar longe de casa, fora do bairro, isso teve alguma influência (com os amigos?) No bairro, sentiu alguma diferença assim com eles também? De você não estar participando direto com eles, o tempo todo.
R - Então, assim, a gente estudar fora do bairro onde eu morei... Pode-se dizer que foi uma experiência legal por que, porque a gente convivia com pessoas que já não eram do nosso dia-a-dia né, no... Ali no bairro onde a gente mora e tal, mas... Assim, a gente sente falta porque quando eu tava em casa, vamos supor, dia de final de semana, ou quando chegava da escola mais tarde encontrar os amigos ali né, da vila onde a gente morava, aí a gente já não conseguia participar tanto das histórias que acontecia ali na escola do bairro né, porque geralmente eu tava afastado do convívio que era o convívio do pessoal onde a gente estudava, que eles também tinham né, e geralmente poucas pessoas do bairro onde eu moro... Onde eu morava estudava lá, então quando a gente... Era um pouco diferente nesse sentido né, o pessoal começava a falar das situações da escola lá do bairro, onde todo mundo estudava, a gente ficava um pouco de fora disso daí porque já não tinha convivência na escola onde a gente... Onde... Mas só que eu me recordo que na minha adolescência, quando eu fiz 15, 16 anos, foi quando eu já passei estudar na escola do bairro onde eu moro, ai eu tive um pouco mais de convivência com pessoal, tive um pouco mais de convivência assim, participar um pouco mais né, das situações da escola do bairro onde eu moro, mas só que ele não foi tanto também, é... Alguma coisa mudou na minha vida, teve uma época que eu me afastei um pouco da escola devido a ali ser só a minha mãe né, e... Acho que por ser um menino um pouco que Rebelde assim, eu parei uma época de estudar, aí eu me afastei da escola um pouco, aí já teve uma parte um pouco mais... Começou a vir uma parte mais complicada ali da minha vida, ali na adolescência, me deixei levar por situações ali do bairro onde eu morava e tudo, aí teve um pouco de... Teve uma mudança assim, um pouco significativa ali na minha vida assim.
P/1 - Só pra gente recomeçar 15, 16 anos você voltou pro bairro, o seu bairro. Você trabalhou... Você estudou aqui no bairro, no começo da Perdizes, que é uma referencial entre a Zona Oeste, Centro e a Zona Norte, que ali é tido como, entre aspas, um "bairro de boy".
R - Sim.
P/1 - Existia diferença dos seus amigos da escola com os seus colegas daqui da Perdizes, da periferia? Tinha diferença? O tipo, a roupa, jeito?
R - Tinha, tinha, tinha bastante diferença. Pode-se dizer que era uma escola, na época no Dom Pedro ali, na Olga Ferraz ali também, eram escolas do estado né, se eu não me engano do Estado, mas só que eram escolas boas né, de bom ensinamento, de bons professores e tal, então tinha bastante... Tinha bastante criança lá também que não era do mesmo... Do mesmo... Como eu posso dizer? Do mesmo... Da mesma situação social que eu, eu era uma criança que era da periferia, mas que tive a sorte de estudar nessas escolas, mas que lá também, nessas escolas, tinham pessoas que tinham um poder aquisitivo maior né, independente de ser escola do estado, então eu consegui conviver com pessoas que tinham um poder aquisitivo maior, e na minha vila já era totalmente o contrário, onde eu morava era totalmente o contrário, lá a situação, né, de pobreza, muitas vezes pobreza extrema, mas aí a gente vê esse contraste aí quando eu vinha estudar nas Perdizes, na Barra Funda, que tinham pessoas que... Então a gente, vamos supor... Não sei se vocês se recordam, a gente usava Quixute, o Bamba (risos), tinha esses tênis, é. É então, a gente chamava de Bamba Cabeção né, que falava e tal, mas só que aí...
P/1 - Eu usava o Rainha preto.
R - É, então, o Rainha já era para poucos lá na Brasilândia né, já era para poucos. Então aqui, já nas Perdizes, aí a gente já viu o pessoal já de Nike, a gente via o pessoal de Adidas, já tinha... Tinha uma diferença bastante grande né. Na época também a gente curtia bastante o basquete norte-americano lá, né a NBA, já era bastante forte, então a gente tinha aquela moda que era os bonés de oito linhas né, que era do Chicago Bulls, Charlotte Hornets, Los Angeles Lakers, mas só que onde eu morava aonde eu morava o pessoal já... O pessoal que conseguia ter um boné desse, ou um tênis desse, que nem a gente fala o pessoal, era o pessoal que ralava, tinha que ralar muito. Eu creio que muitas vezes tinha pessoas que deixavam, faltava alguma coisa dentro de casa lá na periferia para poder ter um tênis daquele, ou um boné daquele, ou uma roupa daquela porque era realmente caro né, e... Mas aqui, já vindo para o lado da Barra Funda, das Perdizes, a gente já era bem mais fácil de encontrar né, tinha bastante diferença sim, já era mais... Era mais fácil de ver né o pessoal daqui da Zona Oeste já usando nesse tipo.
P/1 - Ai a gente chegou no bairro. 14, 15 anos, tem que trabalhar né? A gente sabe como é a vida. Qual foi o seu primeiro emprego e quando foi?
R - Então, o meu primeiro emprego, que eu me recordo, minha mãe uma época ela trabalhou ali, tem a Rua Turiaçú, ali nas Perdizes, e tem a Rua Paraguaçu, que é uma quase chegando lá embaixo, perto da Cardoso de Almeida, ali a Monte Alegre, e tinha um... Minha mãe era empregada doméstica. Ela era... Na realidade ela era faxineira né, que... Nesse açougue, era um açougue, era do senhor... Eu me esqueço, eu não me recordo, faz bastante tempo, eu esqueço... Era um açougue. E minha mãe trabalhava lá. E na época entregava, o pessoal entregava carne de bicicleta né, tinha aquelas bicicletas com um caixote na frente e outro atrás, e o pessoal entregava carne, os entregadores, aqui nas Perdizes, e eu me recordo que minha mãe me... Com patrão dela, ela me arrumou uma vaga lá, eu tinha 14 anos, isso aí foi 94, então eu trabalhei um tempo ali, trabalhei um tempo ali com o pessoal, conheci a maioria daqueles prédios ali, eu entrava em quase todos, entregava carne né, pro pessoal, esse foi o meu primeiro emprego. Esse aí foi o meu primeiro emprego.
P/1 - Ai passou a estudar a noite?
R - Aí passei a estudar à noite na vila onde eu morava, mas só que isso ai também, o estudo, não durou muito tempo não, aí teve uma época que eu parei e tal, um pouco rebelde, ai parei de estudar. E esse emprego também não durou muito tempo não, porque... Acho que uma época ali aconteceu uns problemas, acho que eu bati, não me recordo direito, bati no carro de um cara no meio do trânsito lá, dei uma estragada no carro do cara, e eu meio rebelde (risos) fui discutir com o cara, o cara pegou o telefone do açougue que tinha no avental que eu usava, ligou la pro patrão e reclamou, reclamou, e ele acabou me mandando embora, ali não durou muito tempo não, durou cerca de cinco, seis meses esse emprego aí.
P/1 - Hoje você falou várias vezes aqui no nosso bate-papo que se tornou um cara rebelde, o que é um cara rebelde? O que você se tornou, que tipo de rebeldia?
R - Assim, pra mim é... Ali né, da forma que eu vivia ali, rebelde no sentido do que... Rebelde... Acho que só a minha mãe, acho que falta um pouco da figura de um pai ali, para segurar um pouco mais, não que minha mãe não segurasse, mas às vezes enquanto ela trabalhava e a gente ficava um pouco mais na rua né, sem nenhuma ocupação, foi quando a gente começou a ver e conhecer situações ali que já fugiam um pouco do que aquela que a nossa mãe, que qualquer mãe quer para um filho né, a gente começou ver ali o tráfico de drogas, a gente começou ali a ficar mais próximo de pessoas que já eram... Que eram pessoas envolvidas no mundo do crime na época, aí foi a rebeldia, eu falo vem em relação a isso né, a gente ali através de brincadeiras na rua, aquela molecada e um amigo ou outro se envolvendo e tal, aí veio aquela época um pouco mais de querer ter algo que a gente não podia ter né, na época o que a nossa mãe... Que a minha mãe não tinha condições de me dar, graças a Deus o sustento dentro de casa nunca faltou não, mas ali a gente queria um tênis de marca não tinha, a gente queria uma bicicleta não tinha, a gente queria um videogame não tinha condições de ter, você entendeu? Às vezes a gente queria sair para passear não tinha condições de ter um dinheiro ali, para passear e tal, aí foi onde a rebeldia veio desse lado né, infelizmente eu acabei me envolvendo ali com o tráfico de drogas, a gente começou a... "A gente", eu falo assim, porque muitos amigos meus eu posso levantar a mão para o céu, que hoje em dia eu falo que Deus Ele olhou muito por mim, eu posso dizer que eu sou um sobrevivente, porque quem conhece bastante a história das periferias Zona Sul e Zona Norte principalmente, o extremo da Zona Sul e da Zona Norte, teve uma época, a gente chegou ver na televisão, que tinham bairros que morriam mais gente do que nas guerras que tinham em outros países aí para fora, então eu costumo dizer que Deus ele teve um... Teve um plano bastante forte na minha vida sim, e que eu sou um sobrevivente. Então eu vi muita coisa, eu vi muitos amigos meus se perderem no mundo do tráfico, do assalto ali, assalto à mão armada, e inclusive né, eu... Isso nunca vai ser glória para ninguém, hoje em dia eu me arrependo disso, eu participei de situações no tráfico de droga ali, cheguei a usar droga, participei de assaltos, inclusive é uma parte, né, que nem eu já falei antes, uma parte triste da minha história, foi quando... Foi quando eu participei de situações assim, eu cheguei a ser preso, passei... Passei algum tempo... Cara, eu posso te dizer que foi um... Que foi um bom tempo, e não foi uma, nem duas vezes, eu tive quatro prisões na minha vida. Então juntando essas quatro, dá em torno de... Em torno de uns 10 anos mais ou menos de prisão ali, juntando essas quatro vezes aí, mas hoje em dia Deus me libertou, eu creio que hoje em dia a religião que eu sigo agora, que eu vivo, eu consegui entender mais o plano de Deus ali na minha vida e que Ele tem na vida de cada ser humano né, então eu creio que foi necessário isso para que aqui na frente eu conseguisse enxergar algo melhor, e até vendo e crendo que Deus realmente teve uma parcela muito grande ali em proteger a minha vida, me guardar esse tempo todo, para que hoje eu pudesse estar aqui né, contando essa história aí, não foi fácil não, passei por muita situação difícil.
P/1 - De dez anos você passou quatro preso, vamos colocar ai, um quarto da vida.
R - Isso, mais ou menos isso.
P/1 - E aí você passou por essas turbulências, e bola, ficou fora? Jogo de bola?
R - É, nesse tempo (risos), aí é o seguinte, futebol eu nunca parei, futebol nunca parei. E dentro do presídio também tem seus campeonatos, porque é uma das poucas situações ali que... Que é um entretenimento ali né, para quem está encarcerado e tal, tem o futebol sim, quando tem bola tem futebol né, que muitas vezes ali tem uma bola, ai estrago ou fura, aí tem uma certa dificuldade para os funcionários lá darem uma bola nova para o pessoal, mas eu sempre fui envolvido, sempre tive assim, os caras também selecionavam, vamos supor, um lugar tem... Tem, vamos supor, oito pavilhões, aí faz um campeonato entre os oito pavilhões ali e tal, e eu já tive também na seleção do pavilhão, ali na cela onde eu convivi eu sempre participei ali do time da cela. Eu nunca parei de jogar não, mas lá dentro futebol é mais... (risos) o negócio é mais em baixo, só joga quem realmente tem personalidade, tem força, porque o negócio lá dentro é para quem gosta mesmo.
P/1 - Peneirão, lá é... Como é o peneirão lá para escolher quem é que joga?
R - Ali, vamos supor, na célula onde você mora, aí vai ter um campeonato ali no pavilhão, aí a gente: "Quem gosta de futebol, quem joga?", aí :"Eu jogo, eu jogo", e tal, aí você seleciona assim, vai ter um cara sempre que ele se coloca como técnico, que nem na rua, o cara ele vai ver "não, você sabe", "ah, você já não sabe", lá os caras selecionam dessa forma (risos) "não, você não sabe, então fica quietinho". Então, aí a gente colocou o time para jogar, certo? Aí quem gosta ele participou, então o cara vai ver quem joga e quem não joga, "ah, você não tá legal para jogar não", lá os caras são bem diretos, não tem a comunicação, lá é bem direto, entendeu? Então e aí geralmente... E para um time de pavilhão, tem sempre um cara ali que ia tomar conta da seleção do pavilhão, então ele tá vendo ali os times de todas as celas e tal, então ele consegue selecionar, ele vai lá "não, você pode fazer parte da seleção do pavilhão, você também, você também", ele acaba escolhendo os melhores ali do o pavilhão e se forma a seleção".
P/1 - E juiz? Rouba?
R - Não, ali dentro aí já não tem como juiz roubar (risos) porque o jogador também é... Os jogadores também são terríveis né, então juiz ali é o lugar aonde ele tem que ser mais imparcial porque...
P/1 - Uma final, ai o juiz é mais chegado de um ou outro time, ele pode?
R - Não, não tem juízo chegado, lá dentro não tem juiz chegado, não tem time de casa, ele tem que ser o mais imparcial possível, porque ali ele tá lidando com time de criminoso, o outro também é criminoso (risos), então ele vai ficar entre a cruz e a espada ali. Então ele tem que ser o mais Imparcial possível né, ele tem que ser.
P/1 - E o jogador sabe quando tá sendo roubado?
R - Não, o jogador sabe se ele tiver sendo roubado ali é... Ele fica... É um ou outro mundo né, ele fica bravo, ele vai parar o jogo na hora, ele vai tentar resolver na hora, não é que nem o futebol normal que a gente...
P/1 - Da pra fazer um paralelo por exemplo entre o campeonato da penitenciária e o campeonato ai amador? (Copa casa?)
R - Não, hoje em dia já não dá mais. Antigamente dava né, tinha um pessoal. Eu ouvi falar, graças a Deus eu não passei ali pelo Carandiru, mas só que teve muitas penitenciárias... Antigamente recebia a times da rua para jogar com o pessoal de lá de dentro, hoje em dia já não pode mais, acho que por...
P/1 - Os caras eram bons de bola?
R - Ah, vou te falar, se você é bom de bola, tem cara muito bom de bola, porque não sei a circunstância da vida de cada um foi levando cada um para um lado, mas... Assim, você vê boleiro, boleiro de verdade, que nem você vê um monte de cara profissional hoje em dia que não chega aos pés dos caras que jogam bola dentro de um presídio, de caras que jogam futebol amador dentro das periferias, você fala "caramba, por que que aquele cara não é profissional?". Talvez ele não teve oportunidade ou talvez ele não teve força de vontade suficiente para poder correr atrás, mas hoje em dia disparado a gente vê muito cara na beira de campo aí que é muito melhor do que muitos jogador profissional sem dúvida. Sem dúvida. Lá dentro? Também, muito cara bom de bola.
P/1 - Cai e levanta na hora, né? Não fica.
P/3 - Tem um famoso que é o Cesar, lateral esquerda, que eu acho um "cracasso" de futebol, jogou no Corinthians, depois foi jogar no México e era dai, do Carandiru. Lateral esquerdo.
P/2 - Você disse que não passou pelo Carandiru, você ficou no interior, em alguma?
R - Não, eu graças a Deus tive a sorte de... Assim, sorte entre aspas né, que... Só falar em sorte em estar preso não seria uma sorte, mas eu creio que sorte ou azar a gente mesmo que faz né, então... Mas só que nesse sentido, eu tive a sorte de não ter ido para o interior, mas eu passei por penitenciárias aqui de dentro da região metropolitana, eu passei duas vezes pela penitenciária 1 de Franco da Rocha ali, não é diferente de penitenciárias do interior né, a única sorte minha que eu falo foi ter conseguido ter ficado aqui dentro da capital de São Paulo, aí eu não tive tanta dificuldade assim para ter uma visita, que nem o pessoal que... Que vamos supor, está em Pacaembu, Avaré, Venceslau, lugares onde é muito mais longe, onde a família tem muito mais dificuldade, o gasto é muito maior, então eu tive essa sorte de... Das vezes que o que eu passei penitenciária, foram duas vezes, e eu consegui ter ficado aqui em penitenciárias de dentro da capital, então foi um pouco... Foi menos difícil para minha família, para mim.
P/2 - E também você passou pela Fundação Casa?
R - Não, então, por incrível que pareça eu aprontei bastante quando era adolescente assim, mas não cheguei a passar pela Fundação Casa não. Eu quando... A minha primeira prisão foi 99, quando eu tinha 19 anos, aí eu já fui direto para... Né, para lugares onde era para pessoas maiores de idade.
P/2 - Vitor, tem alguma situação enquanto você esteve lá em Franco da Rocha que você acha importante contar, registrar? Ou alguma coisa que você aprendeu, além do futebol que você descreveu e foi muito importante, mas alguma outra situação assim que você acha importante contar.
R - Assim... O que é importante contar é... Vamos supor, para mim, no meu modo de pensar... E que nem eu já falei aqui também, Deus tendo guardado a minha vida, eu creio nisso, hoje em dia eu creio bastante em Deus, o que é importante contar que é uma lição de vida né, é uma lição de vida. A gente vê hoje em dia, eu tive uma mudança na minha vida, eu tenho minha família, eu tenho minha esposa, eu tenho meus três filhos, então eu vivo uma vida regrada hoje, hoje eu tenho minha religião, de terça, quinta e domingo eu tô na igreja, durante a semana eu tô trabalhando, final de semana eu vou jogar minha bola ainda, que eu não parei né, aí jogo ali, jogo, volto para casa, já não fico mais em bar, em resenha. Eu graças a Deus já não tenho mais vícios de bebidas, drogas, eu tenho uma vida mudada assim, pode-se dizer, mas o que é importante lembrar da época que eu passei é mais a lição de vida né, poder passar para os jovens que hoje em dia estão se perdendo na vida do crime aí, que cadeia é um lugar onde você perde sua juventude, é um lugar onde você... Para muitos você perde a família, tem muitas famílias aí que... Que o cara ele aprontou, aprontou, aprontou, ele não deixou nada lá na rua, vamos supor, um dinheiro, não deixou nada, e ele fica na dependência da família, a família também é pobre, a família não tem muitas condições, e lá dentro o que você precisa é sua família que tem que levar. O governo simplesmente ele te dá um café da manhã, ele te dá... Ele te dá um almoço, ele te dá uma janta, simplesmente te da um café da manhã que é um pão para cada um, uma caneca de café com leite, esse é o café da manhã, eles te dão uma marmita ali... Muitas vezes... Algumas vezes vem uma fruta e na janta também, o atendimento médico é muito precário, então praticamente o governo não te dá quase nada que você precisa, mais a sua família que te leva. Então uma família sendo humildes, situações assim, muitos vão perder o convívio com a sua família, a família não tem condição, tem muitas famílias que abandonam, tem mulher... Eu posso levantar a mão para o céu, que eu tenho a minha esposa, infelizmente também para ela, ela teve que enfrentar... Graças a Deus foi uma mulher guerreira também que... Que eu posso agradecer muito a Deus por ter colocado ela na minha vida, ela já... Ela teve... Dessas quatro prisões que eu tive, três ela teve comigo, porque a primeira a gente ainda não se conhecia, mas realmente ela foi uma mulher guerreira e me acompanhou essas três vezes e tal, levou meus filhos para me ver, minha mãe também graças a Deus, que é uma mulher cristã também já tem mais de 20 anos no cristianismo também, acreditou muito na minha mudança, acho que deve ter pedido muito para Deus também, não me abandonou, então eu tive a sorte assim da minha família me acompanhar e... Poder dizer que de lição para mim ficou o que? A tristeza que a gente dá para família, a gente perdendo também a nossa juventude, para muitos perdendo a velhice ali dentro de um presídio, e que... Se tiver que dar conselho para alguém, eu daria um conselho para os jovens, que tem muitos que acham a vida do crime legal, boa, é ostentação, não sei o quê, mas no final de tudo, quando acontece uma situação assim, aí você vai ver realmente naquilo que você se meteu, naquilo que você se enfiou, quando você tá na mão da justiça, e para entrar na mão da justiça é bem rápido, o difícil é para você se livrar dela né, é muito complicado. Mas o que eu posso destacar assim é o sofrimento da família, é o que você passa lá dentro também, que não é fácil, você tem que ser realmente uma pessoa firme ali para entrar e sair com dignidade, sem que ninguém né... Sem que sua integridade física e moral seja agredida, então você tem que ser bastante firme. Eu posso dizer que eu tive bastante personalidade assim como um cara homem de poder, primeiramente o básico né, de respeitar o outro para você ser respeitado. Então graças a Deus eu sempre consegui respeitar e eu demonstrava esse respeito, então automaticamente eu também era respeitado. E assim eu consegui né, graças a Deus, passar por essa fase aí e conseguir sair firme e forte, com a mente boa. Hoje em dia graças a Deus e a mudança que eu tive também foi lá dentro mesmo, inclusive em cima da minha religião que eu tenho, eu me converti ao cristianismo dentro do presídio.
P/2 - E como foi essa situação, como que você se converteu? Foi por meio de alguém, como que aconteceu?
R - Então, porque dentro do presídio tem as igrejas também, lá tem esse trabalho. Tem muitas igrejas aí, a própria Assembleia, a Deus é Amor, a Universal, a congregação, tem a Pastoral Carcerária que é da Igreja Católica também, então eles fazem o trabalho dentro dos presídios. Então ali dentro a gente tem o espaço onde tem os cultos no dia a dia, tem as denominações, então cada uma separa o seu espaço ali do dia de culto e tal. E assim, a gente busca a Deus mais na dificuldade né, na dificuldade é onde a gente começa a buscar Deus, a gente começa a pedir socorro para Deus, para quem acredita, então na dificuldade a gente... Então em cima da dificuldade, da saudade, muitas vezes em situações que ocorreram no dia a dia ali, vamos supor, está para estourar uma rebelião dentro do presídio, ali não veio... Não vamos dizer que a gente é homem de ferro, que a gente não sente medo, a gente sente medo, a gente sabe que ali vidas vão estar expostas, quantos e quantos não perderam a vida dentro de rebelião nos presídios. Então é onde a gente começa a buscar mais a Deus. E no dia a dia eu ia, tinha os cultos da igreja, tinha um pessoal já, os pastores, os membros da igreja, que eles passavam de cela em cela "oi, vai ter culto tal horário".
P/1 - Os pastores são os próprios presidiários?
R - De lá de dentro, os próprios presidiários, mas tem o pessoal da pastoral carcerária que faz o trabalho dentro lá também, que eles dão suporte para igreja lá dentro né, então...
P/2 - De fora pra lá.
R - Isso, de fora lá para dentro. Então é onde... Foi onde eu comecei, na dificuldade, saudade da família, saudade dos filhos e tal, foi quando eu comecei buscar mais a Deus, aí comecei a participar dos cultos e tal, aí Deus foi falando comigo, em oração ali eu pedi a muita coisa para Deus e tal, aí foi onde eu comecei a participar mais dos cultos e... E foi quando Deus tocou no meu coração né, porque na palavra de Deus ela fala não somos nós que escolhemos a Deus e sim Deus que nos escolhe, então quem conhece o evangelho aí sabe que é assim que funciona, que o pessoal, os filhos de Deus, vamos dizer o pessoal que é da igreja, os pastores, os membros, eles vão plantando uma sementinha né, ele te fala uma palavra hoje, te fala uma palavra amanhã e é o Espírito Santo de Deus que faz aquela semente crescer dentro de você e é o Espírito Santo de Deus que te convence, então graças a Deus, eu agradeço a Deus que... Teve um certo culto que eu tava participando e foi onde eu senti no coração, acho que Deus falando bastante comigo, foi onde eu aceitei Jesus Cristo ali e... E fui né, me joguei de cabeça na religião, e até hoje. Sai convertido, graças a Deus já estou a um tempo em liberdade, e to até hoje, graças a Deus, e desse caminho eu peço para Deus não me tirar mais (risos).
P/1 - Só por curiosidade, que horas são os cultos? São a noite? Pode ser a noite?
R - Os cultos? Eles são a noite assim, vamos supor, dentro da cela que cada um mora, porque tem um horário. De manhã... As celas abrem oito horas da manhã, aí você volta para dentro da sala meio-dia para hora do almoço, aí é servido almoço, quando é uma hora da tarde você sai de novo de dentro das celas e quando é quatro horas da tarde é recolhido para dentro das celas de novo, ai fica todo mundo... Assim, os horários de cultos são nesses horários para a população em geral do pavilhão né, é onde tem o espaço da igreja, aí vem o culto, que é para a população geral. Mas aí tem aquelas elas que é... Que é só do pessoal da igreja, cela separadas assim para o pessoal que é da igreja. Tem os presídios que... Que tem né, as celas que... Tem alguns que não, que o pessoal que é crente evangélico convive com pessoal que não é, pessoal que não tem religião, mas tem, na maioria dos presídios tem, a cela que é separada só para o pessoal da igreja. Então ali também rola um culto à noite onde pessoal buscar bastante, lê bastante a bíblia, tem uns trabalhos da igreja ali no dia a dia, então tem, tem relógio de oração, tem trabalhos que faz específico ali na cela de onde é o pessoal da igreja.
P/2 - As celas de organizam de pessoas morando que são só daquela religião ou não? Por acaso? Por exemplo, quem é evangélico vai morar numa cela só eles, acontece assim?
R - Isso, geralmente é separado assim. Pessoal não importa a denominação, porque tipo, tem a Deus é Amor, Assembleia, congregação, são todos cristãos, todos evangélicos ali e tal, então mora junto. Porque não tem como ter uma sela para congregação, uma cela pra Assembleia assim, então vamos supor, dentro de um pavilhão que tinha quarenta e... Que nem na Penitenciária 1 de Franco da Rocha ali, dentro de um pavilhão eram quarenta e oito celas, vamos supor que... Umas seis celas do pavilhão eram separadas para o pessoal da igreja. Entendeu? Pessoal da católica já é diferente, é um pessoal que não tem muito aquela regra, então é um pessoal que mora junto com a população normal assim, catolicismo já é um pouco diferente do evangelho.
P/1 - E a convivência é normal, vocês convivem normal? Evangélico, católico?
R - Não, a convivência normal, é amigável entre todos.
P/1 - Não tem nenhum tipo de zoação?
R - Não, não, não, não, não tem. Isso aí é...
P/1 - É imaginação nossa.
R - É, não tem não, a convivência é normal entre todos.
P/2 - Você falou que deixou de estudar uma época. E lá dentro, você voltou, teve aula lá, chegou a estudar lá dentro?
R - Então, dentro do presídio em si, em alguns tem escola, não é em todos. Que eu, na minha opinião, todos deveriam ter, mas não são todos. Mas onde eu passei, ali na penitenciária 1 de Franco da Rocha e depois eu fui para o CPP de Franco da Rocha que é o semiaberto, ali mesmo tinha escola, mas só que eu dei mais preferência para um trabalho remunerado do que para escola. Por que? Porque eu precisava ajudar minha família lá fora. Assim, no trabalho a gente tem uma remuneração, você ganha um salário, então eu preferi o trabalho ali do que a escola porque aí eu vi que era a mais viável para eu poder mandar um dinheiro ali para ajudar minha família e meus filhos.
P/1 - Como você conheceu sua namorada e sua esposa?
R - Minha esposa? A gente... Eu convivi ali na rua dela, com os brother também que eram uns brothers também meio atrapalhados na época (risos), a gente fazia vamos dizer que umas correrias ali, e ela sempre passando do trabalho para casa, ela tinha se eu não me engano... Uns 18, 19 anos na época, e ela passava. Chegava do serviço, passava da escola ia para casa e tal, e a gente se olhando ali, se vendo, aí teve uns amigos nossos que todo ano o pessoal no Carnaval fazia um passeio para o litoral. Aí foi onde um amigo meu, ele sempre participava desse passeio, é o meu amigo Leno, ele sempre participava desse passeio junto com o pessoal, pessoal convidava ele e tal, ia uns amigos nossos, ia também as irmãs dos meus amigos, ia a minha esposa, que hoje em dia é minha esposa, ela ia também, tinha umas meninas também envolvidas nesse passeio, tinha as mães e os amigos nosso, era a situação de família né, alugava uma casa e ia para o Carnaval nessa época. Aí foi quando eu falei com esse amigo meu, eu falei: "Leno, conversa com o pessoal lá, com a Dona Márcia, que organiza lá e tal, vê se eu posso ir com vocês, pessoal não dá muita abertura para gente, vê que a gente aqui da rua é meio bagunceiro, mas eu tenho vontade de passear com vocês, vê se ela arruma uma vaguinha para mim nesse passeio aí", ai foi quando ele conversou com ela e o pessoal falou que podia, que tava tranquilo, aí fui, paguei também minha parte da estadia na casa lá, a gente fazia compra todo mundo junto, ai cada um pagava a sua parte de tudo, dividia os gastos e tal, e nessa daí ela foi né, que é a Catarina, minha esposa, ela tava também envolvida, e quando a gente desceu para o litoral ficou aquele negócio né, a gente tinha uma galera da rapaziada ali, as meninas também um ficou com um, outro ficou com outro, ai... Ali ela falou pra amiga dela, que eu tinha uma amizade também, falou que tava afim de ficar comigo a gente acabou ficando lá no litoral. E voltamos, mas situação de ficar assim. Aí voltamos depois esse passeio, passamos acho que cinco ou seis dias lá, aí voltamos a gente teve esse contato, a gente acabou se gostando, começamos a ficar aqui também, na Vila ali tal e tudo, e... Foi rolando, estamos juntos até hoje, graças a Deus.
P/1 - E a família dela achava legal? ____ (01:01:36)
R - Não, então, isso aí foi uma parte complicada também (risos). O pai dela não queria, porque o pessoal me conhecia lá, o pai dela não queria eu junto com ela não. Mas creio eu que pai e mãe não seguram ninguém, quando dois se querem, quando dois se gostam não adianta o pai e... A mãe dela era um pouco mais maleável, não aceitava muito, mas era um pouco mais maleável, o pai dela já era um cara mais ríspido assim, já era um pouco mais rígido, não aceitava. Inclusive a gente teve briga por causa disso e tal e... Só que aí ele tentou separar a gente de várias formas, mas não teve como né, quando os dois...
P/1 - E aí foi quando ele falou "Vai".
R - Não, ele não falou "vai", ele viu que não tinha jeito (risos) e acabou aceitando, não teve jeito.
P/1 - E ela é evangélica também?
R - Assim, ela vai... Ela vai para a igreja assim, esporadicamente, ela vai assim, mas ela ainda não é evangélica, ela não tá seguindo que nem eu, mas creio que Deus um dia vai colocar tudo no eixo ali, eu peço para Deus colocar ela nesse caminho também.
P/3 - E hoje a situação mudou com o seu sogro?
R - Então, meu sogro já faz alguns anos que ele é falecido, mas só que... Assim, hoje em dia eu sinto a falta dele porque depois eu... A gente teve uma filha na gravidez dela, ela perdeu essa nossa filha, aí foi um momento bastante difícil, ele mandou ela para outro lugar, mandou ela lá para Minas Gerais e tal, tentando separar a gente, mas aí não teve jeito, a gente perder a nossa filha, enterramos e tudo, a gente se gostava tanto que a gente falou: "Perdemos essa? Vamos fazer outra" (risos), pra você, ver a briga do pai não tava... A gente tava descartando totalmente, a gente não queria saber. Então veio meu segundo filho, que é o meu filho mais velho, Ruan, que hoje tá com 14 anos. O que acontece, ela ficou grávida novamente aí a gente teve esse nosso filho e nessa época também ela tava grávida, eu tava em liberdade. Ela com 5 meses de gravidez eu fui preso. Então meu sogro ele tava bastante ali do lado dela e... Meu filho nasceu, aí teve aquela proximidade, ele viu que não tinha como descartar eu porque ela também não me abandonava e não me largava e a gente tinha aquele vínculo, ele foi, que nem você disse, ele foi aceitando. Aí depois de um tempo eu fui embora, fui de liberdade, onde a gente né... Aquela "amargudez" foi passando, a gente foi... O filho da gente foi aproximando a gente, que ele também gostava bastante, que era neto. E o que acontece, a gente foi pegando mais aquela proximidade e aos poucos a gente foi perdendo aquela situação, ele viu que independente da vida sem regra que eu levava, mas eu sempre fui um cara que cuidava da minha família, independente da vida que eu levava na rua eu cuidava da minha esposa, eu cuidava dos meus filhos, eu não deixava faltar nada, então ele viu que eu era um cara que eu tinha atitude de homem ali dentro da minha casa, então ele começou a aceitar mais assim, ver que... E quando ele tentava brigar comigo, eu era “marrudo” também, eu brigava com ele (risos), eu não baixava bola, então ele viu "Nossa, esse cara aí eu acho que eu tenho que respeitar né, ele não é aquele cara que eu vou chegar e vou ter moleza e tal", então foi onde a gente começou a pegar uma proximidade e a gente se tornou a amigo, graças a Deus a gente se tornou amigo. E teve vezes que ele precisou ficar em casa, que eu tenho minha casa também, eu e minha esposa, ele precisou ficar em casa, a gente acolheu ele dentro de casa, a gente se tornou amigo. Aí ele veio falecer e eu agradeço a Deus aí por ter... Né, antes de ele ter falecido a gente ter se tornado amigo e tal, e ficou tudo bem graças a Deus.
P/2 - Eu não te perguntei dos outros filhos, como que foi. Como vieram, quem são, o nome deles.
R - Então, primeiro é o Ruan, o Ruan tá com 14 anos, é o mais velho. Eu tenho Leonardo de 7 anos o Leonardo. O Leonardo a gente já... Depois que eu ganhei minha liberdade, que eu... Em 2009/2010, que eu tinha sido preso em 2004, fiquei até 2009... Aí vim embora. Aí foi onde minha esposa engravidou de novo, aí a gente teve o Leonardo, que hoje em dia tem sete anos. E eu tenho a Vitória, de um ano e seis meses, que é a nossa bebê, que a mais nova aí da casa, que tá dando bastante alegria e dor de cabeça já também (risos).
P/3 - Você se casou, teve um casamento formal?
R - Então eu tô para me casar agora. Eu já comprei alianças. Porque é o seguinte, a minha religião, que eu tô hoje, ela permite eu me batizar nas águas quando a gente se casar né, então eu já tô... Por incrível que pareça, esses 17 anos aí a gente não se casou, mas agora... Não pela religião né, mas também né, já para eu deixar tudo certinho. Já comprei aliança, a gente já tá correndo atrás de padrinhos, estamos tentando.
P/1 - Você avisou ela? Já pediu ela pra casar?
R - Já, pedi, pra família, tudo ali, tudo certinho.
P/2 - E ela, como foi pra você? Agora, ser pedida em casamento?
R - Ah, foi uma felicidade total né. Falou "ué, você estava me enganando esses anos todos aí", eu falei "não, não tava te enganando, é que a gente não tinha muito" (risos), a gente meio que um pouco rebelde assim, mas... Mas foi bem legal, a gente formalizou ali no dia que tava tendo aniversário de um sobrinho nosso e a... Não, se eu não me engano foi do meu filho mais velho, foi em... Junho agora, foi aniversário do Ruan, aí a gente fez um bolinho para ele, chamamos a família para cantar os parabéns para ele, aí já tinha comprado a aliança, o negócio já estava planejando, aí tinha bastante gente, que a família é grande lá, ai falei "ah, vai ser agora" (risos).
P/1 - Foi de surpresa?
R - Foi, foi de surpresa, foi. Ali, foi na hora ali, uma surpresa. Aí falei para a mãe dela, as tias, minhas cunhadas ali, meu cunhado, aí foi uma bagunça só (risos).
P/2 - Você lembra da declaração? Do que você falou?
R - Ah, eu lembro, lembro.
P/2 - Pode contar?
R - Posso. Tava rolando o aniversário do meu filho, o pessoal ali cortando bolo, distribuindo para as crianças e tal, aí eu falei que tinha uma surpresa para contar, todo mundo acho que mais ou menos já esperava, ai já começou uma gritaria, tinha bastante primos nossos, tios, tinha bastante gente, tava na casa da minha sogra. Aí foi onde eu falei "Ah, eu tenho uma surpresa para contar", aí todo mundo já começou a gritar acho que todo mundo já esperava né, que eu tô há bastante tempo lá na família, maioria parte da família dela. Então aí eu falei "Ah, eu queria pedir a mão da Catarina em casamento", aí foi uma bagunça geral. Chamei minha sogra, fiz aquela situação né, o pessoal meio que me forçando, "ajoelha, ajoelha para ficar mais legal" (risos), aí me ajoelhei e tal, aí "Catarina, você aceita se casar comigo?", "Celeste, minha sogra, você concede a mão da sua filha em casamento", aí foi tudo legal, foi tudo... Foi bem bacana.
P/2 - De trabalho? E agora, depois, como que você foi retomando seu trabalho? Você disse que quando você estava na Franco da Rocha você trabalhava la dentro, e depois, quando você saiu, foi possível retomar algum trabalho?
R - Então, assim, eu sou habilitado. Antes eu ser preso eu trabalhei, eu tava já há cinco anos trabalhando como motofrentista já direto. Aí eu trabalhava e fazia um pouquinho de coisa errada, em cima dessas situações erradas eu acabei indo preso em 2015. 2015; Agora vai fazer... Tem seis meses que eu tô em liberdade. E eu trabalhava né, já trabalhei como motorista, fazendo entrega com HR, com Fiorino, e trabalhei também na rua como motoboy por um bom tempo. E esse sempre foi meu plano, que é a profissão que eu... Né, que eu que eu tive assim, que eu escolhi para mim, que eu sempre gostei de andar de moto, e tal e eu querendo já sair daquela vida desregrada, aquela vida que eu andava levando, eu parti pra rua, para trabalhar como moto frentista. Então agora, dessa vez que eu saí, eu tive que regularizar minha habilitação, tive que renovar, que ela tava em dia e tudo, mas eu tive que renovar e procurei algumas situações. Mas tem uns amigos nosso lá na vila que o pessoal tem uma firma de... O pessoal fala que é chata, descarrega e carrega caminhão. E eu já não posso ter muito... Não posso ter o privilégio de ficar parado, porque eu tenho três filhos, certo? Então foi quando eu encontrei uns amigos meus, falei: "Ei, vocês não têm alguma coisa para fazer assim, assim, tal. Tô precisando trabalhar até eu poder renovar a minha habilitação, até eu poder comprar uma moto" ali para poder voltar para a rua, que é a profissão que eu tenho. Aí o pessoal arrumou uma vaga para mim, então a gente faz uns bicos lá. E não é ruim não, é bom, a gente descarrega um caminhão por dia e quando tem dois a gente recebe duas vezes, não é um dinheiro... Assim, não é muito, mas também é um dinheirinho que dá... Que é legal, se você juntar no mês ali dá um bom salário, e por enquanto, essa semana eu ainda tava trabalhando com eles, mas só que... Eu só tava juntando uns documentos, fiz uma entrevista esses dias numa firma de moto frete e o pessoal já me deu uma vaga, a vaga já é minha lá, eu vou estar começando segunda-feira agora, ser registrado, tudo certinho, e vou voltar para a profissão que eu seguia.
P/3 - Você ainda joga bola hoje?
R - Jogo, jogo sim. Jogo. Tem vídeos recentes ai eu jogando, tem fotos recentes. Eu jogo todo sábado, o time que eu jogo no momento é esse aqui, União da Brasa. A gente está jogando um campeonato ali. Continuo jogando, aqui é... Tá zerado ainda.
P/1 - Os times são aqui da Zona Norte? Essa... Vamos dizer "Liga"?
R - Isso. Esse campeonato em si é da Zona Norte, que eles estão homenageando um pessoal que é o Campo do Bonfim ali próximo da igreja do Bonfim, ali na Itaberaba, eles estão homenageando um... Um brother lá que é antigo, muito antigo, foi um dos fundadores desse Campo, que ele já é falecido, é o finado Bisteca. E eles estão homenageando ele, fizeram a Copa Bisteca. Então é um campeonato que fizeram para homenagear ele e a gente tá participando, e exclusivo para times da Zona Norte, ali da região. Se eu não me engano... Se eu não me engano tem uns 12 times, 16 times, mais ou menos, participando desse campeonato.
P/1 - Você lembra dos times que jogou?
R - Os times que eu joguei? Então... Há muito tempo, quando era adolescente, eu joguei no Comercial de Pirituba, foi pouco tempo, mas joguei lá. Joguei no Cruzeirinho da Vila Souza, que também é um time da Zona Norte. O Vida Loka em si eu sou um dos fundadores, do Vida Loka. Tem um outro pessoal que era fundador, mas que já é falecido também. Hoje em dia eu não vou muito mais lá porque é time de torcida muito grande e eu já não tô participando muito, eu só jogo assim no time que eu tô hoje em dia, mas não vou muito mais lá. Eu já joguei num time que se chamava Virajuba, inclusive eu tenho a carteirinha, eu trouxe uma carteirinha, que é da época de 92, 94 assim. Eu joguei muitos times da região ali, joguei no Favela, que é esse time que eu tava contando esses dias, que foi um dos melhores jogos que eu já joguei na Várzea, joguei no Arsenal, que era um time de salão na época, jogava salão também, joguei no Arsenal. Joguei em vários times, foram inúmeros times que eu joguei na vila.
P/1 - E o Vida Loka é no Campo do Cruz ali, vocês jogam lá ainda?
R - Não, Vida Loka na realidade ele é um... É de lá de dentro da Brasilândia e é do Jardim Icaraí ali, tem o clube do Fazendinha, que hoje em dia é um dos pontos onde eles estão... Eles até tiraram uma parte do terreno, onde vai ser acho que a última estação de metrô da Zona Norte da Brasilândia. Tá num projeto, acho que tá meio parado, mas é ali onde era, inclusive esse espaço também foi do Criança Esperança, e onde tem o campo onde é a casa do Vida Loka, mas o Campo do Cruz é um campo aqui na Braz Leme, aqui do lado, onde é um complexo de campo de futebol de Várzea ali, onde a gente já jogou inúmeras vezes ali também.
P/2 - Falando em campo, você sabe se foi mudando muito os campos? Antes tinha mais, agora menos... Daqui da região Norte.
R - Assim, da região norte... O que tem de diferença... Não é que estão diminuindo, que nem esse do Fazendinha que eu falo, tinha um campo embaixo e outro em cima, mas devido às obras do metrô tiraram o campo de cima. E eram um "campão" demais, tinha jogo bom, hoje em dia passou tudo para o campo de baixo, foi um campo que foi extinto, mas devido a essa obra. Mas assim, falar em campo menos, acho que não tem menos campo, só que eles estão diminuindo o... O terrão né, antigamente era mais o terrão, hoje em dia eles estão colocando grama sintética na maioria dos campos, então que tá mudando mais na Várzea é isso aí, tá sendo trocado a terra ali pelo gramado sintético, mas ainda se encontra bastante campo de terra. Mas não... Extinção de campo acho que não tem... Não tem tanto não, porque... Assim, os times não param nas vilas, então não tem como extinguir os campos assim não.
P/1 - Perguntar uma coisa. Por exemplo, futebol de várzea é uma coisa bem raiz da periferia e ai pra contratar os caras ___ (01:18:25) é cerveja, um churrasco. Você sendo evangélico eu não sei se você bebe ou não, tem evangélicos modernos.
R - Não, não, não (risos). Esse modernismo ai pra evangélico não ta muito de acordo não. É que tem gente que não ta lendo a bíblia direito (risos).
P/1 - De qualquer forma isso aí é muito bom, acabou o jogo, ganhou, o cara vai oferecer um churrasco com a cerveja e vai ter a resenha, como você se comporta? Pega a moto e vai pra casa?
R - Então, hoje em dia... Antigamente eu era aquele cara que eu jogava o jogo do meu time, eu ficava na arquibancada esperando alguém para me chamar pra jogar o próximo jogo, porque a gente conhecia muita gente, eu era... Como se diz na várzea ai, "febrão", eu era "febrão" de futebol, então eu jogava bastante. Hoje em dia não, hoje pra mim mudou. Até pela minha religião. Eu só não parei de jogar, mas eu vou direto para o campo, me troco, jogo, ai eu já não fico na resenha mais, porque ai rola né, rola uma bebida... A gente sabe como que é aquela situação de beira de campo, tem aquela situação... Tem bastante palavrão, vocês sabem como é beira de campo, o palavreado e tudo, eu to tentando mudar um pouco isso da minha vida, então... Eu acabo o jogo, no máximo ali na beira do campo a gente tá numa lanchonete ali, do campo onde a gente tá jogando, as vezes o pessoal para pra beber uma cervejinha, eu bebo um guaraná rápido só pra refrescar o corpo quente, já pego minha moto ou meu carro e vou embora pra minha casa, eu já não fico tanto assim pra eu poder ter aquela mudança que eu quero. Mas assim, tem a resenha. O pessoal faz um churrasco, o pessoal bebe uma cerveja, a mulher começa a ligar "E aí meu, não vem pra casa não?" (risos). Porque é gostoso, quem... Pra quem joga sabe que é gostoso. A resenha é antes e depois do jogo. Mas o pessoal também em relação a bicho, essas situações, antigamente o pessoal jogava mais pela camisa. Tipo, o meu time, o time da minha vila, eu jogo porque eu gosto, é o time que a gente fez ali, só que também o pessoal precisa de time forte, precisa de caras bons para jogar, e muitas vezes ali na vila é tão competitivo, é tanto time, tem muito time, então acaba... Vamos supor que meu time eu tô precisando de um cara que joga na meia, eu tô precisando de um volante ou de um centroavante bom, então a diretoria vai buscar em outro bairro. Aí muitas vezes aquele cara ele não é do nosso bairro, então ele não vai jogar, ele não conhece a raiz do nosso time, ele não é da vila, então ele vai querer alguma coisa em troca, certo? E a diretoria para ter um cara bom ali jogando o que acontece, ele acaba ali dando uma chuteira para o cara, ou ele abastece o carro ou a moto do cara para o cara vir jogar, ou ele dá uns R$ 100, R$ 150 para o cara por jogo ali, para poder, então tem essa situação né, é um incentivo para o cara poder jogar ali no time. Mas na maioria das vezes aí é o próprio...
P/1 - O cara que sabe lá, você não tá ganhando nada pra jogar, joga por amor à várzea, a diretoria contratou o outro cara que...
R - Então, os caras tem que saber lidar com isso também, porque ai já vem uma diferença, já tá tendo uma diferença entre o cara lá que vem de fora e eu. Porque que eu não ganho nada (risos) e o cara ganha? Aí tem esse tipo de questionamento. Mas aí já faz, já vem... Já fica uma situação que cabe à diretoria ali, talvez não falar nada para ninguém que tá pagando o cara, "Não, só tô trazendo esse amigo nosso aqui, vai fechar com o time e tal", ele acaba não divulgando ali para o restante dos jogadores que ele tá pagando o cara para vim jogar, já para não ter aquele atrito dentro de campo, para eu não fazer corpo mole, eu que não tô recebendo nada e tal. Os caras têm um jogo de cinto cintura lá, mas a gente sabe que tem... Então, o cara ele sabe manobrar ele a situação.
P/2 - Fala pra gente que não sabe o que é resenha, quem tá assistindo o seu vídeo?
R - Ah, resenha... A resenha assim, a resenha antes do jogo né... A resenha antes do jogo é a gente falar sobre o que pode acontecer no jogo, a forma que a gente quer jogar, como a gente se comportou no jogo passado, se a gente ganhou ou perdeu no jogo passado, o que a gente tem de bom para trazer para o próximo jogo, o que tem de ruim, e a resenha após o jogo, depois do jogo é tudo aquilo que aconteceu no jogo em si. Ou a gente falar o que aconteceu na semana, porque também é uma situação da gente reunir amigos, o time ele traz muito isso, a gente quer ganhar e tudo, competir, mas tem aquela situação da amizade, o pessoal trabalhou a semana inteira aí que estar junto ali no final de semana, tem muita... Tem muito jogador também que leva a esposa que gosta de ir na beira do campo, leva os filhos também, e acaba se familiarizando ali, o pessoal. Então tem aquela resenha também pós-jogo, o pessoal vai discutir a derrota ou a vitória "ah, você jogou mal", "você jogou bem", "ah, você fez um golaço", "ah, você perdeu aquele gol, na cara do gol", essa é a resenha, o que aconteceu em si dentro do jogo. Aí acaba também saindo história do profissional, aí tem o são-paulino, o palmeirense, o corintiano, o santista, aquele que torce para o Barcelona, para o Real Madrid também, aí sai uma resenha de forma geral ali dentro do futebol.
P/3 - E a torcida do bairro, acompanha o time?
R - É, tem times... Que nem no Vida Loka, já é um time que a gente pode considerar que é um time de massa, que ganhou muita torcida, é um time que veio jogando forte, veio jogando bem, participando de campeonato que eram bastante... Tinha a visibilidade dentro da várzea, então o Vida Loka foi um time que que ganhou bastante torcida. O Vida Loka hoje em dia ele é conhecido em São Paulo inteiro, talvez até fora de São Paulo, que teve uma final uma vez da Copa Kaiser que foi entre estados, o Vida Loka ganhou em 2009 a Copa Kaiser dentro de São Paulo, aí teve a final dos estados né, da Copa Kaiser, aí se eu não me engano ano teve os times que ganharam em Santa Catarina, no Paraná, então automaticamente esse time bastante visibilidade. E a gente jogou bastante fora na época também, teve uma época que a gente ficou 36 partidas sem perder para ninguém e 86... 80% mais ou menos dessas 36 partidas foram fora de casa, então a gente começou a trazer bastante gente para beira de campo, então foi adquirindo bastante torcida. Mas tem times, que nem esse que eu tô jogando agora, que é o Brasa, a gente ainda tem pouca torcida, é um time que tá tá começando agora, tá se levantando e tal, e... Geralmente tem torcida, e a torcida do bairro é exigente que o pessoal é... (risos) pessoal pega no pé do jogador da casa. Sabe, o pessoal se você fizer muita bobagem dentro de campo (risos) é meio arriscado, pessoal é bastante apaixonado pelo time da vila ali também.
P/3 - Tem esses torcedores que são emblemáticos? Assim, que vai com (face tipo?), caracterizado?
R - Tem, tem sim. Que nem, essa camisa que eu tô é de atleta, certo? É para quem joga. Tem a camisa da diretoria também, para os diretores, então se tem para atleta, tem para a diretoria, tem para técnico, tem que ter para torcedor também, geralmente tem times que tem bateria, tem camisas de bateria, tem camisa de torcedor, então pessoal se envolve também a ponto de comprar as camisetas, boné, bermuda, é, e aí o pessoal vai fazendo aquela festa ali para o jogo de final de semana, tem sim, pessoal se envolve bastante.
P/2 - E você foi um dos fundadores do Vida Loka, você falou.
R - Fui um dos fundadores. Inclusive eu trouxe uma foto que tem um dos amigos nossos também que foi um dos fundadores, ele era Presidente, e é uma história um pouco triste também, não sei se vocês sabem, dentro da sede do Vida Loka ocorreu de umas pessoas encapuzadas entrarem dentro da sede e assassinar esse amigo nosso, que foi um dos fundadores junto com a gente, que é o falecido Kaká. Ele foi o primeiro cara que pensou em montar um time, na época ainda não tinha nome, mas a gente... O senhor Paulo era o cara que tomava conta do campo do Fazendinha e tinha um horário, o Kaká morava ali do lado, foi onde ele chegou em mim, que a gente já tinha uma amizade, falou: "Vitor, vamos montar um time? Você que é um cara que joga bola, conhece bastante gente aí ó, eu arrumei um horário no campo, aí você conhece bastante gente, chama os caras aí, vamos montar um time?", eu falei: "Vamos, vamos montar sim. Aí tinha uns outros amigos nossos, tinha o Alex, o Sandro, o Roger... Tem outros que que são finados também, o falecido o Tiago, que o apelido dele era piu-piu, tinha o Tiago também que é amigo nosso até hoje, ta em uma das fotos aí que eu trouxe aí, que a gente ali na hora "vamos, vamos fundar esse time, vamos montar esse time", aí foi onde a gente montou ali na hora, e ele falou: "Como que vai ser o nome do time?", aí a gente começou a pensar, um falou o nome, outro falou outro nome, aí ali a gente... A nossa vida meio que... Né, uma vida meio que na correria para lá e para cá, e acabamos colocando o nome de Vida Loka nesse time. Vida Loka né, correria, nada fácil, então acabou ficando Vida Loka. Foram sugeridos vários nomes e tal, aí a gente colocou Vida Loka, que é esse time aí, que hoje em dia tá aí, e tem bastante amigo meu lá, tem amigos que são falecidos, mas o time continua firme lá, forte.
P/2 - E precisa de incentiva, precisa de financiamento pra coisas, vocês tinham que correr atrás?
R - É, a gente tinha que correr atrás, a gente, com o nosso trabalho, a gente juntava a diretora, porque no começo eu sempre fui jogador e diretor. Por que no começo a gente precisava de pessoas que incentivassem de que forma que, dessem um dinheiro para a gente juntar para comprar uniforme, comprar bola, comprar uma bolsa de remédio, então... A gente foi se ajudando dessa forma, tinha a diretoria e os jogadores. Na época eu jogava e ainda era um dos diretores, conselheiros ali do time tal. Aí depois o time foi criando força, começaram a vir outras pessoas para beira do campo, aí vieram algumas parcerias, amigos nossos que trabalhavam em tal firma falaram "pô, esse time é legal e tal, a gente pode colocar o nome da nossa empresa na camisa? A gente dá uma força, a gente compra um... Mandar fazer um uniforme, coloca", e assim veio, aí vai surgindo parceria, tem várias parcerias aí hoje em dia. Os times da várzea também levam ali na camisa algumas marcas que ajudam o time e é assim que funciona, ali o pessoal vai buscando uma parceria ou outra e vai levando.
P/2 - Foi legal esse time que você começou a crescer?
R - Ah, foi legal porque a gente vê uma situação que a gente cria, assim, dar certo. Tem situações triste, que nem a perda de alguns amigos, mas não especificamente por causa do time, a gente não sabe o motivo das situações que ocorreram, isso não é atribuído ao time, mas assim é legal porque... Porque é um time que... Vamos supor, quem gosta de time de várzea, quer ver o time dar certo ali e tal, foi uma situação que deu certo, que foi que foi legal sim, o time cresceu bastante, é conhecido, é bem legal.
P/1 - _____ (01:32:13). Você falou da torcida e eu fiquei interessado nisso, porque quando eu (joguei?) Com ele era torcedor como eu sou do Corinthians, como se fosse uma religião, como são os nossos times profissionais. Eu tinha uma (tal?) Da várzea antiga ai ele me contava "você tem que ir lá, é Vida Loka".
R - É, a gente sabe que o negócio... Beira de campo quem conhece sabe como é ne.
P/2 - A gente não conhece como é.
R - Não? Beira de campo de várzea é assim, é o pessoal da comunidade. Ali você vai... Vai ter diversos tipos de situações. Assim, muitas vezes não é legal pra gente falar assim, mas todo lugar tem gente boa e gente ruim, e na beira de campo não é diferente. Se você vai também no jogo do Corinthians, ou do Palmeiras, ou do São Paulo, vai ter pessoas ali que a gente não conhece que tem o seu modo de vida, e na beira de campo vai todo mundo, vai o bom, vai o ruim, mas o mais interessante é que o futebol ele consegue unir tudo. Raça, cor, condição social, futebol ele une tudo. Então a beira de campo ela é legal por causa disso.
P/1 - E mantem essas rivalidades? Vida Loka e Brasa, por exemplo... Eu to dando o exemplo dos times que você jogou, você tem rivalidade, as torcidas tem... Por exemplo, da rua de baixo com a rua de cima.
R - Tem, tem rivalidade. Porque você é apaixonado pelo time que você joga, eu sou apaixonado pelo meu, então eu quero que meu time ganhe aquele campeonato, você também quer que seu time ganhe aquele campeonato, então vai pegando essa rivalidade né? Igual o profissional. Que nem, o Vida Loka mesmo, um dos maiores rivais do Vida Loka na várzea é o Danubio, é um time ali da Zona Norte próximo também do Hospital Penteado, ali na Avenida Petrônio Portela. É um rival que é o seguinte, às vezes era perigoso as duas torcidas brigarem, já teve briga de torcida, é coisa que a gente não... Não incentiva nem nada, mas o futebol ele mexe tanto com a pessoa que chega a ter esse tipo de rivalidade. E tipo, eu não posso jogar, eu que jogo no Vida Loka não posso jogar no Danubio, o cara que é do Danubio não pode jogar no Vida Loka, a rivalidade ela existe sim e é cada um defendendo seu escudo (risos).
P/3 - E as meninas, mulheres. Quando ia jogar vocês tinham alguma diferença? Como vê o futebol de mulher, como o pessoal da várzea vê o futebol feminino?
R - É, o futebol feminino na várzea... Como pode-se dizer, ali são poucos os lugares que tá tendo ou mantendo um time feminino, que nem a gente vê isso no próprio futebol profissional, a dificuldade que as meninas têm para levar times profissionais. Se tem essa dificuldade no profissional, que dirá na várzea, né? Na várzea assim é bem difícil, mas para gente em si... Vamos supor, é legal porque... Uma que tá dando oportunidade para as meninas jogarem bola, lá no campo do Fazendinha mesmo, no campo do (Sefox?), são clubes de dentro da Brasilândia. Tinha trabalhos para... Para o futebol feminino, mas ultimamente eu não sei se tá tendo, faz tempo, não é divulgado, tá meio que difícil assim, tá meio dificultoso para as meninas. Mas para gente é legal, a gente gosta da beira do campo, mulher ela já é bela em si, certo? Então ela jogando futebol, ela se mostrando ali, o negócio fica melhor, fica bom também, um ambiente mais agradável. E tem que ter espaço para todos, tem que... Mas tá difícil, não tá fácil para elas não.
P/2 - Vitor, e você falava muito de quando você era jovem e tudo, adolescente. Atualmente tem alguma ação social dos times, dos jovens, existe isso? Voluntários diferentes para mostrar essa reação com o futebol?
R - Então, são poucos times que têm condições, porque a várzea em si ela tem que ser sustentada pelos próprios diretores e geralmente são pessoas simples, que tem seu trabalho simples. Às vezes um diretor de um time ele é faxineiro numa empresa, às vezes um diretor de um time ele é um cobrador de ônibus, então ele não tem aquela condição de fazer dentro do time um trabalho social, entendeu? Então já fica meio difícil o Vida Loka em si ele é um dos poucos times que tem algum tipo de trabalho social assim, você entendeu? É o pessoal... Por ele ser um time que tem bastante idade dentro da várzea, então tem bastante gente que acompanha. As vezes por ele ter também alguns parceiros ali que ajudam no dia a dia do time, então ele consegue fazer algum tipo de trabalho social, vamos supor... No Natal, pessoal consegue recolher bastante presente, vai buscando parcerias, pessoal do Vida Loka vai buscando uma parceria ali, outra aqui, e consegue uma boa doação de presente para criançada. Aí o pessoal pega uns carros, caminhões, aí vai, veste alguém de Papai Noel e tal, e vai passando no bairro distribuindo presente. Vamos supor, no Dia das Crianças acontece a mesma coisa, o pessoal buscar parceria também, consegue um monte de presente e sai pelas ruas distribuindo. Às vezes faz essa ação dentro do próprio Campo ali, que é a casa, faz o jogo, chama o adversário e vai ter presente para as crianças e tal. Aí vai chamando, distribui. E tem alguns outros trabalhos lá que eu não... Eu não estou muito por dentro, mas o pessoal consegue fazer algum tipo de trabalho social assim. Mas não são todos os times, devido à condição financeira do time, não são todos que fazem, mas creio que dentro da várzea em si tem time forte aí que consegue ter algum tipo de trabalho social para a população sim.
P/2 - Assim, de time de adolescente, treinar adolescente, treinar criança, tinha algum?
R - Então, isso parte mais do pessoal que cuida do campo ali, escolinhas de futebol. Tem dentro do... É, tem sim. Que nem, eu mesmo trouxe uma carteirinha minha de um pessoal, que é o... O apelido dele é o Nego, eu tenho foto dele aqui também, que até hoje ele faz esse trabalho, acho que há quase 30 anos. Ele é um cara também que não é ajudado por nenhum tipo de ONG, nada, ele tem o trabalho dele e final de semana ele tem algum material, ele tem bola, colete, meião, esses negócios, e ele leva a molecada mais jovem, tem aquele horário na quadra da escola, no bairro... No campo do bairro ali, e ele consegue tirar um pouco da molecada da rua e levar para jogar um futebol, aí tem um time, ele consegue entrar nuns campeonatos, festivais, faz alguns jogos amistosos e tal, e consegue levar essa garota aí para poder sair um pouco da rua, para jogar um futebol, é interessante. Tem algumas pessoas ainda que fazem esse trabalho, que tem esse interesse aí dentro da vila sim, tem.
P/3 - Tem alguma coisa que você queria falar que a gente não perguntou? Quer dizer alguma coisa?
P/2 - Mais a sua história, aquela história que a gente não perguntou. Alguma história que você queira contar.
R - Algo que eu queira contar?
P/2 - Pode não ter, mas se tiver...
R - Ah, eu tenho um monte de coisa pra contar, mas acho que seria mais fácil ser direcionado (risos), algum tipo de pergunta.
P/2 - É porque a gente já está chegando no final, então assim, você veio com aquela história na cabeça e acabou não contando, se tem alguma coisa. De qualquer época da vida.
R - Ah, de qualquer época da vida... [pausa] Ah, eu mesmo que... O que eu queria... Não que eu queria falar o que eu penso em falar assim é... Por tudo que eu já passei na minha vida, pela história que eu venho contando aqui, eu queria mais enfatizar... Uma situação assim, hoje em dia a gente vê que a desigualdade dentro do Brasil ela é muito grande, certo? É o rico cada vez ficando mais rico e o pobre, talvez... Talvez não, a vida do pobre ela melhorou um pouco de uns anos para cá, mas ela também não é um mar de rosas. Mas o que eu queria enfatizar hoje em dia, eu tendo uma responsabilidade como pai de família, eu tendo filhos, eu conseguindo enxergar melhor esse lado da vida, em direcionar meus filhos e até ver pessoas jovens ali também dentro da periferia onde eu moro, o que eu queria enfatizar aqui é... Para o para os governantes né, para os políticos, porque a gente vê tanta situação de desigualdade, a gente vê tanto a política levando o dinheiro da população, situações que eram para ser feita dentro da periferia, porque que nem a minha vida, talvez... Não tô levando isso como desculpa, mas talvez a minha vida tivesse tido outro rumo se tivesse mais investimento dentro da periferia, se eles tivessem um olhar mais... Um olhar mais... Olhar de uma forma mais especial ali para os jovens de dentro da periferia, dar mais oportunidades, criar mais escolas, dar um pouco mais de segurança. Ali a saúde também, que é precária, entendeu, enfatizar isso, eu queria ver uma situação assim... Uma melhora na vida da população mais carente em si, mas... Tentando mostrar que isso tem que vir da parte política. A gente vê esse... Outro dia aí eu tava vendo umas reportagens, tudo que foi roubado dentro da... Da política de 30 anos para cá, a vida da periferia de forma geral dentro de São Paulo era para ser uma realidade muito diferente do que é hoje, mais não sei quantos bilhões já foi. E o trabalhador continua trabalhando, continua pagando o imposto muito alto, mas cada vez a saúde tá pior, a educação tá pior, a segurança tá pior, enfatizar que a periferia ela merece um pouco mais de visibilidade né, de situações onde possa crescer, geração de emprego para as pessoas poderem sustentar sua família de uma forma mais digna. Eu não tenho muito o que falar assim, minha vida... Porque hoje em dia eu já tenho uma direção que é cuidar da minha família, então tenho que lutar e correr atrás.
P/2 - E como pai, você quer falar alguma coisa em relação aos seus filhos?
R - É, como pai eu quero falar...
P/2 - Assim, alguma situação que você queira contar?
R - Assim, o que eu posso falar para os meus filhos é que... Que eu fui... Eu fui um cara criado praticamente sem pai, eu tive padrasto, mas também foi uma pessoa que não foi legal na minha vida também, não foi legal na vida da minha mãe. Hoje em dia já não tem mais essas pessoas nossas vidas, mudou bastante, mas eu fui criado sem pai. Hoje em dia eu agradeço a Deus por ter meus filhos e agradeço por estar vivo e podendo cuidar deles, da forma que eu posso, da maneira que eu posso. E hoje em dia de uma forma honesta, graças a Deus. O que eu quero enfatizar é que... Que meus filhos e que eu possa ter força para cuidar deles de uma forma legal, incentivar eles a irem para um lado bom, meu filho ele já tem 14 anos, a gente vê muitos jovens de 14 ai fazendo muita coisa errada. Eu também posso levantar a mão pro céu em relação a isso, porque meu filho tem 14 anos, mas ele ajuda dentro de casa, ele é um garoto que nunca repetiu na escola, ele ajuda a gente nas tarefas dentro de casa, ele é inteligente, ele não tem uma visão muito daquele garoto que quer fica na sua, conhecer aquelas situações ali muito erradas. Mas dentro da escola ele deve ver muita coisa. Mas o que eu quero dizer sobre os meus filhos é... Falar pra eles que eu amo eles, que eu quero algo melhor pra eles, e que eles possam dar uma direção na vida deles, uma direção boa, respeitar os professores deles, respeitar os pais dentro de casa, respeitar os amigos, porque é que nem eu falei outra hora, o respeito ele gera o respeito e assim vai, eu quero que eles sejam pessoas que respeitem o mundo ai, que respeitem seu próximo, para que tudo possa correr de uma forma mais legal do que ocorreu na minha vida ai, (risos) na vida deles. É isso aí.
P/2 - O que você achou de contar a sua história? Assim, do jeito que você contou, do jeito que a gente perguntou?
R - Ah, eu achei legal, achei bom porque geralmente a gente não tem essa oportunidade e... é legal a gente partilhar para as pessoas, aqui eu tenho algum tipo de aprendizado também com vocês, creio que vocês possam ter também tido algum aprendizado comigo, e eu achei legal, achei tranquilo, foi bacana. E a gente tá aí é para mostrar alguma coisa para alguém, mostrar... sei lá, talvez um incentivo de uma melhora de vida, mostrar algum tipo de força, algum tipo de perseverança ali do que é você querer uma mudança na vida, é isso aí, para mim foi bacana, foi agradável.
P/2 - Eu aprendi bastante com a sua história, posso te dizer.
P/1 - Rapaz, eu também (risos).
P/3 - Muito obrigado.
P/1 - Você fala bem, tem uma narrativa boa. Quando você estava lá, só para finalizar, nem era isso, mas eu fiquei com vontade de falar isso pra você.
R - Pode perguntar.
P/1 - Você tem uma narrativa boa. Seu sonho de menino ficou frustrado? Agora com 40 anos, mesmo com a ___ (01:49:24), frustrou alguma coisa? Você tinha alguma coisa, "vou jogar bola", "vou ser o cara".
R - Se frustrou, você fala? Não... É, em certa época frustrou né, porque a gente tinha esse sonho, e sonho é o que a gente quer. Em certa época frustrou. As só que teve uma época com os meus ali... O sonho era entre 12 e 18 anos, até os 20 anos, mas só que depois que eu vi que o futebol, aos 18, aos 20, já era uma coisa que ia ficando cada vez mais distante, aí eu já passei a... Falei "ah, vou ficar aqui na várzea mesmo, vou fazer o que eu gosto, que é jogar uma bola, só não vou ser profissional né", porque ser profissional era uma forma também de mudar a realidade da nossa história, mudar ali a realidade da nossa situação financeira também, ia ser juntar o útil ao agradável não é, jogar bola e dinheiro (risos). Mas não deu, Deus sabe de todas as coisas. Mas frustrado, assim, não. Teve uma certa época que sim, mas hoje em dia não, hoje em dia eu já levo de boa, eu consigo ali matar minha vontade nos campos da várzea ali.
P/2 - Várzea tem uma força no futebol né? Esse movimento.
R - Tem, tem sim.
P/2 - Você não se tornou profissional, você e outros, tem uma força do futebol.
R - Tem, tem sim. Muitos jogares profissionais ai, tudo saiu da várzea. A maioria da... A maioria, acho que 70, 80 porcento dos jogadores profissionais aí eles saem da várzea, é onde você aprende futebol na essência ali dele. A gente começa pequenininho jogando na rua, aí vai para um campo, começa jogando na beira do campo né, que os caras mais velhos pedem para você ficar pegando a bola que caiu lá do outro lado (risos). Aí você vai aprendendo, você vai crescendo, ali você tá envolvido e passa a jogar. E tem lugares aí que tem pessoas, tem olheiros que vai na beira de campo aí vê se consegue ainda os moleques bons, tem, ainda tem. A própria Kaiser, a própria Copa Kaise em sim, ela ainda consegue... Hoje em dia a gente não é mais Copa Kaiser, já se tornou outro nome, esse campeonato, mas só que o próprio Elias, que joga... Jogou no Corinthians, que joga no Atlético Mineiro hoje, ele saiu do time chamado Leões da Geolândia, que é um time da várzea também, Leandro Damião também, que é um jogador, já foi Seleção Brasileira também, saiu da várzea. O próprio Viola, o Gabriel Jesus, que é do Jardim Peri ali da Zona Norte também, jogava na várzea. Tem muito... Tem muita gente boa lá na várzea lá só esperando uma oportunidade.
P/1 - Obrigada.
P/2 - A gente agradece. É que uma coisa puxa a outra, se não a gente vai ficar aqui a tarde inteira com você.
R - Não, para mim tá tranquilo.
P/2 - Obrigada, viu? Parabéns.
R - Obrigada.
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