Projeto: Memórias do Vale do Ribeira – Diálogos
Depoimento de Paulo de Jesus Pereira
Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Cananéia, 28 de Julho de 2011
Realização Museu da Pessoa e Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV007
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Paulo de Jesus Pereira
P1 – Paulinho, primeiro eu queria agradecer ao senhor por ter vindo aqui, se disponibilizar a dar essa entrevista para nós. Obrigado.
R – Eu que agradeço.
P1 – Para começar, por uma questão de identificação, eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o lugar do seu nascimento.
R – Sou nascido no dia 24 de maio de 1951 aqui em Cananéia.
P1 – O seu nome completo.
R – Paulo de Jesus Pereira.
P1- Maravilha. Posso te chamar de Paulinho, né?
R – Pode, pode.
P1 – Paulinho, antes da gente começar na sua vida mesmo, eu queria que você falasse da história da sua família. Você conheceu a sua família, seus avós, a história da sua família? Você poderia contar um pouco pra gente do que você sabe?
R – A família Pereira é antiga em Cananéia, porque os meus avôs migraram do sul para Cananéia, eles vieram lá de Jaraguá do Sul, eram moradores de lá, e depois, através de um passeio que o meu avô fez, o pai de meu pai, eles ficaram conhecendo essa região de Cananéia. E meu avô depois resolveu vir de mudança de Jaraguá para Cananéia e aqui constituiu família e permaneceu até o fim de sua vida. Nós já somos bisnetos dos Pereira e estamos aqui em Cananéia até hoje.
P1 – Ele conheceu a esposa, trouxe a família? Como foi?
R – Ele trouxe, ele veio um casal e quatro filhos, aqui os meus pais constituíram família aqui em Cananéia mesmo, com família daqui mesmo. Eles eram de Jaraguá do Sul, meu avô e minha avó também.
P1 – Você os conheceu?
R – Conheci.
P1– Como eles eram? A personalidade, como eles tratavam com você?
R– Meus avós eram descendentes de italianos, acho que com...
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Depoimento de Paulo de Jesus Pereira
Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Cananéia, 28 de Julho de 2011
Realização Museu da Pessoa e Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV007
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Paulo de Jesus Pereira
P1 – Paulinho, primeiro eu queria agradecer ao senhor por ter vindo aqui, se disponibilizar a dar essa entrevista para nós. Obrigado.
R – Eu que agradeço.
P1 – Para começar, por uma questão de identificação, eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o lugar do seu nascimento.
R – Sou nascido no dia 24 de maio de 1951 aqui em Cananéia.
P1 – O seu nome completo.
R – Paulo de Jesus Pereira.
P1- Maravilha. Posso te chamar de Paulinho, né?
R – Pode, pode.
P1 – Paulinho, antes da gente começar na sua vida mesmo, eu queria que você falasse da história da sua família. Você conheceu a sua família, seus avós, a história da sua família? Você poderia contar um pouco pra gente do que você sabe?
R – A família Pereira é antiga em Cananéia, porque os meus avôs migraram do sul para Cananéia, eles vieram lá de Jaraguá do Sul, eram moradores de lá, e depois, através de um passeio que o meu avô fez, o pai de meu pai, eles ficaram conhecendo essa região de Cananéia. E meu avô depois resolveu vir de mudança de Jaraguá para Cananéia e aqui constituiu família e permaneceu até o fim de sua vida. Nós já somos bisnetos dos Pereira e estamos aqui em Cananéia até hoje.
P1 – Ele conheceu a esposa, trouxe a família? Como foi?
R – Ele trouxe, ele veio um casal e quatro filhos, aqui os meus pais constituíram família aqui em Cananéia mesmo, com família daqui mesmo. Eles eram de Jaraguá do Sul, meu avô e minha avó também.
P1 – Você os conheceu?
R – Conheci.
P1– Como eles eram? A personalidade, como eles tratavam com você?
R– Meus avós eram descendentes de italianos, acho que com Pereira... Minha avó era Borba do lado de meu pai, e meu avô era Fulgêncio João Pereira. Então eles tinham uma mistura de raças, assim, migraram de outros países não sei se os pais deles vieram de outros países. E na época ficaram em Jaraguá do Sul, moravam em sítios, chácaras. Constituíram família lá e depois mudaram para Cananéia e a família Pereira tornou-se...
P1 – Para o senhor, como eles eram? A personalidade deles...
R – Eles eram... Eu conheci pouco os meus avós porque eu era muito pequeno, na faixa de 3, 4, 5 anos. Minha avó morreu primeiro, do lado do meu pai, a mãe do meu pai morreu primeiro e o meu avô ficou um pouco de tempo viúvo e depois faleceu também, com mais de oitenta anos, mas faleceu. Aí ficou meu pai com quatro irmãos aqui em Cananéia, os quais constituíram família e estão até hoje aqui.
P1 – E seus pais? Como eles se conheceram, quem são eles? Os nomes, o que eles faziam?
R – Meu pai era lavrador e pescador, morando sempre no sítio. O meu avô quando veio de lá do sul ele ficou morando aqui em Cananéia e depois resolveu comprar um sítio aqui no município. Então eles ficaram morando aqui e depois ele comprou o sítio e ficou morando no sítio até o final da vida deles. Meu pai também seguiu a profissão de lavrador e pescador, ele plantava e pescava para sobrevivência, aqui mesmo na Ilha do município de Cananéia.
P1 – (risos) Como que eles se conheceram? Eram pessoas rígidas, pessoas alegres?
R – Meu pai era bastante amigo, bastante chegado à família, procurava educar bem os filhos. Minha mãe também era uma pessoa nativa daqui, porque minha mãe era do Estado de São Paulo mesmo. Somos em cinco irmãos, dois homens e três mulheres. Nos criamos no sítio, todos juntos, meu pai trazia os filhos para estudarem aqui em Cananéia, no fim de semana ele voltava para nos buscar. A gente ficava em casa de conhecidos, de amigos, de compadre. E a gente ficou até o quarto ano primário nessa vida de estar um pouco aqui na cidade para estudar e um pouco no sítio para ajudar na plantação e na pescaria.
P1 – Eram muito religiosos?
R – Bem religioso, o meu pai era bem religioso mesmo. Meu pai, meus avôs, eram bastante religiosos, todos aqui na religião católica.
P1 – Eles tinham as práticas, oravam? Como era? Como vinha a religião pra sua casa, por exemplo?
R – Através de orações em casa mesmo, o antigo catecismo, toda família tinha o catecismo. E os pais e as mães da gente ensinavam a rezar o ‘pai nosso’, essas orações que a gente sabe.
P1 – A sua infância, então... onde era esse lugar? Em Cananéia você disse que ia estudar... Eu queria entender geograficamente o sítio que vocês moravam e onde você ia estudar.
R – Então, o meu avô, como eu falei já, veio de Jaraguá do Sul para Cananéia e ficou morando aqui durante sete anos, aí depois ele comprou um sítio, conseguiu vender a propriedade que ele tinha e mudou daqui para outra propriedade que ele comprou aqui dentro dessa região de Cananéia mesmo. Fica afastado cinco, seis quilômetros daqui do centro, mas na região aqui mesmo. Lá ele fez a moradia e ficou até o final da sua vida. Depois meus pais continuaram e nós estamos lá até hoje.
P1 – São gerações no mesmo espaço?
R – No mesmo espaço.
P1 – E mudou muito da sua infância até hoje?
R – Ah, mudou muito. No nosso tempo geralmente a gente vinha para a escola de canoa de remo, não tinha motor, não tinha embarcação que buscasse a gente, nossos pais nos traziam para aqui na cidade para estudar, e depois no fim de semana eles vinham e buscavam, levavam de volta. Então o acesso era totalmente diferente do dia de hoje, cinquenta anos atrás era totalmente... Onde eu moro era lugar bem desconhecido, de difícil acesso, só se chegava de embarcação, não tinha estrada nem caminho, não tinha nada, era só na base do remo das embarcações mesmo.
P1 – Toda a comunicação de vocês com a cidade aqui era tudo pelo barco?
R – Tudo pelo barco.
P1 – Precisava comprar alguma coisa...
R – Vinha na cidade de canoa de remo e voltava.
P1 – Bom, era longe para vir de remo, pelo jeito.
R – Bom, dava uma hora e meia, uma hora e quarenta de remo, quase duas horas.
P1 – E todos filhos ficava por aqui e dormiam? Como era isso? Você, por exemplo, dormia na casa de quem?
R – Meu pai toda vida foi religioso e a gente se criou dentro da religião católica, então na hora do batizado a gente tinha um padrinho. Esse padrinho era nosso segundo pai, então ele se responsabilizava. Na hora de vir para os estudos ele ficava como um pai e se responsabilizava em cuidar da gente como se fosse o nosso pai. E ficávamos durante quatro anos nessa vida por conta desse casal, dessa pessoa, dessa família. E a gente se acostumava com os costumes deles. Tínhamos um jeito criado pelo pai da gente e tínhamos que vir para uma família que não estávamos bem acostumados, mas a gente se adaptava e o importante era estudar.
P1 – Quem falava que era importante estudar?
R – O meu pai era analfabeto e minha mãe também, então eles tinham dificuldade em ler uma carta, receber um telegrama ou ler qualquer coisa, uma revista, eles tinham dificuldade. O meu pai ele só sabia assinar o nome e minha mãe também. Então eles faziam toda questão de que a gente aprendesse. Eu até me emociono um pouco, desculpa.
P1 – Imagina. Paulinho, como era o sítio, essa infância ali e como era ir pra cidade? Porque daí mudava tudo. Me conta um pouco como vocês viviam no sítio e como era sua vida criança na casa dos outros. Conta um pouco como era isso.
R – A liberdade era totalmente diferente porque no sítio a gente tinha a hora de trabalhar, ajudar os pais. Vinha determinado já, tinha de ajudar os pais da gente porque eles viviam do que plantavam e do que pescavam, sobreviviam daquilo. Então tinha uma hora de trabalhar. E a hora de brincar era geralmente domingo, fim de semana, aí podia sair, ir na casa dos primos, fazer uma visita. Durante a semana, quando era férias a gente ia para o sítio ajudar a trabalhar, ajudava nos deveres da roça e voltava para casa. Então era difícil, quando mudava para a cidade era totalmente diferente porque você ia para uma família que não era a sua família, no caso era conhecido, amigo.
P1 – Como era essa dinâmica aqui na cidade? Como era seu dia-dia?
R – Era um dia-dia normal, como outra pessoa qualquer, ia para escola e voltava da escola. Tinha os deveres para fazer da escola. À noite dormia. De manhã estava pronto para ajudar a fazer alguma coisa na casa. Eu vendia até pirulito em porta de escola, aqui no grupo escolar em Cananéia. Minha madrinha fazia pirulito e eu vendia, na folga quando não estava na escola eu ajudava no que podia. Meu pai também trazia o que podia do sítio para ajudar a família que estava me sustentando aqui.
P1 – Por exemplo, o que vocês cultivavam no sítio não era para vender, era só para vocês?
R – Não.
P1 – E daí algumas coisas davam para ajudar a família.
R – Então, meu pai sobrevivia do que pescava e do que plantava, além do que ele tirava para sustentar a família.
P1 – Ele vendia.
R – Vendia também, o pescado, a farinha, o feijão. O que sobrava do que ele ia gastar, vendia no comércio para sobreviver, porque tinha muitas coisas que no sítio não era produzido. O açúcar não se produzia no sítio e tinha que levar da cidade, o querosene para lamparina e o sal. Eram três coisas que não se produzia no sítio e tinha-se de trazer alguma coisa pra você trocar com aquilo que você ia comprar nas vendas, no supermercado, no caso. Então se fazia na base de trocas, trazia uma coisa e trocava pela outra.
P1 – E roupa?
R – Roupa era muito simples. Minha mãe que fazia nossas roupas para escola, tinha uma maquininha de mão, aquela de... e ela fazia o uniforme escolar a conforme o diretor da escola pedia. Era gravatinha, uma camisa branca e calcinha curta. Sapato não tinha, sapato era uma coisa que quem usava sapato era rico, então ninguém tinha. Tinha um chinelo, um tamanco, era isso aí que a gente tinha de viver.
P1 – Você passou por inspeção na porta da escola? De ter que chegar e ter alguém olhando o que você estava vestindo? Chegou a ter isso?
R – Não, não.
P1 – Como eram as aulas, os professores? O senhor lembra de alguma que o senhor tenha gostado muito ou que tenha lhe marcado?
R – Não, eu não lembro muito... Era um período das sete ao meio-dia, era o horário de aula. Tinha o recreio, acho que era meia hora de recreio, não me lembro mais a duração, devia ser meia hora. Entrava às sete, saía às nove, nove e meia; entrava às dez e ficava até o meio-dia. Tinha um pequeno chá que eles faziam, um Nescau, uma coisa assim, um tipo de Nescau que eles davam para os alunos durante o recreio. Quem levava lanche de casa tomava com aquilo e quem não levava tinha que tomar só o Nescau mesmo.
P1 – Você era da turma que levava?
R – Tinha às vezes que levava, mas não era assim também. Não tinha muito o hábito de levar não.
P1 – Entendi. E essa ajuda pra cá os seus irmãos também?
R – Todo mundo.
P1 – Todo mundo tinha o mesmo padrinho?
R – Não, dividia, geralmente em duas famílias, que a gente ficava na casa deles.
P1 – E todo mundo também trabalhava na cidade e na...
R – É, geralmente.
P1 – Como que era esse pirulito, você lembra de vender bastante? Vendia na escola?
R – Vendia na escola para os alunos, geralmente vendia. Eram cinquenta pirulitos e dificilmente voltava. Vendia num tabuleiro de madeira redondo, todo furadinho, o pirulito com um palitinho. Vendia quarenta, cinquenta, trinta. Quando voltava... no outro dia fazia de novo e ia indo. (risos)
P1 – Legal. Pensando nessa fase da infância, tem alguma passagem que o senhor acha que foi muito marcante pro senhor? O que o senhor elegeria pra nos contar dessa infância? Alguma passagem, alguma viagem?
R – Não, não tenho nada de diferente assim, de passagem. Fiquei até o quarto e depois saí, fui pro sítio. Continuei no sítio. Não tenho assim...
P1 – Por que até o quarto ano?
R – Na época não tinha oportunidade em estudar, em Cananéia não tinha o colegial, que hoje se faz. Aqui não tinha, o grupo escolar Martim Afonso de Souza só dava até o quarto ano primário. Para continuar os estudos você tinha que sair de Cananéia e ir para Iguape ou Registro, outra cidade vizinha onde tinha escola mais elevada, assim, de estudo.
P1 – O pessoal que ia para continuar a estudar era o pessoal que tinha mais dinheiro? Como era? Quem fazia o ensino médio, por exemplo?
R – Geralmente... Eu conheço famílias que estudaram até o quarto ano primário em Cananéia e foram para Iguape fazer colegial, fazer outro ensino médio. Então ficavam em casa de família ou em república ou quarto alugado, os pais tomavam conta. Mas sempre geralmente uma família era responsável por quem ficava, tanto em Iguape quanto aqui em Cananéia, também tinha sua pessoa de confiança, uma família de confiança que os pais podiam deixar os filhos.
P1 – Todos seus irmãos também fizeram até o quarto ano e depois voltaram para o sítio?
R – É, todos os meus irmãos. Minhas irmãs logo saíram, elas eram as mais velhas, foram trabalhar em casa de família aqui em Cananéia e depois foram para Santo André e outras para São Paulo. Tudo ficou no quarto ano primário mesmo. Depois começou a trabalhar e não teve mais chance de estudar.
P1 – E você, Paulinho, como foi? Voltou para o sítio...
R – Voltei para o sítio, depois de 18 anos eu fui para Santo André, fiquei com a minha irmã mais velha, ela casou com família de Santo André. Aí ela me chamou para tentar a vida lá em Santo André, na época tinha muito emprego. Aí fiquei no mínimo uns três, quatro anos em Santo André, trabalhei na Pirelli, trabalhei na Thompson-Cofap, em duas firmas: Thompson-Cofap e Pirelli. Depois eu vi que não era meu... lá eu não conseguia comprar um lote, fazer uma casa. Aí eu falei: “eu vou voltar para Cananéia e continuar a minha vida de pescaria lá”, porque a minha profissão era pescador. Em 74, 1974, dia seis de setembro eu fui chamado para fazer um curso numa firma do Estado, porque eu era bem conhecido aqui em Cananéia, minha família, meus pais, então eu ingressei no Instituto Oceanográfico do USP através de conhecimento do chefe e fiquei lá 25 anos trabalhando de marinheiro num barco do Estado que levava pessoas para fazer coleta de material para pesquisa. Viajei o litoral quase que inteiro aqui de São Paulo, fui até o Rio de Janeiro, Parati, Ubatuba. A gente percorria nesse barco levando pessoas trabalhando, daqui para lá e de lá para cá. Fiquei nesse trabalho durante 25 anos.
P1 – Levando pesquisadores para o litoral.
R – Isso, pesquisadores.
P1 – Conhece o litoral inteiro então?
R – É. Reitores da USP mesmo, diretor, muita gente fazia trabalho em Cananéia e usava esta base de apoio, uma base de apoio que tem na USP, do Instituto. Então vinha muita gente coletar material aqui nessa região e a gente trabalhava para essas pessoas.
P1 – O senhor se lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R – Eu lembro que foi dia 6 de setembro de 74, o dia eu não lembro assim da semana, devia seu uma segunda-feira. Fiquei até... Naquela época para entrar no serviço do Estado não precisava ter concurso, precisava ter boa conduta, ser morador daqui, saber tudo de pesca, do mar, não enjoar no mar; o mais importante do que eu ia fazer, era não passar mal lá. Porque eu ia trabalhar com pessoas que viajam em navio, que viajam lá para a Antártida, então eu como cananeense, como caiçara, não podia ficar ruim nessa hora. Então eu me dei bem lá no Instituto e fiquei lá 25 anos lá. Saí de lá para me aposentar.
P1 – Bom, conta alguma das viagens. Qual foi uma pesquisa interessante que você foi, ou algum desafio? Conta aí, deve ter história.
R – (riso)
P1 – Conta uma boa aí.
R – O desafio era todo dia, o desafio do mar era uma coisa de todo dia. A nossa região do litoral sul, Cananéia, principalmente, tem uma barra muito perigosa, com muita rebentação, com muita quebração de mar. Graças a deus a gente nunca sofreu nenhum acidente, passamos por dificuldade em saída de barra, entrada de barra, mas nunca graças a deus, assim... susto a gente levava, às vezes os trancos também, do mar, que tem uma muita força, mas graças a deus nunca tive dificuldades. Tinha também um pessoal comigo bastante capacitado na função que fazia, eram mestres. Eu não era mestre nem comandante, era apenas marinheiro, então um motorista de capacidade cuidava bem do motor e o mestre que fazia a determinação se podia ou não podia atravessar a barra.
P1 – Qual era a sua função?
R – Marinheiro.
P1 – E o que faz o marinheiro nesse caso? Qual era o barco? Conta um pouco porque a gente não conhece nada.
R – Eu comecei a trabalhar no primeiro barco que era da USP aqui em Cananéia, era o barco Paiva Carvalho, construído há mais de 70 anos atrás, quando eu embarquei nele ele já era um barco bem usado. Depois nós fomos buscar o Albacora que estava em Santos, foi construído em Ubatuba, na faixa de 1980, 81, mais ou menos. Fomos buscá-lo. Tinham trazido ele de Ubatuba até Santos e a gente foi de Cananéia de ônibus até Santos pegá-lo para trazer até Cananéia.
P1 – E a função?
R – Marinheiro.
P1 – O que faz um marinheiro?
R – O marinheiro faz de tudo, até de comida. Porque o barco não tinha cozinheiro, então eu era marinheiro e cozinheiro. O marinheiro está determinado a fazer de tudo no barco, mexer com guincho, olhar o motor, ajudar o mestre a pilotar, na hora em que o mestre vai almoçar geralmente. O marinheiro tem essa função. Sai para uma viagem, estamos em três? É quatro horas para cada um, vamos supor, daqui a Santos, doze horas de viagem de barco. É quatro horas para o mestre, comandante, quatro horas para o motorista e quatro horas para o marinheiro. Dessas quatro horas o marinheiro fica pilotando com todas as responsabilidades de um comandante. Então o mestre vai descansar durante quatro horas, o motorista está descansando e o marinheiro está pilotando. O serviço do marinheiro é esse, não tem uma função. Ele ganha só como marinheiro, mas ele também faz a função dos outros. (risos)
P1 – (risos) E dessas viagens qual foi a mais longa que você fez, por exemplo? Quanto tempo no mar?
R – Geralmente, daqui a Ubatuba a gente gastava 24 a 25 horas de viagem. Teve viagem que a gente demorou até mais de 30, trinta e poucas horas por causa de mal tempo, vento forte, trazíamos outros barcos que a gente encontrava no mar quebrado, tínhamos a obrigação de dar o reboque. A gente passava e via uma pessoa fazendo sinal e não iríamos deixar aquela tripulação lá à deriva, com o barco quebrado. Então a gente tinha a obrigação de parar e ver o que estava precisando. É reboque? Vamos rebocar. Vamos rebocar para um lugar onde tenha abrigo. Às vezes atrasava a viagem por causa desses trabalhos que apareciam fora do que era o nosso costume. Mas daqui a Ubatuba é 24, 25 horas, depende do tempo. Gastava mais quando tinha algum imprevisto no meio, mal tempo ou um barco para rebocar.
P1 - Vocês faziam trabalho durante o percurso, é isso?
R – Não, a gente...
P1 – Levava pessoas, trazia pessoas. Qual era a função dessas viagens? O que vocês estavam fazendo?
R – Geralmente o barco é equipado como um tipo de laboratório, ele sai com pessoas técnicas para lançarem aparelho no fundo, correntômetro, coleta de lama. E geralmente esse barco tem um guincho preparado para soltar esses aparelhos. Esse guincho precisa de duas pessoas para trabalhar com ele, para manuseá-lo. Então, no caso, o motorista e o marinheiro ficam na parte de trabalho manual com o guincho, na hora de soltar os aparelhos. Sobe ou desce, meia água. Então o trabalho é esse aí.
P1 – O senhor aprendeu a ser um pesquisador então?
R – Não, eu só coletava o material, mas a análise quem fazia era...
P1 – Mas deu pra aprender bastante, imagino.
R – Sabia o que fazia, estava apto para fazer aquilo que eles queriam que fosse feito.
P1 – Qual foi desses trabalhos, viagens, que o senhor mais gostou? Que o senhor se lembra e consegue contar com descrições.
R – Eu fiz muita viagem assim no litoral. Teve uma que nós ficamos trinta dias ausente de casa. Nossa base de apoio era aqui em Cananéia e geralmente nós vamos trabalhar na Barra do Saí, que fica um pouquinho para cá de São Sebastião. Tinha uma praia chamada praia do Saí, não sei se você já ouviu falar.
P1 – Barra do Saí.
R – Nós fomos fazer um trabalho lá bem longo, de um mês mais ou menos, e a gente ficou trinta dias lá. Esse trabalho era muito difícil de ser feito porque nós tínhamos... era um grupo de São Paulo que tinha comprado uma concessão da marinha, para fazer um trabalho numa ilha. Então a universidade entrou com um projeto para fazer esse trabalho de sondagem da ilha, onde poderia ser feito um trapiche, ancoradouro de escuna, acho que era essa a ideia do cara, fazer um negócio assim para turismo. Era uma ilha que não tinha nada, tinha um morador só, só uma família morando nessa ilha. Lá tinha uma extensão de uns 500 metros de praia e eles queriam fazer um pequeno ancoradouro para encostar pequenas embarcações, então nós fomos de Cananéia escalados para fazer esse trabalho de sondagem, levar o pessoal para fazer o trabalho de sondagem, tanto de mergulho quanto de correntômetro, de corrente marítima, profundidade. Então nós fomos para um trabalho difícil porque nós tínhamos que trabalhar durante a noite, noite e dia sem parar. Três caras e mais dez pessoas dentro do barco. A gente tinha que manter a alimentação desse pessoal, fazer comida e manter o barco funcionando, abastecido com água, óleo diesel. Era difícil. Não tinha nada, não tinha um trapiche para você encostar num lugar. Eles traziam um tambor de óleo de 200 litros até essa vila chamada Saí. Nós rolávamos na praia esse tambor de 200 litros, embarcava no barco inflável com motor de popa e chegava até o nosso barco que estava fora da rebentação. Era tudo na base da força para por aquele tambor e abastecer o barco. E eles não podiam parar, era o barco andando e nós abastecendo, tanto de água como de combustível. Já pensou fazer trinta dias nessa vida? Era difícil. Foi uma das viagens que eu mais sofri na minha vida, foi aquela. (risos) Por isso nunca esqueci.
P1 – (risos) Nessas viagens vocês paravam no continente, iam para o continente, ficavam na cidade, voltavam?
R – Não, não tinha...
P1 – Sempre barco?
R – Só no barco. Trinta dias. A gente descia na praia onde a gente estava fazendo o trabalho, ia pegar água na praia, na cachoeira, numa bica. O morador lá tinha uma cachoeira então ele pegava água para nós, mas ele só enchia um galão de água de 200 litros. Rolava na praia até o barco inflável para poder passar para o outro barco que estava esperando. E esse barco nós tínhamos que andar atrás dele caminhando porque ele não podia parar.
P1 – Nesses caminhos, nessas viagens o senhor chegou a ver muita embarcação, por exemplo, fazendo exploração ilegal, caçador, pesca ilegal? Vocês chegaram a presenciar esse tipo de problema?
R – Não, não. Nunca vi nada irregular assim.
P1 – E o sítio, como ficou? Você abandonou, entre aspas, foi pro mar.
R – É, quando eu estava no trabalho o meu na época ainda tinha bastante saúde, aí deu pra... Meu pai toda vida ficou lá e minha mãe também. Teve época que era só meu pai e minha mãe, o pessoal todo mundo saiu, meus irmãos saíram para trabalhar fora, minhas irmãs também tudo pra fora. Eu é que estava mais próximo quando não estava viajando.
P1 – Vou voltar um pouquinho. Essa experiência em Santo André, esse trabalho, como foi essa saída? Você lembra o primeiro dia lá em Santo André? Como foi essa... trabalhava no que?
R – A gente estranha muito, muda muito o ritmo de uma cidade grande para uma cidade como Cananéia, no caso que eu vivia aqui, no sítio. Mas me adaptei bem, tive bons amigos, o emprego arrumei fácil, tenho saúde boa. Naquele tempo não tinha mais exame de saúde, não tinha muita concorrência, eles precisavam de mão de obra. Trabalhei na parte elétrica de carros, setor de carros, logo aprendi a mexer com as máquinas, as binadeira, umas “maquinonas” que plasticavam os carros, esses cabos de cobre. Naquele tempo usava-se cobre para fazer fiação. Me adaptei bem lá, só que não era aquilo que eu tinha vontade de aprender, eu tinha vontade de fazer outras coisas.
P1 – E como foi retornar?
R – Ah, para Cananéia foi muito bom, não via a hora. Logo aos vinte anos eu comecei a namorar, minha namorada era daqui de Cananéia, e a gente estava sempre se comunicando através de carta, então tinha vontade de vir para cá e constituir família aqui.
P1 – Você saiu para Santo André e deixou a namorada?
R – Deixei a namorada, é verdade.
P1 – E ficava escrevendo.
R – Ficava escrevendo, uma carta por semana. Ela mandava daqui pra lá e eu mandava de lá pra cá. Ficamos durante seis anos assim, mais ou menos, namorando.
P1 – E você voltava nas férias, era isso?
R – Voltava, sempre em férias eu voltava para Cananéia, não via a hora de pegar umas férias e vir para cá. Aqui tem isso de bom, você toma água daqui de Cananéia e nunca esquece dela. (risos)
TROCA DE FITA
(conversa)
P1 – Bom, retornando aqui. Sua namorada virou esposa?
R – Isso. Até hoje.
P1 – Como que o senhor a conheceu?
R – A minha namorada tinha família daqui de Cananéia mesmo, da cidade. Ela não é nascida aqui, é nascida no sítio como eu, a mesma coisa. Os pais dela vieram para Cananéia também por parte de estudar, pôr os filhos para estudar porque o sítio não tinha quase escola. Então ela também veio para estudar e depois os pais dela se mudaram pra Cananéia e ficaram morando aí até o final da vida deles.
P1 – Entendi. Nesse seu retorno para Cananéia, o que te chamou mais atenção? Tinha mudado muito nesses 2, 3 anos?
R – Não, não tinha mudado.
P1 – O que chamou atenção quando o senhor chegou aqui? O senhor lembra desse dia?
R – Cananéia toda vida foi o meu berço, nasci aqui, conhecido de mais de 50 por cento das pessoas, que na época eu conhecia por causa dos meus pais, dos meu avôs, que já eram, bem dizer, nativos daqui, que vieram morar aqui. Em qualquer lugar que eu estou em Cananéia eu estou em casa, não tenho inimigo, não tenho medo de nada. Ando a qualquer hora da noite, qualquer hora do dia, nunca usei arma, nunca fui preso, nunca briguei. Toda vida fui bem recebido no lugar que eu chego e isso me traz orgulho.
P1 – O senhor lembra desse dia? Quando o senhor decidiu voltar?
R – Voltar para Cananéia é bom para nós que somos nascidos aqui, então foi a melhor coisa. Uma hora eu decidi lá, falei com as minhas irmãs: “estou indo, voltando, vou ver o que o pai precisa. Vou dar uma ajuda lá na roça no que eu posso.” Ficar mais perto do meu pai e da minha mãe. Tudo o que eu queria era isso, vir embora e ficar tranquilo aqui.
P1 – O senhor falou que nunca teve problema, que anda a qualquer hora, tal. Da Cananéia que o senhor viu na sua infância pra hoje mudou muito?
R – Mudou bastante.
P1 – No que? No que o senhor vê que mudou?
R – O crime, a criminalidade, roubo, essas coisas não aconteciam como hoje. Em Cananéia hoje temos problemas com roubo de residência, roubo de carro, assalto, essas coisas tem acontecido. Há 30, 40 anos não se falava nisto. Então hoje a gente está mais preocupado nesse setor de segurança, todo mundo pondo grade em casa, criando cachorro, tendo um pouquinho mais de cuidado com a segurança.
P1 – O senhor acompanhou essa mudança, né? O que foi acontecendo aqui? O que foi mudando aqui que o senhor possa nos contar? O bairro foi mudando muito? Foram chegando pessoas?
R – Foi chegando pessoas e às vezes mal intencionadas. No caso das drogas começou ... há trinta anos não se falava em drogas em Cananéia. Veio por quem? Por pessoas que vieram visitar Cananéia e acharam que é um lugar sossegado, tranquilo e foi passando e foi aumentando. Hoje tem bairro que você não se consegue chegar durante a noite. Eu mesmo, sendo nascido aqui, falo que ando em qualquer lugar, mas restritamente em alguns lugares eu não me arrisco a ir durante a noite.
P1 – Por exemplo?
R – Caraú, Carijo. São dois bairros perigosos que tem muita gente que a gente não conhece. Diferente de quando eu ia nesses lugares há 30, 40 anos e andava a qualquer hora da noite. As pessoas que estavam lá eu conhecia, eram famílias que eu conhecia. Hoje eu não posso mais ir nesses lugares a qualquer hora que eu queira porque estas famílias não são daqui, não são nativas daqui. Então na época eu ia porque as pessoas que moravam lá eram conhecidas minhas, como hoje não as conheço não vou mais.
P1 – O senhor é do bairro do Rocio, né?
R – Rocio, é.
P1 – Como que era, na sua infância, o Rocio? Consegue nos descrever como eram seus vizinhos, a dinâmica do bairro?
R – Cananéia mudou bastante nesses últimos 30, 40 anos. A cidade era bem pequena em vista de hoje, a parte que era do retiro das caravelas era um campo de aviação, não tinha casa, não tinha residência. A Avenida Independência hoje, não existia, era uma rua só de chão batido, de barro, com casas uma longe da outra. Ninguém usava muro, isto não havia, era cerca ou não tinha nada. Então era totalmente diferente, bem diferente de hoje.
P1 – Como foi o período militar na região, por exemplo? O senhor acompanhava essas questões? As pessoas discutiam política aqui? Como era?
R – Política toda vida... época de política, campanha, essas coisas a gente nunca teve... A gente morava no sítio e ficava meio afastado das políticas, só vinha no dia que tinha que votar mesmo, então não participava não. Sabia os prefeitos que ganhavam, os que perdiam, mas nunca a gente teve acesso a essas pessoas.
P1 – E no período militar teve alguma... não sei, maior presença do estado aqui, maior presença do exército?
R – Não, não. Não lembro.
P1 – Essas discussões de guerrilha de esquerda também não...
R – Não, não, não. (risos)
P1 – Aqui não tinha?
R – Não, não.
P1 – Essa questão de ser mais politizado, o pessoal ficava mais trabalhando, não se envolvia muito?
R – Não se envolvia, era mais dedicado ao trabalho, à plantação, a gente estava afastado do centro também, então não tomava conhecimento dessas coisas.
P1 – Com esses pesquisadores da USP vinham essas conversas, como era?
R – Não, não. O pessoal vinha só a fim de coletar o material que eles queriam e não tinha muito...
P1 – Quem você conheceu nessas viagens que foi muito interessante? Uma pessoa que você tenha aprendido...
R – Todo pessoal que vem do Instituto nós admiramos, pessoal conhecido, diretor do Instituto Oceanográfico. Não tenho assim uma pessoa definida. Éramos bem recebidos por todos, tínhamos cuidado, fazia parte de nós e nunca tivemos reclamações desse pessoal que vinha trabalhar conosco. Então sempre fazíamos aquilo que estava dentro do que eles pediam, então não tinha atrito nenhum.
P1 – Pensando aqui na região, desde que você está aqui: ela já teve mais gente? Já foi mais rica? Hoje está crescendo? Como você vê a comparação do antes e depois nessa cidade? Como você analisa pelo que você viu?
R – Há 30, 40 anos era totalmente diferente, em Cananéia quem trazia a produção era quem morava no sítio, no caso meus pais e muitas famílias que moravam no sítio e sobreviviam daquilo que plantavam. Então o comércio de Cananéia dificilmente recebia coisas de fora para ser vendido, tudo que se vendia aqui no comércio era vindo da região, tanto o peixe como o feijão, arroz. Tudo que era vendido era produzido aqui mesmo na região. Hoje já não acontece mais isso. Porque já foi dessa parte da defesa, do meio-ambiente, reflorestamento, essas coisas foram dando uma atrapalhada, foi obrigando o pessoal do sítio a ir para a cidade, as famílias a irem morar em Cananéia. Umas porque já tinham família para pôr nos estudos e vinham porque tinham de vir, mas no caso muitas se mudaram porque foram obrigadas, por que não deixaram o cara plantar no sítio. Aí o sitiante que tinha a propriedade e não podia sobreviver dela não tinha para onde correr a não ser para a cidade. Aí ele vinha aqui tentar fazer alguma coisa em que não fosse perseguido, porque lá ele estava sendo perseguido, não podia plantar, não podia fazer uma canoa para vir de onde morava para a cidade. Então muitas famílias se mudaram do município de Cananéia para cidade por causa desse sistema.
P1 – Isso não atingiu o senhor e a sua família? Essas restrições?
R – Atingiu bastante. O meu pai, na época em que ele sobrevivia do que plantava... e meu pai toda vida manteve seus impostos em dia, a propriedade, com a prefeitura, com o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária); o meu pai até discutia com o pessoal que ia impor o que eles queriam. Não podia desmatar, não podia fazer queimada. Meu pai falou: “mas o imposto está aqui, eu pago todo ano. Se eu moro aqui no sítio e não posso plantar, quem vai dar alimentação para minha família?” Meu pai sempre discutia com eles. Teve época dele parar de plantar porque não podia mais; aí começava aquele negócio de multa. O meu pai toda vida plantou, meus avós, e nunca teve queimada, nunca teve desmatamento dentro da área que pagava os impostos, porque ele sabia plantar e sabia escolher a parte que ia plantar. Então nunca teve problema em fazer grandes desmatamentos, pois plantava para sobrevivência.
P1 – Você lembra disso, de chegar pessoas no sítio em você?
R – Ah, tinha.
P1 – Como foi? Conta pra gente uma situação, por exemplo.
R – Naquela época não era o meio ambiente, era o Florestal, que tomava conta das florestas (risos). Então tinha pessoas aqui em Cananéia que fazia essa fiscalização. Não podia caçar, era proibida, pesca tinha de estar documentado, isso é uma coisa muito boa, porque pescador tem que estar documentado, com carteira profissional de pesca. Agora, na parte de plantação o Florestal também achava que o cara que morava na ilha de Cananéia não podia plantar. Como é que ele ia sobreviver se não plantasse? De um jeito ou de outro ele tinha que plantar, nem que fosse escondido, ele plantava. Fazia a roça dele distante e sobrevivia da plantação, nunca desistiu de plantar por causa desses caras, mas eles iam e enchiam a paciência do meu pai na propriedade.
P1 – O senhor continua pescando, trabalhando na USP?
R – Toda vida eu me dediquei mais à pesca, além do serviço.
P1 – Tinha tempo?
R – Tinha. O meu horário era geralmente das sete as onze e da uma as cinco, o meu horário de trabalho, na repartição; quando eu estava viajando aí não tinha horário, ficava permanentemente no barco. Nas horas de folga e finais de semana quando não estava viajando eu estava lá no sítio. E à noite trabalhei muito em pesca, viajava, tinha embarcação com pequenos motores de centro e pescava durante a noite e ficava até certas horas. Depois vinha, para manter o peixe para os filhos. A gente morando aqui na cidade. Depois resolvi fazer um barzinho nessa propriedade, tenho um barzinho. O meu trabalho aumentou, tenho um casal de filhos, mulher. Aqui em Cananéia é diferente da vida do sítio. No sítio você sobrevive do que tem lá. E aqui na cidade não, é diferente, amanhece o dia você tem que ir a padaria. No sítio é totalmente diferente, não tem padaria para comprar pão, você tem que comer o que? Come um ovo cozido, faz uma farofa, faz um biju. Então essas coisas mudam totalmente.
P1 – Vocês têm o sítio e uma casa aqui também?
R – Minha mãe mora no sítio. Minha mãe, minha irmã, a gente tem um sitiozinho.
P1 – Vocês vieram para cá então.
R – É, tenho minha residência aqui, mas estou todo dia no sítio. Vou durante o dia, durmo lá. Minha mãe tem 90 anos, ela fica direto lá, cuida do bar para mim, porque eu não tenho guarda.
P1 – O bar é onde?
R – O barzinho é no sítio. Virou um ponto de turismo, virou um atrativo porque é um sítio antigo e bem cuidado, a gente mantém. Nós temos uma casa de farinha de 70, 80 anos atrás, da época dos meus avós, todo o material de fazer a farinha, forno, prensa, roda, todo artesanal. A gente mantém aquilo lá como uma relíquia, minha mãe tá lá tomando conta. Cuida das galinhas, cuida do cachorro, cuida de tudo lá. Com 90 anos, às sete horas ela está de pé. Agora melhorou porque tem luz, antes a gente não tinha, temos estrada que a gente não tinha, o acesso era só de canoa e agora tem.
P1 – O senhor lembra quando o acesso foi feito?
R – Isso faz mais de 40 anos. Vizinho à área dos meus avôs, do meu pai, apareceu um loteamento, foi feito um loteamento do lado da área do meu pai. Esse loteamento para quem vendeu a área ele construiu uma estrada de chão batido até a área que foi loteada. Dessa área que foi loteada para a área do meu pai ficava bem pertinho. Aí meu pai falou com o dono do loteamento e ele deu uma autorização para usarmos a estrada, para fazermos o trajeto de vir para Cananéia e voltar pela estrada, que entra dentro dessa área que foi loteada. Então a gente está tranquilo, é bem sossegado lá. O loteamento virou... não é condomínio, tem famílias de fora que construíram lá, é tipo de uma vilinha pequena, mas que na época do verão junta bastante família que tem casa aí e vem passar a época das férias.
P1 – Recebe turismo o seu sítio?
R – Eu atendo mais famílias que vão para conhecer. Outros que já conhecem vão e levam pessoas conhecidas. Tenho um barzinho lá, tem uma cerveja, um peixinho, um camarão e tem toda a área de marinha na frente, tem uma prainha na frente para quem quer se divertir, nadar, pescar. E tem a parte de cima que é limpo e a turma pode assar uma carninha, fazer um churrasco.
P1 – Quando veio essa ideia de fazer o bar? Como apareceu isso?
R – Essa ideia é de muito longe. O meu pai toda vida sempre teve um pequeno comércio no sítio. Meu pai, além de ser pescador, uma época resolveu fazer um pequeno comércio, uma vendinha. Vendia pouca coisa, só para a vizinhança, amigos e compadres. Depois ele ficou de idade e fechou a vendinha, ficou muito tempo fechado. Agora eu reabri novamente, 20 anos atrás, estou com o barzinho no mesmo lugar que meu pai tinha a vendinha. Só dei uma modificada em algumas coisas e está lá. Simples, tudo aberto, simples mesmo. Quem vai lá é quem gosta de coisa natural, coisa simples.
P1 – Como que é a relação do pessoal que mora aqui, o senhor, com a questão do turismo? Vocês se organizam? Como é?
R – A gente não tem muito acesso a esse turismo. Eu geralmente sou bem conhecido aqui em Cananéia, por causa do barzinho que virou um ponto turístico lá, mas não, assim, de receber escola, receber pessoas assim... é mais família que vai para passar o dia ficar lá, levar as crianças para brincar. Durante o dia a gente libera a área que temos lá e só fechamos durante a noite. Durante a noite fechamos para não ir pessoas fazerem, bagunça e barulho. É uma pequena vizinhança, eu sou o último morador da área, então geralmente a área onde fico eu fecho com correntes. Mas durante o dia fica tudo liberado, pode entrar, sair, pescar, nadar, assar uma carninha; tem banheiro e água, tudo por conta da gente.
P1 – Mas hoje você fica mais aqui na cidade, né?
R – Não, fico mais lá.
P1 – E aqui virou... Por que você veio para cá, então? Qual foi o contexto?
R – Aqui é por causa do trabalho. Na época eu trabalhava e construí aqui em Cananéia, fiz uma pequena casinha, constituí família. Tenho uma filha que construiu nos fundos do meu terreno, tenho uma filha que trabalha. Meu filho também trabalha, final de semana eles me ajudam. E a minha mulher também me ajuda final de semana lá no sítio, na época de movimento. E mesmo quando não tem ela vai me ajudar nos dias de semana.
P1 – Queria entender um pouco da relação que você tem com a comunidade, onde você mora, a questão do sítio. Você faz parte de alguma associação, algum movimento?
R – Não, não tem. A gente até tentou fazer a Associação de Fandango. Eu tenho um grupo de Fandango, uma dança caiçara daqui. A gente tentou, mas teve pequenos “atrapalhos” e não conseguiu fazer a associação, porque depende de muito trabalho e a gente não tem experiência.
P1 – Conta um pouco dessa experiência do fandango. De onde vem isso? O que é?
R – Na época em que gente nasceu, tinha muita tradição aqui em Cananéia era a época do fandango, não tinha outro tipo de dança, para minha mãe e meu pai, principalmente no sítio, não tinha outra coisa a não ser o fandango. Então terminavam de plantar a roça e faziam o fandango para o pessoal se divertir, esquecer do trabalho que foi feito. Era assim, 20, 30 famílias que se juntavam, trabalhavam quando era trabalhar e na hora de se divertir o fandango fazia parte do divertimento.
P1 – Isso era um mutirão?
R – Era um mutirão.
P1 – Conta para gente o que o senhor lembra de um mutirão que o senhor participou.
R – A gente participava de muito mutirão na época, porque era como o cara do sítio sobrevivia, era com o mutirão. Como ele conseguia plantar a roça sozinho, ele e a família? Era difícil, então fazia o mutirão. O mutirão era um aglomeramento de família, 10, 20 famílias, formava cinquenta, sessenta pessoas, menos as crianças que não ajudavam, mas os adultos, o casal, a família ajudava. Então durante o dia era aquele trabalho pesado e a noite era o jantar e depois a dança até o amanhecer o dia. Era o mutirão. Trabalhava e se divertia. O compromisso de quem fazia o mutirão era ajudar outra família, ele era convocado a outro trabalho. Ele ia trabalhar para outra família e se divertir também, assim como faziam na casa dele, estes faziam em várias casas. Tinham roça para plantar? Convoca as famílias para ajudar. E assim ia na vizinhança, família por família.
P1 – Isso acontece ainda hoje?
R – Não acontece mais porque não se pode plantar. Como foi acabando o mutirão, foi acabando essas coisas, o fandango ficou meio desaparecido por causa dessa parte ambiental. Hoje Cananéia tem vários parques divididos em vários setores, então é difícil do sitiante plantar. Não pode derrubar uma madeira, não pode fazer um roçado, então o fandango... E o mutirão foi realmente... é uma coisa que eu conto porque eu participei. Acabou; não tem mais. O cara fazia uma canoa de um tronco no mato lá e eles não iam puxar lá do mato, eles faziam um mutirão. O mutirão usava 20, 30 homens, os homens tudo tinham família, e na hora de fazer a dança, fazer a janta a família participava. Então trazia a canoa dele, fazia um pequeno gasto, mas ele trazia a canoa onde ele queria por causa dessa ajuda de família, um ajudando o outro.
P/1 – Como vocês se organizavam nesta época? Todo mundo se falava como? Escolhia um; era necessidade? Todo mundo levava comida? Queria que você contasse. Eu queria ver as pessoas, porque um jantar para 60 famílias. Como vocês se organizavam? Tinha bebida?
R – Estas coisas de plantação geralmente têm épocas certas de plantar. E quem fazia as plantações, quem morava no sítio, tinham as épocas de plantar. No caso, fazia roça para plantar vários tipos de coisas. Plantava mandioca, batata, feijão, estas coisas todas. Então se organizavam durante o ano todo, uns seis meses, para fazer o trabalho. Começava a roçar a roça; ia fazer a roçada com algumas pessoas. Às vezes nem sozinho, era feito uma pequena reunião de gente. Não um mutirão. Ele convidava várias pessoas que iam lá roçar, na hora de derrubar também, e no final, depois desta área toda limpa, fazia o mutirão para fazer a plantação. Então aquilo lá já vinha sendo comunicado. O pessoal do sítio se comunicava: “sábado que vem vai ter um mutirão”. Então final de semana que era o dia de folga do meu pai, ele saía e ia de casa em casa convidando as famílias. Ele ia de bairro em bairro. Havia uma família ou outra que só atrapalhava por isto não participava. Mas geralmente 99% participava. E assim faziam com ele também. Na hora que a outra família estava com a roça preparada e queria fazer um mutirão, ia a casa do meu pai: “oh, seu João, vamos fazer um mutirão. Dá para o senhor comparecer lá, quero que o senhor leve a família”. Então a minha mãe juntava os filhos que estavam em casa e iam junto. Minha mãe ajudava a fazer comida; a plantar a roça. E os homens faziam o serviço mais pesado, que era cavar, que era fazer estas coisas.
P/1 – E todo mundo levava um pouco de comida?
R – Não, não. Geralmente isto não acontecia. Quem fazia o mutirão já estava determinado a dar toda alimentação, café, mistura, biju, o que pudesse. Ninguém levava nada de casa. Todo mundo levava só a força e a coragem para trabalhar. A gente estava preparado.
P/’ – E na hora da festa?
R - Era a parte mais divertida que tinha, porque era o fandango. E todo mundo se divertia. Quem não dançava conversava; inventava uma brincadeira; contava uma história. E aquela noite de brincadeira. A bebida era muito controlada, ninguém tinha acesso à bebida alcoólica. Eram só os mais velhos, os mais novos não participavam de bebida alcoólica. Então era só o dono da casa, o dono do mutirão, que determinava quem bebia e quem não bebia. Pessoa nova, de 15 anos, que hoje você vê bebendo em bar, naquela época o cara nem pedia, porque não tinha. Tinha só para os meus pais, meus tios, para o pessoal de idade. A mulherada tomava um vinho de vez em quando. Isto também regado com a ordem da dona da casa que era responsável pela parte das mulheres.
P/1 – Os homens bebiam o quê?
R – Pinga. Cachaça. Era a única bebida do mutirão.
P/1 – E como era este fandango? Como se organizava? Que no fim você foi se encantando? O que te encantava nestas festas?
R – O fandango fazia parte de tudo o que a gente fazia no sítio. Era um meio de se divertir, de conhecer pessoas, de conversar, de arrumar namorada; de trocar de namorada às vezes. Então era uma vida divertida. Às vezes ficávamos sem namorada, roubavam da gente. (risos). Tem este lado aí. Faz parte do trabalho do mutirão.
P/1 – você aprendeu a tocar, você aprendeu a fazer?
R – O fandango é uma escola que a gente aprende pelo tempo. Eu aprendi não ensinado pelos avós ou pelos meus pais. Aprendi vendo os outros tocarem. Na hora que eu resolvi aprender definitivo eu comprei um instrumento e comecei a treinar sozinho. Sem professor, sem ninguém. Tentei afinar, que a primeira coisa de um instrumento é aprender a afinar. Depois que aprendi isto aprendi a tocar também. Aí ficou fácil o professor eu tinha, porque eram os professores o pessoal que fazia o fandango na época. Pessoal de idade. Ficávamos escutando, vendo como eles cantavam; como eles tocavam. Ficávamos admirados. Nem chegávamos muito perto deles, porque eram meio fechados, pessoas de idade. Ninguém participava do toque com eles, a não ser o grupo... Naquele tempo não tinha grupo, eram as pessoas determinadas que faziam o fandango.
P/1 – O senhor lembra os nomes? Quem era a turma que tinha estas pessoas determinadas?
R – Tinha o pessoal fandangueiro, o João de Deus, que era um homem que já morreu há muitos anos, aprendi muito com ele, tocar, cantar. Seu João Vitor, que era o rabequeiro, também fazia letra de música, aprendíamos as letras, ele cantava, tentávamos aprender de ouvido. E tudo que aprendemos foi de ouvido, não teve nada de...
P/1 – Tem alguma música que é tradicional; que todo fandangueiro conhece?
R – Tem. Eu fiz uma letra falando da pesca artesanal e é uma letra que quase todo mundo conhece e gosta, quando a gente toca e dança. O pessoal gosta.
P/1 – o senhor vai dar uma palinha pra nós?
R – A música é assim: cantando com instrumento é uma coisa, falando, conversando, é outra coisa. Fala assim: “Pescador que sofre, o pescador artesanal, quando o guarda vem eu me escondo no mangal”. E assim vai indo.
P/1 – Destas quando você era criança; tinha alguma que era uma música bem famosa? Que o Ser João tocava? Tem alguma que é cantada até hoje, que o seu avô cantava e hoje se canta?
R – Meu avô cantava “Cuitelo voou e disse, bateu o pé no chão. Menina não te namoro, eu amo teu coração”. Estas músicas assim.
P/1 – O pessoal canta até hoje?
R – É, canta até hoje.
P/1 – E o senhor compõe?
R – É, componho.
P/1 – Canta uma pra gente.
R – Geralmente sem instrumento é difícil. Tem assim, família Pereira, no caso eu fiz uma letra contando a história da minha família. Então posso falar alguma coisa.
P/1 – Tinha que ter pedido para trazer o instrumento.
R – É, trazer o instrumento. Ele fala assim da minha família... Como vou falar a respeito... Não dá certo. Sem instrumento é ruim. Sem instrumento é difícil, porque o fandango é uma coisa fácil, mas sem o instrumento a gente não tem o hábito de cantar. Tem que estar junto. Que nem assim, da família Pereira é assim: “(canta) Eu ainda era criança, escutava o meu pai contar, sobre a família Pereira, o avô veio ver Jaraguá. Isto já faz muitos anos, eu ainda consigo lembrar, foi por causa de uma promessa que meu avô teve que pagar. Ele veio pra Cananéia...”. Não, agora eu compliquei a coisa. É difícil. Que nem fala nesta moda: “No sítio tem joia rara, que eu cuido com muito amor, minha mãe mora no sítio, lá que ela me criou. Vou ver o pé da figueira plantado por meu avô, ela me protege do sol, quando faz muito calor”. É uma letra que... Só que sem a viola é difícil.
P/1 – Ficou bom. Quais são os temas que aparecem? Tem temas muito frequentes?
R – Esta letra eu fiz contando da família Pereira. São uns cinco, seis versos, na hora assim sem a viola é difícil de recordar. Mas as letras são geralmente sobre pesca ou sobre a vida pessoal da pessoa. Outras são de algumas pessoas que a gente conhece. E a gente vai fazendo várias letras. Tenho muitas letras, mais de 50, cerca de cem letras de fandango. Eu tenho até um pequeno caderno comigo e anoto algumas coisas da letra e lembro o tema.
P/1 – Como você há outros compositores de fandango? Vocês tem uma turma?
R – Está bem pouco este pessoal que faz letra de fandango. Ta pouco, o pessoal mais de idade já foi, a gente está aqui, mas não tem muita gente que faz letra de Fandango. Cada vez vai ficando mais difícil, o Fandango vai ficando de lado. A gente aproveita quando tem, que nem esta apresentação que nós vamos fazer em Iguape, a gente aproveita para relembrar um pouco a moda, que a gente vai esquecendo. Ficamos durante cinco horas tocando direto. Tocamos das onze às quatro da manhã sem parar. E o pessoal dançando. Fazemos um intervalo de cinco minutos de uma música para outra. Toca 20, 25 minutos cada música, 30 minutos, para cinco minutos e volta outra vez. Duas violas, uma rabeca, um surdo, um pandeiro. Somos cinco.
Troca de fita
R – Mexe comigo, toda letra de fandango dá uma recordação da família, dos meus pais...
(toca)
P/1 – Esta foi alguém que fez para o senhor?
R – Isto.
P/1 – Quem é o companheiro que faz os instrumentos?
R – Isto é feito por pessoas que fazem este tipo de instrumento para o Fandango. No caso a viola. Tem um pessoal aqui na região de Cananéia que faz estes instrumentos e vende para gente que gosta de tocar.
P/1 – Você sabe o nome?
R – Sei, seu Nelson Pica-pau.
P/1 – Nelson Pica-pau? Nelson Pica-pau é o nosso artesão.
R – Mas tem mais pessoas que fazem viola. (toca) Com a viola fica mais fácil. Que nem assim, Fandango, no caso, chama Rita, este tipo de toque. (toca e canta) “Pescador que sofreu, artesanal, quando o guarda vem, me escondo no mangal, é os homens da lei, a fiscalização, o meu gerival é o meu ganha-pão. Vou pescar bem cedo, sem tomar café, e a minha mulher fica reclamando, quando eu to dormindo me ponho a sonhar, que no meu gerival tem um camarão entrando. O remo é o motor de um cavalo só, quando chuva é chuva, quando sol é sol, vejam quanto sofre um pescador, que trabalha tanto e não tem valor. Pesco de enchente, maré de vazante, pesco com a chuva e com a trovoada, pra trazer o sustento pra minha família, pesco todo dia também de madrugada”. Esta é uma moda de fandango feita por Paulo de Jesus Pereira.
P/1 – Você lembra de uma antiga, que o pessoal toca até hoje?
R – Tem muitas letras antigas que a gente vai esquecendo, às vezes a gente não recorda muito. Tem uma bem antiga mesmo. É a história de uma pessoa que foi minha professora, no caso, ela chama-se dona Edite. Então a letra é assim: (toca e canta) “Todos conhecem dona Edite professora, que seu aluno ensinava a lição, e hoje ela já não é mais professora, tem outros cargos e exerce outra função. E continua indo lá no meu sítio quando tem baile ou quando fazem mutirão. Ela recorda o seu tempo de mocinha, que a seus alunos dedicava ensinar, e hoje quando ela chega lá no sitio, bem pouco dele que lhe vai cumprimentar. E a saudade bate forte no seu peito, ela não consegue esquecer esse lugar. O pessoal mais velho era um pessoal unido, trabalhador com muito amor no coração, semana toda eles faziam ajutório, fim de semana acontecia o mutirão. E o Fandango era feito com viola, mas a batida chama Rita e dandão”. É uma história de uma pessoa que eu fiz esta letra.
P/1 – O chama Rita tem este ritmo?
R – É, tem.
P/1 – Tem mais um?
R – Tem vários tipos de ritmo. Tem o dandão. (toca) “Meus colegas, meus amigos, mas você já esta não é isto não, todos nós somos culpados, é só nós prestar atenção. Porque já esta acontecendo tanta poluição. Tem lixo em todo lugar que não dá pra acreditar que tem lixo nas cachoeiras e no pequeno rio no mar. A mata pede socorro pra nossa educação mudar. Ta precisando de alguém que goste de trabalhar, que visite bairro a bairro e todo mundo orientar. Lixo se joga no lixo, lixo não se joga no mar. A fazenda era um sítio hoje é nosso lixão. Tanto lixo lá enterrado e trazendo preocupação. Poluindo as cachoeiras que descem lá do sertão”.
P/1 – Se afina como o violão?
R – Quase igual.
P/1 – E uma sua?
R – Todas estas são de minha autoria. São modas antigas, mas de minha autoria.
P/1 – Aquela da família Pereira.
R – É assim...
P/1 – Como é a afinação? É mi?
R – Não, não. Falar em...
P/1 – Faz tudo no ouvido.
R – É. Família Pereira é assim: Eu era criança, escutava o meu pai contar, sobre a família Pereira, meu avô veio de Jaraguá. Isto já faz muitos anos, eu ainda consigo lembrar, por causa de uma promessa que meu avô veio que pagar. Meu avô veio de Jaraguá, estado de Santa Catarina, foi lá que ele fez esta promessa, pra salvar a vida de um menino que estava correndo perigo e morava longe da medicina. Mas depois de seu filho curado resolveu vender tudo que tinha. Em 1920 foi o ano que meu avô se mudou, vindo lá de Jaraguá, pra lá nunca mais voltou. Veio morar em Cananéia, o sítio ele comprou. Hoje eu colho os frutos da plantação do meu avô. Eu vejo pai e meus tios, num sítio muito plantou; hoje ainda têm as taperas, árvores raras que ficou. “Eu também sou dos Pereira, cuidando do sítio estou, eu só estou recordando o tempo do meu avô”. Esta é a da família Pereira.
P/1 – Você estão indo para Iguape, você falou que vocês ficam tocando direto. Isto é da tradição do fandango? Todo mundo que toca fandango fica...
R – Não é todo mundo. Mas o costume do pessoal de Iguape é este. Eles vão pro fandango, pagam uma pequena entradinha e querem se divertir. Igual a um forró, a uma balada, tem que tocar direto. Até quatro horas da madrugada.
P/1 – Você falou que o Fandango está desaparecendo. Acabou o mutirão, acabou o Fandango. E o que vocês tem feito pra tentar manter esta tradição?
R – A gente tentou até fazer um grupo de Fandango. No caso nós não tinha um grupo de Fandango. Depois, faz uns 20 anos mais ou menos, que a gente montou um grupo de Fandango. Pessoas que sabem o que é o fandango, nasceram no fandango, viveram o Fandango. Estas pessoas têm várias pessoas do Fandango, um grupo com cinco, seis pessoas tentou há uns três, quatro anos, fazer uma associação, mas a gente não conseguiu. Teve pessoas que achavam que... que... não sei o que aconteceu. Nos atrapalhamos, não temos muito estudo. Estas coisas para aprovar precisa ter pessoas que conhecem de lei, veja o estatuto direitinho. Conseguimos um estatuto; escolhemos o que nós queríamos, o que era bom pro Fandango, para o grupo. Só que incluímos vários grupos. E teve um atrito entre as pessoas de outros grupos. Eu sempre fui sincero em falar, durante a reunião que aconteceu nos bairros, que existem outros grupos, que eu não queria ser o presidente da associação. E no fim, na hora da eleição eu fui o presidente da associação. E teve pessoas que achavam, ou melhor que eu achava que eram meus amigos, que eram pessoas que gostavam do Fandango, que nem sabem tocar nada, mas fizeram parte, que atrapalharam toda a chapa, toda a aprovação do documento. Eu queria fazer tudo documentado. E então não consegui aprovar. Não consegui, não, eu corri um mês atrás das aprovações, para ver se conseguia, as pessoas que ficaram responsáveis em fazer as atas, fazer as coisas que uma associação precisa, se esconderam e depois formaram outra associação e fizeram uma associação envolvida com a Rede Cananéia, que é um pessoal que já está aqui há muito tempo. Que nem são do Fandango, conhecem de vista. Do Almir, esta turma aí. Eles vieram baseados no apoio do Fandango, todo apoio, só que quando ele quis fazer a associação dos fandangueiros, que a Rede Cananéia não tinha nada a ver com a... Tinha o prédio alugado, eles se prontificaram, só que na hora entrou outra. Gente, não o Almir, mas pessoas ligadas ao grupo que achavam que não ia dar certo. Aí deixei de batalhar neste sentido.
P/1 – Qual foi a principal divergência?
R – Parte documentação. Porque eu tinha uma pessoa de Cananéia, inclusive ele é maestro da banda; ele é formado é advogado, foi delegado, aposentou. E eu me encostei nele, como é meu amigo, muito, nascido e criado aqui e tem a mesma idade que eu, um pouquinho mais velho do que eu. Eu conversei com ele: “Doutor Silvino, o senhor pode ajudar? A gente não conhece, tem um estatuto aqui para gente escolher o que é bom para nós, fandangueiros. E a gente tinha vontade de fazer uma associação de fandangueiros aqui em Cananéia, mas a gente não sabe como começar”. Aí ele deu todo apoio, só que quando o pessoal viu que ele estava ao nosso lado, que não deixamos passar batido algumas coisas que os caras queriam, então eles atrapalharam. Atrapalharam o grupo e todo mundo. Depois eles formaram a associação deles aqui, dentro de Cananéia, com o grupo Caraú, a gente não participou mais, mas também não se vê nada de melhoramento neste sentido.
P/1 – Era uma associação de fandango.
R – Associação, eles formaram outra, a AFACAN, Associação de Fandangos de Cananéia.
P/1 – Teve melhoras?
R – Não, piorou porque eles elegeram também pessoas que não têm grandes conhecimentos, pessoas do Fandango que não tem conhecimento. A gente fazia uma domingueira por mês numa pracinha que tem aqui em baixo, da Tidolina, a gente fazia uma domingueira por mês, para o pessoal que gosta do fandango vir se divertir. E tinha muitas crianças gostando, que vinham para dançar, se divertir com família. Este tipo de diversão familiar foi acabando. Sabe que tem projeto, que recebe dinheiro para melhoria do fandango, e a gente não vê isto sendo investido em nada na parte cultural. O município também não dá muito apoio para esta parte cultura. Devia. Porque faz parte de Cananéia. O prefeito prometeu, a gente não queria nada além de uma pequena ajuda para os grupos de fandango. Não só para o Viola de Ouro, que é o grupo que eu faço parte, mas para todos os grupos que mantém esta tradição do Fandango. Mas nunca recebemos uma pequena ajuda de ninguém. A gente sabia que tinha projeto, que tinha vindo dinheiro, mas a gente nem tem como provar, só ta falando.
P/1 – Como vocês têm feito pra resistência do fandango?
R – Porque é uma coisa que a gente nasceu com isto aqui, com o Fandango na mente. É o único jeito de se divertir. E era o único instrumento que a gente sabia tocar, que a gente aprendeu a tocar. Então um aprende a tocar viola, outro aprende a tocar rabeca, outro aprende a tocar surdo, pandeiro e a gente foi se identificando com os instrumentos e foi ficando. O mais velho dava um pequeno apoio, depois que a gente ficou mais moço, ensinava algumas coisas e a gente aprendia com eles também. Tem algumas pessoas já de idade que deixavam a gente ficar tocando junto, dando uma ajuda. O pessoal mais velho foi indo embora e a gente foi ficando no lugar deles.
P/1 – Vocês têm ensinado pessoas mais novas?
R – A gente até procura dar uma força, ajudar, mas a gente não tem como dar uma continuidade na parte do Fandango, principalmente nos bairros da gente. Onde eu moro não tem quase muita criança. Tem alguns jovens, mas poucas crianças. E a juventude hoje não liga muito para este negócio cultural. Então se envolve em outro tipo de dança. Se a gente tivesse apoio, temos como juntar as famílias, conversar com elas, e começar de pequeno, sete, oito, dez anos, ensinar a tocar, ensinar a afinar. Mas a gente não tem condições financeiras para dar um apoio, porque hoje depende tudo de condução. Eu moro num bairro que tem poucas famílias, agora, tem outro bairro vizinho que tem mais famílias. Para deslocar estas crianças para o meu bairro, ou para eu ir ao bairro deles, tem custo. E a gente não tem apoio.
P/1 – Você tem um grupo ainda. Vocês vão tocar onde?
R – A gente toca no bairro da gente, quando tem oportunidade de tocar.
P/1 – O que é oportunidade de tocar?
R – Aniversário, uma festa do bairro. A gente faz apresentação de Fandango, toca Fandango. Toca aqui em Cananéia, em pequenos bailes, que a gente é convidado, alguma apresentação. E toca em Iguape também. O nosso grupo já foi até na Inezita, há uns 20 anos atrás fizemos uma apresentação na Inezita Barroso. Fizemos, cantamos duas músicas lá, só que o espaço é pequeno, então só duas musiquinhas. A gente agradeceu a oportunidade que ela deu pro grupo Viola de Ouro se apresentar.
P/1 – Como foi isto aí?
R – Foi muito bom; foi gostoso. Ela é uma pessoa agradável, nos tratou muito bem, fizemos nossa obrigação lá. Passamos o dia em São Paulo, onde ela faz a apresentação dela. A gente participou. Só que depois é só gravação. Porque aquilo lá é gravado, se não me engano, ela marcou o dia e a gente assistiu o que a gente fez lá.
P/1 – O fandango é uma música, uma dança, uma festa ou os três?
R – É uma dança. Fandango é uma dança com vários tipos de ritmos. Tem o fandango sapateado, que usa aquele tamanco, usa embatido. Na época que eu era criança eu não usava... meus pais faziam muito isto aí. A gente tem noção como era o fandango de 40 anos atrás. Totalmente diferente de hoje. Hoje é só estas músicas bailado. Pega a dama e saí a dançar, que nem um forró. Antigamente tinha outros tipos de dança. O pessoal aprendia com os mais velhos e a gente ficava só olhando. Não participava porque ali eram só os craques mesmo, que sabiam dançar, que dançavam lá, eu tenho na casa de caiçara no meu sítio, tenho os tamancos. Mandei fazer os tamancos. Mas nunca tentamos aprender a dançar. A gente até sabe tocar, mas aprender a dançar tem que ter um cara que se chama, tipo um maestro de banda, o batido também tem um cara marcador. Um cara que determina a hora de bater a mão, a hora de bater o pé. Tem toda uma coisa...
P/1 – E o fandango é caiçara?
R – Caiçara. E toda a região tem fandangueiro. O vale está coalhado de fandangueiro. De Paranaguá até Peruíbe, mais ou menos, tem Fandango. Depois o litoral Norte já é outro tipo de Fandango. As músicas não são iguais as nossas.
P/1 – Qual a diferença?
R – Letra diferente, puxa mais pra forró, com violão. Não é com viola caiçara. Então muda bastante. Agora, Guaraqueçaba é o lugar que mais faz fandango, aquela região de Morretes, Guaraqueçaba. A gente foi em uns três ou quatro encontros de fandangueiros em Guaraqueçaba. Cada dois anos eles fazem um encontro lá, toda vez que tem um encontro de fandangueiro a gente vai lá. Fica três, quatro dias lá. É só fandango. Eles fazem uma festa numa praça, montam uma lona lá, montam palco, uma aparelhagem. O grupo se apresenta durante o dia, das onze às sete, oito horas da noite. Ficam lá vários grupos, vão muitos grupos, mais de 50 grupos de fandango. Chega a nossa vez e fazemos a apresentação. E durante a noite eles fazem um Fandango comunitário, com todo mundo mesmo. Aí vai três, quatro, grupos tocar. Cada grupo fica uma hora, duas horas e fica até uma hora da manhã. Aí todo mundo se diverte. Fica uma semana a bem dizer quase de Fandango em Guaraqueçaba.
P/1 – Quem organiza?
R – A prefeitura e tem um pessoal do Rio de Janeiro, que tem um projeto chamado Projeto Caboré, um pessoal que já veio em Cananéia, fez um trabalho com a gente, gravou um CD para nós. Nós fizemos CD através dele e eles depois fazem sempre em Guaraqueçaba, juntam todos os fandangueiros desta região aqui e levam para lá através do projeto deles.
P/1 – Eles dão transporte.
R – Dão transporte, alimentação e hospedagem e ainda pagam um cachê para os grupos que vão se apresentar lá. É um projeto muito grande, eles fizeram um trabalho grande aqui em Cananéia e em todo este litoral aqui.
P/1 – Vocês têm um CD gravado por este projeto.
R – Temos um CD e o livro também. Mas com certeza aqui no ponto de cultura o Fernando deve ter o livro.
P/1 – Museu Vivo?
R – Museu vivo do Fandango. Você chegou a ver aquilo lá?
P/1 – Vi, vi.
R – Aquele pessoal fez um trabalho com todo este pessoal Fandangueiro desta região. Tem foto da gente; tem depoimento nosso.
P/1 – Focado bastante no fandango. Paulinho, você está aqui desde que nasceu, como você imagina aqui daqui a dez anos?
R – Melhorar eu sei que não vai melhorar. Se for neste ritmo que está indo a gente percebe que vai acabar. A parte cultural não tem nenhum apoio; a gente não vê que pessoas se interessam pela parte cultural. Sendo que podia, a administração municipal devia olhar bem esta parte aí porque são caiçaras que nasceram no Fandango, que gostam. E mostrar para o turismo, Cananéia é uma cidade turística, acho que devia dar mais valor a parte cultural do povo cananeense.
P/1 – Vocês já chegaram a tentar fazer algo? Fandango junto com turismo: vocês já tentaram fazer algo com a prefeitura?
R – Geralmente a gente não tem nenhum apoio, não tem nenhum convite. Passa batido a época de verão, que tem muita gente aqui em Cananéia, passa de 30 mil pessoas passando temporada, carnaval, vem muita gente para cá e a gente não tem nenhum apoio. Acho que eles não valorizam a parte cultural. Eu, como Cananeense me sinto meio abandonado e chateado, no caso, de não ter um pouquinho de valor.
P/1 – Tem outras expressões de arte e cultura que, como o fandango, é caiçara, que também está deixada de lado?
R – É mais a parte caiçara mesmo, mais a parte de Fandango, no caso. Que eu faço parte, a gente percebe que não teve muita melhora.
P/1 – Este CD abriu alguma porta pra um projeto, conseguiu divulgar um pouco?
R – Divulgou, a gente ficou um pouquinho mais conhecido. Foi um passo a frente, mas como não temos apoio ficamos paralisados. Não tem como você querer sair. O nosso trabalho não é muito divulgado.
P/1 – O senhor continua compondo?
R – É, de vez em quando, que nem esta música que eu fiz do lixo, é uma coisa que eu queria cantar; queria gravar um CD, tinha vontade pra pôr. É uma coisa que está muito vista, o pessoal não tem muita noção do que joga na água, o plástico, a lata. Aqui nós recebemos muita gente na temporada; tem que conscientizar o povo a preservar mais a natureza. Então eu fiz esta letra, mas poucas vezes eu cantei, às vezes até me esqueço. Nós temos área de lixão aqui nesta região, agora está interditada, mas era um sítio igual ao meu. Igual o do meu pai. Hoje está lá abandonado. Tem cachoeiras que passam no meio daquele lixão e deságuam no nosso canal, na nossa região lagunar. Aquela água que desce por lá está toda poluída. Então esta letra eu queria mexer um pouquinho com o pessoal da administração municipal para eles tomarem consciência; pôr o povo bem a par do que acontece na nossa cidade, a parte de lixo.
P/1 – Este lixão é do município? Todo lixo de Cananéia vai para este lixo. Era um sítio igual ao seu. Não é região de preservação?
R – É, mas há 20, 30 anos foi feito lixão lá; o dono da terra deu autorização para atual prefeitura. Continua, este ano que está fechado. Há uns seis meses a CETESB (Centro Tecnológico de Saneamento Básico) veio e fechou. Agora estão levando o lixo para outro município. Mas a gente vê um abandono total nesta parte de lixo.
P/1 – Teve alguma coisa que a gente não perguntou? Alguma história que você queria contar? Alguma coisa que a gente não entrou no assunto?
R – Toda parte da minha vida foi falada aqui, desde o meu início, de escola, até hoje.
P/1 – Quer tocar uma saideira? Pode ser?
R – Pode ser (risos). Dandão, no caso, letra também feita por mim (canta e toca): “Tinha casa da farinha, mas é pra fazer farinhada, era um sonho que eu tinha, mas de vez quando eu sonhava, lembra o tempo lá no sítio; lá no sitio, lá na roçada eu trabalhava; tem roda e a bolandeira, mas tem a prensa pra imprensar; o forno está na taipa para farinha torrar. E tem o fogão de lenha. Fogão de lenha para o meu amor cozinhar. Quando eu era criança, mas a minha alimentação, peixe fresquinho do mar tinha farinha e feijão. A casa coberta com palha. Coberta com palha e a luz era o lampião.
P/1 – Muito obrigado. Vocês querem perguntar mais alguma coisa.
P/2 – Queria ouvir aquela do seu avô.
R – Então vamos lá, família Pereira novamente (canta e toca): “Eu era criança, escutava o meu pai contar, sobre a família Pereira, lá do humilde Jaraguá. Isto já faz muitos anos, eu ainda consigo lembrar, por causa de uma promessa que meu avô veio que pagar. Meu avô veio de Jaraguá, estado de Santa Catarina, foi lá que ele fez esta promessa, para salvar a vida de um menino que estava correndo perigo e morava longe da medicina. Mas depois de seu filho curado resolveu vender tudo que tinha. Em 1920 foi o ano que meu avô se mudou, vindo lá de Jaraguá, para lá nunca mais voltou. Veio morar em Cananéia, o sítio ele comprou. Hoje eu colho os frutos da plantação do meu avô. Meu velho pai e meus tios, num sítio muito plantou; hoje ainda tem as taperas, árvores raras que ficou. Eu também sou dos Pereira, cuidando do sítio estou, eu só estou recordando o tempo do meu avô. No sítio tem joia rara, que eu cuido com muito amor, minha mãe mora no sítio, lá que ela me criou. Vou ver o pé da figueira plantado por meu avô, ela me protege do sol, quando faz muito calor."
(Aplausos)
P/1 – Muito Obrigado.
R – Eu é que agradeço a oportunidade. Não muito afinada, a viola, mas fazer o quê?
P/1 – Em nome da equipe, muito obrigado por ter vindo nos conceder esta entrevista.
R – Obrigado vocês pela paciência de me escutar.
Fim da entrevista
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