Projeto A Gente na Copa – História de Gente que Faz o País do Futebol
Depoimento de Domingos Antonio D’Ângelo Júnior
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo, 20/12/2013
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV_445_Domingos Antonio D’Ângelo Júnior
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Então primeiro, Domingos, eu vou pedir para você falar para gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – É Domingos Antonio D’Ângelo Júnior. Eu nasci no dia 6 de maio de 1938, em São Paulo, capital.
P/1 – Queria pedir para você falar o nome completo dos seus pais, data e local de nascimento também, se você se lembrar.
R – Meu pai se chamava Domingos Antonio D’Ângelo Neto, ele nasceu no dia 28 de outubro de 1905 em São Paulo. A minha mãe chamava Alice Campana D’Ângelo, nasceu no dia 17 de abril de 1905 em Jaú, no interior do Estado de São Paulo.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – O meu pai foi jornalista, depois se tornou advogado. E a minha mãe era prendas domésticas, nessa época não tinha filhos.
P/1 – Descreve um pouco como eles eram como pessoas.
R – Olha, meu pai como jornalista e advogado era uma pessoa que tinha uma fluência verbal grande, uma facilidade para escrever muito grande, escreveu alguns livros ligados mais à área de religião, na vida dele. Era uma pessoa com origem italiana bem alegre, mas bem firme no tratamento com os filhos. A minha mãe já era uma pessoa que veio do interior, de prendas domésticas, tocava piano, uma pessoa mais suave, mas bem disciplinadora também, quer dizer, se saísse fora do rumo levava uma varetinha, está certo?
P/1 – E você tem irmãos, Domingos?
R – Eu sou o caçula. Na verdade nós éramos em quatro irmãos, dois já faleceram. Eu sou o caçula, o primeiro era um homem, chamado Luiz Ismar, foi jornalista também, só foi jornalista. A segunda, minha irmã chamada Miriam Simone, que é viva ainda. A terceira é a Marli, que foi atriz de televisão, e eu sou o caçula. E até onde a gente pode avaliar eu usufruí um pouco mais da situação econômica, porque quando eu nasci e comecei a minha vida, o meu pai tinha adquirido uma situação econômica um pouco melhor e os irmãos falavam que eu era o caçulinha protegido.
P/1 – O seu pai trabalhou num órgão de imprensa específico? Ou com um tipo de jornalismo específico?
R – A primeira parte da vida dele ele trabalhou em jornal e eu não posso me lembrar com certeza, porque eu era jovem, mas eu sei que ele foi um dos fundadores do jornal O Esporte, um jornal que deixou de circular, mas que foi um jornal de grande circulação, na verdade concorria até com a Gazeta Esportiva na época. E esse mesmo jornal, o Esporte, depois criou um jornal mais sensacionalista chamado A Hora, mas meu pai já tinha saído. Ele trabalhou num jornal chamado A Noite, que era um jornal de propriedade federal. Depois ele deixou o jornalismo e passou a ser só advogado mesmo, aí teve um escritório de advocacia razoavelmente grande. Na minha adolescência eu trabalhei nesse escritório de advocacia, fui lá office-boy, recepcionista, (risos) até que deixei de trabalhar lá. Mas eu trabalhei bem uns 10 ou 15 anos no escritório, então isso, na verdade, facilitou um pouco a minha vida profissional depois, porque eu tinha, ainda tenho um conhecimento grande na área jurídica, eu conheço bem a área trabalhista apesar de não ser advogado.
P/1 – Aprendeu trabalhando com seu pai?
R – É.
P/1 – E a sua família gostava de futebol, Domingos?
R – Não, na verdade quando eu me tornei, vamos dizer assim, que eu tenha consciência meu pai já não... Meu pai foi diretor do Palestra Itália, mas por volta de 1939, um ano após eu ter nascido, ele deixou o futebol, não gostava, não queria mais saber do meio.
P/1 – Por quê? Você sabe? Ele comentava?
R – Eu não tenho detalhes, mas eu acredito que tem as mesmas dificuldades de hoje, problema de dinheiro, paixão clubística, coisa que não facilita a vida de uma pessoa que é ser bem... Hoje o futebol não é uma coisa fácil para se viver lá no meio futebolístico. Então, eu não tive nenhuma, assim, origem de futebol na família, o que aconteceu foi que meu tio João me levava ver o jogo do São Paulo no Pacaembu, depois o meu irmão e eu passei a jogar futebol como todo moleque na rua, nos campos, e daí que vem meu gosto pelo futebol. Então, eu joguei futebol durante um bom tempo.
P/1 – Mas em casa seu pai não escutava, por exemplo, jogos no rádio?
R – Não, nada disso, não tinha esse hábito, não. Eu talvez escutasse, mas a partir do momento, sei lá, teve um certo momento que a televisão apareceu, eu não sou muito bom para guardar data, mas eu acho que a televisão apareceu por volta de 1950. E eu me lembro da gente ouvir a Copa do Mundo que o Brasil perdeu, estava todo mundo bravo, menos meu pai, que achava que isso era a coisa mais natural do mundo, mas o resto do povo estava tudo bravo lá.
P/1 – O senhor se lembra bem dessa...
R – Eu me lembro sim, era uma tarde normal de calor, a minha casa era uma casa onde eu vivo até hoje, porque acabei ficando com essa casa, então, era uma casa que tinha um terraço sem muros, na época não havia necessidade de muro, era só o jardim, e eu me lembro do rádio transmitindo e o fim da tarde a minha irmã Miriam, mais velha, chegou até a chorar, por causa que perdeu. Meu pai estava na maior fleuma, achava que aquilo era a coisa mais normal do mundo. Mas não tem uma origem que eu possa dizer para você: “Olha, por essa razão eu passei a me ligar no futebol”. Foram coisas que foram acontecendo ao longo da vida, sabe?
P/1 – Mas essa Copa que você se lembra especificamente, você se lembra contra quem era o jogo?
R – Eu só me lembro que era Uruguai, mas na época... Hoje, evidentemente, lendo a história eu sei tudo, tenho três ou quatro livros sobre a Copa de 50, Maracanaço, o do Perdigão, então tem livros maravilhosos e eu conheço a Copa por leitura e não de memória, de memória eu não me lembro, não.
P/1 – E aí essa casa onde você passou sua infância, que é a mesma onde você vive hoje é no Jabaquara, é isso?
R – É.
P/1 – E como é que era o Jabaquara naquela época? Como era o seu bairro? Como eram as casas? As ruas?
R – A casa onde eu moro é uma casa que tem um terreno de 11 por 50, um terreno muito grande. Quando a gente mudou para lá, que eu calculo que seja por volta de 1945, 46, a casa não tinha muro, era cerca de arame farpado, um jardim na frente e a rua era de barro, nessa rua eu joguei futebol muito tempo. Depois a coisa foi evoluindo, calçamento, a situação não permitia mais que tivesse uma casa aberta, se pôs um muro, até que meu pai fez uma reforma, eu acredito que por volta de 1954, eu me lembro, centenário e aí reformou a casa. É uma casa boa que eu moro até hoje no Jabaquara, onde a gente passou por tudo, desde a época de pegar um ônibus para descer na Praça da Sé e depois, com a construção do metrô, que as avenidas foram todas interrompidas. Hoje a facilidade é muito grande, porque eu moro a cerca de 200 metros do metrô Jabaquara. Então é uma maravilha quando a gente vai para um lado que tem metrô, que não é todo.
P/1 – E nessa fase de infância quais eram as brincadeiras, Domingos? Você se lembra o que vocês faziam para se divertir? Com quem você brincava? Do que brincava?
R – Olha, que eu me lembre era andar de bicicleta e jogar futebol, então essas brincadeiras. No bairro, desde essa época sempre teve um clube que existe até hoje, se bem que hoje ele só tem quadras, mas na época tinha um campo de futebol, hoje tem um conjunto habitacional e eu jogava muito futebol nesse campo, quer dizer, jogava futebol no colégio também. Na minha cabeça eu me lembro que de sexta-feira para domingo era uma loucura, porque começava na sexta-feira, que eu me lembro que tinha jogo de futebol no colégio, no sábado à tarde eu ia jogar no que chamavam Infantil da época. Aí, no domingo de manhã eu jogava num outro clube do bairro que se chamava O Extra. E depois, se tivesse chance, no domingo à tarde eu ia jogar num tal de Sport. Então, na segunda-feira eu estava quebrado.
P/1 – Gostava muito de futebol.
R – É, eu joguei muito futebol.
P/1 – Você jogava numa posição específica ou não?
R – Eu jogava de zagueiro, quarto zagueiro. Eu sou um pouco suspeito para falar, mas eu acho que eu era um jogador razoável, tanto que quando eu fui para o Mackenzie um dos professores queria me levar para fazer um teste no Palmeiras, aí como são-paulino, no Palmeiras eu falei não, só se for no São Paulo. Mas acabei fazendo teste num clube que hoje não existe mais, chamado Estrela da Saúde, que é um clube que era do bairro, hoje não é mais, a sede está até com o São Paulo, e no Estrela da Saúde eu cheguei a jogar no Juvenil. Então, nessa época eu me lembro que, um pouco modesto (risos), mas como eu era um quarto zagueiro com alguns recursos, o técnico do Estrela da Saúde me pôs mais para frente para jogar o que hoje é chamado de volante, porque eu tinha um pouco mais de recurso técnico.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Pois é, essa época era, sei lá, acho que devia ter uns dez, 15 anos talvez.
P/1 – Bom, você torce para o São Paulo. E quando você se tornou são-paulino, você lembra, Domingos? Quando você escolheu e por que você escolheu ser são-paulino?
R – Não, não tenho essa ideia. A única coisa que tem na minha cabeça é que meu tio João me levava no Pacaembu para ver os jogos do São Paulo, depois o meu irmão passou a me levar e depois eu, quando mais adolescente naquela época, você ia para o estádio sozinho, sentava no meio das torcidas misturadas, sem nenhuma dificuldade. E aí eu fui ficando são-paulino, em determinado momento fui sócio do clube, na verdade eu sou sócio do São Paulo desde 1954. Eu tenho uma carteirinha e hoje eu tenho conhecimento que essa carteirinha ela foi feita pelo meu tio João, que tem lá o nome assim, o menino Domingos Antonio e tem o endereço da Borba Gato onde meu tio morava, eu nunca morei na Rua Borba Gato, isso em 54. Nessa época o São Paulo não tinha Morumbi, tinha só sede social e o Canindé onde o time jogava lá, treinada. Depois, mais para frente, quando o estádio começou a ser construído eu comprei cadeiras cativas, e você comprando cadeira cativa você tinha direito de se tornar Sócio Olímpico do clube, não é um título, então hoje eu sou Sócio Olímpico do São Paulo, não por compra de título, mas por compra da cadeira cativa.
P/1 – O que significa ser Sócio Olímpico?
R – É uma denominação que tem para quem é proprietário de cadeira cativa. Na verdade tem algumas diferenças, hoje não existe mais isso, porque não tem mais venda de cadeira cativa, quem compra de terceiros não tem o título, porque o título foi dado só para aquele primeiro proprietário de cadeira cativa. Então o Sócio Olímpico, por exemplo, podia votar com menos de um ano, seis meses, tem alguma diferença, mas muito pouco. Hoje eu tenho, esse ano passado eu fiz 50 anos de clube, de sócio nessa nova modalidade, então, hoje eu sou sócio sem obrigações de pagamento, não preciso mais pagar. (risos)
P/1 – E você lembra a primeira vez que você foi ao estádio?
R – Eu não me lembro, eu não tenho essa noção. Eu me lembro de algumas coisas que ficaram na minha memória, por exemplo, quando o meu tio me levou no Pacaembu, eu me lembro de um jogo contra a Portuguesa, que o goleiro da Portuguesa era um jogador chamado Caxambu, era de origem negra e o meu tio xingava ele, porque ele estava fazendo cera contra o São Paulo, essa imagem ficou na minha cabeça. Depois, posteriormente, quando adolescente, mas aí já em 1957, eu me lembro da estréia do Zizinho no São Paulo, que eu fui assistir sozinho no Pacaembu. Esses dois jogos que ficaram mais, o restante não ficou. Na verdade eu não sou um cara muito bom de memória, não.
P/1 – Esse jogo da estréia do Zizinho no Pacaembu, você se lembra como foi o jogo?
R – Foi um jogo contra o Palmeiras, que São Paulo ganhou de 2 a 0, foi uma coisa maravilhosa, está certo? (risos)
P/1 – E nessa época, mais infância ou adolescência, você tinha algum ídolo? Do clube ou da seleção?
R – Não me lembro assim, não. Na verdade, como eu não tenho boa memória, eu só me lembro de um time de futebol que eu não saberia a data exata, mas eu dizendo a escalação certamente vai identificar que era: Poy, de Sordi, Mauro, Bauer, Rui Noronha, Friaça, Ponce de León, Leônidas, Remo e Teixeirinha. Esse time eu vi jogar no Pacaembu e ficou na minha cabeça.
P/1 – Por que ficou na sua cabeça?
R – Porque foi um time bom, jogava bem, foi campeão. Eu estou falando da década de 40. Nessa década de 40, de dez campeonatos, o São Paulo ganhou cinco, se não me engano, então foi um time que teve boa repercussão. Então, esse time ficou na memória.
P/1 – E não tinha um jogador que você se espelhasse?
R – Não, não tinha. Não teve nenhum jogador que eu tivesse, assim, como ídolo, como um mito, não, não teve realmente. Eu gostava desse time, mas não tinha um específico, nem o Leônidas, nem o Remo, nem o Bauer.
P/1 – Alguém que você quisesse conhecer? Não tinha isso.
R – Não, não teve nenhum ídolo, não.
P/1 – E Domingos, em que ano você entra na escola? Você lembra com que idade você começa a estudar?
R – Eu acho que foi com sete anos. Como eu nasci em 38, deve ter sido em 1945. E me lembro que em 1945 era numa escola bem simples, ali no Jabaquara, na Cidade Vargas, que o governo alugava uma casa e a gente ia na aula nessa escola, bem pequenininha, de 45.
P/1 – Você lembra o nome da escola?
R – Ah, era escola pública, alguma coisa assim, Grupo Escolar alguma coisa, mas não me lembro o nome, esse eu não me lembro. Depois, em 47, aí o meu pai me colocou num outro colégio que chama Grupo Escolar Marechal Floriano Peixoto que ficava, deve ficar ainda, não sei, na Vila Mariana, aqui perto onde era a estação dos bondes. Esse Grupo Escolar Marechal Floriano Peixoto, esse eu me lembro bem.
P/1 – Como é que era?
R – Aí já era um colégio grande. Então eu tive essa mudança, eu estava acostumado naquela escolinha pública pequena, que eu sinceramente não sei se era municipal ou estadual, de 45. Dois anos depois eu fui para um colégio que era grande, um prédio, o prédio tem até hoje, um prédio de dois andares muito grande, aulas grandes, então eu senti uma certa... E aí eu me meti no meio de um grupo que eu não conhecia e tive que me adaptar.
P/1 – Já era ginásio?
R – Já era grupo escolar.
P/1 – Mas era primário ainda?
R – Era primário. Me formei no primário lá e aí no primeiro ano ginasial eu fui para o Ginásio Jabaquara, que não existe mais. Aí, eu fiz Ginásio Jabaquara até o terceiro ano. No quarto ano meu pai entendeu que eu tinha que ter uma situação, nível de estudo melhor, me pôs no Mackenzie. E aí eu sofri, hoje eu lembro que eu sofri uma outra dificuldade, porque você sai de um colégio de bairro, você conhecia todo mundo, e caiu num colégio grande que você não conhecia ninguém. Eu nunca repeti de ano, tinha essa vantagem, mas esse quarto ano eu sofri bastante para poder passar, não foi uma coisa fácil. Aí passei e fiz o antigo Científico, hoje não tem mais esse nome, os três anos no Mackenzie.
P/1 – Terminou no Mackenzie.
R – Eu fiquei quatro anos, eu fiz o último ginasial e os três anos no Mackenzie.
P/1 – Uma curiosidade lá atrás. Esse colégio ali na Vila Mariana, Marechal Floriano, né? O senhor se lembra como o senhor ia até o colégio?
R – De bonde.
P/1 – Qual era o bonde?
R – Era o bonde que pegava e parava... Na verdade a Avenida Jabaquara e Domingos de Moraes era separada no meio, tinha dois trilhos de bondes e o carro passava de lado. Então eu ia de bonde, nesse bonde, ia no estribo. A maioria aventura de um moleque era andar no estribo do bonde, está certo?
P/1 – Ia sozinho?
R – Sim, sozinho. Tanto no Marechal Floriano, depois Ginásio Jabaquara e depois Mackenzie sempre fui de ônibus, sozinho. Meu pai tinha carro, mas eu nunca fui ao colégio, pegava o ônibus Jabaquara até o Mackenzie eu pegava dois ônibus. Pegava um até o Paraíso e aí pegava o bonde para ir para o Mackenzie.
P/1 – E nessa fase da educação básica, o primário, ginásio ou científico, teve algum ou alguns professores marcantes, assim?
R – Não. Engraçado, não tenho, não. Tem vários professores que você lembra, mas não um significativo.
P/1 – Que tenha te influenciado de uma maneira?
R – Por exemplo, no Marechal Floriano a professora que eu estudei lá foi dona Luísa, era uma mulher muito brava. Na época se você fizesse alguma coisa errada levava palmada (risos), mas hoje se fizer isso vai ser processado. Mas nenhum exagero, que a gente ficava conversando, fazia bagunça e aí levava uma carraspança. Depois no Ginásio Jabaquara era um ginásio que era de uma família, sabe? Eram uns irmãos com as esposas que criaram esse ginásio, depois esse ginásio foi vendido não sei nem para quem, não existe mais, mas não teve nenhum professor que me marcou assim, não. No Mackenzie, aí sim, na área de estudo mesmo teve alguns professores, como o professor Max Odilon de Química, o Neif Saef de Português, que eu marquei. Mas o que mais marcou foi o Simões, que era o professor de Educação Física. (risos)
P/1 – Por que ele era marcante?
R – Porque o Mackenzie tinha um estilo diferente, você escolhia o esporte que você queria fazer, a aula de Educação Física você escolhia o esporte, podia fazer basquetebol, podia fazer vôlei, podia fazer futebol, claro que você sabe para onde eu fui para o futebol. Tanto que eu fiz, novamente vai faltar modéstia, eu fiz parte da seleção do Mackenzie, um campeonato interno nos diversos cursos colegiais, que tinha científico, na época além do científico tinha um outro curso que não é normal, é um outro que tinha uma denominação. Tinha um campeonato interno de classes, eu era da minha classe e fiz parte da seleção do Mackenzie. A época era uma época boa, porque o Mackenzie tinha alunos internos e o campo de futebol ficava muito próximo ao prédio onde havia o internato das meninas, então, a gente jogar lá era para mostrar para as moças que era bom jogador.
P/1 – E como jogador o senhor se lembra de algum momento que tenha sido especial? Assim, jogando, como jogador.
R – Não, tem um momento, por exemplo, eu me lembro muito bem no bairro, na Cidade Vargas onde o time de futebol eu era o capitão do time, então, foi um momento que eu joguei e aí eu aprendi talvez algumas coisas sem ter consciência, hoje a gente tem. O time era formado por moleques do bairro, então eu jogava de zagueiro e o lateral direito era um neguinho, Barbosinha, que eu xingava ele para pedir para marcar e tal. Era um time com uma diversidade de pessoas, os diversos níveis do bairro. Depois no Mackenzie, essa satisfação, jogar no colégio e tal, num outro nível, aí já era um outro tipo de moleque. Então não teve nada assim, especial. Algumas coisas te marcam. O dia que eu fui fazer o teste no Estrela da Saúde eu fui nervoso, porque teve um amigo que jogava lá, ele falou: “Vou te levar lá”. Aí eu fiz o teste achando que ia, não ia, o cara falou: “Pode voltar, mas não é nessa posição que você vai jogar, mas eu vou ver isso mais para frente”. Então, essa, vamos dizer, chamada seleção do Estrela da Saúde eu tenho bem na memória.
P/1 – Quem te levou para fazer?
R – Foi um amigo do Ginásio Jabaquara chamado Flávio. Eu perdi contato, não tenho mais contato com ele.
P/1 – E como era a seleção? Você chegava lá o que é que tinha que ser feito?
R – Era um campinho de futebol. Hoje, para você se localizar, na Avenida Jabaquara tem um prédio muito grande da Telefônica, nesse prédio e mais uma área tinha um campo do Estrela da Saúde, que era um, vamos chamar, um pequeno estádio, bem simples, com uma parte de grama, uma parte de terra. Então, foi nesse estádio, eu levei minha chuteira, minha meia, depois quando você começava a jogar te davam meia, calção e camisa. Foi um campinho bem modesto, mas grande, cercado por uma cerquinha de madeira em volta. Eu acho que o Estrela da Saúde, eu não me lembro, mas eu acho que o Estrela da Saúde mandava alguns jogos lá. E uma arquibancada pequena, talvez para mil pessoas, alguma coisa assim.
P/1 – E o teste era o quê? Era um jogo?
R – Não, o teste foi um treino. E aí, depois eu passei a jogar alguns jogos pelo Estrela, mas o Estrela da Saúde não durou muito. Como eu disse para você eu não guardo muito data, mas talvez tenha jogado um ano lá, depois saí, aí fui para o Mackenzie, o Estrela da Saúde foi antes do Mackenzie, o Estrela da Saúde era na época que eu estava no Ginásio Jabaquara.
P/1 – E nessa fase de ginásio, de científico, que já é adolescência, o que você fazia, Domingos, para se divertir, assim?
R – Sinceramente, fim de semana era futebol e cinema.
P/1 – Que cinema?
R – Ia no Cine Estrela da Saúde, que ficava ali no bairro, Cine Fênix, que hoje é um Bradesco, Cine Cruzeiro, que hoje é um Pão de Açúcar, era nesses cinemas, no domingo à tarde era esse programa.
P/1 – E você se lembra de alguns filmes ou algum filme que você tenha gostado mais?
R – Não me lembro. Na verdade, um pouco antes, talvez por volta de 1947, que eu me lembro, que eu tinha uns 10, onze anos, meu pai tinha o hábito de me deixar ir ao Cine Santa Helena na Praça da Sé, que no domingo de manhã tinha uma tal de Sessão Zig-Zag, que tinha lá, era uma coisa gozadíssima, porque você assistia, tinha um seriado com um cachorro chamado Ringue, então você assistia a um capítulo no domingo, aí parava e você ia ver a continuação só no outro domingo, quer dizer, hoje seria mais ou menos uma coisa tipo novela, só que novela é todo dia, lá você ia no domingo de manhã na Sessão Zig-Zag assistia. O Santa Helena era um cinema, na verdade o Santa Helena é um prédio muito famoso ali na Praça da Sé, onde teve Rebolo, que foi artista. Era um prédio que tinha escritórios e embaixo tinha um cine que chamava Cine Santa Helena, mas era um cine teatro, para você ter uma ideia, o cinema tinha camarote e frisas em volta da plateia. E nesse mesmo Cine Santa Helena tinha o prédio Santa Helena, onde foi o primeiro escritório do meu pai, que tinha uma pequena sala e lá eu estudava de manhã e já começava de tarde ir lá tomar conta quando meu pai saía, ficava anotando os recados de telefone, essas coisas.
P/1 – Que idade você tinha quando você começou?
R – Eu falando em 1947, uns dez anos, nove anos. Eu sei que eu me lembro de ir de tarde lá. E lá uma coisa marcante, que eu me lembro também, é que um dia que eu estava à tarde, o meu irmão mais velho chegou com uma bola e uma camisa do São Paulo e eu me lembro de vestir no escritório a camisa do São Paulo, ficar vestido com a camisa do São Paulo.
P/1 – Foi a sua primeira camisa do São Paulo essa?
R – Ah! Foi, sem dúvida foi a primeira, foi meu irmão que me deu. Então, daí também a origem de conscientização.
P/1 – E você lembra, assim, da sensação quando ele te deu a camisa do São Paulo?
R – Ah! Para você ter uma ideia eu estava com uma outra camisa, eu me lembro de vestir essa camisa e ficar lá no escritório com a camisa do São Paulo, imagina! Naquela época era uma coisa. E uma bola minha, lindérrima, capotão.
P/1 – E era uma ocasião, assim? Aniversário? Alguma coisa assim?
R – Não, não era nada, não. O meu irmão já faleceu, ele era uma pessoa de uma bondade muito grande, sabe? Ele dividia as coisas dele com as pessoas, tanto que por isso que ele nunca ficou economicamente, não teve nenhuma necessidade, mas economicamente não foi um homem rico, ele foi jornalista, teve um jornal de bairro que hoje um dos meus sobrinhos toma conta, mas o meu irmão dividia muitas coisas com os outros.
P/1 – Era generoso.
R – É.
P/1 – E no cinema, só para voltar um pouco e fechar essa coisa do cinema, você se lembra, Domingos, se era muito diferente o jeito que as pessoas se comportavam no cinema, o público, do que é hoje em dia assim, comparando?
R – Ah! Completamente diferente, por exemplo, não tinha pipoca e coca-cola como tem hoje, (risos) a primeira coisa. E era um cinema, assim, de poltrona bem simples, de madeira, não era como hoje que você vai no cinema e tem poltronas acolchoadas. Mas acho que em termos de público acho que não tem grande diferença, não. Tinha, talvez, alguma dificuldade técnica, que às vezes o filme dava uma enrolada lá na máquina. Algumas coisas que eu me lembro, por exemplo, eu sei que o filme tinha cópias, então às vezes atrasava um pouco, porque a cópia ficava de dois cinemas, um para o outro, e às vezes atrasava um pouco e demorava para começar a sessão. Mas nada significativo com relação a hoje, mesmo porque eu vou ser honesto, eu não vou muito ao cinema hoje.
P/1 – Assiste mais em casa?
R – Não, eu não tenho, aí é que está, é uma coisa, não faz parte do meu dia a dia, né? Tem lá o tal do DVD, mas eu vou ser honesto para você, nos últimos 12 meses eu não assisti a nenhum filme na minha casa a não ser tipo Telecine ou HBO, mas alugar e por a fita. Hoje eu sei que meus filhos alugam por um tal de Now, quer dizer já alugam, eu não faço isso, nunca fiz isso aí ainda, mas pretendo fazer. (risos)
P/1 – E agora, pensando na Copa, o senhor citou para gente a Copa de 50. Depois da Copa de 50, que você ainda era muito pequeno, não tem recordação, qual que é a primeira Copa, assim, que você tem recordações fortes?
R – 1958.
P/1 – E aí como é que foi essa Copa de 58?
R – Olha! O que ficou marcado na minha cabeça. Nessa época, em 58, eu estava fazendo CPOR e o jogo foi num domingo. E eu fui ao CPOR, que naquela época não tinha essa história que a cidade parava não, eu fui de ônibus, saí do Jabaquara, desci no Anhangabaú, peguei outro ônibus até Santana, fui no CPOR, aí você tinha que estar no quartel às sete horas da manhã, então saía de casa quatro, cinco horas da manhã para poder chegar às sete horas lá. E na volta eu me lembro que eu era o único no ônibus que tinha o radinho de pilha e eu escutava o jogo e o Brasil estava ganhando. Quando eu cheguei no Jabaquara estava uma festança, tinha um bar lá, pessoas da maior seriedade como por exemplo o senhor Stefan, que era um alemão, mas estavam bêbados, bêbados porque o Brasil tinha ganho a Copa. Foi uma festa assim, eu tinha 20 anos, mas estranhei um pouco: “Esse homem é um homem tão sério, ele bebeu”, (risos) mas bebeu de cair, porque o Brasil tinha sido campeão. Eu escutei o finzinho de jogo num radinho de pilha, cheguei no Jabaquara já com o jogo terminado e o pessoal fazendo festa.
P/1 – Contra quem foi o jogo?
R – Foi contra a Suécia, 1958.
P/1 – E você se lembra, assim, da festa? O que é que era de comemoração, as pessoas estavam vestidas de algum jeito especial? Ou tinha algum enfeite nas ruas?
R – Não, não tinha. Pode ser, mas eu não me lembro de ninguém com camisa da seleção, nada disso, era tudo com roupa normal mesmo.
P/1 – Nem das ruas enfeitadas, assim, nessa Copa?
R – Também não, nada disso. Na minha cabeça, eu posso estar enganado, mas em 58, não teve nenhuma situação especial de rua, enfeite. Em 62 já tem uma diferença, em 62 eu me lembro que nessa época a gente morou um ano, o meu pai comprou um apartamento na Brigadeiro e a gente foi morar na Brigadeiro. Então neste ano, quando ganhou a Copa de 62 eu me lembro, porque o apartamento era muito perto da sede onde era a Federação Paulista de Futebol. Então eu me lembro muito bem de ver passeatas na rua e tal, de noite, mas nada que a rua, pelo menos na minha cabeça, que a rua estivesse enfeitada, que tinha gente com camisa da seleção, nada disso.
P/1 – Era gente comemorando na rua ou cantando. Tinha isso, cantando hino?
R – Isso, é. Foi na rua, passeata na rua, carros andando assim, mas não me lembro que tinha bandeira, nada disso, não. Hoje em dia é tradicional a camisa, a bandeira do Brasil, né? Faz parte da festa.
P/1 – E qual que é a Copa mais marcante para você, Domingos? Qual que foi a melhor Copa, ou aquela que mais te marcou?
R – Ah! Sem dúvida a de 1970. Porque aí já tinha televisão, então eu assisti na televisão, com amigos. Então, a de 70 realmente foi a Copa que... Eu me lembro da gente reunir, eu tenho três amigos que agora não está, na verdade um está aqui em São Paulo, os outros dois mudaram com os filhos para o interior, para o Rio Grande do Sul, mas eram o Alfredo, Elcio e Ataíde, então a gente ia assistir o jogo ou na casa do Elcio ou na casa do Ataíde, ou na casa do Alfredo. Tem algumas passagens gozadíssimas, por exemplo, o jogo com o Uruguai foi à noite, e eu tinha um carro, fusca, muito bem arrumado, a festança foi tão grande quando o Brasil ganhou do Uruguai que os caras saíram, soltaram foguetes que não acabava mais. No dia seguinte que eu fui ver que meu carro estava todo queimado em cima, porque as coisas caíam em cima do carro (risos), mas na hora eu nem percebi. Então, esta Copa marcou porque já tinha televisão, aí na decisão com a Itália a gente foi assistir na casa do Ataíde. E antigamente tinha aquela história de fazer um bolo para quem acertava o resultado, a brincadeira chamava vamos fazer um bolo, aí cada um punha um resultado e cada um dava, tipo assim, dez reais, 20 reais, aí eu pus o resultado, o jogo do Brasil, se não me engano foi 4 a 1. Só que eu pus no chutômetro, e os malandros dos meus amigos perceberam que eu ia ganhar, num determinado momento fizeram uma proposta assim, antes do jogo terminar: “Olha, quem ganhar vai pegar todo o dinheiro e gastar em fogos”. E eu achei a ideia ótima, vamos gastar em fogos. Só que depois que eu vi que eu que tinha ganho, pegaram meu dinheiro, foram numa banca de fogos, gastaram todo o dinheiro, compraram tudo o que podia de foguete para soltar, porque o Brasil tinha sido campeão. Então em 70, acho que marcou mais, porque já tinha televisão. Porque em 62, se não me engano, você tinha que esperar o filme vir de avião para passar o tape. Então nem sempre, às vezes era no dia seguinte que você podia ver o jogo na televisão, em 62. Em 70 não, em 70 passou pela televisão, então, foi uma maravilha. Então, essa Copa me marcou mesmo.
P/1 – E tem um jogador de seleção que você, como alguém que gosta muito de futebol, você admire mais assim? De qualquer seleção.
R – Na verdade, como diz o Pepe do Santos, o Pelé não pode contar, né? Pelé é hors concours. Então, tiro o Pelé fora pelo fato dele ter sido o maior jogador, mas eu não tenho jogador, eu tenho seleções. Por exemplo, a seleção de 58, depois de 62, que era praticamente a mesma, e a de 70, essas três seleções, e aí não tem um ídolo isolado, você tem Gerson, tem Rivelino, tem Jairzinho, Tostão, Carlos Alberto, era um time como um todo, eu não tinha um cara como ídolo assim não, tá?
P/1 – Mas por que você acha que são os melhores times?
R – Porque tinha jogador bom. Na verdade, eu acho que a base de qualquer time é um problema emocional de grupo. Então em 58 e 62 o Paulo Machado de Carvalho montou uma equipe que era uma equipe mesmo, um time, eles se entendiam, um jogava para o outro. Em 70 voltou a acontecer isso porque o time, não pela direção, não porque era uma época de ditadura que não tinha assim, nem me lembro, acho que o Almirante Heleno Nunes que era o chefe da delegação, mas não era. O time realmente, os jogadores, se você for olhar a história hoje, os jogadores se uniam, Tostão. Tem história que não deixavam o Pelé sair da concentração para se poupar. O Gerson, outro, falava: “Onde você vai, negão? Você não vai sair daqui não, vamos ficar descansando que amanhã tem jogo”. Então, o time um cuidava do outro e acho que isso formou... Hoje em dia o pessoal tem a mania de chamar de família Scolari, que foi a Copa de 2002, eu me lembro era família Scolari, o que o Felipão conseguiu também, ele juntou o grupo. Quando você, na verdade o pessoal diz, eles lafam assim: “O grupo está fechado”, é linguagem boleira (risos). Eu acho que isso é o fundamental.
P/1 – Trabalho de equipe.
R – É. Na minha posição de técnico, dos 200 milhões de brasileiros são todos técnicos.
P/1 – E voltando um pouco para sua vida escolar, o senhor terminou o científico no Mackenzie e aí entrou na faculdade, é isso?
R – Não, não.
P/1 – Como é que foi?
R – Quando eu me formei no Mackenzie começou uma vida meio atrapalhada, porque eu pretendia fazer engenharia, fui fazer o cursinho Anglo Latino, acho que fiz um ou dois anos de Anglo Latino, mas não me acertava muito. Fiz vestibular, não passei para Engenharia do Mackenzie. E aí, eu fui trabalhar mesmo no escritório do meu pai, aí era período integral.
P/1 – Trabalhava com o quê? Fazia o que?
R – Não tinha cargo, mas era tipo, assim, um gerente administrativo. Eu que cuidava da parte de finanças com os empregados. Meu pai tinha um escritório que tinha quatro salas, além dele tinha mais uns três ou quatro advogados que trabalhavam no escritório. Então, era um escritório que a gente dizia que tinha 300 causas em andamento. Não é como hoje, hoje o escritório normalmente tem uma especialidade, ou é trabalhista, ou cível, criminal, não, fazia de tudo, cível, criminal, trabalhista, família, tinha de tudo lá. Então, eu cuidava da parte administrativa do escritório, meu pai não queria nem saber se tinha dinheiro ou não tinha, quem manuseava todo o dinheiro era eu. Então, eu fiquei lá uns dois, três anos cuidando desse escritório e sem um rumo, não faz cursinho, não faz, aí já ganhava alguma coisa, tinha minha vida de jovem. Aí, isso foi andando um pouco e meu pai querendo que eu estudasse Advocacia.
P/1 – Qual que era o nome do escritório do seu pai?
R – Era Advocacia D’Ângelo Neto. Não é como é hoje, hoje tem Pinheiro Neto, não, não tinha um nome, era só Advocacia D’Ângelo Neto, quer dizer, a conta, por exemplo, no banco era Advocacia D’Ângelo Neto, que eu que assinava os cheques. Aí, eu não saberia relatar, mas eu fiquei bem uns dois ou três anos lá trabalhando, chegando de manhã saindo de tarde, cuidando de tudo. Os advogados e o meu pai, como todo advogado, não estavam nem aí. Toda a causa, quando você tem que entrar com recurso, você tem um prazo, por exemplo, sai a sentença, você tem 30 dias, ou 10 dias para entrar, os advogados não queriam nem saber. Sentavam lá, começavam a conversar do Ademar de Barros, do Jânio Quadros, do Pelé, um era a favor do Pelé, outro era contra o Pelé, um era corintiano. E o tempo, bom, não foi nem uma, nem duas vezes, mas diversas vezes, às cinco, cinco e meia da tarde eu saía correndo para entrar com a petição, porque estava vencendo o prazo e porque eu cobrava dos caras. E meu pai junto. Quer dizer, sempre deixava para o último dia. E eu não sei que isso criou uma imagem, isso aqui é um bando de desorganizados, isso aqui não é lugar para mim trabalhar, para mim ficar. Então, eu não fui fazer Direito, mas na verdade eu aprendi muita coisa, porque a partir de um determinado momento eu comecei a fazer algumas coisas que os advogados só assinavam, uma linguagem simples, por exemplo, você propor uma ação de despejo por falta de pagamento eu fazia a proposta, ou você purgar a mora quando o cara está atrasado, ele tem que fazer o pagamento para fazer o depósito, ou entrar com ação inicial de inventário, essas coisas mais simples eu já fazia, só quando tinha mais razões finais e tal, aí os advogados e meu pai que entravam. Aí, então eu passei a me interessar e conhecer um pouco disto. Num determinado momento eu vi que aquilo, eu não ia ter futuro ali, porque eu não era advogado, não ia ficar com aquilo, então tinha que sair dali. E aí tinha uma briga, no bom sentido, não briga de brigar, mas uma discussão com meu pai, porque eu queria as finanças saudáveis e eles não estavam nem aí. Às vezes, tinha um cliente para ganhar 100 mil reais, sei lá, eles deixavam de lado, porque tinha um homem que tinha um desquite em Santa Rita do Passa Quatro, saía para cuidar disso e deixava o outro negócio. Então, essas discussões, eu não sei, hoje eu não sou muito materialista, mas eu me preocupava, porque tinha aluguel para pagar, tinha quatro empregados para pagar, isso às vezes no fim do mês o dinheiro era curto, então, eu comecei a me sentir mal, até que o dia (risos), até hoje isso ficou muito bem na minha cabeça, eu falei assim: “Eu vou embora desse negócio aqui, eu não vou ficar aqui, não”. Eu resolvi pedir demissão e meu pai deu uma daquelas tiradas que até hoje eu nunca mais esqueço. Eu cheguei lá e falei que eu vou pedir demissão, eu não era empregado registrado, nada, família, né? Tinha a minha retirada lá que eu não me lembro. Falei que eu ia pedir demissão e ver como ele ia fazer, quem ia ficar no meu lugar, tal e tal, como ia fazer isso. Ele me deu uma resposta que: “Não, o senhor é insubstituível”. Eu saí por debaixo da porta assim, nem abri a porta, entendeu? De tão vexado que eu estava, mas eu tive que sair e saí. Deixei lá e aí eu fui procurar um emprego.
P/1 – Que idade você estava, Domingos?
R – Foi em 1953, deixa eu fazer as contas. Isso, em 53 que eu fui trabalha na Lacta. Aí eu fui ser empregado da Lacta através de um anúncio do jornal O Estado de São Paulo. Tinha uma vaga lá, auxiliar de pessoal, conhecimento de legislação trabalhista e tal. Como eu conhecia a legislação trabalhista eu falei: “Eu vou me candidatar nesse negócio”. E aí eu fui para Lacta, em 53. Não, estou fazendo confusão, não 53, é 63. Em 63 eu fui para Lacta, fiz um teste, tinha todo aquele teste psicotécnico e tal, aí tinha outras passagens gozadíssimas, porque eu fiz o teste, mandaram eu voltar tal dia. Aí o gerente que foi um homem que eu guardo até hoje, que foi um professor para mim na área de Recursos Humanos, que é senhor Sérgio Graner, me recebeu e falou: “Olha, o seu teste foi ótimo, o senhor fez 98%, só o outro candidato que fez 99%”. Eu falei: “Bom, então estou reprovado, agradeço muito, mas se não dá para mim”. Ele falou: “Não, não. Nós vamos admitir os dois”. O outro eu nunca me esqueço, o nome dele era Consiglio Antonio Jordão, palestrino fanático, vermelhinho, cabeça vermelha e pintado. Então, aí eu comecei a minha carreira na Lacta, em 63 e só fui fazer faculdade cinco anos depois, em 68. Aí que eu fiz teste para FMU em Administração de Empresas e entrei, porque aí eu percebi que numa empresa você não tendo diploma você não ia adiante.
P/1 – E com que você trabalhava na Lacta?
R – Naquela época a área chamava Relações Industriais, que é Recursos Humanos. Então, tinha a gerência de Relações Industriais que era do senhor Sérgio Graner, eu entrei como Auxiliar de Pessoal, depois de um certo tempo fui promovido a encarregado de um setor lá da parte de pessoal, e quando eu saí da Lacta eu já era Assistente da Gerência. Mas não estava na faculdade ainda, só fui fazer faculdade na outra empresa, na Comasp. Eu trabalhei cinco anos na Lacta, 63 a 68, e só fui entrar na faculdade, se não me engano, em 69, na FMU, que eu fiz Administração de Empresas lá.
P/1 – E como é que foi a sua experiência na faculdade? Você gostou da faculdade?
R – Olha! Foi bem difícil, porque eu trabalhava de dia e estudava a noite, e aí num determinado momento, você já foi assumindo compromisso. Eu entrei em 69 já era casado, então, aí tinha os filhos, então era uma vida bem dura, porque trabalhava o dia inteiro, saía seis horas, tomava um lanche, alguma coisa e ia para faculdade. No primeiro, segundo ano nem carro tinha, eu ia para faculdade de ônibus, às vezes pegava carona com um colega. E depois voltava de ônibus para Cidade Vargas, Jabaquara, onde eu moro. Algumas vezes eu dormi no ônibus e fui parar no ponto final. (risos) Então, os quatro anos foram bem difíceis. No terceiro ano eu me lembro que eu quase desisti, aí eu tinha um amigo chamado Agnelo, que falou: “Você não vai desistir, nós temos mais um ano e meio para sair daqui. Nós vamos até o fim desse negócio”. Porque é muito difícil, tinha trabalhos para fazer, você não tinha tempo durante o dia, você tinha que fazer no fim de semana e tal. Esses quatro anos de FMU não foram fáceis, não.
P/1 – E nessa época você estava trabalhando onde?
R – Na Comasp.
P/1 – Na Comasp você também trabalhava com Recursos Humanos?
R – Também. Quando eu saí da Lacta eu fui para Comasp e aí eu fui ser Chefe de Departamento da Comasp. Na verdade, a Comasp era uma companhia que deu origem depois de uma união, fusão, à Sabesp atual. E aí, então, eu fui para Comasp e fiquei como Chefe de Departamento, Encarregado, alguma coisa assim da Comasp. Eu fui um dos primeiros empregados, não tinha nada a Comasp. Eu abria, eu fiz o registro, os engenheiros, tinha lá sete, oito pessoas e depois cresceu, ficou uma companhia grande. E na Comasp eu fui Chefe de Departamento, aí já chamava Recursos Humanos. Na Comasp, somando o tempo Comasp, Sabesp eu trabalhei dez anos.
P/1 – Bastante tempo, né?
R – É, foi de 68 até 79 que eu fiquei na Comasp, aí já não só Comasp como Sabesp, porque num determinado momento, eu não sei precisar, houve uma fusão, o governo do estado pegou a Comasp, que era uma companhia de economia mista, que cuidava só de água da Grande São Paulo, a Sanesp, que era uma outra companhia, que cuidava só do esgoto, a Saec que fazia a distribuição em São Paulo, não era companhia, era uma autarquia, e o Fesb, que era o Fundo Estadual de Saneamento Básico, juntou tudo numa companhia só chamada Sabesp, aí foi um círculo, juntou todos esses empregados numa companhia só não foi fácil. E a área de Recursos Humanos também houve uma união e durante um ano houve uma discussão quem vai ser, aí depois de um ano eu passei a ser Superintendente da Sabesp. Então, eu fui superintendente da Sabesp durante uns cinco anos, alguma coisa assim, quando eu saí de lá era uma companhia de 14 mil empregados, não era uma companhia pequena, não.
P/1 – Cresceu muito durante o tempo em que você esteve na companhia?
R – É, cresceu, porque juntou. E a Sabesp foi, vamos dizer assim, assumindo a área de várias cidades do interior, então nós tínhamos um trabalho não só de administrar o que estava lá, como aquelas outras cidades do interior que iam entrando para companhia, você tinha que fazer toda uma adaptação na área de Recursos Humanos. Foi um ciclo muito bom.
P/1 – Domingos, deixa eu voltar um pouco, porque nessa época você me disse que já estava casado, já tinha até filhos, queria saber como é que você conheceu a sua esposa.
R – Então, eu fiz CPOR, como eu tinha dito, CPOR naquela época, não sei como é que é hoje, eram dois anos que você ia aos domingos e nas férias era o dia inteiro, segunda a sábado. Aí, depois desses dois anos é oferecido um estágio, não é bem oferecido, porque você sai do CPOR aluno, aspirando, para você ir a oficial você tem que fazer estágio de três meses. E aí, uma outra passagem, no CPOR eu também fiz parte da seleção de futebol, eu jogava pelo time da Artilharia, onde era a minha arma, e quando teve a seleção eu fiz, tanto que a gente disputou até um campeonato do Exército, na época aqui no Ibirapuera, para juntar um pouco o futebol. Aí eu fiz CPOR, não era dos melhores alunos, mas não era dos piores também, porque quando termina o curso você tem que escolher onde você vai fazer estágio, então tem vários quartéis de artilharia para você estudar. E eu tinha nota para ir para Itu, que é perto de São Paulo, tinha Jundiaí, Itu, aqui Barueri e tal, mas os meus amigos, todos jogadores de futebol, eram tudo gente de nota baixa, então tinham que ir para o Mato Grosso. Eu tinha nota boa para ir para Itu, e eu ia para Itu, então não vou para Mato Grosso, mas aí (risos) os caras me encostaram na parede, o quartel era aqui na Conselheiro Brotero, falou: “Não, você não vai para Itu coisa nenhuma”. Tinha um parente, o Miragaia, que era um rapaz que fazia Direito e se ele fosse para Mato Grosso ia atrapalhar o curso dele, e eu estava na boa, não estava fazendo curso nenhum. Aí me encostaram na parede, falaram que eu tinha que dar o lugar para o Miragaia “Está bom,” aí o Miragaia foi para Itu e eu fui para Mato Grosso. Então eu passei três meses em Mato Grosso numa cidade chamada Nioaque, uma cidadezinha pequena perto de Jardins, que é uma cidade um pouco melhor e tal, a gente ficava no quartel onde tinha só o quartel, a vila militar e uma rua. Então, eu fiz esses três meses em Nioque, terminou o estágio no Mato Grosso, nós viemos embora para São Paulo e você tinha que reapresentar no quartel da região, no quartel aqui da Conselheiro Brotero. Nessa época, havia um vazio nos quadros de oficiais, porque muitos oficiais tinham deixado o exército, porque o que o exército pagava era pouco e na iniciativa privada eles ganhavam mais. Aí quando chegou aqui na Conselheiro Brotero eu vim para me apresentar e aí, aquele mesmo bando de Mato Grosso, que era o seu Oliva, Piratininga, Paulo Jorge Carracedo, Alexandre Magalhães falaram, me lembro do nome é capitão Magalhães: “Capitão Magalhães está falando que tem um estágio de um ano em Jundiaí para você fazer” “Ah, não vou fazer essa coisa, vou embora para minha casa” “Não, vamos, vamos”. Aí, eu dei uma parada e percebi que, como aspirante nesse estágio de um ano, fazendo uma rápida comparação, não tenho certeza, mas o salário era mais ou menos um salário assim de três, quatro mil reais hoje, que era um bom dinheiro. Eu falei: ”Bom, eu vou lá, vou fazer esse estágio, pago minha faculdade e vou cuidar da minha vida”. Fui um ano para lá e aí a gente alugou um apartamento em Jundiaí e morava em Jundiaí. Em Jundiaí tinha o footing na época, aí a dona Vera era sobrinha de um, até hoje tem o Bar do Dadá, que é um bar, na época não chamava de lanchonete, era bar mesmo, mas era um bar sofisticado, que eu lembro que eu ia lá comer um bauru porque tinha um bauru, e ele tinha um negócio muito bem arrumado. E eu ia com as moças que eu conhecia de Jundiaí, mas eu ficava olhando uma moça que entrava no caixa e saía, entrava no caixa e saía e não ficava lá. Até que tinha uma moça que servia que chamava Benê, e como eu já ia muitas vezes lá já conhecia. Eu falei: “Benê, quem é essa mocinha?”, e eu com as outras moças lá. “Quem é essa moça que sai?" "Ah, é sobrinha do seu Dadá” “E como é o nome dela?”. Aí eu falei assim: “Então, na próxima vez que ela vier você vai mandar um bilhete para mim”. E daí que eu conheci a Vera de Jundiaí, terminou o estágio, eu vim embora para São Paulo, mas já namorando com ela. E aí eu comprei um ônibus da Cometa, porque ia e voltava de Jundiaí toda hora. (risos)
P/1 – Vocês ficaram namorando à distância um tempo então? Quanto tempo de namoro?
R – Como eu disse para você, Tereza, eu não sou bom de datas. Eu casei em 65. Então eu saí do exército acho que 64, saí na época do golpe militar. Na verdade, quando do golpe eu não estava, eu estava na renúncia do Jânio. A renúncia do Jânio, que foi em 63. É, foi em 63, eu saí do exército em 63. No golpe militar eu já não estava mais, tinha saído, Deus me protege, eu não estava mais não, porque você sendo oficial e recebendo ordem de cima, você tem que cumprir a ordem, quer dizer, é muito difícil quando as pessoas acusam hoje, o exército tem, não sei como é hoje, mas na minha época tinha uma hierarquia que se você não cumprisse a ordem você podia ir até para um processo penal, um inquérito policial militar. Então, eu fiquei na época da renúncia do Jânio, e a época da renúncia do Jânio eu nunca me esqueço, dá para contar eu vou contar.
P/1 – Claro, pode contar.
R – Foi dia 25 de agosto de 1963, se não me engano. O que aconteceu? Era Dia do Soldado, então, já nessa época o comandante, a quem eu estava subordinado, que era o coronel João Moreira Franco, era um homem que tinha muita preocupação com a comunidade. Então, houve uma solenidade no centro de Jundiaí, porque era o Dia do Soldado, lá tinha o quartel da divisão de infantaria e artilharia, companhia de comunicação, então num jardim que tinha em Jundiaí houve uma solenidade, eles iam dar tropa e tal e tal. E na época eu já tinha lá minhas amizades com as moças de Jundiaí, e essas moças estudavam no normal, ou colegial, ou normal, ou científico, essa época, e houve também o desfile do Instituto de Educação. Nessa época eu não namorava com dona Vera ainda, talvez olhava, mas não namorava, aí depois do desfile as moças vieram conversar comigo. E aí eu não vou dizer o nome das moças para não... Mas tinha umas sete, oito moças lá, eu comecei a conversar e falei: “Olha, agora eu vou ter que ir embora, porque no quartel vai ter a solenidade”, tem um momento que o soldado jura à bandeira, aquele soldado reservista, ele jura à bandeira, então nesse dia 25 ia haver o juramento à bandeira. Eu falei: “Ah, tenho que ir embora”. E elas começaram: “Ah, a gente não pode ir ver?” Eu falei: “Não sei”. Aí eu fui no Moreira Couto, coronel, e falei: “Coronel, as moças estão querendo ir” “Pega os ônibus oficiais e manda levar para assistir”. Então pegou os ônibus dos oficiais, que eram micro-ônibus, puseram as bonecas todas lá e nós fomos embora de viatura. Bom, aí teve lá a solenidade, a solenidade de juramento no quartel tem uma tropa, desfila, jura à bandeira, espada, todo aquele negócio e tal. E depois tinha um lanchinho no cassino, os oficiais lá, um lanche que faziam de refresco, alguma coisa assim. Aí as moças foram lá, os oficiais ficaram todos alvoroçados, começaram a mostrar canhão para as moças. E aí a visita foi embora, certo? Já era meio-dia, eu sei que quando foi uma hora da tarde, mais ou menos, na época tinha um negócio que chamava rádio. Aí, veio um rádio dizendo que o Jânio renunciou e o quartel estava em prontidão.
P/1 – Mas o que você está chamando de rádio? É uma mensagem?
R – Rádio era um sistema de comunicação, era o e-mail de hoje, passava rádio, sabe? Então, passou um rádio pegando todos os oficiais lá dentro do quartel, de prontidão, porque o Jânio tinha renunciado e o Exército entrou de prontidão. Se você for ver, você vai ver que é no dia 25 de agosto de 1963, essa data eu marquei bem, acho que é a data de renúncia do Jânio. Aí pegou toda a oficialidade lá dentro, ninguém tinha ido embora, então ninguém podia sair do quartel, aí os caras começaram a ficar bravo comigo, porque eu tinha inventado. “Eu não. Vocês é que ficaram dando conversinha para as meninas aí e prorrogaram, porque essa visita podia ter terminado há mais de uma hora, podia ter ido embora todo mundo para casa”. Não era muito diferente ter ido para casa ou não, ia chamar e buscar e tal. E aí o que deu? Deu que a gente teve que ir pegar a roupa, porque ninguém estava com roupa, e voltar para o quartel, aí entrou um regime de prontidão e o negócio foi longe, quer dizer, até a posse do Jango foi bem, porque quando o Jânio renunciou, o Jango estava no exterior, o Jango Goulart, e havia uma corrente muito forte aqui no Brasil contra a posse do Jango, porque o Jango era um homem que tinha algumas coisas ligadas, na época do Jânio Quadros, ele foi ministro do trabalho, tinha algumas histórias a respeito dele que não batiam muito bem com uma certa classe. E aí ficamos lá, e você quer que conte a história, tem história de um ano e meio para ficar falando dessa renúncia do Jânio, sobre prontidão, deslocamento de tropa para o Paraná para ter guerra, mas não teve guerra porque (risos), para você ter ideia, o quartel de Jundiaí uma parte se deslocou para fronteira do Paraná, porque São Paulo estava contra a posse de Jango e o sul estava a favor, então as tropas se deslocaram, eram o terceiro e o segundo Exército. Chegou na fronteira São Paulo e Paraná, ia ter guerra. Só que a frequência do rádio era a mesma, então aí um cara fala assim: “Ô D’Ângelo, você” “Ôh Teres, é o D’Ângelo” “Ô”. Tinham sido colegas de Agulhas Negras, para encurtar a história a guerra acabou num jogo de futebol. Jogou o Segundo Exército contra o Terceiro Exército, fizeram um jogo de futebol.
P/1 – Mas como foi isso? O senhor estava ali?
R – Eu não estava porque não fui deslocado, eu fiquei na retaguarda. Eu preparei todo o material, porque Jundiaí tinha os canhões, que eram obuzes, que eles eram transportados por lagarta, era um trator que levava, então não deu para levar todas as baterias lá, o quartel não tinha recurso (risos), levou só uma bateria. O Magalhães foi, que era primeira bateria, a minha bateria só ficou. Mas depois que houve, acabou, não teve greve, resolveu lá o problema com o parlamentarismo, teve um jogo de futebol para festejar lá. Mas essa época foi...
P/1 – Onde foi esse jogo de futebol?
R – Entre o Segundo Exército e o Terceiro Exército na fronteira do Paraná com São Paulo. O Magalhães me contou que teve jogo de futebol lá, a guerra acabou assim. Então foi muito gozado porque, por exemplo, tem uma passagem... (risos) O comandante da bateria chamava Capitão Rui, ele era um homem muito bem preparado, estava estudando para fazer escola técnica do Exército, aí ele reuniu todos os oficiais da bateria, porque o quartel se divide em três baterias de tiro e uma bateria de serviço, eu estava na segunda bateria, eu acho. Então, reuniu no gabinete dele e falou; “Olha, está uma discussão se dá posse para o Jango ou não dá posse para o Jango”. E eu era um cara que, diferente dos outros oficiais, porque eu era oficial de CPOR, os outros eram todos de Agulhas Negras. Mas, por coincidência, eu era o primeiro à esquerda do capitão, então ele fez uma preleção dizendo que queria saber com quem ele estava trabalhando, para saber se era à favor ou contra a posse do Jango. E perguntou para mim, (risos) aí eu falei: “Não, não tem que dar posse para esse cara bandido não, esse cara é um sem vergonha, não vai dar posse para ele, coisa nenhuma e tal”. Logo depois de mim tinha um tenente, que era filho de um general. Ele achando que eu estava falando: “Não, não tem que dar posse não”. Aí saíram uns cinco ou seis oficiais, todos assim: “Não, foi eleito pelo voto do povo, tem que dar posse”. Então ficou só eu e esse outro tenente, que não vou falar o nome, contra a posse do Jango. Aí o capitão disse: “Então vocês têm que se convencer que a maioria aqui é pela posse de Jango”. Aí saí dali, o tenente ficou uma arara: “Eu pensei que você estava falando a mesma coisa que você tinha falado para o capitão”. Porque eu era muito amigo do Rui, eu conversava muito. Eu falei: “Eu dei a minha opinião, você foi atrás porque você quis, pô”. Então, tem essa passagem gozada. Daí, voltando a sua pergunta, é daí que eu fiquei conhecendo a dona Vera em Jundiaí, casei. Depois frequentei Jundiaí já fora, que depois de um ano podia prosseguir, porque você sendo oficial não de Agulhas Negras, você não ia além de um certo posto, eu saí de lá primeiro tenente, acho que podia chegar talvez a capitão, mas dali para frente você não subiria, porque só subiria quem fizesse Agulhas Negras.
P/1 – Por isso o senhor decidiu sair.
R – Na verdade, Agulhas Negras foi também um dos meus sonhos, porque nesse período que eu trabalhava no quartel, estava afastado do escritório, eu cheguei a fazer vestibular para Agulhas Negras, mas não passei. (risos)
P/1 – E aí desistiu dessa carreira com o Exército.
R – Aí desisti, aí saí um ano, não vou embora, fui para o escritório do meu pai trabalhar, depois pedi demissão e tal, fui trabalhar na Lacta e tal.
P/1 – E conta para mim como que foi seu casamento com a Vera.
R – Ah! Foi gozadíssimo, porque meu pai festa era com ele mesmo, então teve duas festas, teve uma festa em São Paulo, foi o casamento no civil, e depois teve uma festa em Jundiaí, que foi o casamento no religioso. Então, aqui em São Paulo a festa foi na casa da minha irmã, uma casa grande, o juiz de paz foi lá, também uma figuraça. Meu pai era uma figura rara, ele marcou muito a vida da gente, eu me lembro dele fazer uma relação assim: “A lista da minha última duplicata”, que eram os convidados. Foi um negócio muito legal, foi uma festa aqui em São Paulo.
P/1 – Como é que foi a festa? Era bastante gente?
R – Ah! Sim. Minha irmã tinha uma casa aqui na Rua Heitor Penteado, eu não sei precisar para você o número de pessoas, mas a casa estava cheia, teve coquetel, teve comida lá.
P/1 – Teve música?
R – Não. Nenhuma dos dois teve música, não. Depois, a minha esposa a avó dela tinha uma casa no centro de Jundiaí, que era um daqueles casarões de Jundiaí, que hoje está demolido, então, era uma casa muito grande, com duas salas, pé direito de não sei quantos metros. Então a festa, o meu pai armou. Porque meu pai já comprou whisky de caixa, comprou não sei o que, comprou isso, praticamente fez fazer a festa lá em Jundiaí. Aí eu casei na Igreja da Matriz e a festa foi na casa da avó da minha esposa, foi uma festa bem grande lá.
P/1 – E vocês tiveram filhos rápido?
R – Um ano depois nasceu o Marcelo, 66.
P/1 – E você se lembra como foi a gravidez e como foi o nascimento do seu primeiro filho?
R – Ah! Foi bem complicada pelo seguinte, porque minha esposa, nesse ano ela estava no último ano da faculdade, eu esqueci de falar que foi PUC Campinas que ela fez.
P/1 – Qual era o curso?
R – História, ela se formou em história. Então, o último ano da faculdade ela ia na faculdade grávida.
P/1 – Você lembra como ela te contou que ela estava grávida?
R – Não me lembro não, não tenho isso na cabeça. Eu só sei que a gravidez foi bem dura para ela, porque os padres lá não tinham a menor, porque ela faltou um dia e o padre não queria repor, o reitor. A minha esposa é muito firme. Eu não me lembro das palavras, mas ela fez um discurso assim: “Muito obrigado pela sua cortesia” (risos), bateu a porta. Não me lembro o nome do reitor, era um padre. A PUC de Campinas, na época, era no centro de São Paulo, hoje ela está no campus fora.
P/1 – E o nascimento?
R – O nascimento foi legal, eu morava num apartamento na Bela Vista, e na véspera, acho que foi sábado, a gente fez, estava a irmã dela, o namorado, mas a irmã dela ficou no apartamento e o namorado foi embora, aí comemos uma pizza lá e tal. Na madrugada de sábado para domingo ela falou que estava começando a sentir as dores. Eu sei que eu me lembro que saí às cinco horas da manhã, eu sai não tinha um maldito de um táxi na rua, acho que eu levei mais de 40 minutos para achar o diabo de um táxi na época. Aí botamos no táxi e veio para maternidade, aqui na Rua Tamandaré, que o médico dela era o doutor Schwartz, que fazia aquele tipo parto sem dor.
P/1 – O que é que era o parto sem dor?
R – A mulher faz uma série de movimentos e pela respiração ela vai dilatando e não tem dor no parto. O Schwartz foi o médico que fez os três filhos, três filhos homens, então, os três filhos foram nascido, o último, o Renato, já foi na maternidade Matarazzo. E aí o Schwartz me deu um susto do tamanho de um bonde, porque quando o Renato nasceu, a Vera ainda estava lá, acho que era no segundo, terceiro, ele falou que queria falar comigo. Aí comecei a pensar e falei: “Meu Deus do céu, acho que tem um problema com o menino, como ele quer falar comigo”. Mas demorou para falar com ele, sei que umas duas horas depois eu fui numa sala falar com ele. Ele falou: “Ótimo, então fechou a torneira, o senhor não vai mais ter filhos, chega, três filhos já são suficiente”. Quase que eu bati nele, (risos) ele queria falar comigo para eu não ter mais filhos, o que ele tinha razão, né?
P/1 – Já era o suficiente.
R – É. E aí fez um tratamento com um negócio lá, não era pílula, era um aparelhinho que punha na mulher para não ter mais filhos.
P/1 – E o que a paternidade mudou na sua vida? Como é que foi ser pai?
R – Olha! Eu não fui um pai ausente, eu fui um pai bem presente com os meus filhos.
P/1 – Mas como você se sentiu? Você se lembra?
R – Não, foi meio irresponsável, sabe? Não tinha consciência, assim. Na verdade, tinha um bom emprego, tinha um bom salário, não tinha nenhuma dificuldade econômica, mas o primeiro filho, por exemplo, o Marcelo, na época não eram fraldas descartáveis, tinha que lavar fralda. Eu lavei muita fralda do meu filho, porque lavava no tanque e depois fervia em água quente para desinfetar. Para você ter uma ideia, por exemplo, uma coisa eu ajudava muito. Aí num dia, tem o negócio do umbigo, estava ela e a irmã dela e começaram a gritar, aí eu fui lá o umbigo estava realmente meio solto lá, e ninguém sabia o que fazia com aquilo lá, leva, não leva a criança, para encurtar, eu liguei para algum lugar, não sei se era o plano da assistência médica que tinha, veio a ambulância com um enfermeiro para ver o que ia fazer, não era médico, era enfermeiro. Aí entrou lá e falou: “Qual é o problema?” “Qual é o problema, o umbigo do moleque caiu, não tem problema nenhum”. Acabou tudo, mas ficamos lá uma hora.
P/1 – Porque era o primeiro filho.
R – Primeiro filho. Depois fica mais fácil. E na época era uma outra vida, porque era um apartamento pequeno, não era grande, alugado. Mas eu não tive um sentimento de responsabilidade, não.
P/1 – Mas foi bom? Você lembra da sensação?
R – Foi legal. Eu não tenho queixa dos meus filhos, nunca me atrapalharam, eu nunca tive problema de não dormir, alguma queixa. Não, não tenho nenhuma queixa com meus filhos, não.
P/1 – E a sua esposa e os seus filhos gostam de futebol?
R – Gostam.
P/1 – Eles torcem para que time?
R – Tudo para o São Paulo Futebol Clube, os três foram bem orientados, conscientizados, que não poderiam torcer para outro time. Na verdade, dos três, dois foram bom jogadores. O único que não é lá essas coisas é o Renato.
P/1 – Mas chegaram a pensar em se profissionalizar assim?
R – O primeiro, Marcelo, não. Mas o Marcelo chegou a jogar no time do São Paulo, que tem um time social, jogou futebol de salão no Banespa, jogou futebol de salão no Círculo Militar, o primeiro, era um bom jogador. O segundo, o Fábio, esse era craque, o Fábio chegou a jogar no Infantil da categoria de base do São Paulo, aí chegou um técnico lá, que só gostava de perna dura, ele é um cara que tem muita habilidade, mandou embora, aí ele foi jogar no Juventus. E nesses times de futebol tem uma coisa assim, por exemplo, você tem 20 jogadores numa categoria, quando termina o ano, faz um ano a mais ele tem que mudar de categoria, mas naquela outra categoria está cheia, porque aquele outro tem dois anos. Então no Juventus, quando ele terminou a categoria era Juvenil o técnico chamou, mandou o time inteiro embora, porque ele não podia subir ninguém, todo mundo estava ocupado. Aí, não sei porque cargas d’água o Fábio foi fazer a tal de seleção, a tal de peneira, no Santos. Aí passou no Santos e foi dormir lá no cimentão da Vila Belmiro, viveu um ano lá embaixo da Vila Belmiro, depois no segundo ano foi morar num apartamento que a gente alugou junto com outros pais.
P/1 – Quem que levou ele para fazer essa seleção no Santos? Foi o senhor que levou?
R – Não, nunca fui junto, sempre fiquei de fora, para você ter uma ideia, por exemplo, no Santos, quem levou ele lá foi um outro colega dele, o Márcio, e ele encontrou com aquele volante César Sampaio, que tinha jogado futebol de salão, então facilitou um pouco. Tanto que quando ele fez o teste ele voltou e falou assim: “Pai, o cara mandou voltar amanhã, você acha que vale a pena?”. Eu falei: “Fábio, quantos caras tinham lá?” “Ah, tinha uns 100, cento e poucos” “Quantos moleques ficaram?” “Acho que só uns oito” “Você está reclamando do quê, Fábio? Vai lá cara, você não tem nada a perder”. Aí foi lá na Vila Belmiro, mas futebol é uma coisa muito complicada, sabe? A categoria, a chance do cara é uma chance muito complicada. Vou te dar um exemplo, quando ele jogava no São Paulo, ele foi lá, fez uma peneira e o técnico, eu posso falar o nome, era o Celso. E ele jogava lá, ele ia lá, eu nunca fui junto, eu ficava vendo, aí teve um jogo na escolinha do campo aqui da Aclimação que o São Paulo mandava os jogos aqui, o Fábio foi com o time lá e eu fui no meu carro e tal. Aí acabou o jogo, o Fábio era muito mão de vaca como é até hoje, ele ganhava lá os seus 10, 20 reais que davam ajuda de custo, mas ele pedia dinheiro para tomar coca e eu pagava, né? Aí ele saiu e falou assim: “Me dá dinheiro para eu tomar um refrigerante e o seu Celso quer falar com o senhor”. Quando ele falou isso eu falei assim: “O Celso está chamando, vai mandar embora”. Aí daqui a pouco o Celso chegou e falou: “Você que é o pai do Fábio?” Porque eu já era conselheiro lá no São Paulo, mas ele nem sabia que eu era o pai dele, tá? Porque eu sempre fiquei muito fora dessas coisas, eu acho que não pode começar a se meter, pai às vezes atrapalha. “É, sou eu” “Por que não falou antes? Vou falar para você, você não pode falar para ele. Eu estou fazendo uma seleção do Juvenil, mas eu vou levar alguns moleques do Infantil que é uma seleção que vai jogar lá na Espanha em 1982”. Junto com a Copa de 82 teve um mundialito de infantil de vários times, São Paulo, Napoli, Milan, teve vários times, e o Fábio foi com essa delegação, porque ele era tão bom jogador que já foi na categoria de cima. E nessa viagem foi julgado uns dos melhores jogadores lá. E aí foi, fez carreira, só que num determinado momento tiraram o Celso, e eu vou falar o nome, e puseram o Forlán, e o Forlán não era técnico, não gostava do Fábio, não escalava o Fábio, eu percebia acompanhando, e aí mandou embora, aí foi para o Juventus e depois foi para o Santos. No Santos, também tinha um técnico muito interessante chamado Nenê, por exemplo, o Fábio jogava de ponta esquerda, na época tinha o ponta esquerda, e tinha um outro menino também muito bom de bola, o que é que o Nenê fazia? Um jogo ele punha o Fábio, outro jogo ele punha esse outro moleque, que eu não lembro o nome, revezava, porque os dois eram bom jogadores. E eu assistir a alguns jogos na Vila Belmiro, o Fábio fez preliminar lá no jogo do Santos, fui eu lá na Vila Belmiro ver o jogo.
P/1 – Você lembra da sensação assim de ver?
R – Ah! O time cheio de gente, teu time jogando. Tem coisas boas e tem coisas gozadíssimas, depois vou te contar uma gozadíssima. Aí, num determinado momento o Nenê caiu, o Santos pegou o preparador físico lá do profissional e mandou ser técnico, o cara veio dando porrada em todo mundo. O Fábio, que já era um moleque mais esclarecido, começou querer conversar com o cara sobre preparação física e acho que isso o cara não gostou muito, tanto que depois ele falou: “Vocês três eu nunca vi jogar, mas vou mandar embora”. Aí o Fábio subiu e disse: “Pai, acabou, não quero mais saber de futebol, vou cuidar da minha vida”.
P/1 – Que idade ele tinha?
R – 82, ele é de 66, precisa fazer a conta aí. Aí saiu e a sorte que a gente teve é que o Fábio, não que os outros sejam, mas o Fábio é o mais caxias, bom, para você ter ideia na época que ele jogava no Santos, o Santos arranjava para os moleques estudarem no Colégio Canadá. O Colégio Canadá tinha sido um dos melhores colégios estaduais, já não era mais. Mas depois de seis meses a diretora mandou chamar o Fábio para saber, quem era o único jogador do Santos, que não faltava às aulas e tinha nota boa. Então ele veio embora, foi fazer Educação Física, hoje ele está fazendo Doutorado lá na USP, é um cara muito centrado. Mas eu vou te contar uma história gozada, teve um jogo, Santos e Ponte Preta, lá em Campinas, preliminar. Então, a preliminar é antes, aí ele foi com a delegação do Santos e eu fui com o meu carro, sempre fui separado, eu nunca misturei. E aí eu fui ficar lá na beira do campo para ver o jogo. (risos) Já tinha um pouco de torcida, mas não muito, aí tinha um torcedor da Ponte Preta, mas ele xingava o Fábio de tudo, de filho daquilo, que a tua mãe é isso, mas passou o primeiro tempo xingando o Fábio de tudo quanto era nome. E o Fábio não dava bola, ele jogava bem, entortava e aí o cara ficava com mais raiva ainda, porque ele jogava muito bem, aí no meio tempo eu não resisti, eu desci, fui lá e falei assim: “Pô, o senhor está xingando o moleque aí do Santos” “É” “Eu sou o pai dele” “Não, pelo amor de Deus, o senhor não leva em consideração, é uma brincadeira, o senhor sabe, torcedor, é paixão”. Eu falei: “Não, tudo bem, mas não xinga a mãe dele, a mãe dele não tem nada com essa história”. Então, tem essas passagens gozadas, mas o Fábio foi um bom jogador, Marcelo também, o Renato não, Renato não era dessas coisas não.
P/1 – Mas todos gostam de futebol, de acompanhar.
R – Agora já estão com 50, 40 anos, pararam de jogar, mas foram bom jogadores. E isso levou a gente também a acompanhar mais. Mas o futebol, nas categorias de base para o cara emplacar tem que ter aquele momento certo de faltar um jogador, de chamar alguém, você saber jogar. Porque veja, ainda hoje esses clubes fazem peneira, mas como eu sou um profissional da área de Recursos Humanos eu tenho consciência do que é você fazer uma seleção. Essas peneiras são coisas do século passado, alguns clubes já não têm mais isso, já tem olheiro que vai buscar e tal. Você veja o seguinte, você põe um moleque para jogar durante meia hora, que ele pega uma hora, duas, três vezes na bola, numa situação emocional completamente diferente não vai mostrar o que ele sabe. Muitos clubes já abandonaram esse negócio de peneira.
P/1 – E funciona como a seleção?
R – Tem olheiros hoje. Tem os olheiros que vão ver e aí trazem, por exemplo, o São Paulo, eu não sei muito bem, porque não vivo lá dentro, mas o São Paulo tem as categorias de base em Cotia e estão olhando e trazem moleque de fora, mas já escolhido que passa lá, então o moleque fica lá um ano, seis meses treinando. Não é um jogo de meia hora, 40 minutos que dá a solução para o moleque, a peneira é uma coisa ultrapassada, mas eu acho que falta muito ainda de conhecimento de pedagogia e psicologia para fazer essa seleção nessa categoria de base, usam pouco isso.
P/1 – E Domingos, como é que é a sua atuação, você faz parte do conselho do São Paulo?
R – Faço.
P/1 – Qual é a função de um conselheiro? Como é a atuação de um conselheiro?
R – Hoje o São Paulo vive uma situação política e eu estou à vontade, porque hoje eu faço parte da situação. Mas, na verdade, o Juvenal Juvêncio é um homem de uma competência, o pessoal critica porque ele tem aquele jeito todo folclórico dele, mas ele é um cara muito esperto, muito inteligente, muito político, e ele conseguiu uma maioria no São Paulo que eu acho que não foi benéfica para o clube. O São Paulo sempre foi muito bom quando teve uma oposição forte, por exemplo, o Marcelo Gouveia ganhou a eleição por um voto. Só que quando o Juvenal assumiu, pela competência dele, pela esperteza dele, hoje ele tem uma maioria no conselho folgadíssima, ele faz o que ele quiser lá, ele tem uma boa aprovação. Eu acho que isso não foi bom para o clube, parece agora que surge uma oposição, eu sou situação, vai surgir uma oposição, ainda que essa oposição não deva ganhar as eleições, acho que deve ganhar o candidato da situação, mas uma oposição que tenha... E aí, algumas pessoas dizem que o culpado é o Juvenal, não, culpado não foi o Juvenal, culpados foram os outros ex-presidentes que abandonaram, porque perceberam que ele estava, porque vai ter oposição, vai ser minoria, mas vai fazer oposição, vai discutir, saíram fora e deixaram o clube, então ele assumiu, tomou conta.
P/1 – E o conselho é eleito também?
R – São 240 conselheiros, 160 são vitalícios e 80 eleitos, eu estou entre os eleitos, eu não sou vitalício, apesar de ter 50 anos de clube, talvez porque eu nunca rezei muito pela cartilha, eu sempre fui um pouco independente, então não me tornei vitalício, porque algumas pessoas estranham: “Pô, mas você, número 213 não é vitalício ainda”. Eu falei: “É, eu sou independente, então”. Porque hoje ainda tem muito disso de troca de favores, de benesses, para você ter uma ideia, eu tenho 50 anos de clube e acho que sou conselheiro desde 1980, alguma coisa assim, nunca eu fui em nenhuma delegação acompanhar, porque é comum em cada delegação convidar cinco ou seis. Hoje está melhor, teve época que eu chamava de trem da alegria, antes do Juvenal, na outra gestão ia 30 conselheiros, uma coisa fora do normal.
P/1 – E como é essa eleição?
R – Agora no ano que vem, em abril do ano que vem tem uma assembleia geral do clube que elege esses 80 conselheiros. Aí esses 80 se somam aos outros 160 e elegem o presidente.
P/1 – E você se candidata, é isso?
R – Ao conselho?
P/1 – É.
R – É uma chapa feita. Tem que ter algumas situações, você tem que ter mais de um ano de clube eu acho, não, para votar é mais de um ano, para conselheiro acho que é mais de... Não sei exatamente, mas tem que ter mais de cinco anos de clube, alguma coisa assim, tem que ter uma declaração de fé são-paulina, que você é são-paulino, essas coisas. E é feita uma chapa, e essa chapa tem que ter assinatura de 55 conselheiros vitalícios. Daí é que quase a oposição não conseguiu 55 para fazer outra chapa, mas parece que já conseguiu e vai ter as duas chapas.
P/1 – E de quanto em quanto tempo é a eleição?
R – É de quatro em quatro anos.
P/1 – E vocês se reúnem em que ocasiões?
R – Quatro em quatro anos não, de seis em seis anos, estou falando bobagem.
P/1 – De seis em seis anos tem a eleição.
R – O mandato do presidente é de três, o do conselheiro é de seis.
P/1 – E o conselho faz reuniões?
R – A cada dois meses tem reunião.
P/1 – E que tipo de pauta?
R – Por exemplo, na última reunião agora de terça-feira passada a oposição saiu não deu quórum e não pôde ter uma reunião extraordinária para aprovação da cobertura do Morumbi. O Juvenal tem um projeto aprovado para cobrir o Morumbi, construir uma arena e dois estacionamentos para o clube, que ele vai fazer uma parceria com um fundo, o São Paulo não vai desembolsar nenhum tostão, mas esse fundo vai ter direito de explorar a arena e a garagem por dez anos. A oposição, eu acho que mais uma situação mesmo, saiu, não entrou na reunião, ficaram lá fora, então não teve quórum e a reunião não foi aprovada, então, esse tipo. Normalmente a reunião é de comunicação da presidência do conselho, alguma iniciativa, alguma coisa sobre o relatório da diretoria, tem um relatório, cada reunião a diretoria faz um relatório, 30, 40 páginas. Eu até acho que já devia parar de tirar xerox disso, mas como eu gosto de papel eu deixo tirar, eu gosto de ler (risos). E depois tem uma parte sobre futebol, que o vice-presidente de futebol vai lá e dá as explicações: contratei, não contratei, vou contratar, a pauta, mais ou menos, é essa. A não ser como é uma situação especial que para assinar um contrato desse tem que ter aprovação no conselho, por isso que o Juvenal teve que trazer e não conseguiu quórum.
P/1 – E que outras organizações ou associações do grupo, você faz parte, que estão relacionadas ao futebol?
R – Dentro do futebol, lá dentro do São Paulo existe o que nós chamamos de partidos políticos. Não sei direito contar para você, acho que são cinco. E eu faço parte de um partido político que chama Vanguarda Tricolor.
P/1 – E o que é que exatamente?
R – É um grupo de conselheiros vitalícios, conselheiros eleitos e sócios que se unem para fazer um movimento político dentro do clube. Aí tem toda uma composição, não foge muito à situação de governo estadual, aí quando o presidente assume cada partido fica com uma diretoria, faz uma composição, é mais ou menos assim que funciona a coisa.
P/1 – Dentro do São Paulo Futebol Clube isso, né?
R – É.
P/1 – E fora do São Paulo tem outras organizações ou associações que você faz parte, que discutem futebol?
R – Ah! Sim, tem duas atividades. Uma, primeiro, o Conselho Regional de Administração, junto aos administradores de empresas, eles são grupos de excelência, então, tem um grupo chamado Grupo de Administração Esportiva, que eu frequento esse grupo, que é um grupo que busca aperfeiçoar a administração profissional dos clubes, tem feito algumas palestras, alguns simpósios, lá eu sou um participante do grupo. Fora isso eu faço parte de um grupo chamado Grupo Literatura e Memória do Futebol, Memofut, que é um grupo que tem como objetivo promover as atividades culturais do futebol, tipo literatura, cinema, teatro e preservar, resgatar a memória do futebol.
P/1 – Quando que foi criado o Memofut?
R – Esse grupo é de 2007, vai para seis anos, sete.
P/1 – E como é que foi criado?
R – Na verdade, eu que idealizei e criei esse grupo porque como eu trabalho em Recursos Humanos, em Recursos Humanos é muito comum os grupos informais onde tem intercâmbio de informações. Os profissionais de Recursos Humanos se reúnem e trocam experiências de processos, de programas, de política na área de Recursos Humanos. Baseado nisso eu falei: “Bom”, nessa época não tinha internet como tem hoje e eu tinha uma dificuldade muito grande, eu gosto muito de literatura de futebol, de identificar lançamentos de livros e tal. Aí, comecei a ter a ideia, falei com um, dois amigos que eu conhecia, o Celso Unzelte, o Afif, Alexandre Andolfo, daí eu fiquei com essa ideia, acho que, um ou dois anos mastigando essa ideia. Aí, também tem uma livraria em Campinas chamada Livraria Pontes, que é uma livraria que tem um acervo de futebol muito grande, aí eu falei com o proprietário para ele mandar um aviso para quem quisesse fazer parte. Aí, alugamos um salão num hotel aqui no Paraíso, compareceram 16 pessoas e criamos o grupo. Inicialmente, a minha ideia, quando eu inventei o grupo, era criar um grupo sobre literatura do futebol. Só que essas 16 pessoas, que tinham lá jornalistas, escritores, autores de livro e tal falaram: “Não, não é só sobre literatura, temos que falar sobre história do futebol, sobre a cultura do futebol”. Então, aí ficou Grupo Literatura e Memória do Futebol, Memofut, que fundamentalmente hoje tem uma preocupação muito maior de preservar a história, resgatar a história, mas que trata também um pouco de literatura do futebol. Este grupo se reúne uma vez por mês, sempre num sábado de manhã, no Museu do Futebol. A composição do grupo é uma composição, uma certa diversidade, porque tem desembargadores, advogados, engenheiros, professores, escritor, jornalista, pesquisadores, curiosos como eu e outros lá, são cerca de 50 pessoas com uma frequência média de 30 por reunião. E tem uma lista que aí é um grupo maior de 170 pessoas.
P/1 – E essas reuniões são sempre reuniões, assim, de discussão sobre algum tema?
R – Por exemplo, vou dar exemplo para vocês a última reunião, o que é que aconteceu na última reunião desse ano/ O ano passado não, porque ainda não estamos em 2014, houve um comparecimento de dois ex-jogadores do Santos, o Coutinho e o Durval. E aí esses jogadores fazem depoimento sobre a vida deles, a gente criou um sistema que no começo há, vamos dizer assim, um aquecimento que alguém do grupo prepara uma minibiografia em power point de quem foi o Coutinho, onde ele jogou tal e tal, e em cima disso, ele vai contando a história da vida dele. Normalmente, isso é muito comum, acho que já passaram pelo grupo mais de 20 ou 30 jogadores, técnicos como o Minelli, Mário Travaglini, a maior parte jogadores. Então esse jogadores, quando eles chegam, eles chegam meio desconfiados, mas depois eles saem de lá numa alegria, por quê? Porque todos eles são ex-jogadores e essas pessoas foram esquecidas, e aí eles veem que 30 pessoas conhecem a vida dele, faz perguntas, na verdade não é isso, mas ele se sente homenageado, se sente lembrado. Então, se o grupo começou a história de ouvir jogadores para uso próprio, para você saber da história, hoje o grupo está fazendo um trabalho, que é muito gratificante, de homenagear ex-jogadores. Então na primeira parte da reunião foi o Coutinho e o Durval e na segunda parte teve um autor de um livro sobre o Santos que fez uma explanação do que ele fez para o grupo, a penúltima reunião foi esta. A última, o desembargador Moacir Peres fez uma explanação durante uma hora e meia, porque a reunião dura três horas, durante uma hora e meia ele apresentou uma coleção de revistas O Cruzeiro, que tinha um suplemento sobre futebol, da época de 1930, ele falou durante uma hora e meia sobre isso. E na segunda parte um rapaz fez uma palestra sobre novelas do futebol, novelas que são aplicadas ao futebol.
P/1 – E vocês registram de alguma maneira, em texto ou imagem?
R – Não, não é nada gravado.
P/1 – Nem uma ata, assim?
R – Nada, nada. Houve algumas gravações de som, e para isso se fez até um termo que permitia gravar e tal. Mas o grupo é um grupo informal, ele não tem personalidade jurídica, isso abandonou. Na realidade eu vou te falar uma coisa, eu sou um pouco contra a gravação, porque se fizer uma gravação como nós estamos fazendo hoje aqui, as pessoas não vão na reunião mais e pedem a gravação, entendeu? Agora isso penaliza pessoas de fora de São Paulo, do Rio de Janeiro, que ficam muito bravas. “Por que vocês não gravam para eu ler”. Eu pessoalmente, hoje eu sou um mero participante do grupo, mas eu não sou muito favorável a gravar não, porque aí vai começar a ter: “Você manda o DVD para mim, eu assisto em casa e não tenho que ir lá”.
P/1 – Esse grupo, além dessas discussões todas que ele gera nessas reuniões de sábado, vocês têm propostas ou já fizeram ações?
R – Na verdade, aí está uma coisa que foge um pouco ao que eu penso. Porque quando você tem um grupo, com a diversidade que eu estava falando para você, cada um tem uma coisa, cada um quer uma necessidade, cada um quer uma coisa. Até onde eu sinto, a maioria do grupo, eu quando fui coordenador até esse ano em agosto, eu fiz uma pesquisa de opinião com 50 pessoas para dizer, como é que está o grupo, o que você acha que o grupo deve fazer, e aí nas respostas eu senti que deve fazer como está, depoimento de ex-jogadores, uma apresentação de alguém sobre um livro. A minha vontade era que o grupo produzisse alguns documentos, numa outra coordenação isso chegou a ser aventado, se marcou alguns, nós chamamos temas polêmicos, para se produzir um documento que o grupo referendasse.
P/1 – O que seriam esses temas polêmicos? Só um exemplo para gente ter uma ideia.
R – Vou te dar alguns exemplos. Quem foi o campeão de 1987, Flamengo ou Sport? Esse chegou a se fazer, os outros, depois, ranking, se o Palmeiras era campeão mundial, data de fundação do São Paulo, tudo isso morreu com as coordenações. Mas eu, por exemplo, um modo próprio, fora da coordenação, um dos temas polêmicos é quantos gols marcou o ex-jogador Friedenreich. Existe uma polêmica danada porque alguns documentos falam que ele marcou 1.329 gols, mas outros dizem que não. E como esse tema foi abandonado eu peguei para mim esse tema e produzi um documento que eu tenho mostrando que não era nada de 1.329. Mesmo porque tem até um livro do Alexandre Costa que chegou a levantar 500 e poucos gols, e aí eu mostrei por “a” mais “b” que quem inventou essa história de um mil 329 foi um ex-jornalista de uma importância muito grande na história do futebol chamado Devaney. Então, isso que eu vou falar não pode diminuir a importância que ele teve na história do futebol, mas como ele teve uma briga com o Pelé, porque ele foi o homem que abrigou o Pelé, Pelé tomava banho na casa dele quando chegou em Santos. Depois o Pelé, acho que saiu fora, e ele ficou com raiva, esta é a interpretação. Aí ele inventou esse 1.329 para falar que o Friendenreich tinha marcado mais gol que o Pelé, mas não é verdade. E eu tenho um documento que eu mostro os livros do Devaney, que o Devaney tinha um livro que ele publicou que ele não falou nada, só depois de uma época que aparece esse negócio, entendeu? Mas realmente você tem razão, acho que falta ao grupo um interesse maior de produzir textos. Um grupo muito interessante, muito diferente, é um grupo acadêmico, é o Ludens. Mas o Ludens é o inverso, ao invés dele grupo produzir, não, alguém do grupo produz e faz uma apresentação, o que podia ser feito no grupo também. Mas hoje o grupo está assim nessa história de depoimento de ex-jogadores, alguém que fala sobre aspecto cultural, livros, filmes, novelas de futebol, mas não está produzindo nada. Não deixa de resgatar porque à medida que um ex-jogador vai lá e faz um depoimento, aquelas pessoas que estão lá absorvem essa história, alguns chamam de História Oral, então é interessante nesse aspecto, mas eu acho que o meu desejo, existe mais duas ou três pessoas no grupo que pensam um pouco como eu. Mas a gente está vendo que não é isso que o grupo quer, então você tem que ir de acordo com o que o grupo quer.
P/1 – E ele é aberto, qualquer pessoa que se interessa pode...
R – Qualquer pessoa, é só pedir para fazer parte, há um processo de inscrição lá, mas as reuniões do grupo são abertas, elas não são fechadas, qualquer pessoa pode comparecer, tanto que o Museu divulga, põe lá na agenda dele, mas é uma reunião que o grupo faz. E aí talvez eu acho que nessa minha última coordenação é que as reuniões passaram a ser abertas, elas eram fechadas, eu fui ao Museu, mostrei. O Museu também tinha interesse em ser aberta, porque algumas pessoas começaram a dizer por que um grupo tem esse espaço que o Museu cede, aí passou a ser aberta e veio de encontro ao museu. Eu acho que a gente poderia, talvez, trabalhar um pouco mais com o museu, produzindo, e o Museu participar do conteúdo da agenda, da reunião, hoje o Museu não tem nenhuma participação, a coordenação faz a agenda e comunica.
P/1 – Queria saber um pouco agora, você é um colecionador de literatura sobre futebol, é isso?
R – É, na verdade eu não gosto muito de ser chamado de colecionador, porque colecionador dá assim uma imagem de velharia, apesar de eu saber da minha idade, 75 anos. (risos) Tem o professor Alcides Scaglia, que é um homem ligado à área de Psicologia e Pedagogia do Futebol, escreveu vários livros sobre isso com o João Batista Freire, e uns dois, três anos atrás ele foi escrever alguma coisa e me chamou de bibliófilo, aí eu gostei, então eu sou bibliófilo (risos). Na verdade é uma coleção de livros, tem uma biblioteca, deve ter hoje dois mil e 83 livros. Na última semana entraram uns 14 novos, porque esse anos, só esse ano já foram publicados 166 livros, eu faço um levantamento, hoje a internet te permite tudo isso. Então eu tenho um levantamento que eu faço em conjunto com o bibliotecário, o Museu hoje tem uma biblioteca do futebol, foi inaugurada uma biblioteca que já está com mil livros, vai crescer, que é o Ademir. Então, eu jogo muito com ele esse jogo, ele me ajuda, eu ajudo e nós temos um levantamento, esse ano, de um mil 166 livros. Eu comprei só 26 porque tem que ter um poder de fogo econômico muito grande, não dá para comprar todos. Até 2010 eu comprei tudo, a partir de 2010, porque em ano de Copa do Mundo sobe a publicação e aí já não tenho mais dinheiro para comprar, aposentadoria, apesar de eu continuar trabalhando, não tenho condições de comprar tudo. Desses 166 eu comprei 26 só.
P/1 – E que tipo de livros, Domingos? Dá uns exemplos para gente.
R – Por exemplo, porque quando eu falei que na semana passada entrou bastante, o que entrou? A USP faz um negócio que é a primeira vez que eu fui, chama Festa do Livro, e você compra o livro pela metade do preço, ah! Comprei sete livros lá. Então, eu comprei livros, por exemplo, da Panda Books, vou te dar três exemplos da Panda Books. Um livro é sobre as camisas de futebol dos dez maiores times da Europa, é um álbum bonito, bacana, bem feito. Tem dois outros livros sobre o São Paulo Futebol Clube, um é o livro sempre escrito pelo jornalista André Plihal, o primeiro com o Raí, conta toda a história do primeiro título mundial. O segundo é com o Zetti contando todo segundo título mundial. Então, é o tipo de livro que conta a história de um campeonato, camisa, na Panda Books. Já eu fui na Editora Sete Letras, que é uma editora do Rio que tem publicações mais sofisticadas, do Professor Bernardo Buarque de Holanda, Victor Andrade de Melo. Por exemplo, o Victor Andrade de Melo tem um livro último, que eu não estou me lembrando, mas é do tribofe ao qualquer coisa assim, que conta parte da história da imprensa esportiva no país. Então, tem livro de história sobre a imprensa, eu estou estudando muito a história da literatura no futebol, estou me dedicando um pouco a isso. Então esses livros de história de campeonato mundial e tal, fica lá, lê e tal, mas não é uma coisa, eu prefiro mais hoje ler mais as crônicas de José Lins dos Rêgo, Mário Filho, Nelson Rodrigues, é por aí que eu estou indo.
P/1 – São histórias que envolvem o futebol.
R – A minha biblioteca tem uma classificação, têm livros de gestão esportiva, administração, de marketing esportivo, pouco. Tem muita biografia, isso é a maior parte, tem muita história de clube, então Corinthians e Flamengo é o que tem maior número. História de clube é duas prateleiras lá do tamanho de um bonde. História de campeonato, de Copa do Mundo, seleção brasileira. Ficção, romance tem pouco, mas tem uma coisa também. Então a biblioteca, apesar de eu ser são-paulino, tem história do Santos, do Palmeiras, do Corinthians, do Flamengo, Fluminense, Botafogo, de time do interior, não tem nenhum viés clubístico. (risos)
P/1 – E se você fosse destacar, Domingos, alguma coisa do seu acervo de livros, pode ser um ou alguns, o que você destacaria?
R – Essa pergunta é sempre feita e muito difícil de responder, para você ter ideia há um ano eu comecei a pensar em escolher os cem melhores livros sobre futebol, eu desisti, não dá, tem mais do que isso. Agora mesmo, um amigo lá do Rio está pedindo que eu escolha os dez melhores livros de 2013, então já tem uma falha, porque eu não tenho os 166, mas ontem eu fiz uma tentativa, cheguei em 28, (risos) como eu vou chegar nos dez eu não sei. Mas tem alguns livros, ou eles têm um conteúdo que tem que ser ressalvado, ou ele tem uma história. Então por exemplo, como eu comecei essa história de biblioteca? Eu não sei precisar a data, mas o livro que caiu na minha mão é um livro chamado Glória e Drama dos Bicampeões, que é relativo a 1962, escrito pelo Armando Nogueira e Araújo Neto, os dois já falecidos. O Araújo faleceu na Itália porque ele foi meio desterrado por causa da situação política, e o Armando Nogueira. Esse livro conta a história dos bastidores de 1962, então eu adorei isso e acho que daí que eu comecei a fazer a coisa.
P/1 – Você lembra de alguma história desse livro que tenha ficado na memória?
R – Ah! Tem histórias gozadíssimas, por exemplo, o Pelé se machucou na Copa, e aí, criou-se uma situação como é que vai se resolver isso. E aí o que o Armando Nogueira fala é que o Dido e o Nilton Santos chegaram a conclusão que eles tinham que fazer o Garrincha jogar, e aí, eu não sei se é lenda do Armando, mas na realidade acontece isso. Quando foi no jogo com a Inglaterra, eles já conheciam, os dois eram Botafogo e conheciam muito bem o Garrincha, sabiam que o Garrincha era meio, assim, chegaram para o Garrincha e falaram: “Ô Garrincha, o cara lá da Inglaterra falou que você não vai driblar João, que lá você não vai driblar ninguém, que lá você não vai fazer nada no jogo lá”. E foram embora, e aí o Mané ficou cismado, e diz o Armando que antes do jogo o Mané falou assim: “Quem foi o cara que falou?” eles sabiam quem era o cara que ia marcar o Garrincha: “Foi aquele cara”, se você ver o jogo contra a Inglaterra de 62, o Garrincha estraçalha, ele faz de tudo lá. Então, é uma história que o Armando Nogueira conta. A outra história é que no jogo contra o Chile o Paulo Machado de Carvalho ficou desconfiado que ia ter alguma coisa na comida e não deixou o pessoal comer no hotel, mudou a comida. Tem esses tipos de história, que no jogo com a Espanha, o Didi tinha ido para Espanha e tinha se dado mal lá, não tinha ido bem, tanto que veio embora, voltou de lá sem ter brilhado como brilhava. Então, quando começou o jogo com a Espanha o Didi começou a inventar para querer mostrar, e aí diz que o Nilton Santos chegou nele, deu um esparramo nele e chamou ele de negro: “Vamos ganhar o jogo, depois você vai driblar. Para de driblar!”. Histórias do Armando Nogueira, se são verdadeiras ou não, mas que eu adorei, né? Agora voltando a tua pergunta, se você for me perguntar. Primeiro, para conhecer o futebol você tem que conhecer tudo de Nelson Rodrigues, Zé Lins do Rêgo, Mário Filho, Armando Nogueira, João Máximo, João Saldanha. Mas tem alguns livros, por exemplo, se você for pegar o livro do Mário Filho, O Negro no Futebol Brasileiro, aquilo é uma maravilha, têm pessoas, eu não sou, não quero me meter a ser crítico literário, não tenho esse preparo, não tenho esse nível, mas tem gente que compara esse livro Negro no Futebol Brasileiro ao Senzala do Gilberto Freyre ou à Raízes do Brasil do Sérgio Buarque de Holanda. Então, não sei se é um pouco de exagero comparar, mas o livro Negro no Futebol Brasileiro é uma maravilha. Então tem muita coisa para você dizer: olha, escolher dez, sei lá, eu me embarcaria num barco e chega a 90, 80 livros.
P/1 – E do futebol na literatura tem alguma história assim, ou um livro, ou uma obra que tenha sido marcante, seja preferida?
R – Olha, em termos de ficção tem dois livros interessantes. Um é do Vital Bataglia, que está me fugindo o nome, Adeus qualquer coisa, que é uma ficção, um livrinho maravilhoso, está esgotado, mas você acha em sebo ainda. Depois tem a Segunda Divisão, que é uma história de um time que está para caindo para segunda divisão, que é escrito por uma mineira chamada Cláudia Arreguy, um livro muito bacana. E esse ano está lançado um livro do Sérgio Rodrigues chamado O Drible, que é uma ficção também, é a história de um ex-cronista esportivo contando com o filho, então uma história muito bacana.
P/1 – Estou indo para as perguntas finais. Agora eu queria te perguntar qual é a sua expectativa para Copa no Brasil?
R – Olha! Eu não sei, eu estou meio otimista, eu acho que o Brasil vai fazer um bom campeonato, parece que o Felipão está querendo montar. Acho que a Copa está sendo feita dentro de uma polêmica muito grande, então eu não sei como é que isso vai andar, essas manifestações contra a Copa são totalmente válidas, outro dia me falaram porque o pessoal não reconhece o Pelé, a geração nova. O Pelé faz umas, por exemplo, ele: “Não, deixa as manifestações para depois da Copa”, Pelé, não dá para deixar (risos), tem que manifestar agora, eu não sei como vai ser isso. Mas isso acho que pode atrapalhar, e eu acho que ela tem que ocorrer, não pode proibir, desde que sejam feitas dentro de um, não quebra-quebra, porque acho que isso não resolve nada, e eu não sei até que ponto, como é que isso vai influenciar o jogo da seleção, como é que isso vai ser feito, isso só pagando para ver.
P/1 – O senhor vai assistir a algum jogo?
R – Não, não vou porque eu não tenho dinheiro, tenho que comprar, muito caro, gostaria. Se alguém chegar para mim e falar: “Olha, você tem lugar lá”, apesar de ser no Itaquerão, eu vou lá assistir no Itaquerão, não tem problema nenhum, só que eu não vou gastar meu dinheiro, não tenho dinheiro. Gostaria muito, mas não, quando for a hipótese que o jogo seria no Morumbi, eu comecei a ficar meio alegre, você sabe que o Morumbi era para ser a abertura da Copa, mas por uma jogada política, do seu Ricardo Teixeira, porque o Juvenal tinha votado contra ele no Clube dos 13, tirou o Morumbi. E aí surgiu, que foi um achado, porque até essa briga não tinha o Itaquerão, na verdade o que tinha é que o prefeito Kassab queria fazer o Piritubão, só que o Piritubão ele deu com os burros n’água, ele não teve condição, não teve grana para fazer. E aí o Andrés apareceu, o Lula mandou. Na verdade a história que eu acho é a seguinte, o Lula mandou uma empreiteira que eu não vou falar o nome, fazer um campo para o Corinthians, nesse momento caçaram o Morumbi, aí aproveitaram e saiu e tudo bem, vai ser lá. Quando tinha a hipótese de fazer no Morumbi eu falei: “Acho que eu vou assistir ao jogo da Copa no Morumbi”. Mas a coisa não é tão simples porque, na verdade o que acontece é o seguinte, o estádio é entregue totalmente para a Fifa, o dono do estádio não tem nem direito de uma entrada, não tem direito a nada, é tudo da Fifa. Então mesmo eu tendo quatro cadeiras cativas, o que eu acho que seria um problema para o São Paulo, porque se cada proprietário de cadeira cativa querer exercer o direito de propriedade, entrar com a ação. Mas voltando a tua pergunta eu não sei, eu acho que a Copa está com alguns problemas aí, o dinheiro que foi gasto, a corrupção, isso me machuca um pouco. Mas em casa eu tenho duas correntes, a dona Vera é totalmente contra a Copa, e eu sou favorável que a Copa ocorra aqui, mas não da forma como foi feita. Mas agora não dá mais, como eu disse em casa, a Vera acha: “Não vai ter Copa” eu falei: “Vera, você já pensou se não tiver Copa no Brasil, o vexame que o país vai pagar lá fora? Não fica bem para o país, não é bom para o país isso”. Então, estou com o pé atrás.
P/1 – Esperando para ver o que vai ser.
R – Agora, o que vai ter de livro, isso você não tenha a menor dúvida. Já estou sabendo, se esse ano tem 166, por baixo ano que vem vai ter 300. Que é o que eu gosto, aí eu fico feliz da vida.
P/1 – E Domingos, eu tenho duas perguntas finais. Antes de fazer essas perguntas eu queria saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você gostaria de dizer. Uma história, qualquer coisa que você tenha expectativa ou quisesse contar.
R – Não, não, eu contei boa parte aqui. Eu falo muito (risos), faz parte da origem italiana.
P/1 – Não ficou nada?
R – Acho que foi bem abordado, não tem nada para acrescentar, não.
P/1 – Então as duas para fechar. A primeira é quais são seus sonhos?
R – Ter alguma coisa escrita sobre literatura do futebol, não ficção, não romance, isso não. Eu estou pensando seriamente em produzir, tem alguma coisa já, umas 15, 16 páginas aí, mas que precisa ter um trabalho. Então sonho, eu acho que eu tenho, eu chamo de texto, lá em casa eu falo assim: “Hoje eu não trabalhei no meu texto”, mas é porque você tem as atividades profissionais ainda que impedem. Ontem, por exemplo, eu tive que trabalhar muito por ser encerramento do ano, então o sonho seria produzir alguma coisa. Ou, se você fizesse uma pergunta, o que eu vou ser quando crescer, você corre o risco de receber como resposta jogador de futebol. (risos)
P/1 – Você queria ser jogador de futebol quando era pequeno?
R – Todo mundo queria ser. Acho que todo mundo. Na minha época não como é hoje, porque hoje está muito ligado ao dinheiro, à grana, essas coisas. Na minha época não era tanto isso, mas que eu tive sonho, também não me apliquei tanto assim, não fui atrás disso. O João Batista Freire, que é um professor que tem um livro chamado Pedagogia do Futebol, que todo pai de jogador devia ler. Por exemplo, eu não sei se eu estou esticando, se for acabar a fita você me avisa.
P/1 – Não, pode falar.
R – O João Batista Freire acha que é um crime esses campeonatos mamadeira, chupetinha, isso tolhe completamente a criatividade do jogador, acaba com o jogador. O jogador entra no campo para ganhar, um técnico gritando. Você já viu esse jogo de molequinho?
P/1 – Não.
R – O técnico grita e os pais fora gritam mais ainda. “Vai para frente, vai para trás”.
P/1 – Muita pressão.
R – Tira toda criatividade, devia ser proibido isso. O João Batista é um cara muito sério, é um sujeito que tem uma origem pobre e que foi doutor na Unicamp, hoje está em Santa Catarina. E ele acha que a pedagogia do futebol está completamente errada, por exemplo, se você for analisar isso que o São Paulo faz, de ter um hotel cinco estrelas que bota lá o moleque, exagerando um pouco é como um tabular a vaca, sabe? Não, tem que ter criatividade, deixar crescer. Então, o jogador de futebol, os pais deviam ler esse livro para ver que tem que deixar o moleque livre, não é por em escolinha que põe os cones e fica um atrás do outro esperando dez minutos para chutar uma bola, joga o moleque no meio da pelada. Eu acho que a ideia, o ideal para o moleque começar a ser alguma coisa é 13, 14 anos, até aí, vai jogar pelada.
P/1 – Deixa eu voltar na questão do livro que você gostaria de publicar, tem algum tema específico fechado já?
R – Não, não. Veja bem, livro, eu acho que já é um sonho um pouco grande, talvez o que eu pense é um ensaio, alguma coisa assim. Alguns amigos que leram falaram assim: “D’Ângelo, isso aqui dá um livro, cara!”. Pode ser, quem sabe, vamos ver.
P/1 – Mas tem um tema já? Pode falar ou não?
R – É a história da literatura do futebol, é esse tema. Não é sobre um time, não é sobre um campeonato, não é ficção, romance porque eu não tenho nenhuma criatividade para isso. Contar a história da literatura do futebol, essa é a ideia.
P/1 – É legal, é um tema bacana. Eu acho que pode render um livro também. É que é mais trabalhoso, mas como tema pode render um livro.
R – Precisa ter tempo e tempo eu tenho, porque eu sou aposentado, trabalho, mas eu tenho tempo. É uma questão um pouco, ter um pouco mais de disciplina para produzir alguma coisa.
P/1 – E para fechar então, como é que foi dar o seu depoimento hoje aqui?
R – Foi legal. Falar sobre isso eu fico um dia inteiro e mais um dia aqui falando, eu gosto muito disso, me senti feliz, faz a gente refletir sobre algumas coisas da vida, então, foi muito legal.
P/1 – Está certo Domingos, obrigada então, agradeço a sua presença, a gente encerra agora.
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