Projeto: Heranças e Lembranças
Entrevistada: Esperança Geiger (Shprinzeh Geiger)
Entrevistadoras: Helena e Paula, acompanhadas por Pedro e Eva Geiger
Data da entrevista: 16 de julho de 1988
Código da entrevista: HL_HV032
Revisão: Ana Calderaro
He - Helena
SG - Esperança Geiger (Shprinzeh Geiger)
EG - Eva Geiger
He - Bem, D. Esperança, a gente pode começar nossa entrevista, a senhora dizendo seu nome completo, local de nascimento, nome dos pais.
SG - Eu nasci em 1900... Em 1900.
He - Em que lugar?
SG - Tenopias. Tiberias, em Israel. Isso é Galileia baixa, perto do Kineret. Perto do mar de Galileia.
He - A origem dos seus pais?
SG - Meu pai, de Romênia, nasceu em Galati, mas ele veio para Israel com dois anos, com os pais dele. E minha mãe já nasceu em Israel. Até o pai dela também já nasceu em Israel.
He - Com dois anos o seu pai já estava em Israel? Aos dois anos o seu pai foi pra Israel?
SG - E. Com os pais dele.
He - Poxa. Foram os primeiros a chegar... Tá. Então, agora, a senhora pode dizer o nome do seu pai, e o nome da sua mãe? O nome da sua mãe de solteira, se a senhora lembrar também.
SG - Eu me lembro. Lea... Lea Epstein.
He - E do seu pai?
SG - Meu pai, Moshe David Schehte. Porque o pai dele era... era "shochet" "shochet". Sabe o que e "shochet"? Que matava galinhas. (ri)
He - "Shochet". Certo. Desde já você já sabe. A senhora tem irmãos, teve irmão, irmãs?
SG - Um irmão.
He - Qual era o nome dele?
SG - Um irmão. Max.
He - A senhora sabe a origem dos seus avós? Era a mesma dos seus pais, Romênia?
SG - Não. Do meu pai... meu pai não sei muito. Ele tinha muito irmãs, muito irmãos, muito sobrinhas, sobrinhos. Mas tudo eles ficaram na Romênia. Romenia, em...
He - Os seus avós, os pais do seu pai, nasceram na Romênia? A senhora sabe?
SG - Não sei.
He - Não sabe. E os pais da sua mãe nasceram onde?
SG - Os pais da minha mãe... Porque a minha avó ainda era viva, eu conheci ela, ai, ela me contou. Os pais dela da...
Continuar leituraProjeto: Heranças e Lembranças
Entrevistada: Esperança Geiger (Shprinzeh Geiger)
Entrevistadoras: Helena e Paula, acompanhadas por Pedro e Eva Geiger
Data da entrevista: 16 de julho de 1988
Código da entrevista: HL_HV032
Revisão: Ana Calderaro
He - Helena
SG - Esperança Geiger (Shprinzeh Geiger)
EG - Eva Geiger
He - Bem, D. Esperança, a gente pode começar nossa entrevista, a senhora dizendo seu nome completo, local de nascimento, nome dos pais.
SG - Eu nasci em 1900... Em 1900.
He - Em que lugar?
SG - Tenopias. Tiberias, em Israel. Isso é Galileia baixa, perto do Kineret. Perto do mar de Galileia.
He - A origem dos seus pais?
SG - Meu pai, de Romênia, nasceu em Galati, mas ele veio para Israel com dois anos, com os pais dele. E minha mãe já nasceu em Israel. Até o pai dela também já nasceu em Israel.
He - Com dois anos o seu pai já estava em Israel? Aos dois anos o seu pai foi pra Israel?
SG - E. Com os pais dele.
He - Poxa. Foram os primeiros a chegar... Tá. Então, agora, a senhora pode dizer o nome do seu pai, e o nome da sua mãe? O nome da sua mãe de solteira, se a senhora lembrar também.
SG - Eu me lembro. Lea... Lea Epstein.
He - E do seu pai?
SG - Meu pai, Moshe David Schehte. Porque o pai dele era... era "shochet" "shochet". Sabe o que e "shochet"? Que matava galinhas. (ri)
He - "Shochet". Certo. Desde já você já sabe. A senhora tem irmãos, teve irmão, irmãs?
SG - Um irmão.
He - Qual era o nome dele?
SG - Um irmão. Max.
He - A senhora sabe a origem dos seus avós? Era a mesma dos seus pais, Romênia?
SG - Não. Do meu pai... meu pai não sei muito. Ele tinha muito irmãs, muito irmãos, muito sobrinhas, sobrinhos. Mas tudo eles ficaram na Romênia. Romenia, em...
He - Os seus avós, os pais do seu pai, nasceram na Romênia? A senhora sabe?
SG - Não sei.
He - Não sabe. E os pais da sua mãe nasceram onde?
SG - Os pais da minha mãe... Porque a minha avó ainda era viva, eu conheci ela, ai, ela me contou. Os pais dela da Áustria... Aquela época dependeu da Áustria. Áustria. A cidade Snitin.
He - Do Império Austro-Húngaro. Mas atualmente é que país? É Áustria mesmo?
SG - É. Na Áustria mesmo.
He - Atualmente faz parte da Áustria?
PG - Isso ela não sabe.
He - Ela não vai saber, né?
SG - Acho que agora também faz parte da Áustria. Snitin. Snitin. A cidade chamava-se Snitin. Ela tinha muitos irmãos, muito irmão, sobrinhos, sobrinhas. Depois, a minha mãe casou muito jovem. Minha mãe casou com... Porque ela ficou órfã do pai dela com 6 anos. Ai a minha avó, coitada dela, muito jovem, casou outra vez, mas também morreu o marido. E ela tinha muitos filhos e ficou só com minha mãe. Quando minha mãe casou, também se casou muito jovem, tinha um filho, morreu logo, no parto, ela estava muito triste e minha vovó também. Ai, a minha vovó levou minha mãe e foi para a Áustria pra ver as irmãs, os... Porque ela não conhecia. Ela tinha só dois anos. Ela queria conhecer a família. Ela foi com minha mãe, ficaram lá dois anos. Eu mostrei aquela colcha, essa colcha ela fez na Áustria. Depois eles voltaram. Depois eles voltaram.
He - Tá. Então, tá bom. Bem, então, a senhora poderia contar pra gente um pouco como era a casa que a senhora morou? A primeira casa que a senhora se lembra que a senhora morou, como era ela? Como era o bairro? Em Israel, né?
SG - A primeira casa era um pouco... Em Israel, era um pouco afastada do lago. Em... Compreende? Afastado. Assim, como se vive em centro. Mas deveria... Era uma cidade muito pequena, muito pequena. Só que tinha assim muito juntinho, muito juntinho, ruas muito estreitinhos, muito juntinhos, mas muito pouco ashkenazim, era muito pouco. Tinha mais sefaradim. E árabes. A gente não tinha lugar aqui... aqui pedaço de judeus, aqui pedaço dos árabes. não. Tudo junto. Depois, mudaram... Quando eu tinha 6 anos, eu me lembro, a gente mudou pra outra casa perto do Lago. Perto do... do Kineret. A gente morava numa casa, embaixo, em cima tinha uma sobrado. Em cima moravam árabes, em cima moravam árabes, a gente morava embaixo, a gente dava tão bem. Até a... Que ano foi? Que tinha o primeiro... Depois que a Inglaterra, depois da primeira guerra, quando a Inglaterra entrou, aí já começou aquelas coisas do sionismo, de Declaração de Balfour, isso tudo, aí começou aquele negócio de ódio dos árabes. Me lembro uma vez, eles começaram... queriam fazer Pogrom, entraram na... fizeram uma barulho, os vizinhos de cima brigaram. "Vocês venham, sobe na nossa casa. Vocês não tem nada. A gente não quer que vocês sofrem desse árabe." Isso era acho que… Espera aí… Acho que era 18 ou 19.
He - Vamos tentar voltar um pouquinho. Antes de 18, 19. Conta mais como é que era a sua vida em Israel, onde a senhora estudou, como é que era um dia da senhora?
SG - A vida era muito pesada. A vida era muito pesada. A minha vovo, ja te disse que tinha muito irmãos, muito irmãs lá na Áustria. Eles mandaram, todo ano mandaram pra ela pra viver. Compreende? Meu pai fez, como se diz... "Cheider". Ele começou... Mas depois... Fez em casa. Mas depois, depois, ele era negociante, mas não deu certo. Isso antes que eu nasci, antes que eu nasci. Ele era negociante, mas não deu certo. Mas quanto eu me lembra, ele também foi pra Europa, por irmãos dele. Ele tinha um sobrinho no Kishinev, lá na Bessarabia. Ele tinha um sobrinho muito rico. Dois, aliás. Muito famosos, até os nomes existe até agora nos livros da história. E Halpern. Henrich Halpern e Isak Halpern. Dois irmãos. Filhos de uma irmã dele. Ele foi pra lá, antes que nasci, até. E eles prometeram também uma quantidade, eles mandaram uma quantidade de dinheiro. Sabe, naquela época, o que que Israel vivia? Só os que tinha, vamos dizer, um que faz sapatos, um que faz ternos. Isso tinha. Mas muito poucos. Porque ja sabe, aquela época, tinha vergonha de fazer, de ser sapateiro ou ser alfaiate. Tinha vergonha, sabe. A gente só se fica rezando, só se fica estudando Talmud. Naquela época era. Até o sionismo era também... A minha avó tinha ódio do sionismo. Tem que esperar Messias, tem que esperar Messias. Era outra...
He - O que é que a senhora... Quando a senhora está falando…
SG - Olha, eu me lembra, minha mocidade. Me parece que está viva 100 anos. Ou mais de 100 anos. Mais de 100 anos.
He - Quando a senhora fala que a sua avó não gostava do sionismo, o que que a senhora está entendendo por sionismo? O que é que a senhora está chamando de sionismo, nessa época?
SG - Não, eu já aprendi que se a gente esperava 2 mil anos e Messias não vem, tem que fazer uma coisa. Mas eu não podia me revoltar contra amigos meus. não, meu pai era muito pessimista. Era muito pessimista. Compreende? Ele era muito estudioso, muito; muito estudioso. Ele falava alemão, falava francês, leu livros, mas era... Olha o retrato dele e já sabe que era muito... Era religioso, mas não fanático. Compreende? A minha vovo também. Era muito inteligente. Imagina, naquela época, ela sabia escrever. A minha mãe não sabia. Ela sabia escrever. E ela fez questão que eu também estudar, mas não na escola não. Na escola não pode. Só em casa. Só Em casa. Ela pagava... Além de meu pai me ensinou, ela ainda pagava um professor que me ensina bem mais coisas.
He - Em casa vocês falavam hebraico? Ou iídiche?
SG - Iídiche. não. Iídiche. não, a minha vovó não, falar hebraico não pode. Hebraico é língua de Deus, língua muito... (sagrada) sagrada. Ah, não pode, não pode falar hebraico. Só pode falar iídiche. Em casa falamos só idiche. Mas depois da primeira guerra, a Inglaterra entrou, começou aquele sionismo, moças já começou... Aí eu fui com um grupo de moças, um grupo de moças, que chamava Bnot Tzion, quer dizer, filhas de Sion. Aí, também entrei, mas ela já não reclamou. Ela não reclamou. Entrei nesse grupo, começamos também falar hebraico. Ela não reclamou mais. (ri)
He - Eu queria que a senhora falasse um pouco mais sobre como é que vocês... Quando a senhora está falando, se referindo ao sionismo...
SG - Quando?
He - Quando a senhora está falando sobre o sionismo, que vocês... Que a sua família não gostava muito…
SG - Não só essa família. Toda família. Todos.
He - E da emigração das pes... Da emigração que estava havendo para Israel? Dos partidos…
SG - Já começou. Só a Inglaterra entrou. Acabou a guerra, já começou vir muito "chalutzim". Já começou.
He - Mas e antes da guerra?
SG - Até eu ja trabalhei um pouco. Quando jovem, quando Inglaterra entrou, fazer um hospital, hospital lá, aí eu também trabalhei lá no hospital como ajudante de dentista. E os "chalutzins" sempre veio...
He - E o seu irmão? O seu irmão, como era a vida do seu irmão? Ele estudou onde?
SG - Meu irmão, foi o seguinte. No ano 13... Ele era mais velho do que eu uns 4 anos. No ano 13, minha mãe foi com ele na Suíça, porque ele sofreu da vista. E na Suíça tinha um médico muito famoso, que chamava... O nome não me lembra mais. Aí, ela foi pra lá. Porque este médico era de família muito religiosa. Ele deu um... uma promessa, quando ele fica medico, ele vai dar um ano em Israel. E ele veio para Israel e deu ano para os doentes de graça. Aí, tinha lá um parentesco... um parente que sofreu... Porque em Tiberias a gente sofreu muito dos olhos. não só tiberios. Em todo Israel. Era aquela doença difícil... Como se chama? "Tarrun". "Tarrum".
PG - Escorbuto. Escorbuto. Tracoma.
SG - Aí, esse parente foi. E também o médico, quando voltou, levou esse parente, com ele. Ai, minha mãe resolveu levar meu irmão também lá. E ficou lá... Ela saiu dia 13... ano 13, enfim, quase fim de novembro, e ficou lá até 14. Em princípio de julho, ela queria voltar, ai começou a guerra, não podia voltar. Ficou lá até que acabou a guerra. Ficou na Viena. Ficou na Viena, em casa de um rabino. Ficou lá.
He - Seu irmão estava com ela?
SG - não. Meu irmão ficou na casa do médico. Porque o médico tinha muito irmãos, irmãs, os pais dele tinham lojas, então, meu irmão ficou lá. Porque o médico disse: deixa ele aqui. Ele vai trabalhar e vai cuidar dos olhos. E ficou lá o tempo todo.
He - E a senhora ficou trabalhando nesse hospital?
SG - Eu fiquei em casa com minha vovó e com meu pai. Quase 6 anos. Quase 6 anos. Até que acabou a guerra, até que a minha mãe tinha direito de voltar.
He - Seu irmão também ficou lá até acabar a guerra?
SG - E. Ficou lá. Quando minha mãe voltou, ele ainda estava lá na Suíça. Depois ele veio.
He - Fala um pouco mais, então. A senhora tinha falado sobre o bairro, que a senhora se mudou para uma casa mais perto do lago. Como é que era esse bairro? Como é que era a relação das pessoas?
SG - A cidade, já te disse, era pequena.
He - O que é que os árabes faziam? Os judeus eram profissionais.
SG - Os árabes fizeram agricultura. Agricultura. E em cidade, eles venderam tudo. Tudo que a gente come, eles venderam. Porque os judeus tudo tinham filhos. (?)
He - Sim. Eu já entendi. Agora, o judeus eram, a maior parte, eram profissionais, ne? Sapateiro, carpinteiro? Mas…
SG - Tinha judeus trabalhadores. E tinha judeus que tinham preguiça de trabalhar, vergonha, tem só que estudar. Uma vida... Bom... Isso eu já não falo.
He - Era pobre? era um lugar pobre?
SG - Pobre. Pobre. Quem que tinha parentes na Europa, eles mandaram.
He - Agora, me diz uma coisa. No seu bairro tinha sinagoga? Que é que tinha no seu bairro? Tinha sinagoga…
SG - No meu bairro... tão pequena... olha, tao pequena e tinha mais de 10 sinagogas. Tão pequena, tinha mais de 10 sinagogas. Porque cada foco de judeus, de onde a origem deles, eles fizeram uma sinagoga. Você sabe como. Era sinagoga Bion. Uma cidade Europa. Bion Vulareshe, Makarov, Reisin, Sholonov. Tinha muito, muito... Eu era?
PG - Hassidim.
He - Além das sinagogas, que outras instituições judaicas tinha ali no seu bairro, na sua cidade? Tinha lar das crianças, lar dos velhos?
SG - Lar da criança não tinha. Olha, não tinha lar da criança, não tinha lar dos velhos. Tinha um parque de casinhas pequenas pra esses que não pode pagar aluguel. Isso tinha. Chamava "regnis"? "Regnis" quer dizer santo. Casa santos. Moravam lá esses que não podiam pagar. Mas não com famílias, só velhos. Ou uma viúva ou um viúvo. Agora, tinha uma casa que tinha... com _________ Uma casa que puseram comida e quem queria, vem comer. “Beith” é casa. “Taschel” cozida. Cozida. Comida cozida. “Beith taschel”? Tinha _________ Por exemplo, vem um sujeito de uma cidade para ver. De Jérusalem, de.... de Haifa, veio um sujeito e ele, pobre, não pode ficar no hotel, tinha uma casa. "Asmanat Horeach Hore" quer dizer hóspede. Tinha também __________ Por exemplo, uma senhora, um senhor doente e não pode pagar enfermeira, tinha gente. De graça. Tudo isso era de graça.
He - Isso não era dividido por... e não era dividido por grupo, não, nacionalidade?
SG - Então, tinha “regnis”, tinha "Beith taschel", tinha "Beith Auren", tinha (...). tinha também na minha ca... na casa dos meus pais também, tinha coisas. Por exemplo, um precisa uma… __________.
PG - Recuperação.
SG - (começa a falar em iídiche) (...) chuveiro. (...) A comadre, a compadre. (em iídiche).
PG - E, em casa tinha uma série de objetos, né, que ela está contando, tinha uma série de objetos que servia para atender a saúde das pessoas. (interrupção)
-!- Na casa dos pais dela tinha, em reserva, objetos, termômetro, né, comadre, uma porção de coisas. Negócio de fazer... de fazer... Como chama aquele negocio de botar...
He - Pressão.
PG - Não, não. Aquele negócio... Umas ventosas. Uma série de coisas, objetos que serviriam para medicina, se alguém precisasse, então...
SG - Meu pai fez um "cheider" em casa. Mas depois fizeram Talmud Tora. Fizeram Talmud-Tora convidaram ele. E ele era...
He - O seu pai se vestia diferente das outras pessoas? O seu pai se vestia diferente?
SG - Não está vendo? Isso é o dia de semana. E sábado tinha "stramel"... "Was ist?"
PG - Era um chapéu assim redondo.
SG - Um chapéu de...
PG - Um chapéu redondo. Ela sabe o que e.
SG - _________
PG - E. De pele, de pelos e tal. Chapéu redondo.
SG - A origem do “stramel”, a origem desse chapéu, meu pai me contou que lá na Rússia, há muitos anos atrás, disseram que cada judeu tem que botar um rabo de um bicho, não, o rabo de um bicho. Ai, como os judeus mais inteligentes, fizeram que esse chapéu de sábado, empelado. Muito mais... Você compreendeu?
He - Compreendi. Mas essa coisa dos judeus terem que usar um rabo de um bicho era só pra judeu? Na rua?
SG É. Só pro judeu. Pra fazer uma...
He - Era uma coisa... para diferenciar.
-! - Era pra caçoar?
SG - _________.
(bastante confuso)
SG - Fizeram disso um enfeite. Mas na verdade, eles usam essas peles. Os russos também, né.
He - E. Os chapéus russos são de pele.
SG - Sábado, meu pai, por exemplo, botou esse "stramel ", botou uma capa de veludo, outra roupa embaixo também. não do ano inteiro. Sábado tinha que fazer outra roupa, mais bonita. Bota a roupa, bota o "talit" e em cima esse de veludo. Chega na sinagoga, tira esse de veludo, bota o "talit".
He - Mas não tinha nada de especial, não tinha cachinho aqui,nada disso?
-! - Você tinha cachinho, tinha?
SG - O que? Peies. Peies. Então, não estão vendo os peles dele?
He - E tem uma costeleta.
SG - Porque ele tinha muito crespo, o cabelo dele era muito crespo.
SG - ...Aí não se vê. Em Jerusalém, os judeus usavam peles até aqui. Mas meu pai não. Só até aqui. Ele não era fanático, compreende? Era religioso, muito sabido, mas não era fanático.
He - Como os jovens, a senhora, naquela época, né, como é que se divertiam? Tinha teatro, vocês faziam teatro? Tinha algum grupo de jovens? Como é que a senhora e os seus amigos se divertiam?
SG - Como eu me sentia o que?
PG - Não. Divertia.
SG - Ah, como eu divertia.
He - O que a senhora fez na sua juventude? Piquenique?
SG - Ah, mais moças, mais moças, na minha idade. E sábado... A semana toda a gente trabalhava costura, (... ) em casa, não tinha empregadas. Tinha que limpar a casa e fazer creche. Naquela época não tinha que comprar meias, tinha que fazer sozinha meias. Pro pai, pra mãe, pra si mesmo, e tinha que fazer capinhas, capas na cabeça, eu fiz na mão. Tudo na mão. Bordado, crochê, tricô, limpar a casa, tudo isso. E sábado, tinha umas moças, a gente juntou, mais dois moços, três moços, então... conversamos, conversamos.
He - Não fazia teatro, não tinha grupo de teatro?
SG - Mas isso era tudo, era tudo antes da guerra. Mas quando acabou a guerra, ah, outra coisa.
He - Então, vamos lá. Começa a contar, então, pra gente, como…
SG - Ai ja comecou sair com as moças, passear, sábado. Antes não podia passear sábado. Porque a minha vovo disse: você vai passear sábado, você vai pisar na grama, você quebra a grama e isso é "PROIBIDO".
PG - Pecado.
SG - Antigamente assim, foi assim.
He - Então, a senhora pode contar um pouco como é que foi essa mudança. Como é que Israel ficou depois da guerra. O que é que a senhora se lembra? A senhora falou que depois da guerra tudo ficou muito diferente. O que é que ficou diferente?
SG - E. Diferente nesse sentido. Que as moças já começaram falar hebraico, começaram fazer grupos, passeando. Então, o trabalho, trabalho com moças. Eu já te disse que eu já trabalhei, não muitos anos, porque logo fecharam, fecharam o hospital Hadassa. A (...) disse que está gastando muito, que não pode…
(interrupção)
He - Depois da guerra, a senhora não estudou mais? não foi algum colégio? A senhora foi pouco ao colégio, né? Aprendeu mais em casa.
SG - Eu não foi ao colégio. Nunca. Nunca. Só quando, alguns meses, quando a Inglaterra entrou, fizeram grupos de moças, que te disse, Bnot Tzion, ai... Também o professor disse: ah, você sabe hebraico. Você não precisa vem. Isso só pra esses moças que ainda não sabem nenhum palavra.
He - Pelo que eu entendi, as moças, antes da guerra, tinha que ficar muito dentro de casa, né?
SG - É. Então.
He - Como eram os namoros, os casamentos? Como eram?
SG - Não, namoro e casamento era com "shal... ". Sabe o que "shadchen"?
He - Arrumado. Sei. Casamenteira.
SG - Tinha mulheres, tinha homens que falaram com os pais. Olha, essa moça combina com esse moço, sei lá, com... com dote, com isso. não era namoros. Que namoros! (ri) Deus me livre.
He - Havia alguma…
SG - Minha mãe, antes que foi pra Europa, no ano 13, que eu te disse, ela já fez noivado com meu marido. Que meu marido era meu primo. Eu te disse. O pai do pai dele e a minha avó eram irmãos. Ela já fez noivado e eu não conhecia, não sabia de nada.
He - Mas a senhora teve algum contato com seu primo? Ele era seu primo. A senhora brincou com ele na infância? Já era amiga dele?
SG - Eu não me lembro, mas minha mãe disse que quando ela foi lá, às vezes, para... para sfat, ela me levou e brincou com ele. Mas eu não me lembro. Eu não me lembro.
Pa - Mas eu não estou entendendo. Ele morava na Áustria?
He - Não. Os pais dele.
SG - Não. Os pais dele. A mesma coisa, da mesma origem.
He - Bem…
SG - Agora, ainda existe um irmão... dois irmãos do meu marido. Um aqui, que a mulher dele e Rachel Geiger. Conhece Rachel Geiger? Ela é muito metida na "Wizo".
He - E. Mas eu... (ri)
SG - Rachel Geiger e ele e Brian. E tem um irmão em Israel, o caçulo.
he - Bem, mas o que é que a senhora se lembra desse período que a sua mãe passou separada da senhora, na Europa? Ela ficou na Europa, durante a guerra. O que é que aconteceu com ela durante a guerra?
SG - Ela? Já te disse. Ela morava na casa de um rabino. "Rebe". não rabino assim não. "Rebe". Você sabe que antigamente era "Rebe". Tinha "Rebe". Tinha... cada país tinha um "Rebe" ou cada cidade tinha um "Rebe". Tinha muito "rebe". Ela morava na casa de um "rebe".
Pa - Mas o que a gente queria saber, D.Esperança, e se por acaso ela mantinha correspondência com seu pai. Ela contava os acontecimentos da época? Ela escrevia contando alguma coisa em relação ao antissemitismo, alguma coisa na Europa, já, nessa época?
SG - Não. Ela, enquanto era a guerra, enquanto era a guerra... Naquela época não tinha correspondência. Demorava meses correspondência. não vinha. Demorava. não tinha correspondência. Uma vez, não sei, por ano, tinha.
He - Então, nesses 4 anos que ela passou separada de vocês, vocês receberam muito poucas notícias. E?
SG - Mais de 4. Quase 6. E. Depois que acabou a guerra, a Inglaterra entrou, Já não podia mais nada. não tinha... Até 19.
He - E o seu irmão, o que é que ele fez durante esse período? A senhora sabe?
SG - Ele era na Suíça. Mas quando ele chegou da Sulca, quando ele chegou, ele chegou depois da minha mãe, depois da minha mãe. Aí, ele aprendeu, fez um alfaiate. Alfaiate.
Pa - Como é o nome do seu irmão?
SG - Max.
Pa - A senhora desculpe eu insistir outra vez nisso, mas a senhora tem mais alguma lembrança de alguma mudança em Israel, depois que os ingleses ocuparam Israel? A senhora tem alguma lembrança, de ouvir falar ou de seu pai comentar? Alguma coisa na vida social de vocês?
SG - Ficou a vida muito... Com medo dos árabes, que eles fizeram tanto “pogrom”. Medo dos árabes.
He - Mas esse medo dos árabes, então, veio junto com os ingleses? Porque antes dos ingleses não tinha medo dos árabes?
SG - não tinha medo dos árabes porque não tinha ainda...
He - Israel. A terra determinada, ne, dos judeus. Se a senhora se lembrar de mais detalhes sobre a relação dos judeus e dos árabes, antes da guerra, se a senhora se lembrar de alguma coisa, pode contar.
SG - Antes da guerra, muito bem, era muito bem. não se lembra. Me lembra que depois contaram que era isso antes que eu nasci.
He - A senhora brincava com crianças árabes, ia na casa das crianças, eles iam na sua?
SG - não. Com os árabes não. Só com os sefaradim. Os sefaradim também falavam árabe. Mas o árabe dos sefaradim e muito... chama-se árabe, mas muito diferente do... Mais uma coisa. Entre _________ e árabes tem muitas palavras que parecem hebraico. Mas o próprio árabe, por exemplo, no Egito, fala diferente, em outras cidades falam diferente.
He - Eles têm línguas diferentes, né, o árabe.
SG - Outro dialeto, outro...
Pa - Mais uma coisa, D. Esperança. Quem morava no sobrado da casa da senhora, eram árabes ou era sefaradim?
SG - não. Árabes. Árabes. Vino Hammad. Ele tinha... engraçado, ele tinha 4 mulheres. Porque eles podem ter 4 mulheres. Cada uma mais velha do que outra. (risos) Cada um, ele leva mais jovem. E moravam junto. Bom, o sobrado onde ele moravam tinha 4 quartos. Cada mulher um…
SG - quarto, com os filhos dela. Acontece que essa que era mais velha, não errando, 70 anos, ela, ela ficou doente e morreu. Ai, os outros três choravam. Minha mãe disse para mim: sabe por que eles estão chorando? Porque eles sabem que agora ele vai levar uma mais jovem. - (risos)
He - E a sua casa, a senhora falou que tinha 4 quartos.
SG - não era própria essa casa. Nem pra nós nem pra eles. Era alugada. Era alugada. Acontece que essa casa era de um sefaradim. Muito famoso...
He - Quando acabou a guerra, a senhora ainda morava nessa casa e em cima moravam os árabes?
SG - É. É.
He - E como é que quando os árabes souberam que os ingleses tinham dado aquela terra pros judeus, o que é que esses árabes falaram?
SG - Não. No dia que acabou a guerra, eles não sabiam nada de... Mas sabe o que e? O dia que a Inglaterra entrou, aí, os judeus que eram muito sionismo, sairam assim fora da cidade, fizeram discursos, aí, eles já começaram perceber.
He - Os árabes. E aí, o que é que eles falavam?
SG - Ai logo...
He - Mudou a vida deles?
SG - Não, eles não mudavam a vida deles. Na verdade, os árabes da cidade não fizeram nada. Vieram árabes de fora, compreende, vieram árabes de fora. - E... Muito triste. Era muito triste.
He - O que é que era muito triste, dona...
SG - Sei lá, me lembra minha mocidade, tudo tão triste.
He - Era muito difícil a vida?
SG - Muito. Muito triste. Muito triste.
He - A senhora se lembra de alguma música? Vocês cantavam, dançavam? A senhora se lembra de alguma musica tipica que a sua avó cantava pra senhora?
SG - A gente cantava valsa, era casamento. Baile não tinha. Quem sabia de baile?!
He - Como foi seu casamento?
SG - Antigamente, casamento era sempre... a cerimônia especial, "chupa", era sexta-feira de tarde. De noite, vem a família fazendo... cantaram, sem danca. E sábado também todo o dia era' assim alegre. E de noite, sábado de noite, fizeram, como se diz, baile, mas homens separados, mulheres separado. não pode juntar.
He - Que baile, hen. (ri) Qual foi o dia do seu casamento? qual foi a data do seu casamento? Em que dia que a senhora casou?
SG - Também sexta-feira de tarde. Era "chupa", 6a. feira de tarde, "chupa", de noite veio familia, conhecidos...
He - Que ano foi? Em que ano que a senhora casou?
SG - Em 20.
He - 1920. Ta. Ai... Então, vamos lá. Depois da guerra, depois de 6 anos, né, a sua mãe voltou. Seu irmão também voltou.
SG - E. Meu irmão assistiu meu casamento. Ele veio pro meu casamento.
He - E como foi essa ideia da emigração. Como é que a mãe resolveu vir pro Brasil? Por que?
SG - Meu marido, quando ele noivou, já trabalhava numa prensa lá em (... ). Já trabalhava na prensa lá. Mas ele achou que...
He - Ele fazia o quê? Jornal?
SG - Não. Que jornal! Fazia jornal. (ri) Só...
PG - Convites.
SG - Convites, "(...)"
PG - Recibos. Uma gráfica. SG Recibos, convites, coisas assim pequenas. E ele viu que isso não é vida. Casamos, onde vamos viver? Ai, bom. Eu não queria, não queria deixar os meus pais, tudo isso.
He - Conta pra gente. A senhora não queria sair de lá, não queria ficar longe dos seus pais, mas o seu marido queria viajar?
SG - E. Meu marido que é queria. A minha mãe disse: olha, o que é que marido quer, a mulher tem que fazer. (ri)
PG - Ele tinha irmãos aqui. Que atraíram.
He - Ah, ele tinha irmãos aqui. Ele nasceu lá?
PG - Lá aonde?
SG - Em Israel... Não, depois o meu irmão casou também com uma que nasceu em Sfat, mas o pais dela moravam em Egito. E começou lá no Egito aquela coisa, depois, com Nasser, não sei se você sabe, começou também aquele barulho contra os... não só contra os judeus, contra tudo estrangeiros. Mas o principal foi judeus. Ai, a minha cunhada me escreveu uma carta, ela tinha medo de escrever assim aberto, ela escreveu como: ah, estamos tudo doentes, o médico diz que tem que mudar o clima. - Ai, eu respondeu: olha, vocês mudam o clima para Israel, que já tinha Israel, muda o clima para Israel, onde vocês nasceram. Eu também foi levar meus filhos, meu marido e vamos também pra lá, pra fora. Meus pais já tinham morrido. Ele não queria. Só aqui. Só aqui. E ele também. Ah, tem que trazer eles, tem que trazer eles.
He - O senhor nasceu lá?
PG - Não.
SG - Quando ele... Ficou só 6, não completou 6 anos. Morreu. Ele morreu logo. Ficou a mulher...
PG - Mas isso ja é historia recente, ne. Isso ja e…
SG - Hum?
PG - Isso já é recente.
He - É, isso é mais recente. Então, quando o seu marido resolveu, então, sair de lá, a senhora ainda não tinha tido filhos?
PG - Não.
SG - O quê?
He - Quando a senhora saiu de Israel, a senhora ainda não tinha tido filhos?
SG - Não. Foi logo (depois) do casamento. Logo.
He - O seu marido, ele quis vir pro Brasil. Porque ele já tinha parentes aqui?
SG - Não. não tinha ninguém aqui.
PG - Como não tinha ninguém? Tinha. A Toba já não estava aqui? O Dobles não estava aqui?
SG - É. Mas estava...
He - Por que é que ele escolheu o Brasil?
SG - Hum?
He - Por que é que o seu marido escolheu o Brasil pra vir morar?
SG - Porque na América [Estados Unidos]... Ele queria [ir] na América, mas na América não deixaram entrar.
HP - Ah, ele quis ir pra America? Ele quis ir pros Estados Unidos?
SG - Quis.
He - Foi em que ano isso? Em que ano que vocês saíram de Israel e vieram pro Brasil?
PG - Acho que foi em 22. Ela não se lembra disso não. Foi 22.
(toca o telefone. Interrupção)
He - Então, com foi? A senhora viajou, a senhora saiu de onde?
Pa - Só um minutinho antes. D. Esperança, a senhora disse, então que o seu marido queria ir pros Estados Unidos., ne. A senhora se lembra se ele chegou a fazer pedido e chamadas e não foi aceito? O que é que houve pra ele não ir pros Estados Unidos? Foi o governo americano que não forneceu o visto ou…
SG - Porque na América não deixou entrar.
PG - Talvez ele nem chegou a pedir. Ele tinha irmãos aqui. SG América não deixou entrar. não tinha, naquela época, não tinha essa ideia, como agora, a gente faz como turista e depois fica. (ri) não tinha essa ideia. O que é que vocês querem? Isso já tem... já tem tantos anos.
Pa - E no Brasil, então, foi mais fácil entrar?
SG - E. No Brasil era mais fácil.
Pa - Mas foi preciso pedir uma... alguém pediu uma permissão? Chamar a senhora pra vir?
He - Como é que a senhora conseguiu o visto para o Brasil?
SG - Ah, ele se lembrou que tinha aqui um irmão.
PG Tinha, se não me engano, uma irmã. Um cunhado. Eles aju... Eles devem ter chamado, com certeza.
He - E como... A senhora saiu de onde; de onde o navio saiu? A sua viagem de Israel pro Brasil, como?
SG - De Haifa. De (...) até Haifa já tinha carro. Já tinha carro. De Haifa, no navio.
He - Da parte de Israel e dos ingleses não tinha nenhum problema de quem quisesse sair de Israel? Existia algum problema.
SG não. não.
He Eles deixavam sair à vontade.
SG - Deixavam. não tinha muito... Sair tinha direito. Só não tinha direito de entrar. (ri) Mas pra sair...
He - E seu marido, seu marido era muito religioso? O seu marido era uma pessoa muito religiosa? Como era o seu marido?
SG - Ele era religioso. Era religioso, mas não fanático. não fanático.
He - Se vestia igual a todo mundo? Usava as roupas igual das outras pessoas?
SG - não, já usou... ele já usou roupas... como chama? Europeias.
He - Europeias. Quer dizer, não usava aquela roupa comprida.
SG - E. Europeias. não aquela roupa como meu pai.
He - Bom, e a sua mãe veio com vocês? Quem é que veio; só a senhora e o seu marido? Ou mais alguém da sua família também veio pro Brasil?
PG - Só eles dois.
SG - Não. Ninguém mais veio. Irmão do meu marido... Irmã do meu marido...
PG - Já estava aqui.
SG - Mais um irmão, mais uma irmã. Ele tinha uma irmã.
He - A senhora pode contar como é que foi o início da sua vida aqui no Brasil? Em que é que seu marido trabalhou? Onde vocês foram morar?
SG - Ele trabalhou como todo judeu, clientela. Clientela. Ele não gostou, não gostou, mas não tinha outro meio... jeito, trabalhou clientela. Mas no fim, no fim, ele trabalhou no rabinato de…
PG - Mas isso agora, no fim da vida dele.
SG - No fim, ele trabalhou no rabinato de Blumenfeld.
He - Mas ele começou a vender a prestação, né. Depois, ele abriu uma loja? Uma coisa assim?
SG - não, não, não. Porque ele não queria trabalhar sábado e loja tem que trabalhar sabado. E ele não queria trabalhar sábado.
PG - não só por isso. não tinha dinheiro pra isso. não pode juntar dinheiro pra fazer isso.
SG - So assim, de casa em casa. E sábado…
EG - A fotografia dele está lá, ó.
He - E em que bairro voces moraram? Qual foi o primeiro bairro que vocês moraram?
SG - Primeiro bairro era Vila Isabel. Vila Isabel.
He - E depois?
SG - De Vila Isabel veio pra Copacabana. Mas em Vila Isabel mesmo morei muitas... 3, 4 casas. Rua da Saúde... não. Primeiro era rua D. Maria. Rua D. Maria. Também em 3 casas. Depois, rua…
PG - Jorge Rudge.
SG - não. Antes de Jorge Rudge moramos... em rua... Também perto de Praça Sete, assim que ela vai…
PG - não. Isso foi depois.
SG - Depois Jorge Rudge, depois Teodoro da Silva, depois…
PG - Depois Barão de…
SG - Sei lá. Eu sei que muitas casas. Depois Teodoro da Silva...
Pa - D. Esperança, como é que foram os primeiros dias aqui no Brasil? Como e que foram as primeiras impressões? A senhora ficou na casa dessa sua cunhada? Onde é que a senhora ficou? A senhora ficou numa pensão?
SG - Na casa do meu cunhado, um dia só. Depois, a gente alugou uma casa.
PG - E. Eu sei. Rua Barão de Cotegipe.
SG - Rua D. Maria
PG - não era Barão de Cotegipe?
SG - Moramos depois. Depois moramos com uma irmã do meu marido, Junto. Ah, nem quero me lembrar. Me dá muito nervoso.Não quero me lembrar. Porque levei vida horrorosa.
He - Foi muito difícil. E a vizinhança?
SG - A vizinhança era muito bom. Muito boa.
He - E? Tinha outras famílias de judeus ou era quase…
SG - Ham?
He - Tinha outras famílias judias ou?...
SG - Morava numa rua e tinha a gente e mais dois famílias também judia, judeus.
He - Essas famílias, elas vinham de onde? De qual país?
SG - Uma família, eu sei, que até agora somos vizinhos, eu com a filha dessa vizinha, veio também da... Como se chama? Lodz, Lodz. não. A cidade chama-se Lodz, mas o país, não sei, não sei como e.
Pa - E a senhora chegou a trabalhar aqui no Rio?
SG - Eu trabalhei só em casa. Só Em casa. não tinha empregadas, não tinha... Tinha 3 filhos, não tinha babá, não tinha empregada, não tinha lavadeira, não tinha nada. Trabalhei sozinha tudo. Nunca tinha. Nunca tinha. E criei 3 filhos sozinha, sem ninguém. Nem babá, nem ladeira, nem empregada, nada.
He - A senhora teve problemas de se ambientar em Vila Isabel? Eu estava perguntando pra senhora sobre a vizinhança, a vizinhança não judia…
SG - Estava muito boa. Muito boa.
He - Muito boa. Nenhum problema?
SG - não. não tinha problemas nenhum. Muito boa. E as vizinhas gostaram tanto dos meus filhos! Gostavam.
Pa - E a senhora aprendeu rápido português, D. Esperança?
SG - Ham?
Pa - A senhora aprendeu rápido falar português?
SG - Mais ou menos. Por exemplo, uma vizinha queria... tudo que é queria, eu mostrei a ela e ela me disse como se chama.
Pa - E seu marido também, né?
SG - Por exemplo, eu queria comprar um galo. Era Iom Kipur, precisa "kapura'', queria comprar um galo pro meu marido. Entrei onde que mandaram... galinhas e disse... Galinha já sabia que galinha é galinha. Mas galo não sabia. Então, eu entrei e disse: eu quero marido da galinha. (risos) Eu quero marido de galinha.
Pa - E seu marido também, né. Porque se ele trabalhava com clientela; ele teve que aprender muito rápido e se virar com português.
SG - Ele também tinha dificuldade. A gente tinha dificuldade. Sabe como se diz em idiche? "(...)" Em iídiche se diz: “(...)" Quer dizer, botar ouro na parede. “(...)"
He - A senhora... a senhora ficou sentindo muita falta da sua família. Mas a senhora gostou do Brasil?
SG - Eu gostei. Eu digo a verdade, eu gostei. Se eu fosse nascida aqui, era bom. Mas eu não nascida aqui, eu tenho muita saudade da minha terra.
He - A senhora não conseguiu ver a sua mãe mais?
SG - Quando meu pai morreu, eu escrevi pra minha mãe, (que) eu quero que ela venha aqui. Ela me respondeu: você podia deixar tua terra santa, mas eu não. Eu não vou deixar. Eu quero ficar.
He - E o seu irmão ficou em Israel até…
SG - Até que ele casou foi pro Egito. E lá, ele vivia até... Em que ano que ele veio aqui? Em que ano que ele veio aqui?
PG - 57.
He - Migrou para cá? Ele era legal pra entrevista, de repente. Ele veio vivo? - não? - Obrigada. Vamos dar um intervalo?
(interrupção)
He - D. Esperança, como foi a educação dos seus filhos? Que tipo de educação a senhora quis dar a seus filhos? Como é que foi a educação deles? O que é que eles estudaram, o que é que eles fizeram? Quem são eles hoje?
SG - Eles estudaram, até ginásio, estudaram na escola hebraica.
He - Aonde?
SG - Aqui. Aqui.
He - Mas qual o nome, lembra?
SG - O nome da escola? Em princípio era junto, o primária e o secundaria. Era juntos. Até... Até o Pedro II…
(interrupção)
He - A senhora estava contando como e que foi a educação dos seus filhos. Fala mais alguma coisa.
SG - Eles estudaram, até o ginásio. Depois, ginásio, ele fez no Pedro II.
PG - Fui no Hebreu Brasileiro, durante algum tempo, e depois, escola pública.
SG - Quando ele fez ginásio, ele fez no Pedro II. E naquela época não precisava para entrar no conselho de geografia... Aí não precisava secunda... como se chama? Científico. não precisava. Ele tinha boa nota lá no Pedro II, e podia logo entrar.
PG - Isso já foi mais tarde. - não. não foi no Conselho de Geografia.
SG - Hum?
PG - não foi no Conselho de Geografia. Do ginásio Pedro II, eu fiz esse exame pra universidade, pra... não foi pro Conselho. Faculdade de Filosofia.
Pa - Todos vocês estudaram no Pedro II?
PG - não. Ela não. Ela fez... acho que ela fez secundária também na escola idiche.
(interrupção)
He - A senhora fazia Shabat em casa? Que tipo de festas judaicas a senhora fazia na sua casa?
SG - O quê? Shabat?
He - É. A senhora fazia Shabat, festa de Shabat?
SG - Então, fazia Shabat. Até agora faço Shabat.
He - Então, conta quais as festas que a senhora participa?
SG - Fazia Shabat, acendo as velas, mas não muito tarde, na hora que é possível. Quando ainda está muito claro. Mas nós temos um calendário, todo ano o Kerem Kaiamet dá todo ano um calendário... (toca a campainha) Com licença. Tenho que atender.
(interrupção)
Pa - A gente perguntou se a senhora manteve, então, algumas festas, algumas tradições judaicas em casa, né.
SG - Eu mostre tudo que eu tenho.
PG - Mostrou pra outra equipe. (fala em iídiche)
SG - Então, então.
He - Então, tá bom.
SG - Olha, a noite do Pessach, do "Seder'', a gente, da janela... eu tenho aqui...
PG - Vocês viram a mesa?
SG - Mesas e (...) Meu marido gostava muito de convidar gente.
He - Tem algum costume que a senhora trouxe de Israel nessas festas judaicas que seja diferente?
PG - Tem, meu pai usava um...
SG - Já mostrei. Já mostrei.
PG - Ela mostrou aquela equipe dos objetos.
SG - Já mostrei.
PG - (fala em idiche)
SG - Ela já viu.
PG - não confundir com"(...)". Ih, está gravando, e? Falando besteira.
He - É. Já está acabando, né. Agora, a senhora falou muito da sua avó, falou com muito carinho da sua avó…
SG - Eu gostava muito dela.
He - Por que é que a senhora gostava tanto dela?
SG - Às vezes eu chamava ela mamãe. (ri) Trocava, chamava ela mamae, mamae vovo.
Pa - Ela era mãe da sua mãe. - E o nome dela?
SG - E. - Sara.
Pa - Sara. Quer fazer uma árvore genealógica?
He - Que mais?
SG - Em primeiro lugar, porque não conhecia, de meu pai não conhecia ninguém, nem mãe nem pai, e da minha mae so única mãe, coitada. O pai também morreu muito jovem. não conhecia outro. E sempre fiquei com ela. Fiquei 6 anos com ela sozinha.
He - Mas qual era a educação que ela dava pra senhora? Ela era boazinha com a senhora?
SG - Ela? Era muito boazinha, mas muito... muito... eu não tinha...
He - Ela era severa?
SG - não. não. Mas tudo que ela disse, eu acreditava. Mas depois, sabe, a gente...
Pa - D. Esperança, a senhora não quer se lembrar muito o período no Brasil, no começo. A vida foi dura, né, que a senhora falou. A vida foi dura economicamente ou foi dura, assim, emocionalmente, que a senhora tinha saudade de Israel, a senhora estava com dificuldade de se adaptar no Brasil?
SG - Em todos sentidos. Em todos sentidos.
He - E a senhora queria voltar? A senhora pedia pro seu marido: "vamos voltar"?
SG - Meu marido voltou em 34. Em 34 ele foi. Eu pedi tanto. Disse: também quero ir. - Ainda minha mãe... não, meus pais ainda eram vivos. Os dois.
He - Mas o seu marido voltou por qual motivo? Para visitar?
SG - Pra ver se ele pode se adaptar lá. Ai, se ele vai se adaptar lá, ele mando o...
He - E ele fez isso porque a senhora pedia muito pra voltar?
SG - Eu pedi muito. Me leva também, com as crianças. Pelo menos a gente vê, eu vou ver meus pais, meus pais vão ver meus criancas. Ele não queria e foi sozinho. E ficou 10 meses. 10 meses ficou em Israel, sozinho, trabalhando. Trabalhando na prensa, lá em Tel Aviv. Mas ele escreveu que o que é que ele ganha vai dar pra vida, pode dar pra vida, mas estudar filhos não vai dar nada. E ele quer filhos estudiosos. Ele estava doido por ter filhos estudiosos.
He - Ele se preocupava muito com o estudo, ne.
SG - Basta que eu não estudei, mas eu quero filhos estudiosos. E voltou.
He - A gente perguntou sobre o marido, a vida do marido?
PG - Bom, eu vou indo já. Bom, a minha irmã vai ficar aqui, qualquer coisa que vocês quiserem... Até logo.
SG - Vá com Deus.
PG - Te vejo depois, de tarde.
SG - (iídiche)
PG - (em iídiche)
(interrupção)
He - Bem, aí o seu marido foi pra lá, passou 10 meses lá, disse que não ia poder voltar, e a senhora ficou muito triste, né, de não voltar para Israel. E ele teve sucesso, né, na educação dos filhos? Ele conseguiu que os filhos estudassem?
SG - não está vendo? (ri) Ela e médica...
He - Mas aqui o gravador…
SG - ele e grande geográfico... (geógrafo) Geógrafo (Filho Pedro). Grande geógrafo, ela é médica... (filha Eva)
Pa - A senhora chegou a viajar para Israel? A senhora voltou?
SG - Foi. Foi com ela, em 68. Gostei muito. O único prazer na minha vida que eu tinha.
He - Tem mais alguma coisa?
Pa - Acho que a gente pode encerrar. Ela deve estar cansada.
He - A senhora quer falar mais alguma coisa? Complementar? Quer falar mais alguma coisa?
SG - Chega. Por hoje chega. Por hoje chega.
He - Tá. Então, tá. Então. Acabou-se.
[Fim da entrevista]
Recolher