Correios – 350 anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Joel Gomes da Silva
Entrevistado por Karen Worcman
Laranjal do Jari, 25 de julho de 2013
HVC052_Joel Gomes da Silva
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
Quem é
Joel Gomes da Silva nasceu na cidade de Pindaré-Mirim, no Estado do Maranhão, em 1971.
Viveu sua infância entre Pindaré-Mirim e Santa Inês.
Aos 18 anos migrou para a região do Vale do Jari para trabalhar cortando eucalipto.
Em 1998 mudou-se para a cidade de Laranjal do Jari, trabalhando no Projeto Piralho, com crianças e adolescentes em um grupo de teatro.
Foi secretário municipal do meio ambiente, gerente Local do Pescap, agência de Pesca do Amapá e atuou na Recid, Rede de Educação Cidadã.
Aos 25 anos começou a escrever poesia.
Estudou Teologia e juntos com amigos montou a Academia Laranjalense de Letras.
Sinopse
Em seu depoimento Joel recorda sua infância nas cidades de Pindaré-Mirim e Santa Inês.
Ele lembra quando mudou para a região do Jari, para trabalhar e em busca de melhores condições de vida.
Conta seu envolvimento com o movimento estudantil secundarista e com teatro.
Recorda seu envolvimento com política e com ONGs.
Com muita convicção fala sobre a criação da Academia Laranjalense de Letras que ajudou a fundar com amigos de Laranjal do Jari e como ajudou a montar a biblioteca da Academia.
História de vida
P/1 – Eu queria começar perguntando tudo de novo, seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Joel Gomes da Silva, nasci numa cidade chamada Pindaré-Mirim, no Estado do Maranhão, no dia 8 de dezembro de 1971.
P/1 – Onde fica essa cidade?
R – Mil novecentos e setenta e um.
P/1 – Século passado.
Onde fica essa cidade, Pindaré-Mirim?
R – Pindaré-Mirim fica no Estado do Maranhão.
P/1 – Eu sei, mas fica perto do quê?
R – Fica próximo, oito quilômetros da Cidade de Santa Inês.
P/1 – Que é longe do litoral? É no litoral? Como é que é?
R – Pindaré, ela tem um rio chamado Rio Pindaré, a cidade também do mesmo nome, Pindaré, e a região chamado Vale do Pindaré-Mirim, lá chama-se de baixada, a baixada do Pindaré-Mirim, aquelas cidades que ficam à margem do Rio Pindaré.
P/1 – Pindaré quer dizer o quê? Você sabe?
R – Na língua indígena quer dizer pedra pequena.
P/1 – Como é essa região é bonita? É pobre? Quente? Você morou lá até que idade?
R – Eu saí de lá com 16 anos de idade, nós mudamos para Santa Inês, em Santa Inês eu fiquei até os 18, completei 18 anos em dezembro, no mês de fevereiro, dia 4 de fevereiro eu vim para cá, para o norte, para região aqui do Vale do Jari.
P/1 – Então, quer dizer, você passou oito anos lá em, 16 anos em Pindaré.
R – Isso, 16.
P/1 – Então você sabe bastante coisa de lá, me conta como era esse lugar.
R – Olhe, o lugar é uma cidade que parte da economia está baseada no pescado e não tem grandes indústrias.
Agora no turismo, que ao meu ver, até hoje não é trabalhado, que lá tem uma antiga fábrica de açúcar do tempo dos escravos, é uma cidade que tem a presença bem forte do negro e o prédio está até hoje lá, que era conhecido como Engenho Central.
E Santa Inês não era cidade, Pindaré-Mirim é uma cidade quase centenária, tem mais de 90 anos.
P/1 – Os prédios são, assim, históricos lá?
R – Tem esse prédio, o prédio onde era a usina, onde os escravos faziam açúcar e Santa Inês era o canavial, então, o primeiro nome de Santa Inês era Ponta da Linha, era um povoado chamado Ponta da Linha, porque tinha um trem que carregava a cana, então por isso aonde findava, daí o nome Ponta da Linha.
E, aí, depois a BR-316 passou mais próximo de lá do que na cidade Pindaré-Mirim e impulsionou o crescimento de Santa Inês, então, hoje Santa Inês deve ser a quinta cidade do estado e Pindaré não chega a 100 mil habitantes, não cresceu tanto como Santa Inês.
P/1 – Como é o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
R – Olha, o nome do papai é André Gomes da Silva, ele é piauiense, nasceu no Estado do Piauí, mas com uns dez anos de idade mais ou menos, o vovô mudou-se para o Estado do Maranhão, então o papai ele se sente mais maranhense do que piauiense.
P/1 – Você sabe por que seu avô mudou? Qual é a história do seu pai um pouco?
R – Acho que nós brasileiros temos uma tradição de saber pouco da nossa história, então eu não cheguei a conhecer, pelo fato de ser o filho mais jovem da família, nós somos quatro irmãos, duas irmãs e dois irmãos e sempre foi distante do primeiro para o segundo, o meu irmão mais próximo de mim, ele é mais velho do que eu 12 anos.
Então quando eu nasci eu já não conheci o avô paterno e o materno, conheci as duas avós, os avôs não.
P/1 – Por que os seus pais tinham filhos bem espaçados?
R – Sim.
P/1 – Por que isso? Não é normal, isso não é comum.
R – Eu também não sei precisar o porquê.
P/1 – Mas o seu pai, o que ele fazia?
R – Papai sempre foi lavrador, hoje agricultor, antes as pessoas sempre chamavam lavrador, ele sempre trabalhou, cultivou a terra, hoje ele mora em uma cidade chamada Santa Rita, próximo de Miranda no Estado do Maranhão, e continua trabalhando com horta, tem mais de 85 anos de idade já.
P/1 – Como ele é? Ele cultiva o quê?
R – Hortaliças, no momento hortaliças no quintal, verduras: alface, cebolinha, coentro.
P/1 – Mas na época que você era criança ele também fazia isso?
R – Não, ele trabalhava no roçado mesmo.
P/1 – Era roçado de quê?
R – Roçado de mandioca, arroz, feijão.
P/1 – Você chegou a trabalhar no roçado com ele?
R – Não, eu trabalhei com ele já em 85 em horta, no roçado eu nunca trabalhei.
P/1 – Então, ele sempre fez isso, era agricultura?
R – Sim.
P/1 – E a sua mãe?
R – A mãe no lar mesmo, sempre trabalhou em casa, também para ajudar na renda trabalhava com bordado e essas toalhas para cozinha, toalha, roupa também.
P/1 – Me conta, assim, como é que era um pouco a casa de vocês? Onde ela ficava? Era grande? Pequena?
R – Olha, a nossa casa na cidade de Pindaré, a que nós moramos até o ano de 86, era uma casa simples, feita de que chamam de sapê, pau-a-pique e barro e coberta com palha de babaçu, coco babaçu, que lá você tira o olho do coco, da palmeira, abre e cobre a casa.
Aí, nós mudamos para Santa Inês, também era uma casa em um bairro chamado Jardim Tropical e também era uma casa de sapê.
Houve um tempo que a mamãe se aposentou e aí deu um problema, ela passou dez anos sem receber aposentadoria e ela conseguiu ganhar na justiça, então, voltou a aposentadoria, sendo que os dez anos que ela passou sem receber ela recebeu tudo corrigido, aí, ela conseguiu comprar uma casa no centro de Santa Inês, uma casa de alvenaria.
P/1 – Aí vocês mudaram para lá?
R – Não, eu já estava para cá, eu já vivi mais tempo na minha vida aqui do que na minha terra natal.
E, aí, a família mudou-se, a maior parte da família mudou-se para São Luís, Santa Rita, que é uma cidade que fica próxima de São Luís e, aí, ficou apenas a mamãe e uma irmã em Santa Inês e, aí, essa minha irmã que ficou em Santa Inês comprou casa em São Luís, então, para mamãe não ficar só lá em Santa Inês ela acabou mudando-se ano passado para cidade de Santa Rita.
P/1 – A sua mãe e o seu pai não são mais casados?
R – São, o papai morou bastante, muitos anos numa cidade aqui próxima, no Estado do Pará, chamada Monte Alegre, só que oficialmente, eles passaram um tempo distanciado, mas oficialmente continuavam casado, nunca houve uma separação nesse sentido.
P/1 – Mas e a separação de intenção houve? Eles não são casados?
R – São.
A mamãe sempre esperava ele, e eu tenho um irmão, que meu irmão mora, que morou muito tempo em Monte Alegre, hoje mora em Alenquer e ano passado papai retornou para casa.
P/1 – Ele voltava sempre assim mesmo quando ele ficava fora?
R – Teve vez dele passar cinco anos sem retornar, agora ele passou, ele veio para cá em 96 e retornou agora em 2011.
P/1 – Vixi!
R – Muito tempo.
P/1 – É, muito tempo, e aí ficava a sua mãe e na verdade vocês foram criados pelos dois ou por ela?
R – Os meus irmãos, eles tiveram a presença paterna, eu não tive.
P/1 – Não porque ele já tinha saído?
R – Sim, ele saiu várias vezes, é curioso que a primeira vez que ele saiu quando ele retornou eu não conhecia, eu chamava de pai o meu irmão, que eu chamava de pai, aí, ele saiu novamente, quando retornou eu também não reconheci.
Aí, pela terceira vez que ele saiu quando retornou, aí, eu já continuei reconhecendo, porque eu já tinha 14, 15 anos de idade, aí, não tinha como, podia passar vários anos, não tinha como perder a feição.
Mas, assim, criança, adolescente eu não tive presente a figura paterna, eu até cheguei a pensar, durante muito tempo, que eu teria sido a causa da separação, porque quando eu nasci ele saiu, então, isso acaba pairando esse pensamento.
P/1 – Você chegou a checar isso se é verdade isso ou não?
R – Sim, eu fugi de casa uma vez, porque em casa tinha uma história e eu queria saber o outro lado da história, toda a realidade tem mais de uma história, eu cheguei a fugir de casa e não sabia para onde ficava Monte Alegre e sai e consegui chegar depois de dois meses.
P/1 – Com quantos anos você fez isso?
R – Dezesseis.
P/1 – Ah, conta para mim.
R – Eu fui atrás dele, eu queria ouvir a versão dele, aí eu ouvi a versão dele, ouvi o meu irmão falando, então, havia falhas de ambas as partes.
P/1 – Então qual era a história da sua casa? Depois você conta a que ele te contou.
Quais eram as duas versões?
R – A versão era assim, tem algumas coisas até difícil de entender, eu faço parte de uma família que está na quinta geração de pessoas evangélicas, então, o papai ele seria consagrado a pastor e, aí, por duas vezes ele rejeitou, ele não disse não, mas criou algumas situações.
A primeira vez ele, o dia que estava marcado ele viajou, a segunda vez, eles moravam em uma cidade chamada Monção, que fica próxima de Pindaré, e a minha irmã mais velha casou e mudou para outra cidade, que é no caso Pindaré-Mirim, e a mamãe achou que queria seguir a filha, mudar e não conseguiu se entender com papai e ela acabou convencendo papai e mudaram.
Então, quando chegou uma comissão de pastores para consagrar o papai a pastor ele já tinha mudado de cidade, então, as regras internas das convenções da igreja acabou implicando, então ele ficou com aquela mágoa que não tinha sido consagrado, aí dizia que a culpa teria sido da mamãe.
E ele algumas vezes saiu, o meu irmão tinha saído, tinha fugido de casa, ele foi atrás por várias vezes.
P/1 – O seu irmão fugiu de casa enquanto o seu pai estava em casa?
R – Isso.
P/1 – Ele fugiu por quê?
R – Ele tinha vontade de conhecer a região do norte, que era muito falado o Estado do Pará e foi basicamente isso que ele me contou.
E o papai utilizando essa desculpa de ir atrás do filho, que é um filho, foi atrás, passou um certo tempo para encontrar, mas encontrou.
Só que antes ele teve notícia que meu irmão estava em Altamira, no Estado do Pará, quando ele chegou em Altamira, isso nos anos 70, no final dos anos 70, ainda era ditadura militar, o meu irmão estava servindo o Exército em um quartel lá em Altamira e tinha fugido, ele desertou.
Então, esconderam papai, papai passou um tempo lá em Altamira escondido, temendo que o Exército fosse atrás dele entendendo que ele poderia saber onde o filho estava, então, ele saiu de lá e conseguiu encontrar o meu irmão em Monte Alegre, no interior de Monte Alegre que ele estava escondido.
P/1 – Ele tinha fugido do Exército?
R – É, tinha fugido, e aí ele passou, meu irmão casou em Monte Alegre e, aí, papai passou um bom tempo.
P/1 – Não voltou mais.
R – Não, passou uns cinco anos, aí que ele retornou, então quando ele estava aqui, aí em Monte Alegre, e aquela história, olha, que o papai tinha saído de casa, que as famílias mais humildes tem, talvez não seja as famílias mais humildes, mas registra os eventos da criança, tal dia o meu filho sentou, tal dia deu o primeiro passo, então, a mamãe disse que no dia que eu sentei o papai viajou, o papai saiu.
Então, quando ele retornou há mais de cinco anos eu não tinha como reconhecê-lo, sendo que essa já foi a segunda vez, quando ele se deparou com essa situação que o meu irmão tinha desertado, já foi a segunda vez que ele tinha saído.
E aí, como eu falei anteriormente, eu fui crescendo me perguntando e não tinha resposta, será se eu não fui o causador dele ter saído? E aí quando eu cheguei que eu conversei com ele, ele contou a versão dele e meu irmão, aí o meu irmão me contou, disse: “Olha, tu era criança, ou antes de tu nascer, aconteceu isso, isso e isso, o papai nesse aspecto errou, a mamãe também errou, um momento foi papai e um momento foi a mamãe, então, estão zerados”.
Aí, pelo fato de ser o filho mais novo, eu nunca entendi o fato de que a minha família, assim, pai e mãe e irmãos, às vezes eu esperava em algum momento eu me aconselhar com eles e tem momentos que eu que aconselho eles.
Aí, teve um dia que nós reunimos e eu pedi para parar com isso, porque não chegava a lugar nenhum, o que passou, passou, se um errou, o outro errou.
P/1 – Mas eu não entendi, então, a versão da sua mãe era que ele tinha ido buscar o irmão?
R – Sim.
P/1 – E a versão do seu pai qual foi?
R – A versão dele é que a mamãe era muito enjoada, mas que não justificava, porque na verdade para compreender essa questão, vamos dizer religiosa, seja Umbanda ou outra, cristão, Assembleia ou outra igreja, tem aquelas pessoas que fazem parte, que são fiéis e nada mais disso, e tem aquelas pessoas que costumam dizer que têm um chamado, ou seja, é como se fosse um chamado especial para galgar alguns espaços, e tem pessoas que não têm chamado nenhum e acha que tem.
E, aí, aquelas que têm, não é tão fácil, a carga não é tão fácil, tem cobrança, uma série de coisas, e aí o papai temia isso, ele sempre, os lugares que ele morou, ele sempre estava, em alguns ele era o líder da comunidade, era o líder da igreja local, então isso acaba reunindo responsabilidades e em algum momento isso vai pesar, porque em algum momento você vai agradar alguém e desagradar.
P/1 – Ele temia o que? Ele ser chamado e ele ter que assumir isso?
R – É complicado entender, porque ao mesmo tempo em que ele gostava, temia.
Então, ficava nesse dilema, quando em 96 eu estava aqui, aqui na região do Vale do Jari, e ele chegou aqui e queria que eu fosse para Monte Alegre, eu disse que eu não tinha como, eu não gostaria de ir para Monte Alegre, ou ele ia para Monte Alegre ou retornar para Santa Inês com ele, aí eu disse que eu gostava daqui e queria permanecer aqui.
E, aí, depois eu fiquei sabendo, ele não me contou, mas eu fiquei sabendo, porque assim, na igreja você tem o que chamam de obreiro, você tem o auxiliar, aí depois você tem o diácono, você tem o presbítero, que já está ali perto do pastor e depois você pode ter o pastor evangelista e um pastor.
P/1 – Então são as etapas que você corre?
R – Isso, então o papai era diácono, ele já estava na segunda etapa, ele era diácono e ele ia assumir o cargo de presbítero, então, ele achou melhor sair para não assumir o cargo de presbítero, e isso tem uma consequência.
P/1 – Qual é a consequência?
R – Isso é muito místico, é muito místico e a consequência é, se o exército de um país é muito grave o soldado deserdar, é mais grave na questão religiosa quando a pessoa abdica de algo, é muito mais grave.
P/1 – O que acontece? Ela é considerada o que pela comunidade?
R – Se fosse apenas pela comunidade seria ótimo, é mais uma questão mística mesmo e espiritual, uma coisa assim, que está em outro mundo.
P/1 – Ela é punida?
R – Sim, é punida.
P/1 – Punida por Deus? Me explica, realmente, eu não entendo nada disso.
R – Por isso que eu falo que é complicado, porque como você diz: “Ah, o fulano não, ele rejeitou e ele foi punido por Deus”, como, por exemplo, quem não acredita em Deus vai acreditar nisso, então parece uma fábula, uma fantasia, mas são situações reais para quem acredita, para quem dá o valor, para esse tipo de coisa.
P/1 – E o seu pai, ele acreditava em tudo isso, era importante para ele?
R – Sim, acredita até hoje.
P/1 – Ele só não foi aceitando, não foi crescendo, vamos chamar, na igreja por quê?
R – Devido essa indecisão dele, gostava, queria e ao mesmo tempo não queria e, aí, acaba, por exemplo, olhe só a punição física, se ele saiu da cidade, passa cinco anos ou mais tempo para não aceitar aquela situação, olhe só, olhe só a punição, é punida a esposa, é punido os filhos.
P/1 – Vocês foram punidos por isso?
R – Sim, eu penso, não querendo me vitimar, mas eu acho que nesse caso eu fui o mais prejudicado, porque eu fui o único que não tive ali a presença do pai, e isso é muito importante, você ter a figura masculina, mas, assim, eu falo isso, eu não tenho rancor, não tenho raiva não, foi uma situação que aconteceu e sei que não sou o único no mundo, mas também isso não é um consolo: “Ai, eu sei que eu não sou o único no mundo”.
P/1 – Então, para você o que você lembra na sua infância e até adolescência, como que você sentia isso tudo? Você se sentia mal? Qual é a sua lembrança desse período dessa história?
R – Eu lidava bem com a situação, porque a minha mãe ela me disse por várias vezes que eu sou diferente, diferente dos irmãos, diferente das pessoas, eu não tenho tanto problema, vamos dizer assim, em ter muitos amigos ou poucos amigos, a solidão que muita gente sente eu não sinto.
Às vezes, por exemplo, um jogo de futebol, eu gosto de futebol, eu prefiro assistir só sem comentários, assistir só, lógico que se tiver um grupo de amigos para assistir eu não vou me isolar e tal, mas na medida do possível, um filme, se eu gosto de um filme eu prefiro assistir só.
Eu não sei se isso é influencia da poesia, porque a produção literária, ela é quase 100% solitária, você e o papel, você e o computador, e quanto a isso eu não tive tanto problema, porque tinha ali a presença da mamãe, da minha irmã que casou e morava próximo, meu cunhado, mas como ser humano você acaba sentindo.
P/1 – Então, quer dizer, você cresceu, você ficou um pouco isolado da comunidade? Você se sentia isolado? Vocês iam para igreja? Vocês continuaram fazendo tudo isso, como é que foi?
R – Olhe, nós íamos para igreja, eu era o mais novo, então em casa estava eu e a mamãe.
P/1 – Só você, morava você e sua mãe?
R – Isso, só nós dois, brincar com o filho do vizinho eu não ia e se o filho do vizinho chegasse lá em casa mamãe perguntava se era alguma coisa: “Não, eu quero brincar com o Joel”, “Não, ele não tem irmão”, o pensamento, aquele pensamento: “Ele não tem irmão, ele brinca só, quando os sobrinhos dele crescerem ele tem os sobrinhos para brincar”.
P/1 – Ela não queria que você brincasse com os vizinhos?
R – Sim.
P/1 – Por quê?
R – É a cultura dela, no pensamento dela estava me dando uma boa criação, para evitar influência alheia, quando os meus sobrinhos cresceram não resolveu, porque eu ia brincar com eles já com uma responsabilidade de que eles não fizessem mal feito, ou seja, já não era uma brincadeira ali inocente, era uma brincadeira com responsabilidade da minha parte.
P/1 – Então você brincava muito só?
R – Sim.
Aí, a igreja, eu comecei estudar, na época chamava o primário, eu comecei a estudar em 81, olhe só, eu nasci em 71 e comecei a estudar em 81, a minha mãe e minha irmã me ensinaram a ler e escrever em casa, mas aí só depois que a mamãe foi perceber que isso não era o aconselhável, aí me levaram para escola, eu com dez anos de idade fazendo o primeiro ano.
P/1 – Você chegou sabendo ler?
R – Sim, ler e escrever.
Eu não passei o que hoje chamam os primeiros anos do ensino fundamental, que antes chamava o jardim de infância, não foi trabalhada a minha coordenação motora na pintura, eu não passei por isso e isso depois foi na caligrafia, eu tive problema na caligrafia.
Então, aí eu começo a estudar tarde, o primeiro dia que eu fui à escola mamãe me levou, e eu sempre fui tímido, eu estava aqui e ela fora da sala de aula em um lugar que eu pudesse visualizar.
P/1 – Foi assim seu primeiro dia?
R – Sim, o primeiro dia, o segundo dia já não foi assim, porque ela teve que tomar uma providência, mas eu queria que fosse assim, aí depois não, eu fui.
P/1 – Como foi essa sensação de repente você ficar muito sozinho em casa, aí você chegou naquela escola um monte de gente, o que te deu?
R – A minha segurança, a segurança que eu sentia era que a diretora na escola era irmã do meu cunhado, então ali era o meu porto seguro na escola, porque eu preferia ficar em casa, escrever em casa, ler em casa, brincar em casa, fazendo moeda, pegava um pedaço de papel, inventava ali uma moeda, tanto, como se fosse várias pessoas, negociando, a moeda circulando e tal.
P/1 – Você com você mesmo?
R – É, eu e vários eus.
P/1 – E, aí, depois na escola como foi a sua relação com os meninos?
R – Foi boa, agora, assim, eu costumo dizer que eu não acredito em criança, porque eu já fui criança, apesar de ser muito tímido, mas também traquina, aquele tipo que as pessoas dizem: “Olha, o fulano é igual gato, joga”, não: “O fulano joga pedra e esconde a mão”.
Eu lembro que um dia, nesse tempo ainda tinha régua na escola.
P/1 – Para mau comportamento?
R – Isso.
E eu apanhei ainda uma vez de régua, eu mereci, talvez não apanhar, ser repreendido, é que eu mastiguei papel e joguei no colega e errei e caiu na mesa da professora aquele papel mastigado, aí: “Quem foi, quem foi?”, “Olha, foi o Joel”, aí peguei uma repreensão aqui através de um régua.
E, aí, eu tinha a memória muito boa, primeiro, segundo ano, terceiro, por aí, eu não ficava de recuperação, aí aos 14 anos eu tive um problema, que hoje chamam derrame e, aí, de lá para cá a memória ficou, até o ensino médio, recuperação, recuperação, recuperação.
P/1 – Você teve um derrame no cérebro?
R – Sim.
P/1 – Tão novinho!
R – Pois é, fui o primeiro da família.
P/1 – Você sabe o motivo, não?
R – Não, não sei.
P/1 – Aí você ficou com o que?
R – A sequela, a vista, que eu uso óculos, mas para longe, para próximo eu tenho que tirar os óculos, de dois metros para frente que eu preciso dos óculos e o olfato, eu não sinto como todas as pessoas, eu tenho um problema, não sinto bem.
P/1 – E a memória? Você piorou sua memória, foi isso?
R – Sim, porque às vezes tem algumas coisas que eu tenho que anotar, e eu não consigo, assim, fixar, eu sempre gostei de teatro, mas não consigo decorar os textos, após esse, já fiz oficina de teatro aqui no Estado do Amapá, mas eu acabei não militando no teatro por conta disso, até que ajudar a criar o texto, ajudar a dirigir, tudo bem, agora, decorar, e aí para ser espontâneo é difícil.
P/1 – Mas me conta um pouco, você é poeta?
R – Sim.
P/1 – Quando você começou a escrever poesia?
R – É interessante a história, porque assim, a mamãe comprou para mim uma cartilha, chamada Cartilha do Nordeste, então ela, como eu falei anteriormente, ela me ensinou a ler, ela e minha irmã, então lá tinha aquela história: “O meu filho já leu a cartilha, agora ele está recordando, recordando é ler novamente”.
Então, eu li a cartilha uma vez e recordei duas ou três vezes, então, aquelas histórias de Monteiro Lobato que tinha na cartilha e outras histórias eu achava interessante.
P/1 – Você lia sozinho?
R – Lia.
Depois que eu aprendi eu lia só, e eu começava a criar algumas histórias, e eu me perguntava o que a pessoa deveria fazer para escrever, o que a pessoa deveria fazer, como ser um poeta, como ser um escritor.
Mas talvez pelo fato de ser tímido eu tive algumas perguntas que eu passei três, cinco anos, que eu não perguntava para ninguém, em algum momento eu tinha a resposta, e já em 86.
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P/1 – Quer dizer, a primeira vez que você começou a se interessar e a surgir essa pergunta você tinha mais ou menos que idade?
R – Acho que uns 12 anos, uns 12 anos de idade, e aí eu perguntei, em 86 eu fiquei reprovado, eu fiquei reprovado e um certo dia a professora de Português pediu que todo mundo, um aluno ia fazer a leitura e os demais acompanhando leitura, após a leitura a professora fez um comentário e uma aluna fez a pergunta que há mais de cinco anos eu queria fazer, mas não tinha coragem de fazer.
Ela disse assim: “Professora, o que a pessoa deve fazer para escrever essas histórias”, aí aquilo chamou a minha atenção para resposta da professora e a professora, convicta, disse: “Olha, a pessoa tem que primeiro estudar cedo, começar a estudar cedo”.
Aí eu pensei: “Estou fora, comecei a estudar tarde”, “A pessoa não pode repetir nenhum ano”, eu estava repetindo naquele ano, e ela falou mais três critérios que eu não me enquadrava em nenhum, então eu fiquei com aquilo em mente: “Eu não posso, não posso”, não questionei, não fiz nenhuma pergunta.
Isso levou mais de dez anos, eu com aquele pensamento: “Eu não posso” e tal, aí eu já estava aqui na região quando eu comecei a ler o Patativa do Assaré e a Cora Coralina, aí eu comecei refletir: “Ah, aquela professora passou uma mensagem que não é do jeito que ela passou”, o Patativa estudou até a terceira série parece, até a quarta e uma vez perguntaram para ele, porque ele parou de estudar, ele disse: “A escola não tem o que me ensinar, não tem o que contribuir”.
Aí, eu tive um grande prejuízo, porque algumas histórias que eu tinha em mente estava pela metade, aí eu comecei escrever em 96, 96 que eu comecei a escrever.
P/1 – Com mais ou menos 25 anos?
R – Isso.
Eu comecei escrever e aí depois, eu acho que quase cinco anos, que eu fui descobrir que o primeiro texto que eu fiz foram dois sonetos, e hoje eu tenho uma pré, eu gosto muito do soneto, está com mais de dez anos que eu não consigo escrever, talvez seja bobagem, talvez eu nunca consiga escrever outro tipo de literatura que não seja o soneto.
Quando eu saí de casa.
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P/1 – Então, me conta essa sua saída de casa.
R – Eu tenho um roteiro, e eu tenho um roteiro: “Eu vou na casa do fulano, tenho tal compromisso”, se o primeiro, isso não é superstição, mas se o primeiro lugar que eu ia não dá certo eu fico desorientado, mas eu faço um esforço muito grande para que ninguém perceba isso, aqui essas casas de acesso à internet, que chamam lan house, eu sempre ia em uma e sempre usava a mesma máquina, parece que se eu for usar outra máquina não dá certo e tal.
Não é superstição é algo, não sei, então superar tudo isso, complexo, na infância e adolescência eu tive, tinha um complexo de inferioridade, mas agradeço a Deus que eu consegui superar.
P/1 – Mas eu queria entender, quer dizer, até os 16 anos você ficou então lá nessa cidade, na escola, você repetiu, mas você ficou por ali?
R – Sim.
P/1 – Aí você saiu de casa quando?
R – Sim, eu saí com 16, justamente quando nós mudamos do Pindaré para Santa Inês.
P/1 – Mas daí você saiu de casa ou você foi para Santa Inês junto com a família?
R – Não, nós fomos para Santa Inês, então lá em Santa Inês, no período das férias do ano seguinte, é que eu saí de casa, que eu fugi, para ir atrás de papai para saber a versão da outra história, quer dizer, a outra versão da mesma história.
P/1 – E, aí, o que você fez em seguida? Você encontrou o seu pai, ele te contou e aí o que aconteceu?
R – Nós retornamos.
P/1 – Você trouxe ele de volta?
R – Sim.
P/1 – E, aí, como é que foi a vida nesse momento?
R – Olha, quando nós retornamos foi, para mim era uma glória, ter o pai e a mãe juntos novamente e, aí, foi muito bom, mas aí ele passou uns seis meses, a mãe dele, a vovó ainda estava viva e morava em um lugar chamado Cantanhede, no Estado do Maranhão, e ele foi para lá, ele passou uns seis meses para lá trabalhando de horta, e nas férias eu ia para lá com ele, ficava com ele.
E aí ele resolveu retornar para casa, aí ficou assim, o certo é que eu penso que o maior tempo que ele está passando ele e a mamãe juntos são agora, que eles estão nessa cidade chamada Santa Rita.
P/1 – Mas aí você ficou lá, você trabalhava, estudava, escrevia, como é que era a sua vida nessa época, 16, 17 anos?
R – Olha, foi a parte mais difícil, porque aí eu já tinha saído daquele raio de ação só casa, escola, igreja, já tinha mais amizade, influência de amizade para bebida e para outras coisas.
Eu era cobrador de uma autopeça, de uma casa que vende peça para carro, lá em Santa Inês, chamado Grupo Brasil, é um empresário que tem a casa de autopeça, tem a oficina, na época tinha uma serraria e outros empreendimentos.
E no natal de 97, se eu não me engano, uns funcionários, acabaram organizando o que para lá chamam de meia-noite, que é aquele período ali da passagem do natal, e tradicionalmente isso acontece na igreja, os fiéis vão para igreja e ficam lá até depois dessa passagem do natal, do ano novo.
E eu enganei a mamãe, eu disse: “Eu vou tomar um banho”, ela disse: “Eu já estou atrasada”, eu disse: “Eu vou tomar um banho depois eu vou” e eu já tinha tomado banho, ela saiu para igreja e eu fui para casa dos amigos, aí tomei uma cerveja e não dei conta de voltar (risos), aí me levaram para casa, então isso me custou caro, porque ela não acreditava em mim.
P/1 – Mais.
R – É, eu perdi a confiança dela, para ela para onde eu ia quando eu chegava eu estava cheirando a bebida, que tinha bebido, lá essa foi a única vez que eu bebi e por isso que eu falo, custou muito caro, porque você perder a confiança de alguém não é coisa boa.
E emprego, esse não era carteira assinada, eu não tinha idade para ter carteira assinada, eu tinha amizade com um policial da Polícia Rodoviária Federal e um dia eu ouvi ele dizendo que o gerente da empresa Itapemirim era amigo dele e tinha falado para ele que se ele tivesse algum amigo ou parente desempregado para ele indicar, que ele dava um jeito.
Então, eu ouvi esse policial conversando perto de um campo de futebol, conversando com os amigos e aí passou uns dias eu procurei ele quando ele estava só e falei, disse: “Olha, eu ouvi, nós não temos uma amizade tão forte, mas eu moro só mais a minha mãe, não estou trabalhando, meu pai não está em casa”, aí pedi uma força.
Aí ele me levou lá na garagem da empresa, o gerente não estava, aí nós fomos à casa do gerente, o gerente tinha saído para empresa, aí ele me deixou na empresa e disse para um funcionário, disse: “Olha, quando o gerente chegar diz que esse rapaz é um candidato meu”, aí eu fiquei, aí o gerente chegou, aí o funcionário disse: “Olha, esse aqui é um candidato do Monteiro”, que era o nome do policial.
P/1 – Daí o negócio da garagem.
R – Sim, aí o gerente disse: “Faz a ficha dele”, ou seja, eu já ia ser, como dizem, fichado, já ia começar a trabalhar, aí o rapaz começou me fazer algumas perguntas, pegar os dados.
Aí, o gerente abriu a porta, ficou me olhando e disse: “Tu tem quantos anos?”, eu estava com 17 anos e seis meses de idade, eu disse: “Eu completo 18 em dezembro”, ele disse: “Olha, eu lamento, mas a empresa tem uma norma, só quando completar 18, quando tu completar 18 anos tu retorna aqui, nem precisa tu ir lá com o Monteiro, tu retorna aqui”.
Aí sim, cheguei em casa, falei para mamãe: “É, falta seis meses”, quando completei 18 anos eu retornei lá, que era o combinado, ao chegar a empresa tinha mudado de norma para 21 anos de idade (risos).
E, aí, apareceu a oportunidade de vir para cá, para essa região, eu tinha uma prima que morava aqui e um primo e o meu primo foi passar as férias lá, aí me convidou, e dia 4 de fevereiro do ano de 1990 eu vim para cá, eu vim passar três meses, aí passei dois anos.
P/1 – Você veio para?
R – Trabalhar.
P/1 – Em quê?
R – Na época trabalhar nas áreas que a empresa, que a Jari tem, de eucaliptos, na época pinho, era cortando, roçando, cortando.
P/1 – Cortando eucalipto?
R – Não, o mato que tinha na fileira dentro do eucalipto.
P/1 – Aí você veio fazer isso?
R – Isso, utilizando, aqui eles chamam trançado, o facão, cortando, nós éramos um grupo de 13 pessoas da mesma cidade e nessa época você já vinha com a carteira assinada de lá, fazia os exames, então já vinha certo para trabalhar, aí eu vim passar três meses, passei dois anos.
P/1 – Fazendo o roçado, o que você ficou fazendo?
R – Eu trabalhei.
P/1 – Capinando.
R – Eu trabalhei cortando uns dois meses.
P/1 – E dali?
R – Aí nós resolvemos, boa parte foi embora, e nós ficamos, dessa turma da mesma cidade, ficamos três pessoas, aí tinha uma vila aqui chamado Vila de São Miguel, onde a minha prima morava, e eu fui para lá, aí, lá eu trabalhava na própria vila, tinha duas turmas, uma turma que trabalhava pintando as casas e outra turma que fazia serviços gerais na vila, então, eu fazia parte dessa turma que fazia.
P/1 – Para a empresa também?
R – Isso, era uma espécie de uma terceirizada, tem a empresa Jari e tinha na época tinha um que chamado SASI, que era Serviços Silviculturais, eu não lembro o restante.
Aí, eu fui onde a mamãe, passei três meses e vim para cá, passei oito anos, aí retornei lá.
P/1 – Sempre trabalhando nisso?
R – Não.
P/1 – Aí o que aconteceu?
R – Aí eu já comecei a trabalhar, eu pegava aqui mudas, pé de café daqui da região, levava para Monte Alegre, trabalhei um pouco com vendas.
E, aí, como no São Miguel não tinha escola de nível médio, só tinha do nível fundamental e eu fiquei impossibilitado de todas as noites vim para o Monte Dourado estudar para concluir o ensino médio, então, aí eu retorno, passei um mês lá com a mamãe, aí vim para cá, aí estou aqui.
P/1 – Mas aí você, além do ensino médio, você depois ainda fez faculdade, me explica melhor isso.
R – Sim, já foi aqui.
P/1 – Trabalhando, me conta como é que foi.
R – Em 98 eu mudei para cá para o Laranjal, então eu comecei trabalhar, aqui no estado tinha, a justiça do estado tinha um projeto chamado Projeto Pirralho, que era um trabalho para criança e adolescente que estão em vulnerabilidade social, então tinha várias oficinas, teatro, de dança, de artesanato, e aí eu fui convidado para coordenar a oficina de teatro, pela experiência que eu tinha.
P/1 – Você já fazia teatro?
R – Sim, pela experiência que eu tinha e pela oficina que eu tinha feito pela Federação Amapaense de Teatro, isso me ajudou para que eu trabalhasse na oficina de teatro do Projeto Pirralho.
Depois disso eu trabalhei, isso já bem depois, eu fui Secretário Municipal de Meio Ambiente aqui do município, isso dez anos atrás, depois eu fui Gerente Local do Pescap, que Pescap é a agência de pesca do Estado do Amapá.
E em 2011, 2010 eu consegui um contrato do Camp do Rio Grande do Sul que trabalha com educação popular, tem uma rede a nível de Brasil chamada Recid, Rede de Educação Cidadã, então em cada estado tem um grupo de pessoas que são contratadas, tem um convênio, uma entidade que por muito tempo foi o Instituto Paulo Freire, depois agora é o Camp, atualmente.
E essa entidade âncora nacional celebra um convênio com o governo federal e cada estado tem uma entidade âncora onde repassa os recursos, onde tem essas oficinas.
Então, tem metas de oficinas, de encontros intermunicipais para discutir a questão da educação ambiental.
P/1 – Eu queria entender melhor, você veio aqui, não tinha ensino médio, ficou trabalhando, como é que você foi ampliando a sua educação, o que aconteceu?
R – Sim, aí, assim, em 98, quando eu mudei para cá, eu comecei a estudar, fazer o ensino médio, numa escola aqui chamada Mineko Hayashida e aí comecei a militar no grêmio, no movimento estudantil, disputei eleição do grêmio da escola, não tive êxito, não consegui ser eleito, mas não fugimos da luta.
Então, criamos logo em seguida a entidade municipal, no caso a UMES, União Municipal dos Estudantes Secundaristas e, aí, por afinidade eu acabei me filiando do PCdoB, Partido Comunista do Brasil e, aí, em 2000 eu fui candidato a vereador, para nunca mais, percebi que não é, até a questão de cargo como secretário, na época nós estávamos discutindo a questão do código municipal ambiental, mas eu percebi que eu não me dou bem, eu não me encontro na questão de gestão, eu me encontro bem melhor na questão social, de ONGs e tal, por aí.
Não foi fácil, eu não tinha onde morar, eu morava na casa da mãe de uma amigo, que nós estudávamos na mesma sala e então era a mãe dele e o padrasto, a casa grande e ele foi embora para Macapá e pediu para mim ficar lá na casa com eles e eles aceitaram, então eu morei quatro anos.
E, aí, depois eu consegui comprar um terreno, eu já tinha uma esposa, conseguimos comprar um terreno e construir uma casa bem simples para sair do aluguel, então, estamos aqui até hoje.
Assim, eu sempre quis fazer Filosofia, aí.
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P/1 – Desde a escola? Você descobriu a Filosofia como?
R – Eu sempre gostei do porquê das coisas, porquê, porquê, se alguém me fala: “Olha, isso não pode”, “Mas por que não pode?”, “Porque tem tal lei”, “Qual é a lei, aonde está, qual artigo?”, não é duvidar das pessoas, mas é ir a fundo dessas questões.
Então daí, isso parece contraditório, por exemplo, uma pessoa que tem uma formação cristã, que nasceu numa igreja bem tradicional e de repente gosta de ser comunista e gosta de filosofia, fazendo aquela ligação do Karl Marx com o pensamento comunista.
Mas eu costumo dizer que contraditório é não ser comunista, porque comunista vem de comum, comunismo não é o que está aí, o que aconteceu, os horrores na União Soviética, no Camboja, em outros cantos, não é aquilo, aquilo apenas foi uma faceta que alguém impôs, que alguém colocou, originalmente essa palavra de comum.
Agora, não foi fácil o tempo aqui de ensino médio, eu passei um tempo desempregado, agradeço essa senhora, que lá eu tinha, não pagava aluguel, tinha comida, roupa lavada, não tenho como esquecer, e bem contraditório porque essa senhora, ela é umbandista, então eu tive uma experiência.
E anteriormente, eu não falei, na casa da mamãe, que nós moramos, eu tinha uns quatro anos de idade, dos quatro aos 16, ao lado da nossa casa tinha um terreiro de Umbanda, então aquela batida de tanto ouvir acabou ficando na minha mente.
E eu me perguntava, ao longo desse tempo eu me perguntava, porque eu tive algumas experiências, de repente eu estava próximo de alguém que era umbandista, que era macumbeiro, eu vim entender isso depois que eu casei, porque a minha esposa, depois de dois anos de casado que eu vim, parece que eu estava dormindo, depois de dois anos de casado, que eu vim lembrar que a minha esposa era umbandista.
P/1 – Ela não te contou antes?
R – Contou, eu sabia, mas, assim, parece que eu esqueci tudo e, aí, e ela era evangélica, tinha se afastado, estava sendo umbandista e, aí, depois ela retornou para igreja, um ano após ela ter retornado eu também retornei e estamos até hoje.
Aí sim, tinha aqui um curso, curso livre, de Filosofia, nós começamos a fazer e houve algum problema financeiro mesmo, nós paramos e depois, já em 2008 nós continuamos, mas em outra entidade educacional.
E a Teologia foi aqui mesmo, aqui mesmo no Laranjal, foi a primeira turma, foi formada em 2008, eu fiz Teologia, porque houve o seletivo e não teve tanta demanda para as outras áreas, então acabou que todo mundo ou fazia Teologia ou não fazia nenhuma.
P/1 – Tinha muita gente querendo fazer Teologia?
R – Tinha, aí, acabou que eu fiz e 50% do curso, eu comecei a gostar, entendeu, gostar da Teologia, porque eu tinha outra visão do que seria Teologia.
E, aí, depois de formado eu entrei para o Conselho Federal, sou um dos representantes do Conselho Federal de Teologia aqui no Estado do Amapá.
P/1 – Mas é uma Teologia acadêmica ou é a Teologia Evangélica, como é que é?
R – Não, acadêmica, eu nunca quis fazer a confessional, principalmente da igreja que eu milito, porque eu queria estudar como ciência, a Teologia como ciência, e não como convicção religiosa, ali muito pragmática e tal, que até hoje tem um debate muito forte do Brasil sobre ensino religioso, porque está no currículo, e aí esse debate, às vezes, ele não é saudável, porque as pessoas, é difícil você reunir, nós já tivemos algumas reuniões aqui.
Mas não é fácil você reunir um evangélico com católico, um umbandista, um espírita para discutir, porque cada um, às vezes, pensa ou acha que ele está no caminho certo, o outro está no caminho errado, enquanto o ensino religioso não é nada disso, não é catequizar, não é discipular e nem iniciar ninguém.
Tem um contexto histórico, a história prova e as atrocidades que já fizeram por ter outro entendimento, às vezes as pessoas falam tanto das fogueiras santas, mas não esquece de coisas aí similares às fogueiras, santas, ditas santas.
P/1 – Agora vamos voltar um pouco a essa história daqui do gabinete de leitura, aqui chama gabinete de leitura?
R – Academia.
P/1 – Academia.
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R – Laranjalense de Letras.
P/1 – Como é que vocês fundaram isso e por quê?
R – Em 96 tinha um jornal local, um jornal, imprensa escrita, e eu vendia matéria paga para o jornal.
P/1 – Você escrevia para o jornal?
R – Não, eu só vendia anúncio, na verdade o espaço para o anúncio, e um certo dia eu cheguei à edição do jornal e tinha um senhor falava e tal e eu percebi no bolso da camisa dele um santinho, ele era candidato, isso em 96, ele era candidato a vereador, e eu tive conversando com ele.
Aí, começamos a conversar sobre literatura e ele me passou o endereço dele e eu cheguei a casa dele acho que umas duas semanas após, ao chegar a casa dele o Helomar já estava, mas não tinha, assim, nada: “Vamos reunir”, foi um acaso.
E começamos a falar sobre a importância da literatura, esse senhor baixinho era o Trindade, J.
R.
Trindade, ele nos mostrou mais de 18 cordéis que ele tinha dele mesmo, datilografado e falando da história da literatura de cordel, foi uma conversa muito boa.
E daí surgiu, foi a primeira vez que nós discutimos a criação de uma associação de poetas e escritores, aí marcamos uma reunião, a reunião seria no Monte Dourado, que na época eu estava morando no Monte Dourado, isso já em 97, o Helomar, o Cláudio, o Trindade e eu, o Helomar não foi porque estava com um problema de saúde.
Então essa foi a primeira reunião, a primeira na casa do Trindade foi apenas um bate papo informal e essa foi uma reunião: “Tal dia teremos uma reunião para discutir”, então eu falava de alguém: “Olha, eu conheço alguém que gosta de escrever, que gosta da leitura”, o Helomar falaria de alguém, cada um apontava alguém, e aí começamos a marcar uma bateria de reuniões.
No ano de 2000 aqui teve a maior cheia da história da cidade, aquela rua principal e até lá em cima barcos, a rua passou a ser um rio o barco ia até lá em cima, então isso acabou, porque aqui quando têm esses eventos a cidade para, fica sem ambiente para uma série de coisas, então, isso parou um pouco.
Quando chega em 2003, que eu era Secretário de Meio Ambiente e fui à cidade de Castanhal no Estado do Pará, Belém e Castanhal, Belém fazer um curso e em Castanhal participar, checar de perto uma experiência de reciclagem, que a ideia era, na medida do possível, trazer para cá algo parecido.
E um amigo que é sindicalista, o Domingos Eleres, que ele é de Castanhal, estava morando aqui, ele me levou a Academia Paraense de Letras, ao chegarmos na Academia Paraense de Letras já era após às 13 horas e estava fechado, em frente à academia tinha um senhor vendendo bombons, docinhos em uma banquinha, essas bancas móvel, e se reconheceram, o Domingos, o sindicalista, e o vendedor de bombons tinha estudado quando eram ali criança, adolescente, estava na pré-adolescência.
Então, o rapaz da banca disse: “Olha, aqui só funciona até às 14, até às 13 horas, por aí”, então já estava fechado, disse: “Mas aí tem um funcionário”, aí ele disse: “Não, estou querendo uma cópia do estatuto para ver como funciona, esse é meu amigo e tal”, e eu sei que o famoso jeitinho brasileiro, deram dez reais para o funcionário e ele passou uma cópia do estatuto.
Aí, nós fomos para Castanhal, essa noite eu só dormi depois que li todo o estatuto e o regimento interno da Academia Paraense de Letras, quando ao retornar nós digitamos o Estatuto da Academia Paraense de Letras e o regimento interno na íntegra para depois fazer as alterações para nossa, e começamos uma bateria.
Aí, a história mudou, o que seria uma associação, academia de letras, porque nós queríamos combater o seguinte: “Por que há essa disparidade”, a academia elitizada e o cordel mais popular, fica fora.
P/1 – Então esse que era o objetivo?
R – Isso, então nós queríamos entender isso, aí, com a leitura do estatuto da Academia Paraense de Letras nós fomos perceber que não tem essa disparidade, isso é uma questão política administrativa das academias.
Aí, sim nós começamos aqui uma bateria de reuniões: “Olha, tem um grupo de pessoas que gostam de escrever, então vamos fazer diversas reuniões, hoje nós vamos reunir aqui, daqui nós vamos sair com uma data marcada para reunir em outro lugar, na casa de uma outra pessoa e vamos está avaliando quem foi convidado, quem apareceu, aquele que não pode vir, mas depois justificou e aquele que não veio e não justificou”.
Então, a pessoa que não participava e não justificava durante três reuniões aquela nós não convidávamos mais, porque no nosso entendimento se essa pessoa fosse fazer parte da academia ele já estava ali com o seu cartão postal que ele não queria, que ele não ia participar e isso ia dar problema.
Então, nós levamos uns quatro meses, mais ou menos, reunindo, e discutindo, conseguimos fechar quantas cadeiras? Quinze, para o tamanho da cidade, a nossa realidade e tal, 15 cadeiras, então 12 pessoas assinaram a ata de fundação, então ficaram três cadeiras vagas, sendo que 15 efetivos e 15 correspondente, então a Ana, professora Ana Goretti foi a única mulher a participar da fundação, isso em 2003.
Em 2005 nós lançamos o edital para as cadeiras que estavam desocupadas e aí três pessoas se inscreveram, o Gilmar, o Gilmar Queiroz, que ele tem uma produção muito grande de sonetos, a produção dele de soneto é maior do que a produção do Camões, em quantidade, do Camões, do Dante.
P/1 – Nossa!
R – Fazendo um estudo profundo provavelmente ele seja um dos maiores produtores de soneto do mundo, porque o site especializado em soneto mostra que os maiores produtores de soneto durante a vida produziram 300, 400 e o Gilmar tem 30 e poucos anos de idade, 32, 33 anos de idade, e ele já produziu mais de 500 sonetos, então se você projetar isso para mais no mínimo dez anos é um absurdo, é uma grandeza.
O Trindade é o maior cordelista da região aqui do Vale do Jari, nós consideramos ele o maior cordelista pelo fato dele ser bem eclético, e ele entende o que é literatura de cordel, não é só: “Ah, eu pensei, coloquei”, não, ele entende da origem e tal.
Aí sim, aí nós fomos, depois que estava completa as 15 cadeiras, nós fomos perceber que a entidade estava extremamente machista.
P/1 – Só tinha homem?
R – Só tinha uma mulher e aí chega o dilema: “O que nós vamos fazer?”, porque nas academias tem uma tradição de você.
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São 40 cadeiras, a brasileira é 40, a estadual do Pará são 40 cadeiras e isso não muda a cada dez anos, a cada cinco anos, não, é uma tradição você permanecer.
Então discutindo, vendo essa questão: “O que nós vamos fazer se está extremamente machista?”, então nós chegamos à conclusão, havia três membros que não eram frequentes, que não participavam, um foi embora da cidade, mudou-se para Macapá e não comunicou à secretaria.
Então nós chegamos à seguinte conclusão: “Nós podemos tirar esses três para categoria de correspondente, que aí essas três vagas ficam apenas para pessoas do sexo feminino, é o que nós podemos fazer, aumentar o número de cadeiras não condiz com a nossa realidade”.
Então, nós publicamos um comunicado, enviamos para essas pessoas, que eles tinham 45 dias, para se manifestar, fazer a defesa deles e nenhum se defendeu, então, nós entendemos que estavam satisfeitos, então esses três passaram para categoria de membro correspondente e ficou essas três vagas para pessoas do sexo feminino.
Em 2009 lançamos o edital e uma poetisa, a primeira a lançar livro aqui no Laranjal, a primeira mulher a lançar livro, que ela concorreu e foi eleita e foi empossada, mas uma semana após ela teve que sair da cidade, para nós e para ela foi uma frustração.
Ela tinha feito o concurso dos Correios, e chamaram ela, mas a vaga era para Vitória, no Espírito Santo, e aí era trabalho, para ir trabalhar, ela é técnica de segurança, mas também teóloga, nós formamos na mesma turma e ele trabalhava aqui na Jari e ela foi, ela fez os exames de Macapá e já não retornou mais aqui, então foi para Vitória e de lá foi para o Rio Grande do Sul.
P/1 – Então aqui, quer dizer, ficou essa academia que faz, quais são as principais atividades?
R – Esse mundo das academias, nós reconhecemos que ele é distante das pessoas, porque veja bem, nós temos sessões uma vez ao mês, as ordinárias, se há necessidade nós convocamos uma extraordinária, então tem aquele rito, tem pauta, nós estamos aqui vamos discutir a pauta, vota ou não e aí discutimos um pouco, isso antes ou depois das sessões, a questão: “O que eu estou produzindo”, essa troca de experiências, de informações.
E os membros, nenhum membro da academia milita só na literatura, o Cláudio é adventista, tem uma militância na igreja, o Helomar milita em outras áreas, o vice-presidente, que é o Trindade, ele também milita na área social, ou seja, então, sentindo essa necessidade, olha, tem pessoas aqui que não tem conhecimento que aqui tem uma academia, tem pessoas próximas daqui que não sabem que a biblioteca está aqui funcionando.
P/1 – Quer dizer, a academia criou essa biblioteca aqui para promover a leitura, vocês tem essa intenção de promover a leitura?
R – Sim, toda Academia de Letras tem a sua biblioteca, então essa biblioteca é da academia, devido à necessidade, que não havia de 2005 a 2010, essa biblioteca ela foi aberta ao público em 2005, então de 2005 a 2010 não havia biblioteca pública no município, a biblioteca a ser consultada era essa biblioteca.
P/1 – O pessoal usa muito, a comunidade, a importância da leitura na comunidade é grande ou pequena? Como é que é? Muita gente sabe ler, usa?
R – Olha, aqui nessa biblioteca vem pessoas do ensino médio a pós-graduando, fazer pesquisa aqui, tem uma turma de acadêmicos que eles concluíram os estudos em 2009 e o TCC deles foi sobre a academia, a existência, toda a história da academia, ou seja, já há um trabalho sobre a academia, um trabalho científico.
Agora, nós somos cientes de que a leitura no Brasil é um desastre, as pesquisas mostram isso, mas esse ano, mês de março, nós fomos surpreendidos, nós organizamos uma feira solidária e o que mais foi vendido nessa feira foi livro.
P/1 – Aqui na comunidade?
R – Aqui, livros, revistas, nós ficamos surpresos, daí nós mudamos algumas atividades nossas, porque, assim, em 2006 sempre nas sessões da academia, antes ou depois, não é programado, mas sempre há um papo descontraído, antes porque nós estamos esperando os membros chegarem, então aquele bate papo, depois acabou, ninguém terminou vai embora, fica mais um pouco e aquele.
E nesse papo descontraído nós falávamos de vereador e prefeito, de deputado estadual, federal, de todo mundo: “Isso está errado, aquilo poderia ser de outra forma e tal” e um certo dia, isso em 2006, nós chegamos à seguinte conclusão: “Mas qual é a nossa proposta? Se tudo está errado qual é a nossa proposta?”.
Então, nós começamos a discutir o que nós chamamos de Projeto Farol, temporariamente e acabou ficando.
O que seria o Projeto Farol? Seria um trabalho voltado para outras áreas convergindo com a literatura, seria o trabalho da educação popular, um trabalho com educação popular, um trabalho com economia solidária, economia criativa e por aí vai.
Então, nós planejamos de 2006 a 2016, 2016 nós iríamos sentar, avaliar: “Vamos continuar ou não? Olha, isso aqui avançou, isso aqui não”, aí vem a questão de publicação de livros, uma rádio comunitária, porque consideramos que as rádios comunitárias daqui da região só tem o nome de comunitária, mas na prática não são, uma TV comunitária, parece algo mirabolante, mas.
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P/1 – Esse é o projeto de vocês?
R – Isso, só que esse projeto avançou e acabou sufocando a academia, nós passamos até um tempo sem reunir, porque estávamos atarefados com essa outra proposta.
P/1 – Essa proposta tinha o apoio de alguém, financeiro, eu digo, de logística que fazia todos esses trabalhos?
R – Não, primeiro nós nos colocamos a um teste de resistência, de aprovação, qual o teste? Membro da academia tem pessoas do PT, PDT, PCdoB e de outros partidos ou de nenhum partido, mas nós nunca discutimos oficialmente questões partidárias, quem é candidato a isso ou aquilo, nós nunca nos envolvemos enquanto instituição.
Por aqui já passou candidato de vereador a senador, fizeram suas promessas: “Olha, aqui cartaz de ninguém”, porque isso complica, oficialmente a entidade não apoia ninguém nesse sentido, levantar bandeira particular, a nossa causa é a cultura, mas especificamente a literatura.
Então, se passaram várias eleições e nós estamos resistindo, agora quando completamos dez anos de fundação nós lançamos uma proposta que é uma bateria de atividades até dezembro.
Então, aí dentro dessa bateria de atividades está o café literário e filosófico, ou seja, esse café é fora daqui para se discutir literatura e filosofia, é uma forma descontraída e uma aproximação maior com a sociedade local.
Temos a discussão mais avançada no que diz respeito a banco comunitário e moeda social do estado, aí o nosso é o Banco Comunitário Farol, estamos com uma parceria com a Caixa Econômica, há algumas pendências da nossa parte de entrega de documentação, coisa desse tipo, estamos integrados à Rede Brasileira de Bancos Comunitários.
P/1 – Isso de dinheiro mesmo para repassar para o microcrédito?
R – Isso, temos um estudo da realidade, ou seja, temos prédio, temos a parceria com a Fundação Jari, a fundação entra com espaço físico, o prédio, durante dois anos, ou seja, o banco começou funcionar hoje, começa a partir daí, dois anos está garantido o espaço físico para o funcionamento do banco.
Então, já houve, já participamos de oficina em Belém, lá em Fortaleza, no Ceará e aqui também de oficinas relacionadas à questão da economia solidária, então há um estudo sobre isso, a compreensão social e econômica da região, principalmente, do município para implantar essas atividades.
E discutimos e continuamos discutindo na criação da Federação Amapaense de Dominó, porque entendemos que o dominó, ele é o esporte, é o segundo esporte praticado pelos brasileiros e que a mídia diz que é vôlei, não é, porque você anda, dá uma volta na cidade e em outras cidades você encontra as pessoas jogando nas esquinas sem incentivo nenhum, tão jogando porque gostam.
Então, é o segundo esporte mais praticado, tem a confederação brasileira e no Amapá não tinha federação, estamos empenhados nessa discussão, está bem avançada, da federação, porque há uma possibilidade, distante, mas é uma possibilidade de dominó ser um esporte olímpico em 2016, agora, para isso o sistema precisa estar funcionando aqui no Brasil.
Mas já tem federação internacional, a confederação brasileira, São Paulo tem a federação há bastante tempo, o Rio de Janeiro criaram agora recentemente, nós estamos participando.
Recentemente conseguimos uma cadeira no Conselho de Cultura aqui do município, a cadeira de literatura, terça-feira houve a Terceira Conferência Municipal de Literatura.
P/1 – Isso organizado por vocês?
R – Não, a conferência é o município.
P/1 – É a secretaria?
R – Isso, mas nós conseguimos eleger um membro da cadeira da literatura.
P/1 – Joel, então todos esses projetos, essa é a sua principal atividade hoje? É isso que você faz de trabalho? Ou você tem um outro trabalho além de todo esse trabalho aqui?
R – Trabalho?
P/1 – Remunerado.
R – Olha, o meu contrato com o Camp acabou recentemente, porque como é recurso público aí tem uma chamada pública e, aí, as pessoas apresentam o currículo, tem uma comissão que vai fazer a avaliação e, aí, a orientação é que esse grupo de educadores sociais, eles participem se forem classificados de um contrato, venceu outro, para ter abertura para outras pessoas também.
Então, eu participei só uma vez, agora no segundo eu não me inscrevi e no momento, assim, eu estou sem remuneração fixa, tenho algumas atividades minhas, mas que ainda não estão dando rendimento, porque eu consegui um terreno aqui e pretendo trabalhar com apicultura e outras atividades, que não agrida a natureza, tanto a natureza e que dá um retorno financeiro.
Mas eu também sou professor, não estou na rede municipal, nem na rede estadual, mas sou professor.
P/1 – Você trabalhou em escola?
R – Sim.
P/1 – Você está afastado?
R – Estou.
Eu sou pós-graduando em docência do ensino superior, pelo fato de ser pós-graduando em ensino superior já aqui e em outros municípios do estado eu já fui chamado para dar aula na Faculdade de Teologia.
P/1 – Eu queria entender agora, assim, antes da gente perguntar o seu projeto eu queria entender um pouco, você falou que essa pessoa fez concurso para os Correios e tudo.
Qual que é o papel dos Correios para vocês que tem uma academia? Tem algum papel? Vocês recebem livros? Despacham livros? Tem algum significado aqui na região para vocês isso?
R – Sim, nós entendemos que o que nós já fizemos enquanto instituição e pessoas para cultura local e para literatura foi muito pouco, teve um ano em 99, que me informaram que era para mim ir a Câmara Municipal receber um título de cidadão laranjalense pelo trabalho prestado ao município, eu agradeci e não aceitei, disse: “Olha, tem pessoas aqui que tão há mais tempo, têm um trabalho maior do que o meu” e não fui.
Não sei se eu errei, mas eu penso que tinha pessoas que mereciam mais do que eu, isso em 99, se isso voltasse a acontecer hoje, sem nenhuma arrogância, eu diria a mesma coisa, acho que a minha contribuição enquanto pessoa foi muito pouca para um município que me acolheu, aonde eu tive a oportunidade de exercer cargo público municipal, ser Secretário de Meio Ambiente, cursar o ensino médio, fazer o nível superior, então eu devo muito a esse município.
Agora, em relação aos Correios, o acervo que nós temos aqui nós não compramos nenhum livro, todos esses livros foram doados, então tem livros que veio de Macapá, de São Paulo.
P/1 – Vocês fizeram uma campanha?
R – Sim, e essa campanha é permanente, então, segundo o bibliotecário, o livros que chegaram de São Paulo, mas não tem nenhum registro dos Correios, mas veio pelos Correios.
Mas hoje nós não temos nenhum registro.
Nós estamos agora, hoje à tarde a partir das 17 horas, nós temos o lançamento de uma exposição sobre o ECA, e essa exposição vai ficar aqui na cidade até, vai circular a cidade até o dia das crianças.
Vamos aproveitar que tem a eleição do conselho tutelar e está provocando as pessoas, fazer uma reflexão sobre o que é o ECA, nós teremos palestras e essa exposição irá também para Macapá para os acadêmicos de Direito, falta definir data e local, lá em Macapá.
E vamos fazer também, estamos na fase de pesquisa, uma exposição sobre os Correios, a história dos Correios, como surgiu, onde surgiu, até o momento.
P/1 – Por quê?
R – Julgamos que é importante, porque nós criamos criar aqueles clubes, por mais que não seja institucional, mas um grupo para discutir o selo, a importância do selo, a coleção do selo, então nós entendemos que para fazer isso seria muito importante antes uma exposição para mostrar, através de foto, de vídeo, recorte de jornais, a história dos Correios no mundo, então essa é a nossa intenção.
P/1 – Bom, para finalizar eu queria que você contasse para gente, assim, qual é o seu sonho daqui para frente, qual é o seu maior projeto?
R – Eu costumo dizer que hoje eu não tenho sonhos, meu sonho de infância era ser jogador de futebol, só que eu sempre tive problema com a bola (risos), e os sonhos que eu tinha há dez anos atrás hoje não são sonhos, porque eu costumo, para mim, na minha concepção há um curso natural, utopia, sonho e realidade.
Então o que hoje é utopia, futuramente será sonho e depois será realidade, infelizmente às vezes nós fazemos esse trajeto ao contrário, nós conseguimos empurrar uma realidade para sonho e depois para utopia.
Então, eu costumo dizer que eu não tenho, assim, sonhos, talvez fosse um sonho que, para mim, na minha ideia particular e pessoal, eu acho que sonho é mais aquilo que não depende só de você, depende de 90% dos outros e apenas dez ou menos de 10% de você.
Mas o sonho, meu sonho é ganhar o Nobel de Literatura, o problema é que ainda não nasceu livro para ganhar o Nobel, mas é continuar a luta, futuramente.
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P/1 – Você escreve muito?
R – Sim.
P/1 – Qual é o autor que mais te inspirou? Que te formou?
R – Na literatura? Machado de Assis, tem outros, o Drummond.
P/1 – Os sonetos quem foi a pessoa que mais.
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R – Camões, agora, na filosofia eu gosto muito da obra do Emanuel Kant, do Voltaire, do Marx, eu sou marxista, não sou aquele marxista chato e tal, quase que como uma religião, não, tem até algumas coisas do Marx que eu fico calado, mas não engulo.
P/1 – E na Teologia qual é a sua inspiração?
R – A Teologia é o Leonardo Boff, apesar de não ser católico, mas eu gosto muito da teologia da libertação.
P/1 – Isso tudo convive muito bem com a Igreja Evangélica que você participa?
R – Não, a igreja, eu costumo dizer que de vez em quando eu tiro férias por conta própria, eu me ausento, não é assim que eu vá em festa, que beba, faça nada assim, que vá contra a doutrina da igreja, mas às vezes eu passo um tempão sem frequentar, sem ir à igreja, às vezes há aquela, antes era uma cobrança: “Vá, porque você desapareceu e tal”, hoje já, pelo menos na congregação aonde eu frequento, já não há tanta cobrança.
P/1 – Como tudo isso convive com a igreja e por que você continua parte da igreja?
R – A questão de continuar na igreja é que eu faço parte de uma família que é, eu sou a quarta geração e já tem a quinta geração da mesma igreja, então é muito forte, eu nasci, fui apresentado com oito dias de nascido na igreja e aí criança, vai crescendo, indo para igreja e isso é muito presente, muito forte.
Eu, aí eu me afastei, passei 15 anos afastado, mas sempre com o pensamento de um dia voltar, eu gosto.
P/1 – O que você gosta lá? O que te faz sentir?
R – Eu não posso dizer que é a teologia da igreja, porque eu percebo que é, eu diria, que uma teologia muito rasa, não tem tanta profundidade, se é assim porque é assim e tal, eu não estou falando de questionamento de princípios, mas eu gosto do fervor, da formação, formação da ebulição.
Porque, assim, você pega um ouro, garimpa ninguém encontra aliança, você encontra o ouro bruto que vai ser trabalhado, para ser feito uma aliança, um anel, um brinco e outros produtos, então eu considero que o ser humano, ele está em constante formação.
Então, muitas das vezes é interessante eu estar até onde eu não gostaria para mim estar melhorando, por exemplo, na minha concepção, se eu peço paciência: “Ô, meu Deus, me dê paciência”, ele não vai me dar paciência, ele vai me dar mais problema para mim aprender a ter paciência, então a igreja tem essa.
P/1 – Ela te diz isso? Essa é uma filosofia que vem da igreja?
R – Eu consigo extrair isso.
P/1 – A igreja é a Assembleia, qual é o nome da igreja?
R – Assembleia de Deus, mas tem tantas, já tem tantas, Assembleia de Deus disso, daquilo outro, você entra, é até uma vergonha, você entra no site, tem a igreja essa, eu já vi até a Igreja de Cuspe de Jesus, é um absurdo, então, de uma certa forma está até banalizado hoje, você vê, tem pessoas.
P/1 – Você sente que, você estudou Teologia, Filosofia, essa ebulição de igrejas tem.
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O que é isso em termos do que está acontecendo no Brasil?
R – Tem uma questão política, econômica, econômica porque tem pessoas que querem ganhar dinheiro com isso, política porque pessoas querem tirar vantagem não só da política partidária como de outras políticas, e pessoas que querem ser um líder religioso só pelo status, ou entender que é respeito ou coisa parecida.
Na minha opinião, já comentei com alguns amigos, que para mim o futuro das igrejas, para mim, é acabar porque? Isso parece heresia o que estou falando, quando Cristo disse para Pedro: “Tu és Pedro, sobre esta pedra edificarei a minha igreja” Jesus estava dizendo para Pedro: “Tu és Pedro, sobre esta”, ele poderia não apontar, mas ele não disse: “Sobre essa”, essa é aquela que está distante, esta é o que está próximo, então ele estava dizendo: “Tu és Pedro, sobre esta pedra – sobre ele mesmo – edificarei a minha igreja”.
Então o compromisso que ele tem é com a igreja dele e qual é a igreja dele? A igreja que faz a vontade dele, as outras que estão por aí, agora todas dizem que fazem, ele dá uma recomendação que ele diz assim quando ele fala das setes igrejas da Ásia, ele disse que a igreja quente, ele está preocupado, ele está interessado que ela continue quente e a igreja morna ele vai vomitar, ou seja, ele foi muito didático, se você tem uma água morna o que acontece? Você vomita, ou seja , a igreja morna, aquela que não faz a vontade dele, não faz bem para ele, então ele vai expelir, não vai querer, então para mim, eu não estou preocupado com o fundamento teológico disso, mas para mim isso me indica que o futuro de muitas igrejas, ou da maioria, é acabar.
Porque as pessoas confundem o que é igreja e o que é religião, você pergunta para pessoa: “Qual é a tua religião?”, a pessoa diz: “Eu sou católico”, “Qual a tua religião?”, “Eu sou Assembleia, essa ou aquela”, “Qual a tua religião?”, “Eu sou adventista”, que de fato o que é religião é o cristianismo, católica é a igreja, não é religião, é uma igreja, adventista é igreja, Assembleia de Deus é uma igreja que segue o cristianismo.
P/1 – Entendi.
Então você acha que, mas as igrejas, as assembleias crescem mais que as católicas?
R – Sim, isso é em parte conveniência, porque hoje é chique dizer: “Olha, o fulano é evangélico”, porque você vê, tem pessoas que passam a ser evangélicas e continuam com as mesmas práticas, o que dizer, eu conheço comerciantes que vendia bebida, aí passa a ser evangélico e continua vendendo bebida, bebida alcoólica, qual mudança que houve?
P/1 – E as grandes mudanças são as éticas de comportamento, entre a Igreja Evangélica e a Católica?
R – Não, eu não diria assim, eu não fecharia entre Igreja Católica e Igreja Evangélica, porque têm muitos católicos, eu conheço alguns e sei que tem muitos que eu não conheço, que ele dá melhor papel de cristão do que o evangélico, que tem toda aquela arrogância toda, aquele barulho, mas é o que Paulo diz que é igual ao sino, só tem zoada.
P/1 – Está bom, obrigada.
R – Eu agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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