P - Primeiro eu queria agradecer por você vir aqui falar um pouquinho com a gente. E eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Eu sou Jacqueline Baumgratz. Eu nasci em 26 de agosto de 1964. E eu sou de São José dos Campos, São Paulo, Vale do Para...Continuar leitura
P - Primeiro eu queria agradecer por você vir aqui falar um pouquinho com a gente. E eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Eu sou Jacqueline Baumgratz. Eu nasci em 26 de agosto de 1964. E eu sou de São José dos Campos, São Paulo, Vale do Paraíba paulista.
P - E conta um pouco para a gente como é o seu trabalho, qual a sua relação aqui com o... qual o seu trabalho aqui?
R - Com o Programa Cultura Viva?
P - Isso.
R - Minha relação com o Programa Cultura Viva começou em 2004, 2005, quando do Edital para Ponto de Cultura. Eu sou fundadora de uma instituição chamada Companhia Cultural Bola de Meia. É uma associação sem fins lucrativos existente desde 1989. Esse ano nós completamos 20 anos de existência. E a principal missão dessa Companhia é a pesquisa e a transmissão da cultura popular brasileira, com foco na cultura do Sudeste, especificamente Vale do Paraíba paulista, de onde a gente vem, de onde a gente nasceu. E com esse Edital do Programa Cultura Viva, nós nos inscrevemos... No primeiro Edital nos inscrevemos, e não conseguimos aprovação, não sabíamos aquele diálogo, ainda era muito inexperiente com relação aos projetos. Não que seja muito experiente hoje, mas existe hoje um amadurecimento, um processo. E eu acredito que não sabíamos exatamente porque nunca tínhamos dialogado com o Governo, para nós essa era a grande novidade do momento, com o Programa Cultura Viva. Nenhum Governo tinha escutado a gente, nem a gente tinha essa oportunidade de dizer algo, de propor. Era tudo muito distante, principalmente... Governo estadual, municipal já é, Governo Federal então... A gente ainda não tinha tido essa experiência. Já num segundo edital, num segundo momento, nós fizemos um projeto muito interessante, já bem amadurecido. Esse projeto foi contemplado, e só então começamos esse diálogo, esse estreitamento de relações com os Pontos de Cultura, e com esse universo, essa grande família aí, do Programa Cultura Viva. E de lá nunca mais deixamos de nos comunicar. Assim que nós encerramos um projeto de Ponto de Cultura em 2007, nós entramos com um projeto para Pontão. E fomos selecionados. E Bola de Meia tem um movimento muito forte com relação à cultura da criança. Nós entendemos que a criança, ela tem uma cultura própria que alguns historiadores, alguns pesquisadores já disseram isso em livros, não só Mário de Andrade, mas mesmo Darcy Ribeiro, e alguns outros, dizendo que a criança, quando ela deixa de brincar, por exemplo, uma parlenda: “Lenga, lalenga, lagucha lagoê, lagucha laengôgo, lagucha lagoê”, se ela deixa de brincar dessa brincadeira, aquele lugar que ela brincava não brinca mais, não se tem, a brincadeira se perde naquela região. Então é uma transmissão da oralidade que acontece só entre elas. A professora não sabe mais cantar, a mãe e o pai não cantam, eles trabalham, eles não têm tempo, eles não têm essa memória muitas vezes reavivada, fortalecida. Então as crianças acabam não produzindo, elas reproduzem o que vêm na televisão.
Então essa é a nossa relação, principalmente no estímulo à brincadeira, o brincar, as cantigas, as rodas, os brinquedos confeccionados. Então nós temos vários projetos hoje lá no Pontão. O projeto Fabrincar, por exemplo, que é um núcleo de pesquisa de brinquedo. As professoras vão lá semanalmente, constroem brinquedos, experimentam, e as crianças selam. E elas inventaram um selo chamado “Pra mais de metro”. Aí o selo é uma imitação do Inmetro, é uma brincadeira com a qualidade. E para receber esse selo a criança tem três requisitos: a beleza, criança gosta de coisa bonita, a segurança e o divertimento. Então, se o brinquedo tem tudo isso... E olha que a gente tem brinquedo, assim, de quatro anos já, feito com PET, feito com lata, e está sobrevivendo. Então, quer dizer que é realmente “Pra mais de metro”, dá para brincar é muito. E essa relação com o Programa Cultura Viva, em um movimento forte da criança. Hoje nós recebemos o prêmio Pontinho de Cultura, o prêmio ludicidade, por uma atuação mesmo. As crianças são muito participativas, nós temos assembléias com elas. Elas estão em um processo bem mais amadurecido, participativo, são críticas. Isso é muito interessante. Muitas delas são protagonistas do processo mesmo, eu já posso dizer isso. Muitas levaram os seus pais, levaram os educadores para dentro do Ponto. Foi através das crianças que as famílias chegaram. Hoje o Ponto tem muita gente, nós atendemos diretamente cerca de 200 crianças. Assim, direto, o que eu quero dizer é dentro da casa, na sede, período contrário de aula, em escolas parceiras. Fora os espetáculos, que atingem cerca de cinco mil crianças/ ano, com os espetáculos que nós levamos, vai circulando espetáculos infantis. Seja de teatro, seja de cultura popular, música, shows de música. Para esse universo, assim, da criança. Sempre num diálogo com os mestres da cultura popular. Já em 1989 fizemos um livro, chamado “Cultura Popular do Vale do Paraíba”, com memórias de nossos mestres. Nós temos mais de 16 mestres na região, são congadeiros, moçambiqueiros, fazem figuras de barro, as figureiras, São Gonçalo, mestre de São Gonçalo, mestre da Catira... E eles sempre participaram muito do Ponto de Cultura. A gente, de 89 para 90, tinha um projeto chamado “Põe na roda o seu saber”. Então eles iam lá para falar desse saber. E a escola toda ouvia, as crianças publicavam livros anualmente sobre o que eles perguntavam aos mestres. Muito bonito esse trabalho, muito legal. Enfim, nós temos algumas metodologias também, desenvolvidas no Ponto. Por exemplo, tudo é feito assim em roda. As crianças geralmente, quando iniciamos um trabalho, procuram traçar uma licença, eles pedem uma licença ao seu passado, cumprimentam o seu presente, e também elas recebem o futuro, que são crianças menores que elas. Então elas sempre se colocam: “Eu sou fulano, eu tinha uma avó que fazia isso... Hoje eu quero agradecer minha amiga aqui do meu lado, que é muito minha companheira, eu ia ter um irmãozinho pequeno...” E esse processo da linha do tempo é importante, para ela se sentir ali finita, e presente também, atual. Nós temos a Bola. Bola de Meia, ela passa nas assembléias, para que a criança aprenda esse processo de falar. Quando ela está com a bola, ela que fala e os outros ficam calados, ouvindo. (riso) Isso é um exercício, porque antigamente as crianças falavam muito, e todas as mesmo tempo. E isso da Bola de Meia foi um processo também. “Então vamos fazer com a bola?” “Vamos” Surgiu o jogo, então a gente joga a bola, a criança fala, ela passa a bola, o outro... E isso tem dado muito certo, até como uma metodologia, um jeito. Um jeito, na verdade. Há também as avaliações. A gente tem um joguinho que a gente faz com PET. A parte de trás de uma PET de refrigerante, vamos supor, ou de água, e a outra parte, e dentro fica o gargalo, e ficam várias bolinhas de gude. E as crianças tentam colocar aquela bolinha por dentro desse gargalo. Então a gente chama esse brinquedo de Bola Fora e Bola Dentro. As crianças dão o nome aos brinquedos que elas fabricam. E esse brinquedo Bola Fora e Bola Dentro a gente usa na hora da avaliação. Então tipo assim: “O que foi Bola Dentro?” Nessa semana, nesse mês, nesse projeto que a gente acabou de fazer. Aí eles citam muita coisa Bola Dentro. E o que foi Bola Fora, que a gente deve evitar. Foi isso, foi isso, foi isso. E isso fica exposto lá no Ponto de Cultura, para eles sempre lembrarem o que foi dentro, o que foi fora, e o que precisa melhorar. Então nós podemos dizer que nós estamos aprendendo com elas a como é que a gente vai construir um formato de trabalho, um jeito, com a cara delas, com o respeito a elas. A gente tenta fazer muita atividade que a coloque em contato com a natureza, apesar do nosso Pontinho de Cultura ser um lugar pequeno, pouco quintal até. Nós sentimos falta de árvores, a gente vai num parque que tem, bem perto, mas no Ponto não tem árvore. A gente brinca com água, brinca com terra. Então, por exemplo, o dia de brincar com a água, a gente leva muita bacia. Então enche de água, vamos brincar, pode por roupa mais confortável para brincar com a água, se molhar, tudo bem. Então a gente procura fazer atividades que a coloquem nesse contato. Brincar com o ar, então a gente faz pipa, faz capucheta, faz o que for. Vai brincar com carrinho, vai construir, carrinho de rolimã, perna de pau, sapato de lata...
P - Jacque, isso são práticas que vocês já vêm fazendo desde a fundação, que foi aprimorando, tal.
R - É, exato.
P - Mas efetivamente, quando o Programa começa, quais são as grandes mudanças que vão acontecendo? Conta pra mim, o antes e o depois, como ele...
R - Olha, eu posso dizer que nós tínhamos uma ação cultural antes e uma depois do Programa Cultura Viva, sem nenhuma sombra de dúvida. Nós tínhamos todo esse potencial que tem a cultura popular, nós já sabíamos dos mestres, nós sabíamos que tinha trabalho com criança. Mas algo faltava. Eu acho que faltava uma contextualização, faltava um sentido, faltava ser reconhecido, faltava registrar práticas, faltava tudo isso. E ao mesmo tempo faltava essa história do empoderamento. Que eu tenho contado em alguns lugares que eu vou... tem uma senhora, mãe de uma criança, quando nossa relação com o Programa Cultura Viva começou, nós dissemos uma reunião de pais, de crianças, mestres, sobre os eixos do Cultura Viva, o protagonismo, o empoderamento, a emancipação, as coisas em rede. Eles foram entendendo tudo, mas em certo momento uma senhora disse assim: “Ô, Jacque, esse negócio do “empodimento”, eu gostei muito do “empodimento”, porque antigamente a gente não sabia se podia ou não podia fazer”. Mas ela falou isso de uma maneira muito simples, é uma pessoa muito simples. Ela não estava entendendo essa palavra, é uma palavra nova no vocabulário para ela. E eu gosto muito de lidar com as palavras, eu acho que a psicanálise me trouxe isso. E quando eu ouvi isso eu achei genial, porque ela estava dizendo que sempre que ela queria uma coisa ela tinha que pedir, como fazer, porque fazer, e agora não. Ela foi se encorajando, dizendo: “Então eu posso Eu posso pegar minhas sacolas, meus bordados, e trazer na feira?” “Pode” “Ah, então eu posso trazer minha criança aqui, no sábado, deixar...” “Pode”. Então, esse “empodimento” que ela diz, eu acho que representa isso. O Programa Cultura Viva atingiu os seus objetivos, que era realmente o do potencializar algo. Ele potencializou de uma certa forma, que também com amorosidade, com afeto, com força, de garantia de diálogo. Então registro, por exemplo, a gente tinha pouquíssimo registro. Com o Cultura Viva nós passamos a registrar mais e com mais qualidade. Focar mesmo nossos objetivos, a questão do kit multimídia, a gente não sabia lidar com as ferramentas. Não vou dizer que hoje a gente domina. Mas já tem máquinas lá com software livre, com linux. A gente escolheu o linux educação, que é uma ferramenta bem interessante para as nossas crianças. E elas estão super adaptadas. E o que a gente ainda não consegue com a questão do linux ainda são as produções de áudio, de música, ou de imagem com a qualidade que a gente queria. Então isso aí a gente ainda está construindo. Mas queremos, por exemplo, agora, rádio, uma rádio que toque as cantigas, que fale as parlendas, que traga adivinhas, travalínguas. As crianças querem uma rádio, jovens, adolescentes já estão pedindo. Não é tão as crianças pequenas, são os adolescentes já. Então isso, para mim, é um processo de emancipação enorme. E é o “empodimento”, que a mãe colocou, é isso. Ela traduziu. Ao não entender, ela entendeu tudo.
P - Você tocou num assunto importante. Você falou um pouco dos pais, esses outros jovens. Mas como a comunidade foi recebendo vocês? Porque foi crescendo.
R - Sim.
P - Como a comunidade vê vocês, como foi esse processo?
R - Sabe, uma coisa assim, que antes, a cidade, acho que ela não prestava muita atenção na gente. Também foi potencializado isso na cidade. Eu posso dizer que passaram a observar mais, que as coisas que a gente fazia era algo legal. Sempre teve uma simpatia pelo nosso trabalho, mas não com esse mesmo olhar. A Secretaria de Educação passou a chamar mais, os professores passaram a visitar a casa, a transitar pela casa, pelo Bola de Meia, e usar a biblioteca, usar a Internet. Então eles passaram a conviver mais conosco, assim, surgiam de tarde. Antes não, eles vinham para uma oficina. Agora passaram a construir essa casa, a perceber que a casa também é deles. E com isso a Prefeitura também passou a nos chamar para projetos, em parceria, contratar a gente mesmo. Começaram a perceber que é só assim que a gente podia ter uma sustentabilidade bacana. Eles contratando a gente, já que a gente tinha bons serviços, gente qualificada, com formação para trabalhar com aprimoramento de educadores da rede municipal. Então hoje nós, olha, já passou mais de três mil educadores no Ponto de Cultura nestes dois últimos anos, e professores da rede municipal ou de Campos do Jordão, ou de São José dos Campos, ou de Caçapava. São pessoas, são redes ali... de Jacareí mesmo... Então a gente tem trabalhado muito mais com o poder público. E o poder privado continua apostando em algumas publicações, trazendo gente para conhecer. O que a gente recebe hoje de visita é impressionante. Recebemos muita visita, de indústrias, prefeituras. É muito interessante. Ambientalistas. Então o diálogo se ampliou, com o Programa Cultura Viva. Isso não tem dúvida. E eu que há 20 anos estou nessa liderança, nesse processo de liderança nunca vi um Governo dialogar com a sociedade civil organizada, com esse Governo. Eu não tenho nenhum interesse de falar de uma política ou outra, de um partido ou outro. Eu não tenho nenhum interesse nisso, nem é a minha vocação. Mas é uma realidade, isso é uma realidade. Nunca se ouviu falar, nunca se fez cultura dessa maneira, com investimentos, com diálogo, com você podendo propor seu projeto, seu jeito de lidar. Então eu acho isso impressionante, acho isso de uma beleza. E eu acho que muita gente não está percebendo isso. Acho que percebe aqueles que estão nas redes dos Pontos, dos Pontões. Mas eu acho que a sociedade ainda vai cair essa ficha, de que hoje a transformação social via Ponto de Cultura, via Programa Cultura Viva, talvez tem sido o que foi uma ferramenta enorme do movimento sindical há alguns anos atrás, uma força de transformação social, do que representa o MST, ainda hoje. E eu vejo que a transformação pela via da cultura é uma transformação pela via da paz, da brincadeira, do reconhecimento da sua identidade. Eu vejo que um país, sem essa afirmação na sua identidade, é uma nação sem alma. Falta. E acho que tudo isso está sendo revitalizado pelo Programa, eu não tenho nenhuma dúvida disso.
P - Jacque, você já está há anos com esse trabalho, já tem um percurso. Você conseguiria descrever para a gente, contar algum fato que foi muito marcante, significativo para a história do projeto, no Programa. Algum evento, algum fato, alguma coisa que você gostaria de contar, que foi emocionante?
R - Sim. Ah, eu teria muitas histórias. Mas assim, nem sei se é uma história tão emocionante. Mas eu vou dizer assim, eu tive um caso de uma criança que ela não queria ir para a escola. O problema dela com a escola era enorme. De aceitação, era uma criança mais obesa. Então ela era... todos os apelidos possíveis ela tinha ali naquela escola. E a criança, quando ela quer, ela é muito perversa, porque ela é muito verdadeira, então eu não sei, ela não tem talvez esse tratamento, então ela fala, ela ofende, ela instiga o outro. Faz parte desse processo de desenvolvimento humano. Mas essa criança, ela não queria mais ir para a escola, e estava a família toda muito complicada, num processo difícil familiar também. E eu lembro que uma vez... ela era uma criança bem rebelde, e uma vez a mãe falou: “Eu vou levá-la no Bola de Meia, vou deixar no Ponto de Cultura, posso levar no projeto?” A gente tem um projeto que chama “Brincando no Ponto”. E a criança vai para brincar. Então temos monitores, temos gente, propõe brincadeiras, mas também tem os momentos de brincar eles e a gente olhar, a gente estar meio por perto ali, deixar brincar também. E aí essa criança foi brincar. E aí, primeiro chegou timidamente, não se enturmava, começou a achar ruim, depois ela foi vendo coisas, descobrindo. E a mãe... ali a mãe pode ficar. Muitas vezes, como é em algumas escolas, que a mãe tem que ir embora, talvez a criança fique um pouco insegura. Não é o caso, a mãe ficava ali, a criança começou a brincar, a sentir. No outro dia a mãe volta, fica por ali, a criança brincando. Quando chegou no terceiro dia, essa criança chegou para a mãe e falou assim antes de ir... não queria ir embora, primeiro ela não queria mais ir embora. E a mãe disse assim: “Olha...” A criança chegou para a mãe e disse: “Mãe, porque a minha escola não pode ser aqui?” E a mãe sentiu aquilo de uma maneira forte, porque era uma criança que não queria mais, tinha desistido da escola. De repente: “Porque a escola não pode ser essa aqui?” Porque para ela aqui é uma escola Está educando, está aprendendo, está brincando, está sendo colocado em situações. Essa criança, ela faz teatro, se apresenta em palco, não é mais o gordinho da turma. E quando é, encara isso numa boa. Então isso é afetivo. Então essa construção eu acho importante. Nós temos crianças portadoras de necessidades especiais também. Um que eu conheci ainda menino, e hoje já está fazendo faculdade de comunicação, um cadeirante, e está no Bola de Meia, trabalhando com software livre. Então eu vejo assim, isso aí é a casa deles, e é a continuidade da escola. Então, para mim esse desafio de tornar a escola tão prazerosa quanto o Ponto de Cultura, isso é o grande desafio, fazer o que o Diego falou: “Por que a minha escola não pode ser aqui?” Pode Com outras pedagogias, da bola, da brincadeira, do carrinho, da roda, da construção mesmo que eles querem, de transformação, dando opinião, botando seu registro. Então é um outro formato de educação, é um formato que preza pela dignidade da prática, como diz o Bernardo. É a dignidade da prática se colocando. A gente tem um outro evento chamado “Sopa de letrinha”. É a avó que vai, a gente chama os avós. Que nem, eu estou aqui com você num encontro, mas quem está com a minha filha? A avó Então ela tem que estar, ela é um elemento importante no processo educativo e cultural de uma criança. Então nós chamamos as avós, as avós vão lá para a “Sopa de letrinhas”, e no final a gente serve a sopa de letrinhas. Não sei se você lembra, quando eu era criança eu adorava. Tem um cheirinho E aquele acolhimento. E a criança brincando com as palavras. Isso é um processo de letramento. Então isso não se faz na escola? Ela não está aprendendo a ler? Está. Ela está aprendendo a ler, fazer poesia, tudo ao mesmo tempo, cantando. E eu gosto muito desse projeto, ele é um projeto delicado.
P - Ok. Enfim, teve alguma coisa que você gostaria de contar, que eu não perguntei, que você gostaria de falar um pouco, para fechar. A questão do Programa.
R - Sim. Eu quero dizer assim, o Bola de Meia hoje, ele tem um tripé, eu nem sei mais... eu vejo que... Se me disser assim: “Vocês ficam em São José dos Campos?” Eu falo: “Eu não sei aonde a gente fica”. O Bola de Meia ficou... também internamente se sente sem fronteira. Se repente eu estou indo em Olinda, fazer um projeto, com o Ministério da Cultura, que chama “Brinca Brasil”, um projeto de livro, registro, CD e DVD. Mapeando e catalogando brinquedos e brincadeiras das crianças do Brasil, para depois ser distribuído gratuitamente aos Pontos de Cultura. E de repente eu fui num Coco de Umbigada. Eu que não tenho nenhuma relação com a matriz africana tão forte. Não tinha isso em mim, porque meu imaginário era outro. Eu não entendia nada de candomblé, não tenho nenhuma vergonha de dizer isso, porque não fazia parte da minha história de vida. Eu chego lá e sou tão acolhida por Mãe Lúcia, que já me adota. E eu já sou a indiazinha dela. E ela me fala assim: “Vem aqui, vem conhecer isso”. E manda a gente para o terreiro, vamos brincar com as crianças. Eu já me vejo dançando coco. No projeto da gente já tem as nossas crianças com a fotografia das crianças do Coco de Umbigadinha. E eu falo: “Mas essa criança também é daqui do Bola, essa aqui também é de lá.” Então eu não sei mais onde começa um Ponto e aonde termina o outro. Nós então, que passamos por esse processo todo, eu sempre brinco assim: “Nós somos Ponto, Pontinho e Pontão. E agora nós somos um baita de um Ponto de Exclamação”. Com orgulho. Nós estamos em um momento de orgulho. E tem muita reticência pela frente. Tem muita coisa para se construir. Tem que ligar muito Pontinho para conhecer esse Brasil. E é isso que a gente está fazendo. Eu vejo a generosidade num Programa como esse, político, e que encontra... ela não vai de encontro, ela vai ao encontro de uma idéia coletiva. Então, eu só trago agradecimentos da minha turma toda, das crianças, pequenininhas. E que transpõe os muros da escola, que transpõe as palavras que a escola tem feias, aquelas palavras: grade curricular, delegacia de ensino, aluno, que não tem luz. E eu transponho, e as crianças também pulam tudo isso, com as suas amarelinhas, com suas coisas. São cheias de luz, são cheias de histórias, de idéias. Eu prefiro um programa assim. Isso para mim é Programa Cultura Viva.
P - Muito obrigado, Jacque. Muito obrigado.Recolher