Projeto Vida, Morte e Fé - Programa Conte Sua História
Entrevistado: Alexandre Caldini Neto
Entrevistado por: Karen Worcman (P/1) e Jonas Samaúma (P/2)
São Paulo, 28 de outubro de 2024.
Entrevista número: PCSH_HV1427
Revisado por: Nataniel Torres
P/1 - Como que eu te chamo, Alexandre?
R - Isso. Como queira.
P/1 - Tá bom. Alexandre, vamos fazer um exercício que eu gosto de fazer para a gente se alinhar. Então, eu vou pedir a você fechar o olho, se é possível, né? Abrir a sua, sabe, seus canais assim. E aí, fazer um exercício de começar a pensar qual é a primeira imagem que você lembra da sua vida? Quando você tiver essa imagem, como passear por ela? Você tem essa imagem, então você começa a pensar qual é a… Essa imagem pode ser um evento, uma foto, uma sensação, um ruído. Então, vai passeando por esse momento que é essa primeira imagem que te sobra de você e a sua vida. E percebe um pouco se ela tem o que que ela tem, né? O que que tá nela? É ruído? É um evento mesmo, tem vozes, coisas estão acontecendo, é algo que você não consegue nem pôr em palavra. Pesquisa um pouco essa imagem. Percebe você mesmo olhando pra essa imagem desse lugar que a gente está.. E percebe um pouco desse lugar que a gente está, que é esse momento da sua vida, como se você fizesse um voo, assim, superman, indo até essa imagem e voltando muito devagarinho, passando muito devagarinho, não em detalhes, mas pela sua infância, dessa imagem que foi sobrevoando a sua infância, a adolescência, juventude, sua vida adulta. Então, como você, sabe, é aquele seriado Brasil Visto de Cima, você vai olhando assim, como se você estivesse planando em cima da sua trajetória de vida. Passando devagarinho por esses momentos, sem ter que explorar cada um, mas só se percebendo. Percebendo nessa trajetória, percebendo se foi uma trajetória assim, se tem muita gente, se ela é tranquila. As coisas que quando você tá voando vão passando por você,...
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Entrevistado: Alexandre Caldini Neto
Entrevistado por: Karen Worcman (P/1) e Jonas Samaúma (P/2)
São Paulo, 28 de outubro de 2024.
Entrevista número: PCSH_HV1427
Revisado por: Nataniel Torres
P/1 - Como que eu te chamo, Alexandre?
R - Isso. Como queira.
P/1 - Tá bom. Alexandre, vamos fazer um exercício que eu gosto de fazer para a gente se alinhar. Então, eu vou pedir a você fechar o olho, se é possível, né? Abrir a sua, sabe, seus canais assim. E aí, fazer um exercício de começar a pensar qual é a primeira imagem que você lembra da sua vida? Quando você tiver essa imagem, como passear por ela? Você tem essa imagem, então você começa a pensar qual é a… Essa imagem pode ser um evento, uma foto, uma sensação, um ruído. Então, vai passeando por esse momento que é essa primeira imagem que te sobra de você e a sua vida. E percebe um pouco se ela tem o que que ela tem, né? O que que tá nela? É ruído? É um evento mesmo, tem vozes, coisas estão acontecendo, é algo que você não consegue nem pôr em palavra. Pesquisa um pouco essa imagem. Percebe você mesmo olhando pra essa imagem desse lugar que a gente está.. E percebe um pouco desse lugar que a gente está, que é esse momento da sua vida, como se você fizesse um voo, assim, superman, indo até essa imagem e voltando muito devagarinho, passando muito devagarinho, não em detalhes, mas pela sua infância, dessa imagem que foi sobrevoando a sua infância, a adolescência, juventude, sua vida adulta. Então, como você, sabe, é aquele seriado Brasil Visto de Cima, você vai olhando assim, como se você estivesse planando em cima da sua trajetória de vida. Passando devagarinho por esses momentos, sem ter que explorar cada um, mas só se percebendo. Percebendo nessa trajetória, percebendo se foi uma trajetória assim, se tem muita gente, se ela é tranquila. As coisas que quando você tá voando vão passando por você, né? Duro, fácil, prazeroso, harmonioso, conflituoso. E você vai planeando, chegando ao dia de hoje de manhã, pensando como você acordou, fazendo um pequeno exercício seu das coisas que te aconteceram quando você acordou. E aí é um exercício de detalhe, né? Pensando: Será que eu levantei? O que eu fiz em seguida? Com quem eu falei? E aí quase como acompanhando cada momento dessa manhã. E as coisas que foram acontecendo, pensando com um pouquinho de detalhe e calma. Se você almoçou, com quem? O quê? O que você pensou “hoje eu vou ter uma entrevista”? Em que momento você lembrou? O que te ocorreu? E aí esse voo vai baixando, hoje, até a gente ir chegando hoje. Lembrando do nosso encontro na porta. A Rosana te mostrando um pouco do museu, você olhando as fotografias, você perguntando de onde veio a ideia, a gente sentando pra conversar, o Jonas chegando, a gente falando sobre a entrevista, como hoje eu vi as histórias, você falando das pessoas, sugerindo pessoas, eu fazendo uma ficha, a gente entrando aqui, encontrando o Saulo e a Jéssica. E aí a gente está sentado aqui. E na hora que você sentir, “bom, cheguei, estou aqui”, a gente começa.
R - Muito bem. Gostoso.
P/1 - Eu ia começar te perguntando uma coisa te perguntando uma coisa muito simples pra você que é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Eu sou Alexandre Caldini Neto, quase não uso Neto, porque meu avô era Alexandre Caldini, então tenho esse adendo: Alexandre Caldini, como eu sou mais conhecido. Eu tenho 62 anos, nasci em 1962, em Sorocaba, aqui pertinho de São Paulo. Moro em São Paulo desde há muito tempo, desde que vim fazer faculdade aqui. Estou por aqui.
P/1 - E aí você me conta um pouquinho da sua família, qual o nome do seu pai, depois mãe, o nome dele, o que ele fazia, e aí me conta um pouquinho dele.
R - Eu tenho muita felicidade da família que eu caí. Como espírita, a gente acredita que cair numa família adequada é o que você precisa naquele momento para o seu aprendizado, para o seu aprimoramento, tanto o intelectual quanto o moral. Eu sou filho de um funcionário do Banco do Brasil. Eu sou o quinto filho, sou mais novo. São três irmãs e dois irmãos. Meu pai formou-se em advogado quando já tinha nascido, bem depois. Ele também vem de uma família de imigrantes italianos e portugueses, tal. E trabalhou sempre no Banco do Brasil, depois no Banco Central e tal. Uma figura muito carinhosa, já falecido, minha mãe era professora de português e quando eu nasci ela parou de trabalhar porque era o quinto filho de todos, morávamos em Sorocaba a vida toda, classe média, média alta de Sorocaba. Então foi uma vida financeiramente confortável e bastante amorosa, muito próxima.
P/1 - O nome deles?
R - Nelson e Eladiva, os dois já falecidos recentemente, não tão recentemente, há alguns anos atrás.
P/1 - E qual é um pouco a família de cada um? Me conta um pouquinho de onde veio cada um.
R - Sim, é do meu pai da Itália, norte da Itália, região de Trento, ali no Tirol, ali em cima. E depois nós fomos, inclusive, reencontrá-los lá, foi muito interessante. Chegou uma época, eu fui com os dois e minha mulher, a gente foi procurar a família lá, temos relação até hoje, foi muito gostoso. E a mãe dele, de origem portuguesa também. Ela eu não conheci, já tinha morrido quando eu nasci. E do lado da minha mãe, também provavelmente “Moraes”, também provavelmente de origem portuguesa, mas menos conhecida a origem deles todos, mas aqui de Conchas, Tatuí, aquela região próxima à Sorocaba. A mãe dela, minha avó Amália, é uma pessoa interessantíssima, do que minha mãe também muito puxou isso. Minha avó Amália é uma senhora seguramente muito à frente do seu tempo, uma mulher muito decidida, muito engraçada, muito resolvida com a vida, sabe? Acho que me influenciou bastante. Na adolescência ela morou conosco um tempo, depois que o meu avô nasceu, e isso pra mim foi muito bom. E espiritualizada também. Ela morria de medo de espírito. Então ela contava que uma vez em Sorocaba, ela queria saber o que é esse negócio de espiritismo, esse centro espírita, mas ela tinha meio medo desse negócio. O que ela fez então? Ela, passando em frente ao centro espírita, ela abriu a porta do centro espírita, enfiou o meu avô dentro e fechou a porta. Pra ele ver o que era e depois contar pra ela. E os dois eram espíritas também. Mas não influenciaram em nada o meu espiritismo, acho que a gente pouco convivia sobre isso. Ele, Josino, muito calado, ela muito faladeira. Ela influenciou, acho que muito minha mãe também. Minha mãe também, como minha avó, um olhar muito positivo da vida. Sabe aquela pessoa que passa e fala, “nossa, olha que árvore linda, olha aquela folhinha, você vê esse passarinho ali?” Então, um olhar para a vida, delicioso, que ela tinha e minha mãe também. Isso acho que me ajudou bastante também a ter um olhar para a vida, sabe? Meu pai já é outro perfil, um perfil muito caridoso, muito bondoso e também muito rígido. Minhas irmãs reclamam que ele era muito rígido com elas. Eu peguei já uma fase mais madura dele. Ele era inspetor do Banco do Brasil, então viajava muito. Então nunca estava em casa, estava sempre viajando. Estava em Cascavel, estava no Recife, por aí tudo. Desde que eu nasci ele viajava muito. Então eu ficava muito mais com minha mãe. E eu tinha asma quando pequeno, então ela cuidava muito, ficava muito, madrugadas, eu ali madrugadas, acordado, e ela falava assim: “ó, escuta aí, tá passando, tá vendo, uma pessoa passando agora, ó, viu que apitou a fábrica? É um operário que tá indo pra fábrica”. Então tem memórias gostosas da infância com o cuidado dela por conta da minha bronquite, né? Meus irmãos, um quatro anos mais velho que eu, biólogo, Nelson, mora aqui em São Paulo também. A segunda, a Ana, é farmacêutica, bioquímica, mora no interior de Santa Catarina, casada, com meu cunhado Nilo. A outra irmã Vera, mora em Florianópolis, solteira, ela espírita, e eu entrei no espiritismo mais me baseando na Vera, perguntando a ela: “como é que o espiritismo entende isso? E depois que morre acontece o quê? E que história é essa de espírito? E o que é psicografia?” Então, com ela eu comecei a entender um pouco mais do espiritismo. E a mais velha, a Lia, Maria Cecília, casada com a Arden, que é judeu, eles têm um filho que é o Felipe, que mora nos Estados Unidos. Enfim, uma família bastante ampla. E, recentemente, uma sobrinha casou com um menino que é umbandista também. Então, em casa tem ateu, católico, judeu, umbandista e espírita. Tem um pouquinho de tudo. Acho que falta só muçulmano, mas é uma salada como aqui no Brasil. Isso é muito gostoso, porque daí todo mundo se dá muito bem. Eu penso um pouquinho diferente do que você, nisso, nisso, naquilo, mas isso não impede de jeito nenhum de a gente conversar, sobre tudo, inclusive, sobre visão religiosa, essas coisas, sabe? É muito gostoso esse convívio amplo que se tem com relação à religião e com relação às demais coisas. Minha mulher, nós casamos faz 36 anos, conheci na PUC, a gente fez faculdade juntos, e é aquela coisa que eu, pelo menos, não acredito nunca, assim, ah, uma amiga nossa nos apresentou. “Ah, você precisa conhecer”. “Ah, imagina, isso não dá certo”. E a gente namorou um ano e casou, e estamos casados há um tempão, né? E ela é muito diferente de mim em alguns aspectos, muito parecida, muito firme, muito dura com as coisas, muito o que é, o que não é, não é. Mas por outro lado, muito organizada, muito… É espetacular viver com ela, sabe? A casa muito arrumada, tudo muito decidido, né? Então tem sido muito gostoso estar casado com ela esse tempo todo. E esse casamento me produziu uma série de coisas. Tem dois sobrinhos, o Alex e a Lu. Hoje eles estão com 50 e 48, quando eu os conheci eles tinham 9 e 7. E a mãe deles, da minha mulher, do lado da minha mulher. E a mãe deles, que era a irmã da minha mulher, faleceu quando tinha dois e quatro anos, num acidente de carro, e era mãe solteira. Então, eu tive, logo de começo com os dois, uma proximidade muito grande, não como pai, porque não era pai, mas de poder acompanhar a educação, acompanhar a adolescência, idade adulto, casamento, filhos. Então, foi uma relação, para mim, muito importante, muito gostosa, muito prazerosa, de poder estar junto, convivendo com pessoas ali, que estavam num momento ainda de afloramento e poder contribuir e conviver com isso. Isso foi muito gostoso para mim. Então, a família dela é mineira, vieram para São Paulo. É uma história linda também aqui, a gente fala de história de pessoas. O meu sogro, que eu não conhecia, era mineiro de Minas Gerais, mas mineiro também de mineração. Ele achava diamante nos riachos lá de Minas Gerais. E uma vez, conta a minha sogra, ele achou um diamante muito grande e deu muito dinheiro. E aí compraram fazendas de porteira fechada, que tinha, ela conta que tinha parelhas de bois, “então vão sair com os bois brancos hoje”. Então era uma carroça e puxaram bois brancos, amanhã bois pretos, amanhã bois amarelos, era uma coisa espetacular. Tinha igreja dentro da fazenda, escola, tudo. E depois foi perdendo, perdendo, perdendo, perdeu tudo, eles ficaram muito, muito pobres, a ponto de não ter o que dar no café da manhã para as crianças, uma coisa complicada mesmo. E aí a cunhada veio para São Paulo, depois a segunda irmã, ela, vieram para cá e fizeram a vida aqui em São Paulo. E aí eu conheci Fátima e estamos casados desde então. Então é uma vida muito interessante, a da família dela, bem distinta da minha. Isso me deu uma convivência muito boa, muito diferente do que eu estava acostumado aqui.
P/1 - E vocês tiveram filhos de vocês?
R - Nós temos um filho, o Pedro, que hoje mora em Londres, trabalha lá num banco australiano, tá morando com a Clara, uma menina portuguesa simpática. Aliás, o seu aniversário é hoje. Falei com ela hoje cedo. Quando você falou: “vamos fazer essa regressão, pensar no dia”, eu lembrei justamente de conversar com a Clara e com a mãe dela. Eles estão em Londres, a gente conversando, foi muito gostoso. E é um menino encantador, assim, também. Ele acha que tem uma mistura da Fátima e de mim, umas coisas e tal. E só tem dado muita alegria pra gente. É uma pessoa muito generosa e tal. Também com características da mãe de muito certo e duro numas coisas. Então, é gostoso de ver essa amálgama, essa mistura que dá nas pessoas.
P/1 - Agora a gente vai voltar lá para a sua infância, onde a gente fez as imagens. Se você puder ou quiser, me conta qual foi a imagem que te veio.
R - Quando você pediu para dar uma olhada nas imagens lá de trás da infância, eu tentei lembrar, bem pequenininho, não veio nada.Eu começo a lembrar minha infância já mais para frente, uns oito, sete, por aí. E essa infância foi muito gostosa. A gente morava numa casa de esquina, Rua Santa Clara com Santa Cruz. E é curioso pensar, eu tenho um lance espiritualizado e morava na Santa Clara com a Santa Cruz. Quer dizer, mais santificada impossível. E minha mãe conta quando eu nasci que ela ouviu os sinos da igreja tocando. E é engraçado que minha sogra contava que quando viu a Fátima nascer, numa escola perto dela, estavam cantando o Hino Nacional, e ela é muito aguerrida na parte política, muito engajada. Então, acho que tem uma coisa assim de sinais. Mas, enfim, o que eu lembrei nesse exercício foi a minha infância com o meu melhor amigo, o Robertinho, que até hoje a gente se fala por WhatsApp, que mora em Sorocaba, um amigo queridíssimo da infância. Tinha outros amigos na rua, mas esse era muito próximo. E a gente brincava de carrinho de rolimã, correr, polícia e ladrão. Naquela época não tinha problema de ter arma, então eu tinha arminha de dar tiro de pólvora, de espoleta, e esconde-esconde, aquelas coisas todas, subir em árvore no jardim de casa. Foi essa lembrança desse convívio ali na rua com os amigos da rua, que foi sempre muito gostoso. Uma tia morava um pouco mais embaixo, na casa do meu avô, eu descia lá para assistir televisão com eles. Então, foi uma época muito boa, diria, dos 7 até os 14, foi essa a infância que eu me lembro. Muito gostosa, mas eu não sou daqueles que falam assim, “aquela época que era boa, hoje em dia é um absurdo. Essa criançada no celular o tempo todo”, isso eu acho uma bobagem ímpar. Cada momento é um momento. Não acho que aquele tenha sido melhor que esse, não acho que seja um problema o celular, não acho que seja um problema a rede social. Obviamente, tem que ter algum cuidado no que você está olhando, no que você está fazendo, no que você está pondo para dentro de si. Mas eu não sou saudosista, não. Assim como eu acho que provavelmente meu pai achava a infância dele melhor, meu avô achava dele melhor e cada momento tem a sua característica.
P/1 - Mas ainda nessa sua infância, que você tinha essa vida de rua, entendi. E o resto dessa vida que a gente tem, por exemplo, você tinha uma formação religiosa, sua família era religiosa?
R - Mais ou menos. Como todo mundo no Brasil, exagerando, 115% da população brasileira é católica. Então, católica. E atrás de casa tinha um asilo que tinha uma igreja, onde eu fiz a primeira comunhão, aquela coisa toda. De vez em quando o padre ia almoçar em casa, jantar em casa. Então, tinha pouco esse convívio. Mas meus pais, é uma coisa muito ponderada, do que eu agradeço. Meu pai, sim, religioso. A gente saía, por exemplo, e vinha para São Paulo visitar meus avós, de carro pela estrada, antes rezar uma ave maria antes de sair de casa.“Vamos rezar uma ave maria” Então ele tinha essas coisas, né? Mas não era uma coisa rígida assim, né? A gente ia na igreja no fim de semana e no seminário.
P/1 - No domingo você ia…
R - Eu não sei se todo domingo, não consigo lembrar disso, mas a gente ia assim ao seminário e tal, né? E a minha participação ali, eu lembro, era como qualquer criança, eu ficava brincando, a minha mãe tem uma pulseira, que até eu ganhei, depois que ela morreu eu ganhei, tem uma gaiolinha dourada com passarinhozinho que fica pendurado. Eu ficava brincando com a gaiolinha, porque com 5, 6 anos de idade, né, então eu ficava ali. Mas eu lembro de eu vir na igreja, aquele, “eis o mistério da fé”, eu achava essa frase maravilhosa, o que será que quer dizer o mistério da fé, né? E quando o coroinha pegava aqueles sininhos e virava, “blim, blim, blim, blim, blim, blim”, todo mundo ficava quieto, eu achava essas coisas interessantes. Mas mais como o mise-en-scène daquela história que eu achava bacana, né? Então, sim, a gente ia lá. Mas ela, minha mãe, agora já falando mais pra frente, muito tudo é o poder da mente.
“Pensar positivo, você consegue se curar”, né? “Vem cá”, ela não falava “dar um passe”. Ah, eu lembro quando eu viajei para os Estados Unidos, eu morei um ano nos Estados Unidos, ao embarcar, aos 18 anos, ela estava muito mal, minha mãe ficou mal, tal. Mãe, sentindo que o filho estava indo embora e tal, e ela fala: “faz o seguinte, põe imposição de mão”, imagina um chamado de passe. E eu, com 18 anos, nem sabia direito o que era, fiz imposição de mão nela e ela melhorou na hora. E ela falou: “nossa, melhorei”. A gente estava no Rio nessa época, inclusive, prestes a embarcar. Então, acho que tinha uma coisa dela que era uma coisa mais da energia, da conexão com o todo. Apesar de ser católica também, ela estudava parapsicologia. Então, ela curtia uma coisa mais fluida. Então, sempre foi muito tranquilo em casa. Nunca foi uma coisa muito rígida de religião, sabe? O que, de novo, eu agradeço. Acho que isso foi bom para dar uma tranquilizada nisso, não ser uma coisa tão engessada.
P/1 - Agora vamos falar da escola. Teve algum momento, algum professor, alguma coisa que você fala: “a escola para mim, nessa hora, fez sentido?
R - Eu estudei em colégio público, no grupo escolar, como chamavam antigamente, até quarto ano primário. Aí passei por várias professoras, lembro delas, mas não foi nada tão marcante. Depois, dois anos aí na escola pública, depois os dois últimos anos do que era, na época, o ginásio, já em escola particular e colegial. Aí entrei já para o Objetivo, para fazer vestibular, aquela coisa. Então, aí tudo… Nada tão marcante. Eu vi um professor, na sétima ou oitava série, que me deu aula de fotografia no curso que eu fazia. Isso, para mim, foi muito interessante, porque é um negócio que eu curti e curto até hoje, fotografia. Então, acho que ali deu um clique numa coisa que eu gostava, e esse professor me ajudou. Seu Adolfo Gianola, do Sorocaba. Mas o professor que me marcou mesmo foi esse ano que eu passei nos Estados Unidos, Mr.Hansen, também falo com ele até hoje, e era um cara, imagina, nos Estados Unidos um socialista, então já era um cara fora do prumo ali no Oregon. O Oregon nem é tão conservador, mas os Estados Unidos é. E ele tinha uma visão muito aberta de tudo, da sexualidade, do relacionamento todo. Muito aberto é dentro daquela caixinha fechada que é os Estados Unidos. E ali eu me identifiquei muito com ele, eu lembro muito das conversas com ele, de admirá-lo muito como professor, muito aberto. Praticamente um sociólogo, e não era o professor querido da turma americana. Eu e uma dinamarquesa que estávamos na sala gostávamos muito dele, porque era uma visão mais ampla. Então, esse cara me marcou. E daí, na faculdade, algumas, uma socióloga que deu aula para mim, gostei muito, mas nada que fosse um divisor de águas na minha vida, não. Não tive um professor que abrisse as coisas para mim.
P/1- E aí, voltando ainda na sua infância, entre a escola, a religião, brincar na rua, tinha alguma atividade que era sua, que você sentia, sei lá, ler, ou alguma coisa cultural, ou uma relação, uma paixão? Assim, o que era aquela hora que você falou: “ah, isso aqui, eu preciso…”
R - Não, pra mim é o contrário, tinha o que eu não gostava. Eu não gostava de futebol, nunca gostei de futebol. Nunca fui bom de bola, nunca… Nada físico, nada de esporte, nunca gostei nada disso. Isso era um problema, porque se você é menino no Brasil, sobretudo daqui de 60, 70, e você não joga bola, meio estranho. Você tem que jogar bola, você tem que ser bom de bola, você tem que torcer pra um time. Eu nunca torci pra time algum. Isso acho que também vinha do meu pai, meu irmão, a gente nunca deu bola pra futebol. E mesmo depois, adulto, você percebe que esse é um gapzinho. Se você quer estar em turma no meio dos homens aqui no Brasil, não só de homens, é bacana você torcer por um time, você falar, “pô, você viu o cara onde?”. Não tem menor interesse em futebol, menor. Então, eu não tinha uma coisa que eu adorasse, mas eu tinha coisa que eu dava bola, que é isso. O que eu gostava era de brincar, brincar por ali com os amigos. De novo, de polícia e ladrão, de… A gente teve um conjuntinho esse, meu amigo e eu, a gente achava que ia ter um conjunto de música. Imagina, nada, batucava na lata de lixo, essas coisas assim. Mas nada que fosse uma paixão, uma coisa assim. O que eu gostava era de conversar, conviver com essas pessoas e tal. Mas lembro também, na adolescência, começou já uma coisa de me interessar um pouquinho por fenômenos espiritualizados. Essa minha avó, que foi tão importante pra mim, a avó Amália, ela contava, ela… Outra história de perda, meu avô comprava o algodão dos produtores da região de Tatuí, Sorocaba, comprava o algodão, eu acho que ele armazenava, não sei o que ele fazia, ele vendia para Votorantim, que era do Ermírio de Moraes aqui. E na crise de 29, ele “palavrou” com todos os agricultores da região, “vou comprar tanto de você, tanto de você, tanto de você”. E chegou a crise 29, a Votorantim falou: não vamos comprar mais algodão. Ele falou: “mas como? E o que eu faço agora? Como é que eu faço? Eu dei minha palavra para esses agricultores todos que eu vou comprar a produção dos caras, eles produziram”. E eles falaram “ah, não é problema nosso, não vamos comprar”. E ele falou: “eu não posso não honrar esse compromisso com esses agricultores”. E ele comprou esse algodão todo, armazenou, perdeu tudo, apodreceu o algodão porque a Votorantim não comprou. E ele ficou na miséria, vendeu casa, vendeu…
P/1 - Esse é o…?
R - Meu avô, pai de minha mãe, Josino e Amália. Os pais da minha...
P/1 - O outro que perdeu tudo na fazenda é o outro
R - Esse é o meu sogro, o pai da minha mulher. Teve uma onda e perdas aí. Mas, olha, perdas e ganho, viu? Muito interessante pensar a longo prazo as perdas de ganho. Ao perderem tudo, ficaram com a mão na frente e outra atrás. Minha avó contava isso. Daí ela, desesperada, falava, “como é que eu vou fazer com os filhos para criar?”. Mudaram-se de antigo Campo Largo, que hoje é Araçoiaba da Serra, do ladinho de Sorocaba, e foram para Sorocaba. E ela rezando, rezando, rezando, aí disse que um dia ela estava lavando roupa no tanque e ela viu cair do céu uma bola de fogo, ela contava isso, e saíram dois anjinhos e falaram para ela assim: “Ore. Ore e espere”. Eu lembro até hoje dessa frase dela: “Ore. Ore e espere”. E ela fez isso. E um dia ela andando em Sorocaba, viu uma casa, uma placa aluga-se. Ela falou: “olha, essa casa está para alugar, acho que eu vou alugar essa casa aí e vou pôr uma pensão”. Meu avô falou “imagina, a gente não sabe de pensão”, puseram a pensão e foi quando eles conseguiram voltar a ter alguma coisa. Nunca foram ricos, mas voltaram a ter alguma coisa. Por que eu conto isso? Porque acho que são valores que acabam dando para a vida da gente muito orgulho. Meu avô ter feito isso, puxa vida, não sei se eu faria isso. Porque ele ficou na miséria para honrar o compromisso que teve com os demais. Meu pai contava também do meu outro avô, o Alexandre, o pai do meu pai, que uma vez ele vendeu um terreninho que ele tinha lá pra uma pessoa por um preço X. E meu pai chegou pro pai dele e falou assim, “pô pai, por esse preço esse terreno vale muito mais, por esse preço eu comprava de você”. E meu avô falou pra ele, “mas pra você eu não venderia por esse preço, você não precisaria, ele precisa. Então pra ele eu vendi por esse preço, pra você eu não venderia por esse preço”. Então são coisas que você vai ouvindo, que você vai falando, pô que legal, né, como tem gente que é correta na essência. Isso foi dando um olhar sobre a vida, sobre como, não que a gente não erra, erra pra caramba, faz um monte de bobagem, mas você vai aprendendo com as pessoas. Ter isso na família foi sempre muito interessante.
P/1 - E aí você estava me contando que teve um momento já mais velho, que você teve os primeiros contatos com essa coisa mais espiritual. Você consegue me contar?
R - Então, mais foi com a minha avó mesmo, essas coisas dela contar, esses negócios. Depois, como você vai convivendo com o espiritismo, você ouve muita gente contando muita coisa. No espiritismo, se fala que as pessoas “ou você vem por amor ou pela dor”. No meu caso, não foi pela dor. Eu não tinha nenhuma grande doença, não tinha morrido ninguém significativo na família, não estava numa angústia qualquer por doença, por droga, por trabalho, nada. Estava tudo ok. Eu comecei minha carreira e tal. Aí, aos 25, mais ou menos de 24, 25, eu trabalhava em uma empresa aqui em São Paulo, e as pessoas frequentavam o centro espírita aqui perto. Eu resolvi ir no Itaim Bibi, resolvi dar uma chegada lá e ver como é que era. Não era uma angústia, mas era uma curiosidade. Falei: “Não sei, essas religiões, sobretudo o catolicismo onde eu estava, não me preenchia, não falava nada que me dissesse alguma coisa mais racional”. E aí comecei a estudar espiritismo, a entrar no espiritismo, perguntar para essa irmã, que era espírita, para a Vera: “Como é que é isso? Como é que é aquilo?”. E começou. Eu falei: “Isso aqui parece fazer sentido, isso aqui parece legal”. E a mim me interessou muito menos o fenômeno espírita, ou seja, a mediunidade, a comunicação, o passe, a cirurgia espiritual. Tudo isso eu sei que tem, acompanho. Eu presidi um centro espírita aqui em São Paulo, então, tudo isso está tudo certo… Psicografia, eu psicografo, mas não são coisas que me fascinam. Eu entendo que isso é parte do espiritismo, mas o que me fascina e me atrai ao espiritismo é a lógica do espiritismo: “Vamos conviver bem? Vamos tentar viver melhor? Vamos tentar não sacanear o outro? Vamos tentar compreender para não precisar perdoar?”. Essas coisas todas do espiritismo que me levaram a começar a andar. Então, para mim, é muito menos o fenômeno e muito mais a lógica que eu vejo por trás da filosofia espírita. E Kardec, que é o fundador do Espiritismo, fala que não é nenhuma religião. Ele fala textualmente. Tanto que no túmulo de Kardec, lá no Père Lachaise, em Paris, está escrito: Fundador da Filosofia Espírita. Ora, quem fez isso no túmulo dele era a esposa, os amigos que conheciam o que ele pensava. E se você lê os livros do Kardec, fala claramente isso. É para ser um encontro onde qualquer religião pode estar. Eu tinha uma professora que era judia, a Ruth me deu aula no Espiritismo. Então, é muito curioso, eu falo isso nas minhas palestras, dou muitas palestras sobre espiritismo no Centro Espírita, e choca um pouco as pessoas, porque eu falo textualmente uma coisa que está nos livrinhos do Kardec, ele fala o seguinte: “não é para rezar o Pai Nosso em voz alta no Centro Espírita”. Ele fala, como eu já ouvi dizer que acontece, “isso é ridículo”, ele usa a palavra ridículo. Isso choca, porque no Brasil as pessoas rezam o Pai Nosso em voz alta, “vamos lá. Pai Nosso…” Por que não é para rezar o Pai Nosso? Ele explica. Porque o Pai Nosso é uma oração, por mais bela que seja, ele diz, ou seja, ele acha que é linda e adequada, mas ela representa os cristãos. Se você não é cristão, você não se sente representado no Pai Nosso. Ele fala “se você faz o Pai Nosso, então tem que permitir também, por exemplo, que o muçulmano coloque o tapete dele e reze virado para a Meca”. Então, o Espiritismo, ele diz, é para unir as diversas religiões, ele não é uma religião. Então, tudo isso me dá muito prazer de conversar com as pessoas, de tentar levar esse Espiritismo, que eu acredito mais fiel ao Espiritismo francês, de Kardec, do que o caminho que o Espiritismo tomou no Brasil. No Brasil tomou um caminho muito religioso, desde Bezerra de Menezes, no começo do século XX e tal, juntou muita coisa do catolicismo aqui, né, e que no meu entendimento é inadequado. E aí com Chico Xavier, com os romances psicografados, só reforçou esse lado religioso, de Maria, nossa mãe, não, Maria não é mãe de, quer dizer, é mãe biológica de Jesus, mas pro espiritismo não é virgem, Jesus não é Deus, Jesus é um espírito super evoluído, como vários outros super evoluídos que aqui estiveram, então tem pequenas diferenças, que eu acho que o Espiritismo brasileiro acabou perdendo um pouquinho nesse caminhar tão forte pelo religiosismo, né? E eu acho isso uma pena, eu tento ir para um lado oposto. Mas, enfim, voltando ao que você perguntou, começou ali pelos 25 anos, frequentando o centro espírita, gostando do que estava fazendo, estudando, estudando, lendo, lendo, lendo. Eu nunca fui um leitor voraz, diferente do meu irmão que é muito leitor. A partir do Espiritismo comecei a ler muito. E agora, depois que eu parei de trabalhar como executivo, fiquei mais dedicado ao Espiritismo, aí tenho lido muito mais. Até para poder escrever. Então, isso tudo foi me dando uma base.
P/1 - Me explica um pouquinho melhor, assim, que a gente vai… “Que interessante aqui, que legal!”. Quando a gente começa a se dedicar é porque tem alguma coisa que fala “vou dar o meu tempo, a minha energia para isso”. Isso foi naquele momento dos seus 25 anos? Então, assim, tenta me contar um pouco porque aquilo fez sentido para você e por que aquilo te levou, além de “foi interessante”, “pum, isso aqui é o que eu realmente estou entendendo, para dar sentido à vida?”
[intervenção]
R - Olha, não consigo identificar uma razão e falar “não, eu fui ao espiritismo porque isso…Não teve uma grande razão, sabe, nada que falasse “ah”, foi meio que eu tive a felicidade, a sorte… Aliás, esse é um dado curioso, é mais uma historinha interessante. Eu comecei a frequentar esse centro espírita que eu te falei, que é muito grande, aqui em São Paulo, no Itaim Bibi, muito bom, mas gigantesco, tem centros maiores, mas ele é bem grande. Eu ia lá e queria fazer o curso. O Espiritismo tem cursos para você se desenvolver como trabalhador. Então, compreender a mediunidade, compreender o que é o passe, treinar psicografia, tem curso. Eu nunca conseguia fazer o curso. Estava sempre lotado, lotado, lotado. Isso me frustrava um pouquinho, mas continuei frequentando. Um dia eu estava lá, num salão grande, cheio de gente. Como estava lotado, eu sentei bem aqui à frente. Estava aí toda a plateia aqui do lado, a mesa dos médiuns e o presidente do centro espírita, eu sentado com minha mulher e a minha irmã, de frente para a plateia do lado da mesa, onde estava o presidente do centro e os médiuns. E aí, como sempre acontece, falou: “bom, então vamos acalmar agora, vamos fechar os olhos, concentrar”... Como você faz em Centro Espírita. Aí, quando estava todo mundo começando a considerar o presidente do centro, falou: ‘ah, espera aí, só um minutinho, só um minutinho. Eu queria dizer aqui, que está conosco aqui, um colega, um irmão de casa, espírita como nós, está ali no fundo, vereador fulano de tal, e o cara lá do fundo fez um tchauzinho, que está aqui e vai candidato à reeleição na vereança aqui em São Paulo, e nós vamos dar o nosso voto a ele, porque ele é diferente dessa pessoa”, e tinha uma pessoa na Prefeitura de São Paulo na época que eu gostava muito… “Essa pessoa que está aí, porque…” começou a descer o pau na pessoa que estava à frente da Prefeitura de São Paulo. E eu achei isso absolutamente inadequado. Naquele momento, mais que tudo, a gente estava começando a se concentrar para uma reunião e o cara faz… E deu meu voto ainda por cima, para alguém, né? E eu fiquei muito indignado com aquele negócio e falei para a minha mulher “vamos embora, vamos levantar”. No que eu levantei, como eu estava de frente para a plateia, estava todo mundo meio incomodado, né? Ele falou: “vamos acalmar, vamos acalmar, vamos voltar”. Eu nunca mais voltei lá, né? Apesar de gostar daquela casa. Isso acabou me levando para um centro espírita desse tamanhinho, pequenininho aqui em Pinheiros, que eu frequento desde então. Desde a pandemia eu estou frequentando menos. E eu tive a sorte de cair nesse outro Centro Espírita, porque ele é muito progressista. Desde os fundadores, uma visão muito arrojada do espiritismo, muito menos dogmática ou fantasiosa, ou pelo fenômeno espírita, lá tem passe? Mais ou menos, já há muitos anos a gente tirou o passe que a pessoa vai ficar dando passe no outro, por quê? Porque a pessoa que está querendo o passe, fala, “eu vou lá tomar um passe, mas eu quero passar com aquele médium ali, aquele lá que é bom, porque ele bufa mais, faz barulho”. Não precisa disso, então a gente dá o passe coletivo, não tem uma pessoa dando passe na outra, para tirar essa personalização daquilo. A gente tirou a água da mesa. A mesa no centro espírita tem uma água ali que a gente acredita que seja “fluidificada”. O que é uma água fluidificada? Os espíritos colocam ali porque você precisa para o seu bem estar. Aí tinha um pires em cima da jarra. As pessoas tiravam o pires porque você sabe que o espírito não pode ter o pires para fluidificar a água. Uma bobagem. Aí precisava de uma toalhinha, tirava a toalhinha. Então a gente é muito apegado à coisa física. Daí tirou a água de lá, não fica mais na mesa. Flores, a gente tirou as flores da mesa. Por quê? Porque as pessoas se digladiavam para levar uma flor para casa, porque aquela flor ia proteger o ambiente de casa. Não é a flor que te protege, o que protege é o jeito que você é, o jeito que você pensa, o que você espalha na sua casa, como é que você deixa a sua casa em paz e tal. Então, esse centro é muito legal porque ele sempre foi muito à frente, muito menos nas coisas concretas e materiais e muito mais no pensamento, no jeito e tal. Então, aí eu gostei muito e me dei muito bem lá. Então talvez seja isso que me levou a gostar do espiritismo, porque eu via lógica nessa conversa, sabe? Cada vez menos esoterismo e cada vez mais a lógica do bem viver, do bem relacionar-se, de conhecer a si mesmo e a partir do conhecimento agir em si. Não é você melhorando o outro, é você se melhorando. Quem sabe, por influência, você vai ajudar o outro a se melhorar também, mas o outro é o outro, eu não consigo mudar o outro. Um pai e uma mãe têm a obrigação de tentar ajudar um filho a crescer, mas é como a gente mesmo. Então, eu tive a felicidade de cair em uma casa assim, e isso acho que me ajudou a seguir. E aí eu gostei muito de começar a dar palestra, depois escrevi um livro, depois escrevi o segundo livro, o terceiro livro, e assim fui entrando nisso. Em paralelo, sempre a carreira de executivo.
P/1 - Eu vou fazer uma ponte para você no mundo da carreira de executivo. Você estava estudando, aí quando vocês mudaram para São Paulo, como é que foi? Voltando a essa vida…
R - Então, eu vim para São Paulo para fazer faculdade aqui. Vim fazer a PUC aqui em São Paulo.
P/1 - Sua família ficou lá?
R - Meus pais em Sorocaba, minhas irmãs já moravam para cá. A gente tinha um apartamento aqui e eu vim morar com uma das irmãs aqui. As outras duas já estavam casadas, já não estavam mais aqui. E aí, fiz PUC aqui, peguei esse CPOR, tive um atraso ali por causa de um ano de exército, que foi uma experiência boa também, interessante de conhecer como é que é esse mundo dos militares. Tudo vai contribuindo para formar a gente, né? É interessante.
P/1 - Vamos parar nesse militares. Se você nasceu em 62, quando você tinha 18 anos,a gente está falando aí de anos 80.
R - Fácil pra você fazer a conta, né?
P/1 - Era ditadura, né?
R - Exatamente. E eu tava fazendo PUC, que era de esquerda de ponta, né? Então foi muito interessante também isso. Na verdade, eu não servia no ano certo, que eu tava nos Estados Unidos no ano que era pra eu servir. E como eu não tava aqui, quando eu voltei, dá o que eles chamam de refratário, como se eu tivesse fugido do serviço militar. Coisa que não é verdade, que eu fui pra São Francisco, carimbar lá o certificado, mas, enfim… Aí, caindo no CPOR, tive que fazer. Então, eu meio que… Não é que eu tranquei a faculdade, mas fazia poucas aulas na faculdade e prestava serviço militar aqui em Santana.
P/1 - O que foi essa experiência? Você já tinha se interessado pelo Espiritismo ou isso é depois?
R - Ainda não.
P/1 - E aí, o que era fazer um exército durante uma ditadura? Você tinha essa visão política do país já?
R - Então, quando eu vim para a PUC, eu comecei a ter uma visão… Minha família sempre foi, eu diria, de centro-esquerda, assim, né? Nada muito, mas sempre mais ponderada do que de direita. Não era de esquerda, meus pais, sobretudo, meu pai, sobretudo, mas também não era de direita, era bem centro-esquerda, o que seria um PSDB hoje em dia, um pouco mais para a esquerda, talvez. Então, para mim não era uma coisa completamente fora, esse raciocínio não existia, mas ainda é muito imaturo, muito novo. Quando eu pego o CPOR aqui e estou fazendo a PUC, comecei a fazer a PUC primeiro. E a PUC, nessa época, em 1980, quando eu entrei, era muito interessante. Tinha o chamado básico, o básico na PUC era uma coisa espetacular. Você tem na mesma sala uma pessoa de Fonoaudiologia, outra de Psicologia, outra de Antropologia, outra de Administração, outra de Economia, várias faculdades, as pessoas se juntavam na sala, então era uma mistura muito interessante e tinha o chamado curso básico, ali você tinha Português, Antropologia, Sociologia, tem uma série de matérias, Psicologia, comuns, esses grupos todos. Isso foi muito rico, muito rico, porque você tinha uma visão muito mais… Ali abriu, você perguntou de professores, não foi um professor, mas o básico abriu, para mim, uma visão muito mais eclética do mundo. E a PUC, muito combativa nessa época, tinha acabado de ter tido, em 77, a invasão da PUC pelo Erasmo Dias, aqui em São Paulo. Então, estava tudo muito quente ainda. Tinha um grupo de extrema-direita lá, pondo fogo em bancas de jornal, contra o Pasquim, era uma época bastante aguerrida. Então, ali era um ambiente bastante inflamado com relação à ditadura que estava acontecendo no Brasil. Já no Exército, o contrário. Um dos caras com quem eu tive uma ou duas aulas, não fiquei na turma dele, era o Ustra, o Brilhante Ustra. Ele era o major Ustra naquela época e ninguém sabia do passado dele. Esse passado que veio à tona depois, ali não, era um major só, muito duro, muito rude. Mas era o Major que estava lá. Eu, talvez já pela afinidade, fui fazer a coisa mais bobinha que tem no Exército. Eu escolhi o que eles chamam de arma mais simples, que era a intendência. Intendência é coisa de cozinha, de uniforme. Eu fiquei nesse negócio. Eu não queria estar lá à frente com a arma. Eu gosto de arma. Sempre gostei, apesar de ser contra o armamentismo. Mas eu acho a arma uma coisa impressionante, o fascínio que a arma dá. Quando você tem uma arma na mão, muda a sua personalidade. É uma coisa muito louca. Mas eu gostei do Exército. Eu acabei sendo presidente do grupo ali, da intendência e tal, da Guarda Unida, não foi ruim, mas era um ambiente muito diferente, socialmente muito diferente. O CPOR é a elite do Exército de Reserva, então ali era a elite, acima da PR, acima de todos. Mesmo na elite, os níveis sociais eram muito diversos dentro da minha turma, então tinha gente rica e tinha gente pobre ali, tudo junto. Isso foi interessante também, porque você começa a ver algumas coisas, gente que queria seguir carreira militar porque era a forma de ter algum dinheiro. Então, não foi ruim, mas era uma antítese. Eu ia do CPOR, que era 5 da manhã, 6 da manhã, depois eu ia para a aula, ia fardado, e fazia questão de ir fardado. Por quê? Porque eu não sei, eu acho que não era porque eu estava fardado que eu seria o militar tradicional, contrário que ia matar subversivo e tal, não. Eu queria mostrar que dá para ser militar e ser um cara com uma visão melhor. E tinha militares com visão muito boa, um ou outro, era exceção. Mas também tinha, você aprendia coisas horrorosas, “ó, você está dando guarda, fica atento que os comunistas vão entrar aqui e roubar a sua arma”, uma coisa maluca. Então foi um momento interessante da vida também para isso, mas foi uma experiência boa, que me ajudou a compreender um pouco esse universo, e eu acho que agrega sempre alguma coisa. De modo que eu acho que nenhuma experiência é perdida, ela sempre acaba sendo um ganho. Mas a gente estava falando antes do exército...
P/1 - Ela estava te perguntando como foi estar na PUC e...
R - A profissão, a carreira.
P/1 - Você estava começando a estudar e como foi fazer exército nessa época da ditadura? E se você já tinha essa visão política?
R - É, ainda não, eu estava formando ali. E a PUC foi muito importante. Eu acho que a grande importância da PUC daquela época, não sei se hoje em dia ainda é assim, mas a PUC de São Paulo era um polo de fato de formação política muito interessante. Eu sempre dizia que o melhor da PUC eram os corredores da PUC. Na faculdade, na sala você aprendia o básico, economia, produção, psicologia aplicada, marketing, um monte de coisa ali. Mas o legal era as conversas de corredor, que eram sempre muito ricas. Anos depois, eu fui convidado e fui dar aula na PUC também. Depois que eu formei, eu fui dar aula durante uns quatro anos. Logo depois de formado, eu dei aula lá também para administração e contábil. Isso foi muito legal. Então foi um começo de politização e acho que essa marca da PUC ficou comigo para sempre, com a minha mulher também. O que eu agradeço muito, que dá uma visão de mundo, eu diria, mais humanista do que se eu tivesse feito qualquer outra faculdade mais pragmática, que era aprender. O Tuca, o Teatro da Universidade de São Paulo, era muito ativo também, as peças de teatro que ali tinham, frequentemente tinha greve, na rampa da PUC tinha manifestação, era muito legal, as coisas aconteciam, era muito vivo aquele momento ali. Mas daí fui seguindo. Mas daí da carreira…
P/1 - Aí você já tinha escolhido administração?
R - Tinha escolhido administração.
P/1 - Algum motivo?
R - Você me perguntou se tinha alguma coisa que eu gostava com criança, eu tô lembrando agora. Meu pai tinha um escritório em casa, escritório de modo de falar, um lugar dele que ele usava. Então tinha máquina de escrever, ele do Banco do Brasil, executivo do Banco do Brasil, inspetor, tinha vários carimbos, tinha grampeador, furador, e eu como criança adorava brincar ali. Então eu adorava carimbar, grampear, fazia cartinha pra ele, falava, “ó, você tá devendo dinheiro”, emprestava dinheiro. A minha família era classe média, média-alta e eu Sorocaba. Nós tínhamos uma chácara, que até hoje temos. Eu trazia laranja para vender na porta de casa. Isso foi muito legal. Meu pai e a minha mãe nunca proibiram isso. Não precisavam disso. Era porque eu curtia vender. Vendia gibi usado, revistinha usada. Então, sempre sorvete, vendia sorvete. E eles nunca me proibiram, o que foi muito legal. Eles entendiam que era o meu barato, a minha brincadeira era essa. Minha mãe conta, eu não lembro disso. Ela contava que, um dia, eu estava vendendo laranja lima na porta de casa. Pus uma banquinha ali vendendo laranja lima, e aí uma senhora, dona Cida, passou e falou: “quanto que é a laranja?” falei: “ah, xis”. Ela pegou a laranja, “ai, mas tá quente, tá no sol”. Eu perguntei pra ela, “onde a senhora vai?”, “ah, eu vou ao mercado”. Falei: “quando a senhora voltar, ela vai estar gelada”. Pus na geladeira a laranja e vendi a laranja gelada pra ela, que por sinal ela nunca me pagou, até hoje ela me deve esse dinheiro. Então, era gostoso, eu gostava de brincar de comércio, de vender. Acho que isso acabou dando o caminho pra administração, sabe? Foi uma escolha meio natural partir por ali. E aí comecei como estagiário da Dupont do Brasil, uma empresa química. Entrei lá cuidando de, como estagiário, Teflon 2, Lycra, elastômeros, polímeros, agroquímicos e tal. Fiquei cinco anos lá. Tinha um chefe que marcou profundamente a minha vida, um cara que eu adoro, o Clayson, já falecido. Foi muito importante para mim no começo de carreira, nas orientações mais pessoais. Ele falou: “vai fazer análise, pega uma psicóloga”, me sugeriu uma psicóloga, foi ótimo. Ele se vestia de uma forma muito arrojada para a época, eu meio que imitei o jeito dele vestir. Era um cara muito legal, muito engraçado, uma graça muito própria, muito inteligente. Esse foi um cara que me marcou demais. Fiquei cinco anos na Dupont, depois fiquei cinco anos na antiga [Rio Blind], que hoje é Diageo, de bebidas alcoólicas. Ali era a época do Collor, abrindo o mercado para importação de bebida. Eu trouxe para o Brasil Baileys, Malibu, José Cuervo, retomei JB no Brasil. Bebidas alcoólicas, várias. E eu já tinha um pequeno conflito, porque eu já era espírita nessa época e estava vendendo bebida alcoólica. Então, meu papel como marqueteiro era fazer você beber mais. Você achar que era legal beber JB. E espírita, né? Mas deu para lidar com isso aí até que eu resolvi sair desse negócio também. Aí fui para a Colgate, uma passagem muito rápida na Colgate, e aí fui convidado para ir para Novartis, que no caso cuidava de ovomaltine e produtos de nutrição clínica. Fiquei lá também cinco anos. De lá, o [Heidegger] também me convidou para editora Abril, fui para Abril, entrei na Exame como gerente de projetos especiais, fiquei na Exame um período fazendo isso. Depois, saí da Abril, em 2000, quando teve o boom da internet, fui ser presidente de uma pequena startup de mídia, tecnologia, chamada Punto.com, que era de uns bancos americanos aqui no Brasil. A Abril me chama de volta, eu volto para Abril como diretor das revistas masculinas, aí era Quatro Rodas, Superinteressante, National Geographic, Placar, essas revistas masculinas todas. E ali fui fazendo carreira, depois virei diretor de marketing da Abril, depois superintendente da Exame, da Você S.A., da Info, das revistas de negócios. Aí eu saio e vou presidir o Valor Econômico, o jornal de negócios do Brasil. Na época, pertencia a Globo e a Folha, a família Marinho e a família Frias. Fiquei lá um tempo presidindo o Valor. A Abril me chama mais uma vez de volta para ser presidente da Editora Abril. Fiquei com o presidente da Abril durante também uns três anos. De 2016 para cá, resolvi sair. Abril já estava com dificuldades financeiras muito sérias. Saí da Abril e estou só tocando minha vida como espírita.
P/1 - Enquanto você estava na Abril, com esses trabalhos, presidente, você continuava tendo a sua...
R - Nunca deixei. O lado espírita sempre tocando e sempre muito claro para todo mundo que eu era espírita. E dava uma certa surpresa, sabe? “Mas você é presidente de empresa, você usa terno, você fala inglês e você é espírita?” É curioso. Hoje tem menos isso, mas tinha uma certa surpresa nisso. Mas ao mesmo tempo que tinha uma certa surpresa, era muito legal, as pessoas eram muito abertas a isso. E todo mundo fala, “eu não sou espírita, mas minha tia é, minha avó é, meu primo é”, sempre tem alguém na família que é espírita. “Eu não sou espírita, mas eu acho tão interessante, me simpatizo com isso. Me conta uma coisa, como é que é tal coisa no espiritismo?” Então sempre deu conversa, sempre foi uma coisa muito boa. E claro, eu jamais fiquei pregando o espiritismo para ninguém. Se a pessoa perguntava, eu falava alguma coisa. Não escondia ser espírita, nunca escondi e nunca me prejudicou. Mas também não ficava falando, “ah, você deve ser espírita, vai ser bom para você” Jamais. Às vezes a pessoa falava “posso ir no seu centro?”. “Pode”. Na Abril tinha duas meninas gerentes lá, não espíritas. Frequentemente elas vinham e falavam “ah, eu preciso de um passe, alguma coisa, eu estou me sentindo mal, eu estou vendo aqui um monte de espírito, umas coisas complicadas”, né? E eu não vejo nada, elas vinham, não são espíritas. Então é interessante que você tinha um pouco essa interação ali também, né? A Abril muito aberta, uma empresa espetacular. Hoje em dia ela não é mais o que era, mas era uma empresa muito grande, com porte de multinacional, mas com um jeitão de empresa brasileira como de fato era, e empresa familiar também. Então, família presente, mas empresa nacional, com jornalista que é um povo muito letrado, muito culto e muito crítico também. E com o publicitário, que é o povo mais transado, roupas mais transadas, curte uma coisa ou outra. Então, era um ambiente que juntava gente muito interessante. E por conta disso, dessa abertura, mais de uma vez, eu fui convidado a falar sobre o Espiritismo. Fiz umas duas falas sobre o Espiritismo lá na Abril, antes de ser presidente até, e lotou o auditório. Então, era legal que tinha isso aí. Se você é budista, vem falar sobre o budismo. Se você subiu o Himalaia, vem falar sobre sua experiência, subiu ao Himalaia. Então, era muito legal porque era muito aberto, muito amplo, sabe? Então, tinha espaço para essas coisas. Foi um momento, para mim, muito rico. E não há uma pessoa que eu conheça, que tenha passado pela Abril, que não adore a Abril. As pessoas adoravam trabalhar na Abril, porque era muito gostoso mesmo. Mas, como tudo na vida, as coisas passam. Eu sinto ela não existir mais, porque praticamente nem existe? Não, não sinto. Para mim foi um momento muito bom. Para as pessoas com quem eu convivi também, pelo que entendo, foi muito bom. E as coisas mudam, as coisas passam. Ah, mas acabou a revista? Praticamente acabou. Eu sinto, eu sinto. Tem umas revistas que eu gostava demais. “Arquitetura e Construção”, eu achava maravilhosa, a “Cláudia”. Mas as coisas passam, hoje em dia não se fabrica mais anágua, nem carroça, chapéu ninguém usa, mas está tudo certo. As coisas são assim, elas mudam. Acho que é importante entender isso, que as coisas vão caminhando, não há que ficar chorando sobre o passado.
P/1 - Esse fato do espiritismo que você estava cultivando e indo atrás, ele mudava o seu jeito no trabalho?
R - Ah, seguramente.
P/1 - E na família, na sua vida?
R - Seguramente. Quando você é espírita, e de fato é, curte, quer saber, quer estudar a respeito, seria absurdamente incoerente se você não mudasse a si mesmo nos aspectos que você acha que deve. Quais são esses aspectos? Cada um sabe de si. Eu posso ter este, este e este para mudar, você pode ter este, este e este. Cada um sabe de si onde é que pega. “Ah, eu estou sendo muito intolerante"."Ah, eu estou sendo muito arrogante"."Ah, eu estou sendo muito egoísta"."Ah, eu estou sendo muito nervoso”. Você escolhe o que é e tenta começar a mudar, é isso aí. Não é assim do dia para a noite e não tem pressa. Para nós espíritas, que somos reencarnacionistas, você tem só a eternidade para se melhorar. Agora, é meu interesse me modificar o quanto antes para que eu sofra menos. A gente não acredita num Deus punitivo. Para o Espiritismo, Deus é o quê? A inteligência suprema, a causa primária de todas as coisas. Ou seja, não é um homem branco, de cabelos longos, barba, coisa… Não é vingador, “olha aí, olha o que ela fez, que absurdo, vou mandar um castigo para essa pessoa”. Não tem isso. A palavra karma não existe no espiritismo. Karma é das religiões orientais. Se você procurar, tem um instrumento muito legal chamado Kardecpedia. Tudo que está em Kardec, você põe a palavra ali e aparece. Não tem karma. Então não é uma punição divina. No meu entendimento é a didática divina permitindo que você viva novamente uma situação para que você reflita e fale, “Não está bom isso aqui, eu preciso mudar esse negócio”. Então, é isso que eu acredito que acontece ali. Então, é impossível você não se modificar, não modificar o seu jeito de ser, tentar aprimorar o seu jeito de ser ao longo da sua vida.
P/1 - No seu caso, quais foram as coisas que você teve em comum?
R - Eu não saberia dizer exatamente… Bom, acho que arrogância, falta de paciência, maniqueísmo. “Isso aqui é assim porque eu estou falando o que é”.Essas coisas são… Mas as pessoas que conviveram comigo, como presidente da Abril, sobretudo ou até como gerente ou diretor e tal, parece imodesto falar, mas é real. Falar, “foi tão bacana trabalhar com você"."Nossa, aprendi tanta coisa, foi tão legal"."Você foi o melhor chefe que eu tive”. Você ouvir isso é uma delícia. De onde veio isso? Acho que veio do espiritismo, que podia ser qualquer coisa. Podia ser budismo, podia ser mesmo um ateu, um agnóstico. É você estar atento ao seu modo de agir e tentar agir da forma mais justa possível, mais humana possível, mais compreensiva possível. Então, é menos você dar uma dura, é mais você tentar, “olha, isso aqui não foi muito legal, como é que a gente podia fazer isso aqui?"."Será que não seria melhor fazer assim ou assado?” Agora, também não tive nenhum problema em demitir gente, em demitir gente a rodo, mandei um monte de gente embora. Ou por incapacidade, ou porque era um sacana, ou porque a empresa precisava enxugar custos. Não dá para confundir também, você ser bom não é você ser “bonzinho”, você tem papel a atuar, você está ali no trabalho e exige uma série de comportamentos que não dá para ser bonzinho o tempo todo, e não precisa ser bonzinho, mas você precisa tentar ser correto, tentar ser humano e tal. Então, acho que nesse sentido que o espiritismo sem dúvida influenciou e influencia até hoje o meu modo de tentar me relacionar com as pessoas. Dá super certo, me relaciono super bem o tempo todo? Claro que não. Minha mulher e meu filho que brincam, falam assim, “ah, se a gente for nas suas falas, vão desmascarar você, porque você fica falando esse monte de coisa bonitinha e você não é isso não”. Claro que não sou. O Sêneca falava, Sêneca, adoro o Sêneca, acho brilhante, aquele filósofo da época de Cristo, que conviveu na mesma época ali, no Império Romano, com Calígula, com Nero, ele falava o seguinte, “eu não falo sobre mim, eu falo sobre a virtude, dizia Sêneca, eu ainda não ajo assim, mas eu sei onde é que eu quero chegar, e quando eu conseguir, eu chegarei lá”. Acho que é exatamente isso, não importa que você ainda não seja, mas eu sei que aqui é o bom, eu estou aqui ainda, mas eu quero ir para lá, quero ir indo até ali, e é um esforço pessoal. Acho até, tenho pensado bastante sobre isso também, o espiritismo fala muito da caridade. “Fora da caridade não há salvação.” Não é fora do espiritismo, é fora da caridade. O que é caridade? O espírita brasileiro, em geral, entende a caridade como uma coisa material. “Vou levar sopa na Praça da Sé para as pessoas que estão com fome.” Isso é caridade? É caridade. “Vou levar uma cesta básica para uma família que está passando necessidade”. Isso é caridade? É caridade. Mas no meu entendimento é muito mais que isso a caridade. A caridade é um modo de você viver com as pessoas. Então, compreender essa caridade, como agir adequadamente com todos à sua volta, esse para mim é o caminho do progresso. Agora, é passo a passo, você não muda do dia para a noite. Então tem que querer, estar atento e saber que vai escorregar, que vai fazer bobagem de novo. Você não andou de bicicleta na primeira vez que você pegou bicicleta, você caiu, ralou o joelho, chorou, falou: “não vou andar mais e tal”, aí você andou um pouquinho, caiu de novo, andou um pouquinho, até que você anda sem as mãos. É um processo de aprendizado. Então, uma certa tolerância consigo eu acho que é importante nisso também.
P/1 - Sim. E quando a gente vive esse tipo de percepção e autopercepção, a gente vive muitos conflitos. Do jeito que a gente tem e o que a gente gostaria que tivesse. Você tem lembrança desses seus conflitos, onde aquele momento, seja na família, no trabalho ou mesmo no Centro Espírita? Tem algum ponto que foram pontos que você falou “nossa, aqui eu…”
R - Vários, vários o tempo todo. De falas inadequadas que magoaram as pessoas, de intolerância, claramente tem. E aí o que você faz? Você fala, “bom, não devia ter falado isso, devia ter feito isso”. E aí o ego entra, porque o que deveria fazer é voltar e falar, “desculpa, aquilo que eu falei para você, falei sem pensar, falei uma bobagem, eu não devia ter dito aquilo, desculpe”. E tentar voltar e resolver isso aí. Mas nem sempre é fácil, porque a gente segura no ego. “Não, eu de fato, eu exagerei, mas também você viu como ela falou comigo? Pô, eu também não tenho sangue de barata” Se eu entrar nessa de me justificar sempre, não vai rolar. Mas eu tenho sim essas lembranças e eu tento… Algumas me machucam até hoje, falo “pô, eu não devia ter feito aquilo que eu fiz naquela época”. São coisas pequenas, mas que marcaram, que eu lembro, né? E não devia ter feito, mas fiz. E o que faz, tá feito, e tá tudo certo, a gente tá aprendendo, tá caminhando, a gente tá… Pelo espiritismo, a gente entende que a gente é espírito ainda muito atrasado, muito bruto. Basta ver o que é a humanidade. O que tem aqui? Tem estupro, tem pedofilia, tem corrupção, tem todo tipo de agressividade, tem passionalidade. Obviamente a gente não está ainda avançado. Está tudo certo, aqui é a escola que a gente tem que estar. Nós pertencemos a esse grupo aqui ainda. Então, também compreender isso não quer dizer falar, vou deixar para a próxima encarnação. Pode? Pode. Pode. Quem vai sofrer sou eu mesmo. Quanto mais eu demorar para me melhorar, mais eu vou sofrer. Por quê? Por casualidade, por causa e efeito. Vai acontecendo o que a gente vai fazendo. Então, é tudo um processo.
P/1 - Explica agora esse conceito. Qual é a lógica? explica qual é essa lógica do espiritismo?
R - O espiritismo surgiu no século XIX, meados do século XIX, na França, com um professor, um intelectual, que já tinha publicado uma série de livros sobre uma série de assuntos, dava aulas particulares gratuitas, porque ele acreditava no ensino gratuito, uma série de coisas. Casado com uma mulher bem mais velha que ele, o que na época era estranhíssimo. Então um cara que tinha uma visão bem interessante. Esse cara depois usou o pseudônimo Allan Kardec. O nome dele era outro. O que ele fez? Ele duvidava que houvesse alguma coisa chamada espírito. Na época, na França, tinha o que aqui no Brasil, lembra a brincadeira do copo, que as pessoas põem o dedo e o copo vai falando? Tinha uma coisa parecida lá, que eram as mesas girantes. Então, uma mesinha começa a levantar, falava, “tem espírito aí?"."Uma batida é sim, duas batidas é não”. “Então tem espírito”. “Espírito, eu vou casar?"."Uma batida sim, duas batidas não”. “Ah, então eu não vou casar”. E tinha essa coisa e ia conversando. Ele achava que tudo isso era uma mentira, uma bobagem. E ele começou a investigar e falou: “opa, parece que esse negócio é sério”. Só que ao invés de ficar perguntando bobagem, vamos perguntar uma coisa séria? O que é o Espírito? O que é Deus? O que acontece porque a gente morre? Suicídio, eutanásia, aborto? Uma série de coisas ele foi perguntando e foi tendo respostas. E com isso ele organizou livros que explicam um pouquinho o que ele soube a partir dessas comunicações com os Espíritos. Isso hoje para nós é muito comum, mas isso em meados do século retrasado não era. Foi muito perseguido pela igreja católica, fez-se um auto de fé em Barcelona, queimou-se os livros de Kardec todos. Então, começou ali o Espiritismo. O que é a essência do Espiritismo? Como é que tem a lógica do Espiritismo, você perguntava? Nós somos espíritos imortais, criados por Deus em algum momento. Pá, Deus criou o espírito lá. A partir daí, nesse momento, o espírito não é nem bom nem ruim, ele é ignorante, ele não conhece as coisas. E por experiência, acerto e erro, vai aprendendo as coisas. “Fiz isso aqui, deu ruim, me machucou, não vou fazer mais, vou mais pra cá, vou mais pra lá”.“Dei um ‘treçapé’, puxei o tapete do outro e tal”. Vai aprendendo a lidar com as coisas. E vai crescendo intelectualmente e moralmente, em paralelo. Aí, as diversas reencarnações, você vai sempre progredindo, nunca regride, vai sempre progredindo. Pode estacionar, mas nunca regride. Quanto mais inteligente a gente for, quanto mais a gente conhecer das coisas, mais a gente vai perceber que não vale a pena sacanear o outro, então vai crescer também moralmente. Um espírito muito evoluído, como por exemplo Jesus, é um cara que começou igualzinho a gente, errou pra caramba, fez um monte de bobagem, foi melhorando, melhorando, melhorando e hoje está lá no alto, super desenvolvido. Os que estamos aqui na Terra são espíritos ainda muito jovens, por assim dizer, não têm tanta experiência, então ainda erram muito. Por isso que está tudo que a gente vê, essa confusão toda. Quando você compreende isso, fica mais fácil conviver com esse ambiente tão inóspito aqui. A gente fala, “ó, esse cara que foi ali, estuprou, assassinou brutalmente aquela pessoa, é um espírito muito bruto ainda. Muito animalizado, né?” E as pessoas têm problema de falar animalizado, mas animalizado no sentido da fera, né? Bateu, tomou. “Comigo é assim, olho por olho, dente por dente”. “Eu não levo desaforo pra casa”. Essas pessoas, né? Eu moro perto de um estádio de futebol aqui. Basta ver o que o futebol acontece. “Eu vou matar você porque você não é do meu time”. Vai lá. Aconteceu agora recentemente aqui em São Paulo, lembra? Uma moça foi, machucou a jugular, morreu ali, porque o cara jogou uma garrafa. Por quê? Porque ela não era do time dele. Então, essa passionalidade, essa paixão, esse arroubo todo, é característica espiritual ainda muito imperfeita, muito em evolução. Esse é o raciocínio do espiritismo, você vai se desenvolvendo e tá na nossa mão. A coisa mais linda que eu acho que Deus nos oferece, pra mim, é justamente isso, a autonomia. Você pode fazer o que você quiser, tá tudo certo, o problema é seu. Então eu não acredito num Deus que vai interferir, punir, recompensar. Ele permite. Até falar Ele, tá errado, porque não é Ele, não é um homem, não tem sexo, não é homem ou mulher, não é nem humano, é uma inteligência. A gente tem muita dificuldade de entender o que é Deus. Eu não entendo o que é Deus. Eu só sei que é um negócio muito louco, muito acima de qualquer coisa que eu consigo compreender. Por que eu acho que existe isso? Porque a criação das coisas é fantástica. Você pega uma micro formiguinha que tem um sistema respiratório, tem um coraçãozinho batendo ali. Essa beleza da natureza tem uma força criadora por trás que a gente pôs o nome de Deus, podia chamar cadeira, podia chamar lâmpada, a gente chama de Deus. Então o Espiritismo é isso, é você ir aprendendo e se cuidando e se melhorando. E nesse sentido, que também para mim era difícil entender no comecinho do Espiritismo, falavam que esses caras são todos loucos nesse Espiritismo, eles acham que sofrer é bom. Não, o Espírita não acha que sofrer é bom, o Espírita compreende que o sofrimento ajuda. Por que ajuda? “Ai, ai, ai, ai, tá complicada a situação agora aqui no trabalho, tá complicada a situação na família, eu tô com problema com o meu sobrinho, com o meu chefe, como é que eu vou fazer pra resolver isso aqui?” Você exercita o raciocínio, você melhora a capacidade de compreensão da situação e você vai tentar achar caminhos alternativos. Com isso você cresceu intelectualmente. Crescendo intelectualmente, você começa a agir melhor, porque é só ler menos pra ajudar mais e tal. Então, nesse sentido os problemas são bons. Não é que é bom sofrer. E ninguém precisa sofrer. Mas quando vem uma dificuldade na sua vida, um problema na sua vida, ele te ajuda a dar uma pensada e a melhorar a sua qualidade intelectual. Então, para mim, tem muita lógica esse negócio. E por isso que eu disse que, para mim, isso é muito mais importante do que o passe, do que a cirurgia espiritual, do que a água fluidificada, do que a psicografia. Eu implico muito com a coisa da psicografia. Eu psicografo. Mas as psicografias que eu faço, primeiro, eu estou consciente, eu não estou fora do corpo e tal. Só que a velocidade que eu escrevo, eu acho impressionante, é muito rápido. E o que eu estou escrevendo, eu não sei. Eu estou escrevendo, estou lendo o que estou escrevendo, estou consciente. Mas eu falo, “nossa, olha que legal”. “Nossa, que bacana”. Eu fico fascinado com o que eu estou escrevendo. Então, eu acho que deve ser uma outra inteligência me intuindo a escrever aquilo.
P/1 - Como é que você para para psicografar?
R - Eu só psicografo no centro. Então, quase não psicografo, porque eu não tenho ido mais lá. Mas se eu sentar aqui e psicografar, eu vou conseguir psicografar, não tem problema nenhum. A psicografia, o que é? Ou a psicofonia, que é a fala dos espíritos. Não é que o espírito tomou o meu corpo. Tem gente que a mão fica mexendo sozinha e escreve. Escreve com as duas mãos, escreve ao contrário, escreve língua que nunca aprendeu, fala língua que nunca aprendeu. Tudo isso existe. No meu caso, não. No meu caso é muito mais simples. Eu sento, me concentro um pouquinho e tal, daí vem na minha cabecinha, por exemplo, sei lá, temperatura. Daí eu escrevo “temperatura”. Daí eu começo a escrever um texto sobre temperatura ali, num pau, voando, sabe? E a qualidade do que está escrito, no meu caso, tem sido sempre muito interessante, muito boa. E nunca é uma mensagem para alguém, “ó, aqui é a vovó Estela falando com o netinho, estou bem, não se preocupe, reze para mim”. Para mim não acontece isso. Talvez se eu quisesse, tentasse, a pessoa falasse, “vê aí o meu filho que morreu”, talvez viesse. Mas eu acho muito preocupante essa psicografia “querida mãezinha”, sabe? Que é assim, “querida mãezinha, estou bem, não se preocupe por mim”. Ela é consoladora. Mas eu não sei se ela é sempre verdadeira. Há de ser verdadeira em vários casos. E pode não ser. Então, psicografia, psicofonia, precisa muito cuidado. Por quê? Pode ser um médium picareta. O cara não é médium coisa nenhuma. Ele tá enganando ali porque ele quer levar uma grana. Então, “ó, eu faço psicografia aqui do seu filho que morreu, custa, sei lá, cem reais”, né? E tem casos assim, que São Paulo, uma amiga minha, querida, inteligentíssima, vai numa mulher que psicografa pra ela umas coisas lá, e eu falo, “ah, não caia nessa”, quinhentos reais, cada consulta. Então, eu acho complicado. Primeiro, espiritismo não se cobra nada. Se alguém cobrar, não é espiritismo. Você vê na rua aquelas postes “Vidente espírita” Acho até engraçado. “Fazemos qualquer negócio”. Pô, então o cara faz trabalho pro mal também, não é só pro bem, né? “Traz a pessoa amada, amarrada”. Se você é uma pessoa, você quer a pessoa amarrada em você? Não, eu quero que ela fique comigo porque ela gosta de mim. Não precisa vir amarrada, amordaçada, picadinha em caixotes. Não é isso. Mas enfim, a psicografia, por que ela é complicada? Por quê? Pode ser que o cara seja um picareta, não seja médium coisa nenhuma, pode ser médium sim, e o espírito ser picareta, então o cara fala, “ó, aqui é a vovozinha”, não é vovozinha coisa nenhuma, o cara é tirando barato, enganando você, e o médium não percebe. Pode ser um espírito bom e um médium bom, mas mesmo que seja a comunicação, seja o seu filho que morreu, o que você vai fazer? As pessoas falam, “eu só quero saber se ele está bem”. “Tá, se você souber que não está bem, o que você vai fazer?” Não há o que fazer, né? Então, quando a pessoa morre, desejo bem a essa pessoa, desejo que… “olha, tô com uma saudade de você, maluca, mas foi tão bacana a gente ter convivido junto, aquela vez que a gente viajou, lembra aquela vez que o carro quebrou na chuva, a gente caiu na lama?” Essas esquisitices, essas coisas, isso é uma oração pra mim, sabe? É deixar a outra pessoa bem. “Fique tranquila, fique tranquila, eu tô com saudade de você. Mas estou tocando a vida aqui, toque sua vida aí”, porque quem morre precisa tocar a sua própria vida, precisa se preparar para uma próxima encarnação, precisa tranquilizar-se. E quando eu falo que estou com muita saudade de você, minha vida sem você acabou, Deus é injusto, você morreu antes da hora, tudo isso atrapalha a pessoa que morreu. Porque ele pode até estar bem, mas fala assim, “a pessoa que eu gosto está mal lá, eu vou voltar para ajudar”. E aí é uma confusão. Imagine um casal, por exemplo, que está brigando. E o menino do casal fala assim, “ah, se mamãe estivesse aqui, puxa vida, ia perguntar pra ela”. O que acontece? Mamãe fala, “opa, o Júnior chamou, vou voltar”. E ela vem aqui, né? E aí é uma confusão, porque ela é passional, ela gosta do Junior. E ela vai contra aquela sirigaita que ela sempre achou que aquela mulher não valia nada, não podia ter casado com ela. Então, o que pedir? Peça pra Deus, peça pra Jesus, não peça pra ninguém, toca a tua vida. A gente tem autonomia, né? Não precisa. Oração é outra coisa que eu acho complicada também. Então, minha visão do espiritismo é uma visão, às vezes, um pouquinho diferente das pessoas da média, assim. Será que a gente precisa rezar? Eu rezo, não todo dia, não toda hora. Eu faço o evangelho no lar, que é uma prática do espiritismo, a gente pode até falar o que é. Nessa hora eu peço. Ontem à noite eu fiz e pedi pelo tal parente que está doente, que ajude, não sei quem, que oriente, não sei quem e tal. Mas será que se Deus é Deus, que a inteligência máxima precisa que eu agradeça, será que Deus está… Se eu não agradecer, Deus vai falar, “ah lá ó, esse Alexandre aí, muito ingrato esse menino, vou mandar um castigo para ele”. Obviamente não. Será que Deus precisa que eu glorifique, falar, Deus é o máximo? Será que Ele vai se garantir na minha opinião sobre Ele, sobre Deus? Não. Então, acho que a oração para mim… É muito mais em viver em oração. O que eu chamo de viver em oração? É tentar ter uma vida correta, adequada, boa o tempo todo. Vai conseguir o tempo todo? Claro que não. Mas é tentar. Está no trânsito, tentar ter uma vida um pouco melhor, deixar o cara entrar. Eu não deixo também. Eu também “não vou entrar, não” e fecho o carro. Todo mundo faz as coisas que faz. Mas é estar atento e tentar levar uma vida melhor. Se Deus quer alguma coisa da gente, eu não sei se quer, eu acho que é isso. É muito menos rezar falando, “poxa, Deus, muito obrigado”. Não importa nada, mas levar uma vida adequada, isso sim ajuda o progresso da humanidade. Isso eu acho que é importante. Então, esses são os raciocínios que norteiam a minha vida, sabe? Tentar levar uma vida adequada e não uma vida religiosa no sentido literal da coisa.
P/1 - Podemos voltar um pouco para eu entender mais umas coisas? Eu queria introduzir mais dois conceitos aqui. O primeiro é na sua vida. Você fala da reencarnação, mas eu queria entender a morte. Primeiro, pessoalmente, você teve alguma experiência de perda ou de morte que te impactou? Essa é a primeira pergunta.
R - Vamos lá. Eu escrevi um livro sobre a morte, chamado “A Morte na Visão do Espiritismo”. Por que eu escrevi esse livro? Já a espírita de longa data, esse livro tem acho que 10, 12 anos agora. Um dia, uma colega de trabalho, uma jornalista da Abril, o filho, comemorando que passou o vestibular, bateu o carro e morreu. E, obviamente, ela ficou muito chocada, traumatizada, o pai também. Eu fui na missa do sétimo dia do menino e vi a mãe sofrendo muitíssimo. Aí eu pensei, “poxa, podia escrever um livro que tentasse explicar, na visão do espiritismo, para não espíritas sobretudo, mas também para espíritas, o que é a morte”. A pessoa pode aceitar aquela visão ou não, mas este pessoal, que é espírita, entende a morte desse jeito. Se isso te ajudar, tá bom. Aí comecei a escrever o livro, não ficou bom? Dei uma parada, passa mais um tempo, eu ligo pra um amigo pra falar com ele, um empresário aqui de São Paulo. E a mulher dele, é o segundo casamento dele, e a mulher dele é muito minha amiga também. Ela falou: “ai, se ligou na hora certa”. Havia acabado de falecer a primeira esposa desse meu amigo, numa morte meio estranha, não se sabe bem o que aconteceu e tal. E eles estavam, claro, também chocados. E do primeiro casamento, meu amigo tinha uma menina, que na época tinha 14 anos, Maria. E eu disse a eles, falei: “olha, se quiserem trazer a Maria aqui em casa, eu converso com ela sobre como o espiritismo entende a morte, pra tentar ajudar esse momento tão duro que a sua mãe morreu, menina de 14 anos, de um jeito trágico”. Eles trouxeram a Maria, não são espíritas, e eu conversei com a Maria por uns 50 minutos, respondi 3, 4 perguntas que ela tinha, expliquei um pouquinho e ficou por isso. Isso foi no Natal de 2012. Entre o Natal e o Ano Novo eu falei: já sei, vou retomar o livro, vou escrever o livro como se fosse uma conversa que eu tive com a Maria, uma conversa que de fato existiu, mas a minha conversa com ela foi desse tamanho, eu expandi a conversa tentando imaginar tudo que as pessoas gostariam de saber sobre a morte, na visão do espiritismo. O que acontece com a gente, por que a gente morre, a gente sofre ou não sofre, ir no aborto, ir no suicídio, no homicídio, tudo. Preciso ir para o cemitério ou não, rezo ou não rezo, como é que eu rezo, pode ser cremado ou não pode, todas essas coisas. Mais uma vez, sempre na visão do espiritismo. Escrevi esse livro que deu super certo e está aí. Então, como é que o espiritismo compreende a morte? Compreende apenas como mais uma fase da vida, mais nada. E o que a gente tenta, eu tento no livro, a gente tenta, é naturalizar um acontecimento que é natural, que vai acontecer, no nosso entendimento, novamente. Para que nós estejamos preparados para a nossa própria morte, quando ela acontecer mais uma vez, e para que nós estejamos preparados para a morte do outro, que vai acontecer durante a nossa vida aqui também. As pessoas que você mais ama morrerão. Algumas antes de você, algumas depois de você. E, sobretudo, antes atrapalha. Se é uma pessoa mais jovem e saudável, a gente toma um susto. Só que isso acontece. Sêneca falava mais uma vez isso. Essas coisas acontecem com todo mundo. Por que não acontecerão comigo? Então é que a gente tenta entender isso para estar mais sereno e tranquilo naquela hora, para não atrapalhar aquele que morreu. E aí tem uma série de coisas, né? Você exagerar na dor, porque “se eu não mostrar que eu estou muito mal, vão achar que eu não gostava da minha mãe”. Então, tem como lidar com a tristeza e a tristeza virar mesmo para espíritas, né? Com o susto da morte, para onde vai, tudo isso. Agora, você me perguntou se teve alguma morte que marcou a minha vida. Eu diria que nenhuma, nenhuma. Quando eu escrevi esse livro, meus pais estavam vivos ainda. E eu pensei exatamente isso. Puxa, eu vou escrever sobre a morte, um tema tão delicado, será que eu vou saber falar com delicadeza? Porque uma coisa é eu falar que eu não estou vivendo a situação. Eu falo, “ó, você deveria ser assim, não se importe”. Outra coisa é estar vivendo o drama da morte. Sobretudo, esses dias eu escrevi uma moça cujo marido foi esquartejado. Suicídio, toda hora eu recebo alguém falando do filho que se suicidou, do pai que se suicidou, é bastante complexo. Então, o meu cuidado era não ser deselegante, desrespeitoso com a dor daquela pessoa que está lendo aquele livro. Então, eu tomei bastante cuidado com relação a isso. Passei o livro para várias pessoas lerem antes disso. Então, como é que a gente tenta lidar com a morte? Entendendo primeiro que não é o fim. O que morreu ali foi seu corpo. O organismo que eu estou vivendo, eu estou com 62. Cada dia eu percebo que está piorando. Dói o joelho, dói as costas. É natural. Eu tenho um carro de 17 anos, que eu adoro. Esse carro nunca deu problema. Nos últimos dois anos está dando um monte de problema, claro. Agora, por exemplo, eu tenho que trocar o amortecedor do capô e do porta-malas, porque o amortecedor não aguenta mais. É como a gente, o organismo começa a ficar sem força. Então, as coisas vão envelhecendo, vão piorando, mas o que piora é o organismo. O cara continua e o espírito segue adiante. Então, essa compreensão é muito importante que a gente tenha. O desapego é fundamental. Que a gente saiba que o seu filho não é seu filho, o seu pai não é seu pai, são espíritos que estão no papel de pai, de filho, de mãe, não pertencem a você. E eles vão, talvez antes de você. Então são essas compreensões que a gente tenta explicar ali na questão da morte. Depois que eu escrevi o livro, minha mãe morreu, meu pai morreu. E a minha grande dúvida é assim, como é que eu vou lidar com isso nessa hora? Os dois já estavam idosos, então a expectativa é que morressem, morreram com mais de 90 anos. Então, é claro, é diferente uma pessoa com mais de 90 anos morrer e um jovem morrer num acidente de carro, assassinado. Tem que ter essa diferença. Mas foi relativamente tranquilo. A minha mãe foi… Meu pai foi tranquilo, minha mãe foi tranquila, mas na hora de enterrar fui eu que fui fazer umas palavras ali. Claro que eu não consegui, me emocionei pra caramba, chorei pra caramba, não conseguia falar. Imagina, eu que lido com a morte o tempo todo, estou falando para as pessoas sobre a morte, me emocionei a ponto de não conseguir falar no velório da minha própria mãe. Então a gente sente, todo mundo sente, mas a gente sente a ausência daquela pessoa. Mas o próprio Sêneca fala, “pô, mire o que você viveu com essa pessoa, como foi delicioso, se foi bom, como foi bom, esse tempo que viveu juntos, tá bom, isso já foi um ganho”. Então eu, por exemplo, não falo, “eu perdi minha mãe, perdi meu pai, perdi meu filho”. Não, você não perdeu nada, a morte não é uma perda, a morte não é um castigo. “Ai, que dó que ele morreu”. Dó por quê? Como se aqui fosse melhor que o futuro. Quem disse? Aqui é bom? Com tudo isso que a gente tem aqui, todas essas desgraceiras que tem aqui, aqui é bom? A gente gosta de viver. É importante que gostemos, para que a gente fique vivo no não se suicide e falar que estou indo embora. Mas aqui não é o paraíso. Aqui é complicado. Então, não tem que ter pena de quem morreu. Não tem que ter dó de quem morreu. A pessoa está seguindo a vida dela.
P/1 - Mas então, na visão espírita, o que acontece após a morte?
R - Varia de pessoa para pessoa. Se a pessoa é muito apegada às coisas materiais, ela vai ter dificuldade de sair. “Não, eu não vou deixar minha empresa. Eles vão acabar. Essa empresa eu construí com o meu suor. Meus filhos vão acabar com ela. Eu não vou deixar”. O cara fica aqui.
P/1 - Me explica melhor, o que é um espírito sem corpo?
R - O espírito é o que nós somos. Ponto.
P/1 - É a nossa alma?
R - Pode chamar de alma, pode chamar de espírito, tanto faz, mas é isso. Eu acho que o espírito em si é o nosso raciocínio, nossa inteligência, nossos valores. Você é diferente da sua irmã, que é diferente do seu filho, que é diferente do seu pai, cada um tem… Gêmeos univitelinos são iguaizinhos e são radicalmente diferentes. Por quê? Porque esse tem um espírito e esse tem outro espírito, o corpo é igual, o espírito é diferente. Porque esse teve mais vivência que esse, ele é mais experiente que esse aqui. Talvez erre menos que esse aqui que viveu menos, por exemplo. Então, o espírito é a sua essência, como você reage às coisas, o que você conhece, a sua ignorância, a sua sabedoria, tudo isso é seu espírito. O espírito é você, ponto. O seu corpo não é você. O seu corpo é o instrumento que você está usando.
P/1 - Desculpe te perguntar, mas se o espírito sou eu, como que eu não lembro quem eu fui?
R - Falamos disso já, só falar um pouquinho do espírito ainda. Acho que uma analogia legal para entender o espírito é o seguinte, não sei se vocês fizeram já mergulho. Se você mergulha, o que você faz? Você põe a roupa de neoprene, põe o cinto de chumbo, põe o óleo regulador, põe o cilindro de oxigênio, uma série de coisas para a nadadeira, o snorkel e tal, para você poder conviver e sobreviver naquele ambiente da água que não é o seu ambiente. Sem isso você não consegue ficar lá embaixo, você não consegue respirar. Então você precisa de um equipamento para mergulhar. Hora que você vai voltar para a superfície, você tira tudo aquilo, é pesado o chumbo, a roupa de neoprene é perto, você arranca tudo e fala “que bom tirar toda essa porcariada”. Mesmíssima coisa com o espírito, o espírito para atuar aqui na Terra ele precisa do corpo. Então ele ganha um equipamento para atuar aqui durante X número de anos, 12, 48, 72, 98, né? A hora que esse equipamento já não presta mais, você larga esse equipamento e vai embora, você segue sua vida, é a mesma coisa. Aí ele vai viver perispírito e espírito, aí tem que explicar o que é perispírito e espírito, mas enfim, você vai viver sua vida ali. Como é que você perguntou, como é que esse espírito atua aqui, né? Essa inteligência que é o espírito, esse jeito de ser que não morreu, continua ativo, continua exatamente como era antes. Se eu sou um picareta, se eu sou um cara arrogante, se eu sou um cara violento, se eu sou um cara homofóbico, a hora que eu morri, continuo igualzinho. Continuo igualzinho, não mudei, não vira santo quando morreu. Com as paixões, inclusive. Então o cara que é empresário, ligado no emprego, fala assim, “eu não vou deixar isso aqui, eles vão acabar com o meu patrimônio”. Ele fica aqui interferindo e atrapalha pra caramba. Porque ele fica falando, “é um absurdo o que ele decidiu”. E essa conversa, energia, acaba atrapalhando. Um cara que já tá mais desenvolvido, que já compreende um pouco mais espiritual, ele vai falar, “eu não vou ficar mais aqui, não tem mais nada a ver com isso aqui. Foi gostoso, foi legal, gostando da minha mulher, gostando do meu filho, gostando da minha mãe, mas não é meu lugar mais, vou tocar a minha vida”. E pra onde ele vai é outra conversa que é bem confusa, já tentei entrar nisso também. Mas os que ficam aqui acabam fazendo uma baguncinha, porque não é pra estar aqui mais. Então não sejamos nós que dizemos amar aquela pessoa que morreu e falar, “ai meu pai, vem me ajudar aqui, minha mãe, meu irmão”. O cara vem ajudar e vai atrapalhar, liberta essa pessoa. As pessoas costumam deixar em casa, “não vou mexer no quarto, vou deixar o quarto como ele deixou”, não faça isso. Porque a pessoa sente bem-vinda ali, “aquele é meu ambiente, a minha cadeira, ninguém sentou na minha cadeira, minha cadeira é minha”. Não, sabe, com calma, com o tempo, doem as coisas, tem tanta gente precisando. Ah, então não posso ter uma fotografia com a foto do meu pai e minha mãe que morreram? Claro que pode, não tem nenhum problema, mas é não fazer disso um oratório, um lugar de devoção. As religiões orientais têm isso até, mas o espiritismo a gente fala que não, pra não segurar aquela pessoa ali. A obsessão, a gente já vai pra onde as pessoas dizem, mas a obsessão o que que é? A obsessão é exatamente isso, um espírito está atrapalhando, normalmente a gente pensa em obsessão assim, o encarnado e o desencarnado, né? Então, ai, vou precisar de espírito, “tem um espírito obsessor, que coisa horrorosa, que veio do fundo dos infernos me atrapalhar”, não é isso, não é isso. Não existem espíritos dedicados eternamente ao mal. O que é obsessão? Nós dois fomos sócios num negócio, né? Sei lá, na Idade Média, um século retrasado. E eu dei um golpe em você. Eu peguei todo o seu dinheiro, você ficou na miséria, ainda eu casei com a sua mulher, matei sua filha, estuprei sua filha.
P/1 - Me sacaneou pra caramba…
R - Essa é a história da humanidade. O que é a história da humanidade? É só isso, né? A humanidade o que que é? A gente invadia a tribo vizinha, a cidade vizinha, o país vizinho, até hoje, não é o que está acontecendo agora, as guerras estão acontecendo no mundo agora. Ao invadir, o que a gente fazia? A gente guerreava, machucava, torturava, escravizava, estuprava, assassinava. E se isso aconteceu na história da humanidade, aconteceu e nós estamos reencarnando, a gente fez parte disso. Então é só natural que você tenha desafetos. Tudo ia estar num processo obsessivo, era um ex-escravizado que estava perseguindo dois velhinhos, aqui em São Paulo, que teriam sido capitão do mato e dono de escravos. Ele fala, “esses velhinhos que você está vendo aí, não é isso que você está vendo, não. Esses caras, você não sabe o que eles fizeram comigo e com a minha família”. Então, quando o ódio persiste, o que acontece? O espírito vem e vai querer descontar naquele que sacaneou ele tanto. Quando esse aqui encarna, às vezes esse aqui desencarna, aí é o contrário. E fica nesse bate, bate, bate, bate. Isso é obsessão. Então, não é uma coisa assim, um espírito maligno e tal, é uma pessoa que tem uma pendência com você, que não gosta de você por algum motivo, ele se acha sacaneado, talvez tenha sido mesmo, em geral é um batendo no outro, um batendo no outro. Isso aí você não resolve arrancando o espírito ali. Algumas religiões vão lá, arranca o espírito e leva preso. E o cara se sente aprisionado mesmo e abandona, a pessoa se sente bem. Só que não resolveu a pendência, esse cara vai voltar depois porque ainda tem o ódio ali. Como é que o espiritismo trabalha então? Conversa com os dois, com o encarnado e com o desencarnado e tenta resolver a situação. “Você está feliz?"."Olha o que está acontecendo, cara”. “Não, eu vou acabar com esse cara, porque você não sabe o que ele fez comigo”. “Tá bom, mas não é bom para você também?” Você tenta provar que isso leva a nada. Quando eles percebem isso, pronto, desfez a mágoa, o ódio. Não precisa você adorar, mas já não tem aquele embate. Por isso também que Jesus teria dito, “antes de fazer sua oferta ao altar, vai e resolve suas pendências com todo mundo”. Porque você morrer com pendência é complicado. Você morrer com alguém te odiando ou você odiando alguém é muito complicado. Por isso que também é bom levar uma vida mais arrumada. Tá com problema? Resolve o problema enquanto você tá vivo por aqui. Ou você vai levar isso com você. Então isso é obsessão. Então o espírito é isso. É um espírito livre.Ele pode estar onde ele estiver. Por isso também que eu acho complicado que o espiritismo brasileiro fala das cidades do espaço. A mais famosa qual é? “Nosso lar”. Se ele é a obra de Chico Xavier, eu respeito muito Chico Xavier. Espetacular. Não o conheci pessoalmente. Hoje me arrependo um pouco. Por que não fui lá visitá-lo? Porque eu falava “o Espiritismo não tem ídolo. E esse cara estava sendo idolatrado pelo Espiritismo. Eu falei: “eu não vou lá dar pau com uma coisa que não está certa. Não é para ter ídolo”. Mas ele teve o mérito de fazer o Espiritismo conhecido no Brasil. Ele ia àquele Pinga-Fogo, na revista Realidade, ele ia na televisão e as pessoas começaram a conhecer o Espiritismo. O Espiritismo só no Brasil existe, praticamente. Muito por mérito do Chico. Agora, as coisas que ele escreveu, nem todas eu acho adequadas. Eu não acho que tenha um lugar chamado Nosso Lar, onde as pessoas estão ali, passarinhos cantando, a aguinha fluindo e o espírito vai lá tomar sopa. Tem casa que você adquire, você trabalha e ganha um bônus hora, que seria um salário, compra a sua casa. Tem muralhas para deixar os caras fora. “Se você é um espírito mau, você não vai entrar aqui, tá bom?”. “Tem muralha que não vai deixar você entrar.” E tem armas que fustigam o cara para ele não entrar. Agora, cadê a caridade? Se um espírito atrasado tenta, você não vai socorrer o cara? Você vai falar, “você não, aqui é só gente boa”. Para mim não faz muito sentido esse negócio, né? Mas o espiritismo no Brasil, se você questiona algumas coisas, você não é espírita. “Não, porque questionar essas coisas não pode”. Pode, deve. E Kardec falou que você tem que questionar as coisas, tem que passar pelo crivo da razão. Desde que seja um questionamento bem intencionado, genuíno, honesto, não tem problema em questionar. Mas, enfim, eu não acredito nessas cidades do espaço. Eu acho que nós, espíritos, não ficamos no lugar, porque o espírito não é matéria. Então, ele não precisa ficar numa casa com um muro, com tudo. Isso não é necessário. Não é o lugar onde você fica. Você fica por afinidade. Isso eu acredito. Então, gente que é da pesada vai ficar com gente que da pesada. Gente que está afim de fazer o bem vai ficar com gente que está afim de fazer o bem. Nesse sentido, sim. Mas não mais que isso, sabe?
P/1 - Mas e aí você reencarna com algum sentido e sempre no mesmo lugar?
R - Não. A reencarnação, como é que funciona? Para a visão espírita, um dado curioso é que a maioria da humanidade é reencarnacionista, por causa das religiões orientais, que muita gente são reencarnacionistas. O judaísmo, inclusive, também acredita na reencarnação. A reencarnação, como é que ela se processa? Você não vai reencarnar para sempre. O espírito é criado simples e ignorante, vai reencarnar, reencarnar, reencarnar, até aprender tudo de tudo, ou quase tudo de tudo. Até ele evoluir muito. Vai chegar um momento que ele não precisa passar mais por esse ralo tão complicado que é a reencarnação, essa vida tão dura. Ele já tá bonzinho, não precisa mais reencarnar. Então você vai encarnar quantas vezes? Não se sabe. Eu acho que são muitas. Pode ser 2.748, sei lá. A cada encarnação você vai passar por situações que vão te ajudar a pensar a sua vida. “Ah, então tem um destino pré-determinado, eu vou passar por aqui, vou casar com tal pessoa?” Não, não. Você, “olha, pra você era bom, que você aprendesse a ser menos egoísta, para você era bom que você aprendesse a ser menos violento, para você que você aprendesse a ser menos arrogante. Então vão ter situações na sua vida que vão ajudar você a repensar esses fatores que você ainda não lida bem com eles”. Mas não é que está determinado e a 30 de outubro de 2072 vai acontecer tal coisa com você, não está determinado. Você tem livre-arbítrio, autonomia, você faz o que você quer e as consequências boas ou ruins dos seus atos são suas. Por isso que há mérito na evolução, você vai melhorando. E aí você desencarnou, você vai reencarnar de novo? Provavelmente sim. Aí um tempo você fica no que a gente chama de erraticidade, você tá no mundo dos espíritos, você tá sem corpo, repensando tua vida ali e conversando com pessoas, você fala assim, “olha, vamos pensar, no seu caso, o que será que era bom em… Sabe aquela pessoa lá? Será que não era legal você encarnar junto dele ou dela? Aquele desafeto. Você não quer encarnar como filho dessa pessoa, ou como marido, ou como mulher?”
P/1 - Mas você chega a discutir isso?
R - Depende do nível do espírito que tá discutindo. Um espírito já mais evoluído, sim. E você participa dessa conversa. Um espírito ainda muito simples, muito bruto, não. Por que não? Porque ele não tem discernimento suficiente pra poder escolher seus próprios caminhos. É como você pegar um bebê de dois meses e falar assim, “o que você quer comer?” O bebê não sabe escolher. O bebê não sabe que roupa usar, então o pai e a mãe vão determinar a roupa que a criança vai vestir. Quando já tá quatro, cinco, seis, oito anos, a criança escolhe a própria roupa e a própria comida. Mesma coisa o espírito, o espírito ainda é muito pouco evoluído, não tem capacidade de escolher, vai escolher só, “eu quero nascer milionário, eu quero ter uma vida super boa, eu quero ser famoso”, e não necessariamente o que ele ou ela precisa para aquela encarnação. Então tudo vai ser conversado e vai assim. E se errar, se fizer bobagem, não tem nenhum problema, isso eu acho difícil de entender, mas maravilhoso. Se nós entendemos que a gente é espírito imortal, tá tudo certo, tá tudo certo, não tem pressa. Eu tenho interesse em andar mais rápido, porque é bom pra mim. Mas se eu errar pra caramba, tá tudo certo também, porque você vai ter outra chance, e outra, e outra, e outra, né? Isso é muito alentador, porque você fala, “puxa, então…” Agora tá, a grande preocupação agora é se soltarem uma bomba atômica, tiver uma nova guerra nuclear e acabar com a Terra. Pode acontecer? Pode. E se acontecer? E daí? Qual o problema? Você não é um espírito imortal? Se a Terra explodir e não existir mais a Terra, e daí? Tem zilhões de planetas por aí, e você como espírito tem uma solução, um encaminhamento. Claro, é melhor não sofrer do que sofrer. Então, se a guerra traz sofrimento, é melhor não ter guerra. Mas as coisas caminham como tem que caminhar, não há esse desespero de tudo. Eu também não compreendo isso claramente. Eu falo e tento me educar nisso, mas o dia que a gente compreender isso, nossa, eu não vou mais dar trança-pé em você, não vou mais roubar você, não vou mais tentar ser mais poderoso que você.
P/1 - Desculpa te interromper, mas se é um caminho de aprendizado, por que eu esqueço tudo que eu vivi?
R - Essa é a questão que todo mundo pergunta. Boa pergunta. Por que eu esqueço quem eu fui na outra encarnação? Tá, então você não vai esquecer. Vou fazer você lembrar, você lembrou. Você vai ver que o seu filho, ou que o seu pai, ou que a sua mãe, você estuprou o seu filho, ou você foi estuprado pelo seu filho, ou você era senhor de escravo, escravizou o seu filho ou sua mãe, ou você assassinou, ou você empalou a pessoa que hoje é o seu pai. Você queimou na fogueira, porque você era o Torquemada e você pôs o cara lá na fogueira. A relação ficaria impossível, porque vai voltar todo um ódio, ou uma paixão, uma passionalidade. Nós estamos aqui, pai, mãe e filho, e quem é pai hoje era apaixonado pelo filho, pela filha, e a mãe não, esse trio não vai viver bem. Então, é permitido que você não lembre, para que você possa recomeçar quase que do zero aquele relacionamento. Mas se você quer saber quem você foi na sua encarnação, é só olhar o que você é hoje. Quais são as minhas complicações? Onde é que eu tenho dificuldades? Onde é que eu tenho problemas? Onde é que eu piso na bola? Onde é que eu já sou bacana? Onde é que eu já consigo caminhar melhor? Por que eu não gosto da pessoa e gosto da pessoa? Na sua família, por que você não vai com a cara desse e vai com a cara desse? Onde é que pega? Essas coisas vão dar um pouco a noção de quem a gente foi. Não o seu nome, endereço, RG, telefone do passado, mas o seu perfil do passado, o que era e o que você está tentando melhorar. Por isso que a gente não lembra, porque seria muito complicado lembrar. Agora, desculpe, várias pessoas lembram. Crianças, sobretudo, lembram. Até aos sete anos, não é incomum uma criança lembrar. E tem vários documentários na Netflix que você pega lá, não espíritas, que o cara lembra tudinho, fala coisas… Como é que se chama aquele físico super cético, já falecido, americano? Ele é super cético, não acredito em nada.
P/2 - É o Stephen Hawking?
R - Não é o Hawking, não, é um americano. Daqui a pouco eu lembro o nome dele.
P/1 - Sagan?
R - Sagan, isso mesmo. Como é que é o primeiro nome dele?
P/1 - Carl Sagan
R - Carl Sagan, ele mesmo.
P/1 - Mas ele acreditava em vida em outros planetas…
R - Então, Carl Sagan, mas ele é super cético em uma porrada de coisa. Tem um livrinho dele que ele fala o seguinte, tem três coisas que talvez seja verdade, uma delas é a encarnação. Ele fala, não tô falando que é verdade, mas tô falando que é muito difícil explicar crianças que lembram situações de vidas passadas sem conhecer nada daquele assunto. Então, isso precisa ser mais investigado. É isso, né? A pessoa acaba lembrando uma coisa ou outra. Muita gente fala, “nossa, a sensação de que eu já estive aqui, olha, virar aquela rua, vai ter uma casa assim, assim, assado a pessoa nunca teve naquela cidade, na Europa, por exemplo”, né? As coisas acontecem, tem muita coisa interessante assim. É o lado mais fenomenológico, que me importa um pouco menos. Outra coisa é a EQM, a experiência de quase morte. A pessoa está em coma. Um amigo judeu meu de Fortaleza falou isso tudo dia. Ele não é espírita. Ele teve uma parada cardíaca, um problema cardíaco qualquer, internado às pressas, estava fazendo cateterismo, precisou colocar três stents. Eles não tinham dinheiro para colocar três stents. Aí ele se vendo deitado, lá sendo operado, ele vendo aqui de cima tudo o que acontecia, ouvindo o que os médicos falavam. Ele falou: “olha, impressionante, ele lembrava de tudo”. Aí o médico falou pro assistente, falou: “sai lá fora, fale pra mulher dele que vai precisar colocar três stents se ela autoriza”, porque é caro. Ele viu o médico saindo, acompanhou, viu o cara falando com a mulher dele, a mulher dele sentou do susto do valor, um amigo nosso, falou: “pode pôr que eu pago”. Voltou lá pro zero, quando voltou ele contou tudo. O cara não é espírita, ele viu tudo acontecendo, tem milhares de casos de EQM, Experiência de Quase-Morte, em inglês, Near Death Experience, tem livros a respeito. Então tem muita coisa que você fala, “cara, tem alguma coisa aí” Eu não sou vidente, eu não vejo nada, mas tem muito indício de coisas que me dão a sensação de que de fato tem alguma coisa após a morte, que o espírito de fato existe. Se perguntasse, você tem certeza? Não tenho, mas tem muito indício. E pra mim, se não existir o espírito, a gente morreu, acabou, não tem mais nada. E daí, pra mim, tá ótimo. Se eu conseguir viver melhor enquanto eu tô aqui, me relacionar melhor com você, melhorar a humanidade, melhorar a vida, tá valendo muito. Por isso que eu acho que a parte fenomenológica importa menos. Pra onde eu vou quando eu morrer? Não me importa. Nem um pouco. O que importa é o dia-a-dia aqui. Isso é bacana. Isso eu acho que o espiritismo entrega. O budismo, o catolicismo, todos entregam. O judaísmo… A essência é a mesma, de conviver em harmonia, tentar viver melhor.
P/1 - Mas você, voltando, já fez algum exercício, você falou pra mim que você psicografa, você fez algum exercício, por exemplo, de regressão? Você passou por isso?
R - Não, não fiz. Por absoluta falta de necessidade. Se eu tivesse… A regressão, do pouco que eu entendo a respeito, ela funciona se você tem um grande trauma. Eu tenho, sei lá, fobia de gato. Não posso ver gato porque eu morro de medo de gato. Bom, então, vamos entender. Quando há uma fobia, aí é recomendado fazer regressão com alguém sério, o que é raro. É duro achar alguém sério, né? Que saiba fazer de fato, para tentar entender e tentar resolver isso. Eu nunca fiz. Mas minha mulher, por exemplo, já fez uma vez e foi muito interessante.
P/1 - Ela é espírita também?
R - Médio. Ela é espírita, mas ela é super cética. E ela não é espírita como eu. Ela não estuda, não frequenta, mas ela sabe, ela curte a parte lógica do espiritismo também. Mas como ela é super cética, ela fica meio em cima do muro. Mas ela fala, “pô, mas é legal, esse negócio tem umas coisas sérias. Faz Evangelho no Lar comigo todo domingo”. Então, sim. Evangelho no Lar. Essa é uma prática dos primeiros cristãos que o Espiritismo adotou também. O que é isso? Você, em casa, em família, no nosso caso, pega um livro de Kardec, podia ser a Bíblia, podia ser a Torah, o que for, dá uma lidinha no trechinho, curto, e comenta “olha, o que eu entendi disso aqui? Olha que interessante, isso aqui quer dizer tal coisa, tal coisa, tal coisa, isso se aplica na nossa vida assim, assim, assado”. É uma leitura de um trecho ali. E aí a gente tenta também harmonizar a casa, que a gente consiga ter paz nessa casa, que seja uma casa acolhedora, quando as pessoas vierem e sentem-se bem aqui. É meio que isso. Então ela faz isso também. Nesse sentido, ela é meio espírita.
P/1 - Posso te perguntar, a gente falou um pouco da morte, agora eu queria que você desse nessa concepção sua do espiritismo e sua pessoalmente. Você está falando um monte de coisas, mas isso aqui não precisa.
R - Nesse livro novo que estou escrevendo agora, que vai sair o ano que vem, eu falo um zilhão de coisas, meio que a gente está conversando o que é o espiritismo, como é que funciona assim, assim assado. E é uma visão muito particular, é impossível não colocar a sua visão num livro. Então essa visão do espiritismo que eu tenho não é a visão, tem muita gente que pensa assim igualzinho, muita, muita, muita, mas não é a visão hegemônica do espiritismo, porque ele é mais religioso aqui no Brasil. Uma das questões que eu coloco é que algumas coisas tem muita dificuldade de definir. Deus é uma delas, amor é outra e fé é outra. Definir fé para mim é muito complicado. Para mim a fé não é isso que a maioria das pessoas acha que é. “Ah, eu tenho muita fé em Jesus”. O que quer dizer isso? “Tenho muita fé em Bezerra de Menezes, em Chico Xavier, em Nossa Senhora Aparecida, tenho muita fé em santo não sei quem”. O que quer dizer você ter fé em alguma pessoa? No meu entendimento, posso estar sendo absolutamente preconceituoso e até indelicado em falar isso, quando você fala que tem muita fé em Jesus, no meu entendimento você está pondo uma faca no pescoço de Jesus e falando “olha aqui, eu tenho muita fé em você, Jesus. Não vai falhar comigo, porque eu tenho fé em você, estou contando com você”. Eu acho isso um horror, cara. Acho isso uma sacanagem tremenda com Jesus. Claro que Jesus não tá nem aí pra isso. Espírito super evoluído fala “ah, tá bom, deixa os meninos lá, tá tudo certo”. Ele não se ofende. Jesus não precisa perdoar porque ele não se ofende. Um espírito evoluído não se ofende com nada. Mas enfim, eu acho que fé pra mim é muito mais a fé na realização. Você consegue fazer isso. Você consegue fazer… Eu não gosto nem de usar a palavra fé, mas digamos assim, “eu tenho fé que eu dou conta. Eu vou errar pra caramba, eu vou fazer um monte de bobagem, mas… Ah, eu também consigo, eu posso tentar pra cá, tentar pra lá”, sabe? A fé pra mim, a tal da fé que transporta montanhas é isso. Você consegue, você dá conta, você… Jesus cansou de falar esse negócio “Sois deuses. Você tem todo o potencial, você consegue fazer tudo que eu faço e muito mais”. Tá na gente. Você cura. Você se cura. E você é sem veneno também. Você pode ser seu maior amigo ou seu pior inimigo. Quem se escolhe ser? Então, pra mim, a fé é uma coisa muito menos esotérica, sabe? Muito menos no terceiro. É a fé de conseguir… Ah, mas os espíritos ajudam? Claro que sim. Você pega duas pessoas, uma que tá afim de fazer o bem, ajudar a humanidade, outra que não tá nem aí, só quer passar o pé em todo mundo, ficar rico, ser poderoso, e não tem nenhum problema ser rico, ter dinheiro. Mas assim, vou sacanear todo mundo pra ter coisa. Você acha que a espiritualidade boa vai ajudar quem? Esse sacana aqui ou esse cara que tá afim de fazer alguma coisa? É claro que é esse aqui. Como é que ela ajuda? Ela não faz nada por você, mas ela intui. “Não, ó, vai por aqui”. “Será que você deve fazer aquilo mesmo? Será que não é melhor fazer tal coisa?” Essa intuição, pra mim, ajuda que a espiritualidade dá. E você, por afinidade, atrai espíritos parecidos. Você quer sacanear? Você quer dar um golpe? “Opa, tamo junto aí”. A turma que tá afim de dar um golpe vem junto e te influencia aquilo.
P/1 - Tem gente que é muito sacana e se dá super bem, né?
R - Super bem. Aparentemente e temporariamente, se dá muito bem, sim, nesse ambiente aqui. Eu estudei um livro de um conhecido até, que escreveu um livro sobre as mulheres na época da guerrilha, né, e os torturadores, em uma parte ele fala dos torturadores dessas mulheres, e ele faz um adendo lá que ele fala, acho que é uma mulheres da guerrilha, uma coisa assim, ele fala dos torturadores, a vida desses caras que horror que tá, que horror que tá. Bebida pesada, família desestruturada, loucura. Olha, a vida dos caras ficou… Eu conheço um caso assim, inclusive. Vida terrível, terrível. Por quê, hein? Por quê? Acaso? Não. O cara arranjou pra si uma turma da pesada, né? As coisas que esse cara fez estão sempre com ele, ele vai sempre lembrar dessas coisas, né? Aí fazendo parênteses também. O espiritismo não acredita em inferno, não existe inferno. O espiritismo não acredita em céu, não existe céu. Existe sim um inferno-céu na minha cabeça. Duas pessoas trabalhando no mesmo escritório, mesma empresa. Uma fala que é gostoso, é legal, ela só vive no céu daquele ambiente. Outra fala isso aqui é um horror, só tem gente sacana, isso aqui é horrível, detesto, parece que eu trabalho no Butantã, só tem cobra criada aqui, esse vive no inferno. Então, você faz a sua cabeça de acordo com isso. A hora que você desencarna, não é infrequente… Tem um caso até que eu estava lendo esses dias no livro de Kardec, um assassino, que foi condenado à morte lá na França, no século retrasado. E ele descrevendo, ele falou: “olha, eu tô no inferno, não é o inferno dos caldeirões, do diabo e fogo o tempo todo, mas é o inferno que eu fico vendo o tempo todo as pessoas que eu assassinei olhando pra mim e esse olhar me queima” Claro. Então, veja, é tudo a mente da gente, né? Você fica remoendo, hoje em dia aqui, você faz uma coisa errada, você fica, “ai caramba, tô mal, você fica angustiado”. É isso que é o nosso próprio inferno, não é? Não é porque eu estou falando de ser um inferno agora, nem sei. Enfim, é isso, quando morre a gente fica, não é lugar específico, mas a sua mente te dá tranquilidade, a paz ou não.
P/2 - Eu tenho muita curiosidade assim, na visão que você traz sobre o espírito dos animais e das plantas. Como funciona? Por exemplo, uma árvore, uma sapatinha que vive 500 ou 600 anos. O nível de evolução que ela chega, ela vai reencarnar como o quê? Ou um boi que está num matador, um escorpião. Como é que funciona isso no mundo?
R - Essa é uma pergunta que para mim é dificílima de responder, porque eu não sei responder isso. Essa outra coisa curiosa também, eu estou aprendendo o seguinte, no Espiritismo você não tem resposta para tudo, porque ele não está pronto, ele é uma coisa em construção, ele é progressista e progressivo, a gente vai aprendendo coisas ao longo do tempo. Inclusive o Espiritismo muda, tem postura no Espiritismo que hoje em dia não é aceita mais, postura racista, postura machista, mas na época de Kardec era como era a sociedade daquela época, branca e machista, mas enfim. Quando as pessoas perguntam de animal, vamos deixar a planta de lado, já falo da planta também. Me pergunto muito sobre o pet, “porque o meu cachorrinho, eu acho que ele é uma pessoa…” Para o espiritismo, está claro ali, Kardec é o seguinte: animal é animal, animal não é gente. E a evolução é mineral, vegetal, animal, vegetal, hominal e angelical, é uma curva ascendente, nunca regride. Então, diferentemente do budismo, você nunca encarnará como animal, você vai encarnar só como humano daqui pra frente e algum dia até como o que a gente chama de anjo, um espírito mais evoluído, um espírito mais avançado. Então, nesse sentido, uma árvore não está reencarnando. Do que eu entendo, e eu não sou especialista nisso, tem gente que escreveu livros a respeito. Vamos falar do animal, por exemplo. O animal, na hora que morre, ele não tem ainda o espírito dele individualizado. Ele volta e reencarna rapidamente, como animal, e vai melhorando como animal. Por isso tem animais mais avançados que outros. Os mais inteligentes, golfinho, baleia, elefante, cachorro e tal, já estão num estágio mais evoluído do que outros animais menos evoluídos. Mas o princípio espiritual tá ali, tá até na planta também, mas não é espírito ainda. Espírito só a partir do momento que vira humano.
P/1 - Um animal virará humano?
R - Um animal virará humano? Deixa eu mudar o jeito de falar. O princípio espiritual vai evoluindo desde a mineral, vegetal, animal, e ele vai virar humano uma hora. Esse é o princípio evolutivo, mas ele não é espírito ainda. Então o Rex não vai virar a minha avó, não vai virar meu filho. Talvez, aí eu estou inferindo, nunca li isso, talvez aquela história do elo perdido seja um pouco isso. Entre o animal e o hominal, talvez tenha um espaço aí que eu não consigo compreender o que é, mas tem uma mudança para virar. Quando vira humano, vai ser o humano mais bruto que você pode imaginar. É o canibal, é o cara super agressivo, hoje em dia até tem menos isso, mas pensa na humanidade, sei lá, meio milhão de anos. É esse humano, que é quase um animal. E não é pejorativo dizer que é um animal. “Ah, então o animal não é bom?” Não, o animal é mais instinto do que sentimento e pensamento. E o animal ainda não tem… Por isso que… Essa é outra questão também, se pergunta muito de eutanásia. O Espiritismo fala de eutanásia, não, para o humano. E para o cachorro? Eu nunca li em lugar nenhum, mas outro dia alguém me falou um negócio que eu acho que faz sentido. O animal… Por que eutanásia não para o humano? Porque o humano, diz o espiritismo, aquele período que ainda falta para ele desencarnar, ele precisa para pensar a sua vida e isso vai fazer diferença na próxima encarnação, ele vai repensar os seus passos. O animal não tem ainda essa inteligência individualizada, então ele não vai repensar. O cachorro fala, “poxa, eu não devia ter mordido a perna do carteiro, nunca mais vou morder a perna do carteiro”. Não, foi só o instinto que ele mordeu a perna do carteiro. Então o animal reencarna imediatamente, ele não fica um período ainda, ele é um processo diferente da evolução. Mas tudo para resumir o seguinte: tem uma evolução e o animal também vai crescer ali, mas ele é diferente do humano, a árvore não tem o mesmo discernimento que o humano. Agora, a ciência mostra hoje em dia as árvores se comunicando e falando pelas raízes, conversando e se protegendo, tem muita coisa que a gente não sabe ainda, que a ciência vai explicando, mas ainda é desconhecido para a gente.
P/2 - Quais foram os sonhos que você teve marcantes?
R - Sonho ou sonho de pensar o futuro?
P/2 - Dormido.
R - Dormido? Então, eu lembro muito pouco sonho, e eu não sei interpretar sonho. Às vezes o pessoal pergunta, “ah, eu sonhei com tal coisa, o que isso quer dizer?”
P/2 - Não, tem que interpretar. Só teve algum sonho que eu acho que..
R - Não, eu sei que o sonho, porque a hora que eu acordo eu lembro por dez minutos, depois esqueço. Nunca. Nada. Porque eu não lembro. Devo ter tido, mas eu não lembro. Sabe? Sonhei que eu estava com fulano que morreu, conversando… Nada. Zero, cara. Zero. E os meus sonhos são muito concretos, assim, coisa de trabalho ainda, sabe? Uma coisa que eu vi naquele dia. E são muito curiosos, engraçados. E eu lembro deles durante dez minutos. Depois o quê? Eu só não consigo lembrar. Às vezes eu falo a minha memória, tal coisa. Daqui a pouco eu já não lembro mais. É muito louco. Eu não fico registrado. Então, eu acho que precisa muito cuidado com a interpretação de sonho. Vou ser pragmático de novo. Lógico, como o espiritismo é. Nem todo sonho, que o espiritismo fala, nem todo sonho é uma relação com alguém que desencarnou. Às vezes é. Você sonhou com o seu avô que já morreu. O que o espiritismo fala? O corpo, que é material, ele precisa descansar, ele precisa se refazer, as células precisam se refazer, o cérebro faz toda aquela limpeza, põe em arquivo que vai ser arquivado e tal. Então tem uma função mecânica, vamos dizer assim, do corpo. Ele precisa do sono e do descanso. O espírito não. O espírito que não é material, ele não se cansa, ele não precisa descansar. Então a hora que o seu corpo está descansando, está dormindo, o que o espírito faz? Você sai. O espírito é você. O corpo ficou, você sai e vai. Para onde você vai? Para onde você quiser. Se você está planejando um grande golpe, você vai juntar com a turma do golpe para planejar direitinho como é que vai fazer. Se você está querendo ajudar uma ONG, você vai planejar com a turma da ONG como é que vai fazer isso aqui. Se você está com um grande problema familiar, talvez você se aconselhe com pessoas. Talvez você se junte com a pessoa com quem você está com problema para tentar resolver ali. Por isso que não é incomum você dormir com problema e acordar com uma solução. Porque durante a noite você conversou, confabulou e resolveu falar, “já sei, vou fazer assim”. Então durante a noite a gente vai pra algum lugar. Por isso que também aconselhava antes de dormir, você falou: “agora que eu dormi quero ir pra um lugar bacana, quero relaxar, quero aprender algumas coisas”. Se eu puder ajudar, que eu ajude. Se eu tiver precisando ser ajudado, que eu consiga compreender os conselhos que me dão. Porque nessa hora acontece isso. Tem um caso que até cito num videozinho meu, um amigo já desencarnado também. Ele, na época de faculdade morava em São Bernardo, fazia faculdade em São Bernardo, e ele estava em Sorocaba, ele é meu amigo de Sorocaba. E ele dormindo, logo depois de dormir, ele sonhou que de repente ele se viu na república onde ele morava. E viu dois colegas que trabalhavam lá mexendo um achocolatado e daí caiu o achocolatado e quebrou e sujou todo o chão. E ele voltou. Aí mais tarde comentou com os amigos e falou: “coisa louca, sonhei com vocês”. O cara falou: “mas aconteceu exatamente isso, exatamente isso”. Então você vê o que aconteceu, o espírito foi pra lá, ele, que é o espírito, foi pra lá, viu o negócio e voltou. Por que isso aconteceu? Provavelmente pra falar pra ele, “ó, percebe que tem alguma coisa além da matéria, que é você”, então essas coisas acontecem. Mas interpretação de sonho eu teria muito cuidado em interpretar, porque acho que às vezes é só uma descarga mental, não é nada mais que uma reorganização do cérebro. E às vezes é uma relação de fato que houve entre dois, pode ser um encarnado com um encarnado, pode ser um desencarnado com um encarnado, pode ser qualquer coisa que pode acontecer ali também. Tem uma descrição ainda em cima disso, não é bem sonho, mas coisas que me dão a sensação que existe alguma coisa além do óbvio, né? Quando eu fui morar nos Estados Unidos, era bolsa de estudos, fui morar um ano lá, fazer o Senior High School, né? Já tava aqui na PUC, mas...
P/1 - Foi intercâmbio?
R - Intercâmbio. Eu já tava na PUC, então já tinha acabado o colegial, eu fui fazer o último ano do High School lá. Por que que eu fui? Porque era legal, pra aprender inglês, pra ter uma vivência diferente, fui morar no Oregon, numa fazenda, uma família super joia, com quem eu me relaciono até hoje e tal. Era a AFS, American Field Service, e os meus amigos que estavam indo, outras pessoas que eu conheci, todos já tinham recebido, na época era carta, da família que ia hospedar, dizendo “você está vindo para o Ohio, você está vindo para o Texas, para a Arizona”. As pessoas sabiam para onde iam, sabiam como era a família que os recebia ali, como eram, se tinham filhos, não tinham filhos, se eram religiosos ou não, tudo, a escola que você vai estudar, isso aqui, fotografia da escola e tal. E a minha família não chegava, e não chegava, e não chegava, estava chegando a época de eu embarcar, tinha 17 anos. E aí vim aqui pra São Paulo, de Sorocaba pra São Paulo. “Não temos ainda sua família, você vai ter. Quando você chegar no Rio de Janeiro” - naquela época a gente embarcava do Rio, não tinha voo direto de São Paulo - “você vai receber a família e vai saber onde você vai”. “Ah, tá bom”. Então, meu pai, minha mãe e eu fomos pro Rio de Janeiro pra embarcar lá. Chegamos no Rio, não tinha família. Não sabia pra onde eu ia. Todo mundo sabia, menos eu. Começa a dar uma certa angústia. “Onde é que eu vou ficar? Com quem eu vou ficar?” E aí falaram, “não se preocupe, chegando em Nova Iorque você vai saber da sua família”. E de fato, quando eu cheguei em Nova Iorque eu soube da família, só lá. Soube que eu ia para o Oregon, ia ficar numa família assim, assim assado, numa fazenda. E é a senhora que me mostrou os papéis da família e mostrou uma foto da família. Eu olhei a foto e tinha o pai, a mãe, os três filhos, uma menina, um menino e uma bem novinha ainda. Eu vi aquela foto e pensei, não falei, só pensei: “nossa, engraçado, esse menino aqui parece muito com um amigo meu de Sorocaba”. Ele chama Steve, esse meu irmão americano. “Ele se parece com o Martin”, pensei isso, falei: “obrigado”, devolvi o material. Ficou por isso mesmo, não falei pra ninguém isso aí. Peguei o avião, fui para o Oregon. Quando eu chego na família, aquele comecinho, sem muita familiaridade, começando o começo, eu falo assim, “ah, eu sonhei”. Eu sonhei não. “Você parece muito com um amigo meu de Sorocaba, parece muito com o Martin”. O ex-rapaz com quem eu fiquei na família falou: “eu sei disso”. “Como você sabe?”. “Eu sonhei que você me disse isso”. Eu nunca tinha visto o cara na minha vida, nunca. Ele sonhou que eu havia dito isso a ele. Vai explicar um negócio desse. Então, alguma coisa tem. Pode ser telepatia, pode ser transmissão do pensamento, pode… Transmissão do pensamento é muito parecido com a relação do espírito, porque você está trocando informação. Mas não é fantástico? E desde então, a gente se relaciona muito já os visitei, vem pra cá e tal, frequentemente eu penso nele, ele me liga. Ou ele pensa em mim, eu ligo pra ele. Então, tem alguma ligação entre nós. E eu não sei explicar, mas tem. Então, tem coisas assim. Agora, interpretar sonho, acho que tem que ter esse cuidado, porque nem sempre é literal.
P/2 - Uma questão assim, que eu estou forte, que eu reparo no espiritismo, queria saber se, como é que, você até mencionou já, já viu acontecer, como é que você lida, se teve algum caso concreto também o suicídio.
R - Ah, perfeito. O suicídio é uma questão bastante importante, é um problema sério no mundo todo, inclusive no Brasil. Por conta do Setembro Amarelo e porque eu escrevi um livro sobre a morte, frequentemente me convidam para falar sobre suicídio nos centros espíritas.Hoje muito online, mas também às vezes fisicamente. E eu estou escrevendo agora um livro que pretendo colocar o ano que vem ou no outro, não sobre o suicídio, mas sobre o luto pelo suicídio. Ou seja, houve um suicídio, como é que a família lida, que é uma questão super grave, muito complicada. Já li alguns livros a respeito, vou entrevistar umas 20 pessoas que toparam falar para mim sobre isso. O que diz o Espiritismo sobre o suicídio? Não, não pode. Por que não pode? Porque diz o Espiritismo que só Deus pode tirar a vida, você não pode tirar a sua vida antes. E aí tem uma série de coisas, tem a eutanásia, tem o suicídio assistido que está muito falado hoje em dia e tudo mais. E o espírita tradicional brasileiro tem uma visão absolutamente radical sobre suicídio, que também me lembra muito a visão sobre aborto, é absurdamente radical, na minha opinião. E o que diz o espírita tradicional brasileiro sobre suicídio? “Olha, é um problema, você vai cair num lugar chamado Vale dos Suicidas, que é horroroso, você vai ficar lá rastejando na lama um lugar escuro, fétido, cheio de gente, gargalhadas diabólicas”. Se você ler um livro chamado Memórias de um Suicida, que eu não recomendo, que os espíritas adoram no Brasil, é praticamente ter uma descrição de estupro ali. É como se você estivesse sendo estuprado. É uma coisa horrorosa, né? Eu não consigo acreditar num negócio desse. Porque se existe Deus, se Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas, obrigatoriamente tem que ser perfeito esse negócio chamado Deus. E tem que ser justo. Como é que você vai apenar uma pessoa que não está bem, porque o suicida não está bem, normalmente tem alguma… Ou muito deprimido, ou bipolaridade, esquizofrenia ou droga. Essa pessoa não está bem. Então, ele tirar a própria vida, no meu entendimento, não dá pra ser julgado como uma coisa que foi um crime, um pecado, e agora vai sentir as dores e tal. Porque o Espiritismo fala o seguinte: você não pode tirar a sua vida, então você vai, infelizmente, sentir o erro que teve ali. Mas não é uma coisa, no meu entendimento, é uma coisa inapelável, até porque você vai reencarnar. Você tem oportunidades infinitas, mas precisa ter cuidado. Falar disso, senão a pessoa fala assim, “ah, na boa, então vou reencarnar, tá muito duro aqui, deixa embora, que eu reencarno melhorzinho também”. Não é assim. Porque você tá passando por momentos difíceis aqui pra poder conviver com eles e aprender com eles. Teoria, você não deve sair desse momento. Mas o suicídio no espiritismo, no meu entendimento, no Brasil, é visto de uma forma muito maniqueísta, muito punitiva. Eu não acho que seja assim. Eu acho que essas pessoas merecem o cuidado, o carinho, a atenção e vão passar por um momento difícil mesmo, porque vão perceber o seguinte, não resolveu nada, só piorou a minha situação. Todos os livros que eu li sobre suicídio falam o seguinte, e a OMS fala a mesma coisa, a pessoa não quer se matar, a pessoa quer sair de uma dor que ela imagina seja insuperável infinita, sem solução. Então tá muito doido viver, tá muito doido, você não entende, tá muito doido. E o único jeito é parar de viver. Só que você não para de viver, você continua vivendo. Então tudo isso que vinha causando essa dor imensa, continua. E mais ainda, no mínimo, a frustração de não ter sido uma solução. Fora o que você deixou aqui de dor para os que ficaram, que você ama. O pai, a mãe que ficou, o filho que ficou. Lendo agora sobre luto por suicídio, para filho é muito complicado. “Meu pai não gostava de mim. Ele se matou, ele me deixou, ele não gostava de mim. Eu não fui filho o suficiente para o meu pai”. Olha que coisa dura. E a mesma coisa é o oposto, né? Filho, pai e tal. Então é muito complicado. Deixa em quem ficou uma sensação de impotência, “eu não percebi, eu não atuei, ele me sacaneou porque ele me deixou aqui, deixou uma bomba na minha mão”. Então é ódio, é dor, é remorso, é uma coisa muito complexa. Agora, no meio do treinamento tem que compreender que é uma pessoa que não está bem. Então, sim, tratar sim, mas mesmo que se esteja tratando, não é o tratamento que vai garantir o não suicídio. Que a outra fala ruim. Acabou de morrer e fala, ah, 90% dos casos seriam evitados se tivesse tido tratamento psicológico e psiquiátrico. Não necessariamente. E quando você fala isso pra família de quem ficou, fala assim,” pô, você foi negligente, você deixou o cara se matar, você não deu tratamento”. Não, tem os que se tratam e se matam mesmo, e outros que se tratam e não se matam. Então, é um assunto muito delicado que acho que ainda vale a pena, precisamos falar muito nisso, conversar muito com isso. No meu entendimento, tentando deixar a passionalidade fora, o maniqueísmo fora, para tentar lidar com uma coisa, uma doença que merece ser conversada, estudada, para tentar… Muitas crianças suicidando, muitos idosos suicidando-se.
P/2 - Mas você já teve alguma história com a qual você teve que lidar?
R - Já, não em família, em família já teve casos lá no passado, lá para trás, de um tio-avô, de um parente de uma cunhada e tal, mas a mais próxima que eu tive é um casal, queridíssimos amigos até hoje, começaram a frequentar o centro, que eu já frequentava há mais tempo, e duas pessoas que eu adoro, super cultas, formadas na USP, uma conversa ótima, duas filhas lindas, na época as meninas deviam ter 16, 18 anos, por aí. Frequentando o centro. As meninas iam de vez em quando, eles iam sempre. Um dia, cheguei um casal acabado, super chorando, a mais velha havia se suicidado. E não havia, não fazia nenhum sentido, porque a menina estava super bem. A mãe estava lendo, a menina chegou, de uma festa, alguma coisa, mas não estava bêbada, não estava drogada, não estava infeliz. Conversou com a mãe, riu, brincou, conversaram. Falou “vou dormir”. Saiu, foi dormir, voltou, falou “mãe, me acorda amanhã a tal hora que amanhã eu vou na casa de fulana”, uma amiga dela. A mãe falou: “ah, tá bom”. E ela deixou a roupa arrumadinha pro dia seguinte. Passa um tempo, a mãe lendo, vem alguém bater a porta desesperada, a menina se jogou. Não faz nenhum sentido, ela tava super bem. E o casal nunca entendeu isso. E no centro, nunca entendeu o porquê dessa situação. Esse é outro problema, o porquê. Por que que ela se matou? Porque ela se matou é uma questão que não há solução. Nesse caso, principalmente, não fazia nenhum sentido, porque ela tava bem, preparou o dia seguinte. Aí, a gente perguntava lá, no centro perguntava para as entidades, falavam, “calma que ela está bem, calma que ela está bem”. Não é comum o espírito que se sustentou ficar bem imediatamente, não fica bem, porque é um trauma. E passando, passando, passando, o casal ainda muito mal, foi melhorando, isso faz já quase 20 anos, há 15, 20 anos. E aí um dia, essa minha amiga, mãe, fala, “eu sei o que aconteceu, eu sonhei com a minha filha, essa filha mais velha, e ela me disse o seguinte, ela dormiu e estava sonhando que ela estava num ônibus e que o ônibus começou a cair numa ribanceira. Ela abriu a janela do ônibus para sair”. Então ela não se matou, ela caiu no sonho e ela acabou saindo pela janela do ônibus, que era o quarto dela lá. Me parece fazer sentido, porque não tinha porque essa menina se matar, não havia nada acontecendo ali, segundo a mãe. Aliás, ao contrário, ela planejou o dia seguinte. Por isso que acho que precisa muito cuidado avaliar o suicídio. Nesse caso, o meu entendimento é que não foi suicídio. E aí a mãe acalmou, falou: “agora eu entendo o que aconteceu, não foi suicídio, de fato”. Então, é tão rico, tão variado, e esses depoimentos são muito ricos, muito interessantes. Agora, precisa sempre muito cuidar da interpretação do que você fala, porque são tantos nuances.
P/2 - Queria te perguntar, porque dentro dessa linhagem, o seu espírito, ele vem pra cá pra aprender alguma coisa. O seu espírito está aqui pra… Alguma fronteira ele tem que cruzar, né? Na sua encarnação, qual que você sentiu que foi essa lição? O que que você sentiu que você conseguiu vencer, assim, que te desafiou, te colocou pra fora da zona de conforto, você tem que ficar voltando? Se puder falar.
R - Não, vai parecer super arrogante o que eu vou falar, super arrogante, mas entenda por favor que não é. O meu olhar é sincero e talvez tenha um olhar super viesado aqui, errado, nisso que eu vou responder. Vou falar um pouco antes de missão. Eu não acredito em missão. A palavra missão é uma palavra complicada. Acho que é arrogante. A minha missão era… Jesus teve uma missão? Bom, talvez. Gandhi teve uma missão? Bom, talvez. Dom Helder Camara? Talvez. Mas acho que missão é uma coisa tão grandiosa. Martin Luther King? Talvez. Então eu não acho que a gente tenha missão. Acho que você tem tarefinhas. “Deixa eu me arrumar com aquela pessoa que hoje é minha cunhada. Deixa eu me arrumar com esse que é meu irmão”. Coisas menores. Mas, respondendo a tua pergunta, eu não consigo identificar, “olha, eu vim aqui pra me melhorar nisto”, e isso parece arrogante. Então, você não tem nada pra melhorar? Obviamente eu tenho, e muito. Mas não percebo nada que foi assim, olha, isto aqui veio pra acontecer pra você se melhorar nisto aqui. E talvez seja um defeito meu de não perceber isso mesmo, ou não admitir isso. Mas eu acho que eu tive a sorte, a felicidade, e aí eu usar essa palavra missão, acho que me encaixaram num jeito, numa bocadura para poder fazer algumas coisas. Que coisas são essas? Vem aí um pouquinho. Eu vim de uma família que não teve problema financeiro nenhum. Não era milionária, mas uma vida tranquila. Eu vim de uma família eclética com relação à religiosidade, tem de tudo ali. Eu vim de uma família onde há harmonia, a gente não briga, claro que briga, mas assim, no geral, super na boa, a gente se dá super bem. Aí uma outra família, que é da minha mulher, que também é muito interessante, muito legal, que se resolve também. Então, tudo isso aqui é muito resolvido. Saúde, nenhum grande problema de saúde, nada, nada tão grave. Então, você fala, pô, deram uma acolchoada pra mim aqui, bota aí um edredom pra não cutucar, né? Vim num ambiente acolchoado, vamos dizer assim. Tá, a partir daí o quê? A partir daí eu estudo, tenho experiências na vida, a gente falou do militarismo, da PUC, do casamento, da família e minha mulher, da minha família. Aí começa uma carreira executiva, uma carreira que foi bem, não sem dificuldade, claro que eu ralei pra caramba pra poder crescer na carreira, né? Tem uma frase que eu gosto muito, que tem que falar sem o plural. “Todo mundo vê as pinga que eu tomo, ninguém vê os tombo que eu levo”. Eu acho perfeito essa frase. Você vê o sucesso do cara, mas você não vê que o cara ralou pra caramba. Mas, de qualquer forma, eu consegui uma carreira de relativo sucesso. Cheguei num patamar bacana, que no final da carreira me deu até uma garantia financeira pra eu poder estar hoje aqui falando com vocês e falando sobre Espiritismo sem precisar trabalhar. Eu parei de trabalhar aos 56, eu acho. É muito cedo, mas deu para fazer um colchão de dinheiro que me permite fazer isso e tocar a parte espiritual de não ganhar um centavo. Todos os direitos dos meus livros são doados. Então, tudo isso, para mim, foi um certo encaminhamento. Não à toa. E qual era, então, o objetivo disso tudo? Para que na carreira pudesse exercitar um papel de gestor, um papel de líder mais humanizado e falar, “ó, dá para ser um cara sério, firme, que traz resultado, mas que não é um sacanão”. Isso é um exemplo para muita gente. Sem arrogância, mas deu para fazer esse papel e dá para eu me dedicar hoje só a falar do espiritismo, numa visão do espiritismo que eu estou aprendendo com várias outras pessoas muito legais com quem eu estou convivendo, espíritas, uma visão mais progressista do espiritismo, menos maniqueísta, menos religiosa, menos cacete, menos chata, menos punitiva. Então, para mim, isso também é outra vantagem. Eu estou podendo falar com vocês aqui, quando eu fui convidado para falar no museu, eu falei: “gente, que coisa mais espetacular”. Fui convidado para falar algumas vezes no programa de televisão, que ótima oportunidade. Onde me convidam, eu vou. Vou dar palestra para cinco pessoas no Centro Espírita lá no outro lado de São Paulo. Então, essa chance de poder fazer isso, eu acho que… Não sei se tem um aprendizado, uma correção que eu tenho que fazer, mas tem uma oportunidade espetacular que está me dando. E eu fico muito feliz de poder fazer isso, de ter tranquilidade na família, no trabalho, na vida financeira, vida afetiva, de poder… Aqui está tudo mais ou menos ok. Se dedica a isso, por favor. Você tem um espaço para dedicar. Isso é uma delícia. Raro. E por isso eu sou muito grato.
P/1- Preciso te perguntar mais uma coisa ainda, porque eu sei que é conceitual. Você sempre fala que pode escolher se vai para cá ou para cá. O que é o livre-arbítrio dentro da sua visão? O que é o livre-arbítrio? Você está colocando de uma maneira diferente. Eu tive a oportunidade, então, de exercer isso. Você tem a escolha. Sim. E o que é essa escolha? Nessa encarnação, por exemplo, o que significa ter livre arbítrio? Qual é o sentido do livre arbítrio?
R - De novo, eu tenho pensado isso muito ultimamente. Para mim, a coisa mais linda, se existe Deus, se Deus nos dá alguma coisa, a coisa mais linda que eu acho que Deus nos deu foi a autonomia, que dá para chamar de empoderamento, para pegar uma palavra atual. Você pode fazer o que você quiser, mas tem alguma coisa proibida? Nada. Tem alguma coisa que é pecado? Nada. Tem consequência? Ah, tem. Em tudo que se fizer vai ter consequência melhor ou pior, até ruim fala, boa ou ruim, não é tão assim, boa ou ruim, mas se você põe a mão numa água gelada, você vai sentir uma coisa, põe a mão numa água quente, você vai sentir outra coisa. São consequências daquele contato. Nesse sentido, tem o livre-arbítrio. O que é o livre-arbítrio? Você poder escolher seus caminhos. Então, primeiro, para o Espiritismo não há um destino. Você vai por aqui, você vai casar com tal pessoa, você vai viver esse tipo de coisa, você vai morrer na data tal, não está nada tão definido. E eu começo a achar, inclusive, isso tudo é pensamento recente meu, que há acaso, nem tudo está acertado. Aquela fala que nós espíritas temos, que eu acho uma grande bobagem, que é, “não cai uma folha de uma árvore sem que Deus tenha ciência disso, sem que Deus tenha querido”. Eu fui procurar essa frase, não está em nenhuma fala de Jesus, pelo menos eu não achei. Então é uma frase que a gente criou. Eu acho que sim, cai uma folha da árvore, sim, que Deus esteja falando, “ó, agora cai, não, essa árvore, não, cai aquela folha, essa aqui não, fica aí, cai a outra”. Não faz, é o sentido. Então acho que tem o acaso e tem as decisões que a gente toma que levam a consequências e caminhos. Para mim o que é o livre-arbítrio é justamente isso, a sua possibilidade de escolha. Dito isso, também acho que tem que olhar isso com cuidado. A minha possibilidade de escolha, tendo alimentado, tendo uma casa para morar, tendo uma vida confortável, morando em São Paulo, numa megalópole como São Paulo, é uma. Aquele meu similar, que não tem conforto, que mora num lugar péssimo, que tem problemas de segurança seríssimos, cuja casa está em risco de desabar porque ele mora no morro, é outro livre-arbítrio. Então tem condicionantes do livre-arbítrio que para algumas pessoas fica muito difícil você decidir na isenção. Estava falando disso recentemente com a minha mulher até. Uma pessoa que rouba, digamos, sei lá, uma pessoa que trabalha em uma casa e vai lá e rouba uma joia daquela família. Isso é problemático? Claro que é problemático. Isso é errado? Claro que é errado. Errado pela lei humana, isso dá cadeia, e errado do ponto de vista moral também, pela lei de Deus, vamos dizer assim. Mas eu acho que tem que interpretar isso da forma mais eclética, mais compreensiva. Se a pessoa está em uma situação financeira dificílima, devendo para o agiota que vai na casa dela com uma arma para cobrar, se os filhos estão passando fome, se na família não tem ninguém empregado, puxa vida, a tentação de pegar um pouco, eu não tenho nada, você tem muito, eu vou pegar um pouco do seu, é compreensível. Ah, espera aí, então você está justificando que roubar um celular na rua está certo? Não, estou dizendo que não pode roubar, está errado roubar, mas eu compreendo algumas ações como um livre-arbítrio muito difícil de exercer. A pessoa que rouba pode não roubar? Pode. É fácil? Para ele é mais difícil não roubar do que para mim. Se eu tenho tudo e eu roubo, é muito mais grave que você que não tem nada e rouba. Porque eu tenho muito mais condições de escolher não roubar. Você praticamente não tem condição disso. Se você não roubar, você não vai comer. Então o livre-arbítrio também tem que ser olhado nesse contexto. E o Espiritismo fala muito claramente isso. Os erros que a gente comete não podem ser julgados com uma régua única, porque a régua… No suicídio fala muito isso. O suicida é que está equilibrado, tranquilo, está com o raciocínio perfeito e decide suicidar-se, é, entre aspas, julgado, não tem um julgamento, mas é, entre aspas, visto de um jeito. Aquele que está desequilibrado e se mata, ele usa o termo louco, porque há 160 anos, louco era o que se falava. A pessoa que está com uma doença mental, com um desequilíbrio mental e se mata, tem que olhar de outro jeito, porque essa pessoa não tem discernimento para poder ter feito uma escolha adequada. Então, o livre-arbítrio, para mim, é sim uma prerrogativa que Deus nos dá, para mim é a mais maravilhosa, mas também ela sofre a influência do meio. Um espírito muito imaturo, muito bruto, é natural que ele cometa atos que, para um espírito muito desenvolvido, não tem sentido esse cara cometer esse ato, mas se você está aqui e comete, é muito mais grave do que esse que está aqui e comete, porque você já tem mais discernimento, você consegue ver melhor, você é mais estudado, você é mais sábio que o outro. Daí aquela fala que a ignorância é uma benção. Se você não sabe, você é mais perdoável pelos seus erros. Se você sabe… Ah, não, você sabia, você fez o que você quis, mas você sabia, você tinha a opção de não fazer. Não sei se respondo à questão do arbítrio.
P/1 - E eu queria ir caminhando já para algumas conclusões. Uma coisa que… Como você vê a relação entre o espiritismo e as outras religiões de fé.Você chegou a falar que budismo, judaísmo, são várias formas que falam desse mundo que a gente chama espiritual. Tipo, narrativas às vezes diferentes, às vezes complicadas, às vezes… Como você vê isso? Essas outras religiões...
R - Então, tem uma coisa que é a definição de início, tem espiritismo e espiritualismo, não são a mesma coisa. Espiritualista é todo aquele que não é materialista, que acredita em existir algo além da matéria. Então, tem um espírito, tem uma sobrevida depois que seu corpo morreu, esse é o espiritualista. O espírita é o Kardec, tanto que Kardec cunhou o termo espírita, espiritismo, então é um pouquinho diferente um do outro. As religiões todas são espiritualistas, elas acreditam que há algo além da matéria, nesse sentido há muita afinidade mesmo. Também isso eu falo nesse meu novo livro, eu analiso um pouco a semelhança e a diferença. Há muitas diferenças, por exemplo, o espiritismo não tem ninguém remunerado, não tem uma carreira no espiritismo, são todos voluntários. No espiritismo não tem uma indumentária especial, você não usa uma roupa assim ou assado, branca, ou com chapéu X ou colar, nada. Não há talismã, você não usa crucifixo, não usa patuá, não tem nada que te proteja, o que te protege é a mente, é você lidar com a sua própria mente. Não há silicio, você não se vergasteia, nada disso. Então tem muita diferença, não há promessa. Você não negocia com Deus, fala, “ah, Deus, se você me ajudar a passar no vestibular, eu não vou comer chocolate por seis meses”. Você acha, cara, que Deus vai se importar com uma bobagem dessa. Então, tem uma séria diferença entre elas todas. Dito isso, o Espiritismo tenta o ecumenismo, ele tenta conviver, ele tenta ajudar o convívio. Entre todos, inclusive das religiões. Apesar de pensarmos diferente, a gente se gosta, a gente tem muita coisa em comum, que é o humanismo, que é viver bem. A essência das religiões todas é a mesma. É o amor, é o bom convívio com o próximo. Então, nesse sentido, o Espiritismo faz um esforço de conciliação. Frequentemente, os eventos espíritas que eu vou, se convida um sheik, um rabino, um padre, um pastor, um Babalorixá, para estar ali junto conversando naquela hora, alguém budista, apesar das diferenças, tentando buscar as coisas que sejam comuns. Kardec fala, em um dos livrinhos dele, o seguinte: é o papel do espiritismo não só não fomentar a divisão, mas promover a união das religiões. Apesar de pensarmos diferente de muita coisa, nós estamos todos juntos nessa… Por isso que ele fala que é uma filosofia, não é uma religião, porque se fosse uma religião, teria antagonismo, sabe? Acabar com o antagonismo. Hoje está tendo guerra supostamente por visões religiosas diferentes, que é uma bobagem, não é? Na verdade, é uma disputa por território e tudo mais. Mas para o Espiritismo não tem um lugar santo, não tem um livro santo, não tem uma pessoa santa, não tem um papa no Espiritismo, não tem batismo, não tem crisma, não tem casamento, nada disso. Porque crê que o que importa é a gente viver harmoniosamente.
P/1 - E essa relação que ele tem com coisas mais próximas, como o cristianismo, talvez. Em algum momento se discute algumas religiões orientais, por exemplo, que vêm de outros lugares, budismo, hinduísmo.
R - Sim. Há muita semelhança entre algumas religiões orientais e o espiritismo. Ele foi beber nessas fontes, eu acredito, também. Mas isso é uma coisa curiosa. A gente comentava isso outro dia. Eu estou fazendo uma pós-graduação em pedagogia espírita muito interessante, pessoal super de ponta, é muito legal. E se comentava isso, o espiritismo aconteceu na França, no século XIX, onde o catolicismo imperava e um pouquinho de protestantismo também. Kardec foi muito influenciado pelas duas religiões, católico e protestantista. A mulher dele era super católica, ia na missa todo final de semana. Então, os espíritos que comunicam ali no Evangelho Segundo o Espiritismo, sobretudo, um pouquinho do Livro dos Espíritos, são ex-católicos. Então, ele se identificou com São Luís, São Vicente de Paulo, acho que tem São Tomás de Aquino também, o bispo de Alger, o cura de Arn. Então, tem muita coisa do catolicismo dali, porque era na França católica naquela época. Se o espiritismo tivesse acontecido na China, provavelmente seriam outros Espíritos a comunicar com uma vertente, uma visão muito mais ligada àquelas religiões de lá, ou no Japão. Seria diferente, mas, em essência, acredito, a visão seria parecida, a forma de expressar seria outra. E aqui no Brasil, então, foi pé na jaca total, virou muito mais católico, porque a gente é um país católico e, no começo do século XX, muito mais. E quando chega aqui, um negócio meio estranho, é religião ou não é? Que fala com o morto, falar com o morto é coisa do diabo. Talvez tenha havido um ajuste para catolicizar o Espiritismo naquela época e ser aceito também por aqui. Começou no Rio de Janeiro, que era a capital do país, entre os militares, os professores, os médicos e a elite intelectual brasileira que bebia nos livros franceses. Então, veio da França e eles abraçaram. Talvez tenha tido um pouco de aproximado catolicismo para poder ser aceito. A caridade, bastante caridade para falar que não é coisa do diabo, não, é caridade, é coisa boa. E assim ele caminhou.
P/1 - E ele lida bem com a Umbanda, com o Candomblé?
R - Lida, sim. Depende de com quem você fala. Se você conversar com algumas pessoas do Espiritismo, acha estranho esse negócio. Não, não, não. Eu sou Espírita mesa branca, se fala. Para falar, “não sou Candomblé, não sou Umbanda”. Mas não é incomum nos Centros Espíritas, no meu inclusive, vem uma entidade que se identifica como preto velho e fala, “ô, zinfi”, ou um índio, indígena. E está tudo certo. O Espírito, ele se coloca como ele quiser. Ele pode falar como uma criancinha, não existe espírito criança, existe espírito. Mas se ele desencarnou com 6 anos de idade, talvez ele ache que ainda é bacana falar, “ah tio, eu queria balinha, eu queria tomar um Guaraná”. Fala como criança, né? Então o espírito se coloca do jeito que ele quiser. Se ele quiser falar como preto velho, será bem-vindo e vai falar na boa, não tem problema nenhum. Às vezes falam com sotaque alemão, não precisa. Podia falar de qualquer jeito, mas ele gosta de falar daquele jeito que é onde ele se sente melhor. Então, tem essa mescla. Agora, tem coisas que a gente não faz. A gente não vai nas matas, não faz despacho. Então, tem algumas diferenças. Não usa patuá, não usa sal grosso, não usa incenso dos budistas, não tem santos pelo centro espírita. Então, tem algumas diferenças ali. Mas há uma… E depende do que você conversa, tem gente que fala, “não, eu sou espírita kardecista, eu não tenho nada a ver com Umbanda”, para tentar diferenciar, mas é muito parecido. Me parece que o Candomblé de origem africana e me parece, eu já li o contrário também, mas me parece que a Umbanda é derivada do espiritismo, que o espiritismo era tão hermético, tão elite no começo do século XX, que o fundador de Umbanda falou: “não, vamos fazer de uma fala de mais fácil compreensão”. E aí acabou. Eu fui dar palestra já em terreiro de Umbanda várias vezes, e sou super bem recebido nesses lugares. E tem lá o livro dos Espíritos, tem o Evangelho Antigo do Espiritismo, eles também lêem esses livros, sabe? Tem muita semelhança.
P/1 Então, a pergunta é que eu tenho, por exemplo, existem religiões que são milênios de coisas. Eu tenho um fundador, o judaísmo. Você poderia dizer uma ideia? Sim. Ele é um… Abraão? Abraão, não. Ele é o patriarca mor, mas a religião judaica é resultado de, sei lá o que, de uma depuração, de uma história. E por aí vai. Talvez tem Confúcio, são pessoas. Agora, o Espiritismo é engraçado. Você falou de uma pessoa que esteve ali no século XIX. Então, mas é assim. Existe esse conceito de que como se ele tivesse dado, ele recebeu por outros espíritos?Como é que lida com esse saber, mas que é muito recente, ele está pontuado ali num lugar que nem é um lugar, vamos dizer, é um lugar cristão, um lugar católico. Entendeu o que eu quis dizer?
R - Sim, sim.
P/1 - Há 4.500 anos, depurando todo um jeito que um povo se organizou.
R - Essa é uma excelente ponderação, porque ela é muito clara. O Espiritismo, algumas pessoas falam assim, “é a terceira revelação”. Kardec fala, é a terceira revelação, o que é uma coisa super arrogante. Então, revelação, por exemplo, é que Deus veio e falou: “ó, vou falar para vocês, é a verdade absoluta. Espiritismo, é isso aqui”. Eu não acredito nessa história de terceira revelação. E descobri recentemente que me parece que os muçulmanos também acham que eles são a terceira revelação. Então, não tem muito essa história. Kardec o que era? De novo, um professor, um literato, publicava livros e tudo mais, e muito interessado naquela história, foi investigar. O que ele fala, o Espiritismo fala, é o seguinte, “não, não fui”, ele fala, eu sou, ele usa literalmente a seguinte frase, “eu sou um mero editor do que a espiritualidade falou” e eu fui editando. Ele publicou só 3% de tudo que ele colheu, tamanho e critério. Eu falei: “isso aqui é bobagem, isso aqui não vale a pena, isso aqui está meio estranho, isso aqui não bate com aquilo ali”. Então, só 3% ele publicou. Ele publicou só durante 11 anos, ele falou isso cedo, falou isso com 60 e poucos anos. Mas ele fala o seguinte, “isso não sou eu, eu sou só o editor, estou pegando o que os espíritos falam”. Mais ou menos, porque ele tem muita interpretação dele ali, tem muito Kardec no negócio. O que é bom, não é ruim, porque ele era um cara, na minha opinião, muito sensato. Mas o que diz é o seguinte: o espiritismo não surgiu ali. Quer dizer, o espiritismo surgiu ali. A espiritualidade, a comunicação entre os ditos mortos e ditos vivos sempre houve na humanidade. Você pegar lá atrás, as pitonisas, o que era senão uma comunicação mediúnica, né? Ia ali consultar pitonisa, saia aqueles vapores lá, ela entrava em trânsito e falava, “ó, faça assim, faça assado”. Comunicação mediúnica. Jesus no Monte Tabor, lá, falando com eles, comunicação mediúnica. No judaísmo tem vários casos assim e tal. Então, a comunicação mediúnica existe por toda parte, em toda a história da humanidade. Aqui, entre os povos originários brasileiros, entre os povos do norte, da América do Norte, os inuites, os vikings, todos os povos africanos, lá na Ásia, toda parte tem comunicação. Os astecas, maias, incas, sempre teve. O que esse cara fez foi só tentar organizar esse negócio. Deixe-me entender o que é isso exatamente. Como é que funciona essa interação? Como é que eu posso usar a serviço da gente, que é da humanidade? Como é que isso pode me instruir, pode melhorar? Então, de fato, o que ele fez foi, com o viés daquele momento histórico, quando ele vivia, daquele lugar onde ele vivia, falou: “do que eu estou entendendo, isso aqui é isso aqui, e a gente podia usar dessa forma”. Mas não foi uma criação, não é ele um iluminado. Afastava isso de qualquer jeito, tudo o que é… Ele fala num livrinho muito legal, chama Viagem Espírita em 1862, tem vários discursos dele, um deles ele fala assim, “eu não teria importância nenhuma se não fosse espiritismo, ninguém ia dar bola para mim, ninguém ia olhar na minha cara, só estão me dando essa bola toda porque eu escrevi esse negócio”. Então ele tenta todo momento falar assim, “eu não sou nada dessa história, só estou reportando aqui para evitar justamente a idolatria”. Muito diferente do Brasil que tem médium aqui que se acha o dono do espiritismo. “Eu falo em nome dos espíritas”, e aí mete o pé pelas mãos, fala coisas da opinião política dele nas eleições, que não é o que o espiritismo diz, o espiritismo não tem opinião política, cada um espírita tem a sua visão da política, da ideologia. Não dá para falar, nós espíritas, não sei o que, já é nenhum, ninguém pode falar em nome do espiritismo e, ao mesmo tempo, todos podem falar em nome do espiritismo, que é curioso. Eu estou falando aqui um monte de coisa do espiritismo, que eu acho que seja assim, não quer dizer que o outro ache igual. Então, essa beleza, não tem uma autoridade máxima, não tem um regulador. A FEB, a Federação Espírita Brasileira, tenta ser, desde o começo do século XX, a aglutinadora orientadora, com problemas. Já teve muito racha nesse negócio. Eu sou pelo espiritismo anarquista. Cada centro espírita cuida de si. Eu viajo bastante fazendo palestras, sei lá, Belém, Fortaleza, Natal, aqui em São Paulo todo, Santa Catarina e tal, e é lindo, você ver, cada centro espírita regula a si mesmo, sabe? Tem algumas coisas comuns, o passe, “vamos fazer uma prece inicial, prece final”, tem umas coisas que são comuns, mas cada um cuida de si, isso é muito lindo, você vê a autogestão do centro espírita de quatro pessoas, ou como tem aqui em São Paulo, tem quatro mil pessoas que cabem lá. Então é bacana isso, eu acho isso meritório, ele não foi o fundador do Espiritismo, ele não se coloca nessa posição. E diz mais, fala que o Espiritismo está incompleto, ele vai evoluindo conforme a humanidade for evoluindo. Ele fala assim, “se um dia a ciência provar que o Espiritismo está errado, o Espiritismo tem que mudar, ele tem que acompanhar a ciência o tempo todo”. O que é uma grande fala hoje em dia quando as pessoas negam a ciência, como foi agora no caso da vacina. Mas também é complicado, porque aí a pessoa fala assim, “não, Kardec falou que o Espiritismo estava pronto, então vamos pôr Feng Shui aqui no Centro Espírita”. Não, Feng Shui não é Espiritismo. Você pode gostar ou não gostar, mas não é Espiritismo. Então, é muito difícil isso também, porque como ele falou que não está pronto, qualquer coisa meio que encaixa, né? Agora há pouco você falou de apometria, né? Teve uma época que foi moda, todo Centro Espírita põe apometria. Eu fui contra no meu Centro Espírita e fui voto vencido, eu era o presidente do Centro. Teve apometria lá, não deu certo, pararam. Então, são posições, são momentos. Eu fui contra a cirurgia espiritual no centro espírita. Teve também, e com bons resultados, aparentemente. Por que eu fui contra? Porque eu acho que a cura é a cura pelo esclarecimento, pela mente, pelo que você conhece, pelo que você pensa. Essa é a melhor cura. A cura física, ela é meritória, ela é necessária. Estou com dor aqui, dá para você curar? Se puder curar, melhor. Mas eu não acho que isso seja a coisa mais espetacular que o Espiritismo pode oferecer. Eu acho que a cura de eu me curar, de eu pensar as minhas coisas, de eu tomar as minhas decisões, essa para mim é a beleza maior.
P/1 - Para a gente ir daqui para frente, por que você escreve livros?
R - Porque é gostoso. Eu adoro escrever. Por que eu escrevo livros? Primeiro é uma coisa de ego mesmo, é uma delícia meu livro estar escrito. As pessoas falam, adorei seu livro. Ficou todo cheio. Eu até brinco e falo, se encontrar meu ego por aí, dá uns tapas nele e manda de volta, porque ele está muito longe. Mas é muito gostoso. A remuneração emocional que eu tenho, do Espiritismo, seja pelos vídeos, que me dão muito retorno. Tem mais de 300 vídeos pequenininhos. Seja pelos livros, é muito legal. E, como você pode imaginar, como eu escrevi sobre a morte, tinha coisas bastante tocantes, sabe? De suicídio, de homicídio, né? E aí quando você… Aí eu respondo todos. Ainda dá, hoje em dia, para responder todo mundo. É muito legal. É muito gostoso. Me faz um bem gigantesco, sabe? É uma remuneração emocional lindíssima. Então, acho que é por isso. E eu gosto de escrever. Eu acho bacana escrever. E eu escrevo. Depois eu volto e olho e falo, “nossa, isso aqui está ruim. Eu vou cortar esse pedacinho. Olha, esse pedaço fica melhor aqui do que aqui. Nossa, eu repeti” Como eu escrevo ao longo de três, quatro anos, às vezes eu escrevi um negócio aqui e esqueci. Daí eu escrevo igualzinho aqui embaixo. Eu falo, não, mas está igual. Peraí, corta esse aqui. Então é gostoso essa edição, essas coisas. É uma delícia. Mas eu precisaria me dedicar mais à escrita para poder produzir mais livros. Tem um monte na minha cabeça que não está saindo por pura vadiagem, né? Ficar vendo televisão em vez de sentar e escrever. Netflix rouba o tempo.
P/2 - Eu queria saber, em sua visão, o que é a fé? Quiser dar uma visão teórica, mas não só o que é a fé. Como a fé se expressou na sua vida, em algum momento? Se você, nessa encarnação, pudesse levar um momento que representasse a fé, que momento seria esse?
R - Pois é, eu tenho problema com fé. Eu diria assim que eu não tenho fé. Como assim não tenho fé? Se a fé pressupõe acreditar em alguma coisa, eu acho que é uma coisa que não conversa comigo, porque eu prefiro ir pelo raciocínio, pela coisa que tem lógica, e a fé para mim é uma coisa ilógica. Eu acredito porque é bom acreditar, porque vai me ajudar se eu acreditar. Não gosto disso, sabe? Eu acho que a fé é aquilo que eu falava agora há pouco. Ela só funciona para mim se for a fé em que eu dou, sem arrogância alguma, que eu dou conta de lidar com a situação. Ah, com a ajuda espiritual? Sem dúvida. Com a ajuda de Deus? Provavelmente, né? Mas Deus nos equipa com tudo que você precisa para tocar a tua vida. Então eu não gosto desse conceito de fé, que é um conceito que no meu entendimento escraviza, prende, sabe? Que eu delego a solução das minhas coisas a alguém outro, seja quem for, seja Deus, seja Jesus, seja quem for. Então, nesse sentido, eu não me preocupo nem um pouco com a fé. E eu até faço questão de falar, “olha, não importa a fé, esquece a fé”. Mais uma vez, vamos no mesmo caminho, ir para um caminho mais de lógica, de encaminhamento do que de crença numa coisa extraordinária, não que não exista, pode existir, eu acho que existe até, mas eu acho, é quase que uma sacanagem eu jogar meus problemas para alguém resolver para mim, sabe? Alguém maior, Deus, Jesus, quem for, santos, anjos, espírito protetor, anjo da guarda, mentor, eu não acho que eu deva fazer isso, então eu tento não caminhar pelo lado da fé. Eu acho que a fé tem problemas muito sérios, inclusive, se a gente pegar a inquisição, é uma barbaridade o que aconteceu, é uma barbaridade, é uma prova absurda do nosso atraso. “Você não pensa como eu, eu vou queimar você na fogueira porque você é judeu, porque você é muçulmano, porque você é homossexual”. Então, eu acho um perigo essa história da fé e nós estamos voltando num momento de fé complicado. Tá juntando fé com Estado. É muito complicado. Na minha opinião, é um retrocesso gigantesco. Então, acho que não dá pra ir pra essa fé, “eu acredito muito, eu conto muito”, eu acho que essa fé é complicada. Essas manifestações de, “ah”, eu acho isso tudo muito complicado. Eu acho desnecessário e perigoso. Porque você delega pra alguém uma força, uma tropa gigantesca que pode ser muito ruim pra todo mundo. Não sei se eu caminhei.
P/1 - Você está em um lugar de memória, com a história das pessoas. As histórias estão todas guardadas aqui. E a gente tem essa ideia de que as histórias são a nossa forma de existir na vida, de cada um. Então, a gente acredita no direito à memória, das histórias. Eu te expliquei um pouquinho. Como você vê essa relação entre a memória, uma casa de memória e o espiritismo, e se você conseguisse fazer alguma relação, o que você faria?
R - Primeiro, quando vocês me convidaram para falar no Museu da Pessoa, eu fiquei encantado, muito honrado e surpreso. E achei que delícia, por admirar essa iniciativa. E parabéns por ela. Porque registrar as coisas que aconteceram… Eu estou olhando muito Kardec no século… E tem um pessoal estudando profundamente as cartas de Kardec, os escritos dele. São historiadores que estão mergulhando para entender o contexto quando o Espiritismo surgiu, é fantástico. Ele só pode fazer isso porque conseguiu descobrir alguns papéis deles em Sebos, lá em Paris, num museu particular, não sei onde e tal. Então, a preservação da memória é fundamental. E eu, se tivesse um poder de voltar no tempo, eu gostaria muito de voltar. Eu queria voltar um pouquinho no começo do século XX. Em 1920 e pouco, 1930, entender como era São Paulo, o que estava rolando, e talvez em outras épocas. Essa viagem para o passado, eu acho muito gostosa. Eu vejo as fotos da minha família, do começo do século XX e tal. É muito legal. Eu fui fazer a minha cidadania italiana, então eu voltei até o meu bisavô. Foi muito gostoso. Então, eu acho a preservação da memória muito importante. O que eu não gosto, não concordo, é a história do legado. A palavra legado, para mim, é uma das que eu riscaria do mapa, porque eu acho que foi muito mal usada. Eu vi até que vocês têm alguma coisa de legado aqui. Uma arrogância, falar “o meu legado será”, eu não tenho legado nenhum, o legado você faz durante, claro que fica alguma coisa, mas o importante é enquanto nós estamos caminhando, o que eu estou entregando enquanto eu estou caminhando, o que eu estou recebendo e como eu estou devolvendo. E é no momento presente, não é o que eu vou deixar para gerações futuras, acho isso irrelevante. Por outro lado, desde a pandemia a gente começou a fazer muita live no Espiritismo, não tinha isso antes, era só presencial. E é muito legal, você faz live, a live fica gravada, e o cara que está lá em Osaka, no Japão, pode assistir agora ou daqui a 10, 15, 20 anos. Já vi casos de gente que fala, “ah, eu estou contente que eu posso saber do espiritismo agora, mas minha cidade não tem centro espírita, eu tive chance de saber”. Uma amiga minha que é baiana, inclusive, falou, os irmãos, ela é espírita, os irmãos não são, e falou: “os irmãos têm um tremendo preconceito em relação ao espiritismo, assistiram uma fala minha e até acharam legal”. Por que eles assistiram? Porque você está protegido, você está na sua casa, ninguém está te vendo. Então dá para você ousar algumas coisas. Então a preservação da memória e a oferta de discursos outros é espetacular. Antes não tinha isso. Então acho o papel do museu muito importante. Como é que isso lida, como é que isso conversa com o espiritismo? Todo conhecimento da alma humana, da trajetória humana é fantástico, porque a gente consegue avaliar como é que a gente vem vindo, como é que a gente vem evoluindo, como é que está o caminhar, as coisas que já mudaram. Essa percepção da evolução e da mudança é muito difícil. Porque a gente fala assim, “você acha que a humanidade está evoluindo?” O Espiritismo fala que sim. “Imagina, você não vê televisão não, você não vê os noticiários? Você não vê as barbaridades que estão acontecendo?” Eu vejo. E vejo também Netflix. E pega qualquer coisa que aconteceu na Idade Média, era bom na Idade Média? A gente empalava as pessoas, a gente fervia os caras vivos, era um horror, estupro qualquer coisa, escravização se fazia com o que você queria com o cara. Então, essa noção de que a gente está evoluindo é muito importante. E acho que o museu contribui isso, histórias interessantes de vida, como é que o Brasil, a população brasileira misturada de gente do mundo todo foi evoluindo, como é que a gente tem esse caráter que é distinto do argentino, do chileno, do francês, do nórdico. Essa construção acho muito rica. E é construção de almas, de espíritos, e são espíritos em evolução. Talvez alguns dos que a gente tem aqui nas paredes já estejam encarnados aqui ou em Oslo, vai saber, né? Então isso acho que é bacana, acho que tem uma junção assim ali. Mas me ocorre uma coisa que a gente não falou, que eu queria falar, que eu acho que é importante, uma vez que fica registrado. As religiões estão sofrendo muito uma debandada. As pessoas estão indo embora da religião. Algumas estão crescendo. As tradicionais estão perdendo adeptos, perdendo fiéis. E o Espiritismo, eu acho, também está perdendo fiéis recentemente no Brasil. Por quê? Você vai dar uma palestra no Centro Espírita, todo mundo de cabelo branco ou careca. Tem pouca gente jovem. Porque é muito chato, é muito enfadonho, assim como as religiões. Você chega lá e fala assim, “então, irmãos, vamos agora fechar os olhos, vamos orar e pedir adeus ao nosso irmão maior, Jesus”. Essa fala desse jeito é uma fala religiosa chata, enfadonha, que não há quem aguente. Se você pensa um pouquinho, você não vai aguentar uma conversa dessa. Ainda mais quando entram umas coisas que são difíceis de acreditar. Fala, “ah, quando morre vai acontecer isso, vai ficar em tal lugar assim”. Isso não tem lógica, não faz sentido, não tem uma concatenação, não faz sentido do meu raciocínio lógico, e por isso você perde adepto. O jovem que chega no Centro Espírita vai fazer o quê? Ou vai cantar a música “Jesus, nosso irmão, Jesus, nosso pai”, eu acho chato esse negócio, ou vai fazer sopro para distribuir na praça, bacana, mas depois do tempo enjoou. Agora, o Centro Espírita não discute aborto, não discute gravidez e adolescência, não discute racismo, não discute homossexualidade, não discute transfobia. São temas que estão aí, a carreira das pessoas, miséria, distribuição de renda. Esses temas mais progressistas têm que ser discutidos no espiritismo em toda parte. Então, o que me deixa feliz por um lado e infeliz por outro, assim, infeliz porque enquanto ficar essa coisa de enfadonha e religiosa, o espiritismo vai começar a esvaziar. Isso tem problema? Não. Se acabar o espiritismo, tem problema? Não. Acabou, acabou. Tudo bem, mas dá para… Tem uma coisa tão linda no espiritismo que é essa lógica humanista, progressista, que explica e ajuda você a compreender a si mesmo e aos demais e como conviver bem e tentar se melhorar, essa é muito rica. E essa não é do fenômeno, não é do passe, não é da água fluidificada, não é da cura, não é da cirurgia espiritual, não é da psicografia. Essa essência, eu acho que algumas pessoas no Espiritismo estão retomando, e ela é muito legal. Então, como isso fica gravado e as pessoas assistirão, eu queria dizer a você que está ouvindo nesse momento o seguinte, não deixe de frequentar o Espiritismo, ler o Espiritismo, estudar o Espiritismo de Kardec, se você está chateado por ver essa bobageiada, que isso não é Espiritismo. Isso é a opinião de muita gente, mas tem coisa muito melhor que isso, muito mais legal que isso. As religiões também têm, mas tente pegar a essência, não essa fala bobinha, essa fala chatinha que abandona. Gente mais inteligente está deixando, porque falar “isso aqui, não, isso é uma pataquada, uma bobagem”. Não é, tem coisas muito legais. Fie-se nisso, volte para Kardec, estude Kardec, esqueça romances psicografados, espíritos brasileiros. Pode ser engraçadinho como uma historinha, mas não é, a essência não está ali, a essência está sobretudo em Kardec, eu diria. Tente ver isso, que isso é muito bacana, ajuda muito. Obrigado, é um prazer.
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