Projeto Conte sua História
Depoimento de Carlos Eduardo Carvalho
Entrevistado por Lila Schnaider e Marcia Trezza
São Paulo, 21/06/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV570_Carlos Eduardo Carvalho
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Oi, Carlos. Você, por favor, poderia começar falando seu nome, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Carlos Eduardo Carvalho, nasci em Recife, em 1969, 23 de agosto, virginiano.
P/1 – E como é o nome dos seus pais?
R – Jarbas e Ana Maria.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Olha, um pai e uma mãe típicos dos anos 60, eu diria: mãe dona de casa e o pai como provedor e militar. Então, uma vida bastante definida por regras. Como um bom militar, disciplina é uma palavra que me acompanhou por muito tempo e faz parte da minha rotina como pessoa hoje também. Eu diria isso: meu pai como provedor da família.
P/1 – E quais eram os costumes da família?
R – Meu pai trabalhava de manhã, de tarde e de noite, porque ele foi um militar diferente, porque ele se formou no IME [Instituto Militar de Engenharia] e não trabalhou dentro de quartéis. Ele foi meio que emprestado à fábrica de explosivos de Piquete. Então, ele era um militar que era um executivo de indústria. E ele dava aula à noite pra aumentar o salário-família. Então, eu via o meu pai nas refeições e nos eventos dos finais de semana. Meu pai, em todos os eventos esportivos ou do colégio, meu pai vivia na nossa vida. Então, ele era, eu diria... Hoje é Uber, mas na época ele era o motorista de Uber nosso. Ele levava a gente pra todos os lugares e participava dos eventos do final de semana. Então, um pai muito presente, quando ele podia estar presente, mas muito disciplinador: “um mais um”, pra militar, é igual a dois, não é um e meio, nem dois e meio. Eu acho que a definição seria mais essa.
P/1 – E tua mãe?
R – Minha mãe eu classificaria como rotina. Eu acho que tem o ônus e o bônus da rotina. Então, ela que vivia o dia a dia do colégio, o dia a dia da interação dentro da casa, das brigas dos irmãos, ela que vivia isso enquanto meu pai estava na fábrica ou na aula. Ela que via se a gente estava estudando ou não estava, ia ao colégio brigar com os professores, ia para as reuniões de pais e mestres. Então, ela vivia nossa rotina, e meu pai vivia mais a parte lúdica. Porque no dia a dia ele era muito mais o poder decisório. Eu brinco, ele era mais o STJ, o Supremo Tribunal [de Justiça]. Ele que tomava a decisão final. Não tinha muita conversa quando meu pai... Quando meu pai tomava uma decisão, a decisão estava tomada e você tinha que seguir. Essa era mais ou menos a regra da casa.
P/1 – E você sabe a origem dos teus avós? De onde veio a família?
R – É de origem portuguesa. Os dois lados são de origem portuguesa. As quatro famílias, tanto da minha avó, das minhas avós e dos meus avós, são de origem portuguesa. Mas todos pernambucanos. Por parte de mãe, do interior, de Vitória de Santo Antão. Do meu pai, vieram mais de Olinda e Recife mesmo. Meu avô era fazendeiro, tinha fazendas em Vitória, que, na época, do que eu me lembro da fazenda, era arrendada pra Pitú pra fazer cana-de-açúcar. Então, as lembranças dos meus avós são muito engraçadas, são duas lembranças muito diferentes: uma é por parte de mãe, o avô fazendeiro, bem interiorano, vivendo numa casa grande em Recife, que adorava que todos os 22 netos estivessem na casa grande dele. Aí passava o Fri-Sabor – você deve conhecer o Fri-Sabor –, e ele comprava o carrinho inteiro de Fri-Sabor. Colocava no parquinho na frente da casa, e o cara só ia embora quando os netos acabassem com todos os sorvetes. Minha mãe adorava, inclusive, essa história. E do outro lado, a família com que todas as minhas férias eu ficava, que era a dos meus avós por parte de pai. Eu vinha de Piquete e ficava. Era a época que meu pai tirava férias dos filhos. A gente ficava na casa da minha avó, porque na mesma rua moravam quatro primos da mesma idade. Então, a Rua José de Holanda, na Torre, foi onde eu passei grande parte das minhas férias. De manhã, a Praia de Boa Viagem com o meu pai. Meu pai largava a gente na hora do almoço e ia fazer as visitas de família, e a gente ficava com os primos, que a gente não queria fazer as visitas de família. A nossa vida de férias, dois meses, era ali na Rua José de Holanda, com a turma da Rua José de Holanda. Então, os meus avós eram muito presentes por parte de pai. E, por parte de mãe, era a história de novo. “Você tem que visitar o outro avô, tem mais 22 primos lá.” Eu era o mais velho por parte de mãe. Essa interação existe até hoje, tem grupo de WhatsApp dos primos Bezerra de Mello. Era mais ou menos isso. A gente vivia longe lá em Piquete, no Rio, e os avós eram de férias, praticamente de férias.
P/1 – E você gostava de fazer o quê? O que você fazia com esses primos?
R – Tudo que uma criança normal fazia. As férias eram mais esperadas porque realmente era uma época de liberdade dos pais e de fazer tudo que uma cidade grande, que não tem na cidade de interior: cinema, festinhas à noite com Lionel Richie, forró. Aprendi a dançar forró, porque eu sou pernambucano, mas eu fui educado no Sudeste, não sabia dançar forró. Tinha que aprender para ir para as festas de Recife. Então, minha infância, as férias eram algo diferente do dia a dia de uma cidade interiorana. Era o War, futebol de botão, campeonato de botão, Atari, começou a existir games, cinema e praia, que não tinha no interior de São Paulo. Era uma vida maravilhosa. Muito bom. As férias eram diferentes, eu diria.
P/1 – E onde você morou na sua infância?
R – Eu nasci em Recife e, com menos de um ano, eu fui morar no Rio de Janeiro, na Urca, onde eu fui alfabetizado e meu pai ficou de quatro a cinco anos, pra completar Engenharia Química. E depois eu fui pra Piquete, onde eu fiquei 12 anos. Então, 12 anos de uma vida de interior, numa vila militar. E a vida era assim: eram os filhos dos militares da vila e a cidade. Essa interação era sempre muito delicada, porque a gente era “os ricos da cidade”. Mas uma vida maravilhosa: de manhã, estudar, de tarde, ao colégio estudar à tarde, depois esporte, das quatro da tarde, quando tocava a sirene da fábrica, estava liberado para ir pra rua. Então, a minha vida de infância foi rua. Foi quadra de futebol, foi pique-esconde, polícia e ladrão, mato, muito diferente da vida das minhas filhas hoje. Então, eu olho, sábado e domingo, elas estão aqui dentro do quarto ou estudando, ou no Instagram. É muito diferente. Minha vida é de interação de rua, é pé sujo, é bicicleta, é futebol, é vôlei, é rua, vida de interior, que também tem mudado muito nos dias de hoje. Trinta anos atrás era outra história.
P/1 – E você tem alguma lembrança mais forte do período do Rio, quando você morou no Rio, ou era muito pequeno?
R – A minha vida no Rio, como uma criança até cinco anos, com poucas lembranças. Mas as lembranças que eu tinha, e que são muito legais: existe o círculo militar, que é o clube militar, a gente morava embaixo do bondinho, nos prédios que existem dos militares lá, que os roxos são iguais, acinzentados, na frente tem uma praça, e o círculo militar, o clube militar. Minha infância é meu pai e minha mãe jogando vôlei, e eu descendo a montanha com papel de caixa de papelão, descendo como se fosse skate e machucando alguma coisa, ou machucava o dedo, ou a clavícula, ou uma escoriação na perna. Mas também na rua, e a praia da Praia Vermelha também. Sábado e domingo, meu pai levava a gente pra praia. Então, a lembrança é praia e clube militar, era onde eu vivia nesses cinco anos. É muito longe essa lembrança. Tenho mais lembrança de Piquete mesmo.
P/1 – E de Piquete?
R – Eu diria que 25% da minha vida foi numa cidade de 20 mil habitantes. E você morar numa cidade de 20 mil habitantes, você tem o bônus e o ônus dessa história. O bônus é a liberdade, porque você não precisava se preocupar com violência, você não se preocupava em ser assaltado, em se perder, em ter algum contratempo mais preocupante. E liberdade é uma coisa muito legal pra criança. Então, o Colégio São Joaquim, que é salesiano, com muito esporte. Estudo e esporte sempre foram os pilares da minha infância. Ora eu estava ou lutando judô ou no time de futebol do colégio, viajando o Vale do Paraíba inteiro. Ou lutando judô ou jogando futebol pelo time do colégio. E o resto da minha vida estudando. Então, eram esporte e estudo. Toda minha vida foi ligada a esses dois pilares, se a gente falasse em pilar.
P/1 – E como era o grupo de amigos?
R – Era um grupo muito fechado, eram os filhos dos pais militares. Todos estudávamos em Lorena – não estudávamos em Piquete – em colégio particular. Então, todo dia de manhã tinha o ônibus, o motorista chamava Seu Rosa, e o ônibus era um azul, bem velho, que entrava os 25, 30 filhos de militares, que iam estudar no Colégio São Joaquim ou no Colégio Santa Teresa, em Lorena. Eram dois colégios religiosos, metade ficava em Santa Teresa, metade no São Joaquim. E minha vida toda foi nesse grupo de 30. Desses 30, 20 desde o início. Então, de cinco aos 17, esses 20 viveram muito juntos, e os outros eram aqueles que vinham e saíam, vinham e saíam. Então, nesse grupo de 20 ainda existem contatos. A última vez, há cinco anos, a gente fez um churrasco em Piquete, a gente se encontrou. Tem gente morando em Fortaleza, tem gente morando no Rio de Janeiro, tem gente morando em Belém. Nós nos encontramos umas duas vezes, eu acho, em Piquete, pra fazer um churrasco no único remanescente de Piquete, que desde aquela época ficou lá e trabalha em Piquete, ficou por lá. A gente é amigo de Facebook hoje, mais fácil. Hoje tem interação de Facebook. Mas é um grupo muito amigo. E como todos os amigos, tem a parte boa, tem as brigas, criança. Criança interage de várias formas. Mas é um grupo especial na minha vida, fez parte do meu crescimento como pessoa, das partes boas e das partes ruins de ser criança e de interagir com adulto e com o colégio. E os problemas dos moleques eram diferentes, era tirar nota boa e não deixar de lutar o judô. Porque meu pai meio que condicionava: “Ah, você gosta de futebol? É o que você mais gosta de fazer? Você pode, mas você não pode ser um mau aluno, você tem que passar por média. Passou por média, tranquilo; não passou por média, o tempo que você iria usar para o futebol, que você gosta muito, você vai estudar pra você tirar nota boa.” Então, eu era muito focado em não tirar nota ruim, pra passar por média, pra eu manter o que eu mais gostava de fazer, que era jogar futebol, na época. Tem isso muito na minha cabeça: “Eu preciso fazer isso. E eu, para eu fazer isso, para o meu pai me deixar fazer isso, eu tenho que ser um bom aluno.” Isso era muito forte, é muito forte na minha memória.
P/1 – E como era na escola? Você se lembra de algum professor especial?
R – Especial na escola? Era um padre especial, que também era professor de religião, mas ele, dos padres, eu diria que ele era o mais... A palavra não é flexível, mas o mais moderno, eu diria. Então, ele conseguia associar a disciplina e as regras da religião com as necessidades dos jovens. Ele era um comunicador mais eficaz que os outros. Padre Gentil, o nome dele. Inclusive, eu fui pra Lorena mostrar o Colégio São Joaquim para as minhas filhas, há uns dois anos, antes de ir para Nova York, e eu procurei pelo padre. Ele tinha acabado de falecer. Ele viveu no Colégio São Joaquim até o falecimento. Ele é muito vivo, do lado positivo. E do lado negativo tem um professor também, chamado Seu Vander, de Português, porque, como um bom aluno de Matemática, Português não era meu forte. E ele dava muito peso para um tal de jogral. Então, eu tirava oito na prova normal, e era muito ruim de jogral. Eram quatro pessoas, cada um tinha que falar, depois falavam os quatro juntos, e eu só tirava cinco, quatro, cinco, quatro. Então, isso me deixava louco, porque minhas médias baixavam, eu ficava com medo de não passar por média em Português por causa do jogral. E eu falava: “Pô, o que o jogral vai me ajudar... Eu quero ser engenheiro, o que o jogral vai me ajudar no meu lado profissional? Não tem sentido eu me dedicar a uma coisa que eu não gosto, em que eu não sou bom, mas eu tenho que fazer isso.” E tinha que estudar o jogral e ia pra casa das pessoas, e fazia o jogral 300 vezes, e eu era ruim, aí atrapalhava os outros três. Então, isso também me marcou, o descontentamento de o jogral ter o mesmo peso que uma prova normal. Isso me marcou também, de forma negativa. E um professor de História, mas aí como jovem, que me fez gostar de História. Que eu não gosto muito de decorar as coisas, e História, no início, se você não tem um bom professor que consiga ligar o hoje com o ontem: “Olha, isso aqui está acontecendo agora, deixe-me contar uma história, por quê.” E ligava a história do Egito, da Mesopotâmia, Roma, com o que acontece hoje. A República Romana com a República de agora. Então, o cara começou a fazer conexões, isso no terceiro ano, já no final da... Foi quando eu comecei a gostar de História e ler História e não me sentir desconfortável. Como um bom matemático, uma pessoa que gosta de Exatas, a parte de Humanas não era o meu forte. Então, um cara que me marcou muito, mas eu não lembro o nome dele. Porque foi um ano só. Eu me lembro do rosto dele. Como professor, foram esses.
P/1 – E você já sabia desde cedo o que você queria ser quando crescesse, pelo que você falou.
R – Na realidade, essa é uma história complexa, porque como eu cheguei a “eu quero ser engenheiro”? Eu era bom em Exatas, informação número um; número dois, meu ídolo era o meu pai, ele é engenheiro e tem uma boa vida. Eu gosto de Matemática, meu pai é engenheiro, escuto Engenharia, eu vou ser engenheiro. Com o passar do tempo e vivendo Engenharia, eu vi que não era exatamente isso que me deixava feliz, porque, quando eu comecei a trabalhar com Engenharia, eu me via num mundo muito fechado, de fábrica, com o Carlos sendo o cara de melhor nível intelectual, operador de máquina, supervisor de produção, são pessoas... Não é rebaixar as pessoas, mas é o nível intelectual das pessoas. Eu gostava muito de interagir com pares e com pessoas que pudessem me ensinar, mais do que eu ensinar. Então, essa mudança da área para Humanas, a área comercial, me fez ver esse outro lado. Comecei a me sentir mais confortável com interação com pessoas. A Engenharia veio desse aspecto. Eu era bom em Química, eu era bom em Física e Matemática, mas eu era melhor em Química. Exatas, Química, Engenharia, meu pai é engenheiro químico, então, eu segui a carreira. Meu pai é civil e químico, ele se formou em Engenharia Civil e como engenheiro químico. Então, eu vou ser engenheiro químico. Depois que veio a área de Humanas, uma área mais de vendas. Também tem alguma coisa a ver com Exatas, você tem que ter capacidade de raciocínio. Mas, se eu tivesse que fazer um resumo de Engenharia, o que ela me proporciona hoje, é a velocidade de raciocínio. Eu vejo muito, do engenheiro vendedor ao administrador vendedor, a forma de raciocínio é diferente pra chegar ao mesmo destino, mas a gente tem outras vias de raciocínio que um cara que veio de Humanas. Acho que isso que é um bom ponto de engenharia.
P/2 – Você falou da empresa do seu pai, que seu pai era engenheiro, e ele trabalhava numa fábrica de explosivos.
R – Isso.
P/2 – Você tinha uma imagem disso?
R – A gente visitava a fábrica. Nós visitávamos a fábrica de explosivos.
P/2 – E que memória você tem dessa área, dessas visitas?
R – Da visita era assim: era o palácio do meu pai, sabe? Pequeno, então, eu ia ao escritório do meu pai. Eu não visitava as instalações de explosivos, que era proibido. Mas o escritório do meu pai era: “Nossa, é aqui que meu pai manda e desmanda. Aqui é o reinado do meu pai. Nossa, ele é importante!” Agora, da fábrica de explosivos, eu tinha dois sentimentos: um de medo, porque eram explosivos, e das duas vezes que a fábrica realmente explodiu e morreram pessoas. Eu estava no Colégio São Joaquim, Lorena, 20 quilômetros de distância, os vidros quebraram. E morreram pessoas que eu conhecia, que trabalhavam para o meu pai. E meu pai contando as histórias. Ele não estava dentro da... A unidade era uma unidade com 20 pessoas, as 20 pessoas morreram. Mas tinha um rapaz, um operador de máquina, era tão forte que, mesmo a cem metros da explosão, do ponto central da explosão, ele sobreviveu – sem pele, porque, com a onda de calor, ele ficou sem pele. Ele entrou na ambulância, e meu pai levou o cara na ambulância para o hospital de Piquete. Ele morreu no caminho. E ele morreu sangrando, segurando a mão do meu pai e falando assim para o meu pai: “Ajuda a minha família. Cuida do meu filho”. E meu pai realmente cuidou, deu educação para o filho dele. Foi difícil. Essa é a lembrança. Dava aula de Matemática e Física pra molecada lá em Piquete pra ganhar um dinheirinho, pra poder comprar alguma coisa que meu pai não me dava.
P/1 – E, Carlos, voltando um pouquinho para aquela história que vocês iam de ônibus pra escola, aquela turma toda, como era esse transporte? Tinha muita bagunça?
R – Nossa, muita, muita bagunça. E, como o mais velho da turma, a imagem era que o Carlos que era o bagunceiro, e não era, eu fazia parte da bagunça. Existiam pessoas com diferenças de idade de dez, 12 anos. Na realidade, eu era o menor da turma, essa turma foi indo embora, e eu fui sendo o maior. As lembranças são da coordenação da bagunça. Então, os mais velhos ficavam no fundão do ônibus, os mais novos... E tinha os moleques que queriam fazer parte do grupo. Tem uma brincadeira que a gente lembra toda vez que a gente se encontra. A gente dá risada. Tinha um cara chamado Paulo Renato, era novato na vila e queria ser amigo da galera mais antiga. Falei: “Olha, pra sentar aqui no final do ‘coiso’ tem algumas regras, você tem que ser bom, cara!” E a gente estava brincando, uma brincadeira chata com as meninas. A gente enrolava aqueles elásticos, e o cabelo tudo lisinho das meninas, a gente jogava aquele negócio enrolado. O que acontece? Ele abre. Quando ele abre, ele embaraça todo o cabelo das meninas, e elas eram muito chateadas com isso, pra não falar uma palavra mais pesada. E aí teve uma chamada Ana Cristina, o apelido dela era Guiguia. “Olha, você tem que jogar na Ana Cristina. Enrolar e jogar nela.” E ela tinha ameaçado o Paulo Renato: “Se você fizer isso comigo, você vai apanhar.” Aí: “Não, porra, vai ter briga aqui, tal!” “Não, você vai, você joga...” Isso não fui eu só, não, a turma. “Você joga, você vem aqui para o fundão, e a gente não a deixa passar.” Só que eu e mais dois já tínhamos combinado: “Olha, a gente vai fechar aqui a passagem, só que, quando ela vier, a gente abre e deixa o negócio acontecer.” Ele jogou e correu. A gente fingiu que fechou. Quando ela veio, a gente abriu, e ela foi pra cima do Paulo Renato. E a briga, o ônibus teve que parar no meio do caminho e voltou. Ninguém foi para o colégio nesse dia. A gente teve que separar, porque pegou o cara e ela bateu muito no Paulo Renato. Mas ele foi aceito pelo grupo, porque fez o trato. Então, a gente teve que aceitar o cara no grupo. A bagunça na volta de jogar laranja de todo mundo, bagunça de criança. Do grupinho das meninas, grupinho dos meninos, sabe? Paquerinha, brigas também de um grupo com o outro, mas é a vida de criança de interior.
P/1 – O que mais vocês aprontavam? Conta mais.
R – Nossa, a gente... Quando você arrasta borracha, aquele pelinho, se você queimar, dá um fedor danado, não dá? Você já fez isso? Borracha, o pelinho da borracha. Se você junta num bolo e queima, aquilo ali é muito fedorento. E a gente fazia isso e colocava debaixo dos bancos das meninas e falava que as meninas estavam soltando pum. Então, ficava todo mundo dizendo que as meninas eram fedorentas. E elas falavam que não. Depois descobriram que a gente fazia isso, a gente ficou preso de castigo, a gente passou duas ou três semanas sem poder usar o ônibus, e andando de Pássaro Marron, porque não tem o Pássaro? Pássaro Marron existia na época também. Quando o ônibus quebrava, a gente tinha que ir pra Lorena com Pássaro Marron. A minha lembrança era de colégio de padre salesiano, regras duras, Hino Nacional todo dia, não podia fazer isso, levantar quando o professor entrasse, só sentar quando ele desse a ordem. Então, disciplina, apesar de eu ser bagunceiro, disciplina fazia parte. Como eu era bom jogador de futebol na época, eu na oitava série já jogava no “time um” do colégio, com o pessoal do terceiro e segundo ano. E todos os meus amigos que jogavam futebol eram jogadores de futebol, não eram bons alunos. E eu era o provedor. Na nossa terra fala fila, mas aqui fala cola. Então, eu dava cola pra galera de uma forma muito inusitada: eu fazia a minha prova, fazia a cola e deixava no banheiro.
P/1 – Eu já fiz isso também.
R – Já também, né? Só que eu também era meio esperto, não ia dar a cola inteira. Eu ia tirar nove, e todo mundo tirava nove, e eu estudei? Não. Todo mundo vai tirar sete ou oito. Então, tinha duas ou três que eu não passava pra eles não tirarem a mesma nota que eu. Porque, já que sou eu que estou ralando, estou chegando em casa, tendo que estudar das duas às cinco, até a sirene tocar... Meu pai falava: “Tudo bem. Não quer estudar? Tranquilo. Você não pode fazer nada. Você tem duas opções: ou você senta nesse sofá, ou na cadeira de estudo. Você não pode ligar seu Atari, não pode fazer nada, não pode sair. Você tem três horas pra pensar na sua vida, não pode ver televisão, ou estudar.” Eu: “Sabe de uma coisa? Não estou fazendo nada, vou estudar.” Então, virou rotina estudar duas a três horas por dia. E fez parte da minha vida sempre.
P/1 – E o que você acha disso? Você acha que foi bom?
R – Eu nunca achei ruim, para as matérias que eu gostava. Então, fez com que eu tivesse processo na minha cabeça, que isso não virava dor de cabeça ou uma tristeza: “Putz, vou deixar de fazer o que eu gosto pra fazer uma coisa que eu não gosto.” Eu adiava o que eu gosto, em vez de começar às duas, ia começar às cinco. De cinco às sete, eu ia jogar futebol ou lutar judô. Então, eu nunca tive problema com isso. Meu irmão sim. Meu irmão ficava lá, não estudava e ficava jogando papelzinho de Bic, dardo, pra encher meu saco pra eu brigar com ele. Que ele preferia brigar a estudar. Meu irmão nunca foi muito bom de estudo, não. Eu gostava de estudar, não tinha problema com isso.
P/1 – E ele se deu bem na vida?
R – De forma diferente, se deu. Ele é empresário. Empresário, vamos dizer assim, da área de construção. Ele é varejista, “tem de tudo”, aquelas lojinhas de “tem de tudo”. Ele tem umas duas, três lojas e vida muito... Ele não é cigano como eu. Então, foi ao Recife, tem a família dele, perto da mãe, mas ele seguiu um caminho muito diferente do meu.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Eu tenho um. Ele é empreendedor, eu não sou.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Paulo Henrique. Paulinho.
P/1 – E você era bom em futebol, era bom aluno, e como eram as suas conquistas amorosas?
R – Vixe, muito fracas. Sempre fui péssimo. Tímido. Na realidade, a minha vida mudou essa parte de menina e tal quando eu comecei a gostar de mim. Eu era muito magro, com o mesmo nariz e com a mesma boca, então, eu olhava para o espelho: “Isso é a uma aberração da natureza”. Bunda grande, nariz grande e boca grande, e magro. Então, eu brincava que a largura da minha bunda era maior que a largura dos meus ombros. Era um cara “guinzo”, uma palavra muito pernambucana. “Guinzo” é um negócio que não tem forma. Isso só mudou quando eu olhei: “Pô, eu sou bonitão, cara. Por que não?” Com 15, 16 anos. Até lá era uma frustração, porque as meninas de que eu gostava gostavam dos meninos mais velhos. E isso foi mudando já na juventude. Então, até os 16, 17 anos, eu era muito criança, muito criança mesmo. Interior, você já tem um... De lei, não tinha internet, não tinha nada disso, já tem um atraso nesse negócio de ser jovem ou não, muito diferente de capital. Quando eu comecei, no terceiro ano, já mudando o físico e tal, aí sim a parte amorosa... Então, tudo o que eu fiz de errado, eu fiz muito tarde, vamos dizer assim. Minha mulher fala que eu sou safado, mas eu falo: “Você casou sabendo que eu sou safado.” Entre idas e vindas, a gente terminou umas três, quatro vezes, por causa do Carnaval de Recife, de Olinda.
P/1 – Não dá pra aguentar, né?
R – Muito difícil. Então, eu falei. Olha, metade dos Carnavais eu fui quieto, com ela. “A outra metade pelo menos eu não te sacaneei”, a gente terminou o namoro. Mas tudo aconteceu muito tarde, a parte amorosa. Eu diria dos 18 pra frente.
P/1 – Como foi? Você se lembra da primeira namorada?
R – Namorada, namorada mesmo, eu me lembro da primeira namorada. Lembro. Durou dois meses, o nome dela era Juliana. Mas não deu liga. Foi pegação. Era da época da RPM, nossa época, RPM, era... Aquele que está paraplégico?
P/1 – Paralamas do Sucesso.
R – Paralamas do Sucesso, Lulu Santos. Era a época que isso que tocava.
P/1 – Blitz.
R – Blitz. Você não soube me amar. “Longe de casa há mais de uma semana...” Então, era uma época de música diferente, e tudo aconteceu depois dos 18. Quando eu comecei a dar aula particular mais intensamente pra ganhar dinheiro, quando eu entrei na faculdade, então, a minha parte de namoro mesmo... A Alexsandra surgiu na minha vida também muito cedo. Eu não tive muito tempo de solteirice ativa muito forte, não. Sem dinheiro até o terceiro ano, morando... Eu fui pra Recife um ano antes, voltei pra Recife, de Piquete, um ano antes que meu pai voltou. Fui morar com a minha avó, pra estudar o terceiro ano no Contato.
P/1 – Eu também. A gente deve ter sido... Você era de que série?
R – Então, estudei no Contato. Terceiro C.
P/1 – Nossa, eu fui do C. Não, mas eu não fiz o terceiro, eu fiz primeiro e segundo. Eu fui do primeiro A e segundo C.
R – Então, você saiu do segundo C, eu entrei na sua turma, no terceiro C. E eu tinha uma prima no terceiro A, e eu não tinha dinheiro.
P/1 – Quem era?
R – Adriana Bezerra de Mello. Adriana Bezerra de Mello é uma prima de terceiro grau. Mas estudou no Contato mais tempo. E o Contato te prepara para o vestibular. Não sei se você lembra, mas foi o primeiro ano do vestibular da Federal que não era mais A, B, C, D, E. Era um número de zero a cem. E eu passei raspando no segundo. Eu: “Não, eu vou estudar, mas eu quero seis meses de férias.” Então, eu apliquei para o segundo período. Segunda entrada. Chamam de “segunda entrada”. E das 30 vagas, só sete foram preenchidas. Então, até nisso eu tive azar com amigos de infância e juventude, porque minha faculdade, Engenharia, você já muda de forma sistemática, porque é difícil você conseguir passar em todas as disciplinas, você faz menos e tal. Dos sete que começaram comigo, só três se formaram comigo, os outros se perderam no caminho. Então, minha turma de faculdade, entre os que começaram comigo e os outros, eram 12 que se formaram só. Foram 12. Então isso, azar. Meus amigos de infância, eles estão espalhados e são poucos. Meus amigos de Recife foram os amigos dos meus primos, da turma que tinha a mesma idade. E eu conheci a Alexsandra através dessa turma de Maria Farinha, das férias de Maria Farinha no litoral. E faculdade, amigos de faculdade são muito poucos. Engenharia lá era muito difícil.
P/1 – Você fez onde a faculdade?
R – Na Universidade Federal de Pernambuco. Eu fiz lá. Eu comecei na Faenquil, Faculdade de Engenharia Química de Lorena. Fui o primeiro lugar do vestibular da Faenquil.
P/1 – Ah!
R – Só que também, seis meses que não adiantaram de nada. A Faenquil era anual, e meu pai estava se mudando. Então, eu fui e voltei. Olha, a primeira volta. Eu saí de Piquete, passei um ano em Recife pra fazer Contato, só ia começar no segundo semestre. Passei seis meses praticamente de férias em Piquete indo pra Faenquil, interações amorosas, as namoradas acontecendo, foi aí que começou. Porque eu não estudava, praticamente. Eu ia pra faculdade pra brincar, porque não ia adiantar de nada. Então, eu só ia bem nas coisas que eu gostava. Desenho, só levava pau. “Pois como você foi o primeiro lugar? Só está tirando nota ruim.” Eu jogava handball, futebol e ia para as festas das repúblicas. Era isso que eu fazia nesses seis meses que eu passei na Faenquil.
P/1 – E alguma história desse período da república?
R – Eu não ficava em república, mas eu interagia com as pessoas que moravam em república. Todas as festas eram em Lorena, então, acabava a aula de manhã, não voltava pra casa, ia pra república com a minha malinha, tomava banho, e todo mundo. Tinha o esquenta. Agora, tinha o esquenta, né? A gente bebia na república porque era mais barato que beber na festa. Então, já chegava às festas bem alegres, nas festas. E a vergonha ficava na república, porque já tinha bebido. Mas era, de novo, interior, praça, e o baile. Interior é isso. Pelo menos aqui no interior de São Paulo era isso, o baile do final de semana. A minha lembrança é essa, menina de todo o Vale do Paraíba, junto com as meninas, e as coisas que aconteceram em república que acontecem normalmente.
P/1 – Tem alguma história que te chama atenção desse período?
R – Nada muito diferente, não.
P/1 – Alguma farra daquelas?
R – As farras maiores foram nos Carnavais. Lembra que eu sempre fui muito quietinho, as coisas foram evoluindo? Foram nos Carnavais de Olinda.
P/2 – Ali que evoluiu.
P/1 – Ali é lugar bom, né?
R – Tem várias fotos, inclusive algumas que eu nem mandei, porque já pensou eu de Cleópatra e Faraó?
P/1 – Ah, conta aí, vai. Gostei.
R – Super-Homem. Tem a do Super-Homem. Essa do Super-Homem é marcante, que eu conto pra todo mundo. Essa turma de primos, amigos de primos e tal, a gente sempre alugava uma casa em Olinda, um segurança, uma cozinheira, colchonete, lança-perfume e festa. Então, a regra da casa era a seguinte, uma regra muito saudável, que é: você quer tomar café da manhã? Tá a fim de comer pão, ovo, presunto, tal? Você tem que tomar uma cerveja de “gut gut” sem parar até o final, uma latinha. Parou no meio pra respirar, você não vai ter café da manhã. Então, você já começava o dia tendo que beber uma Skol antes do café da manhã. Imagina, isso às oito horas, porque tinha o bloco da acorda. É “acorda, acorda”, mas, quando se fala “acorda, acorda”, é porque eles entravam dentro das casas.
P/1 – Lembro.
R – Lembra-se disso? Assim, acordando todo mundo. Então, sete da manhã estava todo mundo bebendo cerveja já. Dez, todo mundo bêbado. E tinha o bloco dos super-heróis. E todo ano a gente ia com alguma fantasia. Já fomos de 101 Dálmatas, Faraó e Cleópatra, He-Man e She-Ra. Fomos de Super-Homem e Mulher Maravilha nesse ano. E estava cheio de Super-Homem e Mulher Maravilha, todo mundo bêbado às dez da manhã. E nesse Quatro Cantos, ali perto dos Quatro Cantos, você no ano das descidas, os bichas loucas, os homossexuais, héteros, sei lá. Eles estavam descendo, um grupo de cinco ou seis – não tenho problema nenhum com homossexual –, eles viram aqueles Super-Homens e enlouqueceram. E um deles estava portando um pênis postiço, que ele fez de papelão com esparadrapo branco, e o esparadrapo da cabeça do pênis pintado de tinta guache vermelha, mas era muito grande. E ele ficou louco e jogou esse pênis, que caiu na minha frente. Eu peguei e fui embora correndo, maluco. E a gente pegou esse pênis, embriagado, eu coloquei na sunga vermelha do Super-Homem. A sunga do Super-Homem é vermelha. Só que era muito grande, e aquela cabeça vermelha de tinta guache ficava para o lado de fora. Como eu era um Super-Homem muito educado, eu usava a capa do Super-Homem pra proteger o pênis postiço do Super-Homem. E a brincadeira era: passavam as meninas bonitas, as coelhinhas, passava a She-Ra, passava tudo de fantasia, a gente fazia “tchaaa”, e tirava e mostrava o pênis do Super-Homem. Tinha umas que chamavam: “Grosso, mal-educado, nojento.” Outras faziam: “Nossa, que pênis lindo”, e alisavam o pênis do Super-Homem. E a frase que a gente falava, não só eu, mas todos os outros Super-Homens juntos: “Não se preocupa, só baixa com kryptonita. Só baixa com kryptonita.” Isso ficou o dia inteiro. Muitos beijos e abraços desse negócio do Super-Homem. Chegou uma hora muito engraçada no final, passou um The Flash, vestido de The Flash, que é o homem rápido, pegou o pênis do Super-Homem e saiu correndo, e a gente ficou atrás do The Flash. Só que o Super-Homem voa, e o The Flash não voa. Então, todos os Super-Homens me levantaram, e eu atrás do The Flash voando (risos). Conseguimos pegar o pau do Super-Homem de volta, o pênis do Super-Homem, na frente de uma casa verde cheia de senhoras. As senhoras ficaram enlouquecidas com o pênis do Super-Homem. Eu estava já no Pau do Índio. Você conhece o Pau do Índio?
P/1 – Na Rua do Amparo.
R – Eu não conseguia mais beber cerveja. Duas da tarde, não aguentava mais tomar cerveja. Então, a gente foi para o Pau do Índio, que era cachaça com 101 ervas. Ruim todo, mas deixava a gente... Aí as meninas: “Super-Homem, que coisa linda, que pênis lindo.” E aí eu: “Tchaaa. Só baixa com kryptonita!” Sobe, sobe, sobe, e começaram a tirar foto comigo dentro da casa. Quanto eu estou dentro da casa, tem uma senhora fazendo assim pra mim: “Ah, você que é o Super-Homem.” Na hora o álcool foi embora. Ela era auditora fiscal do Tesouro Nacional, uma cearense que liberava as máquinas da Mars, da M&Ms na Receita, e me conhecia só de gravata. Era o menino do chocolate e gravata. Quando o processo chegava nessa auditora, demorava muito, que ela ia no mínimo detalhe pra aprovar a licença de importação, o pagamento do imposto. Esse dia mudou minha vida porque, quando eu cheguei, uma semana depois, na Receita Federal, ela se levantou – sempre foi muito formal –, tinha mais uns cinco ou seis auditores, entre homens e mulheres: “Gente, chegou o Super-Homem, esse da foto aqui, olha!” A galera bateu palma, nunca mais eu tive problema pra liberar as minhas máquinas pra fábrica, pra expansão da fábrica. Essa história ficou marcada como uma história muito diferente e engraçada, que eu conto pra todo mundo. Todo mundo da Colgate conhece essa história. Quando a gente está nos barzinhos, a gente conta essas histórias. Isso marcou bastante, foi muito engraçado. E tem outras, mas se a gente ficar aqui... Essa é boa.
P/1 – Conta mais uma. Conta mais uma, vai.
R – Mais uma? Nossa, essa é pesada, hein? Vamos lá. Essa mesma turma tinha um cara chamado Carlos Cabeça. Tinha o Carlinhos, eu, e o chamava de Carlos Cabeça porque provavelmente ele tinha uma cabeça maior que a média. E ele tinha ficado com a menina, e a regra é: só entra na casa com alguém da casa. E essa menina entrou com ele. E ele, no estado alcoólico acima do normal, procurou um lugar pra namorar a menina. Não encontrou, os quartos estavam todos ocupados com namoros. E aí ele decidiu, muito inteligentemente, subir no telhado. Tinha uma escada daquelas de bombeiro, ele foi “pa pa pa pa pa” com a menina, e entrou na caixa-d’água pra namorar a menina. E a caixa-d’água quebrou, a água desceu. A caixa-d’água novinha. Desceu a água como se fosse... Todo mundo que estava na frente da casa se molhou. E ele quebrou o pé nessa história. Imagina, os dois nus em cima do telhado, a gente teve que descer. Subimos com roupa para o cara colocar roupa. O cara só dava gargalhada, e pé quebrado, leva o cara para o hospital. Toda a rua ficou sabendo da história. A menina nunca mais apareceu na rua. Sumiu. Quando esse cara voltou do hospital no outro dia, a rua inteira parou pra bater palma. Então, ele foi o sucesso do Carnaval desse dia e passou o Carnaval de muleta. E toda vez que ele chegava para... Os caras que viram, todo mundo para, fazia, abaixavam: “Oh, você é meu ídolo e tal!” E ele: “Obrigado. Obrigado” – com a muleta durante o Carnaval.
P/1 – E ele voltou para o Carnaval de muleta?
R – Voltou. Voltou para o Carnaval de muleta.
P/1 – É muito criativo o Carnaval.
R – Nossa senhora!
P/1 – É muita criatividade.
R – Não tem o dia do mela-mela? Que é terça-feira, e eu estava só de sunga, porque ia me melar, e a minha namorada do lado. Aí chegaram duas malucas, olharam pra mim, falou: “Não, quero dar banho em você.” Eu falei: “Espera aí. Não pode.” A Alexsandra, que é a minha esposa, liberou. Então, elas me ensaboaram inteiro, jogaram água, e a Alexsandra só assim. Falou: “Eu quero ver o que você vai fazer.” “Fazer nada.” Elas me lavaram, o mela-mela, que eu estava muito sujo. E aí vieram depois, me melaram de novo. O mela-mela era uma brincadeira que existe até hoje, né? Faz tempo que eu não vou pra Carnaval, mas os amigos das minhas filhas que vão dizem que terça-feira é a terça-feira do mela-mela, continua.
P/1 – E aí, o que aconteceu? Elas melaram de novo.
R – Nada. Minha mulher... É, melaram de novo e iam me lavar. Aí a Alexsandra: “Não, segunda vez, está bom. Acabou. Paciência tem limite.”
P/1 – E quando você começou a trabalhar? Você acabou a faculdade...
R – Automaticamente, consegui um emprego. É aquela história da Souza Cruz. Eu era estagiário da Souza Cruz sendo treinado pra assumir a função de supervisor de produção e eu fui contratado pela Mars pra ser engenheiro de produção, supervisor de produção. Então, minha vida profissional começa na Souza Cruz. Por um ano, vivi todos os departamentos, passei por compras, logística, vendas, produção primária, produção secundária, foram dois meses em cada departamento. Porque iam escolher onde a gente tinha mais fit, onde a gente ia ficar mais, onde tinha mais a ver comigo, ou com os outros quatro. E eu ia ficar no processo primário, que é o ar-condicionamento do fumo. E o que eu me lembro dessa época, além do grande dilema de ser contra o cigarro e saber que meu pai fumava muito e que teve problema do coração por causa disso, é o dilema entre ter um bom salário e crescer economicamente e não curtir cigarro. Eu sabia que eu invertia o açúcar, a sacarose, para frutose com ácido clorídrico, que é a mais barata e a pior maneira de você inverter açúcar, de sacarose para frutose. Isso me marcou muito, porque eu fazia misturas com códigos, eu não sabia o que eu estava misturando. Eu sabia que era açúcar porque é fácil, e ácido clorídrico é fácil também, mas muitas misturas que eu fazia, e cheiros do Free, do Hollywood, eu sabia que tinha chocolate, mas um monte de química que eu não sabia qual era o nome. Isso me marcou de forma negativa. Então, sair da Souza Cruz não foi uma coisa ruim. Não ter continuado na Souza Cruz não foi uma coisa ruim. E trabalhar em chocolate, minha vida profissional foi construída dentro... A minha base foi da Mars e a minha solidificação foi na Colgate. Foram as duas únicas grandes empresas em que eu trabalhei. Eu trabalhei seis meses com música, entre uma outra.
P/1 – O quê?
R – Eu era gerente nacional de vendas da EMI Music. Vendia CDs antes da pirataria. Passei seis meses, mas eu vi que não era muito a minha praia, porque a vida era vida noturna. Eu já estava casado, se eu continuasse na EMI Music, eu não estaria casado hoje. Praticamente isso. É muita maluquice. Primeiro você começa a trabalhar meio-dia e termina duas da manhã, porque você vai para os shows, você vai para os eventos do CD, você vai pra pagodes do Exaltasamba, para o lançamento não sei de quê. Não dá certo, não tem condições. E vendas não era importante como o artístico era. Então, eu voltei, fui convidado pela Colgate pra voltar pra uma empresa...
P/1 – Como foi a tua entrada na Colgate?
R – Foi em Recife. Convidaram-me pra ser gerente regional Norte-Nordeste do canal varejo, alimentar.
P/1 – Mas você estava onde?
R – Eu estava em Recife já.
P/1 – Não, trabalhando.
R – Na Mars. Eu fui e voltei pra Mars. Como eu era meio golden boy, o meu registro na Mars era 00001. Eu fui o primeiro funcionário da Mars no Brasil, da parte de chocolates. Quando eu saí, eles não queriam que eu saísse. Teve uma época em que eles: “Você está feliz onde você está? A gente está precisando de uma pessoa pra voltar...” Eu estava no Rio nessa época. Saí de Recife, fui para o Rio pela Mars, depois voltei pra Recife pela Mars, saí da Mars pra EMI, da EMI pra Mars, em Recife, e entrei na Colgate em Recife. Então eu morei no Rio de Janeiro três vezes na minha vida: na infância, pela Mars, dois anos, e pela Colgate, também dois anos. Então, na soma foram nove anos de Rio de Janeiro, é um tempo razoável já. A Colgate chegou ao meu nome através do... Provavelmente alguém indicou o meu trabalho, pela Mars, e me chamaram pra ser gerente regional. Eu era gerente key account e era um step up, era uma promoção vertical. E eu fui cuidar do Norte e Nordeste. Comecei trabalhando no varejo, atendendo supermercados e farmácias na Colgate em Recife. E aí começou mais uma vida cigana. Então, em vendas, eu fui gerente de vendas Recife, Sudeste, Norte e Nordeste, depois eu fui gerente de trade nacional, diretor de vendas varejo, diretor de vendas atacado, Norte, Nordeste, depois Sudeste e Centro-Oeste. Ou seja, eu passei por todos os níveis e por todas as áreas que me levaram pra onde eu estou hoje. Então, conheço do canal direto, conheço do canal indireto, que são os atacados, são os distribuidores, que me levou pra Nova York também. Foi através dos distribuidores e atacadistas do trabalho do canal indireto. O que significa canal indireto? Importante. Canal direto é quando a Colgate vende diretamente para um cliente que vai revender nosso produto. Eu vendo para o Walmart, e o Walmart vende pra gente. O canal indireto não: eu vendo pra um distribuidor no atacado, que vende pra lojas pequenas, e essas lojas pequenas vendem para o consumidor. Indireto porque eu não atendo essa loja que vende para o consumidor diretamente, é através dos distribuidores. É maior do que o canal direto. Então, eu fiz os dois canais, trabalhei com o canal direto e trabalhei com o canal indireto, e fui ser diretor global do canal indireto nos Estados Unidos, morando em Nova York, o que me proporcionou uma meta familiar. Eu sempre tive como meta das minhas filhas no mínimo o que eu recebi do meu pai, como educação. Eu dei mais. Eu proporcionei a elas morar dois anos fora e aprender inglês de uma maneira muito mais fácil do que eu aprendi inglês. E isso me deixa muito feliz, me faz sorrir também, porque é uma meta que sempre tive desde que Camila nasceu. Eu estudei num colégio salesiano, num colégio particular bom. Tem que ser no mesmo nível ou melhor. Então, hoje ela está se formando. Neste ano ela se forma no Brasil e também nos Estados Unidos, no high school. Então, ela vai ter dois diplomas, um diploma americano e um diploma brasileiro. Ela fez agora a prova do SAT [Teste de Aptidão Escolar], que é o Enem americano, e tirou quase nove. Então, ela está apta a entrar em 95% das faculdades americanas, basta eu ter o dinheiro pra pagar (risos).
P/1 – (risos) Simples assim.
R – É. Simples assim. Então, ela vai buscar as faculdades que dão bolsa, pelo menos meia bolsa, e ela vai estudar fora, Engenharia Genética. Olha que maluquice!
P/1 – É mesmo?
P/2 – Ela vai? Ela já decidiu?
R – Ela decidiu. Ela vai. Próximo ano. Agosto do próximo ano. Ela vai fazer as applications, as aplicações, porque ela tem que ser aceita pela faculdade, e ela vai aplicar bolsa. Então, ela não sabe pra onde ela vai, mas que ela vai morar ou no Canadá ou nos Estados Unidos, vai. Vai fazer Engenharia Genética.
P/2 – Como você passou da área como engenheiro químico e foi pra vendas? Como foi isso? Ou por quê?
R – Essa é uma história. O porquê foi... Lembra? Voltando pra Mars, eu construí a fábrica, instalei as máquinas e iniciei a produção de chocolate no Brasil, e eu comecei a comprar matéria-prima: cacau, leite, açúcar. Então, a parte comercial começou. O link entre Engenharia e vendas começou por compra de matéria-prima e embalagem. Pra vender M&M’s, você não tem que comprar a matéria-prima pra produzir o chocolate? E depois você não tem que embalar esse chocolate numa embalagem? Essa embalagem eu compro também. E aí eu tenho que comprar também a máquina pra embalar o M&M’s. Então, toda essa parte da produção de compra de máquina, importação de máquina, importação de embalagem, ir ao Dixie Toga, que é aqui em São Paulo, em Guarulhos, o papelão que vai embarcar o produto, o display que vai colocar o produto, eu comecei a área comercial, a negociação aqui, não foi de vendas direto. E como vendas entrou na minha vida: a Mars começou a importar Snickers, Twix, produtos acabados dos Estados Unidos, que não eram produzidos no Brasil. Alguém tinha que fazer a importação e alguém tinha que saber quanto tinha que importar. Como eu ia importar Snickers, qual a quantidade de Snickers que eu tenho que importar? Eu tinha que perguntar pra alguém, e não sou de vendas, eu perguntava para o diretor de vendas. E esse cara detectou o potencial – Eric Debarnot o nome dele. Eu diria que é o segundo cara... Se eu tivesse que enumerar cinco pessoas que me ajudaram muito pra chegar onde eu cheguei, ou então pra eu ter as minhas capacidades hoje de vendas, uma é a Carrie Coelho, que era a presidente da Mars na época, que apostou num moleque de 24 anos, o Eric Debarnot, o (Hugues?), que é outro francês, que me ensinou vendas realmente. E na Colgate, duas pessoas muito importantes foram o Jorge Silva, que acreditou no meu potencial e me deu as oportunidades, e o Luís Neira, que acreditou ainda mais, o atual VP [vice-presidente]. Foi ele que me enviou pra Nova York, colocou meu nome como uma pessoa que poderia ocupar essa vaga. Porque é uma vaga do canal indireto para o mundo inteiro, e eu ter sido escolhido é uma honra e uma responsabilidade muito grande chegar a Nova York um brasileiro representando o Brasil. No final das contas, você está representando o país de onde você veio. Então, o link foi esse, compra de matéria-prima, importação. A importação de produto acabado pra ser revendido pelo Brasil me fez interagir com a área de vendas, planejamento de importação. E aí seguiram-se as pós-graduações pra que eu pudesse ser capaz de ir pra área de vendas, e eu me achei, realmente me achei, não me vejo em outra área hoje. Não me vejo dentro de fábrica, até porque eu esqueci tudo já, não sei mais nada. Sei é vender e gerar lucro pra empresa, é isso que eu sei fazer.
P/1 – O que mais te dá prazer nesse trabalho?
R – Olha, eu vou falar uma frase aqui que eu levo comigo. Na verdade, são duas coisas muito importantes pra mim. Uma é: nenhum líder, não só de vendas, mas nenhum é líder é líder por completo se você não desenvolve pessoas. Então, eu falo muito para os meus subordinados diretos: “Eu preciso fazer ter certeza que, daqui a dois anos eu vou ser promovido, eu tenho que ter uma pessoa preparada pra me substituir, e eu vou dar oportunidade pra todo mundo.” Então, todo o meu conhecimento, ele não pode ser engavetado por medo de alguém ser melhor do que você. Eu brinco: eu quero trabalhar cada vez menos. Eu quero ficar em casa com três botões: pause, stop e play. Eu aperto o play, chego a 100%, ou, então, se vou chegar muito rápido, eu aperto o pause, depois aperto o play de novo e dou stop. Não quero fazer mais nada. Para isso, eu tenho que ter uma equipe preparada fazendo a coisa certa, não a coisa fácil. Tem duas maneiras de se fazer as coisas na vida, seja ela profissional ou pessoal: a fácil e a certa. A certa dá trabalho. Ser honesto, ter ética, saber dizer não na hora que tem que falar não, ser honesto até quando a honestidade gere um desconforto temporário para você e para o cliente, para você e para a pessoa que você lidera, ela a longo prazo é sustentável. Mentir, ou evitar o conflito, às vezes não leva a gente para o lugar que a gente precisa levar. E a honestidade vem muito da minha formação como pessoa por causa do meu pai. Mentira é uma coisa inaceitável para o velho Jarbas. Então, desenvolver pessoas, pra mim, é um. E o segundo é: nas funções que eu exerci, ou que você exerce, você precisa deixar essa função melhor do que te entregaram. Então, toda vez que eu assumo uma nova responsabilidade, eu enumero uma lista de coisas que poderia fazer essa função estar melhor quando eu sair. Eu enumero, sei lá, de cinco a dez coisas que eu quero fazer, ou que eu tenho possibilidade de fazer, cada um com seus níveis de complexidade diferentes. E atingir algumas delas é a minha meta. O ideal, o mundo ideal, utópico, que você vai conseguir fazer o mundo perfeito não vai nunca existir. Mas o tal do “as is, as to be”, como você pegou e como você quer deixar, norteia a minha vida profissional. Tem gente que gosta desse estilo claro, tem gente que se incomoda com esse estilo claro. Cada um tem a sua escala de valores, o seu conceito de ser ético e honesto. Tem gente que acha que não falar... Falar tudo às vezes também não é bom, eu respeito muito isso. Eu diria que Nova York me fez ser mais corporativo, falar a verdade de uma forma mais inteligente, sem ser agressivo, vamos dizer assim. Essas duas coisas, deixar legados nas funções que você passar e desenvolver pessoas, são dois pilares muito importantes na minha vida profissional. Eu tenho que deitar... Já tenho dificuldade de dormir porque já sou velho, então, já durmo menos, mas eu tenho que deitar a minha cabeça no travesseiro e ter certeza de que eu não estou inventando ou mentindo pra alguém, mesmo que isso gere desconforto do dia a dia, que lá na frente não vai ter. Tem uma frase do... Apesar de não muito católico, o padre Marcelo fala, tem uma frase que ele fala sobre: “Mais vale o desconforto da verdade, do que a comodidade da mentira”. Porque é muito cômodo você meio que evitar... Não é nem mentir, às vezes, é evitar falar a verdade. É uma linha tênue aí. Porque você evita o conflito. Já que você não consegue resolver fácil e está andando assim mesmo, deixa, deixa rolar. Muitas pessoas dizem isso de mim: “Você é um agente de mudança.” Isso incomoda pessoas. Eu diria que eu sou um cara persistente no que eu acredito. O Carlos de hoje, acredito que ele tem o mesmo nível de persistência, mas ele tem uma inteligência emocional menos traumática, vamos dizer assim. A minha inteligência emocional é melhor do que dez anos atrás, do que cinco anos atrás. Isso a experiência faz você viver. Vinte e cinco anos de carreira fazem com que você tenha passado por diversos altos e baixos e modelos de chefias diferentes. Você vai pegando pedaços de cada um e fazendo o seu estilo. Eu digo assim: eu nunca vou ser diferente, eu posso me lapidar, mas a minha essência não vai mudar. A essência de tentar falar sempre a verdade, a dizer que não concorda e explicar por quê, gostar de treinar as pessoas. É muito legal. E a Colgate me proporcionou muitas coisas sobre treinamento. Por ter passado em Nova York, tem um curso que a Colgate... A Colgate tem uma característica. A maioria dos cursos que a Colgate dá pra sua equipe, ela desenvolve internamente, é feito por pessoas da Colgate para pessoas da Colgate. E eu consegui fazer um curso mundial e ser certificador de treinadores no mundo inteiro. Cinquenta e cinco treinadores desse curso do canal indireto, desenvolvido por um grupo de que eu fazia parte, que não vou dizer que foi feito por mim, foi um grupo de que eu fazia parte. Eu sou o treinador máster, eu treino os treinadores. Isso me deixa muito feliz. Toda a comunidade de vendedores e gerentes que atende o canal indireto no mundo inteiro foram 100% dessas pessoas treinadas por um curso que eu sou o treinador máster, que eu ajudei a desenvolver. Cara, quem pode falar isso na área de vendas dentro da Colgate e fora da Colgate? São poucos. São talvez centenas. Não passa de centenas de pessoas. Isso é um orgulho. É um orgulho fazer parte dessa história de, pô, o cara em Novosibirsk, na Sibéria, foi treinado por um cara que eu certifiquei e por um treinamento que eu ajudei a desenvolver, de que eu fiz parte. É gratificante, coisas que você atinge na vida que poucas pessoas conseguem. Respondendo a sua pergunta.
P/1 – Tem alguma história desse treinamento específico importante? Algum exemplo?
R – Tem exemplos positivos e momentos difíceis.
P/1 – Um que te deixou feliz. Um bom exemplo.
R – Feliz. Um exemplo que me deixou feliz é o seguinte. Dentro dos 55 treinadores, todo curso você recebe feedback, eles respondem e tal, e você recebe o resumo de recursos humanos desse feedback. E dois me chamaram a atenção: um que se repetiu algumas vezes, duas ou três vezes, pessoas do outro lado do mundo colocando na avaliação que nunca receberam um treinamento tão bom por um treinador tão competente. Isso vai pra recursos humanos, você não está pedindo para o cara fazer isso e o cara está fazendo. E o outro, um general manager, um presidente de vários países, que fez questão de ser treinador sendo certificado por mim e mandando um e-mail para o meu chefe dizendo da qualidade do treinamento. Isso é a parte que me fez feliz. E um momento muito difícil foi não certificar um brasileiro. Difícil.
P/1 – Por quê? Qual era o problema dele?
R – Ele não conseguia passar o content. Como é isso? Nossa.
P/1 – O conteúdo?
R – O conteúdo do produto, do treinamento. Fazer o certo e fazer o fácil, lembra-se daquela frase que eu sempre brinco? O fácil, qual era o fácil? Fingir que ele é capaz e dar a certificação pra ele. Quem ia saber se ele ia ser capaz ou não? Só quem avaliá-lo depois. Porque o treinador, ele é avaliado. Se você não tira determinada pontuação, você não pode mais dar o curso, você tem que ser retreinado. Isso ia explodir lá na frente. E quem certificou esse cara? O Carlos e a (Galli?). Que a (Galli?) era meu par de recursos humanos que viajou o mundo junto comigo, hoje está na África do Sul. Eu falava: “E aí?” A única coisa que eu pedi, falei assim: “Olha, eu vou estar do seu lado, mas quem vai dizer pra ele que não foi certificado e justificar é você, eu só vou dar apoio, porque é muito...” O cara trabalhava comigo, no mesmo grupo: “Ah, você foi pra Nova York e não me certificou.” E ele vai voltar para o Brasil e vai ter que falar para o meu chefe que me mandou pra Nova York que não foi certificado por mim. Olha, muito difícil.
P/1 – E alguém que foi o oposto, que você achava que não tinha jeito e...
R – Durante o curso?
P/1 – Teve alguma história assim?
R – Tem, porque tem avaliações. Durante os dois dias de treinamento de treinadores, você avalia o cara quatro vezes. E você vai desenhando se você vai certificar o cara. E se você vir a evolução de quem foi muito mal, porque os caras fazem a miniapresentação do curso pra você, você treina o cara durante o dia, durante uma manhã, aí o cara tem duas horas pra estudar e apresentar um pedaço da sessão seguindo o guia de instrutor. Não é do jeito que você quer fazer o treinamento, é o jeito que o guia de instrução fala pra você fazer. Então, tem a pergunta daquele slide, você não pode deixar de fazer a pergunta. Tem uma sequenciazinha. E você pegar um cara que tem dificuldade de inglês, um chinês, que foi muito mal no primeiro, muito mal no segundo, e na noite eles estudam para o primeiro logo de manhã, no terceiro, e ele evoluir da água para o vinho, porque ele se esforçou, porque ele queria realmente ser certificado, é muito legal. Então, eu olhava pra (Galli?), falava: “Nossa, (Galli?), e agora? A gente tinha certeza que a gente não ia certificar o cara.” “Não, vamos ver a quarta.” E o cara mandou bem também na quarta. E a gente certificou o cara. E a gente falou para o cara: “Olha...” E a gente filma. “Olha você aqui. Pra esse chinês aqui, Johninin, John John Jin, você o certificava?” Falei: “Agora, olha esse aqui.” Falei: “Você conquistou isso, não fui eu, nem a (Galli?).” É bem legal. Bem legal. Então ser instrutor mundial da Colgate e nem receber por isso, olha que legal, você trabalha horas e horas a fio e você fazer isso por prazer e ser um cara dentro de quantas pessoas que podem ser e você é o cara escolhido. É atingir objetivos, entendeu? É muito legal. Eu brinco, da caatinga para Manhattan. Visitava Petrolina, Arapiraca, em Alagoas, Patos, no Piauí, e agora você está indo pra Bangkok, Roma, Nova York. São 25 anos, é uma maratona dura, cheia de câimbra, mas chegamos lá, aos 42 quilômetros.
P/1 – Você está há quantos anos na Colgate?
R – Primeiro de agosto agora eu completo 15 anos de Colgate.
P/1 – E quais foram as maiores transformações que você viu nesse tempo de Colgate?
R – A Colgate, ela tem três grandes valores e eu vejo a Colgate... Uma das fortalezas da Colgate é que... Não vou nem falar do formato, porque tem conteúdo e tem formato, mas o conteúdo é muito ligado a esses três valores. A forma muda de pessoa pra pessoa, mas esses três valores são muito fortes. Deixe-me ver se lembro. Se eu não lembrar, você pode deixar. Um deles é trabalho em equipe, muito forte na Colgate; respeito, que também é um pilar importante pra Colgate; e o terceiro valor, sempre esqueço, trabalho em equipe, respeito, e melhoria contínua, que é o terceiro. Então, melhoria contínua: nada está tão perfeito que não possa melhorar. Respeito é uma palavra muito abrangente, e, pra mim, respeito tem um prisma que também é falar a verdade, saber dizer não, honestidade, tudo isso é respeito pra mim. E trabalho em equipe, acho que as coisas são melhor executadas e com mais consistência se todo mundo rema para o mesmo lado, todo mundo se ajuda. Então, tem uma frase de um treinador de sucesso do basquete americano, que ele colocava no vestiário, era do time, se eu não me engano, do Lakers, esqueci o nome dele. Ele fala que um time de basquete, que basquete é uma equipe, não adianta você ter um superjogador, o Michael Jordan, e colocar quatro Carlos Carvalho pra jogar basquete, não vai ganhar nada. Então ele fala: “We, not me.” Somos nós, não eu. Isso é muito forte na Colgate. E as pessoas que esses três valores... O que eu acho que mudou pra melhor é o formato que isso acontece. Porque respeito, como é uma palavra muito subjetiva, ela tem diversas interpretações. E Colgate era muito paternalista com pessoas. Mesmo fazendo coisas erradas, você continuava por um bom período na Colgate. Hoje isso mudou. Se você é um bom funcionário, se você entrega dentro dos valores, segue os princípios, você vai ter vida longa na Colgate. Se você não está trabalhando dentro dos princípios, não entrega o resultado porque não está... Não é que você não está conseguindo, porque você tenta, tenta, tenta e não consegue, mas você não está tentando, você não tem vida longa na Colgate. Acho que a grande mudança pra mim, pelo menos na área comercial, e olhando não só Brasil, mas olhando América Latina como um todo, eu acho que esse pequeno ajuste foi feito pra dar sustentabilidade para o futuro. As pessoas têm que ter nas suas funções uma palavra em inglês chamada accountability, que não tem nem muita tradução. Você ser responsável pelos seus atos e pela sua... Você é gerente de você mesmo e gerente da sua região, ou da sua marca. Você tem que ter accountability. Tem muito a ver com, de novo, respeito. Porque respeito é via de mão dupla: a empresa precisa ter respeito com você e você precisa ter respeito com a empresa. Acho que essa foi uma grande mudança na Colgate, em minha opinião.
P/1 – E nessa sua trajetória toda teve alguma história mais marcante lá dentro?
R – Teve muitas histórias marcantes, mas eu diria que a história mais marcante e que deixa a equipe mais orgulhosa é... Lembra que eu falei que eu comecei toda a minha vida no canal direto? Atendia os supermercados diretamente. E chegou um momento que me colocaram no indireto e me falaram assim, meu chefe na época falou: “Você está vindo para o canal indireto, que é o canal mais importante da empresa, em termos de volume. Minha expectativa é que você faça exatamente o oposto do que está sendo feito.” A única pergunta que eu fiz pra ele: “Eu tenho carta branca?” Ele: “Faça o oposto. Você tem carta branca.” Então, foi criado por um grupo de pessoas que hoje ainda está no indireto, tem uns que eram os meus pares, que hoje são meus subordinados, que fizeram uma história de sucesso, que dura até hoje, que foi construído em seis anos. A gente saiu de zero pra 90%, zero de nota, pra nota nove em seis anos. E tem seis anos que a Colgate no canal indireto é eleita a melhor empresa para os clientes. Os clientes elegem. Isso tem muito do trabalho dessa equipe, que tem muita gente junta hoje. Tem gente na Colômbia, promovido a diretor da Colômbia, tem o Carlos que foi pra Nova York e voltou para o lugar desse que foi pra Colômbia, tem os caras que ficaram aqui e que também ajudaram a construir. Porque, hoje, essa história é tão enraizada nessa equipe de liderança, que a gente no olhar sabe pra onde tem que ir, porque a gente viveu essa história do zero ao nove junto. Então, eu, o Marcelo, o Cris, o Estelo, o André Bragantini, o Luís Neira e o Jorge Silva, a gente construiu isso. Com apoio do Luís e o trabalho que o André fez junto com a gente, montou o que a Colgate é hoje. Se a gente tivesse continuado fazendo o fácil e não o certo, a gente não estaria onde a gente está hoje. Então, eu estou no cargo que eu ocupo hoje, o Marcelo, o Cris, o Estelo, o André, o Luís, nós estamos onde nós estamos por causa dessa grande mudança que nós fizemos juntos.
P/1 – Que mudança foi essa? Se puder falar em poucas palavras.
R – Em poucas palavras, eu vou... Como atingir os objetivos de forma sustentável com trabalhos de médio e longo prazo sem afetar o resultado do curto? O curto prazo era o que valia. Era só o que valia. Trocando em miúdos, pega uma jarra de água vazia, pega um copo de água, coloca dentro dessa jarra, depois você bebe metade do copo, no outro dia, você coloca mais um copo de água e bebe mais metade, o que vai acontecer com a jarra com o tempo? Ela vai transbordar. Em vez de colocar o copo inteiro, coloca metade e mais um pouquinho e bebe toda. Você vai colocando um pouquinho a mais de jarra e você vai fazer um trabalho de longo prazo pra que você venda mais... A água é a venda. E você chega a ser capaz de beber o copo inteiro. Colocar um copo e colocar um copo, você nunca vai transbordar. E você vai realizar trabalhos pra que você possa beber mais água, mas nunca coloque mais água do que você é capaz de beber. Acho que é mais ou menos isso. Fazendo um paralelo. Porque, senão, a jarra vai... E a jarra é o inventário, é o poder. Esse balanço entre curto, médio e longo prazo, ele era desbalanceado. E, pra você balancear, era mais ou menos colocar combustível no avião em pleno voo. O avião não pode parar. Isso que é o difícil. Por isso que a gente é muito orgulhoso. E quando eu digo a gente, não é o Carlos, não. O Carlos fez parte de um grupo de pessoas muito inteligentes, que fizeram isso acontecer.
P/1 – Agora, Carlos, voltando um pouco àquela fase que você estudou no Contato, foi um pouco depois que você conheceu a tua atual esposa?
R – Foi um pouco depois. Exatamente. Foi quando eu já estava na faculdade, quando eu conheci a dona patroa.
P/1 – E como foi que vocês se conheceram?
R – Na praia. Na Praia de Maria Farinha. Existia um condomínio chamado Anamar, e todo mundo... Tinha vários condomínios ali em Maria Farinha, tinha vôlei, campeonato de vôlei, de futebol entre condomínios e tal, o condomínio da ponta de Maria Farinha, o Anamar. E foi num desses luais, numa festa, ou num campeonato, que ela estava assistindo, e a gente se conheceu. Um amigo conhecia o outro, não sei o quê, vai pra lual. Foi ali que começou a história. Eu tinha 20 anos, ela tinha 16. Foi isso. Foi assim que começou.
P/1 – E vocês namoraram muito tempo?
R – Eu enrolei bastante a Alexsandra. Foram nove anos entre namoro, noivado e casa... Entre namoro e noivado, nove anos. Nove anos, nove anos e meio. De novo, matemático, eu vou casar pra sofrer? Não tem dinheiro, não tem lugar onde morar, vou ter que pagar aluguel? Não, segura a onda. Faz a faculdade, eu faço a minha, eu começo a ganhar dinheiro, você começa a ganhar dinheiro, a gente casa.
P/1 – Ela fez o quê?
R – Ela fez Informática, Sistema, sei lá o nome, acho que é Informática, TI [Tecnologia da Informação], tecnologia.
P/1 – Ela trabalha com isso?
R – Trabalha com isso. Atualmente ela trabalha mais voltada para projetos de TI na área de logística. Mas até ir a Nova York, ela teve que sair do emprego dela pra ir pra Nova York. Esse é o ônus do bônus. E, quando ela voltou, ela voltou pra mesma empresa, numa área ligada à TI, mas de projetos. Ela é a pessoa de logística que tem interação com TI pra fazer os projetos de logística. Mas ela é a pessoa responsável pela implementação dos novos projetos.
P/1 – E como foi quando você decidiu casar?
R – Tranquilo. Eu acho que estava meio planejado, não teve... Dá aquela aflição: “Nossa, será que vai dar certo? Será que não vai dar certo? Será que a gente vai ter dinheiro, se não vai ter dinheiro?” Mas foi bem planejado, a gente já tinha um apartamento quando a gente casou, não pagou aluguel. Só que a gente casou, e ela engravidou. O balanço do mar do Caribe fez com que ela saísse da ovulação normal. Camila veio muito rápido. Camila vai fazer 18 anos em setembro, a gente casou dia... Ela sempre briga comigo, eu sempre confundo, 11 ou 12, mas foi acho que dia 11 de dezembro, e ela nasceu 24 de setembro. Então, pode fazer a conta aí, que foi na lua de mel.
P/1 – Rapidinho.
R – Foi na lua de mel. Então, Camila, na verdade, deveria ter 14 anos pelo planejamento, isso foi um erro de planejamento. Camila tinha que ter a idade de Carol, e Carol tinha que ter 11 anos, não 14. Porque a gente tinha um plano de três anos: “Olha, a gente está com pouco dinheiro, nos mudamos para o Rio, vamos com calma.” Mas a calma virou Camila. Por isso que ela é acelerada também. Então, a Alexsandra é uma mãe, para padrões atuais, teve filho cedo, ela teve filho com 24, 25 anos. Ela tem 40 e pouco, 44, 43. Ela teve cedo.
P/1 – Bem cedo.
R – É. Então é uma guerreirinha. Guerreira. Brava e guerreira.
P/1 – E quais os momentos marcantes, felizes, de família?
R – Momentos marcantes. Marcantes podem ser felizes ou estressantes, tá? Porque, como Camila nasceu muito cedo, nosso início de casamento foi muito duro, economicamente falando. Porque ela perdeu o emprego dela, teve que pedir demissão, ir para o Rio grávida, conseguir trabalho. Conseguiu trabalho grávida. E era muito contadinho o dinheiro, que a gente decidiu morar na Barra, pra ficar perto da praia. Então, era isso o ônus, era não ter dinheiro pra muita coisa. Então, o início do casamento como um todo foi muito marcante. O segundo momento marcante foi quando a Carol nasceu, completando a família. Eu a chamo de Pocahontas. Carolzinha nasceu também porque a gente já estava numa situação muito mais confortável. Carol foi gerada um mês antes de eu entrar na Colgate. Na saída da Mars e entrada na Colgate, eu tive tempo pra praticar com mais eficiência, e a Carol nasceu, também um momento muito marcante na vida. Terceiro momento marcante foi a gente se adequar à nova vida, à saída de Recife, desatar um nó, o elo. Não é nem um nó, é o elo de pai e mãe, ou avô, que era o pai. Porque eu viajava muito, então, quem levava para o colégio era o avô, quem levava para o balé era o avô. Isso gerava coisas boas e coisas não tão boas: ela não ficar perto da mãe, eu não ficar perto da minha família, acabar a gasolina do carro e ligar para o seu Jarbas: “Meu Deus, acabou a gasolina!” Mais responsabilidade. Também foi uma grande mudança na família. E dois momentos também muito marcantes: a nova vida de Nova York, ufa, eu não tenho empregada, não tenho trabalho, não falo inglês, e agora? E o que as minhas filhas proporcionam pra gente em termos de estudo, porque é natural. O que está acontecendo com a Camila é natural. A felicidade de ver o projeto “pai e mãe” dar às filhas igual ou mais do que a gente teve é uma realização do casal que deixa a gente orgulhoso. Eu falo pra ela: “Camila, você vai pra lá, você estuda esse negócio que você vai estudar aí, Engenharia Genética, arranja uma pílula que eu tome todo dia, a cada dois anos a mais de vida, eu tenho que aparentar três anos a menos, na saúde e na aparência. E você registra isso, que você vai ser rica e seu pai... E quando chegar aos 38 anos, com o dinheiro hoje, com a saúde que eu tinha com 38, está tudo certo, pronto, eu paro de tomar a pílula, você pode me estagnar até a morte com 38.” Mas a Camila e a Carol são duas figurinhas que deixam a gente orgulhosos.
P/1 – Gostei dessa ideia, hein? Dessa pílula. Nossa, vamos patentear.
R – Falei pra ela: “E eu vou ser cobaia. Pode estudar aí que eu quero essa pílula.”
P/1 – E, voltando ainda um pouco, antes de você se casar, conta aquela história que você viajou, foi morar fora, que você vendeu o carro.
R – Isso. Então, eu estudava Engenharia Química, eu estava no terceiro ano pra quarto ano, faltava ainda um ano e meio, dois, pra me formar, e eu queria aprender inglês. Por mais que eu tenha estudado inglês na Cultura Inglesa, Fisk, não sei o quê, não sei o quê, não sei o quê, eu tenho claro na minha cabeça que isso aí não leva você a inglês nenhum, você pode estudar o que for. Ou você é um cara acima da média. Um cara mediano fazendo isso não vai falar inglês. Eu queria aprender inglês, eu falei: “Não, eu só vou aprender inglês se eu viver inglês 24 horas por dia.” E aí coloquei isso na minha cabeça. Eu sou meio chato, persistente, eu venço pelo cansaço. Meu pai não queria, não queria, não queria, aí trocou, falou: “Tá bom. Você não vai ter garantia que você vai ter carro pra ir pra faculdade quando você voltar.” “Perfeitamente. Pode vender o carro.” “Está claro?” “Está claro.” Passei dois anos andando em Rio Doce/CDU. Você sabe que existia isso aí, que passava lá nos Pinheiros, Rio Doce/CDU, pra ir e voltar de faculdade. Mas foi uma primeira grande mudança na minha vida como pessoa. Porque você está longe de tudo, é você e as pessoas que você conquistou que vão te ajudar.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Tinha 20. Moleque. Dava comida a um pinto, ganhava mesada. Então, primeiro trabalho em fábrica foi nessa época, trabalhando quatro horas por dia, você resolver os seus próprios problemas, polícia, até com polícia. Eu estava viajando pra Califórnia com mais dois amigos, não estávamos bebendo, eu não podia com 20 anos. E passou um casal com dois filhos, abordou um policial no meio de Nevada dizendo que a gente estava dirigindo de forma maluca. O cara parou a gente e foi revistar o carro. Isso acontecia comigo em ditadura militar, final de ditadura militar. A minha carteira de identidade estava lá: filho do coronel Jarbas da Rocha Carvalho. Até 24 anos, você podia ter a identidade militar. Então, você se sentia, “pô, ninguém vai mexer comigo”. Lá não, lá você é qualquer um. E o cara revistar você, ligar para o dono do carro pra ver se a gente não tinha roubado, uma tensão, coisas que você não ia viver se você estivesse debaixo da asa do pai e da mãe. Esse foi o primeiro grande passo, a construção do ser humano aí, da pessoa Carlos. E pintar, ter que trabalhar, ganhar 20 dólares por dia pra você poder comprar seu som, seu Nike, na época era o top o Nike. Porque meu pai não deu dinheiro pra eu comprar isso, o dinheiro do carro foi pra pagar a faculdade e pra comer, o resto... E pra pagar a passagem de ida e volta, o resto não. Então, foi um momento marcante. Interagi com cultura diferente, você lidar com estilo de pessoas extremamente... A palavra é, como é a palavra, rapaz? Tímidas como os japoneses, introspectivas como os americanos, ou selfish... Nossa.
P/1 – Egoísta.
R – Egoístas. Só o jeito do americano que é o certo, e você conseguir surfar nesses modelos é crescimento como pessoa. É bem legal. É bem legal.
P/1 – E fala das pessoas. Você foi estudar. Onde você estudou e que pessoas você conheceu? Fale um pouco disso.
R – Existe uma brasileira que me deu ajuda. Eu morava com uma senhora chamada Vida Nelson, que teve um capotamento de carro e ela não sentia muito os dedos, então, tarefas simples de limpar, de varrer, de arrumar, ela não conseguia fazer. Ela me deu guarida, mas eu arrumava a casa, eu passava a roupa, eu pintava a casa, eu fazia supermercado pra ela. Então, ela me levou pra pegar a carteira de motorista, mas em contrapartida eu ia fazer o supermercado pra ela. Aí eu podia comprar o que eu queria também, porque ela deixava. Interagir com pessoas que você não conhece, que você tem que construir laços de amizade. Tinha uma sobrinha dela que morava no mesmo lugar, ela esqueceu – porque ela era uma senhora –, esqueceu que tinha dado o quarto pra sobrinha. Aí eu tive que dormir num sofá-cama. Então, não tinha quarto, minhas roupas ficavam na mala. Ela mandou fazer um armário para as minhas roupas depois de dois meses. Então, imagina, filhinho de papai chegar e não ter um quarto. Quero ir embora, né? Mas eu não vou dar o braço a torcer, não vou dar o braço a torcer, não vou falar para o meu pai essas coisas. Entendeu? Você cresce como pessoa. Conhecer essas pessoas foi muito legal. Os japoneses, tem uma que tem contato comigo até hoje. Eu fui meio que assim: “Pô, eu sou expansivo, então, eu tô tirando a vergonha dos caras.” E os caras me ensinaram também um pouquinho de estudar: “Não, temos que estudar agora. Não é hora de zoar.” Então, a gente estudava. “Depois a gente dança lambada, depois a gente vai brincar, mas aqui, olha, duas horas estudando.” Trabalhar na fábrica americana de isopor fez com que eu interagisse com americanos com educação menor que a média, com operário de fábrica, com senhoras que me ensinaram a operar a máquina, mas nunca tiveram mais nada do que aquilo, e faziam melhor do que eu. E depois de dois, três meses, eu fazia melhor do que elas, e como você lidava com isso? Dar dica pra fábrica melhorar a produtividade, em que elas estavam lá e não conseguiam fazer. Tudo isso faz com que você cresça como pessoa. Acho que os Estados Unidos me fizeram... Acho que a primeira grande ponte entre a sua vidinha mais ou menos de filhinho de papai...
P/1 – Praia, vôlei.
R – É. Praia, vôlei, forró, gado e mulher. Pra você ter responsabilidade. Você está vivendo a sua vida, toda ação tem uma reação e quem desenvolveu a ação foi você. Então, não tem ninguém pra te suportar, o resultado que você vai colher é você e Deus, é você e a sua vida, não tem o pai pra ajudar mais, não. Isso foi bem forte nesses seis meses aí.
P/1 – E nesses seis meses, quando você não estava estudando, com essa turminha de japoneses, o que vocês faziam? Qual era a atividade de lazer?
R – O futebol, boliche e cassino em Nevada. Uma vez por mês a gente ia para o cassino. Era barato o hotel do cassino, pra você ficar no cassino. A gente ia para o cassino se divertir com 20 dólares. Com 20 dólares pra gastar no cassino. Jogava a roleta, se ganhava no início, ficava mais tempo, se não ganhava, com 20 dólares acabava a farra, só ficava lá bebendo. Porque é muito frio. Salt Lake City faz menos dez, menos 15, é pesado. Então, é televisão, som, e todo mundo no mesmo, ia todo mundo pra uma casa pra se divertir. Salt Lake City não é uma cidade muito turística, não. Não tem muita opção, não. Mas o lazer, no verão era futebol.
P/1 – Aprontava?
R – Não.
P/1 – Era um bom menino?
R – Sempre fui meio criado por avó, até a parte que começaram as meninas, porque até os 18, 19 anos era só estudando e jogar futebol. Estudava e jogava futebol. Depois que vieram as farras.
P/1 – E, olhando a sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa?
R – Nossa, que pergunta profunda. Talvez eu tivesse... Não que eu não tivesse tido Camila, acho que Camila... Se eu pudesse escolher, eu teria adiado o primeiro filho. Mas, na parte de profissional, mudaria. Se eu voltasse para o tempo, eu teria feito Engenharia? Se eu soubesse que ia... Não sei se seu teria feito Engenharia se eu soubesse que eu ia parar em vendas. Mas eu não me arrependo de ter feito Engenharia. Talvez eu não achasse necessidade de ter feito Engenharia, mas Engenharia também é um pilar forte do jeito que eu sou, da minha capacidade de raciocínio. Mas pessoal é isso. Acho que Camila teria 15, 14, não 18. Acho que isso sim.
P/1 – Quer perguntar alguma coisa?
P/2 – Não. Acho que está bem legal.
R – Tá. Legal.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – Que eu não realizei ainda? Eu, profissionalmente falando, vou separar sonhos pessoais e sonhos profissionais. É um funil em qualquer área, vendas também é um funil. Eu já estou perto da parte de cima do funil, então, se eu tivesse que escolher um sonho pra área profissional, eu desejo sair do país e cuidar de um país como diretor de vendas. O Brasil é muito grande, não dá para... De onde eu estou, para a função do meu chefe, que é vice-presidente de vendas, eu tenho que passar em algum outro país. Não tenho um sonho de “ah, eu quero ser o vice-presidente da Colgate”. Não é uma coisa que eu faça as minhas coisas... As minhas ações hoje não são pra que isso aconteça. Se vier, ótimo, lá na frente, mas ir para outro país ainda é uma coisa que eu almejo. Agora, pessoal, eu quero ter saúde e energia suficientes pra também dar pra Carol a oportunidade que eu estou dando pra Camila, e eu economizo dinheiro pra isso. Acabando essa parte, eu quero ter uma casinha de praia, eu quero viver uma vida longe do centro. O Alphaville já é longe do centro, mas eu queria ter um lugar que eu pudesse interagir mais com a natureza, que tem a ver com água e mar.
P/1 – Como um bom recifense.
R – Como um bom pernambucano.
P/2 – Deixe-me perguntar uma coisa, que eu fiquei curiosa. Esse sucesso todo, você fez o funil, achei bem interessante. E chegar a outro país, você vai desenvolver ainda mais essa sua carreira. Como é isso no seu cotidiano, todo esse seu trabalho? Você consegue falar pra gente? Porque aí você colocou a casinha na praia, o sossego.
R – Porque eu me vejo... Eu tenho 47, então, eu acho que as coisas vão acontecer de duas formas: a possibilidade número um é que minha filha mais velha está indo embora agora em agosto, a mais nova, eu indo pra fora, ela vai comigo, termina o high school e também vai estudar nos Estados Unidos. Então, me proporcionaria essa primeira mudança para fora, de ter certeza que eu vou ter fundos para as duas meninas, porque tem muito benefício quando você... E você vai ser o head das decisões daquele país, ou daquele hub. Acho que isso me acrescentaria valor, tomar decisões não só de vendas, mas decisões com pessoas, quem treina, quem não treina, pra onde a companhia deve ir no sentido comercial. Só que eu acho que isso tem prazo de validade, então, isso ou acontece nos próximos dois anos, ou isso não vai acontecer. E, não acontecendo, vem a opção número dois, que é seguir... O meu cargo já é forte, então, seguir onde eu estou por mais dois, três anos, e empreender, ou chegar aos 55, 56 e decidir também seguir a minha vida profissional e pessoal mais de empreendedorismo. Então, é ou empreender daqui a cinco anos aqui mesmo no Brasil... Acho que tem uns sete anos de vida corporativa na minha cabeça, eu diria. Se eu vier pra cá, esses sete anos se estendem e aí eu sou cidadão do mundo, minhas filhas vão embora, só eu e minha esposa. Aqui eu vou empreender em algum lugar, não sei exatamente o quê, como e quando.
P/1 – Tem alguma vontade?
R – Eu tenho algumas. É franquia. Como eu gosto de processo, eu não me vejo empreendendo do nada, saindo do nada pra construir. É alguma coisa já pronta que me dê sustentabilidade. Eu não preciso ganhar o que eu ganho hoje. Sem as minhas filhas, elas que vão ter que me pagar mesada.
P/2 – Junto com a pílula.
R – É. Com a pílula. Junto com a pílula. E o prazo de validade acho que entre cinco e sete anos. Eu não consigo fazer meia boca as coisas, então, sem energia, eu não vou conseguir fazer o que eu tenho que fazer. Então, eu prefiro empreender com uma empresa por trás. Acho que são os dois caminhos do Carlos.
P/1 – Tem alguma história que você não contou, que você lembre, que você gostaria de falar?
R – Não. Acho que...
P/1 – Falou tudo dessa vez.
R – Não, tudo é difícil. Tem tanta história profissional, mas as grandes, as coisas que me marcam mesmo, as conquistas profissionais de você conseguir fazer o que a gente fez com o canal indireto, ter ido pra Nova York, ter conhecido 14 países, sair de Recife para o Rio e São Paulo, desenvolver pessoas, ver pessoas crescendo, acho que a grande parte foi falada. Foi falada.
P/1 – Alguma história engraçada que você se lembre?
R – Mas pessoal ou profissional?
P/1 – Fora a do Carnaval.
R – Pessoal ou profissional?
P/1 – Como você preferir.
R – Engraçada? Ah, tem uma minha, bem pessoal, mas que envolve as minhas viagens. Como eu parei de jogar futebol, não só por... Eu posso até voltar a jogar, mas tem que ter consistência. Futebol não dá pra jogar uma vez, depois você passa uma semana sem andar de tanta dor nas pernas. Então, eu comecei a praticar correr. E eu nunca me imaginava correndo meia maratona, eu falei: “Não, eu nunca gostei de corrida, é impossível fazer meia maratona.” Então, é uma conquista pessoal de cinco maratonas nas costas já, isso é bem legal. E, nos treinamentos pra essas meias maratonas, eu estava em Fortaleza, acabou o dia, oito horas da noite, na orla: “Não, vou fazer meu treino, que eu tenho que treinar. Pra chegar a meia maratona, você tem que treinar.” Estou eu correndo e comecei a sentir uma dorzinha de barriga. Galera, olha a situação. No meio da corrida, longe do hotel, falei: “Não, tô no meio da corrida, dá tempo de ir e voltar.” Você vai e volta, eram oito quilômetros o treino. E a dor de barriga começou a aumentar. Quinto ou sexto quilômetro, uns dois quilômetros ou três do hotel, o negócio começou a ficar duro. Olhei para um lado, olhei para o outro, falei: “Eu tenho três opções aqui: ou eu corro para o mar, ou eu entro todo suado num hotel que não é o meu, ou eu acho um restaurante que não é pra muito conversar e ir logo.” Eu olhei pra cima, mar à esquerda, hotéis aqui, e numa ruazinha subindo, vi um Habib's: “Ah, é no Habib's!” Saí da corrida em direção ao Habib's, cheguei lá bem apertado, e tinha a menina que recebe as pessoas, acho que hostess, aquela menina que fica lá: “Boa noite, senhor”. Eu falei: “Boa noite não. Onde é o banheiro? Se você não me disser rápido, vai ser aqui.” Ela começou a dar risada: “É ali, ali.” Eu saí correndo dentro do Habib's todo suado, imagina, camiseta, short, todo suado, correndo para o banheiro, todo o Habib's lotado olhou pra mim. Um maluco de camiseta e short e tênis de corrida, entrando suado em direção ao banheiro, alguma coisa está acontecendo. Aquela barulheira, entrei no banheiro, consegui. Chegava a pressão cair. E agora eu vou ter que sair, vai todo mundo olhar pra mim de novo. Aí eu dava azar. Abri a porta, todo mundo olhando pra mim, não tive outra: “Consegui!” A galera subiu na cadeira, bateu palma. E eu: “Yeah!” Aí abracei a menina que estava de hostess: “Consegui.” A galera ficou uns 30 segundos batendo palma pra mim (risos). Depois voltei a correr, completei meu treino. Mas foi uma situação complicada e engraçada. Essa foi boa. Essa lembrei agora. Acho que é isso.
P/1 – E como foi contar a tua história aqui? O que você achou de contar a história para o Museu da Pessoa?
R – É diferente, vocês deixam a gente à vontade. Zero estresse. Zero. Eu sou um cara muito tímido, então, foi muito estressante falar pra vocês.
P/1 – Obrigada pelo seu tempo, sua entrevista.
R – De nada. De nada.
P/2 – Obrigada.
R – Legal.
P/1 – Muito obrigada.
R – Obrigado vocês.
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