A questão das terras aqui na comunidade doPiranha é complicada. Tinha uma pessoa rica em uma áreagrande chamada Jaralândia, e aí o pessoal começou a ir pracima da área pra plantar roça. Ele brigou com o pessoal. Aí o sindicato se envolveu e o pessoal foi pra cima do lotelá e foi aquela bri...Continuar leitura
resumo
Na comunidade Lago do Piranha, na cidade de Juruti-PA, Norbertino nasceu e cresceu. Foi lá também que ele viu acontecer uma briga por um pedaço grande de terra que estava sendo ocupada por um grande empresário. Nada lá era produzido nem os impostos eram pagos. Norbertino então foi um dos responsáveis pela briga que resultou em um assentamento para a comunidade local. Essa história se confunde com a história de muitos da região, somando a isso a briga com os madeireiros, grileiros e outros. Norbertino nos conta essa história.
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P/1 – Norbertino, a gente quer que você fale o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Norbertino da Silva Pereira é meu nome. Local é Lago da Piranha, nascimento é em 1954.
P/1 – Que dia?
R – É, 17 de Fevereiro.
P/1 – Fale um pouco dos seus pais, o nome deles, o que eles fa...Continuar leitura
P/1 – Norbertino, a gente quer que você fale o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Norbertino da Silva Pereira é meu nome. Local é Lago da Piranha, nascimento é em 1954.
P/1 – Que dia?
R – É, 17 de Fevereiro.
P/1 – Fale um pouco dos seus pais, o nome deles, o que eles faziam.
R – Meu pai era Norberto Antonio Pereira. Meu pai trabalhava muito com juta, na época, era o produto da região, seringando também, tinha uns terrenos. Minha mãe, também era trabalhadora rural, trabalhou nesse terreno, era do pai dela e a gente conviveu aqui até agora, eu nunca saí por aí, pra Manaus ou pra outro lugar, eu sempre trabalhei aqui com ela, eu fui o filho que mais trabalhei pra família. Eu casei com 26 anos, deixei minha mãe pra construir família.
P/1 – Norbertino, você conheceu os avós?
R – Não.
P/1 – E quantos irmãos eram?
R – Nós éramos oito.
P/1 – Você é o mais velho, o do meio?
R – Não, eu sou o terceiro.
P/1 – Eram quantos meninos e quantas meninas?
R – Só duas mulheres.
P/1 – Quando você era pequeno, como que era o Lago da Piranha?
R – Olha, quando eu era pequeno era melhor do que agora, era muito farto, muito tracajá, pirarucu, peixe mesmo, pegava com facilidade, também era pouca gente, não tinha muita gente que nem tem hoje, e a vida era melhor. A gente não tinha aquele cansaço de procurar comida muito longe, porque tinha muito aqui. Aqui era um lugar muito bom, sempre foi. Agora que tá mais difícil porque tem muita gente já e não tem mais aquela facilidade que tinha. Mas tá dando pra se viver.
P/1 – Eu queria que você falasse como que era sua casa quando você era pequeno...
R – A minha casa quando eu era pequeno era pequena (risos), era de palha. Naquele tempo, minha mãe tinha gado também, mas a gente nunca fez uma casa boa, sabe? Porque eram eles que comandavam e não tinham aquele pensamento de aprimorar em uma casa melhor. Nossa casa sempre foi feia, assim, de palha, tudo mal ajeitada. Já depois de casado que a gente fez essa barraca aqui melhorzinha pra gente que tá embaixo, né?
P/1 – A casa de palha, você poderia explicar pra gente como é que faz pra pôr o telhado?
R – Olha, palha é uma pombeira igual esse coqueiro, ela dá umas guia, fechada, e a gente quebra, na mata dá muito dessas guias, tira, abre, aí seca pra cobrir a casa. Tem umas aí olha.
P/1 – Trança ou não?
R – Não, põe assim só, e aí não chove.
P/1 – E aí você e seus irmãos conseguiram estudar? Tinha escola aqui perto, como é que era?
R – Olha, nós estudamos bem pouco. Eu estudei pouquinho, pouquinho, porque era difícil, tinha só uma escolinha ali e era muita dificuldade. Eu trabalhava muito, tinha que ajudar a minha mãe. Meu pai, certo tempo, ele foi embora de nós, e ficamos só com mamãe, era a gente que mantinha a casa, tinha que trabalhar na roça, então a gente ia na escola e pedia lá pra sair e vir embora pra roça. Aí eu não tive oportunidade de estudar. E todos eles foram assim.
P/1 – Mas a escola era do outro lado?
R – É, do outro lado, lá naquela ponta lá.
P/1 – E aí vocês pegavam o quê? Canoa?
R – Canoa, é. Canoa que ia pra lá.
P/1 – Norbertino, quando seu pai foi embora, quantos anos você tinha mais ou menos?
R – Eu devia ter acho que uns oito anos quando ele se separou da minha mãe, aí a gente já lembra mais.
P1 – E como é que foi essa fase pra você?
R – Ah, foi difícil porque a gente sabe que a gente foi criado sem pai, é muito difícil, minha mãe era uma mulher muito trabalhadeira e que ela nos ajudou a criar mesmo, mas foi muito difícil, né?
P1 – E aí vocês ajudavam. O que vocês faziam? Plantavam?
R – A gente fazia farinha, da mandioca, naquela época a gente era curuminzinho, mas cada um levava um companheirinho lá pra roça pra fazer cinco mandiocas, conforme aquilo que garantisse, aí chegava em casa, descascava, a gente mesmo ralava e ela torrava pra gente comer.
P1 – Como é que era, pra ralar vocês faziam com lata?
R – É, com lata, furada com prego. Furava a lata na terra, aí fazia aquele ralo pra ralar a mandioca. Isso aqui meu era tudo comido de ralo, escapolia a mandioca assim e era a mão que ia, tirava isso aqui da gente, cortava tudo por aqui.
P1 – Você pode contar um pouco do processo todo da farinha pra gente entender como é que faz desde o começinho da plantação?
R – Olha, o que a gente roça é o mato, derruba, aí queima, planta, carpina a roça. Com um ano já dá pra começar a tirar. A gente tira a mandioca, põe na água um pouco, aí no outro dia vai tirar a mistura. Aí rala essa d´água e aí mistura ela e deixa pro outro dia. Aí no outro dia a gente vai, espreme e torra, aí já gera a farinha, é um processo meio longo da farinha.
P/1 – E você fazia todos ou tinha algum processo mais que fazia?
R – Olha, porque a mandioca tem vários processos, tem gente que peneira duas vezes, outros que peneira três vezes, outros só uma vez, mas a gente sabe fazer tudo isso.
P/1 – E ela vai ficando mais fininha o quanto mais se peneira?
R – É, é.
P/1 – E como o senhor gostava mais, mais dura?
R – Mas a gente fazia só a farinha comum mesmo, que é depois de aprender isso foi depois da ciência já, que eles deram curso por aí é que a gente foi aprender, porque naquela época era só mesmo torrado mesmo, aqueles bagão grande e a gente comia, não tinha outro jeito, fazer o quê.
P/1 – Era bem duro, assim?
R – Bem duro, é (risos).
P/1 – Norbertino, tinha tempo de brincar?
R – Muito pouco, muito pouco. Mais era trabalho mesmo, ninguém tinha tempo, assim, de brincadeira. Primeiro, era que minha mãe não gostava que a gente jogasse bola e aí a gente, quando a gente fugia, que dava um tempo, a gente brincava, mas era muito difícil, porque ela era muito brava e a gente tinha medo. Filho daquela época tinha medo, não é como hoje que os filhos não têm medo mais de mãe, falam que não têm que fazer, não, naquele tempo tinha medo. Lembro que eu trabalhei até 26 anos pra casa por quê? Porque eu tinha medo dela.
P/1 – Mas quando conseguia fugir, qual era a brincadeira, era a bola?
R – É, era a bola, era o que tinha por aí.
P/1 – Vocês faziam a bola ou compravam?
R – Comprava bola. A gente fazia de seringa, tinha um senhor que morava lá em outra comunidade pro centro que tinha um seringal, e ele fazia umas bolas, de seringa, que aquilo pula muito longe, e a gente brincava com aquela bola. Agora era bom porque a gente ficava também muito ligeiro, porque a bola faz o cabra ficar ligeiro, ela bate e pula lá em cima e tinha que ser bom pra pegar (risos). Era a bola que tinha.
P/1 – E o que mais plantava fora mandioca?
R – Olha, plantava laranja, inclusive tinha ali até um laranjal, que tá se acabando agora porque queimaram tudo, e dava muita fruta lá, laranja, ingá, cupu, isso era planta que tinha.
P/1 – E vocês consumiam ou vocês vendiam?
R – Era só mesmo pra comer, pra consumir mesmo.
P/1 – Não tinha nada que brotava pra vender?
R – Não tinha nada, até o comércio mesmo era bem pouco naquela época, não tinha saída, era só pra comer mesmo.
P/1 – E de peixe? A pesca era com quê? Com tarrafa? Como é que era?
R – Bom, peixe tinha, como eu já disse, tinha muito. Antes de meu pai deixar minha mãe, ele era muito pescador, e matava muito pirarucu. Todo dia ele matava pirarucu. Tambaqui só matava grande assim. Mas mesmo depois de ele deixar ela, que ia pra outro lugar, mas sempre ele matava e trazia, deixava. Mas não vivia mesmo com a gente mesmo.
P/1 – Ah, era só pra comer mesmo...
R – É.
P/1 – Mas como é que era, era com tarrafa, como é que era a pesca, tinha manilha?
R – É, de verão era com tarrafa, de cheia era com arco e flecha.
P/1 – Tinha arpão também?
R – Caniço, era pescaria.
P/2 – Pescava pro consumo?
R – É, era pro consumo porque não tinha saída, naquele tempo.
P/1 – Vocês iam muito pra fora? Vocês tinham muito contato ou ficavam mais aqui na comunidade?
R – Ficava mais aqui mesmo.
P/1 – E as canoinhas quem fazia? Eram vocês mesmos que faziam canoa?
R – Não, tinha o mestre que fazia canoa, é como tem hoje, tem um homem que morava bem ali que fazia as canoas para a pescaria, pra viagem, era ele que fazia, pequena, grande...
P/1 – E pra comprar? Vocês trocavam por produto?
R – É, trocava por produto. Quem tinha gado vendia uma res, duas, e aí comprava a canoa.
P/1 – E seu pai também cultivava gado?
R – É, cultivava.
P/1 – Como é que é o gado daqui, ele é uma carne boa, como é que cultiva?
R – Olha, segundo a pesquisa, o gado daqui é o melhor gado que tem, porque ele não é cuidado com hormônios, é só mesmo com capim, é natural, e sempre foi assim. A carne daqui eu acho boa, melhor do que essas que vêm lá de Óbidos, de Santarém, de outro lugar, porque é um gado sadio, a gente vacina bem o gado, ele é bem vacinado e a carne é boa.
P/1 – Mas tem o problema de quando enche o lago? Esse lago aqui enche ou fica sempre assim? Tem época de cheia?
R – Ele enche mais do que isso.
P/1 – Mas não chega a vir até aqui?
R – Não, ele enche até por ali assim e de lá ele vaza que seca tudo isso aí, até lá fora.
P/1 – Não afetava o pasto dos gados?
R – Não. Não porque nessa época eles estão lá pra várzea. A gente tem aqui um controle com o gado, ele passa cinco meses aqui e seis meses, sete meses lá na várzea. O tempo de baixo verão aqui, a gente joga pra lá e aí eles ficam lá. Quando enche, eles passam pra aqui, como agora.
P/1 – Ah, mas só pra entender, serve pra que, qual o motivo?
R – Olha, qual o motivo? É porque nós aqui não somos estruturados pra aguentar o gado aqui, não temos ajuda de governo, de prefeito, pra gente fazer uma capineira pra conservar o gado toda época, a gente já pensou nisso. Em matéria a gente já falou muito sobre isso, mas só ficou no papel. E aí é obrigado a jogar pra lá porque o pasto que tem aqui não aguenta.
P/1 – O seu pai já fazia isso?
R – Já.
P/1 – Isso não mudou nada?
R – Nada porque não tem como mudar, nós pensamos agora em fazer uma capineira pra aguentar o gado mesmo, mas a gente não conseguiu fazer ainda.
P/1 – Entendi. Norbertino, eu queria entrar pra infância um pouco agora, lembrar um pouco. Você falou que sua mãe era muito brava, né? Você lembra se sua mãe dava muito castigo em vocês quando vocês aprontavam muito, como é que era isso?
R – Olha, a gente apanhava, eu apanhei muito, até porque eu era muito peste. Ela brava como era, mas a gente aprontava, porque moleque faz tudo, se você põe com outro, o cara vai mesmo. Aí, quando ela chegava, metia porrada, mas a gente ia porque sabia que estava novo, queria jogar bola, queria ir na festa, depois dos 18 anos a gente gosta da festa, né? Às vezes, ela não queria que a gente fosse e a gente ia. Aí, quando chegava, ela pegava de porrada, mas a gente não afrouxava (risos), porque não tinha como.
P/1 – Que festa que tinha aqui?
R – Tinha festa de tambor, junina, aquele instrumento de corda, e era essa era a música das festas.
P/1 – Mas passavam por aqui na comunidade?
R – É, tinha festa pra cá, tinha pra cá pro lago, tinha lá pro Araçá, tudo por aí tinha festa e a gente ia.
P/1 – Mas você lembra o nome das festas, algum nome assim?
R – Não, não me lembro dos nomes das festas.
P/1 – E tinha comida diferente nas festas?
R – Olha, naquele tempo, não.
P/1 – Não?
R – Não, a gente ia só pra festa mesmo. Às vezes, festa de santo que tinha comes e bebes, mas era dado também, tinha biscoito, tinha comida mesmo, era dado, não é como agora que o povo só faz festa pra ganhar dinheiro, comida vendida, guaraná, tudo vendido. Naquela época, não, era gratuito, a gente ia, comia e bebia e não tinha esse negócio não, era mais comum, como se diz.
P/1 – E essas festas de santo eram fora da comunidade?
R – Eram fora, é.
P/1 – Onde que eram? Em Juruti?
R – Olha, tinha festa pra Juruti, tinha lá pro Mirim, no Cajuaçu, festa de três dias, tinha lá pro Batata em uma comunidade que tem pra ali.
P/1 – Era da Igreja?
R – É.
P/1 – Tinha igreja aqui na comunidade? Tem igreja aqui?
R – Tem, lá na ponta tem.
P/1 – Mas naquela época não tinha?
R – Não, naquela época a gente rezava em uma casinha, até isso era carente, porque a celebração era na casa, era diferente mesmo. Era estilo de pobreza mesmo, de situação difícil.
P/1 – Mas o padre vinha aqui?
R – Vinha.
P/1 – De quanto em quanto tempo que ele vinha?
R – Olha, ele vinha de ano em ano nessa época.
P/1 – Uma vez por ano?
R – É, uma vez por ano.
P/1 – E aí rezava um dia e ia embora, como é que era?
R – É, ia embora e o pessoal que se virava pra ir procurar salvação, porque o padre ia embora (risos).
P/1 – E pra se tratar, como é que era quando ficava doente?
R – Olha, você fez uma pergunta muito bonita agora. Naquele tempo, eu acho que não tinha tanta doença que tem hoje, era difícil mesmo adoecer, e quando adoecia, a gente fazia chá de cuia de pólvora, de raiz de pau e dava certo. A doença que tinha era dor de estômago, dor de cabeça... Era muito difícil dizer assim: “Olha, o Fulano tá doente de câncer”. Ninguém nem conhecia o que era, até porque se comia coisas naturais, e não comia tomate vindo lá de não sei de onde, tudo cheio de química, então era difícil aparecer uma doença assim, feia, com a gente, muito difícil mesmo. E acho que Deus mesmo cuidava do povo porque sabia que era pobre, e ele cuidava.
P/1 – E você tem conhecimento de erva?
R – A gente conhece umas que a gente faz chá, pra dor de estômago, dor de cabeça.
P/1 – Você pode falar alguma pra gente conhecer algumas também?
R – Tem hortelã, tem o tal de anador, planta, tem diversas pra fígado, como é que é, até me esqueci agora.
R – Paregórico, boldo, tudo isso aí é bom pra chá, pra dor de estômago, dor de cabeça.
P/1 – Mas você e seus irmãos nunca ficaram muito doentes?
R – Não.
P/1 – E cemitério, tinha aqui?
R – Não.
P/1 – E quando a pessoa morria, enterrava onde?
R – Enterrava lá em Juruti.
P/1 – Como é que era isso?
R – Botava na canoa e levava por canoa, chegava lá carregava lá pro cemitério.
P/1 – Daqui pra Juruti de canoa dá quanto tempo?
R – Olha, remo, dava acho que uma hora e meia, agora em motor é meia hora, uma hora, por aí, é perto, a remo a gente ia lá e depois vinha, ia de manhã e quando era lá pras 11 horas estava aqui já, é perto daqui.
P/1 – E vocês iam a Juruti comprar algumas coisas também?
R – É, só lá que a gente comprava, porque não tinha comércio aqui.
P/1 – O que comprava lá?
R – Açúcar, café, sabão, sal, pílula...
P/1 – Remédio, assim?
R – É, remédio mesmo, comprava lá.
P/1 – E quando o pessoal morria, tinha padre lá pra fazer o enterro ou padre também não tinha lá?
R – Não, o padre não se envolvia nesse negócio de morte, não.
P/1 – Ah, não?
R – Não, era o dono do defunto que se virava pra enterrar.
P/1 – Entendi. Era aquele mesmo cemitério que tem lá?
R – É, aquele mesmo. Lá tem milhões de gente, porque aquele é muito velho.
P/1 – E o lago, quando você era pequeno, ele era diferente? Mudou alguma coisa no lago, fora os peixes?
R – Mudou, porque ele era mais fundo e, depois de aumentar a população, eles descobriram toda a beira dele, como está aqui.
P/1 – Pode continuar.
R – Bom, eu passei um pouco, vou voltar. Aí veio a demarcação primeiro aqui das casas, aí veio a demarcação, foram demarcados 128 lotes, e aí parou a demarcação. Depois, acho que com uns dois anos, veio outra demarcação, que demarcou mais de duzentas e não sei o que de lotes, que eu não tenho agora bem na mente, e aí parou e até hoje não veio mais, não terminaram de demarcar a área do assentamento, e aí começaram a vir as casas, que eu ia chegar lá. Foram feitas 120 casas nesse modelo, mas não tinha varanda não, era só mesmo a casa, e só mesmo levantada e coberta. Tem umas ainda ali pela ponta ali, passaram lá e viram algumas casas lá. Aqui a gente ficou, aí nós passamos cinco anos sem mexer com ela, a gente estava esperando que o governo fosse mandar terminar, mas quando a gente viu que ele não mandava mesmo, nós demos um jeito e fizemos a casa, só que não terminou bem ainda, mas a gente já mora aí. Muitas não terminaram e estão pra terminar.
P/1 – Tá, eu queria que você voltasse um pouquinho pra gente entender um pouco melhor. Tinha uma pessoa aqui que tinha um terreno? Eu não entendi muito bem o processo. Como é que era, tinha uma pessoa rica?
R – É, tinha uma pessoa rica que tinha uma área grande
chamada Jaralândia. O pessoal começou a ir pra cima da área pra plantar roça. Aí ele brigou com o pessoal, queria jogar o pessoal e o sindicato se envolveu e o pessoal foi pra cima do lote e foi aquela briga. Aí levaram brigando acho que uns dois anos, por causa dessa área. Foi dessa área que surgiu esse assentamento aqui, e depois ele perdeu a questão, porque não tinha direito, não tinha nenhum documento, ele não pagava nada pro estado, município, nada, e o terreno não tinha documento e aí ele perdeu a questão. Hoje lá também é um assentamento.
P/1 – Ele produzia alguma coisa lá?
R - Não, ele não.
P/1 – O que era? Era só um campo?
R – É, era só mata mesmo lá.
P/1 – E aí você fez parte do começo do movimento? Eu queria que você contasse um pouco as histórias, como é que foi esse conflito, como é que era isso?
R – Olhe, esse conflito, ele marcava o dia que vinha o advogado, o juiz, aquela época era difícil ter juiz aqui em Juruti, era só em Óbidos. Aí eles adiavam o dia que vinha o juiz, o advogado, o promotor, essa gente, e o sindicato convidava o pessoal pra ir pra lá pra pressionar. Às vezes a briga era com duas famílias, mas ia muita gente pra lá pra ajudar o cara (risos). Foi e foi até que nós conseguimos ganhar a terra, porque a terra não produzia nada e não podia ter aquela área de terra, porque ele tinha muita terra.
P/1 – Quando que foi que ele comprou lá?
R – Olhe, isso aí foi um tempo que ele foi promotor lá em Juruti, e aí o pessoal tinha medo dele, porque ele era um homem muito bravo, ralhava com os outros, lambava, naquele tempo a gente tinha medo mesmo das pessoas, ele fazia o que queria fazer, e aí conseguiu as terras, a quantidade que ele queria. Inclusive ele tem um terrreno lá na várzea que agora os filhos dele já não brigam mais, porque ele já é morto, mas os filhos dele já brigaram comigo diversas vezes. A gente não afroxou lá, então ele tinha muito terreno grande assim, não tinha só esse aí não, eram diversos terrenos grandes.
P/2 – Quando saiu o assentamento, o pessoal assentado era aqui da comunidade mesmo ou veio gente de fora?
R – Não, era gente só daqui mesmo. Nesse nosso aqui agora, depois de eu sair da Presidência foi que veio muita gente de fora, tá muito desorganizado aqui o assentamento, já tem fazendeiro lá, já tem comerciante, já tem madeireiro, porque a área, a melhor área mesmo deste assentamento aqui não foi demarcada. Então, entrou gente de fora, tem gaúcho, tem goiano, tem várias raças de gente, cearense, maranhense...
P/1 – Entendi. E aí o senhor começou o movimento ou não, já tinha alguma coisa? Quem começou a pressionar? Foi você que atraiu os outros ou tinha já um pessoal que queria fazer isso?
R – Olha, para começar isso aí já tinha uma pessoa que era o Salomão, que era Presidente do sindicato nessa época, foi ele que começou a puxar essa luta pra nós. Eu já entrei da Associação pra cá, do assentamento.
P/1 – Ah, mas quando você voltou pra cá, casado, esse cara já estava aí? Essa pessoa que tinha terra já estava aí nessas terras ou não?
R – Já, já estava. Já era muito velho aí. Demarcaram toda a área do assentamento já, aqui que falta terminar.
P/1 – Tá, mas aí foi tudo pelo INCRA?
R – É, pelo INCRA.
P/1 – E foi a primeira comunidade daqui a ser assentada ou não? Tem mais comunidades que tiveram assentamento como esse?
R – Não, o primeiro foi aqui, depois agora foi lá pro Juruti velho já.
P/1 – E a Associação tinha alguma sede, algum lugar, ou se juntava assim?
R – A gente se juntava no sindicato mesmo, doaram pra nós a sede e lá que a gente se reunia pra conversar.
P/1 – Ah, o sindicato é em Juruti?
R – É, pra fazer documento, inclusive ela é legalizada, tem estatuto, tem tudo, tem CNPJ, ela era bem forte nessa época.
P/1 – E as pessoas que foram assentadas elas estão produzindo?
R – Olha, pouca gente, pouca gente e eu acho, não sei o que acontece, mas eu acho que é incentivo da prefeitura que não tem, do município, porque o caboclo não pode ir pra lá sem nada. Ele tem que ter pelo menos onde dormir, e eu acho que tem que ter incentivo pro cara ir lá, tem que ir lá o técnico, assim como vocês estão aqui agora, ir lá ensinar o caboclo: “Olha, faz assim e assim. Planta a semente dessa maneira”. Mas não, não existe isso aqui, e aí o caboclo fica desestimulado. A nossa feira daqui é a pior feira que tem, é a nossa aqui. Não tem nada, você vai lá e não tem nada, nada, nada. Então, eu acho que falta o município investir mesmo na agricultura.
P/1 – E as pessoas que foram assentadas elas estavam sem terra?
R – É, estavam sem terra, inclusive eu não tenho terreno meu mesmo, eu estou aqui nesse terreno, mas é da minha família, não está nem no meu nome aqui, está no nome da minha mãe, porque eu ia conseguir um terreno, mas eu pensei que eles vinham logo pra demarcar tudo e dizer: “Olha, isso aqui é teu”. Aí, quando eles não demarcaram, foram entrando pessoas pra lá e aí foi assim, como entra o bom entra o ruim, né? Aí picaram o terreno do outro lá, aí queriam se matar pra lá, aquele negócio todo. Eu não fui pra lá não, fiquei aqui mais um tempo e falei: “Não vou não mais pra lá não”. E acabou que até hoje eles não demarcaram e invadiram tudo por lá, e eu não tenho ainda terreno meu mesmo.
P/1 – Teve conflito, assim, morte e essas coisas?
R – Não, morte não. Agora conflito de briga, já tive, inclusive eu fui defender uns dois lá, conflito de terra, né? Lá a gente tentava conversar e pra dividir: “Isso aqui é teu, não mexe com o cara, deixa o cara trabalhar aí que ele precisa”. Eu fui diversas vezes fazer isso, agora morte, não.
P/1 – Mas você se envolveu em briga mesmo ou briga verbal?
R – Não, briga mesmo, não, eu tive assim só discussão.
P/1 – E o pessoal, os grileiros, madeireiros, como é que tá isso nessa região?
R – Olha, madeireiros estão aí, eu até acho que o IBAMA, eu não sei o que eles fazem, porque a gente denuncia pra eles não virem, a gente pede pra vir fiscalizar e não aparece ninguém. Os caras continuam por invadir lote, continuam tirando madeira e não tem pra quem apelar aqui.
P/1 – Mas com o assentamento isso não melhorou nada?
R – Olha, por uma parte melhorou, pra uns, pelo menos pras casas, quem já mora nelas, foi melhor. Por exemplo, empréstimo de banco melhorou, tem como você tirar o dinheiro, pode emprestar e tal, mas o que eu acho mesmo é que falta incentivo técnico pra ir lá pro campo, pra ensinar o caboclo a mandar. Porque o caboclo que invadiu também pra ele não tem nada, eu acho que é isso que falta.
P/1 – Mas eu digo no sentido das pessoas que estão morando nas casas, assentadas, eles têm como defender a terra contra madeireiros ou não? Não tem como, né?
R – Olha, não tem como, não. Não tem como porque os caras que estão tirando madeira... Madeireiro é bicho feio, ele manda matar, o cara tem medo, ele não vai. A associação, que podia denunciar, fazer a denúncia, está muito quieta agora. O homem que está lá tem medo e não faz um documento, porque tem medo, não faz uma denúncia, porque tem medo, e os caras estão tirando a madeira. Então, tiram madeira, vende lote pra outro, tá bagunçado. Eu acho que, pra melhorar, deveria vir a Polícia Federal pra ver quem é quem. Quem é dono da terra mesmo, quem é trabalhador rural, mas sem ter isso tá difícil. Tá difícil porque ninguém vai meter a cara lá pra levar um tiro, e aí fica difícil.
P/1 – Eu queria voltar a falar um pouco do seu casamento. Quantos filhos o senhor tem?
R – Eu tenho oito.
P/1 – Oito filhos?
R – É, tive nove, morreu uma.
P/1 – São quantos meninos e quantas meninas?
R – Cinco meninos homem.
P/1 – E qual a idade deles, mais ou menos? Qual é o mais velho?
R – O mais velho tem 27 anos (risos).
R2 (Esposa) – Não sabe a idade dos filhos (risos).
R – Não sei a idade dos filhos...
R2 – Tem 31 anos.
P/1 – E o mais novo tem?
R2 – Mais velha, é mulher.
R – É, 31 a mais velha.
P/1 – E o mais novinho?
R – Tem um com...
R2 – O caçula tem 12.
R – É, 12, é o último.
P/1 – O que a mais velha faz?
R – Ela trabalha pra Manaus, foi trabalhar em uma empresa lá.
P/1 – E eles conseguiram estudar?
R – Não, ela estudou porque ela decidiu ir pra lá, trabalhava e aí estudava. Todos eles estudavam um bocadinho, porque já tinha mais facilidade, ainda tem esse aí que tá estudando, vai lá pra cidade.
P/1 – Qual cidade, pra Juruti?
R – É, pra Juruti.
P/1 – Ali é o mais perto pra estudar, é Juruti?
R – É, é Juruti.
R2 – Aqui tem até oitava, mas ele já tá fazendo o ensino médio.
P/1 – Aqui na comunidade tem até a oitava?
R – Tem.
P/1 – Ah, tem um colégio?
R – É. Agora esse ano que já funcionou, é que não tinha nada. Então a dificuldade aqui era grande por isso, né?
P/1 – E eles ajudam, ajudaram você na roça?
R – Eles ajudam, estão trabalhando na cerca hoje, aí vão estudar.
P/1 – E o que você acha que eles vão seguir de carreira? Vão ficar aqui na roça ou vão pra outro lugar?
R – Olha, esse aí tá dizendo que ele quer ir pra Marinha, é o sonho dele.
P/1 – Tinha um movimento de militar forte aqui, não tinha, quando você era menor, aqui na Amazônia? Tinha muito militar aqui?
R – Não lembro.
P/1 – E japonês, quando os japoneses vieram pra cá?
R – É, japonês tinha muito (risos). Tinha muito japonês, inclusive foram eles que trouxeram pra cá a juta.
P/1 – Você nunca plantou juta?
R – Plantei, muita juta. Plantei, até no passado ainda plantei.
P/1 – Mas por que parou?
R – Por causa do preço. E o povo também não se dedica mais, não sabe trabalhar mais nela. Aí você paga uma diária pra um parceiro e não compensa mais o dinheiro que você dá pra ele, e a juta depende de pessoa pra trabalhar, ela amolece e tem que tirar ela na época boa, que ela tá segura, que ela não tá podre. Aí tem que pagar gente, e se não compensa não adianta fazer mais.
P/1 – No auge da juta você plantava? Quando era aquele auge da juta?
R – Plantava.
P/1 – Mas nunca foi a sua maior plantação, ou foi?
R – Olha, eu fazia muito, muito. Aí tem até uns objetos comprados com a juta, porque ela dava muito dinheiro.
P/1 – E agora, qual é a sua plantação?
R – Agora é só roça mesmo e ninguém faz mais outra coisa.
P/1 – E o gado?
R – É.
P/1 – Você tem quanto de gado aqui?
R – Tem sessenta reses só, só mesmo pra aí.
P/1 – Eles ficam onde?
R – Eles ficam aqui atrás.
P/1 – Norbertino, eu queria perguntar pra você qual é pro futuro seu sonho?
R – Olha, o que a gente espera é que o gado aumente mais, que a gente fique, meus filhos estão todos homens já, estão estudando, daqui mais uns dias eu acho que a gente não vai levar aquela vida muito aperreada, não. Porque não adianta, só tem as coisas aquele que Deus determinou pra ter, aquele que não tem, não adianta trabalhar muito que não consegue, eu já trabalhei muito, muito, e eu só tenho aquilo que Deus determinou pra ter. Então, eu já decidi que se preocupar muito não adianta, daqui eu já estou com 56 anos, se a morte não chegar eu vou me aposentar e vou ficar no meu canto aqui mesmo,
porque dizer que eu ainda vou ter muita coisa, que eu ainda vou trabalhar muito, eu não peço mais isso não. Eu sei que, de quarenta anos pra diante, o caboclo já sente mais dificuldade em tudo. Já não é mais aquele de trinta anos, vinte anos, que ele agarrava, fazia quebrar, batia. Então, reconhecendo isso, eu tenho dito que na hora que eu me aposentar eu fico só mesmo vivendo e fazendo hoje um gado. Dizer que eu ainda vou trabalhar muito na roça eu sei que não adianta mais.
P/1 – Bom, e o que você achou de falar um pouco com a gente, contar pra gente essa história, o senhor gostou ou não gostou? Como é que foi?
R – É, foi bom porque a gente lembra um pouco do que já passou, da dificuldade que nós passamos antes, que foi muito difícil pra nós a vida. Hoje está melhor, não tá boa boa, mas tá melhor, porque a gente já não trabalha muito, demais. Já tem o que comer todo dia, naquela época mesmo, como eu disse que tinha muito peixe, mas nem todo dia a gente comia bem. Então hoje eu acho que tá melhor. Foi bom a gente passar por essa conversa porque a gente já se lembrou do que já se passou, a dificuldade que a gente já teve, né?
P/1 – Tá bom, obrigado, Norbertino, pelo tempo.
P/2 – Obrigado.Recolher
Título: Demarcação para o povo
Data: 20/04/2014
Personagem: Norbertino da Silva Pereira Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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