P/1 – Você começa com o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu sou Selma Lucia Azevedo Russo, nasci no dia 22 de Maio de 1962 no Rio de Janeiro e completei 50 anos na semana passada, estou muito feliz com isso. Sempre vivi aqui no Rio de Janeiro, nasci no Catumbi onde eu...Continuar leitura
P/1 – Você começa com o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu sou Selma Lucia Azevedo Russo, nasci no dia 22 de Maio de 1962 no Rio de Janeiro e completei 50 anos na semana passada, estou muito feliz com isso. Sempre vivi aqui no Rio de Janeiro, nasci no Catumbi onde eu cresci e onde eu moro atualmente, ainda. E aí começa um pouco da minha vida profissional porque ela vem exatamente desde a gestação da minha mãe, eu sou filha de professora, a minha mãe era professora, é hoje professora aposentada, trabalhava na rede municipal e na ocasião em que ela engravidou de mim ela trabalhava em uma escola que ficava no morro do Catumbi, onde a gente mora e lá o acesso era por uma escadaria muito extensa e o fato de ela ter engravidado fez com que ela conseguisse um amparo pra uma escola do asfalto, Escola Municipal Estados Unidos e ela foi para essa escola comigo na barriga e quando eu nasci, naquela época havia um período de aleitamento, mas a minha mãe era uma pessoa muito séria, eu inclusive, parte da minha dedicação à educação e assim, desse compromisso mesmo com o trabalho eu atribuo a ela e o fato de ela estar ainda em licença, mas morar muito próximo a escola fez com que ela retornasse do aleitamento antes do período previsto. Então, eu era amamentada na Escola Estados Unidos, lá dentro e mais tarde, quando eu já estava na fase de escolarização foi para lá que eu fui, eu fui estudar lá. Só que quando eu fui estudar lá a minha avó, por parte de mãe, que era uma mulher muito dinâmica e uma mulher, assim, a frente do tempo dela, que tinha uma cabeça maravilhosa e que era, assim, o sustento emocional da família, de um modo geral, quer dizer, da minha mãe, do meu tio, ela ficou doente, isso eu tinha seis para sete anos mais ou menos e ela teve na ocasião uremia crônica, veio a falecer e eu acabei ficando, assim, porque quando a minha mãe estava trabalhando e ela trabalhava o dia todo porque sempre fez o que chamavam de dupla regência, quer dizer, ela trabalhava dois turnos, eu ficava com a minha avó, com a partida da minha avó, nós tínhamos uma empregada que não gostava de mim porque ela dizia que eu era muito atrevida
porque eu falava as coisas que eu achava que eu tinha que falar pra ela, ela queria mandar muito em mim, eu sempre fui uma pessoa extremamente autônoma, sempre tive, as pessoas diziam que os cabelinhos meio nas ventas, mas não era bem isso, é porque a minha criação, o momento em que eu nasci acabou me levando a isso, a minha mãe com a doença da minha avó, com a perda ela ficou, assim, muito mexida e eu tive que dar o meu jeito, eu tive que aprender a me virar sozinha desde pequena, isso acabou gerando uma autonomia maior né?! Então, eu ficava, com a partida da minha avó, na escola, na Estados Unidos, o dia todo porque eu não queria ficar em casa, eu não me dava com a empregada, o meu avô trabalhava ainda e aí eu ficava na escola. Então, eu passava os dias inteiros dentro da Estados Unidos, eu passei a minha infância inteira lá, completei lá até o, antigamente era primário que chamava, eu fiz lá até o sexto ano primário e aí como na escola não havia o ginásio, eu saí de lá e fui estudar no Botafogo na Escola Municipal Presidente Arthur da Costa e Silva e é claro que quando eu terminei o ginásio eu queria fazer Normal porque a escola já estava impregnada, passei no Colégio Estadual Inácio Azevedo Amaral que ficava no Jardim Botânico, era um local, assim, distante da minha casa e aí eu fiz o primeiro ano normal lá e no segundo eu pedi transferência para o Julio Kubitscheck ali na Praça Onze e lá eu completei o meu curso Normal e aí lá começou, assim, a história da minha vida na educação realmente.
P/1 – Então, antes de entrar na história da sua vida, vamos só voltar um pouquinho pra sua infância, daí você continua. Você falou da sua mãe né?! E o seu pai, o que ele fazia?
R – (choro) O meu pai era comerciante, trabalhava com comida, ele foi dono da Marlon Pizzaria lá do Catumbi e me ensinou o valor do trabalho na vida da gente, sabe? Me mostrou ao longo da vida dele e da minha também que o trabalho é o melhor remédio para tudo, você pode estar depressiva, você pode estar chateada, mas se você está feliz no seu trabalho você supera qualquer coisa e ele era uma pessoa iluminada, nunca ouvi o meu pai reclamar de nada, o meu pai só reclamou o dia em que ele não pode mais trabalhar e essa reclamação era uma coisa que mexia tanto com ele que eu arranjei, assim, algumas estratégias para que ele não se sentisse mal por não trabalhar, como ele trabalhava com doces, salgados, ele fazia coisas em casa né?! Ele fazia empadinha, ele fazia sonho porque isso tudo ele fazia na pizzaria, depois que a pizzaria foi vendida ele ficou trabalhando em casa por conta própria. Então, o meio que eu encontrei de ele não se sentir tristonho, depressivo, foi ele fazia e eu levava pra escola, vendia lá na escola, às vezes, não vendia tudo, mas aí eu dava e levava o dinheiro para ele e ele ficava muito feliz. Então, o meu pai foi uma pessoa com escolaridade até o terceiro ano primário, mas Phd em vida (choro) sabe? O conteúdo formal nunca fez falta a ele, um homem muito culto porque lia demais, dele vem a minha paixão pelos livros, escrevia muito bem, fazia versinhos sabe? Ele tinha até um, ele adorava café, então, ele dizia: “O café é preto como o diabo, quente como o inferno, puro como um anjo, doce como o amor, forte como Sansão que alegra e fortifica o meu coração...” e aí no final ele completava dizendo que: “Dá alegria de viver pelo prazer de o conhecer”. Então, toda vez que chegava alguém lá em casa ele oferecia o café e falava esse versinho, tanto que agora na partida dele a gente mandou fazer, aqueles cartões que a gente faz, tem a foto dele e eu aproveitei essas palavras dele e fiz uma homenagem a ele com isso. Então, eu acho que tudo que eu sou, que eu disse a você quando a gente estava conversando inicialmente, as três grandes pessoas da minha vida, claro que existem outras, mas os grandes sustentáculos das minhas raízes estão fincadas nele, no meu avô e nessa outra pessoa que foi a minha professora no Julio Kubitscheck.
P/1 – O seu pai, da onde que ele era?
R – O meu pai é filho de italianos nascido no Rio de Janeiro, nasceu em Santa Teresa no Largo da Neves, numero dez e começou a trabalhar aos oito anos de idade com o pai dele, era uma família muito pobre, o meu avô era feirante, tinha um armazém, depois, bem depois, primeiro era na feira mesmo, eles desciam a Rua Paula Matos e viam andando de Santa Teresa até a Praça Quinze onde eles compravam frutas, assim, várias coisas de mercado mesmo e vendiam e o meu pai era o filho que acompanhava o meu avô, ele era na ocasião o que tinha disponibilidade pra isso, o meu tio mais velho já trabalhava no mercado e quem acompanhava o meu avô era o meu pai. Então, ele levava o tabuleirinho das laranja, fazia troco, ele sempre foi muito bom em matemática e aí trabalhou muito pra isso, pra ajudar aos pais, quando serviu ao exército trabalhou lá no exército como motorista, teve chance de ficar lá dentro, mas ele sentia muito a falta dos pais, era muito apegado aos pais e aí conheceu a minha mãe quando ela ainda estava na Escola Normal, é uma história muito bonita sabe? Eles foram casados durante 56 anos e fizeram oito de namoro, então, eles têm 64 anos de vida em comum e aí tanto que eu sempre brincava com a minha mãe que se eu tivesse, eu sou separada, mas eu sempre digo a ela que o único homem que me faria casar novamente seria o meu pai , como eu não pude casar com ele
porque ele era uma pessoa encantadora, ele nunca tinha uma palavra de reclamação, você podia estar horrível, às vezes, era muito engraçado porque a minha mãe nunca foi uma pessoa vaidosa e ela acordava, às vezes, assim, completamente desarrumada e ele acordava muito cedo pelo hábito da vida toda de acordar cedo. Então, ela às vezes acordava e acordava descabelada, daquele jeito que as pessoas acordam e ele muitas vezes estava sentado na sala e dizia assim pra ela: “Ô minha querida a cada dia você está mais linda”. Então, realmente ele era uma pessoa que não tinha igual e aí agora com a partida dele ela ficou muito mexida e a gente entende até o porquê por que eu digo sempre pra ela, quando eles completaram 55 anos de casados eu escrevi um texto, eu amo escrever, eu tenho inclusive uma página na internet, eu tenho um site chamado ‘Para ler e Pensar’, é um site livre de escrita e quando eu tenho vontade de escrever eu escrevo lá, se você acessar você vai encontrar lá Selma Russo e quando eles fizeram 55 anos de casados eu escrevi isso pra eles que embora eu fosse uma pessoa descrente do casamento, eu não tenho intenção de retomar uma vida de casada, eu não acredito nessa instituição hoje, mas eu acreditava no casamento deles, quer dizer, eles tinham me dado a oportunidade de ver que era possível você encontrar realmente um casamento porque eles foram até o final muito ligados tanto ela a ele quanto ele a ela e eram pessoas completamente diferentes, o meu pai era muito carinhoso, mas era um homem, assim, com aquele carinho comedido, ela não, ela extremamente pegajosa , extremamente possessiva e ele era capaz, assim, de contornar todas as situações de maneira brilhante, de forma que ela não se sentisse magoada, então, ele foi um sábio, sabe? Ele me ensinou muitas coisas, quando ele ainda estava ao meu lado as vezes que ele falava pra mim tentar ponderar, a tentar suportar, eu muitas vezes não consegui, mas hoje eu acho que isso é um compromisso que eu tenho com ele pela história dele de vida e por tudo o que eu o vi suportar naquele hospital sabe? Então, eu acho que hoje em dia pra me tirar do sério tem que ser, assim, uma coisa
extremamente grave porque todas as vezes que eu penso em perder a paciência eu me lembro da paciência que ele teve até o final da vida. Então, o meu pai é um ícone na minha vida.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho uma irmã, uma irmã que também é professora, é professora e fez curso de psicologia, a psicologia ficou esquecida porque ela fez a faculdade, mas nunca exerceu, não tem o menor interesse, trabalha também na rede municipal, é professora de educação infantil, também atua como coordenadora pedagógica já está aposentada em uma matrícula, caminhando para aposentaria na segunda, ela é cinco anos mais velha que eu, assim, a gente tem uma relação boa, mas sempre fomos muito diferentes em temperamento, em forma de ver a vida, ela foi a primeira filha durante cinco anos, isso fez com que ela se tornasse uma bebê antes de conseguir crescer, foi uma menina que criou um vínculo de dependência muito grande das pessoas porque todos paparicaram demais, o que eu não tive de paparicos por conta da vida ela teve em excesso e todo mundo sempre perguntava quando via a mim e a ela juntas se eu era a mais velha porque a cabeça era completamente diferente, tivemos alguns entraves hoje temos um bom relacionamento até porque eu acho que o amadurecimento trás isso, você acaba compreendendo um pouco mais das pessoas e ela mora muito próximo da gente, depois da partida do meu pai também assumiu um pouco mais as responsabilidades dela como filha, isso sempre foi uma coisa que eu me questionava muito porque como eu me separei e fiquei morando com os meus pais aquilo acabou ficando, assim, meio que: “Bom, você está na casa, então, a responsabilidade é sua” e eu passei alguns pedaços com isso porque com a doença do meu pai muito prolongada eu não tinha direito a sábado, domingo, a nada porque alguém tinha que ficar e como ela era casada, ela tinha um marido, tinha a sua vida, a descasada era eu , não tinha marido, não tinha compromisso teoricamente até porque a minha mãe tinha essa mentalidade, então, eu é que ficava a maior parte do tempo, mas aí depois quando a situação se agravou ela passou a interagir um pouco mais e hoje em dia a gente tem uma boa relação, temos visões diferenciadas de educação, embora sejamos as duas da rede, até por conta do temperamento pessoal mesmo, mas é uma companheira, uma amiga.
P/1 – Selma, da sua infância você falou bastante da escola, assim, o que você gostava de fazer, você gostava de brincar?
R– Eu gostava de ouvir histórias. Lá na Estados Unidos havia, você não deve conhecer, assim, nem de nome a escola, a escola é uma escola lindíssima é uma escola de estilo grego, então, várias varandas com aquelas pilastras e muito espaço, muita árvore e lá na escola havia uma professora que era readaptada e ela ficava, assim, na escola pra fazer algumas tarefas que fossem sem pegar tudo, então, ela trabalhava um pouco na secretaria, ela atendia um pouco os responsáveis quando iam pegar boletim ou coisas dessa natureza e entre as funções dela era ficar com os filhos das professoras que ficavam lá o dia inteiro, eu era uma delas né?! Então, era muito legal porque ela contava histórias para gente sabe? Ela levava muitos livros, tinha uma cesta e ela nessa cesta colocava vários livros e aí cada dia um escolhia, era eu e mais quatro ou cinco filhos de professoras que ficávamos lá né?! Então, cada dia ela deixava um escolher e ela contava aquela história com tanto gosto sabe? Ela fazia os barulhos da história, ela criava um ambiente de fantasia, sabe? E ela levava sempre uma latinha onde ela colocava biscoitos, então, era muito prazeroso aquilo, a gente sentava na varanda que havia lá na escola e ficava lá sentada no chão ouvindo aquelas histórias da tia Maria, ela chamava Maria e ela levava os biscoitos e as histórias e eu passava ali as minhas tarde né?! Quando ela não estava na escola, quando acontecia de ela não estar na escola eu catava uma sala vazia e brincava de escola, então, eu tinha lá os meus alunos imaginários eu passava trabalho de casa, eu corrigia e enfim, eu imitava a minha realidade que era aquela que eu via das pessoas. Então, foi uma vida literalmente dentro da escola, principalmente da Escola Estados Unidos, eu nasci lá, estudei lá e pra lá eu retornei quando eu passei para o magistério e lá eu fiquei durante 23 anos, até que eu saí pra ir para Estácio, mas aí já é outra fase da minha vida, mais recente porque eu nunca me imaginei fora da Estados Unidos, a escola passou por muitas fases difíceis, era uma escola dentro de muitas comunidades, cercada por muitas comunidades, tivemos vários problemas de enfrentamento de facções dentro da escola inclusive de eles invadirem a escola com a gente lá dentro e apesar de tudo isso eu amava aquele lugar. Agora, a educação não é feita só dos grandes momentos, infelizmente, a gente tem entraves, a gente tem profissionais que encaram a educação pública como um bico, a gente tem pessoas “feias” que fazem com que a gente se sinta muito mal diante do que ouve, diante do que vê e ali infelizmente eu passei por várias situações como essa, até que a coisa atingiu a um limite insustentável e eu tenho um pouco dessa característica, eu costumo dizer que o meu suporte ele tem uma elasticidade que é, assim, infinita, mas que um dia essa elasticidade se arrebenta e eu nunca sei quando é esse momento, às vezes, ela dura um tempo, assim, absurdo e por uma pequena situação ela arrebenta e aí quando ela arrebenta eu não remendo nunca mais, aquilo acaba, entendeu? A Estados Unidos foi assim, foram 23 anos lá dentro, tentei ser diretora lá dentro porque eu tinha muita vontade de consertar a escola, não consegui, a primeira vez que eu tentei foi uma eleição, assim, muito complicada, a pessoa concorrente era uma muito “feia”, uma dessas pessoas muito “feias” né que a gente diz e até ameaças pessoais eu recebi na ocasião né?! Eu achei que não valia a pena colocar em risco a minha tranqüilidade por uma situação que eu via que não ia conseguir dar conta sozinha porque trabalho em educação solitário não existe, a educação é feita de parcerias e aí eu acabei deixando aquilo pra lá, continuei como regente, depois tentei a coordenação, também não deu certo até que eu passei em 2009 no concurso pra rede municipal, pra segunda matrícula pra P2 que era no ensino fundamental do 1º ao 5º ano e passei também para língua portuguesa, o meu objetivo era ser chamada para língua portuguesa, acabei ficando com a melhor colocação
com o P2 por causa do diploma de língua portuguesa que eu tinha que me dava acréscimo de pontos e aí eu fui para a segunda CRE e fui para na Estácio onde eu trabalhei com a Renata.
P/1 – Então, você fez qual faculdade?
R – Eu fiz letras na Veiga de Almeida, na antiga Veiga de Almeida, não na universidade né?! Eu estudei ainda no prédio ali da Rua São Francisco Xavier e essa questão da faculdade de letras é outra etapa da minha vida interessante, eu considero. Quando eu, eu falei pra você que eu fui para o Julio Kubitschek fazer o curso Normal quando eu terminei o antigo ginásio e lá eu conheci a segunda pessoa que eu digo que é o meu sustentáculo que foi a minha professora, o nome dela é Regina Paulino, ela foi a pessoa que me deu o primeiro emprego e meu o primeiro emprego porque eu sempre fui uma aluna muito chata, muito chata porque eu percebia os milésimos de pontos, eu nunca me satisfazia com a média, eu queria sempre estar acima da média e ela foi a minha professora de estrutura e funcionamento de ensino do segundo grau. Então, o primeiro bimestre, a primeira prova que eu fiz com ela, antigamente a conceituação nas escolas era A, B, C, D e E e havia uma faixa de notas que você tinha que tirar para conquistar esses conceitos né?! Então, eu me lembro que na prova que ela deu pra gente eu tirei uma determinada nota que me deixou com uma média que me daria um conceito B no boletim e eu tinha ficado com o conceito A em todas as outras disciplinas e aí eu fiquei, assim, inconformada com aquilo
porque eu queria A em todas as disciplinas e virei, mexi, remexi na prova até que eu descobri que ela havia omitido meio ponto que me daria a possibilidade de ficar com conceito A e eu fui cobrar dela o meio ponto e ela disse pra mim: “Bom, tudo bem, você está com razão, mas vamos fazer o seguinte? Eu já fechei a minha pauta, vou ter que mexer nos conceitos todos, então, eu deixo esse meio ponto para o segundo bimestre, pode ser?” e eu disse que não , que eu queria o meio ponto porque eu queria o conceito A e ela primeiro resistiu, resistiu, resistiu, mas acabou mexendo e eu fiquei com o conceito A e aí anos mais tarde, quando eu já estava, assim, quase pra terminar o curso normal ela disse pra mim que ela dirigia uma escola na Tijuca, uma escola chamada Escola Elza Campos e que ao final do anos ela gostaria que eu fosse lá pra ser entrevista pela direção, por ela porque ela gostaria de me ter como professora lá da escola e aí a gente já tinha um relacionamento bom e ela dizia pra mim que eu era boa aluna, mas que eu era muito chata , muito exigente e aí um dia eu perguntei pra ela: “Escuta, você sempre diz que eu sou tão chata, que eu sou tão exigente e você me quer trabalhando com você?” e ela disse pra mim: “É justamente pela sua chatice e pela sua exigência que eu quero você trabalhando lá” e aí eu fui pra lá. Ela me deu a primeira oportunidade profissional, eu peguei uma turma de educação infantil, trabalhei com o jardim e eu não tinha experiência nenhuma, eu saí da Escola Normal, me formei em 79, em Março de 80 eu já estava trabalhando já, com ela e foi, assim, difícil porque eu não tinha experiência nenhuma e quando você sai da Escola Normal você sai com muita teoria, mas prática, você faz algumas horas de estágio e mesmo assim você no ensino fundamental, eu não tinha feito nada em educação infantil e os três primeiros meses foram, assim, “desastrosos”, claro que não é nada de gravíssimo que aconteceu, mas eu não tinha como, assim, organizar aquele esquema todo de educação infantil, tanto que eu fui fazer um curso de especialização na tentativa de obter maiores recursos para trabalhar, mas ainda assim me faltava prática e aí as donas da escola porque eram duas donas e ela era diretora pedagógica, as donas da escola decidiram me demitir ao final do período de experiência, só que para me demitir elas teriam que passar, porque pra conseguir uma professora rapidamente para turma não ficar sem professor, elas pegaram uma auxiliar, passaram para regência e aí vagou uma oportunidade de ficar uma professora auxiliar. Eu, então, na ocasião, foi exatamente o período em que o meu pai comprou a nossa casa, nós morávamos então até aí de aluguel e ele havia conseguido comprar uma casa e essa casa eu ajudava a pagar com o meu dinheiro do trabalho lá na Elza Campos e como eu não queria ficar sem ajudar eu pedi a elas se eu poderia ficar então no lugar da auxiliar que estava saindo porque aí eu teria oportunidade de aprender, de viver a experiência de educação infantil de uma forma em que eu não teria as responsabilidade de uma regente e uma das donas da escola dizia para a Regina que eu era uma pessoa, assim, muito difícil de lidar porque ela me achava, ela dizia que eu tinha o nariz muito em pé e a Regina brigou muito por isso com elas e disse que se responsabilizava pela a minha permanência na escola e eu trabalhei com a Regina durante 20 anos. A Regina me deu oportunidade de no ano seguinte voltar a ser regente de educação infantil porque o que eu precisava era aprender aquilo que eu ainda não tinha de experiência, depois nesse período eu passei pra faculdade de letras, passei pra faculdade de letras porque na verdade eu queria fazer medicina, a minha intenção não era de ficar a vida inteira como professora, eu gostava muito de biologia e queria fazer neurocirurgia, eu não sei de onde eu tirei isso, mas eu queria. Só que quando eu comecei a fazer pré-vestibular pra tentar medicina, porque o curso Normal ele não dava base pra você fazer esses cursos, você tinha que ter mais base em biologia, física, química, matemática, na área de humanas eu era muito boa, mas nessas outras áreas o Normal não dava respaldo. Então, eu comecei a fazer Miguel Couto pra esses, a noite, eu trabalhava no Elza Campos e a noite eu fazia cursinho, só que aí nesse período o meu pai ficou doente, ele teve uma crise de hérnia muito forte e o comércio onde ele trabalhava precisava de alguém lá, a frente e aí eu saí do cursinho e fui ficar no lugar do meu pai, a gente sempre foi muito ligado, ele confiava muito em mim, a minha mãe precisava ficar com ele, então, eu parei o cursinho e ficava na loja, só que eu não queria ficar sem estudar porque eu sempre gostei muito de estudar e aí eu decidi tentar o vestibular pra uma área que fosse dentro do magistério e que me desse a possibilidade de continuar estudando fazendo uma universidade e a opção foi por letras porque eu adorava escrever, tinha lá as raízes da tia Maria, das escolinhas, da literatura. A Regina estimulava muito porque ela dizia que eu escrevia muito bem e aí eu fui fazer letras, passei para a Veiga de Almeida e fui fazer português/ literatura lá, fui uma das primeiras alunas no curso de formação, fui oradora da turma, quase morri de tanto chorar no dia da formatura porque foi uma oportunidade muito boa pra mim, uma coisa muito recompensadora porque eu trabalhava durante o dia todo e estudava a noite e quando eu tinha prova eu estudava de madrugada. O meu avô que foi a pessoa que praticamente me criou no lugar do meu pai por conta do meu pai trabalhar demais desligava o relógio de casa pra não ter luz para eu não virar a madrugada toda estudando, eu era muito exigente, mas eu não me arrependo um minuto dessa minha vida de estudos porque quando eu terminei a faculdade eu ainda estava lá no Elza Campos e aí a Regina me deu a primeira oportunidade pra trabalhar com português com turmas de terceiro e quarto ano, eu dava língua portuguesa lá, depois, eu fui trabalhar com o quinto ao nono, quer dizer, antigamente era quinta a oitava, a minha primeira experiência foi lá com redação e ela orientou a minha profissional toda. Quando eu passei para o Município eu tive que sair um período do Elza Campos porque o horário não era compatível e eu disse pra ela que eu não ia para o Município não porque eu não queria sair de lá, aí ela disse pra mim assim: “Você não vai sair daqui?” e eu disse: “Não, eu não quero sair daqui, eu não quero ir para o Município” aí ela disse assim pra mim: “Bom, então, está certo! Você não vai sair daqui por bem, você vai sair daqui por mal porque eu vou te mandar embora porque você precisa entender que o Município é a sua segurança, você tem que ter uma coisa garantida na sua vida, a escola particular é um segundo tempo na sua vida, mas o Município vai ser a garantia de que você vai ter um emprego para o resto da sua vida” e eu chorei muito sabe porque eu não queria sair de lá de jeito nenhum, mas ela botou o pé firme, eu saí, fiquei um período de uns dois anos fora de lá, depois eu voltei e fiquei nesse vai e volta para o Elza Campos a minha vida inteira, saí de lá quando a Regina saiu porque ficou doente e há quatro anos ela partiu, mas partiu, assim, de uma forma que eu tenho certeza que está sempre do meu lado sabe? Tudo que eu aprendi na educação eu devo a ela, ela foi a pessoa que me ensinou a acreditar na educação como a forma de você modificar pessoas dentro dos seus limites, é claro, ela me ensinou a acreditar nesse trabalho em equipe, me ensinou a acreditar nesse trabalho como a forma que você tem de mudar a sociedade de alguma maneira e eu realmente só tenho a agradecer a ela, sabe? A ela, a outras pessoas que passaram pela minha vida, eu tenho também uma grande amiga que eu costumo dizer que é minha irmã, eu digo que eu tenho uma família biológica e tenho uma família espiritual, sabe? A Regina foi a minha mãe espiritual e eu tenho uma espiritual que trabalha comigo, a gente fez agora em Março
bodas de prata de amizade e de trabalho na educação que é a Aracely Carvalho. A Aracely está comigo há 25 anos e nós já tivemos, assim, várias situações que poderiam ter nos separado, nós fomos para algumas escolas particulares juntas porque sempre fizemos tudo muito juntas e as duas vezes em que eu saí das escolas particulares, a primeira foi no Colégio Bennett onde eu trabalhei durante um ano e a rede particular ela tem algumas questões em que você pra aceitar tem que ter maturidade, eu acho que o que me faltou realmente foi maturidade lá porque você vê algumas questões erradas, você sinaliza, mas nem tudo você pode sinalizar e a demissão veio, fatalmente, eu fiquei lá durante um ano, mas a demissão veio por conta disso né?! Eu batia de frente com as coordenações e o colégio ao final, quando me demitiu, colocou a Aracely exatamente no meu lugar, na ocasião todo mundo achou que aquilo seria motivo pra separar, nunca separou porque a nossa amizade ela ultrapassou o trabalho, ultrapassou o amor pela educação. Depois a gente trabalhou juntas no Colégio Cruzeiro, onde eu também fui mandada embora e ela ficou, hoje ela é coordenadora do Colégio Cruzeiro e eu fiquei só na rede municipal e hoje a gente trabalha na Calouste, onde eu sou coordenadora, juntas, ela é orientadora educacional e eu coordenadora pedagógica.
P/1 – Selma, você tem filhos?
R – Tenho. Tenho uma filha com 24 anos, chama-se Luana Regina, chama-se Luana Regina em homenagem à Regina. Minha filha é uma pessoa que tem muito de mim como pessoa, em termos de temperamento; mas eu costumo dizer que ela é uma edição melhorada porque pertence a uma outra geração, porque tem uma visão que eu agradeço muito a Deus por ela ter que ela é uma apegada-desapegada. Quando eu falo em apegada-desapegada eu quero dizer que ela tem carinho pela família, ela está presente, mas ela sabe caminhar pelas próprias pernas. E o meu objetivo como mãe sempre foi esse; eu nunca fui uma mãe excessivamente apegada à minha filha porque eu acho que isso não é saudável; eu acho que nós temos que ter os nossos espaços, nossos limites e nossos pensamentos independentes pra caminhar pelas nossas próprias pernas. Isso foi uma preocupação que eu sempre tive muito grande; eu acho que a dependência, eu vejo assim, até tiro um pouco pela minha mãe; a minha mãe foi uma pessoa muito ligada à mãe e ao meu pai. Quando a minha mãe perdeu a minha avó ela passou por vários problemas de desequilíbrio emocional, levou muito tempo pra conseguir recuperar. E eu assisti a tudo isso muito criança ainda, sabe? E foi uma coisa que marcou muito pra mim. E agora quando o meu pai se foi o princípio foi muito difícil pra ela também. Então eu acho que esse apego excessivo é uma coisa nocivo, sabe, e eu sempre coloquei isso pra minha filha. Eu amo a minha filha, mas eu não sou dona da minha filha, ela tem que caminhar pelas próprias pernas. Tanto que ela quando terminou o ginásio eu coloquei pra fazer um curso profissionalizante. Eu nunca quis que ela fizesse o ensino médio puro porque eu queria que ela tivesse responsabilidade e algum tipo de defesa profissional cedo porque hoje eu to aqui fazendo esse trabalho e posso chegar ali fora e não ta mais e a gente precisa saber caminhar sozinha. Então ela fez o ensino médio Técnico em Informática e no ano seguinte quando ela terminou ela foi chamada pra trabalhar. E ela trabalha, assim como eu, desde os 17 anos e eu acho isso uma coisa muito legal. Tem uma visão muito ampla, ela faz Direito na Veiga de, na Veiga, não, na Estácio de Sá, forma-se o ano que vem.
E embora ela tenha o perfil de estudante muito diferente do meu porque aí entra a geração atual onde tudo é muito tranquilo: “Não, mãe, tranquilo.” “Não, mãe, tem prova, mas ta tranquilo, mãe; já estudei, mãe.” E eu fico desesperada, muitas vezes, porque eu acho que ela não estuda nada, sabe, na minha estudar é outra coisa completamente diferente. Mas eu consigo entender, sabe, eu só me preocupo porque eu acho que o mercado de trabalho hoje é extremamente competitivo. Hoje em dia não basta você ser bom; é claro que a gente sabe que tem o fator sorte; é claro que a gente sabe que tem os “ques” da vida. Mas acho que quando você ta preparada, quando você tem respaldo isso tudo fica um pouco balançado; quando você não tem esses fatores que estão por aí são muito mais fortes. Então a minha preocupação é com relação a isso. Agora eu a vejo bem sedimentada, se você pergunta qualquer situação do que ela já vivenciou até agora ela é muito safa, sabe, até porque sempre trabalhou em situações ligadas ao Direito. Então embora ela não tenha a teoria ainda muito aprofundada ela tem a prática, que é uma coisa que auxilia muito. Então, às vezes, eu fico impressionada, sabe; e aí nessas horas eu sempre choro porque eu, embora não seja uma mãe muito babona, eu tenho orgulho de ver que a minha filha consegue perceber as situações profissionais dentro da vida dela. Então eu tenho liberdade pra perguntar: “Luana, essa situação assim e assim, se eu entrar com uma ação você acha que é possível?” E ela te responde assim prontamente com desenvoltura que eu fico boba. Às vezes, eu até pergunto a outras pessoas; não é possível, será que a Selma ta falando a verdade? E quando você vai ver, realmente é aquilo. Recentemente, quando meu pai esteve internado no Hospital, nesse período das doenças dele, ele passou por uma situação muito constrangedora onde ele ficou internado; e isso me deixou enfurecida. Então eu entrei com uma ação contra o Hospital por conta do que eles fizeram meu pai passar. E aí o advogado, eu procurei um advogado porque como ela não ta formada ainda ela não poderia. Eu tenho uma amiga que tem um filho, que é formado, já atua e ele deu entrada no processo. Ela acompanha o processo, assim, ela me passa todas as informações; inclusive
houve uma pendência no processo e foi ela que descobriu e foi avisar o advogado
e ele disse pra mim: “Olha, tua filha é fogo, hein, ela fica ali”. E isso é muito legal porque você sente que ela realmente ta aproveitando. E pra pagar uma faculdade hoje é muito difícil a Estácio é uma faculdade cara. Então, quando a gente paga e vê que o aproveitamento ta sendo recompensador, a gente já se sente recompensada mesmo que a coisa não vá naquele nível que você esperava em termos do estudo; mas eu tenho que respeitar o ritmo e a maneira dela ser.
P/1 – E, Selma, como você ficou conhecendo esse projeto do Discovery Channel?
R – Bom, como eu te falei, em 2009 eu fiz concurso pro Município, porque eu já tinha uma matrícula e fazia dupla regência. E a dupla regência ela só te dava o salário imediato; ou seja, enquanto você tava trabalhando você recebia, quando você parava de trabalhar você parava de receber. E em termos de aposentadoria isso não contava pra nada; se eu tivesse ficado até os 25 anos no magistério fazendo dupla regência eu teria o salário até o mês de janeiro, né que é referente a dezembro e aí até pegar a nova regência eu ficaria sem pagamento e tal. Então, o que aconteceu foi que eu resolvi fazer um novo concurso pra poder obter uma segunda matrícula na rede municipal. E aí eu resolvi que eu ia fazer pra P1, que era minha área de formação. Fiz o cursinho preparatório porque eu queria ta assim muito bem preparada, a mania do estudo, aquela coisa de estar muito bem preparada, fui fazer um cursinho no servidor. Fiz a minha inscrição pra P1 e estudei, me dediquei o tempo todo pra Língua Portuguesa. No último dia de inscrição, uma amiga minha que estava fazendo cursinho junto comigo disse assim: “Você viu que vai poder fazer pra P1 e para P2 porque as provas vão ser em horários diferenciados?” Aí eu disse pra ela: “Não, não sabia disso não.” Ela disse: “É, você se inscreveu?” Eu disse pra ela: “Claro que não; não quero outra matrícula de P2, P2 eu já tenho uma. Eu quero uma de P1.” Aí ela disse assim pra mim: “Deixa de ser boba, faz; não ta tão caro assim.” Aí eu disse pra ela: “Ah, não, não quero; vou obter uma matrícula como P2 pra quê, menina, trabalhar a semana toda? Não quero.” “Faz, Selma.” “Não quero.” “Faz, Selma.” “Não quero.” “Faz, Selma.” “Não quero.” A Regina disse assim pra mim – ela ainda tava nessa época, eu comentei isso com ela e ela disse pra mim: “Ah, sabe o que que eu acho? Eu acho que essa menina ta com a razão; eu acho que você devia fazer, sim, porque é sempre uma cartada a mais.” E aí eu me inscrevi no concurso pra P2 também. E me inscrevi no concurso pra P2 numa CRE diferente; porque na primeira CRE, na Estados Unidos, tava muito difícil trabalhar na escola, a escola tava muito desorganizada, me sentia extremamente infeliz lá. Então eu resolvi tentar pra uma outra CRE; e aí me inscrevi pra uma segunda CRE. Fiz o concurso, qual não foi a minha surpresa passei pros dois. Mas assim certa de eu não ia ser chamada logo pra P2, e que se eu fosse chamada pra P2 eu ia dizer: “Não quero.” O tempo passou e qual foi a primeira chamada? P2; segunda, CRE. Aí começou a novela da perícia; a gente passa por uma perícia tem a prova de aptidão física, mental. E quando eu fui pra perícia – isso foi em fevereiro de 2010. Eu fiz concurso em 2009; em fevereiro, no dia 08 de fevereiro, foi no dia do aniversário do meu pai que eu fui chamada, de 2010 eu fui chamada pra assumir a matrícula de P2. Quando chegou na Biometria eles perguntaram se eu tomava medicamento, se eu tinha algum problema de saúde; e eu contei pra eles que eu fazia uso de Certralina porque uma das épocas, um dos períodos que meu pai ficou muito ruim – entre os dez AVCs que ele teve – eu desenvolvi uma síndrome do pânico. E aí o médico passou Cloridrato de Certralina e eu fiquei tomando. Agora, quem não tem síndrome do pânico ou não teve síndrome do pânico hoje em dia você conta nos dedos. E se você faz acompanhamento com o remédio você ta acompanhada com o médico. Eu achei aquilo tão comum que eu disse à médica da Biometria. E ali foi assim um parto porque eles me reprovaram três vezes por causa da Certralina. Eu passei com Psiquiatra, eu levei atestado dos meus médicos, eu levei declaração da Escola porque eu atuava o dia inteiro, eu tinha dupla regência. Só que eles diziam pra mim que eu não podia atuar em dupla jornada e eu dizia pra eles: “Mas eu atuo.” “Não, você tem outra função.” E eu dizia: “Não, a função é a mesma; eu sou P2.” Bom, resumindo, eu fui reprovada três vezes; na terceira vez que eu fui reprovada eu disse que eu ia largar pra lá, que eu não queria mais, que eu não ia correr mais atrás daquilo. E um grande amigo meu, advogado, disse pra mim: “Não, você vai; você vai entrar com recurso porque isso não tem sentido. Você vai entrar com recurso e você vai anexar.” Porque todas as vezes que eu ia à Biometria e pedia pra ver o processo eles negavam a vista de processo. Então ele me fez montar o último recurso e pedir uma cópia do processo montado. Eu disse pra ele que eu não ia fazer; ele disse pra mim que eu ia fazer. E como eu gostava muito dele ele foi comigo à Secretaria de Educação e lá ele se apresentou como meu advogado e comunicou que, se por acaso eles não me dessem a cópia do processo, que ele iria entrar com uma ação contra o Município. Isso foi em agosto; em setembro eles ligaram pra Escola me chamando pra assumir. Eu tinha deixado de ser maluca
e podia assumir a segunda matrícula.
P/1 – E foi nessa Escola que você conheceu o Discovery Channel?
R – Foi.
P/1 – E como é que foi, como é que você começou a trabalhar com esse projeto em sala de aula?
R – Bom, eu fui pra Estácio de Sá, uma Escola maravilhosa, dentro do Forte São João, na Urca; eu cheguei lá no dia 15 de setembro, foi quando eu comecei a trabalhar. Encontrei lá pessoas maravilhosas; uma Diretora que me fez re-acreditar na educação pública, que foi a Cleide; amigos maravilhosos que me deram um apoio enorme em 2011, que foi o ano passado, o ano fatídico da doença do meu pai. E a questão do projeto foi muito engraçado porque a Escola ela já desenvolvia esse trabalho. E eu sempre gostei, sempre tive assim paixão por projetos. Na Estados Unidos o que acontecia era que ninguém comprava a ideia. Eu trabalhei lá, no período que eu trabalhei, havia um projeto chamado Projeto Sangario.
P/1 – Mas eu gostaria que agora você desenvolvesse.
R – Não, eu sei.
P/1 – Desenvolver mais sobre a Discovery.
R – E ninguém comprava aquela ideia; e eu ficava muito frustrada com aquilo. Quando eu cheguei lá na Estácio, que eu fui apresentada pras oportunidades de trabalhar com vídeo, de trabalhar dentro de uma linha que desenvolvesse essa capacidade de percepção da criança sem ser focada em livro, em quadro, em caderno, eu fiquei deslumbrada com aquilo. E eu comecei, como eu entrei no final do ano já, algumas coisas eu tinha que fazer, algumas estratégias eu precisava usar pra segurar a turma, porque era uma turma que já tinha vindo de três professores e eles adoravam vídeo. As professoras anteriores, como eles gostavam muito, elas: “Ah, tão fazendo bagunça? Vídeo.”, que era pra segurar. E aí quando eu comecei a trabalhar com eles dentro de outras estratégias; quer dizer, eles não tinham uma rotina de trabalho. Eu passei, eu chegava à sala a primeira coisa que eu fazia com eles era colocar a rotina escrita no quadro, eles tinham que copiar a rotina no caderno. E ali a rotina era assim o norte da gente e eles faziam aquilo e a gente via, eles perguntavam: “Agora é o vídeo? Agora é o vídeo? Agora?” E eu dizia pra eles: “O vídeo virá, mas a gente precisa cumprir com algumas tarefas.” Só que o vídeo é fantástico; mas o vídeo tem que ter um desdobramento. Não pode ser: bota o vídeo lá, o cara assiste e acabou. Você tem que tirar dali, você tem que extrair dali os recursos pra que a aprendizagem ocorra. E eu dei sorte porque eu peguei uma turma de 3º ano que precisava trabalhar, alguns foi na ocasião quando eu cheguei ia ter era um trabalho sobre a África. E aí havia um DVD dum personagem chamado Kiriku, que era um personagem africano, uma lenda africana. E tudo começou com Kiriku. Eu peguei o vídeo, levei pra eles; foi muito engraçado porque eu pedi, esse vídeo eu na verdade não tinha o DVD. E eu pedi à minha filha pra baixar pela internet; então ela baixou. Só que quando ela baixou ela baixou pelo Youtube, então gravou a fala mas não tinha imagem; e tinha imagem no meu computador, mas não pra passar para o pendrive ; precisava dum programa específico pra aquilo. E eu fui toda contente; quando eu coloquei lá o DVD, não, foi um DVD que eu gravei. Quando eu coloquei o DVD que aparecia a fala mas não tinha imagem, as crianças diziam pra mim: “Tia, cadê o desenho, cadê o desenho?” Eu dizia: “Meu Deus do céu, essas crianças vão me matar; que que vou fazer agora, só tem a fala?” E na hora, sabe.
P/1 – Mas isso não faz parte do programa Discovery Channel?
R – Foi o ponto de partida pra eu chegar no Discovery. O que que eu fiz? Eu disse pra eles: “Não, olha só, isso é, eu quero que vocês imaginem quem é Kiriku, como ele é.” E aí eles entraram na onda eles ouviram, eles criaram o personagem, a gente falou sobre a África. E aí é que entrou a Discovery. Porque quando eu contei à Renata, que esteve lá na Escola porque ela ia, ela não me conhecia ainda, tinha pouco tempo que eu estava lá. Ela foi um dia pra assistir a aula de outras professoras e me conheceu. E eu contei pra ela essa situação, ela achou divertidíssimo e disse pra mim: “Olha, a gente tem o projeto aqui que tem vários vídeos que fala sobre a África.” Então eu pude usar os DVDs da Discovery como enriquecimento; e a gente fez um trabalho enorme em cima dos DVDs. Um que falava sobre a África, propriamente dita, a localização geográfica. Eu tive um aluno que levou uma pesquisa enorme que a avó ajudou a fazer e ele mostrou no globo pras pessoas; ele era um garoto assim muito rebelde, mas que falava sobre Geografia de uma maneira impressionante, sabe? Então o dia que eu passei o vídeo que falava sobre a África, a localização geográfica, o continente, ele ficou embevecido com aquilo. E ele trouxe uma pesquisa toda pronta que ele fez com a avó pra Escola e quis apresentar aquilo pros colegas, entendeu? Então ao final do ano, em cima dessa, porque aí eu comecei a conhecer os DVDs e aí inseri aquilo com frequência. Toda vez que eu queria lançar alguma noção eu recorria ao programa. E como foi de setembro a dezembro, o tempo foi curto eu usei várias vezes, mas não tive assim uma oportunidade de fazer um aprofundamento maior de todos os projetos que eu podia desenvolver dentro da Discovery, entendeu? Isso acabou explodindo de uma forma muito legal o ano passado, em 2011 porque aí eu já estava na Escola; eu levei a minha segunda matrícula que era da Estados Unidos, saí, foi o ano que eu rompi definitivamente, foi em 2010. Eu pedi remoção, fui pra Estácio, fiquei com as duas matrículas lá e aí lá eu trabalhava o dia inteiro. E toda semana tinha um trabalho ligado ao projeto da Discovery. A gente desenvolveu um trabalho sobre animais e foi uma coisa muito legal. Até a Maritza foi lá assistir, a gente fez um desfile de animais com base no estudo de animais que foi feito nos vídeos. A gente trabalhou a parte toda de metamorfose com um vídeo que havia que mostrava a transformação da lagarta e a lagarta saindo do casulo. Então eu usei nesse vídeo a estratégia de parar o vídeo, eles observarem e depois eles tinham um caderno que é o caderno de projetos. Nesse caderno de projetos eles registravam todas as vezes que a gente usava a Discovery, entendeu? A gente fazia, eu passava o filme, a gente fazia discussão, eu aprofundava e aí ali a gente fazia a produção coletiva e eles faziam a parte ilustrativa. Esse trabalho da borboleta, da metamorfose da lagarta foi inclusive lá pra, quando a gente teve a mesa redonda lá na Avenida Chile, lá na Petrobrás, o trabalho foi pra lá; ele foi mostrado, eu participei da mesa redonda lá falando sobre o trabalho. As crianças levaram seus animais pra Escola, teve cachorro, teve peixe, teve passarinho, teve tudo. E não só na parte de Ciências, mas Matemática, eu explorei porque tinha uma parte lá que falava sobre a formação, a história dos números naturais e era uma forma que eles conseguiram realmente prender a atenção e tinha o apelo de eles estarem vendo a coisa com movimento. E o ano passado eu tive duas turmas de 2º ano; quer dizer, a criança nessa faixa de 2º ano ela ta em constante movimentação. São crianças na faixa entre sete até oito; então eles têm uma agitação constante. E aí nós fizemos, quando houve a Feira de Ciências lá na Escola, o desdobramento todo foi em cima da Discovery. A gente fez vegetais nós fizemos planeta e as estações do ano, nós fizemos a formação da terra porque tudo isso tava dentro do projeto, dentro dos vídeos.
P/1 – E de que forma você sente que essa ferramenta colaborou, vem colaborando com o aprendizado dos seus alunos?
R – Exatamente pelo que eu to te dizendo; hoje em dia a criança ela ta muito voltada a educação hoje não pode mais ser aquela educação tradicional em que você usa meios ali dentro daquele padrão antigo. Se você se prender ao livro, ao caderno e ao quadro você não atrai a criança pra Escola. Tem até uma explicação, a Informática hoje te dá, é uma ferramenta poderosíssima. Você tem, na rede pública, por exemplo, nós temos o projeto da Educopédia; você tem aulas prontas, dinâmicas, onde a criança atua ali o tempo inteiro. E a Educopédia, infelizmente, ela não está pronta pra ser usada por todos da maneira como ela pode ser aproveitada. Mas o ano passado, pelo menos, ela só funcionava do sexto ao nono. Agora quando você utiliza os vídeos, quando você utiliza esse tipo de trabalho você ta mostrando pra criança a experiência comprovada porque ele sabe que aquilo ali não é um filminho inventado. Isso, inclusive, era uma coisa que eu sempre procurava fazer um paralelo, sabe, eu passava o DVD da Discovery – como eles tinham a linguagem científica. E, a partir dali, eu passava um outro filme. Teve um trabalho que foi muito legal, que eu me lembro, quando a gente estudou a parte de aves, de mamíferos; eu me lembro que a gente fez um trabalho, tinha um que falava sobre o pinguim, um DVD da Discovery mostrava a vida dos pinguins. E aí depois eu passei pra eles aquele filme do “Ta dando onda”, que é a vida, a história dos pinguins em forma de desenho animado. Então através daquilo eu tirava todas as áreas de estudo porque eles viam a linguagem científica que se prendia ao estudo do animal e eles viam a linguagem fantasia, que era a do pinguim falando, a vida do pinguim contada através das travessuras dele, a vida em sociedade. Então, com essas ferramentas você desenvolve qualquer área de trabalho, entendeu, e de uma forma prazerosa; porque você prender, ainda que seja por quatro horas e meia uma criança na sala só com cópia você não consegue. Eu até conheço pessoas que se calcam no trabalho tradicional e dá certo, mas eu acho muito chato. A minha natureza é muito mais voltada pra esse tipo de trabalho, eu acho uma coisa dinâmica; eu acho que você ta dando a ele a oportunidade de conhecer o mundo como ele é lá fora, sabe? Se você se limita a fotografia de livro você não disponibiliza pra ele outras interpretações; é a oportunidade dele ver outras linguagens, é a oportunidade dele conhecer até a própria questão de que o vídeo ele é uma ferramenta da educação, sim, mas que ele tem que ser bem aproveitado. Tanto que depois eles diziam assim pra mim, às vezes: “A aula hoje é de vídeo ou sem vídeo?”; quer dizer, eles perderam aquela ideia de que o vídeo era só pra matar o tempo ou só pra eles ficarem quietos. Muitas vezes
a Renata dizia assim pra mim: “Selma” – é porque os vídeos eram divididos em programas. E às vezes
eu botava lá, quando a gente abria os vídeos da Discovery e vinha aquela introdução; eu tinha programa um, dois, três e quatro,
aí eu me programava pra usar o um. Quando acabava o um eles diziam assim: “Ah, tia, bota o dois.”
Aí eu olhava pra cara dela, porque a Renata ia muito às minhas aulas, e ela dizia: “É muita coisa.” Aí eles: “Ah, não, tia, deixa.” E eu botava o dois e botava o três e botava o quatro e não era uma coisa cansativa. O que que eu fazia sempre, que às vezes eu escutava alguns comentários que me irritavam um pouco, sabe, do tipo assim – isso eu digo dos colegas porque eu acho que na educação a gente ainda tem muito profissional que ainda não entendeu
que pra você trabalhar nessa área hoje em dia você precisa acompanhar a evolução do mundo. Se você se prender a algumas raízes, se você achar que tem que ser você não vai chegar lá, você não consegue; você tem que ter flexibilidade, você tem que ter maleabilidade pra lidar com o aluno, pra lidar com a criança, com o jovem, com tudo. Então, às vezes, eu dizia assim: “Por que que você não usa esse DVD aqui pra lançar?” “Não, isso é muito difícil.” E aí eu calava minha boca
porque aquilo ali é uma ferramenta e cabe a você, como orientador daquele trabalho, extrair o que é importante. Então eu dizia, quando a gente estudou vegetais, o que me importava? O que me importava era que eles entendessem que os vegetais tinham classificações; que existiam flores, frutos, raiz, ver germinação, aquilo era o foco que eu queria. Só que é claro que dentro daquele programa eles falavam: as briófitas, as pteridófitas,
e não sei mais o quê. Aí eles diziam pra mim assim: “Tia, o que é isso?” E eu dizia pra eles: “Olha só, isso vocês vão aprender mais tarde; são tipos de flor.” Eu dava a explicação que eu compreendia porque eu também não sou professora de Ciências, eu não sou formada naquilo, não tenho obrigação de saber tudo; mas o meu foco era que eles vissem como a planta germinava, como ela crescia. Então, você pode usar na educação, tanto pra cima quanto pra baixo, qualquer coisa, desde que você saiba manusear aquilo. Eu costumo dizer que você pode trabalhar Chapeuzinho Vermelho da educação infantil à Pós-graduação. O que vai, a história vai ser a mesma, o que vai mudar é o foco que você vai dar pra aquilo ali. Tanto que você tem um livro que chama Psicologia dos Contos de Fadas, onde eles abordam toda questão que o indivíduo pode desenvolver, em termos de complexos ou em termos de raízes, através dos contos de fadas que eles ouviam na infância. E ali você tem o quê? O trabalho com conto de fada. Agora, você não ta contando a historinha pra criança, entendeu? Então eu acho que o projeto ele é super-possível e super-pertinente em qualquer momento, sabe? Tanto que uma das coisas que eu lamento é ter perdido esse vínculo com o projeto por conta da Escola lá onde eu trabalho atualmente não ter o projeto da Discovery, propriamente dito. Agora eu tenho feito, e eu já disse pra Renata que eu sou muito insistente, toda vez que eu falo com a Maritza ou com ela eu pergunto: “E a minha Escola, não vai?” porque existe um projeto na 1ª CRE, na Juga Lopes. E eu não perco as esperanças, não. Tanto que eu já montei lá na Calust, uma coisa, a primeira inovação que eu fiz foi uma sala de vídeo; tem uma sala montada com tudo que é aparelhagem necessária pra que os professores possam trabalhar com a Educopédia, com Youtube, com vídeos que eles levem, entendeu, porque isso é o que vai segurar o aluno na escola hoje; é um trabalho ligado a essas novas tecnologias.
P/1 – E os pais, assim, você chega a ter algum retorno dos pais nesse momento que você usava o vídeo, o que que eles comentaram, qual era o retorno deles?
R – Eu usava, inclusive, com os pais. Todas as reuniões que eu dei lá na Estácio eu sempre usei algum vídeo como ponto detonador, alguns da própria Discovery. Me lembro bem de um trabalho que a gente fez, que foi até uma sugestão da Renata, que foi muito legal, na primeira reunião que eu dei pros pais no 2º ano que falava dos diversos tipos de mães. Mostrava o orangotango – agora não me lembro de todos os bichos – mas me lembro bem do orangotango porque era a mãe que ficava carregando o filho enquanto ele era canguru, leoa, eram quatro. E aí a gente passou o vídeo pros pais e aí depois a gente lançou como dinâmica, pra começar a reunião, em que tipo de mãe eles se encaixavam. E qual.
P/1 – O pai também, no caso?
R – É; não, o responsável, porque a maioria que ia era mãe; mas o responsável que estivesse lá presente. Em qual daquelas espécies eles mais se encontravam, mais se encaixavam. E foi um retorno muito legal, tanto que a gente montou um mural com isso; tem, inclusive, lá na Escola acho que a Renata tem as fotos; porque quem montava o mural da Chevron era eu. Eu gostava tanto, aquilo era uma coisa que me deixava tão feliz, sabe, eu gostava tanto de fazer, que eu tirava, a gente fotografava e ficava assim muito legal. E eles gostavam muito e sempre comentavam do interesse dos filhos, de como eles contavam. Porque esse caderno do projeto que eu fazia com eles que ia pra casa; muitas vezes a tarefa de casa era usada ali e eles levavam esse caderno pra casa. E a gente sempre orientava, até porque eles eram alunos de 2º ano, a gente orientava que os pais participassem, perguntassem o que era aquele trabalho, como aquilo tinha sido desenvolvido e as crianças contavam direitinho. Então havia uma participação indireta deles e eu ficava muito satisfeita porque cada vez que um pai relatava que a criança tinha contado o que tinha acontecido na aula, você ficava com a certeza, era o feedback de que aquela aprendizagem tinha realmente acontecido porque ele transmitia, era capaz de transmitir pro pai, de contar aquilo pro pai e demonstrar que ele tinha assimilado o conteúdo que eu tinha trabalhado.
P/1 – Você falou que você sentia muito prazer em trabalhar com esses vídeos.
R – Muito.
P/1 – Com esse projeto; porque, o que que te dava esse prazer assim? De onde vinha?
R – O retorno?
P/1 – É, a sua motivação?
R – O retorno de uma aprendizagem efetiva, sabe, da certeza de que a criança estava aprendendo com prazer. É muito ruim a gente ter que aprender alguma coisa obrigado. Eu tenho como experiência, o que eu sempre, o que eu tenho de paixão pela escrita, pela descoberta, eu tive de trauma durante muitos anos com a Matemática porque eu aprendi Matemática de uma forma assim, era a imposição. Eu dei muita sorte com os professores de Português que eu tive; em compensação não fui feliz com a Matemática. E eu acho que tudo aquilo que você aprende por imposição você esquece. E o mecanismo que eu encontrei pra aprender Matemática foi associar Matemática à interpretação. Então eu trabalhava muito a situação-problema com os meus alunos porque era a forma deles aprenderem através da interpretação, sem eu ter que obrigá-los. Eu tenho pavor de tudo que é obrigado. Tabuada pra mim é, eu colocava lá na parede e eles podiam consultar a tabuada livremente porque a tabuada não garantia; as pessoas diziam pra mim: “Você ta dando cola.” Não estava, porque se ele não soubesse desenvolver o mecanismo da conta, a tabuada podia estar lá porque ele ia tirar zero do mesmo jeito. Então quando eles diziam pra mim, assim, às vezes: “Tia, eu não.”, quando eu tinha que aplicar, por exemplo, uma prova de Matemática, como professora de sexto ao nono e que eles diziam pra mim: “Professora, eu não sei a tabuada.”, “Constrói a tabuada, constrói; faz os conjuntos.” Porque tudo que você constrói você não esquece. E a tabuada, a visualização da tabuada tantas vezes acaba fazendo com que você guarde, sem a obrigatoriedade de estar decorando aquilo. Quando você trabalha com o projeto é exatamente isso que você faz na criança. Você instala na criança um conhecimento sem ela saber que ela ta aprendendo; quer dizer, ela sabe que ela ta aprendendo, mas ela não ta com aquela visão de: “Eu estou na Escola, eu estou estudando.” Ela ta se divertindo, ela ta vendo, ela ta visualizando as situações de uma forma muito clara, entendeu? Então você perceber: “Afinal de contas, qual é a minha meta qual é o meu objetivo como educadora? Não é transformar os pensamentos, não é transformar a criança, não é fazer com que a aprendizagem ocorra?” É esse. Então eu só vou sentir que valeu a pena o meu empenho, que eu consegui atingir os meus objetivos se eu percebo que a criança aprendeu. E se ela demonstrar isso quando ela passa o que ela vê no vídeo é porque eu consegui dar o meu recado.
P/1 – Que legal.
R – É muito frustrante; eu costumo dizer que a gente, infelizmente, na educação eu tenho colegas que se sentem vitoriosos quando eles reprovam uma turma inteira. Eu me sentiria péssima porque se você atinge, e a educação ela é, tem que ter esse cuidado, sabe, ela ou constrói ou destrói. E quando ela destrói ela destrói mesmo; ela exclui de uma forma que não tem volta. O professor ele tem uma responsabilidade enorme nas mãos porque da mesma forma que ele leva alguém a ir adiante, ele mata. Às vezes, uma vez eu ouvi de uma pessoa assim: “Ah, médico e professor são profissões importantes; mas o médico ele tem uma responsabilidade muito maior porque ele pode matar.” Eu concordo parcialmente com isso porque eu acho que os dois matam. O médico mata a vida biológica, se ele errar; e o professor mata a vida de formação, se ele errar. Se você diz pra um aluno que ele é incapaz, quando ele ta numa fase de transição ou de formação, ele vai carregar aquilo pra vida toda e pra você tirar aquilo dele é muito complicado. Então eu acho que esse prazer existe quando a gente percebe que a gente conseguiu cumprir a nossa meta como educador.
P/1 – Que bacana. E hoje quais são os seus sonhos, Selma?
R – Bom, o primeiro é ter o projeto na Calust, a Escola onde eu to porque eu acho que ali é o lugar onde eu agora atuo como Coordenadora Pedagógica. E o Coordenador Pedagógico ele tem que ter ferramentas pra oferecer de maneira a modificar a realidade com a qual ele ta trabalhando. Eu fui pra lá sabendo que aquela Escola era uma escola de DEB muito baixo, o índice de Desenvolvimento de Educação Básica lá é muito baixo. E a minha meta, obviamente, é fazer com que esse DEB cresça. E eu preciso dessas ferramentas pra fazer com que ele cresça porque eu trabalho com jovens, eu trabalho com crianças. E são crianças e jovens de uma clientela muito diferente da Estácio, que na Estácio, eu costumo dizer que foi muito bom trabalhar lá com o projeto; mas eu tinha um aliado muito forte que era o fato das crianças pertencerem a uma classe socioeconômica relativamente boa. Nós tínhamos pais que estavam presentes ali o tempo todo; na Calust é outra realidade. A Regina me ensinou que o educador de verdade ele lapida a pedra até ela virar diamante. Não quero virar, não quero que a Calust vire diamante, mas eu quero que ela seja lapidada. E trabalhar lá na Estácio me trouxe resultados. Se lá com crianças que eram carentes, mas que tinham uma condição socioeconômica eu consegui um resultado bom, ali onde eles não têm metade das oportunidades de vida que lá eles tinham, se eu consegui trazer através dessas ferramentas eu tenho certeza de que o trabalho vai adiante, entendeu? Então eu to começando isso assim aos poucos, mesmo sem ter o projeto. Como eu to te dizendo: eu criei uma sala, alguns professores já têm utilizado. Semana passada mesmo a professora de História ta trabalhando a Idade Média; então ela passou pros alunos Joana D´Arc pra trabalhar toda questão da posição da mulher na idade medieval, a visão que se tinha. E a gente ta fazendo um trabalho paralelo com isso em Inglês; eles viram aquela música do John Lennon, Woman, e isso ta sendo trabalhado com a música Mulher, do Erasmo Carlos. Então, a gente ta montando miniprojetos pra trazer outros recursos e trabalhar essas mídias de alguma maneira, dentro da Escola porque o que eu pretendo é conseguir cumprir o meu papel. Quer dizer, o mesmo trabalho que eu fiz, que eu desenvolvi na Estácio eu quero desenvolver lá porque eu acho que se eu consegui transformar essa realidade lá aí eu realmente vou acreditar que eu nasci pra ficar na educação.
P/1 – Puxa, que bonito; parabéns!
Então pra gente encerrar, Selma, como que foi aqui pra você contar a sua história, colaborar com a gente aqui nesse.
R – Foi ótimo. Foi ótimo, eu to muito feliz de estar aqui porque eu acho que isso é uma forma, sabe, a educação, a grande recompensa que a gente tem é quando as pessoas reconhecem e valorizam o trabalho da gente. Recompensa financeira a gente não tem. Professor
realmente não vai ficar rico nunca não vai ter assim uma ascensão profissional. Mas eu acho que esse tipo de ascensão, sabe, você ter a oportunidade de mostrar pras pessoas que é possível sim você acreditar, que é possível sim você realizar, não tem preço, sabe? E eu já fui muito criticada e muito criticada e sofri muito durante muito tempo da minha vida porque as pessoas não acreditavam que fosse possível acontecer o trabalho na área da educação dessa forma que eu vejo. Eu sempre fui chamada de utópica, Poliana, mania de, a professora dos contos de fadas, professora Helena, sabe? E isso foi uma fase da minha vida que me marcou muito. Algumas vezes eu até pensei em desistir; mas as minhas raízes foram muito fortes, como eu te falei, que eu contei a história. Quer dizer, eu tive a minha mãe; eu tive a minha infância inteira dentro de uma escola; eu tive a minha outra mãe profissional que foi a Regina; eu tive a minha irmã, a Aracele; eu tive a Cleide; eu tive as minhas amigas na Estácio; eu tive pessoas que me fizeram acreditar que realmente valia a pena. E estar aqui é só comprovar de que valeu a pena acreditar nos meus sonhos; eles não eram utopia.
P/1 – Nossa, muito obrigada! Foi um prazer conversar com você.
R –
Pra mim também.Recolher