R- Podia encaixar, porque a maioria me conhece como Gália.
P/1- Gália?
R- É porque uma vez foi um incidente, muito const... ruinzinho, né? Eu tinha conta no conta, comprei aço... comprei letras de câmbio, depois telefonei que queria vender, aí a moça atendendo “D. Galinha.” Eu falei: “Galina.” Ela falou: “não, mas está escrito aqui Galinha.” (riso)
P/1- Ai meu Deus do céu.
R- Eu falei: “olha, usa bom senso.”
P/1- É lógico, usa bom senso.
R- “É, mas aqui está escrito.” Eu fui na hora de almoço...
P/1- Então, Gália, ela prefere ser chamada de D. Gália. Pode? Só que na hora de falar o nome, a gente tem que __________.
R- Não, não. Eu só estou contando o fato.
P/1- Não tem problema, a gente costuma perguntar, mesmo.
R- Porque aí fui no banco vendi letras, fechei conta e passei a usar Gália mais.
P/1- Com certeza. Pronto, meninos?Então, está bom. Vanessa, vai pra primeira parte.
P/2- Bom, D. Gália, meu nome é Vanessa, eu faço estágio no Museu da Pessoa, e gostaria de iniciar a entrevista perguntando o nome da senhora, completo, o local e a data de nascimento.
R- Bom,boa tarde. Meu nome é Galina Bespaloff, segundo sobrenome, nome do meu ex-marido. Eu nasci na China no norte da China, chamada Manchúria, cidade (Rarbin?), praticamente construída pelo russos, com costumes russos e etc, né?
P/2- Qual o nome...
P/1- Faltou o dia que a senhora nasceu, D. Gália?
R- 04 de fevereiro.
P/2- De?
R- 1940.
P/2- OK.
P/1- E a senhora lembra o nome dos avós da senhora por parte paterna e maternos?
R- Parte de pai, (Anfisa Pisconoff?)e avô (Alexander Pisconoff?). Parte de mãe, (Stipan Schumiloff e avó Ana Schumiloff, Schumilova?)
P/2- E a senhora lembra, mais ou menos, qual atividade que eles exerciam?
R- Meu avô, pela parte materna, ele era engenheiro da construção civil. Parte de pai era militar, depois quando veio na China, então eles começaram em sociedade com outro colega dele. Primeiro trabalhava charrete, depois compraram carro pra trabalhar como taxista. Depois acabaram, quando meu pai já tinha, moço, então ele já tinham frota, cada um tinha frota de carros de táxi. Na China.
P/1- Isso ainda na...
R- Na China.
P/2- E os pais da senhora, também já trabalhavam no comércio lá na China, ou na Rússia mesmo?
R- Não. Meus pais vieram pequenos pra China, nasceram, como mãe, como pai, nasceram na Rússia, inclusive foi falado (Rabarask?)bem no Norte da, no Leste e norte da Rússia. E vieram na China pequenos. Então minha mãe estudou colégio de freiras, depois casou. Quer dizer, não houve muito trabalho fora. Meu pai trabalhou como taxista, na China.
P/1- E a senhora, como é que era a sua casa?
R- Na China?
P/1- Na China, quando a senhora era criança? Descreve pra gente como era.
R- Bom, naquele tempo não tinha televisão. Rádio, era, poucas pessoas tinham rádio. Aparelho de som, quer dizer era na base de (gerar?), uma alavanquinha, né? Então, discos, era também, quem tinha aparelho, assim, mesmo quem tinha estava muito bom. Como minha era bem mais jovem que a minha mãe então na casa dela tinha, então nós gostávamos de ir lá. Fogão, normalmente, fogão de lenha. Aquecimento, como nós, particularmente, morávamos casa maior, melhor, então tinha aquecimento a vapor. Acho que porque tinha forno, assim, esquentava água, então acho que aquecimento a vapor, chama-se né? Então, inverno bem rigoroso, estações bem definidas. E era divertido, porque a gente quando jovem tudo parece muito bom.
P/1- A sua família foi pra lá por quê, D. Gália? Eles eram do leste da Rússia, é isso?
R- Certo, porque depois de revolução, na realidade, muita gente saiu da Rússia. Porque nem todo mundo concordava com o regime, com Revolução. Então, qualquer mudança provoca descontentamento e, na realidade, muita desordem acontecia. Então meus pais, meus avós ambos foram militares. Como, (ambos era cossacos?), como avô paterno, como avô materno. Então, eles recuaram pra China. Porque estrada de ferro do norte da China era construída pelos russos, mais ou menos em 1906. Então pela estrada, tinha muitas cidades russas, com clube, cinema e tudo mais. Então era mais fácil, como eles estavam na Sibéria, então era mais fácil imigrar para a China. Como muitos russos, quem era na Rússia Central, foi para Iugoslávia, Europa, França. Então na China, era mais fácil, o pessoal falava que era vida melhor porque já tinha colônia russa muito grande
P/2- E a senhora lembra das histórias dos seus avós em relação à revolução, D. Gália?
R- É.Lembro.
P/2- Muito complicado isso, mesmo? Conta pra gente.
R- Foi, foi. Pra começar, eu li muito sobre isso, tinha muitos filmes. Porque a, na China chegava, todo programa de estudo vinha da Rússia. Todas as escolas estava mesmo programa. Então, inclusive, a gente estudava, livros que eu estudei minha irmã, quatro anos depois, usava mesmos livros, porque não mudava, assim, programa. Então a gente tinha muita literatura. Tinha... era bastante recente para nossos avós contar, né? E depois mais tarde, quer dizer, muita gente foi pra Rússia, inclusive meus parentes, maioria foi pra Rússia e voltou pra Rússia. Então, se você quer ter uma idéia mais fiel aquilo estava acontecendo, aquele filme Dr. Givago.
P/1- Sei.
R- Ele é muito fiel, porque eu li livro em original, em russo. E achei que foi muito bem feito esse filme.
P/1- Seus avós contavam, também, a história mais ou menos como aquela?
R- É.
P/1- Quer dizer, houve muita perseguição?
R- Olha, houve muita desordem. Até no Brasil, quando eu cheguei, era um tipo de regime e tudo. Então eu pensava se, como eu falo sempre assim. Se, por exemplo, porca e parafuso. Se apertar a porca muito vai estourar, e vai tudo pro brejo, não? Então, no Brasil por exemplo, hoje nós estamos com um presidente que é de uma família simples. Ele chegou no alto, não? Mas claro, com esforço, com trabalho, tudo. E foi, vamos dizer, uma passagem de um regime militar, tudo; foi mais ou menos suave, comparando com Rússia. Porque a Rússia acho que serviu de exemplo, que não pode ser a coisa chegar ao extremo. Que eu li, quando estava na China, eu li muito literatura a favor do comunismo. Quando cheguei aqui, aqui tinha muitos livros, pessoal, generais, militares, que saíram pra Europa, tudo, e escreveram. Fora do regime comunista, né? Então tive a oportunidade comparar, vamos dizer, um extremo e outro extremo, e tirar a média, né? Então foi interessante porque, de fato, foi muita desordem. Porque é como, vamos dizer, tem hoje Sem-Terra. Pessoal, tem gente idealista e tem gente que quer bagunça. Na Rússia foi a mesma coisa.
P/1- Mesmo a senhora estando na China, a literatura e programa escolar vinha...
R- Tudo russo, porque a...
P/1- ... da Rússia? Já dentro do regime, então, comunista?
R- Dentro de regime. Porque, na realidade nós tivemos todo programa russo, porque a cultura chinesa, naquele tempo, era muito diferente. O modo de se vestir, o modo, por exemplo, pra nós ter dentro de nossa casa pratos normais, colheres, garfos, era... ou foi trazido da Rússia ou a gente comprava, assim tipo (bregânia?).
P/1- Sim.
R- Então, onde a gente podia adquirir alguma coisa. Porque chinês usava pauzinhos. A roupa chinesa era, vamos dizer, uma espécie de calça em cima. Mais tarde, já na época que eu estava saindo, aí que começou a, (em série?), vestidos pro pessoal poder se vestir. Porque, vamos dizer, falta de experiência, então pessoal às vezes fora de, uma comprida, outra curta. Mas começou, tinha gente que queria ficar mais ou menos como igual, como todo mundo. Então, era um pouco ridículo, sabe? (riso)
P/1- Imagino, né? D, Gália, e essa educação, já dentro do regime comunista, que a senhora recebeu, ela efetivamente era uma educação voltada pro regime, uma coisa...? Porque a gente houve muito contar que havia um certo direcionamento, era assim mesmo, D. Gália?
R- Eu não concordo muito com essa opinião, porque as professoras eram russas, mesmo. Era muito sério, vamos dizer, pra estudar e, vamos dizer, desde criança recebe liberdade, liberdade de falar, que é valor da pessoa aquilo que ela é, não é aquilo que ela tem. Então, a gente quando jovem, a gente recebe a sério isso. E depois leva adiante assim mesmo. Então, nós, aquilo que não achava certo, a gente não concordava etudo mais, né? E pra mim, eu acho que foi muita mais saudável, por exemplo, na escola programa era muito puxada, a gente entrava 8 horas, saia uma e pouco. Tinha lanche muito bom na escola, não? Era normal, assim, né? Chegava em casa tinha que estudar porque não tinha jeito. Cinema, simplesmente, durante a semana era proibido. E se você tentava furar sempre tinha, todos os cinemas, tinha um 4, 5 cinemas na cidade, sempre tinha professor plantado na porta. Então se você queria furar não tinha jeito, então era melhor não tentar. Então era sabe, meio... A gente tinha segurança, no sentido, a gente podia ir no campo e tudo, porque era..., assim, todo mundo tinha documento. Se você (quisesse?) ir de uma cidade pra outra, quer dizer os russos naquele tempo reclamavam muito, nossos pais, porque tinha que fazer visto. Então, na realidade, um crime que aconteceu era muito fácil pegar a pessoa. Então eu lembro que eu tinha 13, 14 anos, então tinha assim na cidade, apareceu uns pequenos papéis colados, cartazes colados, que iam executar sete pessoas, um por estupro, um não sei o que, na sei o que, não sei o que. E era pro público ver, ainda. Claro, os russos são contra esses assim. Mas como chineses, acho que gostavam de ver. Porque a gente foi ver depois, aonde que foi campo fora de cidade que iam simplesmente... matar, não, pessoas. Então, pessoa, assim, não quer muito, fica com medo porque tem punição,então...
P/1- Como que era, quer dizer, eram duas culturas completamente diferentes convivendo na mesma cidade, como era isso, D. Gália?
R- Bom, cidade (Rarbin?) foi construída. Aliás, (Rarbin?), (Darli?), tem várias, pelo estrada de ferro tinha várias cidades. Sempre assim, cidade uma parte só russos, casas russas a rua feita pelos russos e tudo . E tinha parte chinês, quando chinês abria loja, qualquer venda, por exemplo, venda, lojinhas, abria na parte dos russos, eles que aprendiam a falar russo. O pessoal, por exemplo taxista, pessoal que trabalhava ou tinha oficina de alguma coisa, porque China naquele tempo era bastante atrasada e naquela parte tinha pouca, menos população. Vamos, a China superpopulação, eu não vi isso. Porque aquela parte não era tão po... não tinha tanta população. Então pessoal que trabalhava diretamente com chinês, homens, eles aprendia a falar um pouco chinês. Mas, em geral, vendas tudo o pessoal falava russo, os chineses. Então tinha uma espécie de amizade, porque eles tinham o que vender, a gente comprava. Povo russo, normalmente, assim, gosta de comer bem, não? Chinês já é mais moderado, não? E comidas totalmente diferentes, costumes diferentes, né? Então, vamos dizer, modo de se vestir diferente, aparência diferente, modo de comer diferente.
P/1- A escola era separada também?
R- Separada. Até eu tenho aquela fotografia de 7a, 1o colegial, sei lá. Então tem um chinês no meio de nós. Porque depois eles, porque oficinas, faculdade, melhor era dos russos. Então pra eles aprender, na realidade, eles entravam pra aprender língua primeiro pra depois...
P/1- Certo. Mas vocês podiam brincar juntos, por exemplo, as crianças chinesas e russas brincavam juntas ou também não, embora __________ separados?
R- Não porque a gente tinha um tipo de... pra começar era muito cultivada a leitura, todo mundo estava lendo. Televisão não tinha, quer dizer tinha cinema. No tempo de férias a gente podia ir no cinema e, relativamente, barato. E também, por exemplo, tinha uma vez por semana tinha palestra, alguma coisa cultural e depois filme, algum novo filme de graça. Então, quem entrou na palestra assiste gratuitamente filme. Então, jogos, nossos jogos era diferente dos chineses, né?
P/1- Conta um pouquinho desses jogos, das brincadeiras de infância.
R- Bom, jogos era, por exemplo, jogar bola, assim um arremessa, outro corre, outro tem que pegar, bater, não sei qual que tem equivalente aqui. Ou, vamos dizer, jogos de... escrever alguma coisa responde, jogos desse tipo. Ou, a gente gostava dançar, não? Então todo bairro, praticamente, tinha clube. (Põe?) música, claro, era difícil, disco era difícil, mas no clube, normalmente era uma coisa preciosa, então ou pessoal cantava, ou pessoal, muita gente tocava violão ou acordeom, né? Então, não era assim, brincar brincar. Porque quando é muito pequeno com... porque no tempo, quando tinha aula a gente estudava muito, depois não tinha tempo. Tinha vários grupos na escola que você podia aprender ou tocar algum instrumento, ou fazer alguma coisa de madeira, algum artesanato, não? Então, por isso era normal ocupar tempo. Tempo de férias, aí sim, aí ia no rio, quem tinha bicicleta ia andar de bicicleta, não? Ou ia parque tinha vários parques, parque fazer piquenique, andar, olhar. Então, eu particularmente gosto muito de natureza, não?
P/1- E era fácil, assim, os produtos a senhora disse que os russos gostam de comer bem, era fácil chegar os produtos lá, vocês consumiam ali do próprio local?
R- Olha, porque o chinês, povo chinês é muito trabalhador, né? Então, na realidade, eles plantavam muito, plantavam, vendiam. Como chinês, na realidade, não consome pão, eles ou arroz, ou tinha, vamos dizer, arroz branco sem nada, cozido e alguma... bastante verdura e pouco carne. Então esse prato arroz e algum prato acompanhando. Então pra eles ou tinha pão sem sal, um branco assim, feito no vapor, né? E russos são acostumados com pão.Então tinha um tempo que estava faltando pão, então tinha que, vamos dizer, fila e uma quantidade. Então pessoal que plantava, moia e fazia. Tinha um tempo que faltou a tal modo, que não tinha nenhuma farinha branca. Então, gente um período, em 45, quando justamente era transição. Era parte onde nós morávamos era ocupada pelos japoneses e chineses estavam adquirindo liberdade deles, e nessa hora os russos entraram naquela parte, quer dizer, japonês tinha que fugir. Mas esse período, então, não tinha farinha de jeito nenhum. Então tinha milho, então a gente comia mistura de, vamos dizer, tipo mingau de milho, pão de milho. Então chegou, sabe, enjoar de milho. Mas, por exemplo, se você perguntar se a gente ficava doente. Eu não lembro de ficar doente. Uns 4, 5 anos eu morei em cidade mais... menor, então não lembro de precisar médico.
P/1- A senhora pegou a fase da Segunda Guerra, a senhora era bem criança, mas a senhora tem alguma lembrança desse período? A segunda Guerra chegou nessa região?
R- Bom, como recebia o jornal e minha mãe lia em voz alta para o meu padrasto. Que meu pai tinha morrido muito cedo, né? Então, escutava: guerra, guerra. Então, pensei, puxa guerra, se vai ser guerra como é que nós vamos ficar lá. Eu olhava pros céus pensava, porquê a gente não vai, enquanto vai ter guerra, a gente vai pra lá, fica um pouco. Eu olhava os céus pensava, imaginava acho que alguém, os anjos ficam segurando a vela acesa lá em cima, não? Mas depois, quer dizer, foi essa confusão, que é japoneses fugindo, chineses, nessa hora, matando. Então, era um negócio, a gente criança, na realidade, tem autodefesa natural, procura ficar longe dessas coisas e esquecer, não? Então, depois russos chegaram. Depois foi tudo normalizando, não sei se respondi sua pergunta.
P/1- É acredito que sim. Quer dizer, a lembrança que a senhora tem é essa, houve de fato um momento mais tenso, onde a senhora morava.
R- Houve, houve.
P/1- Mas depois normalizou.
R- Depois normalizou. Porque depois, assim, começou a ficar meio estranho quando Stalin morreu, a Rússia, na realidade mudou de rumo. Começou a libertar mais e tudo. E chinês continuaram muito rígido. Então começou, de leve, perseguição dos russos. Então era pressionado você ir pra Rússia. Então, meus parentes a maioria foi pra Rússia.
P/1- Voltou, né?
R- Voltou. Minha avó inclusive ela queria, ela falava, que ela queria morrer no lugar dela, na pátria dela. E minha tia também foi. Foi maioria. Somente minha mãe, meu padrasto, minha irmã, que nós viemos pra cá, não.
R- Nesse momento, então, que os chineses ocupam definitivamente a Manchúria?
P/1- Aí começou assim, forçosamente todas nossas, porque tinha faculdade, tinha escola, pressão assim, aí doava-se escolas construídas, doava-se para governo chinês. A gente saia de lá nós não podíamos vender nada, tinha que doar para chinês, para governo chinês senão não ia permitir saída. Então, entre russos fazia-se assim, arrendava pra 20, 30 anos, na verdade, pessoal comprava. Quer dizer, tinha essa negociação, jeitinho entre russos, (riso) pra recuperar dinheiro, você ir com dinheiro.
P/1- Certo. Então, depois, toda a sua família está nessa região, quando Stalin morre a família retorna pra Rússia?
R- Maioria, porque era paga a passagem, iam dar certas...
P/1- O próprio governo?
R- Governo russo convidou, porque aquela parte da Cazaquistão, que estava só nômades, então hoje fala-se muito. Mas aquela parte foi, vamos dizer, convite com certas vantagens, pra toda a Rússia pra ir pra lá, quer dizer quer dizer, povoar aquelas terras, plantar árvores. E da China também, governo russo pagava passagem, pagava moradia lá. Só que foi levado, assim, para aldeias onde na realidade... Na segunda vez quando eu estive na Rússia, eu estive em Cazaquistão onde meus parentes moram, porque minha tia estava velha, doente eu queria ver ela, porque foi uma pessoa muito importante na minha vida. Então, era como fosse planície, a vegetação muito baixa, então o que que os russos fizeram? Trouxeram muitas árvores típicas da Rússia Central, plantaram lá, mas aquelas árvores, assim, até agora elas são grande, mas assim meio doentes, né? Ventos muito fortes. Na China também tinha ventos fortes porque muitas vezes no outono a gente usava lenço. Ah, perguntou porque a gente usava lenço, sempre que começava a ventar muito, a gente amarrava lenço pra defender um pouco o olho, porque vento muito forte. Então, você tem que andar empurrando assim, praticamente, ar porque vento muito forte. Então eu peguei esse vento em Cazaquistão, aí lembrei que na China tinha mesma coisa. Então muitos russos foram pra lá e muitos, muita gente foi pra Uruguai. Inclusive meu padrasto tinha pedido pra ir pra Uruguai, mas depois chegou uma hora fecharam fronteira, né, no Uruguai. Então era Bolívia ou Brasil.
P/1- Então, pelo que entendi, vocês, lá nessa região, não sentiram, pelo menos aquela coisa que falam de regime... porque a senhora falou muito de liberdade. Achei muito interessante a senhora dizer isso, quer dizer, os professores ensinavam liberdade na escola ___________
R- Mas, liberdade porque a gente, o que nós tínhamos? Nós tinha cultura, nós tinha acesso a livros, nós tinha cinema, alimentação sadia, não? Então, na realidade, eu não senti o problema. Eu senti mais problema com os meus filhos, quando, e hoje, hoje nós não temos segurança. E lá, meus pais reclamavam porque não tem, por exemplo, azeitona. Não conheci, porque azeitona eu conheci no Brasil. Azeitona, meu pai falava: “ai, azeitona.” Eu pensava: “que gosto isso tem , doce ou salgado?” Eu me perguntava. Então, tinha certas coisas que o pessoal lamentava. Mas, eu não conheci isso, então pra mim não estava fazendo falta.
P/1- É lógico. E os outros produtos, sapato, roupa, tinha, dava pra comprar, tinha loja que vendia?
P/2-____________________________roupa.
R- Tinha. Olha, tecidos, como começaram a fabricar muito tudo, então tinha tempo. Tecido, na realidade, fabricava-se menos do que pessoal queria gastar. Então, vamos dizer, quando era menor tinha à vontade, depois começou assim, você recebia tickets para o... para ano. Então, tinha que se virar com aquilo. Para chinês não foi tanto pesado, porque eles conseguia vender para russos esses tickets e para nós era pouco. Porque tecido assim, por exemplo, veludo, tecido fino, seda era mais caro, podia comprar à vontade. Mas dia a dia, um tecido de algodão, era limitado. Então, por exemplo, se você ia casar, você recebia extra. Se alguém morreu, você recebia extra, também. Porque chinês tem costume de colocar tudo branco. Então quantidade que é pra pessoa morta, então tinha determinado tanto. Então isso tinha. Depois chinês usa muito pouco óleo, não? Então um litro de óleo pra um mês era suficiente pra chinês. Pra nós não. Então que que acontecia? Vamos dizer, qualquer, você cria porco, qualquer coisa que você cria, depois porco tem que passar pelo, vamos dizer, verificar saúde do porco no órgão de governo, não?
P/1- Certo.
R- E você paga uma taxa. Taxa, né? Aí, chineses pra não fazer isso, eles criavam escondido, matavam escondido, vendiam escondido. Porque a gente aí aproveitava a banha para ter com que fritar. Porque russos fritavam mais, não? Porque pra chinês era suficiente, pra russos não. Então era essas... Mas isso na realidade meus pais tinham problema, eu já tinha comida pronta na mesa, né?
P/1- Certo. O que que a senhora lembra, assim, um prato que marcou a sua infância, uma comida que marcou sua infância, nessa época?
R- Não, pratos russos, porque em casa a gente comia comida russa. Quando queria sair, aí ia restaurante chinês, né? Então comida chinesa.
P/1- Ah, tinha restaurante, não tinha problema?
R- Ah, sim, tinha. Porque, na realidade era assim, cada um tinha a sua cultura, tinha uma certa amizade, até, vamos dizer, depois que Stalin morreu começou a distanciar-se muito, aí mudou. Mas até lá era muito pacífico. Era, vamos dizer, na realidade, russos e chineses eram mais unidos do que japoneses.
P/1- Certo.
R- Porque japoneses eram mais difícil porque... problema naquele tempo, japonês ocuparam e, na realidade, mandavam e desmandavam, não? Então era complicado. Mas chinês era assim.
P/1-Mas um prato, assim, a senhora menina, que prato a senhora gostava quando a sua mãe fazia?
R- Bom, eu... A minha avó pela parte paterna era vegetariana. Então, acho que já trouxe no meu gen, no sangue, tendência para vegetariano. Então, gostava, vamos dizer, pastelzinho com ricota, eu gostava saladas. Porque no Brasil eu adoro e quando saio fora do país o que mais sinto na comida porque não tem vegetais. Vamos dizer, pra Europa, nunca tem tanta verdura como aqui, não?
P/1- Verdade.
R- Então, eu lembro coisas assim, não? Um prato bem, bem, assim, festivo que faziam um pastelzinho assim cozido. Que na Liberdade, em São Paulo, o pessoal vende, nos restaurantes que trabalham com comida chinesa, japonesa, então tem sempre lá. Mas, fazia-se em casa, também, isso. É que não era ligada muito em comida, sabe? Toda vida gostava muito fruta, legumes.
P/1- Então, aí depois a senhora, vocês saem de lá e vêm para o Brasil. Então em vez de voltar pra Rússia, vocês resolveram vir pro Brasil, seus pais?
R- Bom, o meu padrasto ele é descendente de polonês, minha mãe ______ russo, então eles não queriam vir pra Rússia, não? Então, como Uruguai não dava, Austrália também acho que estava alguma coisa fechada, fronteira. Porque muita gente foi pra Austrália. Então Brasil. Então no Brasil tinha gente conhecida. Então nós, quer dizer inscreveram-se, quer dizer, documento saiu pra Brasil, não? Também demorou uns dois anos. Inclusive, na China. Pra sair da China tinha todos uns exames e tudo. Então, sei que eu tinha problema de pulmão, né? Aí, foi jeitinho também. Porque tirar chapa pra documentos. Então, assim, umas seis pessoas, meio escuro, então fica só de sutiã e vai. Então primeira vez que tirou, aí deu problema. Daí outra vez foi, assim, uma amiga. Até naquele álbum tem fotografia dela. Uma colega da escola, né? Aí ela foi junto, ela tirou dela, depois quando chegou a minha vez, ela entrou de novo e tirou. (riso)
P/1- Pulmão é pulmão, né, D. Gália. (riso)
R- Isso foi. Aí depois, quando nós saímos ficamos em (Tienzing?), ficamos um mês, depois Hong Kong também dois meses. Então, comida boa, folgado assim, tranqüilo, não precisa fazer nada. Então passou esse problema meu.
P/1- Certo.
R- Então, quando Hong Kong tinha que tirar outra chapa, então já ficou tudo ok.
P/1- É porque a senhora pegou invernos... de quantos graus abaixo de zero _________?
R- Sei lá, invernos. Ou era, era muito, eu era assim... se é andar de barco, vamos andar de barco. Se vamos pra montanha, vamos pra montanha. Então, na realidade, eu ficava muito com meninos, né? Se era em mar, gostava de mar. Então, tinha dois amigos meus, então um mais novo, outro mais velho. Então a gente saia muito três, né? Então, eu machucava, uma vez machuquei joelho, aí deu problema e juntou água. Enfim, começou tuberculose do joelho, quase que eu fico inválida, sabe? (Puxou e...?) Um médico famoso lá ficou trabalhando. Até tinha que... bolou uma pomada lá, que tinha que passar aquela pomada e depois com lâmpada de 60 esquentar. Cinco minutos, dez minutos, até 1 hora e meia. Pra eu, porque fechou aqui assim e não podia abrir, não? Então, aí eu consegui arrumar aquilo. Então, aí vira e mexe, quer dizer, eu machucava assim, não? Então, eu acho que quando começou isso aqui, eu fiquei no hospital. Comida de hospital todo lugar é ruim, aí não comia, aí apareceu tuberculose. Quer dizer, aquele ano perdi e... que a gente ia embora. Então tuberculose meu, na realidade, porque vida muito agitada. Porque inverno, inverno, na realidade, saudável.
P/1- Saudável. Mas era muito frio, né, D. Gália?
R- Muito frio.
P/1- Abaixo de zero, né?
R- Ah, claro, claro. Chegou 38 abaixo de zero. Então eu vivia fechando isso aqui porque congelou uma vez, aí muitas vezes congela. Porque se congela, começa branco. Assim branco, branco, parece morto, né? Então você tem que esfregar pra poder o...
P/1- O sangue circular
R- Voltar. Senão... Eu tinha sempre que proteger. Quando cheguei no Brasil, até tinha assim, essa parte era meio escura. E aqui, também, congelava muito, né?
P/1- Eu queria que a senhora mostrasse pra gente, só a gente vai apontando assim a senhora vai dizendo o nome das cidades e onde mais ou menos...
R- ______óculos _________
P/1- Mas a senhora lembra as cidades, não lembra?
R- Ah, sim.
P/1- Então, só vai falando pra gente que depois a gente vai por essa imagem melhor, né?
R- Certo.
P/1- Então a senhora morou, um pouquinho mais pra cá só, pra mostrar.
R- Você não acha melhor pôr isso aqui?
P/1- Pode, lógico. Só um pouquinho mais assim, isso. Aí a senhora vai mostrando pra gente. Quer dizer, a senhora estava em que cidade?
R- Bom. Eu nasci, eu nasci (Rarbin?).
P/1- Isso.
R- Depois morei um tempo já nessa cidade 6 horas da (Rarbin?), _________, também na mesma estrada de ferro.
P/1- 6 horas de trem. Então, as pessoas ficavam na lateral da estrada de ferro, é isso, D. Gália?
R- Tinha cidades, várias cidades.
P/1- Era ________?
R- Várias cidades. Na medida que estavam construindo estradas de ferro, estava-se formando cidades.
P/1- Certo.
R- Então, depois, quer dizer estudei, colégio, ginásio, colégio, já estudei de novo em (Rarbin?). Depois, nós saímos de (Rarbin?), já indo a direção de Hong Kong. Quer dizer, passamos pela estrada de ferro aqui. Quer dizer, primeira vez na vida que vi mar. De longe vi muralha da China, não? Aqui, até no mapa ela tem, não? Depois em (Tienzing?) nós pegamos navio, um pequeno navio, Fomos até Hong Kong. Hong Kong ficamos dois meses, depois pra Brasil.
P/1- Certo, e essa viagem demorou dois dias e meio, foi isso que a senhora me contou?
R- Dois dias e meio, até (Tienzing?).
P/1- Até (Tienzing?)?
R- É.
P/1- De trem, né?
R- De trem.
P/1- E como foi essa viagem, D. Gália, conta pra gente? Foi muito difícil?
R- Não, não é difícil. Porque a gente vai, vamos dizer, pra uma coisa desconhecida. Então, na realidade, muita curiosidade, medo e coragem também?
P/1- A senhora já estava com 14 anos?
R- Não, eu estava aí com 17 anos.
P/1- Com 17 anos?
R- Com 17 anos. Em 56.
P/1- Então tinha aquela expectativa de uma jovem que está mudando totalmente de vida? A senhora lembra disso?
R- Claro. Porque a língua, a gente tinha um livro em português, então parecia muito difícil. Porque na escola eu tinha noção de inglês, estudei inglês. Então, português parecia muito difícil. Então, e a gente não sabia como costume. Depois, os russos também escreviam umas coisas assim. Falavam: “ah, aqui não tem bacia pra lavar roupa.” (riso) Então o meu padrasto fez uma mala grande e colocou bacia.
P/1- Uma bacia. (riso)
R- Então, nós vínhamos com muitas malas. Que não tem tábua de esfregar roupa aqui. (riso) Então, na alfândega ficou estranho o pessoal abrindo e olhando, não? Mas quando nós viemos aqui, entendemos porque que não tinha. Porque tinha tanque.
P/1- Exato.
R- Então tinha um lugar especial para lavar roupa, não?
P/1- Porque isso já estamos em 54, né, quando a senhora chega aqui ao Brasil, não é isso?
R- É, porque lá não tinha máquina de lavar e não tinha tanque. Era normalmente banheirinha, que dão banho para criança ou uma bacia funda, grande, põe tábua e fica lavando roupa.
P/1- Que mais que a senhora lembra, quer dizer, trouxe a bacia, trouxe a tábua, que mais, assim, que a senhora lembra, uma coisa esquisita?
R- Moedor de carne.
P/1- Ah, tá.
R- Aí, falaram que não tinha, porque, vamos dizer, mesmo em Taubaté, quantos anos? 30, 40 anos atrás. Não tinha toda essa variedade de queijos. Tinha acho que queijo mussarela e tinha queijo minas. Então, aí, mesmo em São Paulo, não tinha toda essa variedade de queijos. Aí, pessoal escreveu, russos que estavam aqui no Brasil já, escreveram que não tem... uma espécie de salaminho, tem salaminho, mas só que lá era parecido e um pouco diferente. Então, meu padrasto comprou umas 10 pacotes de salaminho (riso) e a gente trouxe, não? E aí, hoje, acho estranho, não?
P/1- Então... Quer dizer veio a senhora, sua mãe, seu padrasto...
R- E minha irmã.
P/1- E sua irmã? Então, aí vocês esperaram 2 meses em Hong Kong, é isso?
R- É, nós esperamos navio 2 meses, em Hong Kong, depois 45 dias. O navio era assim meio passageiro, meio cargueiro, não? Porque aí ele saiu de Hong Kong, parou em (Penanc?), que é Porto Malaios, lá Ilhas Malaios, né? Depois Porto (Mauricíos?), Madagascar, acho que depois __________ . Quer dizer 4 cidades lá na África, né? E depois maior, vamos dizer, percurso foi pra Brasil, né? Chegamos Rio de Janeiro, é chegamos primeiro Rio de Janeiro, ficamos parados lá e depois Santos, desembarcamos em Santos. De Santos já foi naquele trem. E de trem nós paramos naquele camping, que nós falávamos, da novela acho que...
P/1- Da hospedaria.
R- Vida Nova, não, Vida Nossa.
P/1- Terra Nostra.
R- Ah, Terra Nostra. É.
P/1- Da hospedaria dos imigrantes
R- É, exatamente, em São Paulo, na Mooca tinha, eu lembro muito bem. Então, a gente chegou à tarde, lá umas 8 horas nós chegamos nesse camping. Então, primeira coisa ofereceram comida pra nós, comida, quer dizer, café naquela caneca de alumínio e pão, pão com mortandela, não? Pão, mortandela achei legal, né? Café, eu nunca tomei aquele, café preto, não? Então me pareceu veneno. Eu pensei: meu Deus. Dei um gole, não tomei mais, foi... O que me estranhou, chocou, também, pessoal não agüentava comer dois pão, ou de manhã, também, davam dois pão. Então, pessoal não comia, comia mortandela jogava assim no canto, tinha montes de pão no canto. Então, pra mim, isso aqui, a minha avó falava assim que comendo não pode derrubar migalha no chão. Porque não pode pesar no chão, no pão, porque no mundo tem muita gente que passa fome. E gente desprezar pão não pode. Então, que dizer, desperdício não pode, né? Então, era de fato muitos italianos, quer dizer tinha dois salões grandes. Um salão só pra mulheres e outro salão, com beliches, pra homens. Então era assim, a gente podia ficar lá até arranjar serviço. Então, tinha gente assim, arranjava serviço e disfarçava, como estava procurando serviço e pessoal falava: “ah, aquele lá arranjou serviço e está aqui.” (riso) Então, tinha isso.
P/1- (Senão, não ?) saía da hospedaria, né, D. Gália?
R- É tinha que sair, não? Porque era...
P/1- Mas, eu queria voltar só uma coisinha. A primeira impressão que a senhora teve no Brasil, quando o navio estava chegando, a senhora lembra, o que a senhora pensou quando a senhora viu o Rio de Janeiro?
R- Rio de janeiro, a gente chegou de noite, então era muito bonito. Muitas luzes. Era muito bonito. Depois, a gente sonha, a gente acha que é assim, aquele mundo mágico.Depois, pra mim na escola era muito bom Mas adultos, pais, xingando regime, tudo. E não xingava pouco. A gente achava mil maravilhas, né? Quer dizer, comecei a trabalhar, quer dizer, estranha a língua. Mas, eu comecei a trabalhar muito, porque nós ficamos umas duas semanas no ________ depois fomos na casa de conhecidos, que é assim, tinha amigo de meu padrasto na China, e primo dele estava aqui. Então, fomos na casa deles, ficamos numa garagem, não? Aí depois alugamos casa de fundo, como na novela de novo, cortiço. Disse: “ah, bom, então isso aqui que a gente mora é cortiço, não?” (riso) Que normalmente casa e depois uma casa no fundo e depois mais uma casinha, não? Então, mas sabe tudo, vamos dizer, a problema nos atinge até ponto que nós permitimos que atinge, né? Então, pra mim aquilo parecia tudo normal, não? Eu comecei a trabalhar e trabalhar eu achava normal. E se chegava sábado eu ficava contente, que estou livre e vou fazer o serviço, minhas roupas e tudo. Tinha bastante russos, então a gente reunia-se ia no cinema, tinha clube russo, São Paulo, Indianópolis, né?
P/1- Então, a senhora foi morar em que bairro em São Paulo?
R- Vila Zelina.
P/1- Vila... Zelina?
R- É, Vila Zelina.
P/1- Tinha bastante russos?
R- Tinha. Vila Zelina tinha bastante, Vila Alpina, Vila Prudente, Indianópolis também tinha muitos russos, né?
P/1- Então, vocês eram logo um... se divertiam todos juntos?
R- Se divertiam, se divertiam. Porque você não sabe língua, costumes um pouco.... vamos dizer, o que estranhei? Você disse, o que estranhei. Porque comecei a trabalhar e, assim, logo rapaz, tinha rapaz comigo, tudo. Então, eu achei assim, nosso namoro era assim, amizade, sabe tudo muito lento, não? Assim, bem devagar. (riso) Então, passa uns tempos, pegou na mão, uma sensação assim fora do comum, né? E brasileiro normalmente, nossa senhora, porque rapaz me falou assim, português não sabia, se virava um pouco com inglês. Então ele falava: “boyfriend, girlfriend.” Bom, entendi amizade. Fomos juntos no cinema, na hora de despedir ele me agarra, não? (riso)
P/1- Nossa.
R- Então, pra mim era chocante, não. Eu contando pra amiga, disse: “é mas você, também, você.” “Mas ele falou amizade, né?” Quer dizer, foi mal entendido, não? Rapaz bom, até ajudou no serviço bastante pra mim, não? Porque entrei logo trabalhar como desenhista, na firma que tinha engenheiro russo, projetista russo, não? Então, se virava com russo, que eu tinha alguns equívocos. Porque eu desenhava, entendia desenho, mas o que que está escrito eu copiava. Então, numa ocasião engenheiro chama, aí como era jovem, 17 anos, tudo, então ele não falava Gália, ele falava (Galage?), que é diminutivo. Aí falou: “(Galage?), o que você acha que está escrito aqui?” Eu falei: “ah, acho que portão, não?” Porque era portão de entrada de uma fábrica, não? Estava escrito ‘portaria’, não? Aí eu errei uma letra, saiu ‘porcaria’. (riso) Aí ele disse: “sabe o que é isso?” Falei: “ahn!”. Quer dizer...
P/1- Mas a senhora foi ser, a senhora já desenhava antes?
R- Eu fiz curso na China. Esse diploma, se você quer pra completar, eu posso trazer. Porque eu, pra sexta feira eu ia trazer, mas moço telefonou pra mim
P/1- A senhora já ajudou muito a gente, né? Quer perguntar alguma coisa Vanessa? Não. Então, a senhora tinha feito curso de desenho na China, então veio trabalhar em São Paulo. Essa empresa fazia o que, D. Gália, em São Paulo?
R- Bom, instalações elétricas, quer dizer, esta firma construtora. Então, era instalações elétricas, hidráulicas e, acho que civil, também né? Porque eu fazia parte hidráulica e elétrica, né? Que na realidade mecânica, mas se você entende de desenho mecânica acho até mais pesa... mais difícil. Porque depois eu passei pra outra firma, era instalações elétricas, né? Porque eu comecei a trabalhar menor de idade, depois passei pra maior, depois pessoal falou, os colegas falou: “pede aumento, você ganha pouco.” Pedi aumento, não me deram. Me tiraram (recorte?), falou: “vai pedir outro lugar emprego.” Aí fui pedir outro, pedi dobro. Ganhei dobro. Depois dono anterior me chamou trabalhar, quer dizer, em dois anos e pouco, trabalhei em três empresas, não?
P/1- Sempre como desenhista?
R- Sempre como desenhista.
P/1- Certo.
P/2- Queria fazer uma pergunta. Como foi, assim, de ser desenhista essa parte que, geralmente, é mais homem que faz. Que hoje, hoje já se tem um pouco mais...
R- Bom, olha, em geral, o brasileiro é muito gentil com a mulher, né? Com o sexo feminino, não? Então, era muito jovem. Até quando da primeira firma saí pra outra. Aí engenheiro que trabalhava comigo ele falou: “Galage, põe aquele vestido, põe aquela boina vermelha, que você tem.” Eu falei: “mas por quê?” Disse: “põe, estou te falando põe” Eu falei: “mas por quê eu tenho que pôr aquela roupa, não?” Ele assim: “não, mas você tem aparência, fica mais bonita.” Eu falei: “ah, mas que que tem isso com profissão?” Bom, mas aí, na segunda onde me deram recorte, eu cheguei, aí cara olhou, falou: “mulher desenhista?” Eu falei: “eu sei desenhar, não?” Aí me deram o teste lá, escrita. Pessoal, todo mundo falava que eu tenho escrita boa, escrita pra desenho, né? Então, quer dizer, comecei a trabalhar, não? Quer dizer, isso mais tarde eu cheguei à conclusão que eu vi. Que aí eu mando meu filho não consegue resolver, vou eu resolvo, não? Então, sem fazer nada, “eu preciso isso aqui, resolve pra mim na hora, não?” E vai, né? Então isso, de fato, era profissão de homem, não? Ah, mas em Rússia tinha uma professora, ela falava assim: “pra mulher é estrada, pra homem é calçada.”
P/1- Olha.
R- Porque mulher querendo, ela vai.
P/1- Porque na Rússia não tinha essa diferença, né, D. Gália? Homens e mulheres, dentro do que a gente sabe...
R- Olha, isso foi falado muito. Quando eu estive, eu vi assim que é, Rússia foi bastante tempo, tinha poucos carros, até hoje tem poucas mulheres que dirigem, porque não tem carro. Maioria não tem carro. Quem tem, claro, primeiro homem dirige. E homem dirige.
P/1- Em termos das profissões, elas sempre foram... não havia profissões de homens...
R- Maior parte médicos é mulheres. Medicina praticamente 80% são mulheres. Mas tratorista também tinha mulheres, né?
P/1- Exato. Pra senhora era normal, não tinha essa coisa de profissão de homem.
R- Mas, sabe, que forçosamente porque na guerra muitos homens, na revolução já morreram muito, na guerra, II Guerra Mundial morreram muito e por último já ia gente muito jovem. Então, na realidade, não tinha homem. E mulheres que ficaram, quer dizer, nas fábricas tudo ficou nas mãos das mulheres. Então, automaticamente tinha que trabalhar.
P/1- O que que seu padrasto fazia, D. Gália?
R- Meu padrasto era assim, ele era marceneiro. Então, por exemplo, carroça. Essa carroça grande tudo ele podia, ele fazia roda, ele fazia prego. Porque tinha parte marcenaria, tinha parte, vamos dizer, fundir ferro, malhar ferro. Então, por exemplo, processo de fazer um prego. Pega negócio, esquenta, depois corta, depois bate assim, vira assim bate com martelo. Então, fica prego quadradinho, não?
P/1- Ele também logo trabalhou, quando chegou no Brasil?
R- Ele ficou...
P/1- A senhora trabalhou rápido.
R- Ele começou a trabalhar em sociedade com uma pessoa, depois separaram os dois. E ficou com oficina mecânica, né? Porque ele sabia muita coisa fazer mesmo. Vamos dizer, ele podia fazer uma mala, ele poderia fazer uma mesa, uma carroça, uma roda. Então, pessoa tinha habilidade, mesmo, não? Eu comecei trabalhar logo também, porque tinha que, por exemplo, fogão, primeiro fogão, eu que comprei. Achei maravilha que pode pagar em vezes, não precisa pagar tudo na hora. (riso)
P/1- O fogão da sua casa, então?
R- É o fogão da casa, é.
P/1- Sua irmã era mais nova que a senhora, mais velha?
R- É, era mais nova, eu tinha 17, ela tinha 11 anos.
P/1- Então, não... Então, a senhora e o seu pai, e o seu padrasto foram trabalhar.
R- É. Minha mãe costurava um pouco.
P/1- Ah, sim.
R- Também.
P/1- Também. Aí a senhora, isso nós estamos falando de 54, a senhora ficou trabalhando em São Paulo.
R- Não, 54 não. 57. Nós chegamos em 57.
P/1- Ah, sim, 54 porque aí ficou dois anos até sair o visto. 57 a senhora chega.
R- Certo.
P/1-E a senhora, como é que foi, a senhora casou, veio pra Taubaté, como é que foi essa história?
R- Bom, a minha mãe veio em Taubaté. Porque eu trabalhava em São Paulo. A minha mãe queria mudar pra Taubaté, mas eu tinha emprego lá. E aí, ela veio pra Taubaté, eu continuei trabalhando em São Paulo. Aí, conheci meu ex-marido, ele era do Rio. Mas colônia russa, quando tinha baile, então pessoal vinha de Campinas, quem estava onde, vinha, porque baile era interessante. Então como conheceu e namorar, assim, eu em São Paulo, ele no Rio, é complicado, então ele veio. Conheci, acho que ele em outubro, aí quando foi Natal ele convidou minha amiga, irmão dela, eu pro Rio de Janeiro. Então nós fomos Rio de Janeiro. Naquele tempo era uma pista só, ônibus demorava pra vir, enfim. No Natal ele já ficou comentando: “e se a gente casar, tudo.” Ano Novo ele me convidou pra passar Ano Novo lá, não? Já pediu em casamento, não?
P/1- Nossa,
R- Então, na realidade 3 meses depois nós casamos, né? A idéia se, que gente jovem acha _____________ e tudo faz, senso prático muito bom, também.
P/1- Por quê que a sua mãe queria mudar pra Taubaté, D. Gália?
R- Porque... meu padrasto arranjou serviço aqui, né? Então, aqui... quer dizer, mudaram. Aí, quer dizer, eu casei. Fui morar em São Pa..., Rio de Janeiro. Só que estranhei, pra começar, porque achava povo de Rio de Janeiro mais abusivo. Em São Paulo, pessoal mais sério, não? Eu sinceramente não gostei Rio. Depois era parente só do meu ex-marido e sogra, sabe como é, não? (riso)
P/1- Ele é russo também?
R- Ele também, nascido na China. E, por coincidência, o pai dele era sócio do meu avô no primeiro carro.
P/1- Olha.
R- Porque era de mesmo... Quando casamos, tudo, disse: “é, seu avô era Alexandre, tal, tal?” Daí, eu falei, ai é, tá. Descobriu-se que era sócio. Depois claro, eles vieram mais cedo, depois meu, (tinha?) chegou uma hora que eles tinham um carro, depois compraram dois carros, então cada um ficou com o seu. Depois um ficou com frota de carros, outro ficou com frota de carros. Chegou uma certa época minha avó, meu avô foi pra uma cidade que é mais pro sul, ________ foi lá, mudou com família, não? A gente ficou em (Rarbin?) mesmo. Meu pai já tinha morrido, não? Então daquela cidade, os russos, como ele era militar, antigo e, então, era inclusive tesoureiro do general (Semionoff?), não? Então, eu acho que pegaram ele e levaram pra Rússia, né? Porque acho que achavam que sabia alguma coisa, onde pode ser... escondido. Pelo menos essa é a versão, né? Então ele...
P/1- O seu avô?
R- É meu avô. Depois minha avó até foi atrás dele, porque descobriu-se, né, aonde que ele estava. E, então, bom...
P/1- Seu ex-marido?
R- Meu ex-marido, conheci, a gente casou.
P/1- Não. Quero perguntar uma coisa.
R- Fala.
P/1- Sogra russa, como é, D. Gália, é pior?
R- Não, sabe o que é? Na realidade, eu acho que senti falta do meu ambiente, né? Porque hoje eu vejo, porque mais tarde, no fim da vida, minha sogra, nós tivemos, mesmo eu separada do meu ex-marido, nós tivemos relacionamento muito bom. Porque é, porque amadurecimento, das ambas partes, né? Então eu sentia, vamos dizer, casamento já estranho, não? Depois sentia falta da meus amigos, da minha mãe, porque minha mãe morava aqui.
P/1- Vocês casaram...
R- Em 60.
P/1- Em 60. Mas vocês casaram no Rio ou...
R- Casamos no Rio, então em 60 já viemos pra cá.
P/1- Sua mãe, seu padrasto não acharam ruim essa coisa assim tão rápida?
R- A minha mãe falou que não deveria, tudo. Mas, como ela falava: “quando você vai ter 18 anos você vai falar, quando você vai ter 18 anos você vai fazer.” Eu fiz 18 anos, eu comecei a falar: “eu vou no cinema, eu vou (tal?)” Quer dizer eu estava 20 anos, eu falei eu vou casar. Ela disse: “cedo.” Eu falei: “mas eu vou casar, não?” Então, simplesmente, papelada eles tinham que assinar, não? E, eu falei que vou casar e eu casei, não? Depois eu procurei não trazer problemas, tudo eu mesma resolvendo, né? Então, na realidade eu fui muito independente, não, dando cabeçadas, mas arcando com conseqüências.
P/1- E a senhora parou de trabalhar, evidente...
R- Parei de trabalhar...
P/1- Ou foi trabalhar no Rio?
R- .. no Rio. Mas, como eu estava vendo que queria sair de lá a todo custo. Então, meu marido uma vez comentou: “ah, queria abrir, tudo.” Eu falei: “cidade pequena, melhor.” Então, na realidade, eu comecei forçar pra vir Taubaté, porque minha mãe estava aqui, não? Então nós viemos uma vez, já fizemos conhecimento, pessoal aqui que trabalhava com ouro, quem que dava ourives, quem que dava relojoeiro, não? Então, primeiro nosso contato, vamos dizer, pesquisar tudo era em 60. Em 60, nasceu meu primeiro filho. E quando 61, a gente já estava aqui. Simplesmente, pegamos caminhão e viemos. Minha mãe assustou.
P/1- Caminhão de mudança, com tudo?
R- Ah, é. Com tudo.
P/1- O seu marido trabalhava com ourivesaria, é isso?
R- É, ele é ourives.
P/1- Ourives no Rio de Janeiro.
R- Ourives de, vamos dizer, é um bom profissional, mesmo.
P/1- E aí, pôs a mudança no caminhão e veio de vez pra Taubaté?
R- É. E, quer dizer, viemos na casa de minha mãe. Logo em seguida, porque já tínhamos comprado terreno, quer dizer, começamos construir, mas alugamos casa, assim, bem rápido. Pegamos esse ponto, Cinelândia, não é? Quer dizer, assim, meu marido trabalhava, pegava serviço no Rio, aí pegamos bijuteria tudo, essa vitrine montava e desmontava, de bicicleta, não? Com malinha, cada vez eu tirava, voltava de noite, chegava tirava de novo, levar pra casa, de manhã levava de novo, né? Então, e sempre falando, tentando pegar serviço pra meu marido, né?
P/1- Certo. E como era Taubaté, quando vocês chegaram aqui em 60?
R- Bom, aí você tem fotografia, quer dizer, perto de mercado, tinha aqueles cavalos pra todo lado. Charretes, cavalos, sujeira, muitas moscas, não? Charretes era muito comum, pessoas, assim, até decentes andar de charrete, né, porque táxi era poucos carros, não? E acho que era mais _______ charrete, você quer ir mais longe, pegar charrete. Estação de trem funcionava bem, né, porque viagem pro Rio eu fiz muita vezes de trem. Tinha trem, assim, normal e tinha puma, não? Onde poltrona você podia andar, vagão restaurante, né? Trem acho muito legal, viajar de trem.
P/1- Sem dúvida.
R- E mulher usar calça era meio estranho. Em São Paulo já usava. Era muito estranho mulher usar calça, pessoal já falava que isso, aquilo.
P/1- A senhora usava calça quando chegou?
R- Eu usava jeans, né? E usava em Taubaté. Vamos dizer, se mulher ia no médico, marido tinha que ir junto. Claro, eu não fazia isso também, porque a gente estava todo o tempo ocupado, não? Se tinha que comprar brilhante ia Rio de Janeiro ou ele ou eu. Se ia Pra São Paulo, ia sempre ou ele ou eu. Porque alguém tinha que ficar com criança, não? Outra vez era assim: “como você deixa mulher ir sozinha pra São Paulo?” (riso)
P/1- E nos anos 60, né, D. Gália? Que São Paulo e Rio, pelo menos, já era um pouquinho avançado.
R- 60, 65, ainda
P/1- Ainda era assim?
R- É, ainda assim.
P/1- Que coisa. Então, a senhora já foi chegando aqui em Taubaté já mudando os padrões, né, D. Gália?
R- Mudando, mesmo. Aí não sabia fazer café e não fazia questão de fazer café, não? Aí, meu marido levantava cedo, como a gente morava na praça, aquela loja outra que é Ponto Azul já, que a gente não sabia ponto, pegar. Pessoal falava: “pegou ponto, pegou ponto.” Quer dizer, Cinelândia é ponto, aí pegamos ponto. Depois, vamos mudar nome, aí colocamos Ponto Azul, porque azul representa esperança. Então tinha, aonde é agora loja de móveis, então tinha Casas Pernambucanas e tinha um bar, enorme, não? Então, de manhã a gente levantava, ia tomar café no bar. Outra vez, totalmente fora dos padrões. Mulher junto com marido no bar, encostado no balcão, tomando café.
P/1- Que horror. (riso)
R- Era, era.
P/1- E como era o comércio de Taubaté? Era bom tinha tudo aqui, D. Gália?
R- Não, não. De fato, não tinha nada, mesmo, não.
P/1- Era pequenininho.
R- Então, vamos dizer, supermercado, primeiro supermercado, isso já em 68, acho que primeiro supermercado. Esse sistema de supermercado. Então, porque São Paulo, outros lugares, ou na África já escada rolante, supermercado que você pode pegar as coisas, era diferente, não? Nós estranhamos. Mas em Taubaté, Pão de Açúcar aqui no centro, não? Foi o primeiro. E era, não tinha nada, porque era costume ir pra São Paulo comprar tudo, não? E hoje, vamos dizer, 20 anos atrás ainda, embalagem boa, tudo tinha que ir em São Paulo comprar. Papelaria, porque... livraria tinha um só. Era Livraria Universal, né? Então hoje tem bastante livrarias, mesmo situação da crise, não? Mas acho que pessoal está lendo mais do que era, né? Então, eu acho, foi progresso, em geral, mesmo com toda essa crise, progresso grande, né?
P/1- Certo.
R- E, assim, sei ... vamos dizer, não é brusco. Mas progresso porque hoje, com toda essa crise, as pessoas têm que soltar sua criatividade. Tem que pensar alguma coisa a fazer. Que aquele tempo que dava, pessoal vendia coisa, colocava porque juros altos e tudo, aquilo era estagnação, não?
P/1- É verdade.
R- Então, na realidade, atraso.
P/1- Quer dizer, a senhora abriu a sua loja Ponto Azul, vendia bijuteria...
R- Primeiro, a Cinelândia vendia bijuteria. Quando Ponto Azul, espaço maior, a gente começou já, mais ou menos pessoal conhecia, colocamos um pouquinho de ouro e pegava bastante serviço. Tinha um relojoeiro, um senhor que trabalhava junto conosco, né? E colocamos, tentamos, tentamos colocar louça, relógios, começou diversificar. Depois nós, eu queria voltar pra São Paulo, porque eu conheci São Paulo tudo. Nós liquidamos tudo em Taubaté, fomos pra São Paulo. Foi cabeçada, porque um ano e meio nós ficamos em São Paulo. Meu marido não conseguia ganhar dinheiro. Passamos, olha, necessidade mesmo. Porque comida tinha que restringir, porque não podia trabalhar. Já nasceu o segundo meu filho, né? Então, nós resolvemos mudar de volta pra Taubaté. Então, voltamos pra Taubaté, abrimos oficina. Ficamos com oficina, acho que uns dois anos. E... 68, aí já abrimos loja. Essa que tem outras fotografias, na Carolina de Souza. Já Joalheria Bespaloff. Então, aí até queria recorte, quando demos anúncio. Porque pessoal falou: “faz coquetel, não sei o que.” Então, dei anúncio em jornal, né? E aí, aí começou loja. Ficamos naquele lugar, nós ficamos mais ou menos 20 anos. Nesse intervalo eu separei, desquitei, aí passei a trabalhar na indústria. Mas, hora que precisava dinheiro extra, eu pegava, tinha conhecidos que pegava jóias, vendia, ganhava 20%, alguma coisa colocava minha, né?
P/1- A senhora foi trabalhar na indústria...
R- Quando desquitei.
P/1- Mas, como desenhista na indústria?
R- Como desenhista.
P/1- Aqui, em São José, em Taubaté?
R- Taubaté. Eu trabalhei um ano na (Mkal?), até tenho aqueles... identidade da (Mkal?), né? Trabalhei um ano na (Mkal?), desenhista mecânica. Depois trabalhei na... Aí, fiz pra mim voltar, depois de 14 anos voltar a trabalhar como desenhista...
P/1- Pois é.
R- Eu comecei a fazer curso, até tem diploma lá de desenhista, né? Eu fiz, estava fazendo esse curso, mas já entrei na (Mkal?). Depois na (Mkal?) trabalhei um ano, fiz ficha na mecânica, então tenho papel que estão pedindo pra eu aparecer na mecânica. Eu peguei férias, chegou a primeira carta, eu estava de férias, não estava em Taubaté. Aí chegou a segunda carta já tinha voltado, foi na mecânica, fiz ficha, quer dizer, entrei na mecânica. Na mecânica trabalhei 8 anos. Aí, nesse intervalo na mecânica, também, começou crise, governo não pagava serviço, começou cortes e começou muita intriga, então queria sair de lá. Aí meu ex-marido ofereceu comprar loja, porque ele estava com indústria Perfur, não? Aqueles brincos Perfur, não?
P/1- Sei.
R- E ele queria vender, ninguém queria comprar tudo. Ele ofereceu pra mim comprar, né? Quer dizer, ficar devendo pra ele, pagar, né? Então, eu pensei, bom, eu posso ficar mais, com filhos. Eu queria sair da mecânica, qualquer lugar, né? Então, eu pedi conta, fechei negócio com ele e... 1o novembro de 84. Quer dizer, agora fez, agora 19 anos que está sob minha direção. Só que peguei todos esses crises, não? Peguei Plano Co... Plano Cruzado, Plano Collor, Plano não sei que, cheque pra trocar.
P/1- Como foi isso, D. Gália? Conta pra gente.
R- Ah, primeira vez foi chocante, sabe? Primeira vez que aconteceu e televisão mostra e prisões. Não pode mudar preço e tal, eu não consegui dormir, e fiquei apavorada. Fui São Paulo, aí um fornecedor meu falou, fez assim ______: “fica calma, isso aqui dois, três meses, daqui a pouco passa tudo.” (riso)
P/1- Isso foi Cruzado, né, o primeiro, em 85?
R- É Cruzado, depois aconteceu outro.
P/1- Isso.
R- Aí já, quando aconteceu o Cruzado eu tinha mais ou menos 125 cheques pra trocar.
P/1- Ai!
R- A gente ficou telefonando, telefonando. Tinha gente que trocou, tinha uns 11, 12, pessoal não trocou. E eu fiquei esperando pra trocar. Aí pessoas... eu fiquei com prejuízo. Porque pessoas não vieram trocar, depois que passou o prazo. Quando aconteceu segundo, a gente telefonou, quem trocou, trocou. Quem não trocou, no último dia, depositei tudo. Porque pensei: eu não vou perder, porque pessoa, também falta de atenção, né? Então aí, você vai acostumando, né?
P/1- Quer dizer, nessa época a senhora está com a joalheria e a relojoaria; manteve a relojoaria, também?
R- Eu manteve, mantive porque antes de Plano Collor, até, vamos dizer, um plano, outro plano, né? Então, era onde eu estava na Carolina de Souza, começou despejo porque eles queriam. Porque lá na esquina tinha bar e o outro meu, era. Então, eles não queriam vender parte, eles queriam vender tudo e eu fiquei com advogado, mas não tinha jeito. Tinha que sair. Naquele tempo com o comércio, mesmo com inflação, estava bom, dava pra ganhar dinheiro. Aí pensei, puxa, não tinha ponto, você qualquer ponto pedindo luvas. Aí, você fica, daqui a pouco pede de novo. Eu pensei, não eu tenho que comprar qualquer coisa, fazer meu ponto pra não ter problema esse de luvas, né? Despejo e tudo. Fiquei procurando, era difícil de achar. E aí, tinha uma casa, tem fotografias lá também, não? Tinha uma casa velha que estava nas várias imobiliárias. Então, eu pensava, vou tentar essa pegar, não? Então era à vista pagar, eu consegui, através de uma imobiliária, falei: “tenta fazer pra mim, pelo menos em três vezes, não é?” Então, rapaz conseguiu, eu fechei negócio. Só que tinha que aprovar planta, demolir e fazer, não? Então, aluguei um ponto. Fiquei 3 anos e pouco, naquele ponto. Porque no centro da cidade tem aqueles patrimônio histórico que não pode. Então tem que ter aprovação de (Condefat?) em São Paulo. E, assim, falavam: “você tem que pagar.” Pagar onde, eu não sei pagar, porque no regime que eu nasci era perigoso, proibido e perigoso, pagar dar alguma coisa pra alguém, não? Nem pra guarda, nunca soube. Eu vou ficar brigando, mas não vou pagar. A não ser que me prove que estou errado, né? Então, aí no fim procurei aqui (Ricar?), porque um ano não conseguia receber meus documentos. Procurei (Ricar?), lá é monte de gente, não tem jeito de falar com ele, falei com secretária, falei: “olha, estou com um ano e pouco e está nesse negócio.” Disse: “como um ano e pouco? Não pode ser isso, traz documentos” Eu trouxe documentos, uma semana depois eu estava com documentos na mão, né? Então, aí eu penso, eu agradeço a Deus e amizades que eu tenho, não? Porque, na realidade, eu toda vida, eu tive sorte de encontrar pessoas boas no meu caminho. E aí, quer dizer, eu aluguei ponto, tinha que construir, então, porque... E aí, eu aluguei ponto, mais velho ainda. Estava... quer dizer, tinha um momento eu fiquei com duas lojas. Porque abri filial no novo ponto e o outro pensei: quem sabe, pessoal concorda em vender pra mim, não? Mas não deu, ficamos 6 meses com duas lojas, depois fechei uma. Aconteceu Plano Collor, que eu acho a crise brasileira verdadeira mesmo começou de lá, porque confiscou dinheiro das pessoas que estavam trabalhando, quer dizer, dinheiro do giro. Então, aí começou a piorar. Porque naquela situação um dos meus filhos trabalhava comigo. Estava fazendo faculdade de, ele já tinha feito faculdade de engenheiro civil, depois estava fazendo faculdade de engenharia. Não engenheiro mecânico ele tinha feito, engenheiro civil estava fazendo. E horários, assim, então ele estava trabalhando comigo e tinha mais seis pessoas, dois guardinhas. Então, Plano Collor aí começou a piorar, piorar, chegou dia 30 não tem dinheiro pra pagar, não? E aí começou assim, guardinhas eu mandei embora. Um rapaz pediu contas, eu falei vai, porque não adianta eu não posso segurar, né? Então foi, foi indo. Fiquei, assim, anos com ourives, tinha uma daquelas, época tinha três ourives, né? Aí fiquei com um ourives, uma funcionária dia inteiro e uma meio período.
P/1- A senhora desenhava suas jóias, é isso D. Gália?
R- Toda vida. Pra meu ex-marido, assim, desenhava e, vamos dizer, você precisa fazer molde.
P/1- Certo.
R- Tinha época, no Rio de Janeiro, quando a gente estava, era na moda peças pesadas. Então tinha, alguém pra desenhar, tinha que fazer molde, né? Aí pensei, quando comecei a trabalhar na mecânica, então setor de preparação, vamos dizer, só que moldes maiores, né? Vamos dizer, uma comporta, você também tem que preparar desenho e depois metragem, preparação tudo, qual é o tamanho da chapa. Então você tem que fazer rascunho tudo, pra mandar pra fábrica cortado, né? Então, na realidade, uma coisa ligada, tudo ligado.
P/1- Tudo ligado.
R- Tudo é útil.
P/1- Como que é o processo de criação de uma jóia? A senhora fica pensando ou surge de repente a idéia?
R- Olha, a idéia, pra começar, às vezes pessoa tem pedra, traz pedra. Então, o que que por exemplo já aconteceu? A pessoa ganhou um anel de pedra de... olho de tigre. Tinha pulseira de olho de tigre, ela queria colar de olho de tigre. Tinha pedras, então a gente transformou. Outra vez, já tinha ao contrário. Tinha colar, aí falta pulseira. Pulseira pedra muito grande, então aí... eu começo a desenhar, não?
P/1- Começa rabiscando?
R- Pra mim, acho que vem, eu começo a rascunhar. Mesmo na mecânica, quando trabalhava, às vezes eu estou olhando desenho não entendo. Eu começo desenhar em perspectiva, aí idéia chega, né? Depois, como nós temos hemisfério esquerdo e direito. Um é lógico, outro intuitivo. Quando você consegue botar os dois pra trabalhar, você usa lógica e intuição. Então, por exemplo, no trabalho da mecânica eu usava muito isso. Eu terminava meu serviço, desenho, vamos, algum pra engenheiro verificar, assinar tudo. Antes de assinar tudo, precisa bom, terminei, mas eu vou verificar isso amanhã. Então, chegava no dia seguinte, pensava: o que está errado? Então, na minha ficha, depois quando pedia ser mandada embora. Pessoal pegou ficha, meu chefe pegou ficha, falou: “Gália, não posso mandar embora.” Na sua ficha poucos erros, pouca margem de erros, não? Então, porque eu fazia isso, usava intuição, então, porque se a gente trabalha, trabalha, fica aquela postura viciada, você não percebe. Se você dorme e no dia seguinte você vem, assim, como fosse primeira vez que você está vendo desenho, a sua intuição funciona mais, você percebe onde que tem erro, não?. Então, aí, achava não. Em tudo, eu uso muito intuição.
P/1- Que que é mais gostoso de desenhar? Um colar, um brinco, um anel, que que é mais gostoso?
R- Não, eu acho todas as coisas interessantes. Por exemplo, às vezes pessoa vem só tem colar. A mulher, em geral, gosta usar conjunto. E, por exemplo, em São Paulo, todo lugar tem muitos colares dessa pérola, que fala pérola arroz. Na realidade, eu conheço pérola de água doce, né? Normalmente colar, não tem brincos, né? Então, aí eu desenho alguma coisa. Pessoa, às vezes gosta de brinco colado como o meu. Tem gente que gosta pendurado. Eu primeiro, eu procuro saber gosto da pessoa, né? Então, por exemplo, se você pegar caderno de desenhos meus, então esse colar uma vez, uma cliente, ela ganhou pérolas grandes de marido dela, viaja pra África tudo, ganhou pedras grandes, azuladas, né? Cinco pedras enormes, né? Então ela queria colar, bem pesado, tinha ouro tudo. Então eu fiz 3, 4 desenhos, mas eu tinha que ficar só, ninguém me perturbar porque molde, nosso pescoço não é assim uma garrafa, põe e pronto. Tem que ter então do lado tudo. Então, que que? Eu fiz primeiro molde, medindo mais ou menos pescoço comprimento. E depois fiquei modelando eu, como eu fiz molde primeiro, depois eu fiz desenhos. Uns três desenhos pra ela escolher, três ou quatro desenhos pra ela escolher qual modelo que ela vai querer, não? E depois junto com ourives trabalha, né? Então claro, você tem que, toda inspiração, na realidade inspiração você entra na alfa, não?
P/1- Ah, sim.
R- Você tem que desligar-se, você tem que botar pra trabalhar seu hemisfério direito, não?
P/1- É verdade.
R- Então, aí você, eu começo a rabiscar, e vai, vai desenhando, né?
P/1- E a senhora, como é que senhora vendia, D. Gália? A senhora vendia com crediário próprio, tomava nota, como que era o sistema de venda?
R- Bom, antigamente, em Taubaté era assim, pessoal: “ah, precisa dar presente, depois eu pago.” Era tudo, tudo no papelzinho, não? Então, inclusive quando eu desquite, eu falei: “não quero saber mais, porque tem gente quanto mais tem, mais difícil pagar.” (riso) É muito ruim. Pessoal mais simples paga mais correto, né?
P/1- Pessoal da roça comprava com a senhora?
R- Comprava.
P/1- Pessoal simples da roça?
R- Comprava. Então, aí era assim, pessoal da roça ti... Porque hoje, pessoal chega da roça, mesmo de onde for, chega, ele vira a loja e depois sai e fala: “vou pesquisar.”. Antes era assim, para na porta, não tem coragem de entrar, aí fala: “quanto é, qual preço brinquinho?” Eu falava: “qual brinquinho?”
P/1- Do lado de fora, nem entrava na loja.
R- Nem entrava na loja. “Qual preço de brinquinho?” Quer dizer, normalmente, a pessoa pensa na bolinha. Mas tem bolinha, tem com pedrinha, tem pedrinha pequena, tem pedrinha maior, né? Fala: “qual brinquinho, não?” Então, antigamente era bom porque até dia 15 a gente tinha que vender pra pagar dívidas, não? Porque depois do dia 15 já ficava mais fácil, né, porque já pagou o que é. Hoje não, chega dia 30, você não consegue ainda... fica devendo no banco, não?
P/1- Mas aí anotava, mas o pessoal, depois alguns vinham pagavam direitinho...
R- Não, pagava. Antes inadimplência praticamente não tinha. Não tinha, mais tarde esse negócio carnê, nota, tudo. Eu falei não. Ou à vista ou cheque pré-datado, não? E até hoje não vendo de outro jeito.
P/1- A senhora não adotou cartão de crédito?
R- Sabe o que é? Cartão de crédito, tinha tempo que eu adotei. Tinha cartão de redito. Aí tem vez que, vamos dizer, antes eu vendia jóias. Logo em seguida, comecei trabalhar com prata, porque eu gosto prata, porque acho bonito, metal que chama atenção, né, muito. E, depois comecei a colocar uma coisa de enfeite, tudo. Como começou piorar, piorar, 10 anos antes, mais de 10 anos já estamos mal. Então, comecei a trabalhar com diversas coisas baratas, enfeitinho, gesso. Hoje tem gesso, hoje tem tudo,não? Eu falei, antes era joalheria, hoje é bazar.
P/1- Bazar.
R- E aí, pessoa às vezes, você põe promoção, pessoa pega várias coisas, dá cartão. Cartão eu vou receber daqui 30 dias Vou receber com desconto. Depois, tinha tempo cartão assim: um cartão você tem que depositar no Bamerindus, outro cartão no Banco do Brasil, outro cartão... Quer dizer, um tinha um monte de contas. Aí tem que ir lá, depois você recebe fatura que está na sua conta, você dá cheque de lá, daqui a pouco cheque volta. A única vez que voltou meu cheque foi cartão, porque eu estava fechando conta no Unibanco e tinha dinheiro do cartão, dei, depositei cheque no Bamerindus. Voltou meu cheque, né? Eu recebi fatura que dinheiro está lá, aí me falam que dinheiro não está lá, não? Então, eu simplesmente tirei todos os cartões, não? Porque, vamos dizer... Eu tenho cartão, porque não pago mensalidade, não? Por causa do cheque especial tudo. Eu uso certos lugares só. Porque depende lugar, eu vou pagar mais caro com cartão.
P/1- A senhora comentou uma coisa agora há pouco muito interessante, a respeito das embalagens. Porque a senhora vendendo jóias, precisava de embalagens, especiais, pra poder colocar a jóia, né, D. Gália? E não tinha isso, a senhora tinha que comprar em São Paulo?
R- É, em São Paulo. Sempre era em São Paulo. Todas embalagens. Era faltando muita coisa. Hoje, vamos dizer, tem embalagens, embalagem pra marmitex, embalagem pra tá, embalagem saquinhos plásticos. Porque ainda 20 anos atrás não tinha isso em Taubaté. Tinha que ir lá no Barão de Duprat ou lá ao redores de 25 de março. Papel, papel de embrulho, de qualidade também não tinha. Quer dizer hoje, hoje tem queijos, tem comida, tem tudo. Frutas, inclusive tem diversidade muito grande, é.
P/1- E os seus clientes eram mais homens, mais mulheres? Era igual?
R- Não. Normalmente, as mulheres gastam mais, né? Toda vida, mulheres gastam mais. Homem mais difícil. Homem mais difícil de comprar.
P/1- Mas tinha homens que iam lá comprar uma jóia de presente, por exemplo.
R- Tinha. Antigamente, porque jóias agora está muito ruim.
P/1- É, então, antigamente.
R- O que eu acho, valor da pessoa justamente é adaptar-se situações, não? Porque se eu contasse, porque antes tinha, vamos dizer, Milton Lago. Vamos dizer, loja melhor, depois nós. Depois, Milton Lago começou a decair. Ademar Jóias ficou muito forte. Eu no segundo plano. Depois _________ abriu, abriu sede, eles têm muita propaganda, muito, quer dizer. Depois que há três anos atrás foi assalto, então, meus filhos achava até que melhor fechar e tudo. Só que eu analisei tudo, eu vou fazer o que, eu estou acostumada, depois eu gosto. Eu gosto dessa parte, eu posso enfeitar vitrine, eu posso desenhar, eu posso conversar, tem pessoas que é, eu tenho contato com pessoas, não? Tem pessoas que falam: “qual pedra que dá sorte pra...?”; “qual pedra que ajuda pra isso?” Eu falei... Aí é uma oportunidade pra mim dissipar um pouco ignorância, não? Falo: “olha, pedra é bom, porque cada cor tem sua vibração; mas pode ser pedra, pode ser cor; mas é a cabeça, porque você pensar é importante, porque nós somos o que pensamos.”
P/1- Verdade.
R- Então, quer dizer, aí eu tenho possibilidade de conversar,não? Então, eu simplesmente, não compro mais ouro. Eu pego encomenda, eu desenho, pego serviços. Eu pego qualquer serviço às vezes. Um abijuteria, de estimação. Eu estou alugando muito?
P/1- Não de jeito nenhum, de jeito nenhum.
R- Então, hoje eu pego qualquer serviço, não? Ponho um preço, por exemplo...
P/1- Qual foi a jóia mais cara que a senhora vendeu?
R- Ah, eu não lembro.
P/1- Não lembra. A que deu mais trabalho?
R- Bom, o que deu mais trabalho, acho que foi esse colar.
P/1- Esse de...
R- Esse colar, é. Porque era mais ou menos 80 gramas de ouro. E tinha que... vamos dizer, uma parte foi fixa, outra parte tinha que fazer flexível. Depois, ela abre-se assim, fecha-se, é uma gargantilha. Eu tenho o desenho lá. E, deu trabalho. Aí meu ourives, depois quando, porque eu desenhei, fiz molde, idealizei. Ele tinha que, porque metal ele é duro, tem que trabalhar ele, não? Então era assim, experimenta, belisca, meu pescoço. Experimenta, tira, belisca. Tira, põe, tira, põe, pra medir, pra dar certo, não? Então deu trabalho, mesmo.
P/1- Mas sua cliente gostou?
R- Gostou. Gostou porque mais tarde mandou pulseira fazer. Porque tem muita gente, tem jóias mais antigas, tem ouro. E é claro, meu interesse é ____________: funde. E, com toda sinceridade, porque uma coisa parada, estagnada, ela não tem energia boa, né? Que hoje feng shui na moda, e muito fala-se sobre isso, não? E verdade, porque se tem coisa que não gosta, recebeu de herança, que não gosta, modifica, usa,né? Eu acho, hoje mesmo, acho assim, meus filhos gostam de alguma coisa, alguém gosta, se eu não preciso muito, passo adiante, né? Então...
P/1- A senhora tem quantos filhos, D. Gália?
R- Três filhos.
P/1- Três filhos. Que que eles fazem?
R- Bom, mais velho, na realidade, está fazendo... Ontem ele fez 43 anos e aí, ele está fazendo... Porque ele tinha, quando jovem começou faculdade de química, três anos, mas depois foi pra... queria viajar. Quer dizer, meus filhos, na realidade, eles colocam em realidade meus sonhos, porque eu gostava viajar, eu queria viajar tudo. Então, quando ele estava no terceiro ano faculdade química, ele resolveu parar e ir. Foi pra Guiana Francesa. Na Guiana Francesa trabalhou assim, serviu exército aqui, chegou lá, quer dizer, procurou quartel, não? Porque era linguagem mais parecida, né? Aí trabalhou lá um pouco, comprou passagem, foi pra França. Aí ficou na França 5 anos. Aí veio pra cá, ficou um pouco pra cá, quer dizer, casou, né, que ele depois se separou. Foi pra Argentina. Ficou na Argentina três anos, três anos mais ou menos. Aí casou segunda vez, não? Aí acomodou. (riso) Nasceu meu neto, não? Nasceu primeiro filho dele, né? E aí ele veio Taubaté, agora em Taubaté. Quer dizer, hoje ele está terminando faculdade advocacia. Outra coisa, nos meus momentos difíceis, eu queria saber as leis, porque sabendo as leis você se defende melhor, não? Então, ele está terminando faculdade e está trabalhando com o pai, também, em parte. Segundo filho meu fez faculdade em 87, ele fez faculdade de mecânica, trabalhou um ano numa firma. Depois veio trabalhar comigo pra fazer faculdade de civil. Fez faculdade de civil, depois trabalhou numa imobiliária em São Paulo. Chegou a abrir aqui junto com colega, depois falou, achou que não compensa, que ganha pouco, não? Aí voltou a trabalhar com o pai, não? Então hoje ele, na realidade, leva bem, porque pai dele já, mais, tem mais 8 anos do que eu, então, já vai na fábrica tudo, mas não faz muita coisa, né? Então, ele trabalha bem, é uma pessoa muito competente, gosta de esporte. Faz 1 ano e pouco, ele comprou jipe, quer dizer, gosta trilha. Porque quando menino, ele corria bicicleta, depois era enduro, moto. Agora jipe. Tem foto, pouco tempo atrás ele me trouxe. Quer dizer, meu neto, filho dele. Não casou, mas tem filho, 16 anos. Então, filho às vezes acompanha ele, às vezes, não? Então ele agora gosta jipe, né? Menor, ele está fazendo faculdade arquitetura. Gosta arte, desligado dos cálculos totalmente, né? (riso) Gosta de (estar?) tudo...
P/1- Quer dizer, nenhum deles quis ir pro comércio, D. Gália?
R- Não, esse, esse, porque é de dó, admite. Eu estou sozinha, praticamente, porque mandei embora, faz dois anos, que dispensei ourives, né? Porque tinha vários ourives trabalhando comigo, não? Então, achei que mais, pra mim melhor, eu dar serviço. Quando tem eu dou, quando não tem não pago. Então, mas esse meu filho com 8 anos ele já queria aprender ourives, né? Então alguma coisa ele já sabia. Esse tempo, que dois anos dispensei ourives, então tem muita coisa que ele faz. Tem outras coisas eu dou fora fazer. Está fazendo faculdade. E , vamos dizer, pintura tem um trabalho dele no meu álbum, também, que ele pegou pra colégio Objetivo. Era dia das mães, ele pegou. Convidaram ele, porque ele estudou no Objetivo e fez uns trabalhos lá. Até, inclusive, por causa dos trabalhos ele tinha bolsa de estudos, 1 ano e meio ele tinha bolsa de estudos. E, aí pegaram serviço pra ele com jovens fazer assim, fazer vários quadros pra dia das mães. Então, claro eu vi ele rabiscando, idealizando que que ele vai fazer e depois com meninos ele fez esses quadros. Então essa exposição foi feita em... no shopping. Ficou bonito, gostei. E sempre ele fica fazendo alguma coisa. Então, acho assim, vamos dizer, ficar desenhando, eu acho, ramo joalheria, ele pode. Já teve trabalhos que ele fez, mesmo, em prata, começou bolar alguma coisa, aí...
P/1- D. Gália, a senhora conheceu o Seu Juca?
R- Sim.
P/1- Como era o Seu Juca?
R- Bom, eu conheci primeiro em Taubaté, pai dele, não? Porque pai dele nasceu na Rússia, falava perfeitamente bem russo. Porque eu falo bem russo. Até quando estive na Rússia ninguém desconfiava que eu sou brasileira, não? Naturalizada.
P/1- Ah, é. A senhora se naturalizou, né?
R- É, é um fato importante, porque em 72 a gente naturalizou-se. Porque nós viemos aqui como apátridas. Porque na China, chinês nós não éramos, russos. Documento russo nós tinha que entregar, porque se não vai pra Rússia, entrega documentos. Aí fica apátrida, não? E aí, quer dizer, pegamos. Até não sabia que receber naturalização não pode, fui de calça jeans, aí já me brecaram falando que tem que ir de saia, não? Então, _________ a gente correu pra comprar saia, coloquei. Vesti saia, fui. Então, tinha bastantes pessoas recebendo, recebendo a... Então a juiz que entregou pra nós naturalização, não? Documento de naturalização. Até fez pronunciamento muito... me emocionou, não? Porque ele falou assim, que muitas pessoas saem de seu país, com seus conhecimentos, quer dizer, vai pra um país desconhecido, traz seu conhecimento, traz seu esforço, trabalha. E de fato, vamos dizer, a gente ama essa terra, não? Por exemplo, quando eu viajo, saio fora, muito bom, na Rússia muito bom, muito divertido, passo. Depois quando eu chego no aeroporto do... primeira vez eu viajei e teve um que foi pra França em 95. 95 não, 85. Então, naquele tempo, aeroporto brasileiro ainda era muito atrasado, não? Então pra mim doeu. Eu pensei: puxa vida, aeroporto da Europa estão aí e pessoal carregando, tudo praticamente braçal, não tem esse negócio correndo, não? Então doeu pra mim. Depois, quando outra vez, outras vezes fui pra Argentina tudo, voltava. Já tem mais, mais assim.Mas eu sinto que é meu lugar lá. Porque aqui, no lugar onde eu nasci vivi 17 anos, aqui vivi muito mais. Então, acho muito bom, né?
P/1- Seu Juca?
R- Juca? É, mudei de assunto. Então pai dele a gente conheceu e ele freqüentava, vamos dizer, toda colônia russa. E Juca era, assim, figura mais distante Mas, quando o pai dele faleceu, aí pediu pra mim se não podia escrever carta pra Israel porque Juca, ele não sabe hebraico, não? E pessoal lá, hebraico, fala, maioria fala russo e hebraico. Porque (etnicamente?) Israel foi formado pelos judeus que saíram da Rússia, então tem muitos costumes. Música muito parecida. Então, aí começou troca. E meu ex-marido respeitava muito ele, assim, opinião dele. Uma pessoa, Juca é uma pessoa sempre de... uma pessoa de muita paz. Sempre ele podendo solucionar, ele gostava ajudar pessoas. Pai dele também era assim, não? E, então, ele pedia. Pediu pra avisar que pai dele faleceu. Então escrevi em russo, mandei carta. Chegou carta em russo, traduzi em português. Então ficou aquela correspondência, enquanto existiu, eu ficava traduzindo. Depois, vamos dizer, como meu ex-marido falava. E ele também, ele gostava de conversar comigo, porque: “a minha mãe falava isso, que que significa?” Aí: “isso, isso.” Então formou-se amizade, não? Porque a gente estava no centro sempre. Depois ele convidou para chapa dele, não? Porque eu pertenço ao sindicato, também, diretora de sindicato, não? E eu gosto de saber das coisas, né? Então...
P/1- E o sindicato aqui é bem atuante? Do comércio?
R- Não, não.
P/1- Não?
R- Não. Eu prefiro nem...
P/1- Não, então tudo bem. Ele, o seu Juca, esse Juca, ele é um apelido, né? Porque o nome dele é Israel Ginsburg.
R- É, Israel Ginsburg.
P/1- O que que é esse Juca, que até hoje não entendi? As pessoas explicaram, a senhora sabe D. Gália?
R- Não, não.
P/1- Porque parece que era um apelido carinhoso que a mãe chamava...
R- Porque acho que, como por exemplo, Francisco, chama Chico, né? Eu acredito que Israel seria...
P/1- Ah, então, tá. Os seus filhos falam russo?
R- Meu filho mais velho fala e lê, porque eu tinha paciência sentar com ele e ensinar. Meia hora por dia, não? Segundo eu já não tinha. (riso) Depois tinha mais atividade, tinha empregada e tudo em português. A primeira empregada que estava, ela até tem muita coisa aprendeu a falar russo. Porque a gente falava russo em casa. E pra mim era mais fácil. Mas como eu falava mal em português, pessoal falava pra mim: “você tem que começar ler em português, ler em português, não?” Então eu peguei, quer dizer, tem que ler em português. Então, aí comecei a aprender melhor. Depois, quando eu desquitei, eu melhorei minha língua mais, né. Porque, vamos dizer, assunto parapsicologia me interessava, eu fui fazer curso. Aí, ioga interessava, fui fazer curso. Então, escuta, escuta, você aprende, né?
P/1- A senhora e o seu marido falavam em russo?
R- Fala, ele fala.
P/1- Então vocês em casa falavam?
R- Falávamos russo.
P/1- Fala um pouquinho de russo pra nós, D. Gália. O que que pode dizer pra gente assim? Que é bom a senhora estar aqui com a gente.
R- __________________________________________________.
P/1- Agora precisa traduzir, né?
R- Não estou xingando.
P/1- Não, é claro que não.
R- Vocês são pessoas muito simpáticas e é um prazer estar com vocês.
P/1- Olha que ótimo, que bacana. Mas isso é pro final da entrevista, a gente ainda não acabou. Eu quero lhe perguntar o que mudou no comércio de Taubaté, dos anos 60 pra cá. O que mais mudou? Ou cliente, ou as pessoas, ou a forma de pagamento, não sei. O que que mais mudou?
R- Eu acho bom senso e, vamos dizer, inadimplência aumentou muito. Porque falam pessoas honestas, elas continuam honestas sempre. Pessoas mais ou menos, assim, fracas, qualquer convite pra desonestidade cai fácil, não? Então eu acho... propaganda, muitas pessoas. Eu vejo assim, pessoal não pode pagar e quer comprar. Então, eu simplesmente não vendo. Vamos dizer, acontece rapaz arranja emprego na prefeitura, dois meses, ele quer no Natal comprar três relógios, né? E ele dois meses só trabalhando. Eu falo: “você não pode comprar três relógios, né?” Porque eu falo: “você compra um, depois você compra mais um.” Porque ele não vai conseguir pagar. Então, vamos dizer, essa código de proteção de consumidor, não sei se é certo. Porque às vezes consumidor tem razão. Às vezes não tem razão, não? Então, e normalmente, esses estabelecimentos procuram pessoas que alguma coisa está errado. Então, eu acho mudou isso. Crise geral, porque antigamente, quem estava trabalhando, vamos dizer, desemprego. Culpa-se muito governo. Eu não acho que governo totalmente culpado disso. Por exemplo, na mecânica trabalhei, eu saí, saí porque eu quis sair. Pedi pra ser mandada, não consegui ser mandada. Eu peguei, mas eu sei que depende de mim, eu tenho que rigorosamente controlar entrada, saída, porque senão não dá. E tem muita gente que foi mandado, saiu, procura serviço por mesmo salário, não acha. Porque quando antes de vários cortes, já era, porque mandavam aqueles que são piores. Por quê? Porque pode pegar um funcionário melhor e mais barato. Bom, a lei é essa. Quem foi mandado embora tem que repensar sua postura. Talvez tem que aperfeiçoar-se, tem que fazer alguma coisa. Eles dizem que quando aumenta dificuldade, pessoas tem que ser mais competentes, né? Quando Plano Collor aconteceu, tinha uma palestra do Joelmir Betting na prefeitura, estava promovendo. Então eu fui. Aí, ele falou, falou, falou. O que deduzi? Que assim, ele falou assim: vai ter pelo menos 10 anos de muita, vamos dizer, competição, busca de excelência e nem todo mundo que vai sobreviver. E o que é de fato, não? Porque cada vez exige-se mais. E quem trabalha, trabalha por preço, ganhando menos, em todos os ramos. Porque logo em seguida, depois de Plano Collor, escutei Ricardo Semler falando, não? Então, ele editou um livro, livro bom, eu li. Achei postura dele, eu acho ideal, não? Então, ele falou assim, que que ele vai ter que fazer? Se confiscaram dinheiro dele, ele não tem dinheiro pra tocar do jeito como tocava, ele vai começar a cortar. E esses que saíram, se eles ganhavam, vamos dizer 2 mil, melhor do que ficar parado, concorda trabalhar por mil.
P/1- Quer dizer que as pessoas se profissionalizam mais hoje em dia?
R- Claro.
P/1- Elas tem que se profissionalizar mais?
R- Claro, tem que profissionalizar e não pode ser tão exigente.
P/1- Certo.
R- Porque enquanto você não arranjou coisa melhor, trabalha o que dá, não?
P/1- Certo.
R- Porque que muitos...Vamos dizer, casos, assim, perto. Eu tinha uma empregada que o marido dela trabalhou na Volks, ganhava mil e duzentos. Por 600 não quer trabalhar. Quando ele arranja por 500 pra ficar no estacionamento, ele larga o estacionamento, dorme, vai dormir, não?
P/1- Não dá certo.
P/1- Então, tem... Se você analisar por perto tem muita gente assim, prefere não trabalhar, do que trabalhar ganhando pouco, não?
P/1- D. Gália, a senhora não tinha uma carreira de comércio, né? A senhora tinha uma profissão, a senhora era desenhista. Como foi entrar no comércio? Foi uma coisa natural na sua vida, a senhora encara assim?
R- Não eu tinha sempre um pouco de comércio. Porque em São Paulo, numa ocasião, a minha amiga pegou bijuteria, a gente tentou vender. No Rio de Janeiro, na realidade, meu marido me mandou aprender, gravar tudo, conversar com cliente, sempre conversava mais. Eu tinha que vender serviço dele. Quando abrimos em Taubaté, loja, porque eu falo que eu não gosto de comércio, mas eu dou informação, não? Meu marido trabalha, não? Na loja, eu ponho tudo, pessoa quer levar, leva. Se a pessoa duvida, eu explico tudo sobre comércio. Eu nunca forço venda, não? Mas eu acho, vamos dizer, cada estabelecimento tem o seu perfil. Então, eu acho informação correta pra pessoa, você não engana ninguém, né?
P/1- Claro.
R- Você está sendo correto. Postura...
P/1- Essa é a lição que a senhora tira do comércio? Nesses seus anos todos, essa lição de realmente ser, a honestidade, a correção, a informação?
R- Porque vender somente pra vender, pra mim, não ia segurar no comércio. Que eu também tem pessoas, assim, eu não tenho muita paciência. Então, tem gente que gosta muito de mim, e tem gente não gosta, não? Porque, assim, tem pessoas que brigou com marido ou porque ela não sabe o que fazer, ela sai da loja, começa, chega assim: “só isso que tem?” Quer dizer, a realidade da pessoa é que ela não sabe o que quer, não? E aí eu pergunto: “Mas senhora queria o que?” “Ah, mas não tem o que eu quero.”Eu falo: “mas senhora explica pra mim, porque pode ser nós fazemos, não?” Porque eu posso desenhar, ou traz desenho pra mim, não? A gente faz, né? Porque de fato, eu conheço muito profissionais, se não faço em Taubaté, eu faço em São Paulo, não? Então tem pessoas, na realidade, ela sai de casa com problemas e ela quer descarregar em alguém, não? Ou pessoa vem, e quer contar, contar, contar. Eu acho... essa pessoa não precisa loja, ela precisa de psicólogo, não? Então tem coisas, que eu acho, se eu trabalhar com... eu ser autêntica, valor meu é esse. Eu vou ser autêntica. Então, eu vejo, eu posso informar alguma coisa pra pessoa, eu vou informar. Então, comércio entra, porque comércio claro, a loja aberta pra eu ganhar dinheiro. Então, todo trabalho, por exemplo, pessoal: “ah, eu queria testar ouro.” Eu falo: “dois reais.” Pessoal acha ruim. Eu falo não. Mas eu compro ácido, que custa dinheiro, eu gasto tempo. E depois eu dou por escrito, eu não falo assim. Ou avaliação, cobro 6 reais Porque isso dá trabalho, isso responsabilidade, mas em compensação quando do fórum, alguma partilha, alguma coisa, o pessoal vem porque dou por escrito, nota fiscal, tudo. Defesa pra mim, defesa pra consumidor, também, né? Porque ele pega um documento, assinado por alguém. Não é assim, foi falado, não? Então, não sei comércio, porque eu acho comércio... Vamos dizer, meu filho menor, ele pinta. Ele pinta, mas ele precisa empresário pra ganhar dinheiro. Ele serviço dele, no Objetivo ele fez, mas ele não botou preço. Ele ganhou lá uma caneta especial, sei lá o que, vamos dizer, uma consideração, tudo. Então, vamos dizer, qualquer serviço meu desenho, eu faço, mas preço pra ele é uma venda. Certo? Lição, lição no comércio você vê, você aprende, pra você vender uma coisa certa pra pessoa, você tem que entender bem ela. O que que ela quer, o que que ela gosta, pra ela ela sair satisfeita, e ela voltar depois. Você tem que entender ela, você tem que ter um pouco de psicologia. Então você conhece tipos e tipos, não? Então, chega, aí às vezes você pra não chorar, você ri, não? Porque eu tenho, eu acho estatuetas cavalo eu acho muito bonito. Tenho uma prateleira só cavalos. Aí chega um rapaz, jeans, assim, rapaz de roça. Aquele sapato com salto um pouquinho mais forte, né? Chega, olha, olha: “é, aquele cavalo está quanto?” “500 e pouco, não sei o que.” Ele: “tá.” Aí ele fala: “aonde que retira?” Eu falei: “aqui mesmo.” “Mas aonde?” Enfim, aí a gente, ele quer retirar e eu falo não, mas aí... No fim, chegou-se conclusão que ele não sei, ou ele pensava que cavalo daquele tipo você tem estábulo pra tirar, né? Porque pessoal que estava comigo, ourives e a moça, eles falaram: “cara pirado, não?” (riso) Porque ele entendeu, eu estou vendendo enfeite, mas ele entendeu acho que que tem cavalo. Ai, é.
P/1- Meu Deus do céu.
R- Não, mas é difícil acreditar. Mas eu pensei: não acredito,não? Eu falei: “não, mas isso aqui só estatueta.” “Mas não tem cavalo?” Eu pensei que ele estava tirando sarro de mim ou ele está, não bate bem, né? (riso) Então no comércio você vê tudo, né?
P/1- De tudo, né? Então, está bom, D. Gália. O que que a senhora achou de dar entrevista pra gente no Projeto Memórias do Comércio?
R- Bom, eu acho um trabalho bom, não? Porque, na realidade, tudo tem que ter, vamos dizer, falam que é Brasil tem história não é muito, mas tem história, tudo tem que ter história. E tem que, vamos dizer, você sabendo história, basear-se, você pode comparar inclusive progresso. Anos 70, fotografia, que mercado era aquele cheiro, aqueles cavalos e tudo. Hoje mercado municipal bem feitinho, fechadinho, limpinho. E, vamos dizer, produtos tem de todo jeito, você pode comparar. Tendo o que era antes, você pode comparar o que é hoje, não? E na nossa vida diária até, você, vamos dizer, “ai, parece que não progredi.” Vamos dizer, eu comparando eu, primeira mudança de dinheiro, eu estava apavorada, estava desmontada. E, na realidade, eu estava com muitos cheques, maioria deles recebi e estava muito bom. Hoje eu fui assaltada, foi metade de coisas que eu tinha foi levado, a gente todo tempo corre risco e cada vez fica tudo mais perigoso, não? Mas hoje eu não acho, importante que eu estou com vida. Importante, vamos dizer, falam assim, se a gente quer segurança, nunca vamos ter, não? Porque todo tempo está mudando. Se você fica aberta a campo, vamos dizer, todo tempo você tem que tomar decisões. Todo tempo você tem que aperfeiçoar sua intuição. Cada coisa que acontece, a sua flexibilidade pra achar resposta certa naquele dado momento, você cresce muito mais, né?
P/1- É verdade.
R- Então, acho serviço de vocês... Inclusive, rapaz trocou horário, eu teria mais tempo na própria sexta feira. Sexta-feira, pensei: não, se é mais fácil pra vocês, eu também na realidade, que que vou dar. Eu vou dar aquilo que é. Não vou inventar nada.
P/1- É lógico, então está bom D. Gália.
R- Obrigada.
P/1- A gente agradece muito, né, Vanessa? Nós agradecemos a sua entrevista, obrigada.
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