P/1 – Affonso, pra gente começar, eu vou perguntar pro senhor, pra gente ficar identificado aqui, o nome completo do senhor, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Affonso Celso Prazeres de Oliveira, né, eu nasci em 25 de junho de 1939, Rio de Janeiro.
P/1 – Perfeito. Fala um pouquinho dos seus pais, qual era o nome deles e qual que era a atividade dos seus pais?
R – Bom, meu pai, José Ribeiro de Oliveira, minha mãe, Maria Aparecida Prazeres de Oliveira, né, a importância, por exemplo, do meu pai, não é, não só pra mim, mas para a própria história de São Paulo, o papai foi revolucionário de 32, né? Era um estudante, fazia na época o Largo São Francisco e Mackenzie, ele fazia duas faculdades ao mesmo tempo, e com 22 anos ele se incorporou à tropa de São Paulo, né, ele comandou aquilo que se chamava na época o Batalhão Princesa, que meu avô, né, estruturou, inclusive armou com combustível etc. deu uma estrutura pra tropa dele. Meu pai esteve no famoso túnel, que era a divisa São Paulo-Rio, e depois se rendeu em Poços de Caldas, divisa com Minas Gerais, que é aonde a tropa federal vinha descendo. Minha mãe era de prendas domésticas, os dois se conheceram em São José do Rio Pardo.
P/1 – Apesar de toda essa história muito ligada à São Paulo, o senhor nasceu no Rio.
R – Nasci no Rio de Janeiro, porque, na época, o quê que aconteceu? Meu pai acabou se homiziando no Uruguai, fugindo pro Uruguai, depois de ser preso, ele conseguiu fugir pro Uruguai, houve um acordo, né, de alguns empresários com o governo federal e esse pessoal mais importante ou que oferecia risco, né, à federação, foram incorporados no Instituto Brasileiro do Café, IBC. E o quê que acontecia? Esse pessoal todo era deslocado, não ficava normalmente em São Paulo, então papai foi designado pro Espírito Santo, pra queimar café no porto, depois ele veio pro Rio de Janeiro e acabou saindo do IBC em...
Continuar leituraP/1 – Affonso, pra gente começar, eu vou perguntar pro senhor, pra gente ficar identificado aqui, o nome completo do senhor, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Affonso Celso Prazeres de Oliveira, né, eu nasci em 25 de junho de 1939, Rio de Janeiro.
P/1 – Perfeito. Fala um pouquinho dos seus pais, qual era o nome deles e qual que era a atividade dos seus pais?
R – Bom, meu pai, José Ribeiro de Oliveira, minha mãe, Maria Aparecida Prazeres de Oliveira, né, a importância, por exemplo, do meu pai, não é, não só pra mim, mas para a própria história de São Paulo, o papai foi revolucionário de 32, né? Era um estudante, fazia na época o Largo São Francisco e Mackenzie, ele fazia duas faculdades ao mesmo tempo, e com 22 anos ele se incorporou à tropa de São Paulo, né, ele comandou aquilo que se chamava na época o Batalhão Princesa, que meu avô, né, estruturou, inclusive armou com combustível etc. deu uma estrutura pra tropa dele. Meu pai esteve no famoso túnel, que era a divisa São Paulo-Rio, e depois se rendeu em Poços de Caldas, divisa com Minas Gerais, que é aonde a tropa federal vinha descendo. Minha mãe era de prendas domésticas, os dois se conheceram em São José do Rio Pardo.
P/1 – Apesar de toda essa história muito ligada à São Paulo, o senhor nasceu no Rio.
R – Nasci no Rio de Janeiro, porque, na época, o quê que aconteceu? Meu pai acabou se homiziando no Uruguai, fugindo pro Uruguai, depois de ser preso, ele conseguiu fugir pro Uruguai, houve um acordo, né, de alguns empresários com o governo federal e esse pessoal mais importante ou que oferecia risco, né, à federação, foram incorporados no Instituto Brasileiro do Café, IBC. E o quê que acontecia? Esse pessoal todo era deslocado, não ficava normalmente em São Paulo, então papai foi designado pro Espírito Santo, pra queimar café no porto, depois ele veio pro Rio de Janeiro e acabou saindo do IBC em Paranaguá, sempre nos portos, era uma forma mais fácil do pessoal da PID, que era a polícia do Getúlio, fiscalizar esse pessoal.
P/1 – Quando o senhor veio pra São Paulo?
R – Eu vim por volta de 1960, um pouco antes eu já tinha estado aqui.
P/1 – O senhor tinha quantos anos naquela época?
R – Eu vim com dezessete pra dezoito anos.
P/1 – Quais são as suas primeiras lembranças dessa São Paulo, quando o senhor veio pra cá? Como é que era a cidade da sua memória dessa época?
R – Olha, assustador, porque eu era um caipirinha do interior, né, cheguei aqui com duas malas, uma de livro, outra de roupa, na Estação da Luz, né, e eu tinha que deslocar pra Vila Matilde, era uma igreja que eu pertencia, eu pretendia ser missionário, né, e fui pra essa igreja na Vila Matilde. A primeira experiência que eu tive aqui em São Paulo é entrando de um lado do trem e saindo do outro, porque a quantidade de gente era tão grande que o pessoal foi empurrando, eu cedi e fui parar do outro lado da estação, né, então o pessoal reclama hoje, lá atrás já tinha um problema de transporte muito sério.
P/1 – O senhor veio, os seus pais já estavam morando aqui, vieram também?
R – Não, não, eles permaneceram no interior, eu que fui o aventureiro.
P/1 – Como é que era a Vila Matilde nos anos 60?
R – Pobre, muito pobre, muito pobre, né, eu dava aula no período da manhã e à noite também, e à tarde eu fazia cursinho.
P/1 – Como é que era a sua casa? Você morava aonde, com outras pessoas, como é que era?
R – Eu morava num cubículo dois por três, né, ainda, inclusive, da minha cama eu fiz duas pra um missionário argentino, a igreja era muito pobre.
P/1 – O senhor veio do interior especificamente por esse objetivo religioso?
R – Não, não só religioso, lógico que eu pretendia estudar, o meu grande sonho era fazer Medicina, acabei não fazendo, eu fiz Química e posteriormente eu fiz Administração de Empresas.
P/1 – Quem são as pessoas que ficaram guardadas na sua memória dessa época, com quem o senhor convivia? Quem te recebeu aqui? Fala um pouquinho.
R – Não, esse pessoal simplesmente passou pela minha vida, né, não houve uma ligação muito grande, houve uma ligação maior entre o pessoal da igreja, hoje nenhum deles existe mais, que eram pessoas bem mais velhas do que eu, certo? Então a minha primeira lembrança passa quando eu chego na Assembleia Legislativa, que eu fiz concurso, entrei na Assembleia, né, em 1962, né, e lá permaneci até 73.
P/1 – O senhor falou um pouquinho especificamente da Vila Matilde, mas e a cidade como um todo? O senhor frequentava São Paulo, onde eram os lugares que o senhor ia? Como eram esses lugares lá no começo dos anos 60?
R – Não, nesse momento que eu vivi na Vila Matilde eu não tinha contato quase com o centro da cidade, eu vinha só pro centro pra fazer o cursinho, né, e voltava, e fins de semana eu viajava pra ver a família, né, a namorada, a família, então eu não tinha contato. Passei a ter contato quando eu vim morar, na primeira fase, na Capitão Salomão, ali que é junto da praça. Como que chama ali a praça? Bom, não é importante, ali sim que eu comecei viver o centro da cidade, que era fantástico.
P/1 – Conta um pouquinho.
R – Por exemplo, eu cruzei quantas vezes com o Jô Soares, Roberto Carlos, o Tremendão, Wanderlea, na esquina da São João com a Ipiranga, tá representado na música. Então é pra cá, pro centro da cidade, nesse momento, que convergiam todos os interesses, especialmente culturais e de lazer, né? O centro era o local histórico, que é o caso do Pateo do Collegio, né, a estrutura era outra, o acabamento era outro, a vivência era outra, né? Hoje, o centro da cidade tá degradado, a partir de 83, 84, o centro da cidade desaparece, desaparece a Cinelândia, né, eu, por exemplo, ia ao Cine Metro de gravata, porque você não entrava. Então, quando eu esquecia a gravata, que eu saía do trabalho, né, eu tinha lá um porteiro que me emprestava a gravata dele, senão você não entrava. Então o que mudou o centro da cidade, por exemplo, a Avenida São Luís era um boulevard, uma das coisas mais lindas, se você teve já em Paris, né, lembra ali o Arco do Triunfo, a rua, eu não me lembro também o nome da avenida.
P/1 – Champs Elysées.
R – Champs Elysées, lembrava a Champs Elysées, né, eu tive em Champs Elysées e matei a saudade da Avenida São Luís, que muda quando muda o trânsito do centro da cidade, que muda quando se cria o zoneamento em São Paulo, né? Então eu ia muito longe, a história é muito grande, a deterioração da Praça da Sé, República, né, depois Paulista, que agora que a Paulista tem uma outra representatividade, você devia ter vivido o momento da Rua Augusta, era um show, né?
P/1 – Mas nesse período que o senhor ia no cinema de gravata, por exemplo, o que mais que o senhor costumava fazer aqui no centro da cidade?
R – Não, era mais ou menos isso, era cinemas, teatro, né, e os restaurantes, ainda alguns permanecem.
P/1 – E aí o primeiro emprego do senhor foi na Assembleia, concursado?
R – Concursado.
P/1 – Como é que era? O que o senhor fazia lá? Como é que era a Assembleia naquela época?
R – Eu passei primeiro pelo legislativo, eu fazia a revisão dos discursos, né, antes da publicação, correção do português etc. e depois eu passei pro setor de comissões, no setor de comissões eu depois criei uma especialidade, que era as comissões especiais de inquérito, né, chamava-se CEI, hoje tem outro nome, CPI, então na Assembleia a minha especialidade era essa.
P/1 – Nessa época o senhor já namorava, o senhor já tinha se casado?
R – Namorar, eu sempre namorei e continuo namorando, né, então eu conheci a minha esposa na Assembleia, né, e estamos juntos há 46 anos.
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Léia Vieira Pinto.
P/1 – Quando que o Copan se mistura com a sua história, senhor Affonso?
R – Quando eu venho pra cá, né, eu morei na Capitão Salomão, Largo do Paissandu, certo, eu vim pra cá porque a Getúlio Vargas era aqui na Martins Fontes, depois ela sai e vai pra Nove de Julho, né, eu comecei Administração lá, certo, depois dei continuidade em outra faculdade, mas eu vim pra cá em função disso, que era mais perto, né, não só da Assembleia como também da Martins Fontes.
P/1 – Naquela época, o senhor se lembra, eu imagino que a construção desse prédio, naquela época, deve ter chamado muita atenção na cidade, ou não? O senhor se lembra desse período, ainda mais o senhor morando perto daqui antes, o senhor se lembra de como era a construção, que se comentava, o impacto que isso trouxe pra cidade?
R – Olha, por incrível que pareça, eu não tive interesse nenhum na arquitetura, eu tava procurando comodidade, com o tempo, a vivência dentro do prédio, eu acabei me apaixonando e sou um apaixonado mesmo e tenho ciúmes, isso que é perigoso. Então eu só adquiri realmente a realidade das coisas quando eu conheci, lá atrás, o Oscar Niemeyer, que, por incrível que pareça, se dá pouco valor a esse homem, porque não é só o gênio da arquitetura, é o gênio como pessoa, como ser humano, eu tive a oportunidade de conhecer esse lado desse homem.
P/1 – Como que foi esse encontro?
R – O primeiro foi aqui em São Paulo, apresentado pelo Paulo Maluf, então prefeito, né, numa Bienal de Arquitetura, e posteriormente, ao longo do tempo, a gente adquiriu uma amizade e respeito mútuo.
P/1 – O que o senhor se lembra dessa convivência com ele? Algum episódio mais marcante?
R – São dois que marcam bastante, primeiro, no primeiro encontro ele falou: “Affonso, eu não fiz o Copan”, eu ainda brinquei com ele, eu falei: “Oscar, você não tá falando sério, eu tenho toda uma documentação assinada pelo senhor”, “Não, aquilo foi só uma passagem, fizeram uma série de modificações, aquilo não é meu mais” etc. e uma dificuldade do diálogo, né, tanto que ele cessou esse diálogo, virou as costas, né? Eu fiquei muito chateado com a história toda, mas só que, ao longo do tempo, eu fui adquirindo a confiança dele, a ponto que, quando ele comemorou cem anos, nós fizemos aqui uma homenagem a ele na fachada, né. Isso, inclusive, esse material todo a gente preserva e vai praquele que nós chamamos de Museu do Copan. Quando eu sair daqui, eu espero que esse museu esteja pronto, né, que ele retrata não só a jornada do Oscar aqui dentro, né, e a jornada posterior, então nós fizemos uma homenagem a ele dos cem anos. Nesse ínterim, né, ele pediu ao Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, né, que tombasse o prédio, ele pede uma série de projetos dele, o tombamento, e o único que é privado é o Copan, o resto são todos prédios públicos, isso é uma promessa que ele havia me feito num encontro que nós tivemos, e aquele trabalho retrata bem, né, que foi aprovado por ele, eu tenho as fotos, depois, se vocês quiserem documentar, ele me prometeu que de uma forma ou outra ele ia ajudar o Copan, né? Ele sabia da minha luta, da nossa luta, não é só minha, né, de restaurar esse prédio por completo, internamente ele tá quase pronto, né, faltam alguns detalhes, agora nós estamos trabalhando na fachada. Naquele momento, ele disse: “De uma forma ou outra, lá na frente você vai ver que eu vou te ajudar”, foi justamente com esse pedido de tombamento e o reconhecimento então da obra dele, do projeto dele.
P/1 – Agora, Affonso, voltando um pouco no tempo, quando o senhor chegou aqui, começo dos anos 60, foi isso? Conta pra mim como foi a primeira impressão chegando aqui, como é que foram os primeiros tempos seus como morador aqui no Copan?
R – Olha, no início, o prédio não tinha muita gente, né, inclusive o bloco que eu morei inicialmente tinha só três dos cinco elevadores, os outros dois ainda estavam em construção. A prioridade dos proprietários para os inquilinos era voltado ao pessoal estudante e, naquela época, os descasados. O que são os descasados? Não existia o divórcio, né, existia o desquite e o primeiro passo para o desquite era a separação de corpos, então normalmente o marido saía de casa, então o Copan tava entulhado desse pessoal que tava só passando, quer dizer, era o momento da vida de cada um deles, né, pra poder conseguir o desquite, né, e logo em seguida eles saíam do prédio, não ficavam muito tempo, tanto que, quando eu cheguei aqui pra administrar, o prédio tinha mais de trezentos imóveis vazios, né? Então a prioridade eram os descasados e estudantes, só que isso foi mudando, à partir de 85, a cidade, o centro da cidade perde as suas características, como já havia perdido a Sé e começa a perder também a Paulista, tá ok, isso desvaloriza não só o centro, os imóveis do centro, consequentemente as pessoas começam a sair do Copan, como começam a sair do centro da cidade, certo? Você vê que o pessoal passa a ir para o Morumbi, vocês, por exemplo, não conheceram o Morumbi, quando eu cheguei aqui em São Paulo, era um loteamento, né, então as pessoas começam a construir, começam a sair do centro da cidade, dada a sujeira, a frequência, que ainda, por incrível que pareça, apesar de alguns esforços tipo o Viva o Centro, né, tentando dar um novo modelo de cidade, de centro de cidade, ainda não conseguiu. Porque hoje, lamentavelmente, se lá atrás o problema foi o abandono em função da exploração urbanística, né, você começa a fazer investimentos em outros locais, tá certo, você começa a sair, isso desvaloriza o centro da cidade, desvaloriza com a nova frequência, porque os apartamentos passam a ter valores menores de aluguel ou valores menores de preço de unidades. Então começa a ter uma outra característica e o Copan entra nessa, então o maior problema aqui, nesse momento, é o início da droga e da prostituição.
P/1 – Mas ainda lá nos anos 60, o senhor se lembra, por exemplo, a sua relação com os vizinhos na época, como que era o dia-a-dia aqui? O senhor se lembra de alguma passagem, de algum episódio, de alguma pessoa que tenha te marcado, que morava aqui?
R – O meu vizinho de frente era um desembargador, que tinha acabado de se separar, então ele não tinha pra onde ir e alugou o apartamento em frente ao meu e acabamos fazendo amizade de elevador, depois um frequentava a unidade do outro e ele era um grande jogador de xadrez. Eu tinha paixão por xadrez, mas não sabia fazer nada, né, apesar de ler livros etc. Ele, com muita paciência, começou a me ensinar, chegou um momento que a gente era muito ocupado, tanto eu como ele, no começo ele tinha a chave do meu apartamento, eu tinha a dele, o jogo ficava no dele ou no meu, cada um vinha, fazia o seu lance e ia embora, no dia seguinte, né, então era uma brincadeira. Até que nós conseguimos autorização, porque aí começou a namorar, de repente eu metia a chave no apartamento, né, ele também, eu também, e conversamos com o zelador, chamava-se Elzo, e: “Olha, queremos deixar a mesa de xadrez no corredor”, foi um monte de dificuldade, mas conseguimos, certo. E o bacana de toda a história é que o corredor todo começou a participar, justamente a meu favor, porque eu era o mais fraquinho, então às vezes eu não conseguia dar a jogada, tinha um vizinho qualquer, que eu nunca identifiquei, dava o lance por mim e deixava escrito o que tinha sido feito. Então esse foi um momento gostoso desse prédio, mas ele começa a se descaracterizar logo em seguida, né?
P/1 – E aí quando o senhor se casou, o senhor continuou morando aqui?
R – Continuei morando aqui.
P/1 – Sempre na mesma unidade?
R – Nessa mesma, no início na mesma unidade, porque eu não permaneci em São Paulo, eu vinha pra trabalhar, eu chegava na segunda e voltava na sexta-feira pro interior, problemas de família, da minha família e da família da minha esposa, nós tínhamos pessoas doentes que nós tínhamos que cuidar. Então praticamente o apartamento servia só pra dormir, as refeições eram feitas fora etc. Então com o tempo a gente viu a necessidade, aí ela se aposentou, né, e vimos a necessidade de ir pra outro apartamento, porque ela ia permanecer mais em casa etc.
P/1 – Hoje em dia, você imagina que esse vídeo vai passar pra um público canadense, que não conhece São Paulo, a maioria não conhece.
R – Eles não vão entender nada.
P/1 – Eu queria que o senhor me falasse o seguinte, o senhor falou várias vezes sobre esse processo de degradação do centro a partir dos anos 80, acho que houve outras etapas, inclusive de revitalização etc. O senhor mora aqui há muitas décadas, descreve pra mim a sua região, o seu bairro aqui, o centro da cidade, pra um estrangeiro, como o senhor descreveria o entorno da sua casa?
R – No começo, fantástico, como eu citei pra você, o boulevard da Avenida São Luís, que fica logo aqui na esquina do prédio, né, os cinemas, né, a convergência pra cá pro lazer, pra teatro, cinema, os restaurantes e isso aos poucos vai desaparecendo. Desaparece o jardim aqui da frente, que é o Conde Penteado, a República, não sei, pouca gente sabe a história da República, a República, ela foi criada inicialmente como praça de touros, vocês não sabiam isso, então faz parte da história de São Paulo. Então isto, com a construção dos prédios, você tem o boom após a Segunda Guerra Mundial, né, se estruturam prédios aqui de valor fantástico, era tal a preocupação. Inclusive isso é um detalhe de uns dos prédios aqui da São Luís, que o subsolo não tinha garagem, tinha um bunker, porque o pessoal tinha medo que São Paulo fosse bombardeada também, isso faz parte da história. Então tinha uma outra característica, né, nós tínhamos na São Luís, voltando ainda à São Luís, o footing, você sabe o que é um footing? Na Barão tinha footing, as meninas de um lado, os meninos do outro, né, era a forma da gente conquistar as meninas pra ir ter um namorico etc. isso foi perdendo ao longo do tempo, né? Com o período de construções, chega o pessoal do Norte e Nordeste, né, que é a mão-de-obra que era necessária, eles, né, graças a Deus, começam também a mudar a nossa forma de ver as coisas. Então, veja bem, é ir muito longe, é muito difícil poder em pouco tempo colocar pra vocês tudo aquilo que eu vivi.
P/1 – Mas e hoje, aqui, senhor Affonso, descreve um pouco hoje?
R – Hoje é uma área perigosa, né, não em torno do Copan, né, por causa do sistema de vigilância que alguns prédios mantêm de forma unitária aqui, que a gente se corresponde, a gente troca informações etc. Mas, se você sair desse triângulo, né, as coisas ficam um pouco mais pesadas.
P/1 – O senhor tava falando da questão da violência, mas e fisicamente, o que o senhor costuma fazer aqui na região, por exemplo?
R – Praticamente nada, né, eu vivo dentro do prédio, fora isso, fim de semana eu saio do centro da cidade, eu procuro os shoppings, né, que a praia do paulistano é o shopping, então é lá que eu busco o meu lazer, né? Gosto, adoro, frequento a Sala São Paulo, adoro música clássica, não sou intelectual, por favor, mas gosto, fui criado, uns dos meus tios, o Jaime, ele foi spalla da Sinfônica Brasileira, então eu fui criado desde criança com música, então adoro música, então minha diversão é só isso. Férias eu tiro uma vez por ano só, são seis dias de férias por ano.
P/1 – Falando em férias, o senhor já morava aqui e aí, em algum momento da sua história com o Copan, o senhor se tornou síndico do Copan.
R – Por acidente.
P/1 – Conta como foi isso, quando foi isso, conta pra gente essa história.
R – Olha, o prédio vinha se deteriorando rapidamente, isso por volta de 85 pra diante, né, aquela comunhão com o próprio centro da cidade, e a administração daqui vinha falhando, nas suas decisões, a ponto que chega em 92 com um problema sério de pagamento da parte de energia elétrica, água, funcionários, né, os elevadores sucateados, né, problema de falta de água, porque o sistema de recalque do prédio não funcionava a contento. Tinha um vazamento diário de mais de quinze mil litros, no próprio setor de bombas, e que não se dava uma solução. Então em 92 se apresenta aqui um candidato, que resolve encarar o pessoal que tava aqui na administração, eu fui chamado simplesmente pra poder fazer a coleta de procurações, pra saber, tanto de um lado como do outro, o que era autêntico, o quê que não era autêntico. Eu comecei a fazer esse trabalho eram duas horas da tarde, 14hrs, e fui terminar às 22hrs30, não tinha concluído ainda por completo, né, foi aí que eu alertei o pessoal que iria fazer a assembleia, os dirigentes, que a convocação valia só até à meia noite, que aqui é feito por edital, publicado em jornal, ela perderia o valor. Então resolveram instalar e foi instalado nessa sala essa assembleia e me convidaram para presidir, então daí pra frente passei a presidir as assembleias internas, que é quando começa a reestruturação do prédio, né? A administração que aqui estava perdeu a eleição, né, e o novo síndico aqui ficou por volta de oito meses, ele não suportou a pressão, os problemas eram muito sérios, né, e, como eu presidia, me pediram que fosse eu o próximo candidato a substituir esse síndico, eu ofereci um projeto, né? Eu larguei as minhas coisas, porque eu tinha já uma paixão por isso aqui e o meu sentimento, quando eu presidia, era de tentar mudar as coisas aqui, né, aqui é um prédio, é um ícone da cidade, é um marco da arquitetura, ele tem uma importância muito grande. Então eu comecei a administrar o prédio em 93, mas com o projeto só de dois anos, daí pra frente eles dariam sequência, porque era um projeto a curto, médio e longo prazo, né, que incluía a substituição dos elevadores, a troca de tomadas, nós gastávamos, só pra você ter uma ideia, um milhão de litros por dia, hoje gastamos trezentos e sessenta litros, né, e tinha o quê? Um vazio de trezentos apartamentos, então a conquista foi muito grande ao longo desse tempo, eu tô aqui há 23 anos, né, tô indo pra 23 anos agora, dia 27 de março, certo, e ao longo desse tempo a gente foi recuperando o prédio paulatinamente. Como eu disse, eu pretendia não ficar, mas a importância do caso em sim, né, e da necessidade de dar uma continuidade, eu fui ficando a pedido dos moradores, todo outubro que antecede, que é o caso desse ano, em outubro, eu coloco o meu cargo à disposição, sempre, né, e deixo pra eles escolherem eventualmente uma outra pessoa e normalmente sou eu que eles reencaminham, né?
P/1 – Só pra gente ser apresentado agora.
R – Essa que passou é a minha esposa.
P/1 – Pra gente conhecer em números aqui o Copan, fala um pouquinho pra gente, por exemplo, o senhor, na condição de síndico e conhecedor do prédio, fala um pouquinho dos números, quantas pessoas moram aqui?
R – Aproximadamente cinco mil pessoas, são 1160 unidades, né, apartamentos, nós temos metragens que vão de 23 a 26 metros até 219 metros quadrados, né, são seis blocos, ou seja, seis torres, unificadas. Existem condomínios maiores do que o Copan, certo, mas não uma unidade só, tanto que nós estamos no Guinness Book como a maior estrutura consolidada de concreto da América Latina.
P/1 – Quantas pessoas moram aqui, mais ou menos?
R – Aproximadamente cinco mil, você tem muito novo, ou seja, entradas e saídas, mas aproximadamente.
P/1 – Em 23 anos aqui eu imagino que o senhor deve ter se deparado, porque o senhor falou mais da questão estrutural, quais eram os problemas, o elevador, o vazamento, a questão elétrica, agora, em 23 anos e com tanta gente morando aqui, eu imagino que o senhor deve ter se deparado com muitas situações inusitadas ou curiosas ou difíceis na relação entre as pessoas.
R – Esse é o dia-a-dia aqui, mas o síndico é um pouco padre também, tem o confessionário, ele não pode falar do pecado alheio, né, então dificilmente eu conto histórias, porque nós tivemos um exemplo muito interessante aqui de uma escritora que morou aqui no bloco E e acabou publicando um livro de ficção, mas nada mais era do que a história de moradores verdadeiros, ela simplesmente deu um título a cada um, tá ok? Ela quase foi linchada aqui dentro, né, porque contou intimidades justamente dessas pessoas, eu não vou poder citar nomes, né, mas você identifica no livro dela esses moradores, desde o síndico etc. etc. Eu, por exemplo, tô escrevendo dois livros, tá no final, né, só vou publicar, com as devidas reservas, depois que eu sair daqui.
P/1 – Agora, sem entrar na intimidade de ninguém etc. mas tem algum fato, algum episódio que ilustre.
R – Eu vou só contar uma historinha pra você, né, só que eu não vou contar os personagens, um morador que me procurou algumas vezes, inclusive até muito irritado, e eu vou brincar agora, tá? Ele falou: “Ó, seu Affonso, tem um tal de toc-toc toda a noite, por volta de onze e meia, meia noite, e um assobio depois, isso tá me incomodando muito, né, eu vou descobrir da onde vem isso e vou botar pra quebrar”. Eu saí pra pesquisar, inclusive passei eu também, pessoalmente, a participar do problema, porque a pessoa tava no limite, eu não sabia bem as consequências disso, até que descobri que no vizinho acima, né, o quê que estava acontecendo? Um filho viu o problema da mãe e trouxe a mãe pra morar com ele, certo, e ela andava de cadeira de rodas dentro de casa e ele tinha os tacos soltos, os tacos justamente, né, do corredor, como ela tinha que se deslocar do quarto até o banheiro, né, porque ela ficava na cama. Só à noite que o filho chegava e ia dar o banho na mãe, então punha na cadeira de rodas e levava até o banheiro, como o taco tava solto, à medida que a cadeira de rodas, era o toc-toc dos tacos se acomodando. Eu falei: “Pô, e o assobio?”, né, o quê que era o assobio? É uma coisa super interessante, eu ainda tenho isso como problema com um vizinho meu, certo, aqui o tipo de registros são de gaveta, não sei se você sabe o quê que é gaveta.
P/1 – Não.
R – Gaveta é, você tem o fluxo de água e tem algo que desce, como se fosse uma guilhotina, e fecha esse fluxo, o outro você tem um tipo de borracha, né, e aperta esse fluxo, ele não funciona e o dele era de gaveta, certo, a maioria dos registros aqui de chuveiro são de gaveta. Então o que acontece? Ele vibrava, na hora que passava a água, vibrava e lógico que tinha um som de um apito, isso que tava enervando ele, então ele achava que era alguém que tava batucando e assobiando ao mesmo tempo e não era, era a velhinha que ia tomar banho toda noite. Então essa história eu conto, né, as outras, nossa, eu tenho, enorme, o meu livro tá cheio disso, tá certo, mas eu não identifico, mas apenas exemplifico pros futuros síndicos que vierem, não só aqui, fora daqui, né. Como exemplo de você ter paciência, de você participar, certo, estar presente, tá ok, porque nada mais é, tudo isso aqui, que a extensão da minha casa. Eu sou proprietário, mas não sou proprietário do prédio, tá certo, então eu tenho que aprender, e eu aprendi ao longo do tempo a ouvir as pessoas, isso não quer dizer que de vez em quando haja afobação por parte da minha pessoa, que eu também sou ser humano, assim como Jesus, né, que também teve inimigos, que passou a mão no chicote, de vez em quando eu pego um chicote.
P/2 – O Copan ser um prédio desse tamanho e ter tantos moradores implica em muitas peculiaridades e a gente, em meia hora que a gente passa aqui, a gente já vê que aqui funciona como uma empresa, com muitos funcionários e tudo mais, eu acho que isso implica em certas curiosidades que a gente nem imagina, pessoas como nós. Por exemplo, eu visitei o Banespa e me disseram que lá eles tinham um problema com suicídio, por ser um prédio muito alto. Então eu imagino que o Copan, com tanta gente, tem outras curiosidades, tem alguma peculiaridade que você pode contar pra gente, que a gente nem imagina? Por exemplo, aqui a gente tem tantos moradores que é comum ter briga e não sei o que, é comum morador...
R – Isso é normal, quando vocês chegaram, vocês viram que eu tava revendo uns livros aqui, esses livros são, nada mais é que o relatório 24 horas, né, quando eu estou na ativa, ou seja, que eu chego aqui 8h30 e fico até às 18h, quando, às vezes, não fico até um pouco mais, eu resolvo os problemas, a partir daí eles são obrigados a emitir relatório de tudo o que acontece, tá certo? Porque eu também não quero ser o marido traído, então no dia seguinte, como eu tenho que dar solução ao problema, eu passo a mão no relatório, tem as informações. Então é comum as coisas acontecerem, antes eu tinha uma participação maior, mas ao longo do tempo, que a história da empresa, né, comecei a delegar, então, por exemplo, eu tinha um zelador, dispensei o zelador, tive dois, dispensei os dois, né, e criei uma outra estrutura, que ela é muito mais funcional, muito mais flexível. Então eu criei aquilo que eu chamo de zeladoria e essa zeladoria que desempenha, eu tenho uma sala de segurança, que é essa imagem que vocês estão vendo aqui, e pro um futuro bem próximo, se alguém espirrar no corredor, eu vou falar daqui saúde, certo? Então eu acompanho, se vocês verem esses arquivos todos, tem o histórico da vida de cada unidade, se amanhã você pedir informação sobre um outro morador que já esteve, eu tenho como dar, como referência. Então sempre eu advirto os moradores que eles têm o quê? O currículo deles aqui, se saírem daqui, essa informação pode ou não, de repente, se for interesse policial etc. pode ser vazada.
P/2 – Quantos funcionários tem aqui?
R – Cento e quatro.
P/1 – Deixa eu perguntar pro senhor, um pouco nesse sentido, além de ter muita gente morando aqui, como tem unidades dos mais diversos tamanhos e padrões, como o senhor falou, eu imagino que deve ter uma diversidade imensa.
R – É a estratificação, né, você tem o triângulo completo aqui, né, eu tenho o porteiro que é de um outro prédio que mora aqui e eu tenho a Mercedes blindada lá embaixo, então eu brinco muito, eu tenho desde o fusquinha, eu tenho dois, que são uma gracinha, e tenho a Mercedes, o Audi, pensa os carros mais caros possíveis, eu tenho lá disponível. Então eu tenho essa diversificação aqui, não existe relacionamento de um bloco com o outro, essa relação se dá exclusivamente no térreo, na galeria, né, porque esses blocos, eles não se comunicam, excepcionalmente através do terraço, por razões de emergência, saídas de emergência, galeria, através das portarias ou subsolo, só.
P/1 – Então o prédio acaba sendo um resumo da sociedade, né?
R – Com certeza.
P/1 – Tem alguma, essa estratificação já gerou situações, assim, que o senhor acha que sejam ilustrativas?
R – Não, se dão muito bem, né, porque os pontos de encontro aqui quais são? O café, o principal café que nós temos aqui na galeria, que tá há mais de trinta anos aqui, né, e os restaurantes, isso que refere-se a, e fim de ano, que eu abro o terraço, esse ano não abri, por razões de segurança, que o pessoal se confraterniza, né, na virada do ano.
P/2 – Se muita gente decidir ir não cabe.
P/1 – Agora, nos 23 anos seus à frente do Copan, qual foi a maior dificuldade que o senhor encontrou?
R – O início, no início foi muito pesado, toda essa estrutura que você vê hoje se sintetizava num armário com oito gavetas, que tinha os cartões, né, que pseudamente se entendia como sendo proprietários etc. O que não era verdade, eu tive que rever a partir do ponto zero. Eu refiz tudo isso, né, e hoje eu tenho a identificação de quem é proprietário, a partir de quando, eu tenho o histórico, a vida de cada unidade, como eu falei pra você.
P/1 – Qual que foi o momento de maior gratificação?
R – Acho que vai ser na hora que eu sair, tem tanta coisa pra ser feita, não existe uma gratificação, a gratificação é o prazer que eu tenho de vir trabalhar todos os dias, né? Eu aprendi, desde criança, que não se deve esperar gratidão de ninguém, a gratificação, talvez isso que você queira saber, é algo pessoal, da paixão, do amor que você tem por aquilo que você faz.
P/1 – Por que o senhor gosta tanto do Copan? Pelo o que eu entendi, gosta há muitos e muitos anos.
R – Porque aqui foi minha vida, eu cheguei jovem aqui, né, inocente, perdi essa inocência, graças a Deus, tá certo, e vivi a vida de uma comunidade, é como se você tivesse, fora daqui, numa cidade e você tivesse uma participação ativa dentro dessa cidade, né? Então vi nascerem pessoas, morrerem pessoas, né, via a evolução dessas pessoas que estudaram comigo, eu tenho amigos médicos que moram aqui, certo, o pessoal que, de uma forma ou outra, eu ajudei a crescer. Tivemos um rapaz aqui que ele veio no início pra puxar cabo, nós estávamos mudando a parte elétrica do prédio, hoje é um menino que é engenheiro, a gente ajudou, né, ele conseguiu estudar, teve vontade de estudar, é um engenheiro e tem uma empresa saudável, né? Tudo isso é, talvez, também uma gratificação, tinha um rapaz aqui que veio pra limpeza, são exemplos, são inúmeros, né, que ele não sabia ler nem escrever, aí eu lancei o desafio pra ele, então eu dei pra ele um dicionário e o livro “O Príncipe”, não sei se você conhece, né, fantástico, hoje é um dos meus encarregados aqui, braço direito. Então isso é gratificação, o que nós tentamos fazer aqui é com que todos, sem exceção, cresçam, aqueles que não têm vontade de crescer, inclusive como moradores, acabam saindo, não acabam se adaptando à comunidade.
P/1 – Como que é ser síndico daqui? Descreve o seu trabalho, como que é ser síndico do Copan?
R – Não tem grande segredo, né, o dia-a-dia é problema, de resolver problemas de conflitos, esse é o maior problema. Então o que é ser síndico aqui? É o dia-a-dia, manutenção, você tem que ter conhecimento, eletricidade, mecânica, né, relações pessoais, interpessoais, certo, tem que ter jogo de cintura, nada mais.
P/1 – São quantos profissionais?
R – Aqui 104, é um dos poucos prédios que tem uma estrutura própria, né, eu tenho minhas próprias oficinas, né, nós chegamos, inclusive eu produzi alguns tipos de materiais, né, por exemplo, nós fabricamos, há muito tempo atrás, as sirenes todas do prédio, fizemos o projeto, né, as sirenes são diferenciadas, né, no som etc. Então nós temos cinco oficinas, essas oficinas fazem a parte hidráulica, elétrica, pintura, mecânica, ou seja, nós temos uma estrutura própria, nossa mesmo. Eu terceirizo parcialmente os elevadores, mesmo na área de elevadores existe uma intervenção pessoal nossa, né, nós colocamos vinte elevadores novos, né, você pode ver depois, pelas nossas casas de máquina, nós colocamos gás com medidores separados pra 1160 unidades. Estamos colocando um sistema novo de segurança, nós estamos colocando, nós compramos o material, reciclamos aquilo que nós achamos que temos que reciclar, ou seja, nós atualizamos todo o processo, certo, colocamos interfone pra 1160 apartamentos. Estamos fazendo agora a restauração da fachada, que deve demorar uns três anos.
P/1 – Nesses anos todos, teve algum episódio perigoso, algum episódio aqui que envolveu algum risco?
R – Olha, o que envolveu maior risco foi uma tentativa de suicídio na véspera do natal, no terraço, né, a pessoa, eu não posso mostrar daqui, mas posso mostrar aqui essa última foto, vocês estão vendo aqui que tem duas torres de escada, né, a torre direita, a pessoa tava sentada na borda, a pessoa nem morava aqui. De uma forma ou outra, ele conseguiu chegar até um amigo no bloco, né, e subiu pro terraço e escalou por fora, as escadas lá em cima são gradeadas, né, mas ele conseguiu escalar e sentar na borda, né, o nosso sistema identificou esse movimento e chamou o bombeiro, né, então esse foi o momento mais difícil, mas o rapaz se salvou.
P/1 – Salvou?
R – Salvou. Num outro processo, que eu participei também, foi uma menina que tentou se jogar de um apartamento, ela chegou a ficar projetada pra fora, que é justamente essa segunda foto aqui, à esquerda, essa que tem aqui, logo do lado do relógio, lado direito, e nós conseguimos mantê-la na janela, conversando, conversando, até que o bombeiro foi pro apartamento acima e conseguiu salvar a menina.
P/1 – Teve alguma passagem aqui com pessoas célebres?
R – Nossa, eu conto só um caso, o mais célebre de todos, né, que foi o Plínio Marcos, não sei se vocês conhecem o Plínio Marcos, inicialmente meu inimigo, que nós tínhamos aqui a central de terrorismo, que era uma livraria, então só tinha intelectual, que resolviam todos os problemas do prédio em duas, três reuniões que eles faziam durante a semana, e o Plínio se deixou envolver, né? Até que ele me conheceu, num evento pessoal dele, dentro do apartamento, que ele precisou ser atendido, socorro, a partir daí virou meu amigo, né, inclusive eu tomava café todo dia, ele me ligava e falava: “Chefe, tô te esperando”, aí eu descia, né, ele morava aqui no bloco E, depois ele foi pro bloco B, bloco E e depois pro bloco B. Era uma reunião diária fantástica, né, porque a gente ficava na borda ali do café, do Café Floresta, e ele, à medida que as pessoas iam passando, ele ia nomeando, ele adorava colocar apelido nas pessoas e um que me marcou muito, né, que era uma pessoa realmente revolucionária aqui dentro, até fundou uma associação, que funcionou seis meses, depois fechou, chamava-se Ame Copan, né. Que eram os amigos do Copan, então ficou Ame Copan, e essa figura tava descendo a galeria, ele me cutucou, ele falou: “Vem vindo o contra Deus”. Então cada um que passava, que ele não gostava ou que ele não se identificava, ele nomeava, ele tinha um caderninho que ele anotava o nome da turma, aí falou: “Affonso, espera que eu vou escrever alguma coisa sobre isso ainda”, não tenho notícia se ele escreveu ou não.
P/1 – Teve mais moradores célebres?
R – Teve o Cauby Peixoto, passou por aqui, o Chocolate, né, um ator muito famoso da Globo, o Paulo Autran, foram uma série deles.
P/1 – Agora que a gente tá quase terminando, o senhor consegue descrever o Copan? Pra você, o que é o Copan?
R – Olha, é uma imagem que eu ainda não tenho consolidada, porque tô descobrindo, inclusive eu brincava com ela no terraço, né, que a imagem que eu tenho do horizonte, cada dia, eu to aqui há 23 anos, que eu tenho acesso mais fácil, não que eu não tivesse antes, mas tenho acesso mais fácil ao terraço, eu, por exemplo, sempre vejo alguma novidade no horizonte, dentro do prédio a mesma coisa. Então ainda não tenho algo formatado, eu só vou ter quando eu sair, depois eu te conto por quê.
P/1 – O que o senhor mais gosta aqui dentro? O que o Copan tem de melhor?
R – A comunidade toda, a sua diversidade, né, os seus problemas, eu gosto disso, né, no fim isso vira cachaça, né, se você não tiver, no dia seguinte você tá passando mal, você tá com problema.
P/1 – Em todos esses anos aqui, tem alguma passagem, agora falando da sua vida pessoal aqui, independente do seu papel de síndico, tem algum episódio na sua vida pessoal que tenha o Copan como cenário, que o senhor ache mais emblemático, mais tocante, mais marcante na sua história de vida?
R – Aproveitando que ela está aí ao lado esquerdo, o casamento, (choro) Só eu e ela sabemos, desculpe, (choro) é uma história de vida.
P/1 – O que o Copan tem que outros prédios não têm?
R – Eu só saberia dizer pra você se eu habitasse esses lugares.
P/1 – Mas o que ele tem que o senhor acha que ele tem de único?
R – Essa síntese toda que eu tentei fazer.
P/1 – Agora, antes da gente terminar, só voltando agora pra São Paulo como um todo, o que o senhor mais gosta em São Paulo?
R – Tudo, tudo, eu, por exemplo, tive uma grande experiência, eu fui subprefeito dessa cidade, na época uma das maiores áreas, ela depois foi dividida, né, repartida, por interesses políticos e administrativos também. Eu trabalhei com uma figura muito emblemática, que chama-se Jânio Quadros, né, e lá que eu aprendi muita coisa do dia-a-dia, do tipo, né, você acaba de fazer uma praça, inaugura essa praça e no dia seguinte tem alguém atravessando no meio da praça. Isso quer dizer pra você o seguinte, você, como administrador, você errou, porque você não foi ouvir que tem o maior interesse naquele seu trabalho, você tá fazendo o seu trabalho, mas você não perguntou, não foi saber como que as pessoas pensam, diferentemente de você, né? Então você não deve nunca voltar a plantar grama no local onde o pessoal passou, porque esta é a escolha que foi feita, que é o caminho mais fácil, você escolheu o caminho mais difícil e a pessoa, a população, né, acabou escolhendo o caminho mais fácil, isso é uma síntese daquilo que eu aprendi como administrador.
P/1 – Mas como morador de São Paulo, o que você acha que aqui tem de melhor?
R – Tudo, tudo o que você possa pensar, inclusive os seus problemas, São Paulo é tão fácil de resolver, pode ter certeza, só precisa que uma pessoa tenha uma sensibilidade, não política, mas sensibilidade administrativa, que aprenda a escutar pra poder fazer, essa é a grande lição que eu recebi, né? Eu gostaria, por exemplo, é um assunto, depois vocês cortam, essas ciclovias nossas, né, eu tenho uma opinião pessoal, vocês devem ter a de vocês e eu respeito. É um absurdo, tá se jogando um bilhão pro nada, quando hoje falta programas na área da saúde, na área de educação, esquece a segurança, que a segurança tem que ser dada pelo estado, não pela prefeitura, tá certo? Mas essas duas áreas, elas são mais importantes do que você fazer ciclovia, né, tanto que agora o Ministério Público, né, tá abrindo uma ação própria pra levantar esse assunto.
P/1 – Uma pergunta parecida que eu fiz pro senhor sobre o Copan, agora pra São Paulo. Tem alguma coisa que o senhor acha, no contexto brasileiro, que só tem aqui, que só São Paulo oferece pro cidadão daqui?
R – Trabalho, é muito diferente das outras cidades que eu conheci, né, a dinâmica aqui é muito diferenciada, muito diferenciada, não sei se vocês sentem isso no dia-a-dia, eu sinto no dia-a-dia.
P/1 – Se o senhor pudesse escolher, o senhor queria morar em outro lugar?
R – Não, em hipótese alguma, tanto que eu tô terminando a minha gestão, o meu ciclo aqui, né, eu vou, espero ir pro interior, mas eu tenho certeza que eu não vou ser tão feliz como eu fui aqui, vou por razões de segurança, de saúde etc. né. Mesmo porque, se ficasse aqui, sempre vai haver aquela comparação, né, certo: “Olha, o Affonso fazia isso, deixou de fazer isso”, eu acho que as coisas aqui têm que ter uma sequência natural, sem a minha presença.
P/1 – O senhor pretende ficar aqui como síndico até quando?
R – Mais um ano e pouco.
P/1 – Qual que é o seu sonho hoje?
R – Seria ver esse prédio completado e inaugurado o museu, que é um sonho meu, eu tenho um acervo fantástico, né, só depositado da FAU-USP eu tenho 1189 pranchas originais, existe uma sala lá específica, só Copan, né? É um trabalho que eu consegui junto ao banco que deu sequência aqui na construção e apoio que eu tive da imprensa oficial do estado, né, nós restauramos esse material todo e hoje tá depositado, né, pra história de São Paulo e do Brasil, depositado numa sala especial.
P/1 – Isso me fez ter vontade de fazer uma última pergunta. O que o Copan representa pra Cidade de São Paulo?
R – Primeiro, um marco do modernismo, eu brinco muito com o meu pessoal do Rio de Janeiro, especialmente o pessoal da Globo, que eles dizem o seguinte: “Assim como o Cristo Redentor está pro Rio, o Copan está pra São Paulo”, não existe outro símbolo. Você pode falar, por exemplo, do MASP [Museu de Arte de São Paulo Assis Chateuabriand], que é algo fantástico, né, aquele vão livre que existe lá, certo, mas não existe nada parecido e com vida como o Copan, não existe nada, o Copan ainda é um dos símbolos de São Paulo. Agora, pela quantidade de visitas que eu recebo, o que você pode imaginar, um cara que vem do Vietnã, que foi um lugar de conflito, tá certo, de repente o arquiteto de lá quer conhecer o Copan. Tem explicação? Tem uma história interessante, só pra concluir, né, de um garoto que aqui veio, da Alemanha, que eu tenho três universidades da Alemanha que nos visitam todos os anos, eu sempre faço uma palestra, faço uma apresentação, né, e essa foi a primeira visita, que foi muito significativa pra mim, e eu subi. Antes eu acompanhava as visitas, hoje já não dá mais tempo pra tá fazendo isso, então tem os meus guias aqui, né, que fazem isso. Subi e vi esse menino, se vocês prestaram atenção, quando nós estávamos no terraço, tem uma tubulação exposta que faz a equalização das caixas, isso vai desaparecer, porque ela vai subir agora pro teto, na reforma agora total, ele tava em cima da tubulação, eu chamei a atenção dele, porque ele não podia ficar em cima do tubo, porque havia risco pra própria estrutura etc. E no fim ele veio conversar comigo junto com o professor, né, ele falou: “Eu tô aqui no lugar do meu pai”, aí eu falei: “Por quê?”, “Porque é o seguinte, tá vendo essa foto?”, a foto uma foto bem amarelada, né, ainda algo parecido com isso aqui, certo, o pai dele trabalhava como mecânico na Volkswagen, na fábrica da Volkswagen, e ele sempre quis fazer, estudar, mas nunca teve oportunidade, pós-guerra etc. acabou escolhendo a profissão de mecânico. E ele fez com que o filho, né, de uma forma ou outra, ele induziu o filho a fazer arquitetura, certo, e ele, o pai sempre dizia: “Quando você se formar, nós vamos visitar esse prédio”, ele se formou, essa visita era pro pessoal formado, e o pai dele tinha falecido aquela semana. Então são coisas que acabam marcando você, né, você vê que pessoas do outro lado, por exemplo, eu estive há pouco tempo agora na Europa, né, e, por incrível que pareça, as pessoas me conheciam, não eu, o Copan, né, sabiam da imagem do Copan, então isso tudo não tem dinheiro que pague.
P/1 – Eu vou te fazer uma pergunta de novo, o senhor já falou, eu te peço até desculpas por repetir a pergunta, mas é por causa do vídeo, só pra gente ter uma opção, que eu acho que é muito interessante aquilo que o senhor falou da estratificação e de como, de certa forma, o prédio é uma síntese da cidade, do país. Fala um pouquinho disso de novo, dessa diversidade dos perfis dos moradores daqui.
R – Então aquilo que nós temos aqui, que vai do fusca, ou seja, o carro mais pobre, o mais simples, né, lógico que hoje alguns já são de coleção e são caros, né, até a Mercedes blindada, certo? Como eu disse pra você, eu tenho um morador aqui que nada mais é do que porteiro de outro prédio, então vive numa unidade pequena, mais barata etc. mas eu tenho um empresário, né, cheguei a citar nomes pra vocês inclusive, eu tenho um empresário que mora aqui também. Esse pessoal se encontra, de uma forma ou outra, aqui na galeria, o local de encontro é o nosso café aqui ou os nossos restaurantes, mas essa diversidade existe, né, desde a pessoa com mais poder aquisitivo à pessoa com menor poder aquisitivo, tanto que nós tomamos, até era bom a gente deixar claro, toma muito cuidado com as nossas despesas, com o nosso valor de condomínio, se você pegar os valores de condomínio do Copan, o metro quadrado, ele é o mais barato desse país.
P/1 – É curioso, eu tô pensando aqui, que essa diversidade que convive aqui é uma coisa cada vez mais rara na nossa sociedade, né, porque a sociedade, ela cada vez mais segmenta, não é? Separa, é o condomínio, é o rico de um lado, o pobre de outro, o Copan acaba sendo um local de resistência, né?
R – Sim, e uma coisa curiosa, lá atrás alguém afirmou que foi feito propositalmente, não é verdade, eu conversei muito com o Oscar sobre isso, não sei se vocês sabem, o Oscar era socialista, comunista, né, era uma pessoa que mais dava do que recebia, eu conheço a história dele, a história pessoal, é um homem que, se não morreu pobre, morreu quase pobre, tá ok? A quantidade de projetos que ele fez de graça, né, ele teve aquele momento comercial dele, que são os cinco prédios aqui de São Paulo, né, mas depois que ele adquiriu a característica Brasília, poder público, né, ele volta às suas origens. No caso do Copan, essa diversidade não foi projetada por ele, precisava-se desenhar um prédio com vários tipos de unidades a serem oferecidas pro mercado, tanto que, quando ele sai, os blocos E e F são modificados, porque os blocos E e F era pra ser uma unidade por andar, certo? Hoje, no bloco E, você vai se assustar, até o 12º andar são quatro apartamentos, do 13º ao 32 são seis unidades, e no bloco F, em vez de uma unidade por andar, igual ao bloco E, você tem cinco unidades. Ou seja, você não cria diversificação, você cria uma necessidade para o mercado, aquilo que o mercado queria. Hoje, por exemplo, tão fazendo apartamentos de 14 metros, certo, e você pega alguns projetos que são super interessantes, né, de móveis que são adaptados pra esse tipo de unidades, né, são móveis praticamente escamoteáveis, é o que o mercado tá pedindo hoje. Era o que o mercado naquele instante pedia, tanto que o investidor que substitui o primeiro, né, ele olha esse nicho de mercado e muda, não é que se criou aqui a diversidade propositalmente, foi uma necessidade de mercado.
P/1 – Foi se adaptando, né?
R – Foi se adaptando.
P/1 – Muito obrigado.
R – Não, eu que agradeço.
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