P/1 – Dadá, fala pra mim o seu nome completo.
R – Algirdas Antônio Balsevicius.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Nasci em São Paulo no dia 17 de julho de 1939. Eu sou descendente de lituano por parte de pai e de italiano por parte de mãe, Marchetti.
P/1 – Marchetti. Vamos pular então agora pro Sagasp. Quando você conheceu o Sagasp, como é que foi isso daí?
R – O Sagasp eu conheci no ano de 1972. Eu sempre fui interessado por política, gostava de política, era encrenqueiro, me metia em tudo quanto era rolo de política e um dia eu achei que devia me integrar junto com o pessoal aqui pra tentar ajudar e aprender alguma coisa sobre a política sindical. E eu tive uma oportunidade, na época o presidente chamava-se Vicente La Pastina e o Brasil naquela época começou um programa de incentivo de produção de alho no país inteiro porque nós importávamos praticamente 90% do alho que era necessário para o abastecimento. E nessa altura apareceu uma pessoa chamada Sérgio Mário Regina, que era um agrônomo mineiro, aliás, se tornou um grande amigo meu, tenho grandes recordações dele, considero um dos brasileiros mais sensacionais e patriotas que eu já conheci em toda a minha vida. E ele começou tentar desenvolver no país a cultura do alho pra evitar que se importasse tanto alho como na realidade se importava pra poder manter o abastecimento. Aí o La Pastina, que era o presidente, eu não era diretor do sindicato mas ele me deu um cargo de Coordenador Nacional de Produção de Alho, qualquer coisa assim, eu não me lembro o nome, sabe? E eu comecei a andar com o Sérgio Mário Regina por todo esse país fazendo palestras. Então ele fazia palestra sobre a parte técnica de plantação e eu fazia uma palestra sobre comercialização, tentando incentivar o produtor, quem eles deveriam procurar, as empresas que eram interessantes eles procurarem para vender os produtos. Eu diria que foi o início mesmo do alho nacional no Brasil. Isso daí deu tão certo, tão certo, tão certo que hoje o Brasil ainda depende de importação de alho, mas também a qualidade que se criou de alho no Brasil se tornou referência mundial que inclusive também se é exportado. Então foi uma coisa pra mim muito boa, maravilhosa, na época que eu conheci, junto com o Regina, todos os municípios brasileiros que tinham no mínimo dez hectadres plantados nós visitamos. Com exceção do Norte, que o Norte do país era local que devido ao clima não havia condição de se produzir alho. Dali eu acabei conhecendo praticamente toda a diretoria do sindicato do tempo do La Pastina e passado algum tempo houve uma eleição aqui, o doutor Euclides Carli foi candidato a presidente e ele me convidou para ser tesoureiro na chapa dele. Eu aceitei, ele disputou a eleição, ganhou as eleições e eu me tornei tesoureiro. Posteriormente, junto com o doutor Euclides eu me tornei diretor secretário do sindicato. E de secretário eu me candidatei depois a presidente apoiado pelo doutor Euclides. Disputei uma eleição com o senhor Ítalo Tucci, ganhei as eleições, fiz dois mandatos e depois eu apoiei o seu Ítalo Tucci para ser presidente, ele que tinha sido meu adversário há duas gestões eu achei que ele era uma pessoa muito inteligente, muito dedicada e eu achei que ele merecia ser presidente. Então eu me afastei, apoiei ele, se tornou presidente por um mandato. Depois eu voltei, disputei novamente uma outra eleição com o senhor Antônio Miguel Salerno, ganhei as eleições. Felizmente ou infelizmente de lá pra cá ninguém quis mais concorrer às eleições do sindicato e eu acabei ficando todo esse tempo aqui, que tem horas que muitos imaginam que eu quis me perpetuar no cargo, mas essa não é bem a realidade. A realidade é que poucos também se interessaram para assumir a responsabilidade de presidir essa casa que, diga-se, representa atualmente mais de dez mil empresas em todo o Estado de São Paulo. É o quarto ou quinto sindicato em tamanho do nosso estado e é o maior sindicato patronal de gêneros alimentícios do país. Isso daí me orgulha muito e durante todos esses anos tivemos aí grandes momentos, maus momentos. Principalmente atravessamos políticas econômicas, porque quando nós começamos nós ainda não estávamos na plena democracia, depois que houve a primeira eleição com Collor, tivemos problemas e aí veio. E na verdade o que tranquilizou mesmo o comércio nosso aqui foi depois do governo Fernando Henrique. Antes do governo do Fernando Henrique Cardoso nós tivemos muitos problemas com questão de abastecimento, eram cotas de importações, eram dificuldades para se importar. Foi um período meio turbulento, mas eu sempre tive uma diretoria muito boa, muito coesa, que me ajudou muito e nós, graças a Deus, conseguimos superar todos esses entraves que houve.
P/1 – Agora vamos voltar um pouquinho no tempo, me fala como era na gestão do La Pastina, em 72? Quais eram os desafios dessa época, quais os problemas que tinham, como era a Sagasp?
R – O La Pastina, vamos dizer, eu pouco participei do mandato dele porque como eu expliquei eu não era diretor, eu fui ter um cargo que eles criaram aqui justamente por causa do problema do alho. Mas eu sei que o La Pastina enfrentou muitos problemas porque justamente foi o início de certas crises em relação à importação, entendeu? Que o país estava querendo economizar divisas, então começou a se criar cotas de tudo, era cota de alho, cota de ervilha, cota de dólar para você importar. Era um negócio muito estranho num mercado extremamente fechado e, com todas essas cotas que existiam naquela época começou a se criar sérios problemas como tipo de oligopólio, quem tinha mais poder conseguia mais na extinta Cacex que existia, quem tinha menos poder ou conhecia menos sempre era prejudicado. E só conseguimos nos liberar de todos esses problemas mesmo depois de muito tempo, quando no início do Governo Collor, que ele acabou com tudo isso, abriu os mercados, então praticamente se conseguiu extinguir esses oligopólios que existiam naquela época que foi um grande drama do La Pastina como presidente. Depois veio o Euclides Carli que também enfrentou esses problemas ainda e aí veio, como eu te falei, até 1990 e pouco quando Collor foi o primeiro presidente eleito após a revolução.
P/1 – Explica como funcionavam essas cotas de importação.
R – As cotas de importação, eles começaram a criar baseado no princípio de que a empresa que trabalhava com esse produto, que importava esse produto, eles pegavam e somavam. Uma hipótese: você importou mil toneladas durante o ano, então passava a ter direito a importar 300 toneladas por ano só. Outro exemplo: o país tinha uma necessidade de importar, vamos falar, cinco mil toneladas de qualquer produto que fosse, então eles pegavam todos os importadores, viam o quanto esses importadores importavam anualmente, faziam o percentual daquilo que eles importavam e depois dividiam essas cinco mil toneladas. Mas sempre houve muitas distorções, mas houve MUITAS distorções, entendeu? Inclusive na época a extinta Casex era muito criticada justamente por causa disso, porque a corrupção vem acho que desde o tempo, que é difícil você imaginar onde é que seja, não é verdade? (risos) Possivelmente na Roma antiga já, possivelmente não, com certeza na Roma antiga já existia corrupção. Só que foram aperfeiçoando, tal, novas técnicas (risos) e aí a coisa foi passando, não é verdade? Isso aí é que foi a grande distorção que houve em relação a esses tipos de cotas. E havia muitos interesses por trás disso porque cota na realidade significava um lucro certo porque você passava a ter um mercado cativo. Porque se você necessitava, vamos dizer, para abastecer mil e você permitia que só se importasse 500, automaticamente havia uma falta. E dentro do mercado quando falta o produto, o produto sobe. E sempre o produto estava acima do preço da realidade aqui dentro, no nosso mercado interno, justamente por causa dessa concentração que ficava na mão de poucos. E pouca quantidade, que não era uma quantidade que era importada com o intuito de abastecer, na realidade, a necessidade do consumo brasileiro. Então havia aqui uma guerra tremenda, todo mundo queria participar dessas cotas porque sabia que você tendo uma cota tinha lucro certo. Por exemplo, houve muitas críticas sobre isso e tinha nego que dizia quem quem tinha uma cota de alho por exemplo era o mesmo que ter um posto de petróleo porque era lucro certo, tal, aquele negócio. E aí foi. Mas foi difícil de acabar com isso.
P/1 – O Sagasp queria acabar com isso.
R – No nosso trabalho nós sempre fomos pelo livre comércio, sempre lutamos pelo livre comércio. Nós achávamos que o mercado é o comércio que regula, é o produto, a quantidade de produto, quando falta sobe, quando sobra baixa e assim o mercado se regulava, entendeu? E o próprio comerciante automaticamente sabia se controlar porque ele sabia se ele importasse muito e outros importassem muito, evidentemente que o mercado ia abaixar. E o mercado tem que fluir normalmente, mercado livre, aberto. E isso só aconteceu, volto a repetir, depois da era Collor, depois que o Collor assumiu o governo, que foi quando ele liberou as importações de automóveis, dos computadores e todas essas coisas a mais. E também ele acabou com todos os privilégios de cotas que existiam no setor de alimentos. Tanto que passado algum tempo a Casex passou a ser um simples órgão até o ponto de sua extinção. Mas houve muitos problemas. Havia problema de cota de dólar, que aí depois em vez deles contingenciarem o produto, contingenciava dólar, então você tinha aquele x de dólar, você importar durante o ano. Era umas barbaridades absurdas. Foi cota de dólar, cota pra importar coco ralado, coisas que não tinham fundamento que se você comentasse com alguém de um país mais evoluído, eles achavam inacreditável o que se fazia no nosso país com produtos que eram, digamos, até de primeira necessidade. Quando nós tínhamos falta de feijão, às vezes uma quebra na safra de feijão, então você era obrigado a recorrer a importações, ou era do Chile, ou a própria Venezuela naquela época também exportava, muito dos Estados Unidos. Mas também eram umas cotas pra você importar. Mas devagarzinho tudo se normalizou e a coisa foi tocando. Nós tivemos muitos, muitos problemas.
P/1 – Esses problemas que você falou são em relação ao governo, né? Agora quais são os problemas lá na época do La Pastina quando você entrou, nos anos 70 e 80, que existia entre comerciantes? O que o Sagasp fazia, que problemas que existiam ou não existiam?
R – Existiam os problemas, agora, o que acontece é o seguinte: tem um negócio muito estranho, que isso eu faço uma crítica que é do sindicalismo patronal. Você pega os sindicatos de empregados, eles são fortes, são unidos e dedicados. Sindicato patronal é um negócio extremamente estranho, tá? O sujeito só recorre ao sindicato quando ele praticamente está indo pra UTI, senão ninguém quer saber, não sabe o que é o sindicato, não tem interesse nenhum, é uma complicação tremenda com isso daí. E poucos são aqueles que se dedicam. Se você ver, que nem eu te falei, a nossa base é dez mil empresas no estado de São Paulo, se aparecer 50 ou 60 empresas que tenham algum problema que venha nos procurar é muito. A turma parece que contribui com o imposto sindical mas parece que entende que não existe ninguém do lado deles. Então hoje o sindicato trabalha em convenções coletivas, essas discussões para aumento de salário, percentual e tal, não sei o que mais, depois divulgamos pra todo mundo. Quando você chama para uma assembleia para eles vir opinarem, os associados, quem quer que seja, mas não aparece 50, 60 empresas que vêm aqui discutir e tal. Quer dizer, o sindicato patronal, na minha opinião, os patrões desprezam muito o sindicato, eles acham que o sindicato pra eles tanto faz como não fez. Quando aparece um problema muito sério, que eu digo, quando está na UTI, aí eles vão procurar o sindicato como você vai procurar um médico, entendeu? Mas isso é caso raro. Então na época do La Pastina, por exemplo, os problemas que se enfrentavam também eram resolvidos entre 30, 40, 50 empresas, nunca foi uma totalidade, o pessoal nunca se interessou. Isso aí eu posso falar pelos anos todos que eu estou em sindicato e que eu participei de tudo isso daqui.
P/1 – E na gestão do La Pastina era onde o Sagasp, era nesse andar mesmo?
R – Era no segundo andar desse prédio. Era uma área lá que pertencia à Bolsa de Cereais e o sindicato alugava. Posteriormente o sindicato passou a ter sede própria, que é a nossa aqui, mas ela foi comprada na minha gestão.
P/1 – E como é a Bolsa de Cereais, o que ela faz?
R – A Bolsa de Cereais foi de uma grande utilidade para o país. Mas volto a repetir, o que acontecia, o que acontece com os sindicatos aconteceu com a Bolsa. Bolsa Cereais de São Paulo, que era uma potência, comercialização de arroz, de feijão. Enquanto o governo tinha estoque reguladores de arroz, de feijão e de qualquer outro produto, de milho e faltava algum produto e precisava vender esses produtos, eles eram leiloados onde? Na Bolsa de Cereais. Então a Bolsa de Cereais tinha uma utilidade, que era para vender os produtos que o governo tinha em estoque, que eram os estoques reguladores que o governo tinha. Quando o governo parou de fazer esses estoques reguladores o que aconteceu? Acabou a Bolsa de Cereais. A Bolsa de Cereais hoje só tem o nome de Bolsa de Cereais. Você vê hoje aí, ainda alguns jornais publicam cotações de mercado com o nome na Bolsa de Cereais, mas a Bolsa de Cereais hoje tem três, quatro diretores lá que eles é que informam como está o preço do mercado, mas não é realidade do fato porque o mercado era feito através dos leilões de bolsa. E na realidade hoje esses leilões de bolsa não existem mais. Também diga-se que a Bolsa há 40, 50 anos mantinha o monopólio nacional, era praticamente a única Bolsa que existia no Brasil, era de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois começou a ter Bolsa no Rio Grande do Sul que começou ela mesma a leiloar os produtos que eram para o Rio Grande do Sul. Bolsa no Paraná, Bolsa em Santa Catarina. Antigamente leiloava tudo em São Paulo para o Brasil inteiro. Agora não, pode cada estado ter uma Bolsa de Cereais, então quando o governo necessitava fazer um leilão para aquele determinado estado ele usava Bolsa daquele estado. E com isso acabou o privilégio da Bolsa de Cereais e São Paulo e ela, diga-se também a verdade, a gente sente falar isso aqui: ela já não existe mais. Tem um belo patrimônio nesse prédio, a Bolsa de Cereais tem mais de seis mil metros quadrados de área aqui neste prédio que foi feito pelos antigos comerciantes, isso era uma coisa de extremo respeito, hoje esse espaço está alugado pra camelôs, quer dizer, triste dizer mas já era.
P/1 – E quanto ao Sagasp? Ela foi fundada quando e quem fundou?
R – O Sagasp foi fundado em 1936. Foi em junho de 1936. O primeiro presidente chamava-se _0:22:55_, que era o sobrenome dele. O nosso sindicato praticamente foi quase na sua totalidade, os presidentes foram descendentes de italianos. Nós tivemos o primeiro presidente que foi Alberto _0:23:15_, depois o segundo foi Mário Paciulo, você vai vendo pelos sobrenomes (risos). O terceiro nós tivemos Antônio Marchetti. Depois nós tivemos Euclides Carli. Depois de Euclides Carli nós tivemos Amauri Jereissate, que foi o único que não tinha sobrenome de italiano. Amauri Jereissate, inclusive ele presidiu essa casa durante muito tempo, aproximadamente 14 anos. E o Sindicato, com todos os 85 anos de existência dele, se você ver ele teve poucos presidentes. O Amauri Jereissate, por exemplo, ele fez mais de 15 anos de mandato dele. Posteriomente ao Amauri Jereissate nós tivemos Vicente La Pastina, voltou eu com o Euclides Carli, depois de Euclides Carli começou a minha era. E depois de dois mandatos eu passei o meu para o Ítalo Tucci, depois eu voltei e estou até hoje aqui.
P/1 – E você sabe ou é sabido por que foi criado o Sagasp naquela época?
R – O sindicato foi criado justamente devido aos problemas que os comerciantes enfrentavam na época pós-Revolução de 32. Quando teve a Revolução de 32 os problemas que existiam, a dificuldade que existia de transporte, tudo isso daí, então eles entenderam que eles deveriam fundar uma entidade pra essa entidade poder se apresentar perante as autoridades constituídas na época pra melhorar o sistema de transporte, de comunicação, que era coisa que não existia naquela época. Essa foi uma das razões, pelo que eu li e alguma coisa que eu ainda consegui falar com pessoas que já faleceram, essa foi a intenção da fundação do Sindicato na época.
P/1 – E o que você sabe dessa época até o La Pastina? Que você ouviu dizer.
R – Eu sei pouco porque na verdade, pelo menos os comentários que se têm, é que não tinham tantos problemas como nós temos hoje e os problemas que existiam muito na época eram problemas que eram de difícil solução como falta de comunicação. Eu mesmo peguei período já na década de 60, mesmo antes de participar do Sindicato, que pra você conseguir falar com outro estado você ficava três, quatro horas esperando uma ligação no telefone, tal. Outro problema muito grande que eles enfrentavam era o de logística, transporte. Não tinha estradas, se usava o pouco que se tinha de estradas de ferro e quando era mandado produtos para o Nordeste ou mesmo pelo Norte, eles iam de navio. Então esses eram os problemas que eles enfrentavam mas eram problemas muito mais pequenos e mais fáceis de resolver porque se hoje nós estamos com 200 milhões de habitantes, você imagina para a população daquela época. Porque em 1970 nós éramos 80 milhões de habitantes. Isso ninguém esquece por causa da música da Copa do Mundo, né? (risos) E você vê de 70 pra cá nós pulamos de 80 milhões pra 210 milhões que estamos hoje, né? Então hoje o problema é mais complicado, é mais gente pra comer. Mas tivemos uma evolução muito grande com a parte de comunicação, estradas melhoraram muito. O único erro que nós tivemos foi que se dedicou-se muito à estrada de rodagem e deixaram de lado as estradas de ferro que seria uma maneira de ter um frete muito mais barato do que o que nós temos hoje.
P/1 – E num país desse tamanho, né?
R – Desse tamanho.
P/1 – Agora você falou que conheceu o Sindicato em 72, como ele atuava nessa época para chamar os comerciantes?
R – O que acontece é o seguinte, eu e a minha diretoria, eu gostaria de frisar que eu sempre fui muito bem assessorado por um secretário que chamava-se José Arnone Filho, que era um garoto com uma visão muito ampla, um rapaz muito inteligente. Nós começamos a procurar espaços para o comércio. Nós fizemos várias incursões, por exemplo, aumentar o incremento das negociações Brasil-Argentina bem antes do Mercosul, que na realidade na época, e talvez até hoje critico o Mercosul porque se você pegar os países que pertencem ao Mercosul você vê: nós temos uma Argentina com 35 milhões de habitantes, nós temos um Uruguai com três milhões de habitantes, um Paraguai com 20 milhões de habitantes, ou por aí, desculpe se o número não estiver exato, mas nós temos 210 milhões. Então nós estamos trocando com o nosso maior parceiro na América do Sul é a Argentina, nós estamos trocando 220 milhões de consumidores com 35 milhões lá. Eu sempre fui contra a estrutura do Mercosul. O que ele ajudou? Ele ajudou com questão de tarifas, tal, mas eu estou falando antes do Mercosul. Então nós estivemos na Argentina correndo os estados que eram produtores e que exportavam para o Brasil, como a Província que Mendoza, que o estado lá chama de província, de San Juan e outras que no momento me falha a memória, que era onde o nosso país ia mais lá porque justamente tinha os produtos que nós aceitávamos. Por exemplo, Mendoza tem uma grande produção de frutas, de azeitonas, automaticamente azeite de oliva, produção de alho, de cebola, de batata. Apesar que a batata nós importávamos de lá quando faltava a nossa aqui porque é um tipo de batata diferente. Então eu considero Mendoza como se fosse uma Califórnia da América do Sul, ali se produz tudo. Então o estado mais interessante que nós tínhamos para negociar era Mendoza. Com isso nós sempre estávamos lá, o Sindicato estava presente junto com os produtores de vinho, produtores de azeite, azeitonas, produtores de frutas secas, frutas em natura, de alho e todos os produtos que tinham lá. Pegava no outro setor, por exemplo, de Córdoba, então já era mais produtor de alpiste, que o Brasil importava muito, o feijão quando se necessitava. San Juan, por exemplo, já era tipo Mendoza mas era produção de azeite de oliva e as azeitonas e frutas secas. Com isso nós fizemos várias turnês, vamos chamar assim, com comerciantes brasileiros. O próprio Sagasp, que era aqui de São Paulo, conseguiu uma vez levar pra lá diretores de supermercados do Brasil inteiro como o extinto Paes Mendonça, Casas Senda do Rio de Janeiro, Casas da Banha, Pão de Açúcar aqui em São Paulo, juntar todo esse pessoal e mais alguns comerciantes aqui de São Paulo, formamos uma comitiva de 35, 40 empresários para intercâmbio com esses países ou esses estados. Uma vez foi elaborada uma feira de produtos argentinos exclusivamente para nós aqui do Sagasp que foi em Mendoza, nós fomos com mais de 50 empresas pra lá. Foi um sucesso tremendo isso daí. E com isso nós fizemos na Argentina no meu mandato, nós fizemos isso na Espanha, nós tivemos como visitar a produção de bacalhau na Noruega. Nós fizemos isso no Chile. Tivemos isso nos Estados Unidos. Isso eu me orgulho de dizer que foi tudo dentro do meu mandato. Inclusive praticamente todos esses representantes desses países nos visitaram, eu tenho até fotos aí com o governador de Mendoza, embaixador do Uruguai, o embaixador da Noruega, embaixador da Argentina no Brasil, que hoje é governador do estado de Córdoba. E nós formamos um círculo de amizade com todas essas pessoas. Isso é um motivo de orgulho para mim e para a minha diretoria porque nós levamos o nome do nosso sindicato, o nome do nosso comércio atacadista de gêneros alimentícios para fora do Estado de São Paulo e para fora do país. Todos os locais que nós tivemos oportunidade e que havia interesse comercial dos nossos associados nós lá estivemos em condição, fomos recebidos por todas as autoridades. Na Espanha fomos recebidos por governador, por ministro da agricultura, por senadores. Na Argentina sem falar, nós tínhamos uma relação muito grande com as autoridades argentinas. Chegamos até um dia a ter uma conversa com o Presidente Menem na época, quando ele era presidente. E isso foi pra mim, ou é, um motivo de orgulho porque talvez a época não permitiu que os outros presidentes fizessem isso, eu fui beneficiado justamente porque o momento era outro, mais fácil transporte, que era aéreo, mais rápida a comunicação pra você se comunicar com outros países, então talvez eu tenha sido beneficiado por isso daqui. E os que me antecederam não fizeram isso, não foi por falta de ideia ou de iniciativa, foi talvez por falta de oportunidade de poder manter contatos com essas autoridades e tal pra poder levar o nosso nome pra fora. Eles não tiveram essa chance. E eu, graças a Deus, tive.
P/1 – Agora será que isso aconteceu também porque os produtos que vocês vendiam na Zona Cerealista já tinham mudado um pouco, então tinha mais vinhos, mais azeitona ou sempre teve?
R – A verdade é que não é que tinha pouco, não, tinha até mais do que tem hoje. Em relação a antigamente, o que menos tinha na época e o que mais tem hoje são vinhos, que o mercado brasileiro se abriu de uma tal forma, então hoje nós temos vinho de tudo quanto é lugar do mundo aqui no Brasil. Você tem francês, italiano, português, tem até vinho chinês já tem aqui no Brasil. É vinho da Austrália, é vinho do Oriente Médio, da Turquia, vinho não sei de onde, tudo. Na época a gente tinha uma importação muito grande de fruta natalina, era importada muita castanha, figo seco, tâmara, aqueles produtos natalinos que eram tradicionais na época. Hoje não se importa nem 20% daquilo que importava antigamente. Porque na realidade era uma das coisas também que eu sempre achei que um dia teria que acontecer. Porque nós estamos num país tropical e na época de Natal é onde mais frutas frescas temos. E era um absurdo você trazer nozes, amêndoas, avelã, figo seco, tâmara, pêssego seco quando nós tínhamos tudo aqui fresco. Eu achava que isso era. E na verdade hoje praticamente é uma coisa em extinção. O que se importa hoje ainda é nozes porque é usado o ano inteiro, não é produto natalino. Uma amêndoa que também não é produto natalino. E alguma coisinha no final do ano de castanha ainda que a turma compra mais pra enfeitar a mesa, que é pra manter uma tradição antiga. Tem muitos brasileiros, descendentes de italianos e portugueses que adotaram esse sistema que há muitos anos não vê isso daqui, já não tem mais essa ceia de Natal com todos esses produtos. Que eu acho até correto, nós estávamos gastando divisa com coisas que na realidade não têm fundamento. Você não vai deixar de comer um figo fresco pra comer um figo seco, não é verdade? Então na época o que se importava muito era fruta, pouco vinho, hoje mais vinho, e em compensação diminuiu muitas importações de produtos alimentícios, que começamos a produzir aqui no Brasil. O Brasil já foi importador de melão, hoje é exportador. O Brasil hoje exporta manga, não vou dizer que ele importava porque quase ninguém produz manga. Então, grandes coisas que o Brasil importava ele passou a produzir aqui no Brasil. A nossa agricultura, a nossa fruticultura cresceu muito. Você vê, tinha uma época que se importava endívia que vinha da Bélgica, ninguém sabia o que era endívia, hoje é produzida aqui no Brasil, que é uma verdura, não é verdade? Aspargo era espanhol, hoje nós produzimos aqui. E com isso podia ficar falando uma semana de produtos que nós passamos a produzir aqui no Brasil. Hoje praticamente o que nós não conseguimos produzir aqui no Brasil? É só azeitona porque depende de um clima frio especial então nós não temos azeitona e vai ter que importar. Mesmo assim tem algum louco que andou plantando uns pezinhos de azeitona aí, entendeu, mas não é rentável, está lá pra bonito. Do resto é difícil nós dizermos, em relação a produtos alimentícios, o que nós não produzimos.
P/1 – Agora lá na época do La Pastina quantos associados você acha que tinha? Como é que o Sindicato chegava no comerciante para ele se filiar?
R – Naquela época do La Pastina para associado de verdade eles tinham mais associados que nós temos hoje, entendeu? O pessoal parece que era um pouco mais dedicado. Hoje você vê, só pra você ter uma ideia, eu vou até falar e depois se vocês acharem interessante mantêm ou corta. O Sindicato cobra uma mensalidade de 30 reais por mês pra se associar, é uma ninharia e nem assim ninguém se interessa. Qual é a entidade que tem uma estrutura que nem nós temos aqui, por 30 reais ao mês nós damos assessoria jurídica gratuita. Nós temos médico aqui para fazer exames de trabalho demissional e admissional gratuito para os associados. Nós temos três advogados aqui para atender os associados. Tem uma estrutura grande, auditório, tudo pra eles por 30 reais por mês e ninguém se interessa (risos).
P/1 – Eu já te perguntei como você conheceu o Sagasp mas como que era para os comerciantes da época o Sagasp? Eles olhavam pro Sagasp e pensavam o quê?
R – Muitos olhavam e diziam: “Pra quê que serve?”
P/1 – Já nos anos 70.
R – É. “Pra quê que serve? Não tenho interesse, não serve pra nada, eu não preciso de nada”. Você só ouvia isso. Mas na realidade, no fundo, no fundo, no fundo precisavam, né? Mas é a crítica que eu fiz sobre o sindicato patronal.
P/1 – Como é que foi o Euclides Carli na presidência do Sagasp?
R – Bom, o Euclides Carli teve duas fases. Ele teve a primeira quando ele foi pela primeira vez presidente, que honestamente eu não posso falar nada daquele período dele porque eu não estava engajado ao sindicato. Na segunda gestão dele eu comecei junto com ele como tesoureiro dele. Os problemas já eram um pouquinho menores do que da época do La Pastina ou igual da época do La Pastina. Mas modéstia à parte os problemas grandes eu peguei na minha gestão. A minha gestão foi complicada com tabelamentos, com portarias, Sunabs, coisas absurdas que inventaram, com as famosas cotas. Tinha uma briga tremenda porque todo mundo achava que era eu que distribuía a cota e eu não tinha nada a ver com isso, o problema era com a Cacex que era a Carteira de Comércio Exterior, ela que fazia essa distribuição porque o governo precisava fazer economia de divisas, tal. Então sobre o primeiro período do Euclides Carli acho que quem poderia mesmo, graças a Deus ele ainda está aqui, acho que quem poderia falar melhor sobre isso seria ele.
P/1 – Tá, então vamos falar da sua gestão. Você começou em 82, foi isso?
R – 86 foi o meu primeiro mandato.
P/1 – Vamos por partes então. Como é que estava o Brasil nessa época e o comércio aqui na Zona Cerealista.
R – Aquela época o Brasil estava começando a engatinhar com a volta da democracia. Os mercados começaram a se abrir, começou a haver uma certa confiança nos exportadores em relação ao Brasil. Nós tivemos uma fase que não importava nada se você não mandasse dinheiro adiantado, que seria uma carta de crédito que eles exigiam. Nós chegamos ao ponto de obter tanta confiança dos exportadores, o nosso setor todo, que os exportadores mandavam a mercadoria, você retirava a mercadoria de porto e depois pagava eles, tinha uma grande confiança em nós. Me parece que hoje essa confiança diminuiu muito, poucos conseguem hoje obter um crédito como nós tivemos aí, que o comércio teve logo que eu comecei. Eu não tenho nada a ver com isso, era o país que estava começando a fluir. Isso daí ajudou muito, ajudava muito as empresas. Ajudou também a divulgar mais o nome do nosso país lá fora porque nós éramos meio taxados como, sem que o termo seja pejorativo, taxado de índios e tal e não sei o que mais, quando na realidade não é, nós tínhamos gente capacitada, gente interessante, gente honesta. E na verdade era um grupo de comerciantes de alta categoria. Isso daí elevou o nome do comércio em si para fora das nossas fronteiras como bons pagadores, como cumpridores de suas obrigações, tal. Então eu peguei esse período, eu peguei todo esse período dessas facilidades que houve, os intercâmbios que foram feitos. Eu acredito até, modéstia à parte, que eu tenha ajudado um pouco justamente quando eu comecei a fazer esses tours que nós fizemos por esses países em missões comerciais, eram missões comerciais que nós fazíamos então nós começamos a levar o comerciante para conhecer o produtor lá fora e tal e formando círculos de amizade e, consequentemente, através de amizade formava crédito e a coisa foi. Eu acho que isso daí ajudou muito. Quando nós estivemos na Noruega nós fomos acompanhados pelo embaixador da Noruega aqui no Brasil e ele nos acompanhou, depois estivemos com o embaixador do Brasil na Noruega e nós só não estivemos na época era a primeira ministra lá, não me recordo o nome dela. E aquilo lá foi uma demonstração tão forte de nós levarmos comerciantes, que na realidade na época não foi só de São Paulo, foi São Paulo, Rio e Belo Horizonte que mandaram alguns para acompanhar nessa missão que começou a se obter créditos fabulosos com os produtores de bacalhau da Noruega. Tinha empresas que compravam bacalhau pra pagar com 180 dias de prazo. E eu acredito que isto aqui foi muito fruto também do nosso trabalho, de nós mostrarmos a nossa cara e mostrarmos quem nós éramos. Nós saímos de ser o leão e mostramos sermos o elefante, entendeu? Que nós tínhamos força. E com isso eu acredito que deva ter ajudado muito, muito, muito o comércio não só paulista como brasileiro também. Porque todas essas incursões que nós fazíamos nós procurávamos levar quem quisesse de todo o país, entendeu? Porque São Paulo não era Brasil só, nós tínhamos outros estados também que tinham também atacadista e comerciante. Então você convidava e na realidade poucos se interessavam. Havia algum interesse, do pessoal que acompanhou nós foram os supermercadistas do Rio de Janeiro, porque na verdade os supermercados começaram no Rio de Janeiro. E alguns outros atacadistas do Paraná e de outros estados. Mas eu acho que foi muito, muito, muito importante nós levarmos o nome do comércio atacadista paulista, que na realidade seria comércio atacadista brasileiro, para além das nossas fronteiras. Isso ajudou muito.
P/1 – Nos anos 80 já.
R – Nos anos 80 pra cá.
P/1 – Você acha que tem alguma relação entre o governo da ditadura e o governo democrático? Você acha que muda o comércio, como é que foi isso?
R – Olha, acontece o seguinte, no governo da ditadura se nós formos falar, vamos esquecer quem era o presidente, vamos falar de pessoas que assessoraram os presidentes na época, como o Geisel, como o presidente Medici, como João Batista Figueiredo, Delfim Netto. Delfim Netto foi ministro da fazenda, ministro do planejamento, ministro da agricultura dos governos da revolução. Eu tenho um verdadeiro respeito por ele, pela capacidade dele. E onde criou-se esse respeito entre mim com ele? Foi no período que ele foi ministro da agricultura que aí nós tivemos contato da agricultura, comércio, cerealista, uma combinando com a outra. Delfim Netto um dia me impressionou, quando ele foi assumir o ministério da agricultura ele pediu uma entrevista, que ele ia conversar com o agrônomo Sérgio Mário Regina, que eu já devo ter citado o nome dele, e eu, através de um ex-diretor aqui do sindicato conseguimos juntar doutor Sérgio Mário Regina com o Delfim Netto. Eu nunca vou esquecer das palavras do Delfim Netto. Delfim Netto chegou e falou: “Regina, eu quero que você venha trabalhar comigo porque te respeito, tal, todo aquele lero lero. Agora, eu quero formar uma equipe aqui com o que de melhor exista. Portanto você, Regina, conhece quem são os melhores do Brasil e eu quero os melhores do Brasil trabalhando na minha equipe de agricultura. Aquilo eu achei tão interessante porque não foi o fato dele dizer: “Bom, eu vou pegar o agrônomo daqui da São Paulo porque eu sou paulista; eu vou pegar o agrônomo carioca porque está perto de mim”. Ele pegou uma pessoa que conhecia agrônomos do país inteiro e formou uma equipe com gaúchos, nordestinos, paranaense. Por incrível que pareça nenhum paulista apareceu nessa equipe, quando na realidade isso não quer dizer que não teríamos grandes agrônomos aqui no Estado de São Paulo, né, mas é pra você ver, eu passei a ter um respeito por ele justamente por causa disso, por ele procurar o que havia de melhor. Só que aí veio a desilusão, que tudo o que ele fez durante aqueles seis, oito meses como ministro da agricultura, quando ele foi pra fazenda ele esqueceu completamente o ministério da agricultura e deixou tudo ao Deus dará. Não sei se foi culpa dele ou do superior dele que era o presidente da república, não posso falar nada disso aqui. Mas é uma das coisas. Eu sempre tive uma grande admiração por ele pela cabeça dele, pelo estadista que ele era, uma pessoa que queria formar uma grande equipe e depois tive uma desilusão porque aquela mesma equipe que ele formou ele, ou foi obrigado, ou fez por livre arbítrio, mas acredito que ele foi obrigado a desmontar tudo aquilo que ele tinha feito.
P/1 – Agora, antes da sua gestão você acha que o governo interferia muito na economia, no comércio? Porque depois você falou que teve vários casos, mas e antes?
R – Havia uma interferência muito grande no comércio no período da ditadura. Mas era justamente um problema porque o Brasil enfrentava sérios problemas com dívida externa. Você mesmo deve ter ouvido falar muito, Fora FMI, que era tudo aqueles problemas que o Brasil tinha de dívida. Hoje nós temos um superávit na balança comercial grande, um estoque de dólar tremendo que foi criado com as exportações brasileiras nesses últimos 15 anos que estava tudo uma maravilha pro mundo inteiro. Então havia uma certa imposição, uma certa interferência do governo justamente nessa parte que era questão de economia de divisas. Mas eles também souberam escolher grandes pessoas. Eu falei por exemplo do Delfim Netto como ministro da agricultura mas eu nunca poderei esquecer de um grande ministro que foi ministro da agricultura no tempo da revolução, vai ser difícil eu me lembrar agora quem era o presidente na época, mas ele chamava-se Alysson Paulinelli. Ele foi um ministro da agricultura do tempo da revolução, uma pessoa extremamente aberta, dedicada, preocupada com aquilo que estava fazendo. Ele é mineiro, ele vive em Minas Gerais e eu tive a oportunidade de estar com ele uns quatro, cinco anos atrás, ainda relembramos tempos antigos quando ele era ministro da agricultura. Ele sempre foi um cara que incentivou a fazer aquilo que um ministro da agricultura tem que fazer pela produção agrícola do país, esse foi Alysson Paulinelli, faço questão de frisar o nome dele. Como eu também enalteci os cinco, seis meses do ministro Delfim Netto no ministério da agricultura. Daí pra frente em outros setores do ministério, ministros que foram da fazenda, do planejamento isso eu não posso falar nada porque eles nem sabiam que a gente existia, era perder tempo. Uma vez nós fizemos aqui uma convenção, aqui no Sindicato, trouxemos todos os sindicatos de todos os estados brasileiros, sindicatos de gêneros alimentícios de todos estados brasileiros. E os estados que não tinham sindicatos nós trouxemos associações. Quer dizer, fizemos aqui nessa casa uma reunião com a representação de todo o comércio de gêneros alimentícios do país. Fizemos três dias de discussão aqui, elaboramos um documento pra levar na época para o Presidente Sarney, entregar para ele as reivindicações do nosso comércio. A verdade é que esse documento nunca chegou na mão do Sarney, porque quando nós pedimos audiência com ele não sei o que aconteceu, quando foi um dia o presidente Sarney estava viajando e o vice-presidente era um pernambucano, como era o nome dele? Um magrinho. Acho que um dos caras mais magros que pintou no governo era o vice-presidente da república na época. Bom, sei que eram cinco horas da tarde, me ligam de Brasília dizendo que ele ia nos receber às sete horas da noite no Palácio da Alvorada. Não o Sarney, o vice-presidente. Agora, você imagina o sujeito te ligar de Brasília cinco horas da tarde para você estar sete horas da noite. Quer dizer, é a coisa mais absurda. Nós estamos em São Paulo, você tem que pegar um avião pra ir pra Brasília, nunca chegaria naquele horário. Nisso elaboramos um documento com opiniões de todo comércio brasileiro, juntamos naquela época mais de 60 entidades no Brasil entre sindicatos, associação de todo país, elaboramos um documento, tivemos todo aquele trabalho e não chegou na mão do governo. Por que? Uma displicência total que existia dos governos naquela época. Aí era o tal negócio, fala com o Manuel, o Manuel fala com o Joaquim, o Joaquim fala com o Antônio e vamos ver se dá. Depois o cara diz: “Agora você traz aqui, mas tem que ser às sete horas da noite”, você com duas horas de São Paulo até Brasília como é que fazia? Infelizmente isso era o Brasil, eu quero dizer que ERA, eu espero que hoje não seja mais assim.
P/1 – Então a relação do governo com o Sagasp, com os atacadistas, era mais ou menos assim nos anos 80?
R – Sempre foi assim. O grande relacionamento nosso sempre foi na área com o pessoal da agricultura, o resto ninguém queria saber que nós existíamos, essa é a verdade.
P/1 – Isso a nível federal. Mas e estadual e municipal?
R – Municipal (risos). É até chato o que eu vou falar mas, nós só tivemos problema com governo do PT. Não tenho nada contra eles e também nada a favor, mas acontece o seguinte, quando você falava que queria falar com o prefeito e você se dizia que era o Presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Gêneros Alimentícios, que era patronal, você não era recebido. Eu nunca consegui uma entrevista com um prefeito do PT aqui em São Paulo, acredite se quiser. Erundina, Marta Suplicy, Fernando Haddad, nenhum dessa turma, eu nunca consegui. Com o Haddad não quero ser, eu quero usar da verdade, eu não pedi audiência com ele, talvez até com medo de não ser recebido. Acredito que ele é muito mais inteligente, ele não faria isso, mas nós não tivemos nenhum problema que tivesse que resolver com ele porque nós resolvemos muitos problemas com vereadores, nós temos um bom contato com a Câmara Municipal de São Paulo, com vários vereadores. Os outros prefeitos que não foram do PT nós tínhamos acesso. Eu até achava que nós não éramos recebidos porque nós éramos de sindicato patronal, porque do sindicato dos empregados eles recebiam todo mundo. E uma vez nós tivemos uma reunião que precisávamos falar com o prefeito e ele mandou uma equipe pra cá, deles, a reunião foi feita no sindicato, vieram mais ou menos umas 12 ou 15 pessoas, discutimos umas quatro horas todos os problemas pra depois terminar a reunião na seguinte: “Bom, conversamos bem, agora vamos levar pras nossas bases pra ver o que eles decidem sobre isso o que conversamos”. Quer dizer, é um absurdo total. Quinze pessoas perdendo tempo aqui numa reunião pra depois levar pra outra pra ver se o que nós discutimos se vale a pena ou não. Mas deixa pra lá, o nosso assunto não é política. Pode até cortar depois, viu?
P/1 – Eu estou lhe perguntando isso pra entrar nessa questão da sua primeira gestão. Porque esses problemas que você falou parece que são muito em relação a governo, questão de tabela de importação.
R – Sempre foi relação ao governo. Por exemplo, dentro do Estado de São Paulo, o problema nosso sempre foi o governo federal. Sobre os problemas municipais eu te expliquei e a única coisa que eu quero salientar é que eu pedi pra cortar, inclusive, aquele negócio das encrencas com os prefeitos, mas quero salientar o nosso bom acesso e relacionamento com a Câmara Municipal de São Paulo. Nós nunca tivemos problemas, temos vereadores atenciosos, dedicados que quando nós temos alguma reivindicação vamos a eles, a eles, não estão usando singular, é plural, e temos sido muito bem atendidos. Nós sempre tivemos muita dificuldade de ter contato na área estadual, com os deputados estaduais, por incrível que pareça a gente nunca pôde ter um deputado estadual do qual você pudesse dizer: “Essa é uma pessoa que nós podemos levar os nossos problemas”. Toda vez que eu conversava com algum deputado eu dizia: “Olha, nós estamos tendo essa dificuldade porque a nossa assembleia, ninguém liga pra nós” “Não, agora você tem o deputado, se precisar conta comigo”. Isso aconteceu com vários. E toda vez que você chegava pra precisar falar com eles, desapareciam. Demos sorte agora, nesses últimos quatro, cinco anos que nós conseguimos uma pessoa que é um deputado estadual que está sendo nosso porta-voz pra quando você precisa falar com o governador, inclusive já estivemos com o governador várias vezes através desse deputado, eu faço questão de mencionar o nome dele, que foi o único. Chama-se Campos Machado. Esse deputado estadual, todas as vezes que nós temos problema na área estadual que precisamos conversar com o governo nós vamos, ele nos acompanha. Estivemos com o Governador Alckmin várias vezes, como também estivemos com outros governadores do passado. Então essa é a nossa história, nós temos muito mais acesso na área municipal do que na área estadual e hoje temos um grande acesso na área federal, diga-se bem a a verdade que temos vários deputados federais, inclusive de outros estados, que nos ajudam, isso tem que salientar. Não vou citar nomes porque não quero cometer nenhuma injustiça, vários deputados federais da representacão paulista e também de outros estados que nos apoiam, nos ajudam e levam às vezes nossas reivindicações até mais rapidamente do que um representante do nosso estado.
P/1 – Agora você acha que a gente consegue dividir a história do Sagasp em períodos? Ou não, é difícil?
R – Eu até não gostaria de fazer isso, mas acho que dividir em dois períodos, desculpe o meu excesso de vaidade (risos). Eu e antes. Porque eu vim com uma diretoria muito mais progressista, muito mais avançada. Então, isso ajudou muito a nos desenvolver e promovermos a entidade, a promovermos o comércio de São Paulo. Eu espero que amanhã quando alguém ler isso daqui não me critique por isso, mas eu acho que é isso daí.
P/1 – Entendi. Então antes e depois.
R – Porque foi. A minha época pegou já uma época de pessoas que tinham passado por problemas difíceis, ditadura. Eu tive muitos diretores aqui que eram de esquerda.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Como é que foi isso?
R – Eu sempre fui democrático nessa parte aqui. Eu sou sãopaulino, meus netos são corintianos, qual é o problema? Minha filha é palmeirense. Eu nunca fiz questão de dizer: “Não, você tem que ser isso”. Eu também, dentro da minha diretoria, talvez seja por isso que eu estou há bastante tempo aqui, a ideologia não me interessa, eu tenho a minha, e sou o cara que eu sou socialista, eu acho que a coisa tem que ser, o socialismo que é a verdadeira realidade política do mundo. Não tem nada desse negócio de partido de direita, partido de esquerda, tal, não sei o que mais. E eu tinha pessoas de esquerda aqui dentro, como tenho até hoje. Tenho até hoje diretor que é esquerda. Agora, não é porque ele tem uma ideologia de um jeito que ele não serve pra ser meu diretor aqui no Sindicato, não tem nada a ver, isso aqui não é sindicato de... quer dizer... tempos atrás era um sindicato de direita, depois o governo do PT nós viramos sindicato de esquerda, nesse caso nós temos Então não tem ideologia política dentro de uma entidade, não deve haver. Eu acho que um presidente que se preze, ele não tem que se meter com esses problemas, cada um tem a sua ideologia, como religião, um é católico, outro é espírita, outro é protestante, outro é muçulmano, outro é judeu, qual é o problema? Cada um deita na cama do jeito que ele quer. Essa é a filosofia da nossa entidade. Então eu convivi com diretorias que tinha elementos de esquerda e nós discutíamos o problema. E esses de esquerda, quando o governo precisava de alguém da esquerda era o que nos ajudava a chegar no ponto certo, entendeu? Eu, por exemplo, teria dificuldade de falar com o ministro da casa civil, José Dirceu, quando ele era ministro. Mas eu tinha um diretor que era do PT e nos levou e nós fomos falar com o ministro na época. Não estivemos com o presidente, não precisou falar com o presidente. Então isso tudo ajudava, você ter essa mescla política dentro de uma diretoria justamente por todos esses pontos, justamente pra não ter aquele negócio: “Não, não vou atender o Dadá porque o Dadá é de direita”. Não: “Eu vou atender o sindicato porque o sindicato está sendo pedido pelo diretor tal que pertence ao meu partido, pertence ao outro. Dadá não pertence a partido nenhum, nunca eu pertenci a partido nenhum. Isso daí eu acho que é uma das grandes razões de você manter uma unidade como diretoria, é você ter opiniões, sejam elas quais forem, tanto política como religiosa e se manifestar sobre isso, isso só ajuda. Então eu tive essa sorte porque eu consegui ter uma diretoria que era...
P/1 – Diversificada.
R – Diversificada. Multipartidária e todo mundo tinha o mesmo pensamento como comerciante que era comprar e vender. Uma vez eu tive uma briga muito feia com o ex-ministro da Casa Civil e da Educação, o Mercadante, que num debate de televisão que eu estava participando começou a nos chamar de tubarão. Eu falei pra ele: “Olha, o programa nosso termina às duas horas da manhã”, que terminava aquele programa que estávamos fazendo, “e eu lhe convido, às duas horas da manhã, pro senhor ir dar um pulo na Santa Rosa para o senhor ver como tubarão vive. Às duas horas da manhã”, falei pra ele, quando começam a vender cebola, batata, feijão, às duas horas da manhã. E vai até as cinco horas da tarde fazendo isso. “Gostaria que o senhor fosse ver como tubarão vive, já que o senhor fica falando que nós somos tubarões”. Evidentemente que ele não veio ver, nem nada, e aí a oratória dele era muito melhor do que a minha e ele conseguiu passar por cima de mim, tal, deixa pra lá. E nunca mais eu quis nem saber da cara dele. E toda vez que eu vejo que ele se machuca eu bato palmas.
P/1 – Isso foi em que ano, esse programa?
R – Isso foi um pouco antes do governo Lula, no tempo do Fernando Henrique ainda, quando o PT estava começando a crescer, então Mercadante não era nada naquela época, ele era simplesmente um líder do PT, tal.
P/1 – E você foi fazer um programa de TV?
R – Foi o programa do Ferreira Neto.
P/1 – Debate?
R – Um debate no programa do Ferreira Neto.
P/1 – Sobre o que esse debate?
R – Sobre economia, sobre política, sobre abastecimento. Eu participei várias vezes.
PAUSA
P/1 – Você lembra mais ou menos o que a gente estava conversando? Ou a gente retoma?
R – Você perguntou das duas fases e eu falei que o sindicato, na realidade, teve duas fases, né? Que eu...
P/1 – Sim, você vê como antes e depois mesmo, né?
R – (risos) Corajosamente falei que teve antes e depois de mim, né? Ou pretensiosamente e não corajosamente.
P/1 – Mas essa ideia mesmo é mais pra estruturar a parte do Sagasp no livro mesmo.
R – A verdade é que a entidade está aí, nós somos o segundo sindicato em idade, temos só um sindicato, me parece, que é o Sindicato do Comércio Varejista, que é um pouquinho mais velho do que nós, mas nós estamos com 85 anos de história. E o grande orgulho nosso é justamente essa história estar nesse livro, que se ela teve problemas tristes, mas eu acredito que ela teve muitos tempos alegres, entendeu? São 85 anos que não é brincadeira, é muito tempo. Quando muitas entidades, inclusive, desapareceram, a nossa, graças a Deus, cresceu. Apesar de que o setor atacadista, o atacado que é o que compra mercadoria de produtor e repassa depois para outro ou para consumidor é um objeto em extinção, diga-se a bem da verdade, que na realidade as grandes críticas que todos faziam sem saber o que estavam falando, chamando o comerciante, o atacadista de atravessador, de todas essas coisas, mas eles esqueceram que esses elementos eram necessários para o abastecimento, que você precisava ir comprar em algum lugar pra depois trazer pra vender. Porque aquela história do produtor direto ao consumidor, isso não existe, só existe o grande produtor que esse tem condição de pegar e mandar logo diretamente para um centro de distribuição. Mas acontece que a nossa agricultura é feita de pequenos e micro produtres, então se ele produz dez sacos de feijão, ele não pode pegar dez sacos de feijão, botar num caminhão e vender aqui em São Paulo, então tem que ir alguém lá comprar esses dez sacos de feijão dele, mais dez de outro, mais 15 de outro, formar o caminhão e trazer. Isso era grande crítica de chamar o comerciante de atravessador, mas era um mal necessário. Você tinha que buscar esse produto lá fora quando o produtor não tinha condição de pegar e trazer. Primeiro, aquele que tinha uma produção maior, que ele podia até lotar um caminhão pra trazer pra São Paulo, naquela época ele nem sabia vir pra São Paulo, tá? Como ele também não sabia pra quem ele vinha oferecer o produto aqui. Então, o grande desenvolvimento do comércio começou com esses famosos atravessadores, que eu chamo de soldado desconhecido, você reverencia e não sabe quem é. E aqui não, você critica e também não sabe quem é. Hoje a história mudou, hoje o sujeito liga o rádio às cinco horas da manhã e o produtor sabe quanto está valendo o feijão, quanto está valendo a abóbora,o alface, a mandioca, a batata, cebola. Cinco horas da manhã tem rádio falando do mercado dos produtos em todos os estados do Brasil. Há 30, 40 anos não existia nada disso. Eu viajava muito pra Belém do Pará e pra me comunicar de Belém com São Paulo eu ficava o dia inteiro dentro da Telefônica. Hoje, se você ligar e estiver ocupado você fica bravo que o telefone está ocupado, em dez, 15, 20 segundos você já está falando com o mundo inteiro. Então são outros tempos, você vê que hoje quem é que pode falar em atravessador? Não existe mais nada porque esse atravessador também é um termo que não sei de onde foram tirar, é como o fato tubarão que inventaram, o famoso tubarão que também, tubarão é porque comia tudo, são comerciantes que... eles nunca viram os prejuízos que o comerciante teve. Quantas enchentes nós tivemos aqui em São Paulo? De aniquilar a Zona Cerealista, de perder todos os estoques que tinham aqui de alimentos. Tivemos várias enchentes, entendeu? Praticamente ninguém fala disso daí. Como o velho ditado, você vê as cachaças que toma, mas não vê o tombo que você leva, não é verdade? E o comércio é assim mesmo, o comércio é um jogo, você compra pra vender com o intuito de ganhar e muitas vezes você compra pensando que vai ganhar e perde. É mercado. É como se fosse uma bolsa de valores, sobe e desce, entendeu? É um risco de quem é o comerciante. O industrial já tem uma linha de conduta diferente. Porque nós trabalhamos com um produto que não custa, ele vale. Ele pode custar dez e valer cinco, ou ele pode custar cinco e valer dez, depende da oferta e da procura. Uma indústria pode programar, bom, a matéria prima custa tanto, a mão de obra custa tanto, o meu custo vai ser tanto, eu vou ter tanto de lucro e vou vender por esse preço. No comércio não, no comércio não tem nada disso, não, ele vale, ele não custa, entendeu? Então aí quando sobe um produto por que sobe? Porque falta. Só sobe quando falta. E aí alguns se beneficiam, mas também ele baixa quando sobra, e muitos e prejudicam. Isso é o que faz parte do comércio e isso é que na realidade o que nós temos que levar. Eu volto a repetir: com as comunicações, com estradas, com tudo isso você pode ver, a prova disso que São Paulo já foi responsável por 70% do abastecimento nacional e hoje eu não sei não se chega a 20%, entendeu? Então nós perdemos todo esse mercado, perdemos por quê? Não foi por incompetência, não foi. Foi porque o mundo cresceu, o mundo evoluiu, não foi que ele cresceu, o mundo evoluiu. Como a globalização, houve a internalização perfeita, a integração perfeita através de estradas, comunicações, tal, não sei o quê mais. Hoje um sujeito de Manaus liga pra São Paulo: “Ô, quanto é que está custando tal produto” “X” “Ah, entrega lá na transportadora 50 sacos disso”. Pronto, em dez minutos ele resolveu o problema. E depois, daqui a três dias o produto está lá. Antigamente você levava 40 dias, que tinha que pegar, levar, botar em Santos, esperar um navio que fosse praquele lado, pegar o navio e levar lá pra cima. Mudou. E a tendência na verdade é que o atacado em função das grandes redes de supermercado que existe aqui no país acabou com os pequenos armazéns que eram negócios familiares, que eram justamente esses negócios que sustentavam os atacadistas, isso daí está acabando. Como? Acabou com as quitandas, os supermercados acabaram com as quitandas, verdura é tudo vendido no supermercado. Está acabando com os açougues. Vai acabar um dia com as farmácias, quando o supermercado entrar também nos produtos farmacêuticos. Mas é assim mesmo, a evolução, o que nós podemos fazer? E nós estamos aqui lutando, lutando e ver até onde nós vamos. Eu não posso me lamentar porque quando eu iniciei aqui no Sindicato como presidente na primeira vez a nossa base era de cinco mil empresas, hoje é dez mil. Então há um pouco de contradição naquilo que eu estou falando, que o comércio está se extinguindo, mas ele está se extinguindo aqui na Zona Cerealista. É por isso que nós queremos escrever a história da Zona Cerealista, porque nós sabemos que a Zona Cerealista um dia será esquecida, não vai mais existir. Mas os comércios atacadistas no resto do estado se mantêm e até crescem um pouco, haja vista que em 25 anos nós saímos de cinco mil empresas no Estado de São Paulo e hoje estamos com dez mil. Então o comércio atacadista se mantém, o que está acabando é justamente aquilo que nós queremos deixar escrito para a história do nosso país, para que daqui uns tempos quem poderá ler e saber que isso existiu, o que foi isso e o que representou isso para o nosso país, para o nosso estado e o que representou isso para muita gente que cresceu, viveu, estudou, se formou, casou, cresceu e morreu aqui. Parece que estou fazendo discurso político, pô (risos).
P/1 – Agora que você tocou no supermercado, me diz então, obviamente ele mudou muito o comércio aqui dentro, no Brasil inteiro mas aqui sentiu bastante. Comenta um pouco sobre isso só que também me diz como foi no sindicato especificamente, o que mudou o supermercado?
R – Com o advento das grandes redes de supermercado, elas conseguiram acabar com todos os pequenos armazéns que existiam, que eram os famosos armazéns familiares, era o pai com a mãe e os filhos que trabalhavam lá, vendiam arroz e feijão na concha, depois começou embalagem, tal, não sei o quê mais. O supermercado, o que aconteceu? Ele eliminou o comércio atacadista, ele só usa algum produto do comércio atacadista quando há falta desse produto em determinado lugar, principalmente o agrícola. Então às vezes ele está precisando de feijão, que a zona produtora que fornece ele não tem ele, vem aqui na Zona Cerealista e compra. Feijão, a cebola, a batata, ainda os supermercados abastecem de cebola e de batata aqui na Zona Cerealista e no Ceasa. Mas a mudança foi muito grande, foi muito. Eu acho que para a população hoje foi melhor o supermercado porque está mais concentrado os produtos tudo dentro do mesmo lugar para a população. Mas para muita gente foi uma onda muito grande, não imediata, mas gradativa de desemprego, que eram os armazéns familiares, que era o sujeito que tinha aquele armazenzinho num bairro que estava numa esquina, outro estava noutra esquina, outro estava três esquinas acima. Então você ia lá e comprava com a caderneta, tal. Isso acabou tudo, supermercado acabou com isso tudo. Eu acho que a grande expansão dos supermercados e hoje por exemplo eu acredito que isto aqui nós podemos correr um risco muito grande porque está se monopolizando esse tipo de mercado. Se você ver hoje aqui dentro de São Paulo, nós temos três redes de supermercados só. Algumas com outros nomes mas pertencendo à mesma rede. Então começa a se formar um tipo de um oligopólio. Amanhã eles podem se reunir e dizer: “Olha, nós vamos vender esses produtos, todos nós é preço x”. E aí já começa a coisa ficar feia, não é verdade? Porque aí já deixa de existir a lei da oferta e da procura. Por enquanto isso daí não está acontecendo, mas o supermercado na realidade tem judiado muito dos produtores, isso é o que eu ouço muitos produtores se lamentarem sobre isso, supermercado querer os produtos consignados. Então o sujeito leva o produto lá pra vender pro supermercado e o supermercado diz assim: “Não, comprar não te compro, se quiser você traz aqui e deixa aqui. Nós vendemos e aquilo que nós vendermos nós te pagamos e o que nós não vendermos você pega e leva embora de volta”. Isso está acontecendo com verdura, antigamente supermercado comprava verdura, o que acontecia? O que sobrava ele jogava fora e ele perdia. Agora quem perde é o produtor. Mas por que? Eles se juntaram e disseram: “Vamos fazer isso”. E eles queriam fazer isso no total. E pelo que eu sei, isso só não aconteceu graças a um cidadão chamado Abilio Diniz, que ele não concordou com isso. Eles estavam querendo se organizar de uma forma de todos os produtos do supermercado serem consignados, com exceção daqueles dois, três que eles não conseguiriam fazer consignação porque são produtos que a população exige então eles têm que comprar e vender, como alguns produtos da própria Nestlé como Leite Ninho, bebida, uma Coca-Cola, isso não tem jeito, eles têm que comprar. Mas do resto. Hoje, se você quiser vender um vinho no supermercado você não vende, supermercado te aluga o espaço e você coloca teu vinho lá. A hora que ele vender. Você deve deixar dez garrafas lá, se ele vender duas ele te paga duas e fica lá até acabar. E dos produtos perecíveis eles fizeram esse sistema e o resultado da operação? Quem paga o pato é o produtor. Por exemplo, do cinturão verde aqui de São Paulo que produz alface, as folhas, levam lá pro supermercado, chega lá. Depois de dois dias o cara volta lá para reabastecer. Aquilo que estiver ruim ele tira tudo fora, põe tudo novo e ele que leve embora e jogue pros porcos, sei lá o que eles fazem com isso. Esse é o grande medo que eu tenho do supermercado no futuro. O que aconteceu até agora aconteceu, eram várias redes, era uma cadeia de supermercados e hoje virou duas, três redes aí que é bom a gente nem falar os nomes delas entendeu e devagarzinho elas estão monopolizando o mercado varejista de produtos. É um grande risco pro futuro.
P/1 – Agora isso em relação ao Sagasp. Você sentiu uma mudança no sindicato também, de perder filiado ou filliado sumir?
R – Não, não, não, não houve. O que nós sentimos é que muitos atacadistas que forneciam, até os próprios supermercados, deixaram de ter os supermercados como cliente. Muitos deles nem querem o supermercado como cliente, porque o supermercado hoje, na verdade, é o pior cliente que um atacadista pode ter.
P/1 – Ah, é?
R – Porque o supermercado quer impor preço, entendeu? Ele acha que tem que comprar por aquele preço e acabou e fim de papo. Então o que os atacadistas fizeram? Começaram a procurar outros campos, então, vender em pequenos supermercados que ainda existem no inteiror, porque essas grandes redes só estão em cidades grandes, né? Nas cidades pequenas ainda são aqueles pequenos supermercadinhos, tal, então é o que está mantendo o comércio atacadista, tanto de São Paulo como do Brasil inteiro nesse sentido. Porque você não pega uma cidade aí que tenha 50 mil habitantes que tenha uma rede grande de supermercado, tem um supermercado mais... supermercadinho, vamos chamar assim. Então a situação fez você se adequar à época. E a época é essa. Por isso que não diminuiu e ainda existe o comércio atacadista. Eu me refiro na Zona Cerealista, essa sim eu digo que tem seus dias marcados, infelizmente. Primeiro por estar numa localização péssima, começou há 120 anos quando na época só passava carroça e hoje entra carreta aqui. E olha que nós trabalhamos através das autoridades para tirarmos a Zona Cerealista daqui e levarmos ela pra outro lugar, mas foram umas oito, dez tentativas. Agora vamos ver se nós conseguimos, com essa história de mudança do Ceasa, mudar o Ceasa e junto com o Ceasa levar toda o atacado de alimentos pra ficar tudo em um local só, que nem hoje é em Belo Horizonte é em Betim, que é o Ceasa e a Zona Cerealista está tudo num lugar só, concentrado, que é o ideal. Mas isso aqui está com os dias contados, essa que é a verdade.
P/1 – Mais por causa dessa posição geográfica?
R – Exatamente. Porque você pode ver, nós estamos a dez minutos a pé da Praça da Sé. É absurdo. O marco zero. Cem anos atrás não tinha nada por aqui, as ruas eram pra carroça andar, eram largas ainda pra carroça andar, agora você imagina carreta hoje entrando aí. E mesmo assim nós temos pesquisa que nós fizemos aqui, o número de caminhões que entra e sai por dia aqui na Zona Cerealista é um absurdo. A tonelagem de produtos que é vendida aqui na Zona Cerealista ainda hoje equivale à tonelagem que é vendida de produtos do Ceasa, você vê o tamanho do Ceasa e aqui e equilibra em número de peso, a tonelagem de lá com a daqui. Quer dizer, isso aqui ainda é muito importante, apesar de, no meu conceito estar com os dias contados. Os dias podem ser anos, né?
P/1 – Agora me fala um pouquinho mais, na sua gestão, desses problemas com o governo. Essa questão de tabelas e tal, o que foi isso daí?
R – É, isso daí foi um... você sabe que o Walt Disney criou o personagem, o Professor Pardal, né, que inventava tudo. O que nós tivemos de Professor Pardal no governo não está escrito. Só que o Professor Pardal do Walt Disney, ele inventava e a coisa funcionava e os nossos Professores Pardais que tivemos aqui inventaram e não funcionava. E eu sempre usava uma frase, que o governo faz a coisa certa na hora errada e a coisa errada na hora certa, eu cansei de falar isso. Inclusive o Joelmir Beting várias vezes, em matéria que ele escrevia no jornal, ele citava essa frase minha e ele colocava como minha frase, você entendeu? Governo faz a coisa certa na hora errada e a coisa errada na hora certa. E é o que muitos desses loucos começam a inventar, achavam que de uma hora pra outra apareceu um espírito não sei de quem que achava que o mundo tinha que viver da maneira que eles achavam, que não devia existir lucro, que não devia não sei o quê. Sabia que se não existe lucro como você paga um aluguel, como é que se paga um funcionário, como é que você vai pagar teu imposto, luz, como vai fazer isso? Mas nós tivemos isso, tivemos gente disso. E eu não quero nem pensar em citar nomes, entendeu? Mas tivemos gente, principalmente quando foi no Governo Sarney. O Governo Sarney teve uma, o que ele chocou de Professor Pardal lá dentro não está escrito. Foi uma Pardalzada que dava até medo. Era invenção de tudo quanto era jeito. A única coisa que eles não conseguiram inventar diferente foi mudar a cor da bandeira brasileira, porque do resto, o que você imaginar foi feito. Então foi um período triste. Congelamento de preços, você não deve nem lembrar disso daí. É aquela palhaçada tremenda que foi feita pra no fim chegarem a uma conclusão, fizeram, fizeram, fizeram e fizeram, nos reuniam para manipular índice de inflação, levavam nós, pegava um avião daqui pra Brasília pra chegar lá e dizer: “O que subiu aqui?” “Ah, subiu a mandioca” “Ah, então temos que baixar o preço do chuchu” “Mas o chuchu não baixou” “Vamos dizer que baixou”. Era assim. Era recém saído da ditadura, que nós saímos de uma ditadura militar e entramos numa ditadura econômica, essa foi a grande verdade, entendeu? Então uma ditadura econômica depois que foi um negócio absurdo. Mas, como o bom nordestino diz: “Sobrevivemos a essa seca”.
P/1 – E foi nesse período que teve a questão do lockout, que você falou pra mim?
R – Foi. Aquilo lá nós tivemos que fazer, foi um negócio meio a contragosto mas não teve jeito, que ninguém nos ouvia, ninguém nos dava atenção, eles faziam o que bem entendia até que um dia eu resolvi falar com todos os comerciantes e falei: “Vamos parar por 48 horas”. Porque nós sabíamos também que 48 horas na década de 80, a Zona Cerealista não funcionando ia criar o desabastecimento no país inteiro. Em 48 horas. Só que não aconteceu em 48 horas, aconteceu em 24 horas. Vinte e quatro horas depois já começou a ter desabastecimento em vários pontos do país. Aí eles cederam às nossas reivindicações. Cederam, eliminaram aquelas tabelas bestas que eles tinham criado e a coisa começou a voltar ao normal. Porque pro comércio funcionar tabela não existe. A tabela só existe se você quiser fazer na marra porque se você tabela um produto, o governo te tabela um produto x por dez e faltar, ele vai vender por 15, não adianta. Ele tira a nota dez e cobra cinco por fora. Isso aconteceu milhões de vezes com o feijão que era tabelado pela Sunab. A Sunab inventava de tabelar o preço do feijão tanto e você não podia vender mais caro do que isso. O que é isso? Eu já vi gente que pegava feijão e trazia dentro do automóvel pra vender aqui em São Paulo porque a tabela do feijão era 300 cruzeiros, não sei o quê e ele vendia por 2 mil aqui, ou vendia sem notas por 2 mil, ele não estava nem aí com a tabela. Porque não existe esse negócio, a interferência do governo no mercado, nem nos países comunistas funcionou. Agora você imagina num país que se dizia aberto. Mas aqui tentaram inventar uma moda com esses tabelamentos que foi o maior absurdo que aconteceu na história. Tanto que chegamos a um ponto, quando liberou toda a coisa, nós chegamos a uma inflação de quase 90% a mês, 80 e tantos por cento ao mês. Infelizmente nós passamos por isso.
P/1 – No Sagasp, não só como comerciante mas como presidente.
R – Exato, porque os problemas vinham todos pra cá. Eles vinham pra cá, que nós é que tínhamos que conversar com não sei com quem, nós tínhamos que conversar com o diretor da Sunab, nós tínhamos que falar com o ministro da fazenda, nós tínhamos que falar com o ministro não sei do quê. Nós estivemos, eu nunca me esqueço, com o Maílson da Nóbrega quando ele era ministro e levamos todas essas... mas é o tal negócio, o Brasil sempre teve um problema muito sério, ele sempre colocou as pessoas erradas nos lugares errados. Colocar um médico pra ser ministro do transporte e colocar um engenheiro pra ser ministro da saúde. Absurdo! Entendeu? Então você pega aí, vai ser ministro o cara que é político, ele pode entender de política, mas será que ele entende daquilo que está lá? Será que ele entende de transporte? Será que ele entende de medicina? Será que ele entende de... ainda bem que nas Forças Armadas eles não colocam nenhum que não seja militar, né? Senão era capaz de colocar um louco lá e o cara sair dando tiro pra tudo quanto é lado pensando que aquilo é foguete. Então esse que é o grande problema. Existe muita política envolvendo isso daqui, coisa que a política não pode se misturar com negócios. É o tipo da coisa, então político pensando de uma forma política, então ele acha que é assim e pode ser assim. Agora ele esquece que se você não vender, você não vai receber, se você não receber você não vai pagar. E esse pagamento não é só o seu funcionário, é os impostos. Nós estamos atravessando uma recessão, começou a recessão e cada vez piora mais. Por quê? Porque quando há recessão não há produção, se não há produção não há arrecadação de impostos. E se não arrecada impostos quem é que vai pagar essa máquina infernal que o Estado tem? Isso aí não é hoje, não, já vem vindo. Mas vamos lá, vai! Se Deus quiser um dia há de aparecer um messias aqui (risos).
P/1 – E você voltou pro Sagasp em outro período depois de 86?
R – É. Eu fiquei durante dois mandatos, aí um outro assumiu a presidência e depois eu voltei. Quando eu voltei pela segunda vez as coisas já estavam começando a estar mais tranquilas.
P/1 – Em que ano que você voltou?
R – Porque eu peguei aqui o período como presidente do tempo do Sarney, que foi eleição indireta, que era Tancredo, ele faleceu e Sarney assumiu. Depois eu peguei o Collor e o Itamar Franco que sucedeu o Collor. Dali pra frente a coisa começou a melhorar, atravessamos o período do...
P/1 – FHC?
R – Não, primeiro do Itamar, aí entramos no período do FHC, a coisa melhorou muito, principalmente em relação à política. Mas corrupção ainda existia e bem, viu? Cresceu mais depois no PT, eu não ia falar mas foi bom não ter nem falado.
P/1 – Antes de chegar na gestão que você está até hoje me fala do Collor. Quando ele decidiu que ia abrir a importação como é que foi?
R – Ele abriu os mercados, né?
P/1 – Mercados.
R – Aí foi aquele negócio, então vamos lá. Aí que nem dizia Osmar Santos, agora vamos ver quem tem mais garrafa vazia pra quebrar. E foi. Aí meu amigo, é livre concorrência, tá? O que aconteceu? Por que as indústrias automobilísticas aqui em São Paulo, aqui no Brasil melhoraram os carros? Porque começou a ter interferência dos carros importados, começou a vir o carro importado. O carro mais de luxo que nós tínhamos aqui era um motor de 1954 nos Estados Unidos, que a General Motors usava em 54, tinha jogado tudo no lixo mas veio tudo pra cá. Então havia aquela reserva de mercado, o Collor acabou com tudo isso. O problema é que nós tínhamos em termos de computação, em termos de... porra, um absurdo! Os governos não permitiam que você importasse tecnologia pra você desenvolver a área de informática. O Collor acabou com isso. Ele teve seus defeitos, mas teve muita qualidade também. E dali pra frente os outros começaram a seguir essa mesma linha, principalmente o Fernando Henrique Cardoso seguiu essa linha depois. E dali não teve ninguém, não tinha jeito de voltar pra trás. Porque aí se criou o Mercosul, a Europa fez o Mercado Comum Europeu, a União Europeia, na verdade. A China apareceu no mercado. Aí a coisa pegou pra valer, entendeu? E não tinha mais jeito de voltar pra trás o que era porque seria um retrocesso tremendo. Então hoje o mercado está aí, o que o governo se beneficia é com os impostos altos que ele cobra dos produtos importados. Porque se ele nivelasse no imposto normal tinha muito produto nosso que a gente iria comprar importado, não é verdade? Mas até aí essa reserva de mercado é interessante que fique aqui porque senão nós íamos sucatear tudo a nossa indústria, seria um prejuízo muito grande. Mas estamos aí.
P/1 – Aí depois em que ano você voltou na gestão aqui do Sagasp?
R – Ah rapaz, agora você me pegou, eu não me lembro, viu? Fiz 86, 89, 92. Acho que voltei em 95 ou 96.
P/1 – E está desde então.
R – De lá pra cá não me tiraram mais (risos).
P/1 – E como é que foi esses anos 90 e 2000?
R – Aqui pra nós eu vou dizer pra você, foi tranquilo. Como hoje com todos os problemas nós até temos uma certa tranquilidade. A única coisa que você tem questionado muito, que cria um certo problema para a entidade em si é quando chega nas datas-base que são as negociações coletivas que são feitas com o sindicato. O nosso sindicato assina acordo com mais de 35 sindicatos, entendeu? Então quando chega na época de discutir cláusulas sociais, reajuste de salário, aí é uma encrenca miserável, entendeu? Porque um puxa para um lado, o outro puxa pro outro e até você chegar num bom termo, no meio do caminho é complicado. Esses são praticamente os únicos problemas que temos hoje, o resto está tudo dentro da normalidade. Passou-se a turbulência e estamos em céu de brigadeiro.
P/1 – Mas só tem essa questão da mudança da Zona Cerealista.
R – É, esse daí. Mas como eu sempre sonhei em fazer esse livro, entendeu, meu sonho dessa Zona Cerealista é capaz de chegar lá, vamos ver (risos). O livro é o sonho que eu nunca havia sonhado estou realizando. E a Zona Cerealista é um sonho que eu sempre sonhei e vamos ver se eu realizo.
P/1 – Você acha que o Sagasp vai reunir os atacadistas pra fazer?
R – Não, já fizemos uma pesquisa sobre isso e uma ampla maioria entende que nós temos que sair daqui. Aí tem que virar um comércio varejista, se pensou em criar um atacarejo aí, um supermercado a céu aberto, entendeu? Um atacarejo. Porque aí você ligava o Mercadão com eles lá, com a Zona Cerealista, e você teria uma zona de varejo pra você vir, fazer suas compras, tal. Seria um supermercado grande a céu aberto, com todo mundo participando, não sendo uma empresa só como é o supermercado. Isso daí, inclusive esse é um projeto que já está na prefeitura há muito tempo. Há um consenso, praticamente um consenso do pessoal aí de se fazer isso. E o atacado você levaria ele junto com o Ceasa, que lá é atacado, então já ficava tudo junto, tanto os hortifrutigranjeiros como os cereais, bebidas, todas essas coisas aí.
P/1 – Agora me fala, Dadá, como é uma eleição no Sagasp? Como que funciona a eleição?
R – É normal, como qualquer outro tipo de eleição. O associado vem e vota. Você abre, dá um prazo de 60 dias pra se apresentar uma chapa. E essa entidade em 85 anos, ela teve três disputas, só.
P/1 – Que foram disputas mesmo.
R – Foram disputas eleitorais, que teve duas chapas. Uma foi doutor Euclides Carli disputando com Antônio Marchetti em 1978, 80, por aí. Euclides Carli ganhou as eleições. A segunda disputa fui eu contra Ítalo Tucci, eu ganhei as eleições. E a terceira disputa fui eu contra Antônio Miguel Salerno e eu ganhei as eleições. Em 85 anos nós tivemos três disputas só, o resto sempre foi candidato único.
P/1 – E como é que foram essas disputas?
R – A do Euclides Carli foi uma disputa apertada, vamos dizer, num universo de, eu vou falar em número de votos, em um universo de 500 votantes, Euclides Carli ganhou com 16 votos de diferença. A minha disputa, num universo de 500 votantes também, eu ganhei com 90 votos de diferença. E a minha terceira disputa eu não vou dizer o número de eleitores, eu tive 86% dos votos. Aí de lá pra frente ninguém quis mais formar uma outra chapa. E não que eu... porque sempre quando chega época de eleição eu dou liberdade pra qualquer um diretor que queira ser candidato a presidente, tal, porque já está na hora de eu me aposentar, né? Mas enquanto não aparecer ninguém nós vamos tocando aí.
P/1 – Agora tem o tempo pra pessoa fazer campanha, alguma coisa assim?
R – Tem, tem, tem.
P/1 – Como é que é essa campanha?
R – A campanha é uma campanha normal, só que é feita através, vai em cima dos associados, né? Porque só podem votar os associados. Quem é sócio do sindicato vota, quem não é sócio, que a base toda não vota, né? A base nossa é de 10 mil, mas o número de associados é bem menor. Então você faz a campanha em cima dos associados e aí o associado é quem decide quem é o melhor, vem aqui e vota.
P/1 – Mas você ligava pros associados?
R – Não. Tem associados nossos que está no Ceasa também, nós temos. Nós temos associados aqui em São Paulo, nós temos em Santo André, temos em São Bernardo.
P/1 – Não, não, eu digo você ligava para os associados pra falar: “Olha, vote em mim”?
R – Às vezes não só ligava como ia também falar com eles diretamente. Essa vez que eu tive 86% dos votos foi assim. Porque eu me senti, eu tive um problema cardíaco naquela época e eu estava internado e arrumaram um esquema aqui pra me derrubar, para eu não ser mais candidato a presidente, que era o outro que entrava no lugar. Aí eu saí, voltei e falei: “Não, vou com força total”. Aí fui praticamente de porta em porta (risos).
P/1 – E quando teve essas disputas você acha que foram projetos antagonistas mesmo ou interesses?
R – Não, não. Os interesses são todos iguais. Aí eu acho que venceu mais pela atitude da diretoria que fazia parte da chapa, que a chapa não era presidente contra presidente, entendeu? A chapa era uma diretoria inteira contra outra diretoria inteira. Então eu acredito que eu tive muito mais vantagem porque os elementos que pertenciam à minha diretoria eram, vamos supor, mais honrados, vamos dizer, do que da outra chapa. Essa foi a razão que eu acredito que foi que ajudou muito na nossa eleição.
P/1 – E como é o dia da eleição? Eles vêm aqui e votam?
R – Vêm aqui e votam.
P/1 – Numa urna?
R – Numa urna, tudo direitinho, supervisionado pela Federação do Comércio. Era bem feito.
P/1 – E é tenso, é tranquilo o clima?
R – Sempre tem tensão. Em qualquer disputa tem tensão, entendeu? Mas nunca houve inimizade, entendeu? Tinha um vencedor e um vencido, mas o vencido não se tornava inimigo do vencedor, isto era muito importante, era uma disputa mas era leal, daí a dois minutos, é que nem um jogo de futebol, jogador lá dentro se mata pra marcar gol, o time dele ganhou, ele abraça o adversário dele, vai embora, vai jantar com ele, e aqui sempre foi a mesma coisa em todas as disputas que houve.
P/1 – Tem umas perguntas que a Ana trouxe, eu só vou pausar um pouco.
PAUSA
P/1 – Ela queria que eu perguntasse pra você o que você entende por empreendedorismo hoje.
R – No setor nosso.
P/1 – No setor de vocês.
R – Eu acho que é uma palavra que não existe, entendeu? Porque o empreendedor é mais um industrial, um construtor, umas coisas assim. Aqui não, aqui o setor de alimentos eu diria que é muito mais especulativo do que empreendedorismo, você entendeu? Vamos dizer: “Bom, vou montar uma empresa porque eu sou um empreendedor”, empresa de cereais. Não tem nada disso. Ele vai montar um negócio que na realidade é um negócio que é especulativo, ele compra, vende, compra por um preço, tenta vender por outro, se conseguir ganhar, ganhou, se não conseguir, se o mercado não ajudar. Então no setor de alimentos, de revenda de alimentos, na minha opinião não está no dicionário do comerciante essa palavra, não.
P/1 – Mas nem nessa questão de tentar inovar com produto, tipo, um condimento novo?
R – Isso daí muita gente já fez, isso daí eu acho, até aí nós poderíamos chamar um pouquinho de empreendedorismo essa parte, podíamos chamar isso daí, que foi o sujeito que saiu de uma coisa e partiu pra outra. Vamos dizer, hoje muitos que trabalhavam com um certo produto, começou com condimentos, tal, que hoje cresceu muito aqui na Zona Cerealista esse setor aí, de ervas e outras coisas, condimentos. E aí a palavra empreendedorismo vale para esses daí, que eles foram tentar empreender um novo sistema de trabalho, o sistema de trabalho tem uma mudança de produto da atividade dele, entendeu? Até aí ela cabe.
P/1 – Então tem diferença entre os comerciantes de antes e os mais...
R – E os de hoje. Aqui o grande problema da Zona Cerealista é que praticamente não houve continuidade. Porque infelizmente no comércio, você consegue pegar um sujeito e fazer ele ser médico, mas você não consegue pegar um cara e fazer ele ser comerciante, ele tem que ter o tino pra isso. Você pega o seu filho e convence ele de ele ser advogado e ele vai fazer Direito. A não ser que ele tenha: “Não, eu gosto de vender bugiganga”, é comerciante, então ele vai vender bugiganga e vai virar comerciante e vai em frente. Então aquilo que aconteceu no setor da Zona Cerealista é que houve, vamos dizer, é muito difícil você ver o comércio passar de geração pra geração, ter algumas empresas que começaram, que os pais passaram pros filhos e os filhos não souberam respeitar aquilo que os pais fizeram e acabaram até quebrando, tem vários casos que aconteceram com empresas grandes, entendeu? Então essa é uma das coisas porque não tem sequência. Numa indústria o pai monta uma indústria, o filho vai trabalhar com ele e ele consegue ir administrando a indústria e tal porque tem muita gente que trabalhar com ele. No comércio não, no comércio ou o cara nasceu pra ser comerciante ou não nasceu pra ser comerciante.
P/1 – Entendi. E outra questão que ela quis colocar é assim: Como é que você vê os hábitos alimentares do brasileiro hoje? Como era antes?
R – Houve uma mudança muito grande nos hábitos alimentares. Nós aprendemos a comer melhor e a situação econômica fez com que a gente pudesse comer melhor. Eu me lembro, posso falar por mim e por colegas meus do tempo que a gente estudava, que era tudo moleque, você comia macarrão e frango só de domingo. E dependendo da situação financeira do pai você tinha o refrigerante, que era uma tubaína ou qualquer coisa assim. Durante a semana não, era arroz, feijão, uma salada; arroz, feijão e uma batata frita; arroz, feijão, curtia um bife e estava tudo bem. Hoje mudou muito. Hoje você pega numa casa não tem essa história de dizer que domingo é dia de comer macarrão. Não, você come macarrão qualquer hora da semana, você come verduras mais, que você não comia tanto na época. A mudança de hábito alimentar foi muito grande nesses últimos, vamos chamar 20, 30 anos, para melhor, para melhor. Pois hoje é difícil o sujeito dizer: “Não comi uma carne de porco, não comi um frango, não comi um bife”, ou qualquer coisa. Não. Antigamente era arroz e feijão. Existem alguns setores, vamos dizer, no campo ainda, que o sujeito está habituado com arroz, feijão e farinha, mas nós estamos falando da cidade, dos grandes centos e dos pequenos centros também. O hábito alimentar mudou e mudou muito, mudou muito. Outra que ajudou muito a mudar os hábitos alimentares é justamente a abertura das importações. Porque você vê, hoje todo mundo tem acesso a uma lata de azeite de oliva, que não é produzida no Brasil, oliva é importada. Que não tem uma lata de azeita na casa dele? Quem não toma um vinhozinho de vez em quando? Aí já digo de vez em quando, não é verdade? Quem não come uma ervilha, uma lentilha? Coisa que antigamente só rico podia comer lentilha, ervilha, grão de bico. Hoje não, hoje qualquer um pode comer, uma lentilha substitui o feijão. E muitas vezes ela está mais barata que o feijão e ela é importada. Então houve uma mudança de hábitos alimentares para melhor.
P/1 – E você acha que a Zona Cerealista ajudou nisso também?
R – Não, ela é a responsável. Ela que é responsável. A Zona Cerealista é responsável por tudo isso, não tenho a menor dúvida, não tenho medo de errar. O Mercadão, por exemplo, que é coisa de elite que tem tudo lá dentro, praticamente se abastece tudo na Zona Cerealista. Todos os queijos que têm no Mercadão são importados por empresas aqui da Zona Cerealista. As bebidas, da Zona Cerealista. O bacalhau. Tem muito, dentro do Mercado tem um ou outro importador, citaria talvez só o Chiappetta lá dentro, que o resto. E mesmo o Chiappetta ainda compra coisas aqui na Zona Cerealista. Então você vai lá, você vai ver lentilha, grão de bico, ervilha, aqueles condimentos, grãos, girassol, o diabo que for lá é tudo aqui da Zona Cerealista. A única coisa que não é da Zona Cerealista é os passarinhos que tem lá dentro do Mercado (risos). O responsável por toda essa mudança é a Zona Cerealista, isso daí eu não tenho medo nenhum de falar e não tenho receio que esteja errando não, eu estou certo: Zona Cerealista foi a responsável por tudo isso daí. A mudança de hábito alimentar valeu muito pelas estruturas governamentais, permitiram com que os salários desse pra pessoa poder consumir essas coisas e a Zona Cerealista contribui por trazer isso daqui e distribuir.
P/1 – Eu queria explorar isso um pouco mas a gente vai deixar pra próxima entrevista, tá bom?
R – Ok, ok.
P/1 – Então por enquanto estamos terminados.
R – Vamos lá. Ainda bem, né? (risos)
Parte 2
P/1 – Dadá, então, só para registrar de novo, fala o seu nome inteiro, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Algirdas Antônio Balsevicius, nasci em 17 de julho de 1939, sou filho de lituano por parte de pai e italiano por parte de mãe.
P/1 – Você nasceu em que cidade?
R – Eu nasci em São Paulo, na rua João Bueno, aqui no bairro do Pari, comecei os meus estudos no Colégio Santo Antônio do Pari que é na Igreja Santo Antônio do Pari, na Praça Padre Péricles e comecei o meu primário ali e completei o primário na Escola Congonhas do Campos no Tatuapé.
P/1 – Você nasceu em casa?
R – Não. Eu nasci no Hospital que era o São José do Belém e hoje, ele mudou de nome, que na realidade, eu não me lembro mais o nome que tá, mas ele existe ainda. Eu nasci no hospital. A minha formação estudantil, vamos dizer assim, depois eu completei, na época era o ginásio, no Colégio Fernão Dias que era na Avenida Celso Garcia, lá no Tatuapé, que depois também fechou, não sei para onde ele foi parar e nesse período, eu já tinha os meus 11 anos de idade, mais ou menos, eu fui criado pela minha avó e o meu pai junto com os meus outros cinco irmãos, na época, mudaram para Blumenau, em Santa Catarina. Um ano após, eu fui para Santa Catarina morar com eles e terminei o que nós chamaríamos de curso secundário, na época, que a gente terminou o ginásio que foi lá. Mas eu não era um assíduo estudante, na verdade, era um grande vagabundo, dos grandes matadores de aula, não ligava, não levava isso aí muito a sério na época.
P/1 – Mas eu só queria voltar antes de chegar nos 11 anos e tal, queria perguntar sobre os seus pais, mesmo, só antes de chegar em você. Seu pai, qual que é o nome dele?
R – Meu pai chamava-se Enrico Balsevicius. Na verdade, o nome dele não era Enrico, era Enrique, mas quando eles vieram pra cá, no serviço de imigração, o funcionário que trabalhava na imigração aqui no Brasil era italiano e o Enrique em italiano é Enrico, então, ele tirou o nome de Enrique e colocou o nome como Enrico, que era vamos dizer, o nome correto em italiano, eles vieram pra cá logo depois da queda do Czar na Rússia, quando o Lenin assumiu o poder e unificou a Rússia que tomou a Lituânia, Estônia, Letônia, todos aqueles países do Báltico e o meu avô, ele era czarista, entendeu, e devido a situação politica, eles só tinham uma alternativa naquela época que era sair de lá. Então, ele juntou toda a família dele e dos irmãos deles e resolveram vir para a América. Na época, se falava em América, não tinha distinção de América do Sul e nem América do Norte, nem América Central, nada disso, vieram para a América, tanto que formou-se uma confusão, que quando chegaram no porto da Alemanha, que foi… não tô lembrado bem do nome, se dividiram. Uns foram para uns navios e outros foram para outros, metade da família foi parar na América do Norte e a outra metade veio parar na América do Sul, que foi o meu pai, meu pai era solteiro, foi o meu pai, minha avó, meu avô e os irmãos deles que vieram pra cá. Essa história levou mais ou menos uns 20 anos ou mais, talvez mais, mais de 30 anos para eles acabarem se localizando, que os parentes deles estavam nos Estados Unidos, que era na América do Norte e acabamos descobrindo que eles viviam em Chicago. Através de alguma correspondência que o meu pai começou a manter com o pessoal da Lituânia, acabamos descobrindo os endereços deles em Chicago. Porém, numas dessas ultimas correspondências, eles pediram, os parentes nossos que estavam lá na Lituânia, que ainda sobraram, pediram para oi meu pai parar de escrever porque todas as cartas eram censuradas na época e eles tinham medo que alguma palavra meio esquisita pudesse criar problema neles e eles serem deportados para a Sibéria em função de tudo isso daí. O regime era muito pesado na época. Então, perdeu-se o contato com eles. Por incrível que pareça, passados muitos anos, o meu pai conseguiu descobrir os endereços dos parentes nossos que estavam vivendo em Chicago. Aí, começaram a se corresponder e até eu me lembro, eu era criança ainda, eu me lembro que um dos parentes do meu pai veio um dia ao Brasil aqui para encontrá-los, para praticamente conhecê-los, porque não sei quantos anos que não se viam. E foi praticamente a última vez e depois, o meu pai pediu um dia para eles se eles podiam mandar algumas fotos da Lituânia para ele e eles mandaram e por uma razão do destino, essas fotos chegaram justamente no dia em que o meu pai faleceu. Ele acabou nem vendo essas fotos. Perdemos completamente o contato com a parte dessa família que mora em Chicago e eu, muitos anos depois, eu já casado, um dia eu tive em Chicago e tentei procurá-los e localizei, mas era um período de julho que era o período de férias lá, e eu telefonei uns dois dias lá e ninguém atendia o telefone, acabei constatando que eles deviam estar de férias, tal e viajando, então, perdemos completamente o contato. Meu pai nasceu na Lituânia, meu avô na Lituânia, era lituano e minha avó era polonesa. E minha mãe filha de italiano, então houve essa mistura do norte europeu com o sul europeu.
P/1 – E qual que é o nome do seu avô e da sua avó por parte de pai?
R – O meu avô chamava-se Antônio, que em lituano chamava-se Antanas, traduzido para o português, ficaria Antônio. E a minha avó chamava-se Paulhia, que é Paula na realidade, entendeu, mas devido à escrita deles lá, ela estava registrada como Paulhia. Foi estranho que na imigração, o cara lá botou o nome do meu pai em italiano e outras que entrevistou a minha avó deixou esse nome de Paulhia como era mesmo, que fosse um italiano ia colocar o nome de Paola, né, que é Paula em italiano. Eu tive uns tios, todos eles já falecidos, o meu nome provem de um rei da Lituânia, que chamava-se Algirdas, meu tio também chamava-se Algirdas, tinha o mesmo nome e o meu nome foi… até hoje não sei se foi em homenagem ao meu tio ou se foi homenagem ao rei da Lituânia. Não consegui descobrir. Minha vó costumava dizer que era em homenagem ao meu tio, e o meu pai me dizia que era em homenagem ao rei da Lituânia, porque o meu nome é muito popular lá na Lituânia. Eu não tive a satisfação e o prazer de conhecer a Lituânia, apesar de ter tentado ir lá. Eu tive… uma vez, eu estava em Paris e resolvi ir para a Lituânia, mas ainda era no tempo da União Soviética e eu me recordo muito bem que quando eu cheguei em Moscou, o departamento de imigração me pegou com o meu nome e tal e queria saber o que eu tava fazendo lá, o quê que eu ia fazer lá. Eu falei que eu era filho de lituanos e que gostaria de conhecer a terra do meu pai, então, eu teria que passar uma noite lá em Moscou e no outro dia, pegar um avião e ir para Vilnius que era a capital da Lituânia, não sei se a capital era Vilnius ou Kaunas, era um desses dois nomes aí. Aí, eles chegaram para conversar comigo e aí, eu comecei não querer dar muita bola, falei que eu não sabia falar inglês, mas na realidade, eu falava, que eu só falava português, eles trouxeram um português para falar comigo. Aí começou aquela investigação, o quê que eu vou fazer, falei: “Vou para Lituânia, quero conhecer a terra do meu pai” “Muito bom, muito bonito…”, não sei o que… “Que hotel você vai ficar?” “Vou ficar num hotel x assim” “Não, não, você não vai ficar nesse hotel, você vai ficar num hotel que nós indicarmos”, aquilo me assustou, a gente tinha uma imagem ruim da União Soviética na época, eu falei: “Pô, eu tô com hotel reservado, eles querem me levar para um outro hotel? O que será que vão querer fazer comigo?”, nunca me esqueço que eu perguntei para o agente que tava conversando comigo: “Que horas que tem um voo para voltar para Paris?”, ele falou: “Tem daqui uma hora, o mesmo avião que o senhor veio”, falei: “Então, eu vou voltar” e me mandaram de volta, mesmo. Não chegaram a falar: “Fique”, ou qualquer coisa, nada. Apoiaram a minha… então, eu acabei conhecendo o aeroporto de Moscou, essa é a verdade e não tive oportunidade de conhecer a terra dos meus pais. Mas é coisa passageira, depois também com toda franqueza, eu perdi, vamos dizer, aquele entusiasmo de ir para lá, apesar de que depois que a própria Lituânia, quando acabou a União Soviética, que a Lituânia conseguiu a independência dela, eu tinha um amigo que era um padre lituano, que ele sempre viajava para a Lituânia e ele estava me forcando a fazer uma viagem para a Lituânia, inclusive, até eu pedi um favor para ele, que ele me trouxesse um pouco de terra da Lituânia, que eu queria botar no túmulo do meu pai e ele me trouxe. Esse padre chamava-se Padre Pedrinho, ele era da igreja da Vila Zelina, ali, a igreja dos lituanos e ele tava me convencendo de eu ir para a Lituânia um dia junto com ele e eu já tava concordando. Infelizmente, de uma hora pra outra, eu mantinha contato com ele, principalmente, na época da Páscoa, que ele precisava comprar lá para as festividades da igreja dele, que a Páscoa é muito comemorada pelos lituanos, os lituanos eram um país extremamente católico, então eu comprava aquelas coisas lá que eram tradição dos lituanos de comer no dia de Páscoa e festejar e numa dessas Páscoas ele não ligou para mim e passou assim, uns dois meses, eu tentando manter contato com ele, ligava para ele, ficava o recado na secretaria eletrônica, quando foi ver um dia, me responde uma das funcionarias lá da igreja responde ao meu chamado lá na secretaria eletrônica e me diz que o padre tinha morrido. Então falei cá comigo, falei: “Acho que o destino não quer que eu vá conhecer a Lituânia, mesmo”, então, encerrei o episódio Lituânia.
P/1 – Sei e os seus avós faziam o que lá? Você falou que eles eram czaristas, mas qual que era o…
R – Olha, eu não tenho bem certeza, mas o meu avô, parece, que ele… porque eu não cheguei a conhecer o meu avô, entendeu? Ele faleceu uns três ou quatro meses antes de eu nascer, mas a minha avó me contava que parece que ele trabalhava lá com um tipo de uma policia montada que nem tem no Canadá, eles tinham lá para ficar vigiando floresta, todas essas coisas e ele tinha muita esperança neles, que o regime comunista que foi imposto pelo Lenin, que aquilo lá não ia progredir, tanto que até hoje, eu tenho na minha casa pacote de notas de dinheiro do tempo de Czar, que eles trouxeram para cá e guardaram aqui, esperando que aquilo lá poderia um dia ter algum valor e acabou não tendo e minha vó acabou antes de morrer deu tudo para mim e eu tenho tudo isso em casa, que eu nem sei… aquilo lá um dia pode servir para a história, não é verdade? A minha mãe, o meu avô quando veio para cá, por parte de mãe, não posso precisar, entendeu, a data que ele veio, mas ele foi… eu acredito que eu, hoje, aqui na Zona Cerealista, eu sou um dos poucos descendentes de comerciantes que ainda estão na ativa, que eles começaram em 1930, 32 aqui na rua Paula Souza. Eles montaram uma empresa chamada Biagio Marchetti e Cia, esse Biagio Marchetti era o meu avô. Isso foi antes da Revolução de 32 e eu tinha um primo meu que inclusive chegou até a ser vice-presidente meu aqui no sindicato, Clovis Marchetti, que seria também um dos poucos descendentes que seguiram a trilha dos avós e ele, já faz uns quatro anos que ele faleceu. Então, praticamente sobrou só eu, porque eu desconheço que exista alguma continuidade comercial familiar que passou de pai para filho e de filho para neto aqui na Zona Cerealista, honestamente acredito que não haja, que todas as grandes firmas antigas não tiveram sucessores, quando os principais morreram, os familiares estavam fazendo outra coisa e tal e não seguiram adiante.
P/1 – Seu pai, eles chegaram aqui em São Paulo e foram morar onde?
R – Eles vieram como imigrantes e a primeira coisa que fizeram foram mandar eles para a lavoura de café, para cuidar de cafezal. Mas era o tempo do coronelismo, então você tem inclusive uma… não é bem uma novela, que a Globo fez chamado Amazônia, que conta bem a história dos caras que iam trabalhar nas fazendas, ali no caso da Amazônia foi no Acre e o sujeito entrava e nunca mais conseguia sair, porque ele ficava devendo cada vez mais para o dono da fazenda. Então, ele comprava tudo… ele era obrigado a comprar tudo no armazém do dono da fazenda e aquilo era caríssimo e o sujeito não conseguia nunca sair da dívida e ele só poderia sair da divida o dia que ele conseguisse quitar a divida dele. Então, virava um… era uma escravidão quando tinha acabado a escravidão, só que era uma escravidão com os migrantes e imigrantes. Aí, um belo dia, o meu avô, descontente com aquela situação, resolveu pegar a família e fugir, só que eles praticamente não sabiam nem onde é que eles estavam, naquele tempo você deve imaginar, veículos de comunicação não existiam, nem rádio, nem coisa nenhuma, mas tinha uma estrada de ferro e eles sabiam que aquela estrada de ferro num certo sentido vinha parar aqui em São Paulo, então, eles pegaram e vieram pela estrada de ferro a pé e chegaram aqui em São Paulo. Chegaram aqui em São Paulo, na época, se concentraram aqui no Largo de São Bento, todos os imigrantes para ver se encontrava um ou outro parente e tal que tinha imigrado para cá. E ali, eles conheceram alguns outros lituanos, tal, não sei o que… meu pai e o meu avô trabalharam na construção da Represa Billings. Daí, o meu pai e mais outros dois tios meus resolveram… eles sabiam dirigir, resolveram tirar carta de motorista e foram trabalhar como caminhoneiro, vamos dizer assim. E aí, começou a vidinha deles.
P/1 – Morando onde? Aqui no Pari, mesmo?
R – Eles estavam… agora você me complicou onde eles moravam, eles foram morar no Pari quando o meu pai casou, agora onde moravam os outros, honestamente eu não consigo lembrar. Depois, houve uma certa dispersão da família, um foi para um lado, o outro foi para o outro, dois foram estudar e um outro um dia morreu afogado lá no Rio de Janeiro, um dos tios nossos, mas eles, meus avós, honestamente, eu não consigo saber onde é que eles moravam, os outros, os tios, sim.
P/1 – Mas então o seu pai começou como caminhoneiro aqui em São Paulo?
R – É, meu pai começou como caminhoneiro aqui em São Paulo e no fim, eles acabaram aí na Segunda Guerra Mundial, quando nós tivemos um problema aqui no Brasil com crises e tal, eles fundaram uma empresa que foi, nós podíamos dizer, que foi uma das primeiras cooperativas de caminhoneiro. Chamava-se ASTRAL e era Associação Serviçal de Transporte Rodoviária Americana Limitada, nunca mais esqueço o nome disso daí. Então, o quê que eles faziam? Eles pegaram aí, vamos dizer, dez ou 15 caminhoneiros e fundaram essa empresa, então para cada um ter o seu serviço. Então, aparecia uma carga, era na fila, então você ia fazer essa viagem, aparecia outra, o outro ia fazer essa viagem e assim foi. E nisso aqui, meu pai era um cara que já… quando saiu da Lituânia, meu pai fazia um curso de Engenharia lá na Politécnica. Meu pai era um homem que falava cinco idiomas e aprendia praticamente por si. Meu pai tinha uma inteligência, um QI elevado, vamos dizer assim na época. Aí, essa empresa no pós-guerra, depois que terminou a Segunda Guerra Mundial, ela começou a crescer e o meu pai passou a ser gerente dessa empresa, ele que era um dos diretores principais lá, porque entendia-se que ele era o cara que tinha mais capacidade, que era mais… vamos falar, mais inteligente, vamos usar esse termo, mais do que o resto da turma, só que não era aquilo que ele gostava. Até que um dia ele resolveu sair fora da empresa e foi quando ele foi… ele adorava Blumenau, Santa Catarina. Ele era apaixonado por uma casa que tinha na beira do rio Itajaí-Açú e ele conseguiu comprar aquilo lá e mudar para lá e daí que eu fui para lá também. Eu larguei meus estudos e fui para Blumenau.
P/1 – Ele carregava o que, geralmente, lá?
R – Daqui…
PAUSA
P/1 – Você estava falando do seu pai, da empresa que ele… da cooperativa que ele…
R – Isso. Aquilo lá foi então, o que eu te falei. Depois, ele resolveu mudar de vida, nós mudamos para Blumenau. E eu nessa época, eu ainda estudava aqui em São Paulo, que eu morava junto com a minha avó.
P/1 – Sua mãe, queria passar para a família dela agora. Os seus avós são italianos, é isso?
R – Italianos.
P/1 – Qual que é o nome deles?
R – Marchetti, sobrenome é Marchetti.
P/1 – Seu avô?
R – Meu avô, o sobrenome dele era Biagio Marchetti e a minha avó era Elisa Marchetti.
P/1 – Eles são da onde da Itália?
R – A minha avó era do norte da Itália, da região de Veneza e o meu avô era do sul da Itália, da região de Nápoles. Até ele se dizia ser napolitano, mas no fim, nós acabamos descobrindo que era de uma província de Nápoles, descobrimos através de um parente nosso aqui que tava querendo conseguir o passaporte italiano que foi mexer, mexer e acabou descobrindo que de napolitano, ele não tinha nada, vivia numa provinciazinha pequenininha, então, ele dizia que era de Nápoles e um dia, um italiano mesmo de verdade, ele disse que aqui no Brasil o que não tem é napolitano legitimo, os napolitanos nunca saíram de lá, o que tem são aqueles caras das províncias de Nápoles que migraram pra cá. E eles vieram pra cá e começaram como comerciantes, aqui na rua Paula Souza, depois, em 1930 e pouco, eles mesmos saíram daqui e foram para Campo Limpo Paulista, perto de Jundiaí, o meu avô e o meu tio que era sócio dele continuou aqui e essa turma que continuou aqui, eles ficaram como feirantes, um dos filhos desse meu tio, chamava-se Antônio Marchetti, ele acabou se tornando presidente da Bolsa de Cereais aqui em São Paulo e presidente do sindicato aqui também. Se estabeleceram, foram…
P/1 – Ele é primo seu? Desculpa.
R – Seria primo de segundo grau. Ele era primo irmão da minha mãe, primo de segundo grau meu.
P/1 – Mas o seu avô e a sua avó, eles eram…
R – Isso eu tô falando da parte da minha mãe.
P/1 – Mas lá na Itália, eles faziam o que? Você sabe?
R – Não sei, porque a minha mãe nasceu aqui.
P/1 – Mas eles vieram para o Brasil…
R – Eu não sei precisar, porque eu não tinha muito contato com eles, com esses meus avós…
P/1 – Você sabe o ano, mais ou menos? Anos 20?
R – Foi antes da Primeira Guerra Mundial, como o meu pai também com o meu avô, eles vieram na Revolução Bolchevique, entendeu?
P/1 – E chegando aqui, eles viraram comerciantes na Paula Souza?
R – É, o inicio… depois, eles… isso foi na década de 30, né, 29, 30 que eles começaram como comerciantes aqui na rua Paula Souza, agora, como eles começaram, pouca coisa que eu sei disso daqui era a minha mãe que me contava porque a minha mãe era criança, era mocinha, mas já trabalhava com eles, entendeu? Minha mãe devia ter seus oito, dez anos, dez, 12 anos…
P/1 – E era comércio de alimentos?
R – Era. Era comércio de alimentos.
P/1 – Era um armazenzinho, assim?
R – Era um armazém, eles importavam vinhos, tal, não sei o que, isso de vez em quando… poucas vezes que a gente mantinha contato com esse meu avô, porque ele era muito esquisito, entendeu? Era, ixi, eu no fundo, no fundo, eu não gostava dele, porque havia uma distinção, você ia na casa dele, por exemplo, lá em Campo Limpo, eles iam almoçar, mas criança não podia sentar na mesa com eles, nós éramos crianças. Então, eu tive algum contato com o meu avô depois que ele ficou velho que teve uma temporada que ele passou na casa da minha mãe, lá e tal, mas nunca nos aprofundamos, não tive papo comercial com ele, nem nada, era meio esquisito de conversar com ele, era aqueles italianos meio barrigudão, meio diferente, diferentemente do meu pai, eu com o meu pai, nós tínhamos um hábito, eu depois de alguns anos, Blumenau, eu como era um vagabundo na escola, meu pai chegou um dia perto de mim e me apertou e disse assim: “Ou você estuda ou você vem trabalhar comigo”, e aí, eu falei: Eu vou trabalhar com o senhor, não quero estudar”, então, nós fomos morar numa cidade em Santa Catarina chamada Ponte Alta do Sul, meu pai fez uma sociedade com uma pessoa lá, tinha uma oficina mecânica e uma casa de peças, então eu com o meu pai tomávamos conta da casa de peças e ali que eu comecei a trabalhar, entendeu? E sempre trabalhei com o meu pai até eu casar. Eu tinha um negócio muito estranho em relação ao meu pai, você vê, eu trabalhava com ele, a gente começava às sete e meia da manhã e trabalhava até às seis horas da tarde assim numa oficina de eletricidade, eu era eletricista, eu era enrolador de motores elétricos, tal, não sei o que, tudo que eu aprendi durante a minha vida e à noite, eu ia… já casado, eu ia pra minha casa, tomava um banho, jantava e ia pra casa do meu pai. Sabe o que eu ia fazer? Sentava numa sala, meu pai numa outra poltrona e eu em outra poltrona e nós ficávamos lendo, meu pai lendo um livro e eu lendo outro. Era um negócio impressionante, que ninguém acreditava. O dia inteiro junto e à noite, eu ia lá… e o meu pai… nós ficávamos lendo. Meu pai lia muito e com isso, eu também… eu gostava. Então, ele ficava lá fumando o cachimbo dele e eu do lado de cá, e nós terminávamos o livro, arrumávamos outros livros pra gente ler e tal… aí, o que estragou tudo isso daí? Foi a televisão, foi a bendita televisão que começou a aparecer no interior, principalmente, deixou os livros de lado e a gente começou a assistir televisão. Mas aprendi muito, muito, li muito com o meu pai.
P/1 – O quê que vocês liam? Você se lembra?
R – Meu pai era tão louco que ele chegou a ler “A Divina Comédia”, que não é qualquer doido que consegue ler, eu comecei a ler umas três, quatro paginas daquele troço lá, Deus me livre, o Dante Alighieri era um louco pra escrever aquele troço lá. E o meu pai leu aquela porcaria inteira, porcaria… aquilo lá é uma obra-prima, né, mas pra louco que nem foi o Dante Alighieri, né? Pra escrever a Divina Comédia, tem diabo, tem anjo mau, tem o demônio, tem tudo quanto é coisa ali. Mas a gente tava sempre atualizado, lendo os livros do Dostoiévski, entendeu, Arquipélago Gulag que eu me lembro, muita coisa…
P/1 – Voltando um pouquinho, você sabe como eles se conheceram os seus pais? Eles contaram essa história?
R – Não sei.
P/1 – Mas mais ou menos nessa região?
R – Não sei, porque eles… aí quando o meu pai conheceu a minha mãe, o meu avô… ele morava aqui na rua Casimiro de Abreu, agora, como eles se conheceram, honestamente, eu não me lembro, eles devem ter comentado alguma coisa, mas eu não me lembro.
P/1 – Aí, eles se casaram, tiveram quantos filhos?
R – Sete filhos. Seis nascidos aqui em São Paulo e uma que nasceu em Ponte Alta do Sul, em Santa Catarina.
P/1 – Quem são os seus irmãos?
R – Bom, a primeira chama-se Elisabete, o segundo, Dartagnan, que infelizmente já faleceu, depois o terceiro chama-se Rosali, porque o meu pai ia tentar fazer uma sequência dos mosqueteiros, né, ele queria Dartagnan, o Athos, o Porthos e o Aramis, mas aí, em vez de vim o Athos, depois do Dartagnan, veio a Rosali. Aí, nasceu um outro irmão meu que o meu pai era muito admirador do Washington Luiz que foi Presidente da Republica, então, meu pai botou o nome do meu irmão de Washington e depois do Washington… não, não… é, tá certo. Depois do Washington veio a Rosali, foi ao contrário, e aí depois o último dos homens foi o Ubiratan em homenagem ao índio, que também faz três anos que ele faleceu e tem a minha irmã caçula que chama-se Sônia, que nasceu em Santa Catarina.
P/1 – Nessa escadinha você é o quê? O quinto? O quarto?
R – Eu? Sou o primeiro.
P/1 – O primeiro. Você é o mais velho?
R – Sou o mais velho. Meu pai casou em 38 e eu nasci em 39.
P/1 – Entendi. e a primeira casa que você se lembra que você cresceu era onde?
R – Que eu me lembro foi quando eu fui morar com a minha avó na rua Rio Bonito, aqui no Pari, foi onde… não sei qual o problema que houve com o meu pai e com a minha mãe que eu acabei indo morar com a minha avó. Então, eu fiquei com a minha avó digamos dos dois anos de idade até os 11 anos…
P/1 – No Pari?
R – No Pari. não, do Pari, nós fomos para o Tatuapé. Para a rua Tuiti.
P/1 – Com a sua avó ainda?
R – Com a minha avó. E depois dali, eu fui para Blumenau.
P/1 – E você morava só com a sua avó nesse período?
R – Era a minha avó, minha tia e dois tios. Na minha casa se falava lituano, eu falava lituano, aprendi com eles e quando eles não quisessem que eu entendesse…
PAUSA
R – Em casa, se falava lituano e eu aprendi a falar lituano, só que eu era analfabeto, eu só falava mas eu não escrevia em lituano. E quando eles não queriam que eu entendesse, eles falavam em polonês ou em russo, entendeu, falavam três idiomas, falavam o lituano, o polonês e o russo. Quando eu sabia… quando eles estavam falando em russo, falando em polonês, é porque eles não queriam que eu soubesse o que eles estavam conversando. E o meu pai falava lituano, falava russo, falava polonês, falava alemão e falava inglês. O dia que o meu pai morreu, eu falei: “Puta merda, se eu pudesse pegar a cabeça, o cérebro dele, né, para aproveitar”, e o pior é que foi tudo sozinho, aprendeu tudo sozinho isso daí, tinha uma visão, era um negócio espetacular a capacidade de enxergar as coisas pra frente. Meu pai só errou numa coisa que eu me lembro.
P/1 – O quê?
R – Meu pai sempre dizia que a Lituânia nunca seria um país livre, porque a Lituânia era o único pais do Báltico que o mar não congelava no inverno e a Rússia dependia daquele porto da Lituânia para poder trazer e levar os produtos dela durante o inverno. Então, ele dizia: “A Rússia nunca vai liberar a Lituânia”, foi onde ele errou, que no fim, a Lituânia conseguiu a independência dela.
P/1 – Mas ele não viu isso acontecer, né?
R – Não, não. Ele não viu.
P/1 – Agora, você mesmo assim, distante da sua casa, dos seus pais, você via eles e seus irmãos ou não?
R – Como que é?
P/1 – Mesmo morando na casa com a sua avó, você via os seus…
R – Via, porque eles acabaram… meu pai também mudou para perto… para a rua Tuiti também no Tatuapé, então eu me encontrava com a minha mãe, com os meus irmãos, praticamente, diariamente, só ia dormir ou comer na casa da minha avó. Aí quando eles foram embora para Blumenau, eu fiquei com a minha avó mais um ano que eu ainda estava fazendo o ginásio aqui, né? Só que eu era meio louco, vai… nossa, tudo que eu fazia, eu fazia de tudo menos estudar. E aí, a minha avó não me aguentou, pegou e falou pro meu pai: “Leva essa porcaria embora” (risos), e eu fui lá para Blumenau.
P/1 – Mas como é que era o Pari? Como é que era a casa da sua avó?
R – Era tudo humilde. Coisa humilde. Era um quarto, uma cozinha e morávamos em cinco.
P/1 – Dormia todo mundo junto?
R – Todo mundo. Era minha avó, minha tia… eu dormia com a minha tia, minha vó e os meus dois tios.
P/1 – Na mesma cama?
R – Eu e a minha tia na mesma cama, os outros… mas era um quarto e uma cozinha, uma cozinha, inclusive, fora do coiso assim, entendeu? Era muito, muito humilde, mesmo. Minha tia trabalhava numa malharia aqui na José Paulino, os outros meus tios também nunca foram de trabalhar, só bebiam, tomavam cada fogo, viviam sempre bêbados aqueles dois infelizes, todos faleceram novos, um morreu com 40 anos e o outro morreu com 60 anos.
P/1 – E o bairro, como é que era? O bairro do pari, como é que era?
R – Do Pari?
P/1 – É, onde você cresceu.
R – Eu diria até que eu me lembro muito mais da minha época no Tatuapé, que aí, a gente jogava bola, não saía lá do Corinthians, cheguei a jogar no infantil do Corinthians e tal, apesar de eu não ser corintiano, aí quando descobriram que eu não era corintiano, me tocaram do time, entendeu? Então… e tinha ali um parque, chamava-se Parque não sei o que Presidente Dutra, que os pais… seria tipo de uma creche só que uma creche já de… pessoas de dez anos para cima, então, os pais quando tinham os filhos que eram bons elementos, o quê que eles faziam? Levavam cedo para a escola, depois de tarde, jogava lá para o parque, mas não adiantava, você pulava o muro e ia lá para o Corinthians, tal e aí, era um tipo de um clube, você tinha piscina, fazia ginastica, tinham algumas aulas de coisas lá… foi onde eu conheci o vereador Toninho Paiva, que ele foi meu colega lá. Foi 1952, por aí. Foi um momento até muito interessante da minha infância. Aí, quando a minha avó resolveu me tocar de casa, me devolveu para o meu pai, fui para Blumenau, que eu fui morar num paraíso. Meu pai comprou uma casa que ficava à margem do rio Itajaí-Açú, então você ia para a escola, a gente era muito respeitado, que chamávamos nós de paulistas: “Os paulistas estão ai”, tanto que de manhã cedo, o ônibus que levava nós… de onde nós morávamos até a cidade eram sete quilômetros, o ônibus parava e ficava esperando nós, às vezes, moleque, você já viu, né, se atrasava para levantar, não sei o que, mas o ônibus ficava esperando nós e levava a gente para lá. Quando a gente vinha depois do almoço para casa, chegava, ia mergulhar no rio, nadar, andar de barco, pescar, a coisa mais… eu tive uma belíssima infância, eu com os meus irmãos nesse período lá em Blumenau.
P/1 – Mas o quê que você fazia na escola no Tatuapé na sua infância que era o capeta lá, que você falou?
R – Eu não ia na escola, matava aula (risos).
P/1 – Você ia para um grupo escolar e…
R – O grupos escolar, até que não, no grupo escolar, até que eu respeitei, mas quando eu passei para o ginásio que eu comecei a conhecer outros… até tem um cara que foi colega meu de classe, que ele tá aqui na região e o filho dele é diretor meu aqui no sindicato, ele chama-se Mario Malagrino. Então, aprendemos a fumar, tudo quanto era porcaria, que escola, o que, ninguém queria saber de estudar, rapaz, era uma barbaridade. Aí, passou-se os anos e eu descobri que eu precisava estudar. Aí, eu fui fazer Direito em Itapetininga e acabei me formando em Direito, mas nunca exerci.
P/1 – Foi depois de Blumenau?
R – Aí, já trabalhando aqui em São Paulo. Porque depois de Blumenau, nós viemos parar numa cidadezinha chamada São José Arcanjo que é aqui do lado… perto de Itapetininga, que eu aí, estava junto com o meu pai na oficina elétrica, de eletricidade. Depois, ali em função das mudanças de estradas e tal, nós fomos parar em Capão Bonito e ali, eu me radiquei, eu me casei lá, minhas filhas nasceram lá, então, em Capão Bonito. E eu trabalhei com o meu pai, depois de casado até 1964, pouquinho antes da Revolução, que eu sempre tive um tino, assim, eu diria arrojado, você entendeu? Eu queria… eu era um pouco aventureiro, queria sair para o mundo, então, peguei caminhão, virei caminhoneiro, dentro do caminhão, eu comprava milho, eu vendia milho, entendeu, toda a produção de milho de Capão Bonito, eu conseguia arrematar toda aquela… e vender aqui em São Paulo. eu comecei assim, entendeu, eu tinha uma tendência comercial. Aí, comecei a levar produtos para Belém do Pará. Naquela época, daqui até Belém eram três mil e 200 quilômetros, sendo que dois mil e 200 quilômetros era de estrada de terra. Então, nós começamos levando verduras para… tomate, repolho, essas coisas levava para Belém, que não existia nada disso lá. E aí, nós carregávamos no CEASA como frete, mas depois, eu comecei a perceber que eu poderia aproveitar e em vez de eu levar para os outros, eu mesmo comprar e vender, entendeu? Então, começamos a fazer isso. Eu nunca me esqueço que numa dessas viagens, eu conheci uma pessoa que faz dois dias que morreu, Jarbas Passarinho. Ele tava numa campanha politica lá no Pará e nós chegamos numa cidade, eu não me lembro mais como era o nome dela e nós paramos lá à noite para jantar e ele tava lá com uma comitiva dele lá, eles estavam fazendo campanha política, eles vieram falar com nós, ele fez um discurso em homenagem a nós, que nós éramos os pioneiros… que eu fui para Belém do Pará em 1962 a primeira vez, nós levamos 25 dias para chegar lá. Fazia sete meses que eu tinha casado. O quê que nós estávamos levando para Belém do Pará? Olha que absurdo, feijão e arroz para vender lá. Nós chegamos num lugar que hoje chama-se Paragominas, que deu uma chuva lá, uma enchente e arrancou uma ponte. Nós ficamos 25 dias do lado de cá até eles arrumarem um jeito de arrumar a ponte pra nós podermos atravessar. Nós só não morremos de fome porque eu tinha nos caminhões que estavam comigo, arroz e feijão e tinha um cara que sabia caçar, entendeu? Então, nós fazíamos o arroz e o feijão e ele trazia a caça, de vez em quando, ele trazia um porco do mato, de vez em quando não tinha, trazia um macaco, o que tinha a gente encarava. E esse cara, esse caçador que era um motorista de caminhão, ele acabou fundando a cidade de Paragominas, que eu acho que já devo ter comentado isso aqui com vocês. Paragominas é uma inicial de Pará, Goiás e Minas, juntou e virou Paragominas. Hoje é uma das cidades importantes do Estado do Pará, principalmente na questão da agricultura, da pecuária, eles começaram o desmatamento muito violento, depois pararam, tal. É uma cidade modelo hoje do Estado do Pará. Mas esse caçador acabou resolvendo montar um boteco lá, resolveu fazer um restaurantezinho, acabou fundando essa cidade. Se você me perguntar o nome dele, eu não sei, não me lembro, só me lembro aquilo que se passou. Isso foi 1962, aí, eu dei uma parada e fiquei trabalhando só aqui em São Paulo, pegando milho, comprando feijão no Paraná, nessa região que na época produzi feijão…
P/1 – Vamos voltar um pouquinho antes de você entrar na questão comercial. Eu queria perguntar para você como é que… um pouquinho bem antes mesmo, da escola, na verdade. Você… então, você falou que você estudou direitinho até uma certa idade, né?
R – É. Até o primário, até tirar o diploma. Depois, já mudou (risos)…
P/1 – O primário, quantos anos você tinha?
R – Quatro anos… quer dizer, eu estudei quatro anos, eu terminei o primário com dez anos de idade.
P/1 – E você se lembra de alguma coisa da escola que você gostava, alguma coisa…
R – Não tenho grandes recordações assim, não. Honestamente, eu me julgo até bom de memória, mas não me lembro de nome de nenhum dos professores. A única coisa que eu me lembro de um professor que também não sei o nome dele, que aí foi no Fernão Dias, quando eu estava fazendo ginásio, que ele era um refugiado de guerra, ele era um italiano e o homem fumava um cigarro atrás do outro, ele tinha um trauma, entendeu, ele apagava… ele não apagava o cigarro, essa é uma das lembranças que eu me lembro que na sala era um fumacê desgraçado dentro daquela sala, lá. Se você me perguntar nome de professor, só me lembro já em Blumenau, quando eu tava no ginásio lá, de uma diretora que era uma alemã que para mim, ela devia ser meio adepta do Hitler, porque o que ela judiava de nós, era um negócio que não tinha fundamento.
P/1 – De resto, não?
R – Ela chamava Dona Elza, não vou esquecer acho que nunca na minha vida, puta, como era ruim aquela mulher! Nossa senhora!
P/1 – Ela castigava vocês?
R – Nossa! O que a gente levava de reguada, palmatoria, não sei… a mulher era uma nazista, rapaz. Pouca coisa que eu me lembro, assim…
P/1 – Agora, você falou que frequentava o Corinthians, né, mas você não é corintiano, né?
R – O quê?
P/1 – Você falou que frequentava o Corinthians, né?
R – Isso, eu não saía do Corinthians, porque eu ficava ali no parque, esse parque Dutra, ele ficava muito perto do Corinthians, você entendeu?
P/1 – Do quê? Não é do estádio, né, é do clube mesmo, você diz?
R – Do Corinthians? É, que era a Fazendinha. Eu me lembro quando inauguraram o trampolim da piscina lá, tal. Tenho passagens bonitas ali. Eu me lembro muito bem quando o Gilmar veio parar no Corinthians, que ele veio do Jabaquara e tinha o outro, o ponta esquerda, me esqueço, até outro dia me lembrava o nome dele, então, se tornaram amigos nossos, o Gilmar era reserva naquele tempo, o Corinthians tinha o Cabeção que era o goleiro titular, tinha Claudio, Luizinho, Baltazar, vocês nem sabem quem é, mas eram os astros da seleção brasileira na época, né? Baltazar, o cabecinha de ouro, tal… então, ali era uma farra, era gostoso, né? Tinham os jogadores antipáticos, aqueles sabe, mascarados? Na época, puta carrão que eles tinham, ___02:48:12____, nunca me esqueço, a gente ficava olhando, mas eles nem davam bola pra nós, né, para a molecada, mas tinham alguns jogadores que davam bola pra nós, gostavam da gente, ficavam lá, então foi uma época muito gostosa ali, mas era aquele tal negócio, um dia alguém falou lá que eu era são-paulino, vieram me perguntar eu disse que eu era são-paulino, me tocaram de lá…
P/1 – Você começou a torcer quando para o São Paulo? Você se lembra?
R – Desde criança. Besteira, né? Até hoje eu não sei como eu não sou corintiano, porque eu não saía do Corinthians! Não saía de lá…
P/1 – Mas você acompanhava o São Paulo nessa época?
R – Nada! Acompanhava nada. Eu era são-paulino porque eu escutava falar, porque naquele tempo, tudo era complicado, rádio, quando nós morávamos em Santa Catarina, a única emissora que entrava na região era a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, você não pegava as rádios daqui de São Paulo, então, eu era vascaíno lá, porque você só ouvia o jogo de futebol do Rio, era Vasco, Botafogo, Fluminense, todas essas coisas. São Paulo, você sabia que existia o Palmeiras, o Corinthians, o Santos do tempo que eu tava aqui, mas lá, ninguém falava. Então, a grande torcida era do Flamengo, tanto que você pode ver, o Flamengo tem toda essa torcida no Brasil inteiro em função de que era a Rádio Nacional que pegava no Brasil inteiro, as outras não pegavam e era a Rádio Nacional que transmitia jogo de futebol. Então, você tinha a Rádio Nacional, a Rádio Mayrink Veiga, Rádio… depois, começou a Tupi, mas em termos de futebol, lá em Santa Catarina, a gente só ouvia o futebol do Rio de Janeiro. Ninguém falava em time de futebol de Porto Alegre, nada, nem existia.
P/1 – E vocês ouviam muito rádio nessa época?
R – Ô! E era tudo programa da Rádio Nacional, no tempo do Balança, mas Não Cai, do Lauro Borges de Castro Barbosa, aqueles programas de auditório do Paulo Gracindo, quando o Cauby Peixoto era o rei do rádio na época, que até hoje, contestam a idade do Cauby Peixoto, você entendeu? Ele era mais velho do que ele dizia, Marlene, Emilinha Borba, Ângela Maria, mas eram todos os artistas que eram da Rádio Nacional.
P/1 – Você ouvia muita música?
R – Muita.
P/1 – Seu pai gostava, também?
R – Gostava, mas o meu pai viajava muito, então praticamente ficava lá em casa, eu, os meus irmãos, então, tinha aquele horário, por exemplo, na época, tinha o Repórter Esso, Heron Domingues, nunca esqueço o nome dele, aquilo lá, quando era o Repórter Esso, parava todo mundo para ouvir aquela meia-hora lá que era o Jornal do Brasil, era o Repórter Esso, na época. Como teve uma época que era praticamente o Jornal Nacional da Globo, hoje você já tem mais jornais aqui na televisão, depois, aí já no Estado de São Paulo, você praticamente já não pegava mais as emissoras do Rio de Janeiro, então era a Tupi. Então, à noite, às dez horas da noite tinha o Grande Jornal Falado Tupi. Então você tinha todas as noticias, ali você se atualizava através disso daí. Porque pelo próprio jornal mesmo… e era mais difícil de chegar no interior, você entendeu? Então, eram noticias pelo rádio.
P/1 – Agora, você fez alguma coisa especifica que foi o fim da picada para a sua avó ou foi o conjunto da obra que fez ela te expulsar de casa?
R – Minha avó? não, é porque eu não ia na escola, aí quando chegava lá o boletim, eles viam lá: ausência, ausência, ausência, nota zero, minha vó: “Não aguento ele”. E depois, a verdade é que de todos os meus amigos de infância, teve vários que foram parar na cadeia, tem uns que não sei o que (risos), entendeu? Teve poucos que aproveitaram… (risos) era uma delinquência suave, vamos dizer assim, porque na época, ninguém usava arma, não tinha nada disso, não existia droga, a única coisa que existia era que você dava um jeito de arrumar uns trocados aí pra comprar cigarro, tal, essas coisas. Mas era o tal negócio, o regime em casa era meio apertado mesmo e minha vó… apanhava todo dia, uma hora ela não aguentou mais, falou para o meu pai: “leva essa tranqueira embora aí, que…”
P/1 – E em casa, vocês eram religiosos? Vocês iam para a igreja, não? Seu avô era lituano, você falou, né? Tinha essa cultura?
R – É, mas houve uma mistura, minha vó era lituana, não tenho bem certeza, mas teve um deles ali que era judeu, não sei se foi… eu acredito até que deve ter sido o meu avô, eu não posso precisar isso daí. Mas a minha vó era católica e no fim, ela se tornou espirita e eu comecei a acompanhar ela em centro espirita com oito anos de idade, tanto que hoje, a minha teoria… eu sou católico, mas eu tenho uma teoria espirita, tá? Foi de tanto acompanhar, ver coisas que você conta e ninguém acredita, tá, mas eu tenho a minha filosofia é espirita, mas eu sou católico, eu vou na igreja… vou nada, entendeu, mas me dou bem com os padres, tal… também não frequento centro espirita, nada, eu tenho a minha filosofia e acabou.
P/1 – Mas você viu coisas com a sua avó, você disse?
R – É o tal negócio, o que faz você acreditar que tem alguma coisa diferente, a gente sempre duvida, mas sempre tem alguma coisa que você viu lá que você diz: “Mas não é possível que isso aqui tem…”, são fenômenos.
P/1 – Tem alguma coisa que você viu que te impressionou?
R – Eu tive muitas coisas que aconteceram na minha vida, entendeu, tipo premonição, uma vez eu tava vindo de uma pescaria e eu tava em Capão Bonito vindo para São Paulo, tava pra chover, me veio na mente um caminhão descendo e rodando na minha frente e eu pensei comigo, eu falei: “Puta merda, se acontecer isso, o que eu faço? Saio para o lado direito ou saio para o lado esquerdo?”, tudo na minha imaginação, apesar que dali dez quilômetros na frente aconteceu isso, veio esse caminhão rodando na minha frente, mas eu já estava preparado que eu tinha que sair para o lado e sai, porque se eu não saio para aquele lado, o caminhão me pegava. Então, são coisas que você não sabe, são… negócio que… você fica pensando o que é, o que não é, entende? Porque isso é o maior mistério que existe.
P/1 – Você sempre teve isso na vida, então? Acompanhou você?
R – Acompanha e muito. Eu tive uma história muito, muito interessante na minha vida, no tempo em que eu viajava para Belém do Pará, tinha um lugar que nós chamávamos de Pisa no Freio, que era uma descida, você descia com o caminhão e tinha o rio lá embaixo e a gente costumava parar ali para tomar uma água, que ali, o cara tinha uma geladeira à querosene, não sei o que, a gente tomava uma aguinha gelada. Um belo dia, eu tô lá parado, tô conversando com o cara e o cara começou a dizer assim: “Tem um problema aqui, tem um negócio que tá complicado…”, ali era uma vila que tinha muita prostituta, “…tem uma mulherzinha aí que tá para dar a luz e foram buscar a parteira lá em Imperatriz e a parteira esqueceu o cachimbo e não quer fazer o parto porque ela não trouxe o cachimbo”, eu não sei o que deu em mim, eu falei: “Vamos olhar essa mulher”, você não acredita que eu acabei fazendo o parto da mulher! Um negócio de doido, deu uma coisa em mim, eu me lembro que eu lia muito sobre essas coisas, li muito sobre isso também, eu sei que eu cheguei ela e falei para as outras mulheres lá: “Cozinha aí uns trapos de pano ai”, que era pra amarrar umbigo, cortei minhas unhas bem cortadinhas e a parteira não queria fazer o serviço porque não tinha o cachimbo e tinham ido buscar o cachimbo dela, mas ia levar dois dias pro cachimbo da mulher ir e voltar, pô, a cavalo. Aí, eu corteii as unhas porque eu lia negócio de infecção, tal, só que a coisa tava tudo prontinha, quando eu cheguei, a cabeça da criança já tava querendo sair e eu botei esses dois dedos aqui nessa parte, puxei e tirei fora. Fiz o serviço. A criança já nasceu chorando, mas eu meti a mão na bunda dela. Passou tudo bem. Aí, uns 15, 20 minutos, começou a me dar uma tremedeira, um medo, eu falei: “Minha nossa…”, e eu fui embora, mas com aquele negócio na cabeça: “Meu deus do céu, se eu fiz alguma coisa errada e essa mulher vai morrer…”, aí eu vim para São Paulo e não saía aquele troço da minha cabeça, daí voltei e essa vinda para São Paulo e voltar levava mais ou menos uns 12 dias para você fazer tudo isso aí, aí eu voltei como quem não quisesse nada, e eu passava, quando ia, eu passava lá de noite, quando eu voltava, eu passava de dia, foi quando eu tava voltando que aconteceu. À noite, eu parei no boteco lá, onde eu tomava uma água, eu cheguei, falei para o cara: “Me diz uma coisa, tô sabendo que teve um motorista de caminhão que fez o parto…” “É, teve um gaúcho que veio e acabou fazendo o parto de uma mulher ai”, eu falei: “E daí? O quê que aconteceu?” “não aconteceu nada” “Como é que tá?” “A mulher tá boa, tá tudo bom, a criança tá tudo bem”, aí me aliviei. Aí, eu fui para Belém, quando foi a volta, eu parei e fui visitar ela, em suma, sou padrinho do filho da puta (risos).
PAUSA
P/1 – Tá, então você morava no Itajaí-Açú?
R – Na beira do rio Itajaí-Açú. E para mim, foi a coisa mais linda da minha infância, inclusive, a gente pescava, eu com o meu irmão e o meu pai. Eu nunca me esqueço, tinham umas lagostas de água doce, por incrível que parece, de quase um quilo no rio, mesmo, a gente pegava. E há questão de acho que uns oito anos atrás, mais ou menos, eu estive lá, quando nós estávamos fazendo o livro do Sergio Regina, acho que quem estava escrevendo o livro era uma moça lá de Florianópolis, e nós fomos lá numa festa e eu resolvi ir lá no local onde eu morei. Aí, foi aquela desilusão tremenda, porque conseguiram poluir o rio, estragaram, homem é um bicho que não presta mesmo. Aquilo era lindo, a gente pegava os peixinhos, vinha não sei que mais, e de uma hora pra outra, conseguiram poluir aquele rio. Mas a minha passagem em Blumenau foi digamos até meio curta, não é verdade, foi quando eu fiz o ginásio lá e depois, nós fomos morar em Pontal do Sul, que o meu pai me prensou, disse: “Ou vai trabalhar ou vai estudar”, então, nós fomos lá trabalhar lá, trabalhava numa casa de peças do meu pai, com isso, aprendi a profissão de eletricista e aí foi até a gente vir para o Estado de São Paulo, sair de lá em função de que… Blumenau é uma cidade muito racista, você entendeu? Lá, eles dão muito valor ao alemão e quem não era alemão era praticamente excluído, tanto que eu me lembro que em Blumenau, eu só conheci um preto, preto não era admitido lá. E por incrível que pareça, esse preto, eu não sei como ele apareceu lá, era um preto que falava alemão, tudo, não sei o que mais. Eu peguei uma fase quando nós fomos para Blumenau, que determinadas lojas tinham funcionários que não sabiam falar português. Na nossa classe, mesmo, na escola, tinham alunos que não sabiam falar português, a professora era obrigada a falar alemão pra começar a falar em alemão, para depois, ensinar o cara a falar português, você vê que coisa impressionante que era a colônia alemã em Blumenau naquela época. Isso daí foi pós-guerra, foi 1951. Tinha muita gente que não sabia falar português, por incrível que pareça.
P/1 – E vocês ficaram meio à margem também, você acha?
R – Não, porque nós tínhamos o seguinte, apesar de nós sermos de uma família humilde, meu pai nunca foi rico na vida, nunca teve nada, a única coisa que o meu pai tinha era na época depois, era um automóvel, porque o meu pai virou vendedor de peças, representante de peças, ele vendia no Estado de Santa Catarina. Então, nós tínhamos uma certa consideração que chamavam a gente de paulistas, entendeu, então, paulista tinha um certo valor lá. Então, quando eles queriam vender alguma coisa, sempre procuravam nós, qu eram os paulistas, mas nós não tivemos problema nenhum de discriminação. A gente que era racista, nós, porque você vê, eu sempre tive facilidade para idioma, assim, entendeu, e eu fiz o possível para não aprender a falar alemão, você acredita?
P/1 – Por quê?
R – Achava que era uma estupidez desgraçada aquela turma falar alemão. Uma ignorância, né, da gente, que aprender não ocupa lugar. Então, algumas palavras eu falava, entendia e tal, mas fazia questão de não aprender nem eu e nem minha família inteira e o meu pai ficava P da vida. Meu pai falava alemão, meu pai não se conformava que nós não queríamos falar. Existia um certo resquício em função do Hitler, né, então você tinha aquela bronca por causa da Segunda Guerra, do Hitler, tal, não sei o que… bom, mas foi um período curto pra mim, Blumenau, apesar de que… pra mim, profissionalmente, foi muito bom, porque u aprendi… eu fui trabalhar numa oficina de uns alemães lá para aprender a enrolar motores elétricos, eu trabalhei durante seis meses lá de graça, eu não ganhava um tostão, ia todo dia lá aprender e aprendi. Foi um período interessante na minha vida.
P/1 – Para depois trabalhar com o seu pai?
R – Pra trabalhar com o meu pai. E aí foi até uma certa idade, que depois eu resolvi bater asa. Eu nasci para outra coisa.
P/1 – Você trabalhou com o seu pai em Pontal e depois em São Paulo, também?
R – E depois, no Estado de São Paulo, em Capão Bonito.
P/1 – Como é que foi Capão Bonito?
R – Capão Bonito foi… vai, eu costumo dizer que Capão Bonito é a minha terra, que afinal de contas, ali eu conheci a minha mulher, eu casei, minhas filhas nasceram lá, meu pai tá enterrado lá, minha mãe, meus irmãos estão lá e a minha vida, vai, profissionalmente, eu diria que começou em Capão Bonito, inclusive, comercialmente, porque com aquela vontade, aquele negócio que eu sentia de ser comerciante, de gostar de comprar e vender, não sei o que mais, eu consegui que toda região ali, toda produção de milho que era produzida na região, eu vendia aqui em São Paulo, você entendeu? Então, eu vinha aqui pra São Paulo, fazia as vendas, depois lá, pegava, carregava 14, 15 caminhões, vinha tudo como uma frota pra cá, entregava o milho, mas isso aí durava dois meses. Depois, a gente saía e ia comprar feijão no Paraná, Campo Largo, Maringá, Cambará, todas aquelas cidades que eram produtoras de feijão. Hoje já não são mais, hoje são mais produtoras de soja e alguma coisa de café ainda que tem por lá.
P/1 – E você aprendeu com seu pai andar de caminhão também ou…?
R – Não, meu pai já tava fora do caminhão há muito tempo, você entendeu? Eu tinha o caminhão como ferramenta. Então, você ia com o caminhão, comprava lá dez sacos de feijão de um, vinte de outro, lotava e vinha embora. Aí, levava pra vender em Belo Horizonte, vender no Rio de Janeiro, entendeu? Essas coisas aí.
P/1 – E você tinha noticias dos seus parentes aqui em São Paulo, os Marchetti?
R – Tinha. Aí que começa a minha vida aqui em São Paulo. No tempo que eu viajava pra Belém, os Marchettis, que era o Antônio Marchetti, que eu falei que foi presidente da Bolsa, foi presidente do sindicato e o meu primo, Clovis Marchetti, eles tinham um armazém de arroz aqui na rua Mendes Caldeira, aqui em São Paulo. E um dia, ele falou pra mim se eu conseguia achar arroz lá pelo norte do país, que naquela época, tinha uma produção de arroz no Estado do Maranhão, um lugar chamado Imperatriz, e eu acabei descobrindo, você vê o que é a evolução, o mundo como é que a coisa cresce. Eu falei pra você que em 1962, nós levamos arroz e feijão para Belém. Em 1968, eu fui o primeiro cara a comprar feijão num lugar chamado Castanhal, que é em Belém do Pará… feijão, não, arroz em Castanhal pra trazer para São Paulo. Aí, começamos a trazer arroz lá de Castanhal aqui pra São Paulo. Aí, eu comprava esse arroz para esse meu tio, para o Marchetti aqui em São Paulo. Então, eu ia pra lá, fazia os negócios, eles mandavam o dinheiro pra mim para Belém do Pará, levava um dia inteiro pra você conseguir falar no telefone, ficava na Telefônica o tempo todo até sair a chamada, depois, vinha a ordem lá, levava três, quatro dias pra chegar a ordem de pagamento, você ia no banco, pegava um puta saco de dinheiro na época, né, aí depois carregava o arroz e pagava. Isso lá em Castanhal aconteceu umas duas, três vezes. Depois, eu comecei a me fixar comprando arroz em Colinas de Goiás, que hoje é Estado de Tocantins, tinha o arroz que era o que interessava aqui pra São Paulo. Mas eu tenho uma aventura no Mato Grosso, em Imperatriz, na compra de arroz, nós descobrimos um lugar que eles produziam arroz, mas o caminhão não conseguia entrar, era num areião tão grande, que para você entrar com o caminhão, você tinha que botar prancha debaixo dos pneus para ele não atolar na areia, você entendeu? Então, tinha aquele arrozal lá, era barato, mas ninguém podia pegar. Então, eu tive uma ideia. Eu tinha um rapaz que tava junto comigo, então, eu ia com o caminhão até a entrada do areião. Aí, eu comprei uns bois e fiz uns carros de boi e eu ia para o lado do arroz, comprava arroz lá, botava no carro de boi e mandava para o lado de cá para esse rapaz, o Felipe, que trabalhava comigo, ele ia para imperatriz, ele beneficiava o arroz, carregava no caminhão e ia embora. Eu fiquei 40 dias trancado nesse mato da Imperatriz, comendo abóbora com arroz cozido. Cozinhava arroz e abóbora, fiquei 40 dias. E aquilo tava uma beleza, porque a gente tava ganhando um dinheiro que era uma maravilha, quando foi um belo dia, um dos que transportava arroz lá para o carro de boi voltou e falou pra mim: “Seu Dadá, o arroz que nós deixamos ontem lá tá lá, o caminhão não veio pegar”, eu falei: “Como? Mas não é possível!”, aí carregamos, eu fui junto com o carro de boi e o arroz tava lá: “O que aconteceu?”, o cara que trabalhava comigo encheu o saco, pegou e veio embora pra São Paulo e me largou falando sozinho lá. E eu não tinha condição de fazer o serviço sozinho, que um tinha que ficar de um lado e outro ficar do outro. Então, paramos com aquela boquinha que tava dando uma grana boa, se a gente ficasse um ano lá, eu tava rico, talvez até morando lá naquela época, lá. Mas o interessante era que você não podia…
PAUSA
R – Aí, acabou aquela fase lá de restaurantes, não tinha mais posição de… mas existe um fato muito interessante, passados uns anos depois, que eu fiquei 40 dias comendo arroz com abóbora cozida. Quando eu ___00:36:44__ : “Bete, faz um arroz com abobora cozida pra mim ai” “Você tá ficando louco?” ”Porra, eu comi durante 40 dias esse troco, eu não tiro esse negócio da minha cabeça. Era tão gostoso, rapaz do céu”, ela fez, eu joguei tudo no lixo. Aí você chega a conclusão que a melhor comida do mundo é a fome, viu? Quando você não tem outra coisa pra comer, você sente fome, o que vier, você traça, viu? Que coisa horrível que era aquilo lá… eu achava tão bom, rapaz, não tinha outra coisa pra comer, não tinha pão, não tinha café, não tinha coisa nenhuma. Daí, é que um dia, esse meu primo que é o Clovis Marchetti, ele chegou perto de mim e falou: “Dadá, você não tá cansado, enjoado de tanto viajar?”, isso foi 1969. Eu falei pra ele: “Na verdade, tô” “Por quê que você não faz o seguinte, você entende de feijão, entende de milho, que você trabalhou com… eu trabalho só com arroz. Vem trabalhar comigo e nós montamos uma sessão de feijão e milho pra você tomar conta”, eu topei. Eu deixei a minha família lá em Capão Bonito e vinha pra cá. Então, quando era sábado, eu pegava o ônibus e ia para o Capão Bonito, segunda-feira, eu tava trabalhando.
P/1 – Antes de você chegar nessa parte, me fala como é que era viajar. Você gostava bastante de viajar? Como é que você se preparava pra…?
R – Na verdade, eu gostava. Não tinha… achava legal você… eu fui um cara muito aventureiro, você entendeu? Fui um cara muito aventureiro, tanto que eu tive a oportunidade de conhecer tudo que eu quis conhecer no mundo, tudo. Tudo que foi lugares que eu quis conhecer no mundo, o homem de cima me autorizou, eu conheci tudo! Isso aí me torna um cara extremamente realizado. Eu não posso… se eu morrer amanhã , e antes de eu morrer, perguntarem pra mim o que faltou para eu fazer, eu diria pra você que nada. Não quero morrer, evidentemente, mas tudo que eu quis fazer na minha vida, eu tive a felicidade de fazer. Tudo. não tem nada que eu possa dizer: “Quis fazer isso, mas não fiz ou não deu certo, não sei o que…”, com exceção de conhecer a Lituânia, que é aquela história que eu já falei pra você, mas também não me afetou muito isso, porque o resto, o que eu quis conhecer, Europa, Estados unidos… bom, tudo que eu tinha que fazer, eu fiz, eu consegui, sempre fui aventureiro.
P/1 – Mas nessa época, você conheceu muito o Brasil, né, lógico.
R – Todos os estados brasileiros, eu estive. Todos.
P/1 – E o quê que você… como é que você via o Brasil nessa época que você viajou?
R – Eu vi, olha, muita coisa triste. Eu vi muita gente, principalmente, nesse nordeste se alimentando de farinha de mandioca com manga verde. Crianças. coisa triste, de verdade. Eu vi muita… a grande miséria que eu vi foi no norte ou no nordeste, entendeu, o sul não me lembro de ter visto problema de fome. Isso era uma coisa que judiava muito da gente, você ver aquilo lá, rapaz, era uma coisa impressionante.
P/1 – E você num caminhão com comida, né?
R – Você vê aquela… a prostituição evoluindo em função, inclusive, da necessidade da pessoa precisar catar algum dinheiro para poder comprar uma comida. Isso daí é uma imagem triste, rapaz, que eu tenho do meu país, que hoje mudou muito, diga-se a bem da verdade. Hoje já mudou muito. Mas tô falando aí de 30, 40 anos atrás, era triste, dava a impressão que era um lugar esquecido por Deus, toda a dificuldade que eles tinham com água, dificuldades com comida e com doença, não… o sujeito ficava doente e morria, principalmente, no norte… mais no nordeste do que no norte, eu acho que para mim, o ponto mais pobre do país era o nordeste. Evidentemente que eu tô falando de zona rural, essas coisas, não é verdade? Se você pegar o agreste ali da Bahia, lá, aquilo lá era uma coisa tremenda. Já Salvador já era outra coisa, tinha outras cidades melhores, né? Mas quando você saía fora… a coisa era de dar pena.
P/1 – Você falou que você gostava de viajar, o quê que você gostava de viajar? O quê que te…
R – Nessa época, era por uma questão de necessidade, era o meu ganha-pão, entendeu? Não era fazer turismo e também, as minhas viagens que eu fiz para o exterior, 80% delas foram tudo unindo o útil ao agradável, entendeu, porque aí que eu vou chegar, antes de eu chegar no… vou chegar nesse ponto é que aí, eu ia dizer, comprar produtos lá fora que eu sempre… eu me especializei em alho. Então, eu ia muito pra Argentina pra comprar alho, vivi muito tempo no México comprando alho, nos Estados Unidos, na Espanha, entendeu, todos esses países, na China. Então, por exemplo, eu ia fazer um negócio na Espanha, levava minha mulher juntos, então, eu resolvia o meu problema lá que eu tinha que resolver, depois eu ia pra Itália, ia pra Inglaterra, ia pra coisa e tal… pra França e assim, eu fui conhecendo… sempre aproveitando, quando ia fazer uma viagem dessas com alguma coisa, aí unia o útil ao agradável. Coisa que você resolve em uma semana lá do seu trabalho, aí ficava mais dez, 12 dias rodando por lá. Na outra vez, fazia a mesma coisa no outro lugar e assim, acabei conhecendo, praticamente, uma grande parte do mundo. Passou a Austrália, que eu nunca fui e a África, o resto, cheguei tudo lá.
P/1 – Agora, como é que vocês se preparavam pra essas viagens de caminhão? Tinham um assistente? Vocês se preparavam pra ficar muitos dias?
R – Ah é, por ser uma viagem naquela época daqui de São Paulo para Belém e voltar eram 15 dias. Eram 15 dias que você demorava, às vezes, você tinha muito compromisso, então, você tocava dia e noite, chegava a fazer em dez dias. Teve umas duas… eu fiz 72 viagens de caminhão para Belém do Pará, 72 viagens. Uma viagem para Belém do Pará ida e volta são 6.400 quilômetros, veja quantos quilômetros que eu rodei nessa Belém–Brasília aí. Teve umas duas ou três vezes que nós chegamos a fazer três viagens em um mês, em dez dias, ir e voltar. Mas era o ganha-pão, era a necessidade, você precisava trabalhar para você ganhar e para você manter a família, né?
P/1 – E as estradas, como é que eram?
R – Terra. A partir de Anápolis pra frente, eram dois mil quilômetros de estrada de terra.
P/1 – E você acha que a Zona Cerealista meio que conectou o Brasil nesse caso?
R – O quê?
P/1 – Essas viagens de caminhão…
R – A verdade é que o Brasil foi construído através de pneu, né, de estrada de rodagem, coisa que não tiveram visão de botar estrada de ferro, tal, que é muito mais econômico, não é verdade? mas diga-se a bem da verdade que quem propiciou, quem abriu estradas aí para ligar norte a sul foi Juscelino Kubitscheck, entendeu? Então, de uma hora pra outra, você tinha estrada daqui pra Belém, entendeu, depois, para Manaus já era complicado, porque já tinha que ir de barco, mas hoje, não tenho certeza, mas acho que chega até Manaus, através de Rondônia, esses lados aí. E as estradas foram abertas para o lado do Nordeste, né, então, ligou todos esses estados aí, centro-oeste, tudo isso aí, mas foi toda ela ligada através de pneus, só caminhões, caminhões e caminhões. Para você ver, estrada de ferro aqui no Brasil quando todo mundo utiliza, principalmente, esse transporte de longo percurso para transporte de cargas, que é estrada de ferro, aqui no Brasil, ninguém pensa nisso e é complicado. As poucas estradas de ferro que tem, ela fica barata no frete num ponto, mas fica cara depois, você precisa do caminhão para levar no porto, depois precisa do caminhão para tirar do porto para trazer pra cá, entendeu?
P/1 – Mas vocês aproveitaram a questão do…
R – É, aí abriu a coisa, se desenvolveram, você vê, o Pará, por exemplo, que eu posso citar, quando nós levávamos tudo pra lá, você levava repolho, levava tomate, levava cenoura, levava pepino, coisa que não produzia lá, Pará só tinha uma região lá que produzia pimenta-do-reino, que era uma colônia de japonês que veio parar num lugar chamado Tomé-Açu que era o único que eles produziam, pimenta-do-reino, inclusive, para exportação, que até hoje é muito famosa na produção de pimenta-do-reino. E a leitura das estradas fez com que começasse vamos chamar de uma nova colonização, então, saiu o pessoal do sul, do centro, do leste e começaram a… um foi pra criar gado, outro foi para plantar não sei o que, e tanto que hoje, o que Belém, o que Pará precisava e Manaus também há 30, 40 anos atrás, é produzido tudo por lá. Então, houve uma evolução muito grande que foi as estradas que fizeram isso e depois, os meios de comunicação, telefone, essas coisas que era um absurdo você ficar numa telefônica durante dez, 12 horas para conseguir falar com São Paulo e você tem que ficar lá, porque no hotel não tinha telefone e você nem ficava em hotel, você ficava nuns muquifos, que ninguém tinha dinheiro para pagar hotel. Então, você precisava do telefone, você ia lá na telefônica e ficava lá. Tinham até aquelas piadas que você botava terno para ir até a telefônica, pô, botava o terno par tirar fotografia ou então, para fazer um interurbano (risos).
P/1 – Como é que você conheceu a sua esposa?
R – Eu conheci em Capão Bonito. Ela estudava… ela fazia curso… naquele tempo chamava Normal, que era o Magistério…
P/1 – Pedagogia… dar aula, né?
R – Isso, dar aula. Naquele tempo era escola Normal que se chamava, hoje é Pedagogia, né? E ela se formou, mas também nunca exerceu.
P/1 – E vocês se conheceram lá, então, em Capão?
R – Nós conhecemos lá em 1959, eu a conheci, casei em 61. E estamos juntos até agora.
P/1 – Suas filhas nasceram…
R – Lá em Capão também. Nasceram em Capão Bonito, mas casaram aqui em São Paulo. Então, já estávamos morando aqui.
P/1 – Você tem duas filhas?
R – Duas filhas.
P/1 – Elas nasceram quando?
R – Uma nasceu em 62 e a outra nasceu em 63. Depois, elas casaram nós já estávamos morando aqui em São Paulo.
P/1 – A primeira, qual que é o nome dela?
R – A primeira é Iara. E a segunda e a Katia. Aquela menina que não sei se você viu aí é minha neta, é arquiteta, entendeu? Mas casaram aqui, eles terminaram os estudos aqui, as minhas filhas. Uma delas também fez Pedagogia, a outra casou com 17 anos, não fez nenhum curso superior. Tenho os meus netos. Um é técnico em eletrônica, computação, essas coisas, o outro é professor de inglês, essa minha neta é arquiteta e a outra neta, até agora não decidiu o que vai ser. Pelo jeito, capaz de virar empregada doméstica (risos(.
P/1 – Como é que foi o dia do nascimento da Iara? Você lembra?
R – Foi uma coisa assim, entendeu, não… sabe aquelas coisas inesperadas… eu não sei, rapaz, se a pessoa faz muito drama sore isso, ou eu que era muito desligado, você entendeu? Eu sei que era um domingo, eu estava trabalhando na oficina lá com o meu irmão que resolveu um problema de um caminhão lá, nós estávamos trocando toda a fiação elétrica dele e daqui a pouco me telefonaram que a minha mulher estava lá na Santa Casa e ela nasceu. E aí, foi. Não foi nada assim, aquelas loucuras… nervoso de não sei o que mais… a outra, Katia, quando nasceu, eu nunca me esqueço que eu tava no clube jogando bilhar. Aí, vieram me falar, a minha irmã tava junto com a minha mulher, aí falaram: “A Bete foi para o hospital”, eu fui, quando eu cheguei, já tinha nascido (risos).
P/1 – Foi tranquilo?
R – Foi tranquilo, nem foi muito complicado, assim, não fui muito daqueles pais que ficam andando feito louco, fumando um cigarro atrás do outro, não sei, é difícil de explicar, você nunca… talvez não tinha aquela preocupação que muita gente tem, primeiro que você tá numa cidade pequena, é tudo mais fácil, entendeu, não é que tem que sair correndo, pegar uma ambulância, pegar qualquer coisa, não, com o carro, em cinco minutos você já tá na maternidade. Então, talvez seja isso que tranquilizava. E tinha também a minha família que tava em volta, tinha a minha mãe, tinha a minha irmã, a minha sogra, entendeu?
P/1 – Vamos passar para a Zona Cerealista então. Queria… você falou que você foi trabalhar com o seu primo, o Marchetti, agora, quando foi a primeira vez que você viu essa região, que você veio pra cá? não foi ali, né, foi antes?
R – Não, foi antes. Primeira vez que eu vim aqui na região foi na época que eu trazia todo o milho de Capão Bonito pra vender aqui em São Paulo, entendeu? Que eu conheci a região.
P/1 – Como é que era nessa época?
R – Era movimentado, o negócio era inacreditável. Era um movimento tremendo, que naquela época, você vê que quando eu comecei no sindicato, naquela época, São Paulo representava 70% do abastecimento nacional…
PAUSA
P/1 – Você tava falando de como foi a vez que você conheceu a Zona Cerealista, como é que era.
R – Bom, eu conheci a Zona Cerealista na década de 60, como eu falei, eu trazia o milho lá de Capão Bonito, tal e vendia aqui em São Paulo. E depois, com as minhas idas e vindas para Belém do Pará, eu acabei começando a comprar arroz para o Marchetti na região norte do país, em Castanhal, Imperatriz, Colina de Goiás, que hoje é Tocantins e o meu primo, então, que era o filho do Antônio Marchetti, Clovis Marchetti perguntou se eu não estava enjoado de viajar e tal, se eu não queria trabalhar com ele, como eu trabalhava com feijão e milho, essas coisas e ele era a especialidade em arroz, me encostei do lado dele e comecei a trabalhar com isso daí.
P/1 – Mas a primeira vez que você conheceu a região foi antes, né?
R – Não, foi bem antes. Eu já conhecia a região.
P/1 – Você se lembra mais ou menos que ano que foi?
R – Que eu conheci mesmo a região foi 1964 e isso aconteceu em 1969.
P/1 – E em 64, como é que era?
R – Era um movimento espantoso que existia aí, entendeu? Porque tudo que era produzido no país vinha para São Paulo e São Paulo distribuía, era feijão preto que vinha do Rio Grande, era vendido aqui em São Paulo, o arroz que era produzido no Rio Grande vinha pra cá e era vendido aqui em São Paulo e era São Paulo que distribuía e de toda a região produtora de feijão, o Paraná todo ele vinha aqui para São Paulo. E aqui era distribuído para o norte, para o nordeste, para as cidades do interior. Ainda não era a grande fase dos supermercados. Com o advento dos supermercados, começou a haver a transformação da Zona Cerealista em relação a parte comercial, porque aí começaram… os próprios gaúchos começaram a formar as cooperativas, que o cooperativismo foi muito forte no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina. Em Santa Catarina em relação a suínos e aves, o Rio Grande do Sul em termos de cereais e na parte de verduras e hortaliças, vamos dizer, batatas, essas coisas aí, nós tínhamos as grandes cooperativas que era a cooperativa de Cotia, Cooperativa bandeirantes e outras cooperativas mais que na época, eles tinham um certo incentivo do governo que elas eram isentas de ICMS. Quando o governo tirou esse privilegio deles da isenção de ICMS, praticamente, dali pra frente, as cooperativas, principalmente, as de hortifrutigranjeiros começaram a se acabar. E fechou praticamente todas elas. A Cooperativa de Cotia que era a mais poderosa e a maior que nós tínhamos aqui no Brasil, ela mesmo acabou desaparecendo e aí, aumentou muito o núcleo do Ceagesp, do CEASA, certo, que aí em vez da turma utilizar totalmente as cooperativas para a venda dos produtos deles, começaram a aparecer empresas que se estabeleceram no CEASA que eram consignatárias, recebiam os produtos que vima do interior, principalmente os hortifrutigranjeiros e eles vendiam, depois prestavam conta, cobravam uma comissão e davam o dinheiro para os produtores. Aí, houve o advento dos supermercados, que começou a aparecer os supermercados no Brasil, apesar que o primeiro supermercado que eu tenho lembrança, que eu sempre ouço falar foi o supermercado de um japonês, não tô bem recordado do nome dele. E dali, veio Eletroradiobraz, Pão de Açúcar, Não sei o que e vários supermercados, o Carvoeiro, uma série que depois, foram todos esses desaparecendo, foram incorporando, que hoje, supermercado no Brasil é praticamente um oligopólio, são quatro ou cinco marcas e acabou, principalmente, aqui em São Paulo.
P/1 – Mas você se lembra mais ou menos em que ano começou o supermercado?
R – Os supermercados começaram mesmo a influir na área do abastecimento, eu diria que foi na década de 70. E aí, houve uma grande mudança na área de varejo, porque a Zona Cerealista fornecia os pequenos varejistas que eram os armazéns familiares que existiam, tal, não sei o que mais e os supermercados começaram a se estruturar, criaram lojas grandes, que alias, as lojas que têm aqui de supermercados aqui no Brasil, é muito difícil você encontrar em qualquer lugar do mundo o tamanho que ela tem. Nós temos aqui, por exemplo, na Argentina tem alguma coisa parecida com isso, porque você vê, no próprio Estados Unidos que tem a maior rede de supermercados do mundo, que é o Wal-Mart, as lojas são pequenas, não existem suntuosidades que nem tem aqui o Carrefour, que nem tem o Pão de Açúcar, que são suntuosidades mesmo, os supermercados daqui. E esses supermercados começaram também a modificar o sistema deles de trabalho, começaram a botar compradores nas regiões produtoras, as cooperativas em vez de mandarem os produtos para vender aqui na Zona Cerealista, já começaram a vender diretamente para o supermercado, então, aquele número que nós tínhamos de 70% do abastecimento de São Paulo para todo país, hoje deve estar reduzido a uns 25, 30, porque houve uma mudança, primeiro, por comunicação, estradas e a globalização e além da globalização, nós poderíamos dizer da brasilização, entendeu? Então, houve essa grande modificação. O atacado, praticamente, ele teve uma queda muito grande em relação a isso daí, porém, ele ainda sobrevive. Só para vocês terem uma ideia, o nosso sindicato que abrange todo o Estado de São Paulo, a base dele são dez mil empresas, quer dizer, nós ainda temos dez mil empresas atacadistas de alimentos no Estado de São Paulo, que ficou… e você pega esses grandes supermercados, eles não pertencem a nossa categoria, eles são varejistas. Eu tô falando de comércio atacadista. Então, ainda existe um comércio atacadista bem pujante ainda no Estado de São Paulo, que não houve vamos supor, uma extinção deles. Mas houve uma mudança muito grande principalmente na área. Aqui, eu reputo, por exemplo, uma grande queda que houve aqui no setor atacadista é da própria localização, que na verdade, isso daqui, o livro mesmo vai mostrar que isso daqui é centenário, começou no inicio só século 20, as ruas eram para carroças, hoje entram carretas, hoje tá tudo difícil para o caminhão entrar no centro da cidade, é problema de horário pra entrar, é problema de rodizio, é problema de trânsito e todas essas coisas. E uma das grandes lutas nossas foi sempre tentar tirar a Zona Cerealista do centro da cidade e colocar em outro local. E essa luta começa, justamente, através do sindicato junto com a Bolsa de Cereais na década de 60, com o Antônio Marchetti, que foi presidente da Bolsa e foi presidente aqui do sindicato. A primeira intensão de mudança da Zona Cerealista estava sendo projetada ali no inicio da Anhanguera, tinha um frigorífico lá chamado Frigorífico Armour e eles saíram dali e foram para outro lugar e ficou um terreno vago lá que dava pra você mudar a Zona Cerealista para lá. Mas a pressão foi muito grande para isso não acontecer porque todos esses armazéns que estavam… que pertencem a Zona Cerealista foram praticamente construídos pela colônia italiana que foram eles que… um dos principais que desenvolveram, isso e eles sempre foram contra a mudança, que eles achavam que se saísse a Zona Cerealista daqui, o que eles iam fazer com esses armazéns? Então, eles mesmos lutaram para que não acontecesse e não aconteceu. A partir disso daí, nós mesmos tivemos mais umas três ou quatro tentativas. Uma vez na zona leste, lá em Guarulhos, outra vez aí já bem mais recente, no Rodoanel, mas nunca foi pra frente porque primeiro, havia sempre uma ingestão politica que atrapalhava tudo, sempre tinha alguém para atrapalhar, o governador queria, mas a assessoria fazia o diabo pra atrapalhar, entendeu? Então, sem querer falar bobagens, mas era tudo tinha que ser a poder de propina e aquilo que a gente não estava disposto a fazer e infelizmente, entendeu, por isso, não aconteceu. E até hoje nós estamos lutando. Hoje, a nossa luta principal é unir a Zona Cerealista com o Ceagesp e tirar o Ceagesp dali e levar para uma localização ali no Rodoanel que seja mais fácil para os caminhões e tal e evitar que venham todos esses caminhões para cá e centralizar todo comércio, tanto de hortifrúti como de cereais, como de bebidas, tudo para um local só, como existe em Belo Horizonte, ali em Contagem, que tá tudo centralizado num lugar só, que é o ideal que tem que acontecer. É um sonho, é um sonho que você vê, se tudo isso começou na década de 60, nós já estamos no século 21 e não conseguimos nada e não sei, não, se eu terei a oportunidade de ver isso aí mudar. Mas isso é outra história.
P/1 – Você se lembra em 64, quais eram as maiores empresas que estavam comerciando na região?
R – Aqui?
P/1 – É.
R – Tinham os grandes atacadistas, Importadora Benjamim, tinha Cofesa, tinha… é difícil assim, de lembrar, mas tinham grandes empresas e tinham empresas, vamos dizer, as empresas aí… todas elas eram de grande movimento, às vezes, elas não tinham, vamos supor, o espaço físico muito grande, mas elas tinham aqui como se fosse um tipo de um ponto de distribuição. Então, tinham os armazéns do interior, tal, armazenava, vinha pra cá e aqui, distribuía. Porque aqui, por exemplo, se chegou até… os cerealistas chegaram até, praticamente, criamos um banco que era o Banco dos Cerealistas, que no fim acabou não dando certo e virou o Banco da Economia, esse Banco da Economia, na verdade, ele teria que ser Banco dos Cerealistas, que foi com essa intensão, mas problema que todo mundo queria ser presidente do banco, acabou não saindo o banco, essa foi a verdade. Para você ter uma ideia da pujança que era isso, eu tinha informação que a agência de maior movimento financeiro bancária do Bradesco estava aqui na Zona Cerealista, de maior movimento financeiro era aqui na Zona Cerealista do Bradesco, você imagina o que representava isso daí e daí, para o Bradesco, era a maior agência deles e aí, nós tínhamos o Banco Itaú, que antes era Sul-americano, tinha o Bando de Minas Gerais, tinha banco… tinham uns oito, dez bancos na Zona Cerealista. O movimento era fabuloso.
P/1 – Mas como é que foi criar esse Banco dos cerealistas? Foi criado como? Meio que com o pessoal colocando dinheiro dentro?
R – É, a ideia era justamente isso, cada um colocar… e eu tinha conseguido, inclusive, até um registo no Banco Central para a formação do banco. Então, ia ter o capital próprio dele e ele ia se designar justamente a trabalhar com a Zona Cerealista, que você precisava do desconto das duplicatas, do empréstimo, todas essas coisas, esse banco ia ter essa finalidade, que no fim, ficou só no papel. Tinha, por exemplo, firmas grandes, vocês fizeram a entrevista com o José Lins Guilherme, que tinha uma firma Lins, que era uma empresa muito grande, potente na época, então coisas que devagarzinho, a gente vai lembrando, não é verdade? E me perdoem aqueles que eu não estou lembrando que deveriam ser lembrados como grandes empresas, como Irmãos Brasilianos, por exemplo, que também já se extinguiram, e assim vai.
P/1 – Você acha que já existia algum produto que se vendia mais nos anos 60 ou algum tipo de produto que se vendia mais ou importado, ou nacional?
R – Aqui é o seguinte, por exemplo, como aqui era ponto de distribuição, você vê, aqui você tinha na época das festas natalinas, por exemplo, era importado uma barbaridade de nozes, avelãs, castanhas, amêndoas, uva passa, figo seco, tâmaras, isso aqui era uma barbaridade, castanha portuguesa, por exemplo, aquela castanha de cozinhar, vinham navios. Hoje, já é uma coisa que fica só na memória, porque o que acontece é que nós sempre achávamos que isso aqui um dia teria que se extinguir, que uma vez que nós como país tropical, pegarmos o mês de dezembro, onde nós temos praticamente todas as frutas aqui, era um contrassenso tremendo você trazer figo seco, trazer essas frutas que não são adequadas para você comer num verão. Então hoje se importa, mas não se importa nem 10% daquilo que se fazia. Hoje se importa mais para enfeite de mesa, então, aquela tradição dos imigrantes italianos, então põe lá umas castanhas, põe lá umas nozes, não sei que lá e põe na mesa lá que é para enfeitar, entendeu? E tudo isso foi substituído por frutas frescas que são mais do que naturais, não é verdade? Nos países do norte que é frio nessa época, eles podem usar isso daí, porque eles não tem o produto in natura, mas nós aqui é uva à vontade, laranja, pêssego, ameixa, o diabo que você quiser, tudo isso fresco, vai trazer agora, industrializado lá de fora! Então, os hábitos alimentares foram mudando, né, os hábitos de consumo, não alimentares.
P/1 – Você acha que a Zona Cerealista ajudou um pouco a mudar ou a melhorar os hábitos dos brasileiros, assim?
R – Ah, mas eu não tenho a menor dúvida. Eu não diria que foi a Zona Cerealista, o que mudou, fez mudar os hábitos do brasileiro foi a modernização da nossa agricultura, isso fez mudar porque ela fez o brasileiro conhecer muitos produtos, entendeu, isso aí nós devemos muito à colônia japonesa, que eles é que começaram, você pode ver, você pega anos atrás, você não conhecia o salsão, você conhecia o alface, conhecia a couve, conhecia… não sabia o que era uma rúcula, não sabia o que era um série de verduras aí, nós conhecíamos o quê? Repolho, couve, só essas coisas. O japonês que começou… você pode ver, pimentão, a gente conhecia só o verde, aí apareceu o vermelho, apareceu o amarelo, hoje tem roxo, que foi tudo desenvolvimento da agricultura. Diga-se a bem da verdade que uma das grandes responsáveis disso sempre foi a Embrapa, que infelizmente, nosso governo esqueceu, era o maior centro de pesquisa agropecuária que o país já tinha, talvez, o maior da América Latina, estava localizado em Brasília. Então, nós tínhamos cientistas… agrônomos lá que você poderia considerar cientistas e foram desenvolvendo, como desenvolveram aqui em São Paulo, o feijão carioquinha, que foi no Instituto Agrônomo de Campinas, então, teve uma série de coisas que infelizmente foi deixado de lado por muitos governos que passaram por aí, porque poucos deles se preocuparam… ano é que se preocuparam, acho que poucos deles sempre acharam que todos os produtos eram produzidos dentro do supermercado. Eu costumo dizer que tem muitos políticos, muitos governadores, talvez alguns presidentes que acham que o leite sai de dentro do supermercado, que o feijão sai de dentro do supermercado, que é tudo dentro do supermercado, só que ele esquece que até ele chegar no supermercado, ele teve que passar por uma terra, teve que plantar, teve que esperar crescer, teve que irrigar, teve que transportar, teve que trazer para chegar na mesa do consumidor. E agricultura… o país rico é o país agrícola, não adianta, não adianta você pegar uma nota de 100 dólares e botar dentro de um prato e jogar um pouquinho de vinagre, que você também precisa fabricar o vinagre e querer comer que isso não te sustenta. Com esses 100 dólares, você tem que fazer o arroz, o feijão, a mandioca, a batata, essas coisas. É uma das grandes criticas que eu faço e que eu aprendi com alguns agrônomos, alguns inspecionistas do governo na área agrícola, entendeu, sobre isso daí que é uma realidade. Nós tivemos uma fase que me perdoem, alguns podem me criticar até nisso que eu vou falar, mas o imposto da nossa agricultura foi na época do governo militar. Parece que havia uma mentalidade diferente, eu sempre tive uma admiração pelo Ministro Delfim Neto de quando ele assumiu o Ministério da Agricultura, que ele quis formar uma equipe e eu estava presente quando ele falou com a pessoa certa, que ele queria os melhores para trabalhar com ele na Agricultura e aí, começou… não é que ele que começou, mas ajudou a desenvolver. Nós passamos a ser produtores de maçã, hoje exportamos maçã, passamos a produzir alhos… aliás, tudo o que o Brasil importava, aquela velha frase do Pero Vaz de Caminha que aqui, se plantando tudo dá, levaram 450 anos para descobrir que é verdade, aqui, tudo que se plantou, o que quiser, o que se produz, dá. Você pode ver, o Brasil tem uma riqueza incalculável que está no nordeste, ali na região de Petrolina, ninguém acredita que aquela região produz uva três vezes ao ano, nenhum lugar no mundo faz isso, produz uma vez por ano uva e nós produzimos três vezes por ano, dá pra acreditar? Há tempos atrás, produzia duas vezes ao ano, eu trouxe um argentino e levei ele pra lá, quando ele viu aquilo lá, ele não se conformou, ele disse assim: “Isso daqui é o maior paraíso que tem no mundo. Nós precisamos esperar um ano para produzir um cacho de uva e vocês em um ano, vocês fazem dois cachos de uva, um num mês e outro nos outros meses pra frente”, ninguém tem isso e outra, a uva é tida em verso e prosa que se produz só em climas frios. Eu tô falando do nordeste, tô falando de Petrolina, certo? Então, Pero Vaz de Caminha tava certo, só que levaram quase 450 anos ou 500 sei lá eu para descobrir que aqui… nós importávamos melão, hoje nós exportamos melão. Nós sempre importamos, com exceção das uvas que eram produzidas aqui em Jundiaí, São Roque e alguma coisa no Rio Grande do Sul, que era mais para produção de vinho, nós importávamos uva da Argentina, uva da Espanha, hoje nós exportamos uvas do nordeste, melão, manga que era perdida aqui, hoje nós mandamos para fora, tá certo, que a manga não é nativa, mas vamos falar dos produtos que nós importávamos e que hoje… a única coisa que nós não conseguimos produzir com produtividade suficiente é azeitona, só, porque o resto que eu saiba, tudo. O que você imaginar, qualquer coisa que você for comer lá fora em qualquer parte do mundo você pode dizer: “No Brasil também tem”, cresceu nosso produção de cogumelo, cresceu nossa produção de tudo, foram esses grandes cientistas que o Brasil teve na área da agronomia, que eram dedicados e o governo dava incentivo para eles e davam condições deles pesquisarem, tudo mais. De uma hora pra outra, pelo o que eu sei, a Embrapa tá lá em Brasília com nome e a pesquisa que era uma das coisas principais dela, parece que tá indo devagar. Quem sabe, uma hora, alguém possa vir e dizer tudo ao contrario do que eu tô falando, assim eu espero.
PAUSA
P/1 – Agora, me fala um pouquinho sobre o Antônio Marchetti então.
R – O Antônio Marchetti, ele começou a vida dele como feirante, no tempo em que as feiras eram as que faziam o papel de supermercado. Então, ele começou como feirante e depois, ele veio se estabelecer aqui em São Paulo na rua Benjamim de Oliveira. Antônio Marchetti tinha uma visão ampla da parte do comércio, tal e também, um prestigio muito grande dentro da colônia, apesar dele ser de uma região completamente diferente dos outros italianos que estão aqui, Antônio Marchetti chegou a ser presidente da Bolsa de Cereais de São Paulo, como também chegou a ser presidente desse nosso sindicato. Era um comerciante de grande visão, infelizmente, partiu cedo e deixou… ficou o filho dele como sucessão aqui na zona, mas foi um comerciante muito respeitado e até hoje, guarda boas lembranças aqui… o pessoal guarda boas lembranças dele.
P/1 – E ele chegou a ser presidente do Sagasp. Você sabe que ano que foi?
R – Eu não sei, não tô bem lembrado, mas tem aí a data.
P/1 – Mas foi antes do senhor, né?
R – Foi bem antes de mim. Foi ele, após ele veio o Euclides Cali, depois veio Amauri Jereissati, depois veio o Vicente La Pastina, depois veio o Euclides Cali novamente e depois, eu. Ele é bem… eu acho que Antônio Marchetti deve ter sido o terceiro presidente do sindicato. O sindicato, agora esse ano tá completando 80 anos.
P/1 – Agora, o quê que você sabe, mais ou menos, das gestões anteriores, sei lá, do Euclides Cali ou do Amauri, o quê que acontecia?
R – As épocas eram completamente diferentes, os costumes eram diferentes, as politicas eram diferentes. É muito difícil você hoje fazer um comparativo daquilo que eu enfrento com aquilo que eles enfrentavam. Eu acho que o período deles foi pior do que o… muito pior do que o nosso atual.
P/1 – Você acha?
R – Justamente por causa do país que estava em crescimento, estava começando a evoluir, então, todas aquelas dificuldades que nós já cansamos de mencionar, de comunicação, de tudo isso daqui, entraves governamentais, eles enfrentaram multo isso. Hoje, por exemplo, não tem mais. Eu mesmo peguei uma fase que ainda existia muita burocracia, como ainda existe, mas muito menos do que era na época deles. As coisas pra eles, na época, para o presidente, eram muito mais difícil do que são hoje, porque hoje você resolve com e-mail, há dez anos atrás você resolvia com telex e há 20 anos atrás, resolvia muito mal por telefone. Então, você para se deslocar aqui para São Paulo, que a capital era no Rio de Janeiro, vamos supor, mesmo depois da mudança da capital para Brasília, ainda o centro administrativo era o Rio. Então, era a Cacex o órgão que disciplinava as importações e exportações, a sede era no Rio de Janeiro. Então, as coisas eram muito mais complicadas para eles, entendeu, tinham que se deslocar muito mais devido à dificuldade que existia de comunicação. Hoje, tudo é mais fácil, você passa um e-mail e em dois minutos, você tem a resposta. Às vezes, uma ligação pelo telefone, você levava uma hora esperando para conseguir, né? Então, eu digo que a época deles foi muito, muito mais complicada e muito mais difícil que a nossa, que nós enfrentamos hoje. Hoje, é tudo mais fácil, tanto que também as próprias empresas, elas têm menos problemas, entendeu, do que tem hoje. Antigamente elas utilizavam muito, talvez, mais os sindicatos para tentar resolver os problemas delas do que hoje, porque hoje elas mesmas podem resolver, porque com toda burocracia que ainda existe, muita coisa se mudou e mudou também… alguma coisa foi pra pior, mas muita coisa foi pra melhor também.
P/1 – E você entrou na Sagasp foi nos anos 80, é isso?
R – Isso. Em 1900 e… espera só um pouquinho, dá uma paradinha que eu vou olhar a data.
PAUSA
PAUSA
P/1 – Então, a sua primeira gestão foi?
R – Em 1988.
P/1 – E antes disso, você já tinha contato com o sindicato?
R – Eu iniciei politicamente com o Doutor Euclides Cali que era presidente. Eu comecei como tesoureiro dele. E depois no segundo mandato do Euclides Cali, eu fui secretario dele, diretor secretario e aí, eu me candidatei à presidência do sindicato e venci as eleições, que aí foi justamente em 88 que eu tomei posse.
P/1 – Tá, essa parte a gente falou na outra entrevista, já, então vou voltar para a questão comercial, você estava trabalhando com o Clovis Marchetti, então…
R – Aí o que acontece? Era uma época de fim de ano, 1969 e eles fizeram uma importação muito grande de castanhas portuguesas e o Doutor Euclides Cali tinha uma banca no Mercado e tava um dificuldade tremenda, porque muita gente importou castanha naquele ano, lá. Aí, o Antônio Marchetti, que era o pai do Clovis perguntou se eu poderia ir vender castanha no Mercado para ajudar e era castanha… eles tinham importado num pool, era Marchetti, Euclides Cali, J Michel, Salerno, que de uma outra importadora e mais um outro chamado Goldelin, eram cinco. Aí foi a minha prova de fogo, eu ia às três horas da manhã para o Mercadão para vender castanha para o pessoal lá, para os atacadistas e fui bem, tanto que depois que terminou os dias que chegou Natal, o Marchetti, Antônio Marchetti tinha um armazém aqui na rua Paula Souza e o Clovis que era o filho dele trabalhava com arroz na rua Mendes Caldeira. Aí, ele me propôs para trabalhar com ele aqui na rua Paula Souza, que ele trabalhava só com importados, se eu gostaria de vir trabalhar com ele. Aí, eu falei: “Vamos lá, vamos ver o que acontece”. Então, acertamos salário, tudo direitinho, tal, era muito bom pra mim na época e eu vim trabalhar com ele. Trabalhei um ano aqui na Paula Souza com ele, aí eu comecei a aprender a mexer com produtos e mexer com importação, saber como funcionava o mercado exterior, tal, me dediquei a isso, tal, acabei aprendendo. Ele fechou aqui a Paula Souza e ficamos todos juntos na rua Mendes Caldeira no armazém que era dele mesmo, nós passamos para lá, eu fiquei mais talvez um ano com ele, em toda a minha vida, eu fui dois anos empregado. Foram esses dois anos com ele, o resto eu sempre trabalhei por minha conta própria e aí, começamos a desenvolver na rua Mendes Caldeira, a empresa cresceu muito, depois chegou no fim do ano lá, nós tivemos uma pequena desavença, uma bobagem qualquer, eu resolvi bater asa sozinho e sai. Aí, o que acontece comigo? Eu morava num apartamento em cima do armazém, ali na rua Mendes Caldeira e eu tinha uma extensão do telefone do armazém para o meu apartamento, que era no mesmo prédio. Um dia, mais ou menos umas seis horas da tarde, toca o telefone e eu atendo e era o Aurelino Silva, que ele tava ligando para o armazém, mas já tinham fechado e eu já tinha saído do… já tava fora da firma. Isso foi nos primeiros dias de janeiro de 1971. Aí, papo aqui… eu falei para o Silva que eu tava sozinho: “Pô, vamos fazer um negócio, vamos montar uma empresa juntos” “Vamo embora”, e aí começou a minha vida como importador, como não sei o que, trabalhando eu, o Silva e um irmão dele. Fizemos uma sociedade, foi alugado um armazém ali na rua… hoje chama-se Polignano A'Mare, naquela época, chamava Álvares de Azevedo a rua lá, e ali comecei. Fiquei com o Silva durante uns três anos como sócio e depois, houve um problema dele com o irmão e nós desmanchamos a sociedade e eu fui embora. Aí, eu comecei a me dedicar a importação de alho. E os anos se passaram e eu acabei me tornando um dos maiores importadores de alho do país. Hoje eu sou um pequeno consumidor (risos). E com isso foi que aí, eu comecei na minha área comercial, entendeu, viajar muito para a Argentina, que a gente importava muito alho da Argentina, viajar para a Espanha, viajar para os Estados Unidos, para o México. Teve uma época que eu cheguei a ficar muito tempo no México comprando alho lá no México e finalizando na China. Eu fui um dos… diria, um dos primeiros a trazer alho da China continental para o Brasil, porque em 1982, eu fui para Taiwan, Formosa, comprar alho lá, entendeu? Aí que eu comecei a conhecer, perceber como que o chinês trabalhava. Comecei em Taiwan vendo como que eles funcionava, e depois, na China Continental, quando ainda… tava iniciando a abertura de mercado dela para o mundo inteiro. A China tem uma historia muito curiosa que eu vi, quando a China era completamente socialista, vamos dizer assim, toda produção era do estado, depois da morte do Mao Tsé-Tung, que outros assumiram lá, que eles resolveram abrir um pouco o mercado, o quê que o governo fez? O sujeito… toda produção, por exemplo que tinha era… o sujeito produzia e ia para o governo, eles eram empregados do governo a vida inteira. O governo resolveu mudar a sistemática, como que eles começaram a mudar a sistemática? É interessantíssimo isso daí. Os que produziam arroz, vamos falar um número, ele produzia cinco toneladas por hectare, então, ele tinha que produzir cinco toneladas e ia tudo para o governo. O governo chega e faz uma proposta para o produtor: “Olha, vocês vão produzir o arroz, as cinco toneladas vêm para nós, mas o que exceder das cinco toneladas é de vocês”, aí começou a incentivar a turma a querer trabalhar mais. Então, o sujeito fazia de tudo para ter uma produção maior porque ele entregava as cinco toneladas… eu tô inventando um número, entendeu? Entregava as cinco toneladas para o estado e quilo que sobrava, uma tonelada, ou uma e meia a mais que ele produzia era dele, ele podia fazer o que bem entendesse com ele. O fato mais interessante é na criação de porcos. A porca, para quem não sabe, ela tem dez tetas e ela… quando nasce, dá 12 ou 13 porquinhos, só que só dez vão sobreviver, os mais fracos vão morrer , como ela tem dez tetas, cada um usa uma teta, cada um dos porquinhos vai usar uma teta. Então, três vão para o inferno, vão morrer. Quando o governo botou essa coisa dizendo que aquilo que produzisse a mais seria dele, eles começaram a fazer o quê? A mulher do camponês, quando a porca criava, qual era o trabalho dela? Era monitorar os porquinhos, então, tava mamando, ela tirava um e botava o outro, depois tirava um e botava o outro, para deixar os treze mamarem. Resultado, os 13 vingavam, eles entregavam os dez para o governo e os três ficavam para ele. Aí, começou a abertura comercial da China, que eles começaram a dar chance para o produtor rural e talvez, isso deve ter acontecido com os industriais, não sei, tô falando daquela área que eu conheci, que eu vi, que eu presenciei… a coisa foi crescendo e hoje tá aí, a abertura que aconteceu, hoje, já o governo chinês, praticamente, não tem ingerência nenhuma na área produtiva e começaram dessa forma, que é interessantíssima essa história…
PAUSA
P/1 – Então, o alho que sobrou da China, você começou a comprar, é isso?
R – Aí, começamos comprar o alho na China, porque quando eu fui para Taiwan em 1982, depois de uns meses, os chineses da China Continental vieram aqui no sindicato e nessa época, eu era presidente do… não, não era presidente do sindicato, ainda. Era tempo do Euclides, ainda. Eles vieram aqui querendo saber porquê que nós fomos comprar alho em Taiwan e não fomos comprar da China Continental. Naquele tempo, eles vinham tudo vestido igual, você entendeu, homem, mulher com o mesmo tipo de roupa, fechado, tal, tempo da China fechada, né, eu falei: “Nós nunca fomos pra vocês lá porque a gente nem sabia que vocês tinham alho lá. Aí, eles propuseram de fazer uma viagem, uma missão comercial para conhecer, mas não foi adiante, entendeu? eles esqueceram, não se interessaram, mas em 1990, 1991, mais ou menos isso daí, aí apareceu uma vez, mandaram umas amostras do alho da China pra cá e era um alho que tinha uma qualidade que interessava o Brasil, então, nós começamos a importar, eu e mais uns dois ou três fomos pioneiros e eu mesmo cheguei a importar um navio inteiro de alho. Comprar o navio inteirinho, lotar de alho e trazer pra cá, não foi uma não, foram várias vezes que nós fizemos isso daqui.
P/1 – E lucrou?
R – Foi… aí desenvolveu, passou a China a ser a maior fornecedora de alho importado para o Brasil, que era a Argentina e depois, era a Espanha. Com o advento da China, a Espanha praticamente, zerou. Se importa muito pouquinho alho da…
P/1 – E valeu a pena? Lucrou, assim, pelo menos?
R – Na época… era um alho de qualidade e era muito barato, entendeu? Ele era muito barato. O custo de produção lá era baratíssimo, tanto que todo mundo achava que o governo chinês subsidiava a produção de alho, tal, não sei o que… criaram um antidumping pra alho, uma confusão tremenda, mas na verdade, hoje, o alho chinês é uma realidade aqui no mercado brasileiro, como antes, também, no mundo inteiro, né?
P/1 – Agora me diz, no comecinho lá, quando você tava com os caminhões e nos anos 60, como é que eram feitos os pagamentos dos produtos?
R – Dinheiro no bolso.
P/1 – Ah é?
R – É. Era todo dinheiro no bolso. A gente quando, por exemplo, comprava o arroz lá no norte, aí, o Marchetti me mandava o dinheiro para o banco, eu ficava esperando chegar o dinheiro lá, pegava o dinheiro, botava dentro de um saco, botava no caminhão, ia embora e ia pagando os fornecedores. Era tudo assim.
P/1 – Ficava num saco?
R – É, ninguém queria saber. Se desse um cheque daqui de São Paulo para o cara naquele lugar, você tava fuzilado.
P/1 – E aí, aqui na Zona Cerealista também? Era tudo assim?
R – Também. Era muito, muito movimento feito com dinheiro. Depois, começou crescendo o cheque, entendeu? Mas você vendia para os feirantes na época, feirante te pagava tudo em dinheiro, porque ele também recebia tudo em dinheiro… não tinha negócio de cheque pré-datado, essas coisas não existiam. Olhava para o cheque assim, você até se assustava. O cheque era só mesmo pra você pagar uma duplicata, que você ia lá no banco e pagava. Era 80%, mais talvez, era tudo feito em… era um inferno os bancos lá, tinha firma que tinha movimento estrondoso, levava toda aquela dinheirama no banco lá para contar pra depositar. Mas era tudo em dinheiro.
P/1 – Agora, uma coisa que eu fiquei curioso ao logo do tempo, do livro, a relação da Santa Rosa com a Paula Souza. O que significava a Paula Souza?
R – A Paula Souza era considerada a elite dos atacadistas, entendeu? Então, as empresas importadoras e as grandes empresas estavam todas localizadas aqui na Paula Souza, Dias Martins, F Monteiro, João Alves Verissimo, que depois virou Eldorado, todas as grandes empresas estavam localizadas aqui na Paula Souza. Tanto que eles chamavam a Zona Cerealista devido ao rio, de baixo meretrício, ali era o baixo meretrício e o alto era aqui, que era aqui que era o lugar da elite dos importadores que era dominada pela colônia portuguesa, praticamente, aqui. Dias Martins, o próprio Verissimo, e que o tempo foi mudando, a grande maioria desses atacadistas que estavam aqui na rua Paula Souza viraram supermercados, Sé, Eldorado, Casas Alô Brasil, tudo isso aqui viraram supermercados, você entendeu? E se transformou, a Paula Souza, hoje, é uma rua que vende produtos aí, panelas, tudo para restaurantes industriais, acabou a parte comercial de alimentos aqui, que era o setor de produtos importados, alimentícios, era tudo aqui na Paula Souza. Aí, foi alguns viraram supermercados e os lá da Zona… do baixo meretrício, do outro lado do rio começaram a aparecer as empresas importadoras lá. Os que eram especializados em feijão, continuaram trabalhando com feijão, os que eram especializados em… depois foi mudando com as cooperativas, então pararam de mexer com arroz aqui e vieram muitos importadores, tanto é que nós chegamos aí mais de 400 empresas importadoras na Zona Cerealista.
P/1 – E qual que era a relação entre a Paula Souza e a Santa Rosa? Vocês eram ligados, ou não? Como é que era?
R – Não, não tinha muita ligação, não. Aqui era a elite e lá embaixo, era o povão.
P/1 – E eles chegaram a ter alguma participação no sindicato?
R – Muitos tiveram. Muitos! Teve muitos diretores aí que… por exemplo, o Casas Alô Brasil, um deles foi meu vice-Presidente, o Verissimo, que era do Eldorado chegou a ser vice-Presidente do Euclides Cali. Quase todos eles tiveram participação aqui no sindicato, quase todos eles tiveram.
P/1 – E por quê que eles foram para um lado e aqui continuou…
R – A maioria deles optaram para ir para o varejo, que foi o supermercado, entendeu? Que todo mundo diz que o português é burro, mas burros eram os outros que eles que foram pra frente, os supermercados, na verdade, aqui no Brasil, aqui em São Paulo, quero dizer, foram constituídos por quem? Pelos portugueses. Se você começar a ver, o Ilício era português, o Sé era português, Dias Martins era português, o… esqueço o nome era português. Os portugueses, todos eles partiram para supermercado, que eram os burros. E os inteligentes ficaram aí, estão até hoje aí, pastando e eles cresceram muito.
P/1 – Mas teve algum momento em que o pessoal da Santa Rosa viu essa possibilidade também de ir para o varejo, ou não?
R – Houve. Mas acontece que havia muita covardia por parte da turma, que tinham alguns que chegavam e diziam: “Vamos nos juntar aí, quatro ou cinco e vamos abrir quatro ou cinco lojas”, que o supermercado, você monta uma loja, ela é deficitária, tem que ser um negócio de três ou quatro, porque um compra… e a despesa era muito menor, entende? Eu nunca me esqueço uma das empresas fortes na época que era Andrea S.A, um dos sócios, o Andrea, ele mesmo insistia: “Vamos nos juntar, vamos fazer uma coisa”, era o único que tinha cabeça de unir era ele “E vamos partir para o varejo, vamos partir para o supermercado”. Mas ninguém se animou. E os outros foram, quer dizer, hoje já não existem mais por[que foram todos incorporados pelos grandes grupos, Wal-Mart, Pão de Açúcar, Pão de Açúcar nem pertence mais ao Diniz, entendeu, que o único dos supermercados que não era aqui da Zona Cerealista era o Diniz, o resto, todos eram daqui.
P/1 – E nessa época, você tinha algum pensamento sobre isso? Alguma posição?
R – Com honestidade, não. Também não. Primeiro, eu não tinha capacidade financeira para isso, eu poderia até me associar a alguém. Eu me lembro que quando se começou falar em formar um grupo, eu iria participar disso daqui, com um pequeno capital junto com eles e tal. Mas assim, eu, pessoalmente dizer: “Vou eu fazer isso aqui”, não, porque eu tinha capacidade financeira pra isso daí. Então, nem passava pela minha cabeça, nem pensava nisso. A gente sentia que era o futuro, a verdade era que a gente sabia que o futuro tava nisso daí, entendeu? Mas muita gente ainda não acreditava, achava que… como tinha… até dez anos atrás, tinha gente aqui no nosso setor que não acreditava no computador, achava que isso aí não ia funcionar nunca, entendeu? É pra você ver. Infelizmente…
P/1 – Isso foi em que ano, mais ou menos, anos 70, 80?
R – O quê?
P/1 – Que vocês perceberam que podiam fazer isso e não fizeram.
R – Isso foi na década de 80… de 80 pra 90.
P/1 – Então, os portugueses já tinham começado?
R – Os portugueses já estavam com as canelas bem adiantadas, viu!
P/1 – Entendi. Agora, nesses anos todos na Zona Cerealista, você fez amizades, você fez amigos aqui?
R – Olha, eu não sei, viu… desculpe meu excesso de modéstia, eu acho que eu não fiz nenhum inimigo, entendeu? Eu acho que… eu não poderia dizer pra você: “Pô…”, que evidentemente que eu não posso ser unanimidade, todos… mas até hoje, eu não descobri um que eu ouvisse dizer: “Pô, aquele cara não gosta de você”. Também não ouvi muitos dizerem que gostam de mim ou são apaixonados por mim, não. Mas pegando na parte de dizer assim: “Pô, fulano lá diz que não gosta de você, não sei o que…”, isso, olha, eu tive essa felicidade de até hoje nunca ter ouvido isso, entendeu? Então, eu acho que a maior prova é justamente o tempo que eu tô nesse sindicato, não é verdade? Porque eu… você pode ver, quando eu fui disputar as eleições, eu disputei com um cara tradicionalíssimo daqui, família tradicional, grande empresário e eu era um caminhoneiro. Como é que um caipira lá de Capão Bonito, caminhoneiro vai querer ser presidente do sindicato? Cheguei. E a turma votou em mim. Da segunda vez que eu disputei, disputei também com uma potencia, que era um cara que era dono da… além de ser um atacadista importador muito grande, era dono da Milano, dono daquela Nova de automóveis, o cara… e eu tive 88% dos votos. Então, eu tenho… olha, não sei, é chato a gente querer falar da gente mesmo, né, mas eu tenho a impressão que eu não fiz inimigos.
P/1 – Mas você fez algum circulo mais intimo de amigos, assim?
R – Não. Não. Eu nunca fui, entendeu… eu nunca fui uma pessoa vamos chamar, muito social, de ir na casa de um, ir na casa do outro, não sei o que… não. O cara é meu amigo, eu tomava whisky com ele aqui, ou se encontrava, às vezes, numa festa, ou num velório, qualquer que fosse… mas assim, uma amizade assim, de dizer: “Sou…”, aqui em São Paulo… eu tive no interior, eu tive… no interior, sim, e tinha pessoas que eu considero… amigas, no sentido mesmo de… um amigo carinhoso, uma coisa que você podia desabafar, conversar, entendeu? Aqui, eu nunca tive e nunca procurei. Minha mulher também é do mesmo estilo, então… mas também, nunca formei… que eu saiba, não formei inimizade nenhuma e se você disser pra mim: “Me aponte um cara aí que é teu inimigo, eu vou dizer pra você que eu tinha um cara que era o meu inimigo politico, tá, mas era só politico, o Favano. Eu tinha um pensamento, ele nunca se intrometeu com o sindicato, era Bolsa de Cereais, mas acabava a eleição, nós estávamos se beijando e hoje é um amigão meu. Questão politica é questão politica e acabou o drama. Como também tinham outras pessoas que eu consegui me eleger da última vez com 88% dos votos, significou que 12% não votou em mim, entendeu? Agora, não é porque eles não votaram em mim que eles eram meus inimigos. Um pensamento ou faziam parte da outra chapa, ou qualquer coisa, ou se achasse algum defeito na minha pessoa, ninguém é perfeito, não é verdade? Mas essa felicidade eu tive.
P/1 – Conta pra mim um pouquinho um história na sua versão, que o José Arnone falou pra mim do cheirosinho, você se lembra dessa história?
R – Cheirosinho?
P/1 – É. De uma… ele contou uma história de uma bebida que vocês compraram, que ela ficou mofada, vocês tomaram por muito tempo. Você se lembra disso?
R – Eu não tô lembrando, mas deve ter fundamento essa loucura aí, viu!
P/1 – Ele falou disso e do rum cubano que vocês compraram.
R – Isso nós importamos o rum cubano. Um rolo com esse rum de Cuba, chamava-se… junto com o Telmo, inclusive, o Telmo era muito ligado, tinha um cara aqui em São Paulo que era muito amigo do Fidel Castro, você entendeu? Então, eles iam pra Cuba lá, ficavam lá, ele já morreu. Aí, o Temo também era muito meio fidelista, entendeu, até teve um bar aí que eu fui sócio dele, que chamava-se Havana Clube que era ali na…
PAUSA
P/1 – Você tava falando do rum cubano, lá dessa história…
R – Aí, foi inventado de importar esse rum cubano, que eu e o Telmo tínhamos montado o Havana Clube, uma confusão porque o Brasil não tinha relações comerciais e nem diplomáticas com Cuba, né, então, uma puta confusão, o rum teve que vir pelo Panamá, não sei o que e acabou chegando aqui. Mas não pegou, de jeito nenhum, entendeu? A turma tomava era o Bacardi mesmo e não queria saber de tomar o rum cubano. E era aquela fase que todo mundo só falava em Cuba, né? Era Chico Buarque morando em Cuba, não sei o que Cuba, era Cuba daqui, Cuba de lá e o rum não deu certo. O Arnone deve ter lembrado que o Arnone foi meio sócio desse negócio aí. Agora, eu não tô lembrado dessa bebida aí…
P/1 – Do cheirosinho, né?
R – O cheirosinho, o quê que era o cheirosinho? Eu acho que era um whisky… ah! Agora tô lembrado! O La Pastina era o maior comprador de ferro-velho que existia no mundo e ele arrematou um estoque de whisky na Receita Federal que eram uns whiskies que estavam há mais de 15 anos presos e tava tudo no armazém dele. Um dia, nós fomos lá e compramos toda aquela porcaria, rapaz do céu, mas tinha uns whiskies tão bom, rapaz, você cheirava ele, e nós apelidamos ele de cheirosinho, agora me lembrei a história do cheirosinho, é isso mesmo. “Vamos tomar um cheirosinho, Arnone?” “Vamos!”, grande Arnone.
P/1 – Ele falou que o rum cubano ele tem até hoje na casa dele, não acabou ainda…
R – O Telmo também tem.
P/1 – Vocês se reuniam para tomar whisky, né?
R – Toda noite, lá no armazém do Clóvis. A gente se reunia das seis às sete, tomando whisky, jogando um truquinho e batendo papo furado. Depois, nós mudamos, o Clóvis teve um problema na garganta, que ele teve um câncer na garganta, ele parou de beber, parou de fumar, então começamos a nos encontrar no boteco aqui, toda noite a gente saía meio falando em letra de forma (risos). Depois, de uma hora pra outra, chega! Agora, toma whisky só… agora, pode dizer que é socialmente, mesmo. Agora, fui para os Estados Unidos, em dez dias, tomei um whisky só. Um whisky eu tomava das seis às seis e cinco.
P/1 – E quando eu falo de amizade, eu pergunto disso, assim, vocês tinham esses encontros?
R – Quem eram meus amigos, vamos dizer, confidentes aqui, não de ir um na casa do outro, não sei o que, Arnone era um deles, o Hugo Saporito e o Clovis, esse meu primo, que esse daí então… tanto que eu sabia mais da vida dele, que ele confiava tanto em mim, que eu sabia mais da vida dele do que os próprios filhos dele sabiam, que quando ele morreu, eu é que fui dizer para os filhos dele muitas coisas que o pai tinha e que os filhos não sabiam. E eu sabia de tudo da vida dele. Então, talvez eu fui mais confidente dele do que ele meu, entendeu? Mas vamos dizer pessoas mesmo que eu tinha extrema confiança, tá?
P/1 – E o Arnone também disse que você, ele e o Saporito eram um trio que agiu muito no Sagasp, né, que era muito ativo…
R – Fomos nós que fizemos tudo isso. Essa sede aqui foi comprada comigo, com o Arnone e com o Saporito, entendeu? Foi comprada, foi reformada. Tudo que o sindicato tem de propriedade dele, foi tudo eu, o Arnone e o Saporito que fizemos, que quando nós pegamos isso daqui, nós pegamos e não tinha nada. Tinha uma sala alugada, tinham os moveis, tal, aliás, a sede sempre foi bonita, mesmo lá embaixo, ela era ampla. Depois, todo o patrimônio que o sindicato tem hoje fomos nós que fizemos, nós três. Foi o famoso trio de ferro mesmo.
P/1 – E da onde surgiu essa vontade de fazer isso?
R – É um negócio estranho, o Zé, o Arnone é uma pessoa extremamente capacitada, ele é um garoto que tem uma cabeça muito aberta, tem boas ideias. Então, quando você pensava em fazer alguma coisa, ele já tava fazendo. Se precisasse escrever qualquer coisa, ele já fazia, te escrevia, os meus discursos que eu tinha que fazer, eram lidos, que não eram de improviso, eram todos o Zé que escrevia, todos. E o Hugo por uma questão que era o tal negócio, se é para ter por exemplo, uma das bases para você formar uma chapa no sindicato é você ter um tesoureiro de peso, responsável e o Hugo era um. Você vê, o Hugo tem 92 anos hoje, né, então, ele era um cara muito respeitado e tal, e ele foi o meu tesoureiro… durante todos esses anos de presidente, eu tive dois tesoureiros, um foi o Hugo Saporito e o outro, agora, é o Tokio Isobata, que eram pessoas… o único tesoureiro que era peso leve foi eu quando fui tesoureiro do Euclides, o resto sempre… era meio tradição botar um peso pesado como tesoureiro, principalmente, sujeito que tivesse bem situado na vida e um cara que não tivesse manchas, entendeu, comercial, todas essas coisas. E nós demos muito bem, os três, nos demos muito bem, mesmo. O Zé saiu por circunstancias da vida, que ele teve um percalço muito grande comercialmente, praticamente, ele quebrou, então ele teve que sair aqui da Zona Cerealista e aí, eu fui obrigado a substituir, coloquei um outro secretário, mas tenho muitas saudades dele, tanto que esse ano inauguro esse auditório novo aí com o nome dele.
P/1 – No Brás, você falou que ia no boteco, não sei o que, mas o quê que tinha no Brás que vocês iam… que vocês utilizavam, por exemplo, todo mundo conhece o barbeiro, quem eram essas figuras do Brás, aqui da região? Você lembra de algum?
R – Figuras, você diz em que sentido?
P/1 – Por exemplo, o Vito barbeiro é uma pessoa muito conhecida.
R – É, porque ele é barbeiro há 40 anos, você imagina, ele já tá com quase 80 anos, o Vito, você entendeu? Então, todo pessoal passou por ali, porque ele, inclusive, é da colônia, então todo mundo foi… usava… era o… como é que é o nome desse barbeiro famoso aí? É Sacha? Como que é o nome dele?
P/1 – Jassa.
R – Jassa! Então, nós chamávamos ele de Vitacha, entendeu? Que era… ele foi barbeiro… acho que só não foi barbeiro do Euclides, da turma daqui de cima, vai. Mas do baixo meretriz, ele foi barbeiro de todo mundo. Até hoje, ele diz que toda a clientela dele já praticamente morreu todo mundo. Então, você acertou em cheio de fazer uma entrevista com ele. Eu não sei o que ele falou pra você, não sei se foi proveitoso, mas o que esse cara deve conhecer… conhecia de gente daí de baixo não tá escrito e ele tem boa memória. Deve ter ido bem com você, né?
P/1 – Sim. E a vida inteira você cortou com ele aqui…
R – Praticamente, foi com ele.
P/1 – E por que com ele?
R – Primeiro tinha outro barbeiro aqui que morreu, depois, passei para ele e fiquei e eu cortei cabelo sem ser com ele umas duas vezes na minha vida. Uma vez, eu tava na China, não tinha o que fazer, cortei o cabelo lá, quando eu voltei, ele quis bater em mim porque eu tinha corneado ele e outra vez, eu também estava nos Estados Unidos, eu tava em Atlanta, nunca me esqueço, tive que esperar o avião à noite, eu tava no hotel, não tinha o que fazer, eu vi um barbeiro lá, fui lá e cortei o cabelo. Aí, quando eu voltei lá: “Pô, mas você cortou cabelo com outro…”, aí eu tive que explicar pra ele, ciumento como ele só. Você acostuma, né?
P/1 – Vocês conversam bastante quando você vai lá?
R – Ah! Quando eu quero saber das novidades, principalmente, quem morreu, eu vou lá. Aí, ele já conta tudo. Sabe de tudo.
P/1 – E o Dante, você conheceu também?
R – Quem?
P/1 – O Dante, o sapateiro, que é na mesma rua do Vito.
R – É um cara meio novo, ainda?
P/1 – É, um moreno.
R – Porra, ele engraxou um sapato meu nesse escritório. Agora ele montou a lojinha dele, mas ele andava com a caixinha dele ambulante de armazém em armazém. Ele ia lá, engraxava e ia embora. Depois, ele montou lá o negócio dele. Faz uns anos aí que ele montou.
P/1 – E de bar, o quê que tem aqui de…?
R – Olha, a turma… o irmão do Vito barbeiro tinha um bar também que a gente frequentava, depois, ele ficou muito doente, parou com esse negócio. Agora, os bares mesmo, todos aqueles nossos antigos, os restaurantes, todos eles desapareceram. Nós tínhamos o Balila, que era o restaurante que a gente ia que era famoso, era uma cantina, ia muita gente, fechou. Ali embaixo também… mudou tudo. Nesses últimos dez, 15 anos, mudou. é tudo que virou restaurante de quilo, boteco só de chapa que a gente… não que exista algum preconceito, mas a gente não se misturava, então, tinha um bar lá embaixo, que a gente ficava tomando whisky e depois, não sei o que aconteceu que nós saímos de lá, aí no fim, nós viemos parar num bar aqui, que agora, ele fechou também, entendeu? E pouco antes dele fechar, começamos a criar juízo e paramos de beber.
P/1 – Mas quais lugares mais marcou você, que você acha assim, desses do bairro?
R – Era aqui, chamava-se… Bar da Bolsa, então era aqui. Aqui que a gente mais se encontrava. Tinha um bar ali embaixo que na época da campanha politica aqui do sindicato que só nos reuníamos à noite lá para fazer fofoca lá e não sei o que, mas foi pouco tempo. O pesado mesmo foi no armazém do Clovis Marchetti, que aí, a gente ia fazer todas as noites, até ele ficar doente, isso não tinha perdão, fechava o armazém, era sete, o mais tardar sete e meia todo mundo ia embora. E aqui nesse bar aqui do lado, que agora e uma bijuteria que tá aí, que a gente se reunia com alguns amigos, comerciantes, com o pessoal do banco aqui, ficava aí tomando whisky aí até oito e meia… aqui, o prazo já era maior, era no máximo, até às nove horas. Tinha um garçom que me servia e eu fui no médico e o médico falou pra mim: “Dadá, você só pode tomar três whiskies por noite”, e eu falei para o garçom, ele não deixava eu beber mais do que três whiskies. “A sua cota acabou”, ele falava porá mim: “A sua cota acabou, vai embora, vai embora”(risos).
P/1 – O próprio Arnone e a família dele tinham um bar ali, né?
R – Eles começaram, entendeu, o Arnone… que o Arnone é advogado, eles começaram lá com um restaurante, ali na rua Santa Rosa e depois é que eles se estabeleceram com cebola, ele, o pai dele e o irmão dele. Mas eles começaram acho que foi em 70 e pouco, maios ou menos, que eles começaram ali com o restaurante, depois, eles montaram a…
P/1 – E você foi nesse restaurante? Você conhecia?
R – Mas eu não conhecia o Arnone. Nessa época, não. Eu fui conhecer o Arnone depois que eles já estavam estabelecidos. Antes disso, não, do bar eu não me lembro dele.
P/1 – E a Associação São Vito, você frequenta?
R – Nunca frequentei. Para ser honesto com você, eu fui umas duas ou três… uma vez, eu fui numa festa lá que me convidaram, eu fui até junto com o Guilherme, pai do…
P/1 – Do Luiz.
R – Me convidou, tal, eu fui lá. Foi uma vez que eu fui numa festa, só. Umas duas vezes, eu fui… sexta-feira, lá, eles fazem um almoço, aquela italianada lá, aí eu não gostei muito do sistema. Então… ali, nunca foi o meu forte.
P/1 – Agora, você falou muito que gostava de pescar, né?
R – Gostava, não…
P/1 – Gosta ainda, né?
R – Eu tive um companheiro de pesca durante 30 anos. O dia que ele morreu, eu falei: “Eu nunca mais na minha vida vou pescar”, mas não aguentei, fiquei três anos inclusive, mas voltei inclusive no mesmo lugar em que eu pescava com ele. Um grande amigo meu, lá do interior. Pesquei muito nesse Brasil, aí. E muita desgraça que o homem fez, viu! Acabar com peixe que nem eles acabaram. Se não tomassem as medidas que eles estão tomando agora, daqui uns dias, você ia mostrar os peixes que nós tivemos aqui só nas fotografias.
P/1 – Mas quais eram os lugares que você mais gostava?
R – Ah, eu pesquei muito… começamos pescar ali na região de Capão Bonito, rio Paranapanema. Depois, nós começamos a ir pescar num lugar chamado Porto Murtinho, que é no Mato Grosso do Sul, divisa do Brasil com o Paraguai, mas nós pescamos uns 15 anos lá. Quando começamos a pescar lá, você andava cinco minutos de barco, pescava, pegava peixe pra chuchu, depois, quando foi no fim, tinha quer andar quase três horas de barco pra achar algum lugar que ainda existisse peixe, até o ponto de praticamente você não ver mais peixe, porque é um problema, o Brasil criou as leis nossas aqui, não proibindo pesca profissional, essas coisas, mas metade de rio pertencia ao Paraguai. Então, Paraguai metia rede lá, fazia o diabo, acabaram com os peixes do rio Paraguai, ali. Uma barbaridade. E ultimamente, tenho ido pescar no mato Grosso, no norte, um lugar chamado Porto Jofre. Você vai até Cuiabá, onde eu fui agora, no mês de março. Pescar é um belo divertimento, uma semana na beira do rio, lá… umas pousadas boas que tem, come-se bem, bebe-se bem, espera-se bem.
P/1 – E quais foram as pescarias que você mais se lembra, assim?
R – Em que sentido?
P/1 – De qualquer coisa que tenha te chamado…
R – Qualquer pescaria minha me deixou grandes lembranças.
P/1 – Mas o quê que você mais gosta? É pegar o peixe? Esperar, ir lá…
R – É ficar lá, entendeu, não é a preocupação de trazer o peixe para cá, não, é pegar só hoje, pegar e soltar… é um negócio que você, quando tá pescando, você só tem a sua cabeça voltada só para aquilo, entendeu? É uma higiene mental tremenda, você não pensa em coisíssima nenhuma, você só tá fixado ali para ver se o peixe belisca, para tirar o peixe. Você vai dormir pensando que no dia você tem que levantar cedinho pra ir de novo pescar, nove horas da noite você tá na cama, é uma limpeza na sua cabeça que eu vou te contar, você não pensa em nada.
P/1 – Agora, você parou de importar alho quando?
R – Faz uns três anos, eu resolvi me aposentar. Muitos problemas, cansou. Problema burocrático, principalmente… tudo só problema, é no porto, você não resolve nada se você não esquentar a mão de um, esquentar a mão de outro, isso aí me cansou, viu? Muitos anos você… tudo que você tem que fazer, tem que pagar, ou legalmente ou ilegalmente, então… falei: “O que eu tinha que fazer, eu já fiz e chega”, agora é pensar em viver mais um pouquinho aí e acabou toda a história, pensar em comércio, essas coisas, se existir, numa próxima encarnação, porque essa aqui, eu acho que já era.
P/1 – Você se aposentou. Como é que é o seu dia a dia hoje, Dadá?
R – O meu dia é esse que eu administro aqui o sindicato, entendeu, e acabou. Eu venho aqui, fico a parte da manhã aqui, almoço, tal, quando é três e meia, mais ou menos, mais tardar quatro horas, vou embora para a minha casa, fico em casa. E assim eu vou levando a minha vida, que também, isso aqui me toma o meu tempo e me distrai, entendeu? Porque eu não teria disposição de dizer: “Não vou fazer mais nada, vou ficar em casa”, aí eu morro. Então, eu tenho que ter uma obrigação e eu tenho essa obrigação, por enquanto, tô presidindo aqui, então, venho aqui, faço o que eu tenho que fazer, despacho com todo mundo, resolve os problemas que tem que resolver, tal. E a minha rotina virou essa daí.
P/1 – E toma todos os dias, de segunda à sexta, é isso?
R – Tudo. Todos os dias.
P/1 – Então, ainda tem bastante coisa para fazer?
R – É. A entidade é grande, né? Ela é grande. Então tem sempre aí… você vê, nós temos dois advogados aqui que trabalham aqui dentro. Então, todo dia eles estão me dando satisfação de uma coisa que eles estão fazendo ou não estão. Parte de tesouraria, secretaria, convite daqui… se eu for atender tudo que me convidam, eu… aí eu tô perdido, aí eu só vou ficar andando para todo mundo. Então, vem aqui: “Dispensa isso, diz que eu não posso, inventa uma desculpa”, hoje eu tenho uma reunião na Federação, que tinha marcado para ir, agora, vocês me fizeram o favor de vir aqui. Mas é de verdade, um favor de verdade, porque eu não tava muito a fim de ir lá, não.
PAUSA
P/1 – Você falou que se aposentou e tal, você não quer ficar parado em casa, mesmo? Não tem chance, né?
R – Tá louco!
P/1 – Você acha que vai mudar mesmo se você sair? Porque imagino que você não vai querer outro mandato ou você…
R – Aqui, o problema não é você querer, quem quer é a diretoria. Então, nós daqui dois anos vamos ter eleição. Evidentemente, que a minha posição é de que tenha alguém que queira me suceder, entendeu? Agora, as decisões sempre têm que ser unanimes, todas às vezes que foi época de eleição, que o pessoal achou que eu tinha que ficar, eu só aceitaria se fosse uma decisão unanime, se tivesse um que fosse contra, nós íamos ter que discutir bem esse assunto. Eu não quero, de maneira nenhuma, parecer um ditador, você entendeu? Determinar o que tem que ser feito e nem chegar e dizer: “Eu quero ficar” ou qualquer coisa que seja, não. Eu acredito que eu fiz a minha parte, também se precisar ficar mais um pouco eu fico, não tem problema nenhum porque hoje eu tenho tempo disponível, mas eu também tenho diretores aí que têm capacidade para continuar e para levar a casa adiante. Agora, isso é uma decisão de diretoria e não é minha. Eu repito, não sou ditador, não quero impor nada. Chegar na época, é aquele negócio, quem tem intenção de ser presidente? Tem que sair um candidato daqui e pode ser que haja um outro de fora aí, que queira fazer uma oposição, isso ninguém sabe, com o tempo, a gente vai saber. Então, essa é a expectativa.
P/1 – Acho que é uma pergunta que eu fiz da última vez, mas eu queria reiterar, que são as suas expectativas para a Zona Cerealista, na Santa Rosa enquanto território, enquanto comércio, o que você acha que vai vir?
R – Eu acho o seguinte, eu acho que se não conseguirmos nos juntar junto com o CEASA num local apropriado, todo mundo junto, isso aqui tá fadado a desaparecer.
P/1 – Enquanto zona comercial, você acha?
R – Como zona atacadista, ela vai se transformar, com certeza, num tipo de supermercado a céu aberto. Vai virar um varejão muito grande. Vai ligar mercado com eles lá, entendeu, que inclusive, ideia da prefeitura é mesmo fazer uma ligação do mercado para lá, entendeu? Não sei agora com o Sesc aqui como é que vai ficar, porque vai mudar muito a situação aqui em função, inclusive, do próprio Sesc, que vai ser construído aí onde era o Treme-Treme. Mas se não pensar em tirar o pessoal daqui, localizar em outro lugar mais estratégico, tal, isso aqui tem dias contados. E isso não é só a minha opinião, é a opinião de muita gente.
P/1 – E mesmo com isso, o sindicato não perdeu muito?
R – Não, porque o sindicato não depende exclusivamente da Zona Cerealista, entendeu? Já foi a época que o sindicato era da Zona Cerealista, hoje não. O sindicato hoje… a Zona Cerealista tem o quê? Quatrocentas empresas? No sindicato, são dez mil a base dele inteira. Então, não é mais… você não pode dizer que é um sindicato dos atacadistas daqui da Zona Cerealista, não, ele é do estado inteiro. Apesar que a maioria dos problemas estão aqui em São Paulo mesmo, né, que são os importadores, tal, mas não é que o sindicato dependa da Zona Cerealista ou a Zona Cerealista dependa do sindicato, não.
P/1 – Você acha que vai ser uma zona mais turística daqui a alguns anos?
R – Eu acredito que sim. Eu acho que isso daqui vai chegar ao ponto que como hoje, o Mercado é uma das atrações turísticas de são Paulo, eu não sei, eu tenho a impressão que no futuro, uma das atrações vai ser o Mercadão mais o Mercado à céu aberto, que vai ser a Zona Cerealista.
P/1 – E agora me diz, você tem algum sonho para o seu futuro? Quais são os seus sonhos ou projetos para o seu futuro hoje?
R – É aproveitar bem esses últimos dias que me faltam. Eu não sei quantos são, né, agora, quando eu tiver quase 100 anos, você me fala, que aí, eu quero dar um finalmente.
P/1 – Tá, então me conta como é que surgiu a ideia de fazer esse livro que a gente tá executando?
R – A ideia, na realidade, é minha, apoiada pelo Arnone e apoiada pelo Saporito. Por quê que nasceu essa ideia? A gente tá muito acostumado a ouvir que o nosso país não tem memória e a Zona Cerealista, a nossa Zona Cerealista aqui, o mercado atacadista de gêneros alimentícios de São Paulo, ele faz parte da história do Brasil e nós achávamos completamente inútil não deixar isso daí marcado, escrito, alguma coisa que alguém algum dia possa ler, possa se interessar e saber como é que começou tudo isso daqui, porque diga-se bem de passagem, isso são 100 anos que está aí, é pouca coisa que você vê aqui que se mantem por 100 anos. Você vai encontrar o quê? Uma igreja que tem 100 anos, você vai encontrar talvez um prédio que tenha 100 anos, mas você não vai encontrar uma atividade comercial, entendeu, ou melhor, tem outras atividades comerciais que tenha 100 anos também, agora, seria um crime você jogar tudo isso na lata do lixo. Eu sinto que isso aqui tá atrasado, isso aqui devia ter feito já uns 20 anos atrás, porque nós ainda teríamos a oportunidade de conversar, de pegar depoimento de pessoas que foram muito importantes para o nosso setor e que na realidade, já foram, partiram, faleceram, entendeu? Que saíram do ramo. Mas mesmo assim, eu tenho certeza absoluta que o meu sonho tá se realizando nisso, agora. Eu posso… existe aquele ditado que diz que você para ser um homem completo tem que plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Eu já plantei em árvore, que eu vivi em fazenda, já tenho os meus filhos, eu nunca escrevi, mas tô ajudando a escrever o livro, então, eu tô completo dentro desse conceito. Fui um cara como eu te expliquei, quando mais jovem, eu lia muito, eu com o meu pai, meu pai me… não é que o meu pai me obrigava a ler, eu via o meu pai ler, eu achava interessante e gostava de ler, lia muito e muitas das coisas que eu aprendi ou que eu sei e tal foi através de livros, não é o bê-á-bá não, são coisas que se passaram no mundo, histórias, o que foi? Foi o livro, foi ali que eu vi, não foi seriado de televisão, nem coisíssima nenhuma, foi no livro. Isso daí é uma coisa que eu acho… eu não acho, eu tenho certeza que alguém tinha obrigação de fazer uma coisa dessa. E talvez, eu tive sorte de ter essa ideia e ter como fazer esse livro. Eu acho que isso aqui será muito, muito interessante, pode não valer nada para ninguém agora, mas eu tenho certeza que para o futuro, vai servir para alguma coisa. O trabalho que vocês estão efetuando é maravilhoso, quer dizer, é coisa que leva tempo, é coisa que precisa ter paciência, que tem que saber o que tá fazendo, aliás, os meus cumprimentos a vocês, entendeu, a respeito disso tudo que vocês fizeram, eu não preciso nem revisar o que vocês fizeram porque eu tenho certeza que vocês fizeram o que é perfeito. Então, eu tinha um amigo meu de pescaria que ele usava uma frase que era completamente louca. Uma vez, ele foi pescar comigo e ele nunca tinha andado de avião e ele disse pra mim assim, ele me chamava de Dandá, ele disse: “Dandá, eu tô realizando um sonho do qual eu nunca havia sonhado”, eu achei profundo esse negócio que ele falou, que é uma contradição tremenda, um sonho que o cara nunca tinha sonhado. Agora, eu tô realizando um sonho que eu sempre sonhei, que era esse livro. Então, eu me sinto realizado, me sinto feliz e com certeza, alguns vão achar que não vale nada, mas eu tenho certeza que muita gente vai admirar o serviço, admirar aquilo que foi feito. Mas nós não estamos aqui para agradar, se nós conseguirmos agradar só os troianos, esquecemos os gregos; se conseguirmos agradar só os gregos, esquecemos dos troianos, é difícil agradar os gregos e troianos, né? Então, tá muito bom, se de 100, 20 gostarem já é uma vitória, mas tenho certeza que de 100, 90 vão gostar.
P/1 – Então, chegamos no final agora, você falou que queria dizer alguma coisa.
R – Não, na verdade, é o seguinte, só para falar, para completar tudo aquilo que você falou da minha vida. Eu fui um cara que eu posso dizer que vim de família humilde, família relativamente pobre, mas tive uma infância feliz, tive uma família feliz. Tudo o que eu quis, com toda honestidade, Deus me deu, me deu bons filhos, me deu boa esposa. Eu tenho um carinho muito especial por uma irmã minha, Bete é o nome dela, sempre me incentivou, sempre esteve do lado. Tenho as minhas duas filhas que sempre me apoiam, entendeu, em tudo isso que nós estamos fazendo, que eu comentei. Então, o que eu posso querer mais da minha vida? Eu acho que nada. Se a população do mundo tivesse a felicidade de viver o que eu vivi, não existia nenhum infeliz no mundo. É com isso que eu queria encerrar.
P/1 – Tá certo então. Obrigado, viu, Dadá.
R – Espero que tenha sido do agrado de vocês.
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