Ponto de Cultura Museu Aberto
Entrevistado por Giselle Rocha e Mariana Caselato
Depoimento de Adriano da Silva
São Paulo
29/07/2009
Realização Museu da Pessoa
Entrevista PC_MA_HV188
Transcrito por Keila Barbosa
P - Queria começar agradecendo sua presença, vir aqui contar a sua história pra gente.
R - Muito obrigado.
P - Para começar, a gente queria que você falasse seu nome completo, cidade, e ano e data do seu nascimento.
R - Eu começo a falar o meu nome? Bom, meu nome é Adriano da Silva. Sou nascido aqui mesmo na grande metrópole, capital de São Paulo. Nasci a seus exatos... bom, em primeiro lugar eu quero agradecer ao convite do Museu da Pessoa, e toda a equipe técnica. Eu me chamo Adriano como eu já falei, e eu nasci na grande São Paulo, na manhã, às oito horas e quarenta minutos, no Hospital Santa Terezinha, não mais existente, certo? Dia 3 de julho de 1972. Sou filho primogênito da família, sou o mais velho. Tem o outro, o Jânio, que é dois anos mais novo que eu, que a gente quase não se fala; e o meu pai, Manoel Almeida, paranaense, descendente de brasileiros, já falecido, recentemente, e a minha mãe baiana, é descendente de brasileiros também. Em termos dos pais do meu pai, eu praticamente não conheci nenhum, eles já faleceram. Da minha mãe, eu só conheci a minha avó. Meu avô faleceu dois meses antes de eu nascer, faltando dois meses para eu nascer. O nome do meu avô parece que era Herculano, esse eu não cheguei a conhecer, e parece que não tem foto dele, se é que tem, eu acho que é lá com as minhas tias, e eu só tenho meu avô materno, por parte de mãe, que é o senhor Pantaleão, já falecido. Esse retrato eu tenho, inclusive eu tenho uma prima carnal que tem esse retrato em preto e branco do seu Pantaleão. É, pele bem clara, já de idade. Inclusive Pantaleão é lembrado por um personagem de televisão, que era do Chico Anísio, na época fazia o personagem do seu Pantaleão, que era bem engraçado....
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Entrevistado por Giselle Rocha e Mariana Caselato
Depoimento de Adriano da Silva
São Paulo
29/07/2009
Realização Museu da Pessoa
Entrevista PC_MA_HV188
Transcrito por Keila Barbosa
P - Queria começar agradecendo sua presença, vir aqui contar a sua história pra gente.
R - Muito obrigado.
P - Para começar, a gente queria que você falasse seu nome completo, cidade, e ano e data do seu nascimento.
R - Eu começo a falar o meu nome? Bom, meu nome é Adriano da Silva. Sou nascido aqui mesmo na grande metrópole, capital de São Paulo. Nasci a seus exatos... bom, em primeiro lugar eu quero agradecer ao convite do Museu da Pessoa, e toda a equipe técnica. Eu me chamo Adriano como eu já falei, e eu nasci na grande São Paulo, na manhã, às oito horas e quarenta minutos, no Hospital Santa Terezinha, não mais existente, certo? Dia 3 de julho de 1972. Sou filho primogênito da família, sou o mais velho. Tem o outro, o Jânio, que é dois anos mais novo que eu, que a gente quase não se fala; e o meu pai, Manoel Almeida, paranaense, descendente de brasileiros, já falecido, recentemente, e a minha mãe baiana, é descendente de brasileiros também. Em termos dos pais do meu pai, eu praticamente não conheci nenhum, eles já faleceram. Da minha mãe, eu só conheci a minha avó. Meu avô faleceu dois meses antes de eu nascer, faltando dois meses para eu nascer. O nome do meu avô parece que era Herculano, esse eu não cheguei a conhecer, e parece que não tem foto dele, se é que tem, eu acho que é lá com as minhas tias, e eu só tenho meu avô materno, por parte de mãe, que é o senhor Pantaleão, já falecido. Esse retrato eu tenho, inclusive eu tenho uma prima carnal que tem esse retrato em preto e branco do seu Pantaleão. É, pele bem clara, já de idade. Inclusive Pantaleão é lembrado por um personagem de televisão, que era do Chico Anísio, na época fazia o personagem do seu Pantaleão, que era bem engraçado. Então, é a única pessoa em retrato que eu conheci, que é pai da minha avó, que essa eu também conheci, já faleceu também. Enfim, eu nasci assim, um tanto assim, saudável, tudo, aos primeiros anos de idade eu adquiri a primeira doença, bronquite, bronquite alérgica, que eu adquiro até hoje, só que depois de muita “remedaida” que eu tomei, muito, muita coisa, desde os remédios de farmácia, os caseiros, de todo jeito, ela só deu mesmo uma parada mesmo a partir de 2003, ou seja, há seis anos. De vez em quando me ataca, mas é bem fraquinha. Enfim, eu praticamente nasci na época do militarismo, ano em que a televisão em cores veio para o Brasil, em que o Brasil era governado pelo Presidente da República, que eu não conheci, não cheguei a conhecer, mas já ouvi falar do tal de [Emilio] Garrastazu Médici. É que o Governo do Brasil, naquela época, foi a época da novela Selva de Pedra, Francisco Cuoco, que eu não cheguei a assistir, aquele filme Independência ou Morte, também, enfim... Em termos de fotografia, dessa época em que eu nasci eu não tenho, só dos três anos para cá. Aos dois anos de idade, a minha mãe deu à luz o segundo filho, Jânio da Silva, está aí vivo, está bem, e está vivendo com uma mulher, e é só. A partir dos três anos de idade, meus pais me batizaram na Igreja Nossa Senhora de Fátima, lá mesmo, na Zona Leste, São Miguel, a Igreja Nossa Senhora de Fátima, em São Miguel Paulista, na manhã ensolarada, estava bem quente, eu até me lembro que... como é que diz, eu fui só com o sapato preto, meia, que na foto mostra, mas só que aí é em preto e branco, e short e camisa. Estava meio quente, meus pais e meus padrinhos não tinham dinheiro para pegar condução, então nós fomos a pé. A gente morava na Vila Mara, então fomos a pé dali... É uma subida, até hoje existe essa Igreja, é uma Igreja antiga, Nossa Senhora de Fátima. Aí nós fomos lá, e eu fui batizado nessa Igreja aí, o nome do Padre parece que era Falcão, ou coisa assim, Padre Falcão, que anos depois eu soube da minha madrinha, minha finada madrinha, que faleceu também recentemente, que esse Padre morreu, mataram. Então, aí não teve mais filho nenhum. Aí, a minha vida se sucede, minha vida foi de altos e baixos, sofrido também, muito sofrido, muito... como é que diz... muito preconceituoso, enfim, altos e baixos, como qualquer um enfrentou... problemas de saúde, tive muitos problemas de saúde, não só bronquite, como outras coisas mais, que mais à frente eu pretendo contar nesse instante, nesse autêntico receptor.
P - Aproveitando que você falou bastante de sua família, seus pais não são de São Paulo? Você sabe um pouco dessa chegada deles aqui, eles vieram para São Paulo por algum motivo? Você sabe alguma coisa dessa história?
R - Meu pai ele veio para São Paulo em busca, como qualquer um hoje em dia, veio apesar da crise de emprego, ele veio para cá só para trabalhar, meu pai e minha mãe, assim como os sobrinhos deles também vieram para cá para trabalhar.
P - E você sabe como eles se conheceram?
R - Olha, aí é difícil, viu? É difícil porque a minha família é um pouquinho desestruturada. Meu pai tinha muita facilidade, qualquer lugar que ele chegasse ele fazia amizade. Ele conversava, qualquer coisa, ele falava assim: “ô Paraná...” Chamavam o meu pai de Paraná, paranaense... Meu pai frequentou alguns clubes, como Clube da Nitro Operária, que está meio extinta, já demoliram boa parte, porque era uma firma grande, e ali tinha um Clube da Nitro Operária, e tinha e tem ainda. Acho que foi numa escola que o meu pai conheceu a minha mãe, tinha um Professor, que eu também cheguei a estudar com ele, o Professor José Dias. E eles namoraram, meu pai mais ou menos acho que chegou a levar ela pra esse salão da Nitro Operária, que é um clube grande, inclusive esse Clube está lá até hoje, está abandonado, e está uma polêmica, porque, dizem que, pelo abandono, inclusive eu andei lá já, anos depois, quando eu tinha 22 anos de idade, em plena um época de crise, que eu estava na pior, eu estava na perdição, estava mal mesmo nessa época. Eu cheguei entra lá, participar de umas atividades religiosas e aí eu conheci esse clube, em que eu nunca tinha entrado, para mim foi uma surpresa. Esse salão está abandonado lá, e eu não sei se vocês aqui ouviram falar, no Programa Brasil Urgente, lá do Datena, que disse que está abandonado e o povo está querendo demolir, porque disse que ali entra maníaco, homem ali querendo atacar as mulheres que passam na rua, durante a noite. Acho que você já deve ter ouvido falar isso na televisão. Bom, só sei que o clube velho abandonado ainda está lá, não demoliram. Aumentaram o muro, mas depois demoliram e aumentaram de novo, inclusive ali, há 15 anos, era uma pista, era apenas uma ruazinha de barro, que descia as escadas. Demoliram e fizeram uma pista que passa ônibus, caminhão, tudo... Bem movimentado ali. Mas ainda continua sendo pobre.
P - Você cresceu nessa região... O que você lembra dessa época de pequeno, com seu irmão, o que vocês brincavam, faziam quando eram pequenos?
P - Quando se trata desse assunto, é um assunto um tanto delicado, é o assunto que eu mais gosto debater, porque quando nós éramos crianças, eu tinha outra cabeça. Eu era moleque, eu brincava, bagunçava, aprontei muito quando eu era moleque, era bem danado mesmo, era terrível mesmo, e como diz o dizer, eu era feliz e não sabia. Eu assistia televisão, minha televisão era preto e branco, e eu me lembro um detalhe aqui, que é o meu rádio, que muito de minhas entrevistas que eu faço na minha rádio e nas filmagens... Um detalhe, a gente não tinha televisão em casa, e minha mãe sempre me levava para assistir televisão na casa de uma colega dela, e o nome dela era dona Dora, nem sei se ainda é viva, nunca perguntei. Essa senhora Dora sempre brigava com os filhos porque eles brigavam comigo, por causa da televisão. Eu ia, minha mãe, parece que o meu pai, assistir. O Jânio, como era muito pequenininho, não ia. A gente assistia lá, só que esse detalhe eu não me lembro mais, não me lembro. Mas eu me lembro de coisas do arco da velha, de 20, 30 anos atrás, só falta dizer que 40, eu não era nascido ainda... A gente ia lá, era sempre esse desentendimento, segundo conta a minha mãe. Aí depois passou um tempo, minha mãe, a dona Dora conversou com o meu pai, tudo, a respeito da televisão, e o meu pai resolveu dar um jeito naquilo, resolveu acabar com aquilo e comprou uma televisão, televisão preto e branco, Philco, na época, assim, meio de madeira. Calculo eu que deveria ser a televisão de 29 polegadas, porque ela era bem grandona, aquela televisão de mudar o canal, que era muito comum na época, e chique também, sabe. Então, eu nem me lembro como é que foi que essa televisão chegou em casa, essa parte eu não me lembro. Eu assistia os programas de televisão, como Vila Sésamo, preto e branco... Vila Sésamo e outros programas, filmes, Sítio do Pica Pau Amarelo. Eu tive infância sim, tive muita infância, eu fui moleque, eu fui menino, brinquei muito, curti muito a minha infância, e eu confesso uma coisa, apesar da idade que eu estou... Bom, como é uma ocasião bem especial e delicada, acho que eu devo falar a idade, né? Trinta e sete. Mas eu ainda tenho aquele menino dentro de mim. Espero nunca apagar aquele menino que um dia foi feliz e se apagou, mas eu procuro manter aquele garoto vivo dentro de mim.
P - Adriano, você falou que fazia muita travessura. Que travessuras eram essas? Eram na rua, eram dentro de casa? Que brincadeiras de rua que você lembra...
R - Ai, ai ai, ai (risos). Eu seleciono várias. Eu queria que tivesse assim uma fita de vídeo, uma coisa dessa época. Eu, por exemplo, brincava de esconde-esconde, pega-pega até os 13, 14 anos de idade, brincava de esconde-esconde, pega-pega, e inclusive, aquele ditado que diz: “O passado pega vocêde jeito, querendo ou não.” É que prá eu falar, assim, a fundo, as travessuras, as coisas erradas que eu fazia, é um pouco delicado, porque tem pessoas que muitas vezes se aproveitam da imagem para poder falar. Teve uma vez, estava eu e o meu irmão, o Jânio, na casa de uma colega da minha mãe, que era da umbanda, que a minha mãe era da umbanda, hoje ela é protestante evangélica, meu pai também, morreu evangélico, só eu que sou católico praticante já há dez anos, completou em janeiro, enfim... Eu e o Jânio ali na casa dessa colega dela, e o marido dela também estava lá, finado seu Domingos. Eu estava ali, brincando tinha um jardim, uns pés de mamão, e o meu irmão foi o primeiro a achar, pegou um pedaço de pau, e cortou todinho. Aí me chamou, eu fui e cortei. Quando a gente bagunçou, cortou tudo, seu Domingos perguntou assim: “Escuta aí, quem foi que quebrou os meus pés de abóbora, hein? Quem foi?” A gente ficou sem jeito e sem saída, eu falei assim: “Entra pra dentro, vai, antes que eu meta a mão na sua cara, vai seu filho da mãe.” (risos) Entrei e eu falei com a nossa mãe, aí a dona Raimunda, que estava do lado, foi lá ver (risos)... Quando ela chegou, voltou, ficou em pé e começou (risos)... Meu Deus do céu, tirou o cinto da calça e começou a bater no meu irmão (risos)... Só que foi brincadeira, não ia fazer isso. Meu irmão ficou ali com cara de choro, com medo e tudo (risos). Eu vendo tudo, filmando tudo, Depois disso, nesse momento não lembro o que aconteceu... Isso tem o quê, se não me engano tem ou 30 ou 31 anos. Eu acho que isso tem uns 31 anos. Eu tinha o quê, na época? Seis anos de idade? (risos) Aí ficou por isso mesmo. Quando nós fomos embora, que a casa deles era um corredor, era uma casa muito boa, ficava em frente ao Pronto Socorro. O Pronto Socorro que agora virou um velório, acho que tem uns 30 anos aquele velório ali. Já entrei ali também. Nós passamos ali, aí a dona Raimunda foi ver o que a gente tinha feito, a minha mãe falou assim: “Meninos, vocês quebraram o pé de mamão do homem...” A dona Raimunda olhou, falou assim: “Agora não presta mais...” Viemos embora (risos). Depois tiveram outros fatos semelhantes. Repreensões, tudo, mas era bem de vez em quando. Ontem, como eu estava me preparando para vir para cá, eu pensei: “Eu acho que amanhã eu vou falar lá na hora da entrevista, vou falar isso na hora da entrevista”. Pensei assim: “Caramba, interessante, a gente cresce, fica adulto, querendo ou não o passado te apanha...” Geralmente é um passado ruim, passado recente, passado de uns 15 anos atrás, geralmente é só ruim. Recentemente eu tive, há poucos anos atacou a segunda depressão, já tem cinco anos que eu estou com essa depressão. E foi ainda mais terrível do que a primeira, porque já é a segunda. Eu fico assim como um velho de 80 anos, ou 97 anos, ou seja, sente uma coisa, sente outra. Eu não queria falar, mas a depressão é sempre assim, quando pega, ataca mesmo, bagunça a cabeça, a mente todinha da gente, fica que nem velho, não pode sentir isso, não pode sentir aquilo que já fica alarmado. E é assim, no meio dessas agitações, quando você está na pior, que você relembra as coisas boas do passado e, é claro, as coisas ruins também. Porque infelizmente faz parte. Veja bem, eu contei esse detalhe, é uma lembrança que eu não dou tanta importância, porque eu não vou ficar lembrando de uma festa que eu fui, de um casamento que eu fui recentemente, uma formatura que eu fui recentemente, uma atividade que eu fui recentemente, porque é uma coisa que tem gravado, tem vídeo, tem foto. Mas quando você tem um passado que você não dá tanta importância, é bobeira, é besteira, aí é que vem. Acho que também já aconteceu com vocês, o telespectador que está me assistindo, ao vivo, pela Rede Nacional, que é ao vivo, deve, então, também sentir isso aí, é natural do ser humano.
P - Adriano, eu não sei se na Região de São Miguel, que você mora, passa o rio perto... É uma região que chega o rio Tietê? Fica perto de você?
R - Sim, é próximo, um pouquinho.
P - E você passou a infância lá? Você brincava lá no rio? Você lembra?
R - (risos) Boa pergunta, é uma pergunta muito rara, essa. Passava com os colegas para brincar, jogava pedra ali no Tietê. Eu me lembro que teve um detalhe, que eu cheguei, quando não tinha casas ali, antes de construir umas casas ali, era barro e tinha argila. Teve um colega que chamou a gente para pegar argila. Já ouvi falar de algumas histórias no Tietê, mas geralmente era mais na rua mesmo que brincava, ali próximo de casa. Eu era menor, moleque, não podia... Quando eu morava na Rua Doutor Guilherme Eiras, eu não saía de dentro de casa. Quando eu tinha três anos de idade, quatro anos de idade, a gente morava na Vila Mara, pelo que eu me lembro. Eu nasci em 72, meus pais moravam perto do Pronto Socorro de Itaquaquecetuba, que ainda tem, foi a primeira casa, quando eu era recém-nascido. Eu nasci no dia 3, dias depois, no dia 7, meu pai foi no cartório fazer o registro. Eu era bem pequenininho, eu estava no berço de ferro, de cordão... Era casa de aluguel, estávamos sofrendo muito financeiramente para pagar o aluguel e a mulher já queria logo a casa, e eles mudaram, segundo conta a minha mãe. Mudaram. Botaram as coisas, eu não sei se foi de carro ou de carroça, só sei que eles mudaram ali pela Pracinha da Paz. Moraram ali por um tempo, depois mudaram, foram para uma outra residência, que eu sei mais ou menos onde é. Eu deveria ter uns três anos de idade, foi na Vila Mara, os donos da casa moram lá até hoje. A mulher não gostava de mim, não gostava do meu irmão, porque a gente brincava com a filha dela, e a gente não podia sair para a rua, era pequeno. Aí a minha mãe tinha que enfrentar as reclamações dessa mulher, dona da casa, por esse motivo. O marido dela era o seu Valdir, que meus pais chamavam de Vadinho, e ele era muito bacana, muito legal, e ele só tinha só essa filha. Eu também lembro, tenho vagas cenas desses momentos. Sei que o muro ali, até hoje tem esse muro, que é onde passava o trem, e passa ainda o trem. Saudades... Aquele ator que faleceu com 85 anos, que morreu há dois anos, o ator Paulo Autran, era um grande ator. E ele recitava uma poesia muito bacana... Saudade... como era o nome daquela poesia... Saudade da minha infância, aurora querida... Ele citava essa frase... Porque quando a gente é criança, tem muitas imaginações. Então, nós moramos aí. Quando a gente ia para a cidade, passar em alguma consulta médica, meu pai saía junto: eu e meu pai, o Jânio e a minha mãe, para pegar o ônibus. Lá tinha um monte de árvores, agora cortou tudo, disseram que iam construir apartamentos. Bom, resumindo, meus pais mudaram daí e foram lá pra Rua Doutor Guilherme Eiras, próximo ao Pronto Socorro. E por incrível que pareça eu me lembro dessa mudança. A mudança foi de caminhão, debaixo de chuva. Eu fui o primeiro a entrar dentro de casa, porque estava chovendo e eu vendo meu pai junto com os homens, fazendo a mudança, pondo as coisas para dentro. Pois é. E então, essa parte é o que mais eu lembro, em termos de infância... Só saía quando a minha mãe saía para varrer a calçada, a gente saía, eu e o Jânio, para brincar. Quando a minha mãe entrava, tinha que entrar também. Beleza. Daí fomos para a Rua Dário Ferreira Martins, número 357, que tem o 357 até hoje, já tem quase 30 anos. Aí que a gente começou a sair mesmo para fora. O tempo foi passando, a gente foi crescendo um pouquinho, foi saindo, mas era aquela restrição. Meu pai e a minha mãe brigavam e faziam a gente entrar. Acho que acostumados a ver a gente na outra casinha, eles se esqueciam que o tempo passava e que a gente ia evoluindo um pouquinho, evoluindo... Então, tive muita amizade ali também, e daí vai...
P - Nessa época você já ia para a escola? Com que idade?
R - É, como qualquer menino, eu fui para o pré aos seis anos de idade, com seis anos não, nem sei com que idade um menino vai para o pré, parece que é seis anos mesmo, né? Não sei, eu não tenho filho, não sou casado ainda... Eu acho que fui para o pré com seis anos, mas eu bagunçava muito, bastante mesmo, brigava muito, fui expulso. Aí eu fui para a escola grande, a escola Eça de Queiroz, acho que seis anos mesmo. Quando eu fui para a Eça de Queiroz, eu não sei se foi um ano depois, acho que foi em 78, ou 79, eu teimo que foi em 78, eu tinha seis anos... Lá a professora foi mais rígida comigo, me dava bronca, puxão de orelha, era um exército, uma infantaria... Aí com o tempo me acostumei.
P - O que você lembra da escola, a sala de aula, ou lá quando você era pequeno, a professora.
R - Olha... como que é o seu nome?
P - Gisele.
R - Gisele, olha, essa parte aí, Essa fase foi a fase mais feliz da minha vida. Eu não tenho nem palavra pra dizer, foi a mais feliz mesmo, sabe como é que é? Eu, como qualquer menino, não tinha passado, não tinha futuro, eu era só presente, alegria... Via as coisas mudarem. Fui fazendo amizade, naquela época era uma rigidez, porque andava de avental branco, toda a escola de São Paulo tinha que usar avental branco. Era até o dever e o direito de um aluno. A calça poderia ser qualquer uma, a calça poderia ser social, jeans, usava tênis, tênis Bamba, Montreal e Kichute. Usei muito Kichute, calça jeans e o avental fino branco, coisa que sujava, mas tinha que ser o avental branco, e a todo instante eu sujava, corria, brincava, os meninos jogavam suco, sopa em mim, porque a merenda escolar era sempre sopa, naquela canequinha de ferro (risos). Teve um detalhe, era obrigado a tomar sopa (risos). Tinha um colega, eu sempre andava com ele. Nos intervalos, no recreio, ele fazia um negócio que eu não agüentava, dava risada, ele tomava sopa e, quando ele não queria mais, pegava a caneca e deixava ali, largava num canto, escondido. Quem quisesse que fosse lá pegar e levar embora (risos). Eu, apesar de menor, entendia, eu falava comigo mesmo: “O menino, nessa idade, está fazendo coisa de adulto, toma a sopa, a caneca e não quer mais e deixa”. Aliás, jogava ali. Ele tinha essa coragem, eu não tinha. Foram muitos momentos muito felizes, marcantes nessa escola, que ainda tem até hoje, Eça de Queiroz. Fiquei boa parte do meu tempo estudando, não fiquei pulando de escola em escola. Quando eu saí do pré e fui para o Eça de Queiroz, eu fiquei lá até os 12 anos. Depois, eu fui para a classe especial, para crianças que tinham dificuldade de entender as coisas, de aprender as coisas. Eu, por exemplo, tinha dificuldade de raciocinar, de entender as coisas, aprender. Então fui para essa classe e foi o momento mais terrível, porque os alunos não gostavam de mim. Eu tinha 9 anos de idade e a maioria ali não gostava... Eu ficava sozinho, ninguém gostava de brincar comigo. E eu pensava comigo, eu estava nas outras classes e todos meninos brincavam comigo, e eu vim para essa porcaria e ninguém gosta de mim, e ninguém brinca comigo. A maioria era tudo marmanjão, adulto e tudo, e eu era pequenininho. Ali era menina, era moça, era meninão... Tudo vindo me bater. Chamava a minha mãe para reclamar, mas não adiantava, continuava do mesmo jeito, me apelidavam e tudo. Apelido nunca me faltou, e como tem um ditado que tudo na vida passa, nessa época também passava. Hoje, de uns poucos tempos para cá, a situação ruim parece que é eterna, fica a vida toda. Na classe especial eu fiquei praticamente o mesmo tempo que eu fiquei nessa escola. Na classe especial foi dos nove anos de idade até os 12 anos, e sempre repetia, nunca passava de ano.
P - Adriano, você estava contando da sua escola, quais são as suas memórias que você tem da escola, festa...
R - Vocês querem me matar de emoção, viu? É o momento que eu mais gosto. Momentos bons, felizes, são vários. Quando eu tinha dez anos, onze anos de idade, eu lembro que foi uma festa junina, há vinte, vinte e tantos anos atrás. Praticamente a escola toda estava em festa, e a minha professora, que era muito vaidosa, muito criativa, tirou fotoda classe. Os meninos vestidos de palhacinhos. Minha mãe fez umas coxinhas e botou num pires para levar, cobriu com um pano, um paninho branco e azul escuro, para levar. E eu, como estava acanhado, falei assim: “Não mãe, vamos comigo na escola”. “Tá, eu vou com você, mas só que chegando lá, eu te entrego.” Demorou um pouquinho, veio um vizinho, o nome dele era Gui, Wagner, é vivo até hoje, só que mudou de lado. Ele foi também, levando uma bandeja cheia de coisas, e foi fantasiado de palhaço. Quando eu olhei aquilo, me deu coragem, e eu fui. Cheguei lá, os colegas todos em festa, vestidos de palhacinhos, a professora tirou foto nossa, da classe, das serventes. Na quadra teve alguns torneios, e eu participei de alguns, ganhei, a molecada pulava em cima de mim, falava assim: “Aí, Adriano, valeu.” Esse foi um momento, mas tive outros, eu brinquei muito, fui tratado como menino, criança, nunca trabalhei como adulto, sempre fui menino, briguei, aprontei, e confesso uma coisa, foi uma época dourada, eu costumava dizer em uma das minhas gravações, o tempo que os sonhos eram dourados. Anos 70, anos 80, dourados, imitando aquela novela Anos Dourados, aquela minissérie que passou na Rede Globo. Eu me senti muito bem, como diz aquela moça, ninguém matava, ninguém morria, ninguém tinha depressão, ninguém tinha doença, era só alegria, felicidade... Hoje em dia é um povo doente, hoje em dia é tristeza, é tanta coisa. Eu confesso, nessa época eu não via praticamente nada disso. Eu acho que, se eu pudesse estarem uma máquina do tempo e reviver aquele momento, acho que reviveria um pouco, respiraria um pouco mais aliviado. Pena que não existe fita de vídeo, a não ser umas fotos insignificantes, três por quatro, que eu tenho. Eu tinha até esquecido as festas de amigo secreto que os vizinhos lá faziam. Eu, meu pai, minha mãe e o Jânio participávamos, nas madrugadas. A gente ia pras festas de amigo secreto. Meu pai bebia muito nessa época, a ponto de ficar bêbado. Quando não eram os vizinhos, eram os parentes dos vizinhos. A gente passava na noite ali dançando, as músicas do saudoso e finado Luiz Gonzaga. Luiz Gonzaga, Agepê, Martinho da Vila. A gente madrugava, quando terminava a festa eu voltava para casa com um pouco de medo, meio triste, por causa do meu pai. Ele bebia muito, atormentava a gente, não deixava a gente dormir, fazia coisas que não devia. Mas fora isso, eu sou franco em dizer, não tem nem comparação, foram momentos felizes, não tem nem comparação os momentos de hoje, ou os anos 90, ou recentemente. Porque para mim, anos 70 foram anos felizes, anos dourados mesmo. Agora, anos 90 prá cá, foi de treva, momentos terríveis. Coisas que eu nunca havia passado antes, nunca imaginei, e nunca ia imaginar que fosse passar.
P - Adriano, como é que surgiu esse interesse por televisão, por novelas?
R - Meu interesse? Apesar de eu viver momentos difíceis... È como quando estoura uma guerra... Nas imensas guerras, destruição, vem também o quê? O lado bom. E o que é? A evolução, a tecnologia, e os avanços da modernidade. No meu caso, em meio a sofrimentos, decepções terríveis, depressão, essas coisas, a partir do momento em que eu apareci pela primeira vez numa fita de vídeo, em uma câmara de filmar, foi um momento bom, foi um momento, assim, impressionante para mim, incrível. Eu posso dizer, eu não voltei mais a ser o mesmo, eu amadureci mais a partir do momento que eu estreei em vídeo pela primeira vez. Eu tinha 17 anos, completos. Foi aí que começou esse outro lado. É meio delicado falar isso aí, mas é uma coisa que está na moda, e em rede nacional. Eu entrei para a Seita Evangélica, eu havia entrado para a Seita Evangélica fazia um ano, eu entrei com 16 anos, me converti. A princípio foi muito bom, foi bacana. Um ano depois, na noite de 29 de julho de 1989, eu cheguei dentro da Igreja O Brasil para Cristo, da Rua Chacuru, número 43, na Curuçá Velha, São Miguel Paulista, tem até hoje, mas mudou muito. Ia ter um casamento de dois jovens, o Joel e a Maria. O Joelzinho na época tinha 22 anos e a Maria, a mulher dele, tinha 19. Eles são casados até hoje. Teve um tempo aí que eles se afastaram um pouco, eles se separaram, mas depois eles voltaram, e têm dois filhos. Então eu cheguei lá, usava uma calça de brim que eu já usava antes de ser evangélico, o sapato eu já não me lembro como é que era, eu acho que era tênis, a calça era de brim, preta, a camisa era amarela, que era do meu pai, US Top de colarinho e botão, e uma jaqueta preta, que fazia um ano que eu tinha comprado. Eu cheguei, fiquei ali perto de um casal que havia se casado um ano antes, foi o primeiro casamento que eu fui. Aí os noivos vieram, eu sentei e falei assim: “Ah, caramba, olha onde eu vim sentar rapaz, aqui não vai dar para eu ver quase nada, de tanto de gente que tem aqui na frente, não vai dar para eu ver quase nada.” Mas aí já era meio tarde para eu sair, os noivos já estavam chegando. Quando os noivos já estavam chegando, nós ficamos em pé. Eu fiquei em pé, a câmera estava filmando, e aí aquilo ali para mim foi uma exclusividade: “Olha, rapaz.” A câmera estava em cima do altar, do púlpito, ela virou devagarzinho, eu também virei. Aí os noivos vinham descendo, os noivos desceram, eu saí dali, fiquei um pouquinho e depois fui para a galeria. Fui para a galeria e ali eu fiquei até o final do casamento. Na hora da saída eu corri, eu fui educado, cumprimentei os noivos... Se você vir o DVD, dá para ver, um pouquinho mal, a hora que eu estou cumprimentando os noivos, na hora que eu estou saindo. Não estou me gabando, não. Eu era bem mais novo, estava com um bigodinho, eu estava aprendendo fazer a barba naquela época. O noivo convidou todo mundo para ir para a recepção. Eu apareço também, na recepção, um pouco de longe, mas apareço. Fiquei na recepção e fui para a vigília que teve lá, fui para uma vigília e aí madruguei. Quando foi no outro dia, eu voltei para casa, minha mãe me fez ir para a igreja, que tinha que tomar a ceia lá, eu não queria ir mas ela forçou a barra. A minha mãe até falou: “Não, de jeito nenhum, se apressa pra ir.” Eu fui, com aquela raiva, mas eu fui. Cheguei e encontrei o menino Fernando, que era parente do casal, que estava indo embora para casa. Ele e mais outra moça. Falei: “Vocês não vão para a igreja, não?” “Não, estou quebrado, fica para outro dia.” Eu fui. Você vê como são as coisas, esse rapaz inclusive já faleceu, já morreu. Resumindo, a partir daí, veio a paixão, o amor pelo negócio. De lá para cá foram outras igrejas, formaturas, festas, aniversários, entrevistas, eventos, acontecimentos. E em meio a tudo isso, um detalhe, eu estou aqui, dando essa entrevista pela primeira vez aqui no Museu da Pessoa, que, aliás lembra um pouco televisão, que passa na TV Cultura, aagora com os seus 40 anos. Depois, de lá prá cá, dez anos depois, dez anos depois, eu participei de umas filmagens também na escola, mas eu me arrependi... Não sei há quanto tempo vocês começaram com esse negócio de filmar, se seu soubesse, eu teria feito, movido montanhas para fazer uma comemoração de dez anos que eu apareci pela primeira vez, como eu estou aparecendo hoje. Pois é, mas dez anos depois, em 22 de agosto de 2000, pela primeira vez eu participei de um programa de televisão, e foi o nosso tempo da TV Record Canal Sete, apresentado pelo Bispo Clodomiro Santos que falava sobre o menor infrator.
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