Meu nome é Nataniel Tadeu de Torres Vieira. Hoje é dia 23 de Julho de 2020, e esse é o primeiro dia da minha jornada. Rememorar a primeira lembrança dessa vida é fácil porque faço esse exercício frequentemente, de mergulhar nas memórias remotas. Sou naturalmente nostálgico. Fecho os olhos e já estou lá. Casa da infância. Aquele quarto-sala de taco, banheiro de azulejo cor de rosa, varanda com piso de cacos vermelhos, quintal acidentado, jardim, plantas todas mais altas que eu.
Devo ter uns 3 anos. Minha mãe está estendendo roupa na varanda. Estou peladinho na sala. Acabei de tomar banho. Sozinho! Estou com muito frio. Grito pelo meu pai:
- Pai! Pai! Me traz o cobertor. Estou com frio. Meu pai começa a correr para atender o pedido. Passa apressado pela sala e vai até o quarto. "Ele está demorando!".
- Pai quero o cobertor! "Espera aí, a palavra é cobertor? Se a gente está com frio se esquenta com cobertor, mas se tomou banho a palavra não é essa. Qual é a palavra? Nossa! Que frio!" Estou tremendo. O frio dói. Que sensação chata!
- Pai me traz o cober..."Não é cobertor". Eu estou com frio. Minha mãe lá fora, indiferente, sempre atarefada, e meu pai remexendo sei-lá-o-quê no outro cômodo. Ouço barulho de gavetas, portas de guarda roupa. "Qual é a palavra?"
- Pai, quero cobertor! - berro. "Mas, não é cobertor que eu quero". Meu pai traz uma manta, preocupado em sanar meus tremores. Embrulho-me avidamente. Começo a me esquentar. "Mas esse tecido é ruim pra secar. Que sensação estranha estar molhado no cobertor. Dá até uma aflição. Mas está aquecendo pelo menos. Ah! A palavra era toalha. O que eu queria, era uma to-a-lha".
- Pai, eu queria uma toalha. Eu falei errado. Pra secar do banho é toalha, não é cobertor.
Meu pai ri encostado no batente da porta entre o quarto e a sala. Minha mãe gargalha lá fora. "Por que eu falei cobertor? Eu sabia o que era uma coisa e outra. Presta atenção, Nataniel. Fala certo! Como...
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Meu nome é Nataniel Tadeu de Torres Vieira. Hoje é dia 23 de Julho de 2020, e esse é o primeiro dia da minha jornada. Rememorar a primeira lembrança dessa vida é fácil porque faço esse exercício frequentemente, de mergulhar nas memórias remotas. Sou naturalmente nostálgico. Fecho os olhos e já estou lá. Casa da infância. Aquele quarto-sala de taco, banheiro de azulejo cor de rosa, varanda com piso de cacos vermelhos, quintal acidentado, jardim, plantas todas mais altas que eu.
Devo ter uns 3 anos. Minha mãe está estendendo roupa na varanda. Estou peladinho na sala. Acabei de tomar banho. Sozinho! Estou com muito frio. Grito pelo meu pai:
- Pai! Pai! Me traz o cobertor. Estou com frio. Meu pai começa a correr para atender o pedido. Passa apressado pela sala e vai até o quarto. "Ele está demorando!".
- Pai quero o cobertor! "Espera aí, a palavra é cobertor? Se a gente está com frio se esquenta com cobertor, mas se tomou banho a palavra não é essa. Qual é a palavra? Nossa! Que frio!" Estou tremendo. O frio dói. Que sensação chata!
- Pai me traz o cober..."Não é cobertor". Eu estou com frio. Minha mãe lá fora, indiferente, sempre atarefada, e meu pai remexendo sei-lá-o-quê no outro cômodo. Ouço barulho de gavetas, portas de guarda roupa. "Qual é a palavra?"
- Pai, quero cobertor! - berro. "Mas, não é cobertor que eu quero". Meu pai traz uma manta, preocupado em sanar meus tremores. Embrulho-me avidamente. Começo a me esquentar. "Mas esse tecido é ruim pra secar. Que sensação estranha estar molhado no cobertor. Dá até uma aflição. Mas está aquecendo pelo menos. Ah! A palavra era toalha. O que eu queria, era uma to-a-lha".
- Pai, eu queria uma toalha. Eu falei errado. Pra secar do banho é toalha, não é cobertor.
Meu pai ri encostado no batente da porta entre o quarto e a sala. Minha mãe gargalha lá fora. "Por que eu falei cobertor? Eu sabia o que era uma coisa e outra. Presta atenção, Nataniel. Fala certo! Como alguém vai te ajudar se você fala uma coisa ao invés de outra?"
Óbvio que uma pessoa tagarela como eu, teria como primeira lembrança um momento de diálogo interno me cobrando para aprimorar a minha comunicação. Prazer, eu mesmo!
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