Votorantim Fercal
Depoimento de Antônio Ferreira da Silva
Entrevistado por Marcia Trezza e Tereza Ferreira da Silva
Fercal, 6 de maio de 2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV002_Antônio Ferreira da Silva
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Seu Antônio, nós vamos começar a entrevista, ...Continuar leitura
Votorantim Fercal
Depoimento de Antônio Ferreira da Silva
Entrevistado por Marcia Trezza e Tereza Ferreira da Silva
Fercal, 6 de maio de 2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV002_Antônio Ferreira da Silva
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Seu Antônio, nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo, por favor.
R – Meu nome é Antônio Ferreira da Silva.
P/1 – O senhor nasceu quando? Que data?
R – Eu nasci no dia dez de outubro de 1948.
P/1 – Em que lugar o senhor nasceu?
R – Caxias, Maranhão.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama João Ferreira da Silva, Antônia Ferreira da Silva também, minha mãe. Foram umas pessoas criadas na roça, mas naquela luta, aquela coisa, só que muita gente lá falava assim: “Hoje eu não tenho o que comer em casa”. Mas nós lá na casa dos meus pais, por isso que eu falo, a gente trabalhava muito, mas não passava fome. Meu pai era uma pessoa, um homem muito trabalhador, nunca triscou a mão na gente, ele nunca bateu em nenhum de nós, nunca falou com a cara ruim, nunca maltratou nenhum. A minha mãe era mais cruel um pouquinho, né? Porque se todos os dois fossem do mesmo jeito, eu acho que não dava certo. Minha mãe era mais cruel um pouquinho, ela era mais carrasca um pouco, fazia aquelas coisas, mas foi muito bom. Eu não tive aquela alegria que todo mundo tem hoje, os filhos vão para o colégio, estudam, faz um curso, faz aquilo. Eu não tive isso, mas eu dou o maior dez, o maior valor na minha mãe e meu pai que foram as pessoas que me criaram, criaram eu, nós somos sete irmãos. Então criou a gente no maior carinho e não deixava nós passarmos fome porque nós éramos pobres, nós tínhamos fartura. Nós tínhamos muita fartura, nós tínhamos aqueles, não sei se a Tereza chegou a alcançar aqueles “paiolzãos” de arroz, de farinha, tapioca. Criava muito porco, galinha, cabrita, essas coisas. Então nós não chegávamos a passar fome. Nós éramos uns meninos da cidade, lá do interior, que eram muito queridos por muitas pessoas, pelas meninas, pelos pais. Falava assim: “Eu quero que minha filha case com um filho do João Vicente”.
P/1 – Por que o senhor acha, seu Antônio, que vocês eram tão queridos assim, queriam que vocês casassem?
R – Eu acho que por causa do trabalho que a gente tinha, aquele trabalho, aquele respeito pelas pessoas. Nós fomos criados de um jeito que a pessoa mais velha chegasse: “Boa tarde” “Boa tarde”. Se minha mãe tivesse ali e ouvisse falar isso: “Boa tarde. Benção seu Fulano”. Se nós não fizéssemos isso quando a pessoa saía ela ia lá e corrigia, puxava a orelha, tal. Então por causa desses motivos a gente era muito querido no interior, na roça onde a gente morava, aquele pessoal lá. Então eu, eu mesmo fui um menino com os meus dez anos de idade eu era um menino como hoje eu te falando, essa semana ali no moto táxi, eu falo pra mim, eu falava pra eles, eu hoje sou a mesma pessoa que eu tinha dez anos de idade, faço o mesmo serviço. O mesmo caráter, o mesmo respeito que eu trato qualquer pessoa, desse tamanho a desse tamanho eu respeito todos eles, porque todo mundo hoje precisa. Tem que ter carinho, tem que ter um respeito um com o outro, ou mais velho ou mais novo. Porque a pessoa, o menino é mais novo que eu, eu não vou respeitar ele? Então isso minha mãe falava, quando você não respeita, você não tem respeito. Você respeitou uma pessoa, a pessoa por obrigação de te respeitar, porque você respeitou ele. Então aquilo ali eu fui crescendo desse jeito, criei os meus filhos, hoje eu tenho os meus meninos, são quatro, dois homens e duas mulheres, fazem a mesma coisa, respeitam as pessoas, tratam bem. Aqui dentro da Fercal, eu tenho meus filhos, foram criados aqui, estudaram na Rua do Mato, estudaram aqui, estudaram no outro colégio ali, estudaram no Sobradinho, mas eu tenho muito orgulhos dos quatro filhos que eu tenho.
P/1 – Seu Antônio, o senhor falou da sua mãe, tudo isso que ela ensinou pro senhor, do seu pai o senhor falou também. Tem mais alguma lembrança do seu pai, que o senhor quando pensa nele vem aquela lembrança?
R – Eu tenho. Eu tenho a lembrança do meu pai e minha mãe que de vez em quando eu ainda choro até hoje. De vez em quando, quando tenho um sonho, eu ligo, deito aqui no tapete um pouquinho, coloco o som bem baixinho e aí eu me lembro do meu pai e da minha mãe e a lágrima pinga no chão.
P/1 – O que o senhor lembra além da imagem deles?
R – Eu lembro por que o meu pai era um homem muito bom pra gente, ele era bom demais. Meu pai não chegava a falar alto com uma pessoa, comigo, com nenhum dos filhos dele, maltratar, bater, não. Ele apenas chegava, conversava: “Gente, isso tá errado, é assim, assim, tal”. O meu pai, no tempo da infância dele, o meu tio falava pra gente que eles eram muito, ali dentro de Piauí. Brigavam, faziam esses movimentos, tal, mas o meu pai nunca contou isso pra gente. Se eu fiquei, se nós da família ficamos sabendo de alguma coisa que o meu pai fazia na infância dele quando era novo, ia para as festas, porque meu tio que contava. Meu pai nunca chegou e sentou, abriu a boca pra falar o que ele fazia no passado. Nunca. Então por isso que eu tenho isso com ele, o meu pai foi uma pessoa, eu me lembro dele. Uma coisa que marca muito porque nós íamos caçar à noite, dava aquela chuvinha de tardezinha, seis horas, sete horas, ele falava: “Hoje nós vamos matar uma caça, um tatu”. Quem ele chamava? Era eu. Quando dava meia noite, uma hora da manhã ele batia… Dormia em rede, assim era na rede, ia na rede, batia: “Antônio, Antônio.” “Senhor?” “Vamos embora, meu filho”. Aí nós no mato, onde um vai, aquela coisa, ele na frente, eu atrás aqui. Então eu me lembro dele isso. Eu ia muito caçar, andar nos matos mais ele. Se ele ia na 18 ali embaixo, uma comparação, meu pai me chamava. Era muito apegado comigo, andava onde tava um ali, tava o outro. Sempre eu sinto falta, de vez em quando, disso aí.
P/1 – O senhor era o mais velho?
R – Não. O mais velho mora lá no Maranhão ainda. Teve um, depois o outro e eu já venho mais dos... Sou quase dos mais novos, quase. Tem três mais velhos e eu já sou o...
P/1 – E o senhor trabalhava na roça com eles?
R – Trabalhava.
P/1 – Desde quando? Que idade que o senhor lembra?
R – Na idade de cinco anos.
P/1 – Qual o trabalho que o senhor tinha quando ia pra roça?
R – Quando eu ia pra roça mais o meu pai eu era pequenininho. Saiu o meu netinho aí tem quatro anos, cinco anos de idade eu ia mais o meu pai, nós íamos todo mundo e lá na roça tinha que cercar pra poder plantar. Então eu não podia pegar dois pedaços de pau pra carregar pra lá, levava só um, voltava lá. Mas o pai não nos deixava em casa, na rua fazendo coisa que não dava certo. Então ele já nos levava lá, ele ajudava, nós estávamos lá ele cavou um buraco pra enfiar uma estaca ali. Então era aquilo, tava com ele... A gente foi crescendo, com os meus dez anos de idade, vou falar uma coisa pra vocês, meus dez anos de idade, eu ia mais meu irmão quatro horas da manhã arrancar mandioca pra fazer farinha. Arrancava 12 cargas de mandioca e o outro trazendo os animais pra casa do forno lá, pra casa de farinha e as mulheres descascando ali. Quando dava três horas da tarde, eu mais meu irmão, que nós íamos arrancar mandioca, tinha... O caititu era puxado a mão, assim, e nós puxávamos 12 cargas de mandioca, quando dava seis horas nós já tínhamos puxado tudo aquilo, tava só a massa, nós íamos imprensar e fazia a farinha. Meu pai torrando e nós prensando aqui. Quando dava de manhã, quatro da manhã, nós íamos de novo. Eram 30 dias fazendo farinha. Quatro horas da manhã nós íamos pra arrancar mandioca de novo.
P/1 – Todos os dias do mês?
R – Todos os dias. O mês, 30 dias topado. O mês todinho. Ali não era do vizinho, de ninguém, não, era nosso.
P/1 – Agora, vocês faziam a farinha o ano todo ou só períodos?
R – Só o período do mês de junho e julho que nós fazíamos aquilo ali. Porque nós trabalhávamos esse ano, nós plantávamos a mandioca, né? Então ela ia estar madura no ponto de colher em junho ou em julho, depende o tempo que a casa de farinha estava desocupada, porque eram muitos que iam fazer. Então quando nós pegávamos, nós pegávamos 30 dias daquilo ali. Então aquela farinha nós empacotávamos naqueles pandeiros, colocava uma folha grande de pajaú, botava dentro daquilo ali, botava aquela farinha lá dentro, costurava aqui e guardava lá em cima. Então aquela farinha nós comíamos o ano todo, nós tínhamos farinha, nós tínhamos feijão, fava, tudo pro ano todo, então era aquele causo que eu falei.
P/1 – Vocês produziam alguma coisa pra vender também?
R – Não.
P/1 – Nada. Só mesmo pra vocês?
R – Só pro consumo.
P/1 – E vocês com isso viviam bem só com o que vocês criavam, plantavam?
R – Isso. Só aquilo que a gente criava, plantava, então nós vivíamos bem. Não foi aquelas pessoas que eu via o vizinho, a vizinha vinha lá, minha mãe falava: “Lava uma roupa pra mim que eu te dou um arroz, eu te dou um feijão”. A pessoa vinha, lavava aquela roupa e a mãe dava um feijão, um arroz praquela vizinha lá. Mas nós não tivemos isso de dizer assim: “Nós estamos precisando de alguma coisa pra nós comermos”. Nós trabalhávamos muito, foi onde não deu pra eu ir pro estudo, pro colégio. Mas eu sou feliz, hoje eu sou feliz por isso.
P/1 – Aprendeu muito com o seu trabalho, né, seu Antônio?
R – Aprendi.
P/1 – E brincadeiras? Mesmo trabalhando bastante, quais brincadeiras o senhor lembra?
R – A brincadeira, quando nós éramos pequenos tinha o peão, soltar. Eu não sei, não aprendi, minha mãe não deixava. A pipa, a mãe não deixava. Jogar bola, só se fosse nós, os irmãos, com outras pessoas de fora ela não deixava. Nós tínhamos um campo como esse campo que tem aqui, tem um campinho bem aqui, nessa distância. Nós estávamos no campo batendo bola ela olhava de cá, se tinha mais outro menino, ela já gritava todo mundo pra trás.
P/1 – E ela dizia por quê?
R – Porque ela falava assim: “Quando você tá junto com muita gente tem que dar um problema e pra quem sobra? Só vai sobrar pra vocês. Por que se der uma briga, o menino bater no outro lá vão dizer ‘Foram os meninos do João Vicente que bateram’”. Só que ela tirava, nós ficávamos em casa. Quando não tinha ninguém, nós estávamos no campo batendo aquela bolinha. Isso era a hora que nós chegávamos do serviço. O domingo, ó, amanhecia o dia, nós levantávamos todo dia quatro horas da manhã...
P/1 – Domingo também?
R – Domingo também. Nós íamos pisar arroz, deixar tudo prontinho pra minha mãe, rachava a lenha, deixava lá, aguava as plantas todinhas que ela tinha um jardim muito grande, nós tínhamos que molhar aquilo ali tudinho, encher as vasilhas, deixar pra ela e nós íamos pra roça. Quando nós chegávamos de tarde, nós íamos tomar banho e trazer a água pra casa, colocar a água e trazer a água na cabaça, na cuia, na lata na cabeça aqui. A gente fazia isso.
P/2 – Com a rodilha.
P/1 – E brincava assim, à noite dava tempo de brincar um pouquinho?
R – Brincava. É porque tinha eu mais meus irmãos, nós éramos sete, aí tinha mais outros do meu tio, morava vizinho e tal, aí nós fazíamos aquelas brincadeiras de noite, a lua bonita. Porque no interior a lua é bonita, né, e fica bonito pra gente brincar, correr ali e tal, a gente acendia um fogo e a gente ia brincar aquilo ali, só entre nós. Não tinha menino de fora, não tinha outras pessoas, então a gente criou desse jeito.
P/1 – E quando o senhor foi crescendo, ficando jovem, o que mudou, seu Antônio? Mudou alguma coisa nessa rotina?
R – Quando eu fiquei rapazinho já no ponto de festa, namorar, foi a mesma coisa.
P/1 – Que idade mais ou menos essa época aí?
R – A minha idade de 13, 14, 15 anos. Aí chegou meus 18, 20 anos, minha mãe não deixava também. Por acaso, hoje a gente sabe que tem uma festa por acaso na Boa Vista daqui a um mês, aí hoje já sentava: “Mãe, vai ter uma festa na Boa Vista na casa de Fulano de tal, você deixa a gente ir?”. Ela: “Não sei. Vou pensar”. Aí eu também ficava calado. No dia ela falava pra gente ir: “Vocês vão. Tal hora é pra estar aqui todo mundo”. Então nós íamos. Se ela falasse pra não ir nós não íamos, podia estar do tamanho que tivesse. Eu casado já, eu casado, a minha mãe botava ordem. Eu lembro agora, lembrei de uma coisa que eu já tava casado, já tinha dois meninos, eram três, eu não sei o que eu fiz, fui pra uma festa e a minha esposa contou pra ela. Aí de longe a minha irmãzinha me viu: “Aí vem o Antônio”. A mãe entrou pra dentro do quarto, sentou na cama, pegou um pedaço de pau, colocou aqui, né? Aí eu entrei: “Cadê a mãe?” “Tá lá dentro”. Eu entrei, cheguei lá: “Benção mãe”. Aí ela: “Deus te dê vergonha”. Já meteu o cacete, eu rebati aquilo: “O que foi?” “O que foi, rapaz? Deixar a mulher em casa só e vai para as festas?”. Então era esse negócio. Então a gente era aquilo, se ela deixasse a gente ir a gente ia. O meu pai não, o meu pai: “Deixa o menino ir, deixa o menino brincar”. Mas se ela não deixasse... Um dia ela deixou eu ir pra uma festa, quando eu tou saindo chegou um amigo, chegou um amigo lá que era irmão de uma menina que eu já tava querendo namorar ela, né? Aí chegou ela olhou: “Quem que tá aí?”. Eu digo: “É o Raimundo.” “Não. Você não vai mais pra festa, não”. Deu pra chorar: “Mãe, deixa eu ir, não sei o que”. Não deixou, não, porque já tinha outra pessoa pra eu ir junto. Aí: “Não. Você não vai, não.” “Tá bom”. Chorei, chorei. Aí a menina passou pra ir pra festa. Aí foi que eu fiquei atestado, viu? Já tava começando a querer namorar, mas a gente foi criado desse jeito e não podia nem...
P/1 – Nenhum dos seus irmãos nem o senhor se rebelou?
R – Não.
P/1 – Não discutia, nada?
R – Não. Depois de já mais adulto, os meus irmãos já ficaram mais agressivos com minha mãe, mas eu não. Eu não mudei nada. Toda vida eu fui aquele com minha mãe, tive um carinho com ela, com o meu pai. Meu pai adoeceu, meus irmãos, minha irmã, só é uma irmã mulher, não cuidou do meu pai, eu fui, busquei o meu pai lá na casa da minha mãe, coloquei dentro da minha casa. A minha esposa foi quem cuidou, cuidava do meu pai, banhava ele. Então eu ia trabalhar e ela ficava com ele em casa. Cuidei do meu pai muito tempo, quando tava perto, já como ele ia morrer, minha mãe levou ele pra cidade e lá ele morreu.
P/1 – Seu Antônio, o senhor morou em Caxias?
R – Morei.
P/1 – E quando que o senhor mudou de lá?
R – De Caxias eu mudei, eu não tou bem recordado o tempo que eu mudei, eu mudei pra outras cidades, morei aqui na Imperatriz, fiquei rondando por aí. Aí eu casei lá...
P/1 – Em Imperatriz?
R – Eu casei em Caxias, Maranhão. Minha esposa é de Caxias, de lá também. Só que ela não é de Caxias, ela é de outra cidade perto de Caxias, Timon. Ela é de lá.
P/1 – O senhor casou lá ainda?
R – Eu casei lá.
P/1 – Ela foi a sua primeira namorada?
R – Não.
P/1 – Quem foi a sua primeira namorada?
R – A minha primeira namorada foi uma menina que os pais dela eram muito ricos, tinham muito dinheiro. Então essa menina ficou assim por mim, eu namorava ela e ela falou: “Eu quero casar com você”. Eu digo: “Nós vamos casar”.
P/1 – O senhor falou que ia casar?
R – É. Ia casar com ela. Aí o pai dela um dia falou pra mim: “Eu quero tirar você da roça, rapaz. Eu quero tirar da roça, quero colocar você pra tomar conta do que é meu”. Falei: “Aqui”. Mas aí é aquele negócio, se a gente não gosta, não tem aquele amor por aquela pessoa não dá certo. Aí eu fui pra igreja pra casar com ela, de uniforme e tudo. Eu fugi da igreja.
P/1 – Ela tava de noiva já?
R – Tava. Nós fomos pra casar. Quando chega lá na hora de chamar os noivos, eu vazei por trás da igreja e vazei no mato, fui embora. Casei com essa daqui com a roupa que eu ia casar com ela lá. Então essa minha esposa, eu a vi ela era menina, eu já era um moleque já mais velho e ela uma menina. Eu via ela andando de calcinha e tal na rua, porque lá na roça o pessoal anda...
P/1 – É.
R – Então eu viajei que eu ia casar com essa mulher na Imperatriz, com essa outra menina lá. Era professora, é aqui que eu vou casar, é aqui que eu vou amarrar meu boi, aqui tou bem aqui na fita. Mas só que não deu certo porque na hora que me chamou na igreja, o padre chamou pra eu entrar, aí eu lá fora pensei, a menina, uma amiga veio e falou: “Tá chamando” “Espera aí, eu vou bem aqui, rapidão”. Eu vazei. Por quê? Eu no meu pensamento pensei assim, se eu casar com ela eu não vou morar com ela porque eu não gosto. Eu gostava dessa amiga que foi dizer que era pra eu ir e tava chamando pra casar. Só que a amiga falou pra mim: “Olha, eu não quero namorar você, eu tenho você como um irmão”. Eu tenho essa palavra até hoje que eu falei: “Mas nós não somos irmãos. Eu não sou irmão, eu queria casar com você”. Na hora que ela foi me chamar, eu digo: “Eu quero casar com você”.
P/1 – Falou pra ela na hora?
R – Falei na hora. Aí ela: “Não. Eu tenho você como um irmão. Considero-te como um irmão”. Porque vocês sabem, quando tem aquela pessoa que tem um respeito, gosta, tem uma amizade, aquela outra pessoa fala que ele considera como um irmão, né? Então foi isso. Aí eu não casei, vim casar já aqui quando eu cheguei.
P/1 – Aí o senhor ainda morava na roça, trabalhava lá com os seus pais, né? Que idade o senhor tinha, o senhor lembra?
R – Não. Nesse tempo eu já tinha deixado os meus pais, eu já tinha saído de casa. Quando eu fui casar com essa menina lá eu já tinha mais ou menos meus 18 anos, fazendo 19 anos. Quando eu cheguei aqui que eu casei com a minha esposa, eu tinha 26 anos e ela tinha 13.
P/1 – Olha só.
R – Ela tinha 13 anos. Quando eu cheguei de viagem, um irmão meu falou assim: “Rapaz, aqui tem uma menina mais bonita do lugar aqui” “Cadê?”. Ele me mostrou ela, no que me mostrou eu me assustei assim. Aí ficou, né? Aí comecei a namorar outra menina...
P/1 – Em Caxias já de volta?
R – Isso. Comecei a namorar outra menina, aí quando essa menina foi lá na casa de meus pais passear um dia lá de tarde, eu vi a menina, falei: “Não. Vou namorar essa menina”. E aí continuei namorando ela e casei. Ela tinha 13 anos e eu já...
P/2 – E os pais consentiram?
R – É. E eu já tava com 23 anos.
P/1 – Seu Antônio, quando o senhor fugiu do casamento era lá em Imperatriz, né?
R – Isso.
P/1 – O senhor fugiu direto pra sua cidade? Como é que foi depois desse acontecimento?
R – Eu fugi direto pra outra cidade. Não encontrei essa pessoa mais nunca.
P/1 – Ah. Nem o pai dela, né?
R – Não porque o pai dela era valente, se eu voltasse lá ele ia...
P/1 – O senhor não soube nada que aconteceu?
R – Não.
P/1 – Nem como ela ficou depois?
R – Nem. Não fiquei sabendo. Eu saí de vez, porque se eu ficasse eu ia casar na marra ou o velho ia me matar, né? Porque naquele tempo o povo não tinha esse negócio. Se você... Ali foi um desrespeito que eu fiz, né? Então ele ficou muito... A filha dele, uma, professora, tudo, e na hora pra casar comigo e ele gostava, ele queria que eu casasse, quando eu na hora eu fugi. E voltar pra lá de novo? Não. Ele ia obrigar ou fazer alguma coisa comigo. Falei: “Que volto nada”, vazei.
P/1 – Seu Antônio, e quando o senhor conheceu a sua esposa, como foi? Ela também gostou do senhor? Como que foi esse encontro?
R – Sim. Quando eu conhecia minha esposa, foi como eu tava falando, eu cheguei de viagem com uns oito dias, 15 dias ela foi lá na casa dos meus pais, eu a vi, aí dali eu já comecei assim, mas eu já cheguei… Quando eu cheguei lá no lugar onde meus pais moravam, no interior, na roça, então de noite, eu cheguei de tardezinha e tal, de noite juntou um bocado de gente lá em casa e tal. “É o filho do João Vicente e tal, não sei o que”. Ali já entrou uma menina, que tem dessas mais atiradas um pouquinho, né? Ela já entrou, eu já... Aí eu falei não, já vou... Dali já comecei a conversar com ela, no outro dia a gente já saiu, conversamos e tal. Às vezes tinha uma matinê, uma festinha que chamava nesse tempo, aquilo ali, aquela musiquinha ao vivo, a gente ia pra lá. Então ali começou a namorar. Com uns 15 dias ou 20 dias ou mais, essa minha esposa apareceu, que meu irmão já tinha falado que era a menina mais bonita do povoado lá que a gente morava, da roça. Eu a vi, menininha bonita, menina. Era bonita minha esposa, ainda hoje é! Aí é que eu conversei com ela. Aí a outra ficou sabendo queria brigar, bater nela. Aí foi a hora que eu fui lá e falei: “Não. Não quero nada com você, vou namorar ela”. Aí fiquei. Aí poucos tempos, aí um ano a gente brigou, separou o namoro, não deu mais certo, aí com uns 15 dias voltamos de novo, aí a gente casou. Ela tinha 13 anos, 14 anos ela teve a primeira filha.
P/1 – Olha só. O senhor teve alguma cerimônia, o senhor foi morar com ela, como foi?
R – Não. Naquele tempo não morava junto, não.
P/1 – Não?
R – Aquele tempo tinha que casar.
P/1 – É?
R – Casar e oito dias para os pais entregarem a filha pra gente.
P/1 – Como assim?
R – Eu casei com ela na igreja, teve a festa, tudo, muita bebida, muita comida, muita coisa. Na hora que terminou a festa o pai botou ela na frente mais a mãe e a levou pra casa.
P/1 – Mas sempre era assim? Funcionava assim?
R – Era. Eu alcancei desse jeito. Aí com oito dias o pai mais a mãe juntaram lá, botaram ela, chegou, entregou lá na casa do meu pai. Entregou-a pra mim.
P/1 – Por que era assim, o senhor sabe dizer?
R – Eu não sei. Quando eu alcancei já era assim, já vinha fazendo nos outros, tal. Aquele negócio lá pra nós era complicado. Então se eu por acaso antes de eu casar fosse morar com ela, fosse fazer alguma coisa com ela, ali já os pais vinham no ponto de briga, no ponto de matar porque era um desfeito. Aquela família era uma vergonha que tinha que... Quando a filha saía, mas ficava com o homem antes de casar. Aquilo era um desfeito grande na família.
P/1 – E com 14 anos sua esposa teve o primeiro filho?
R – Foi. Uma menina.
P/1 – E como foi o casamento de vocês todo esse período?
R – Foi bom.
P/1 – O senhor tem lembranças, algumas marcantes que o senhor quer contar?
R – Foi bom. O meu casamento com ela esse tempo todo que ela era muito menina, não sabia fazer as coisas de casa, então foi uma luta pra mim pra ensinar fazer. Ela não queria fazer comida, ela não queria fazer nada, ela queria brincar de boneca e tal. Aí a minha vizinha, a vizinha ia lá e falava: “Minha filha, cuida, você já é uma dona de casa, você faça isso, isso. O seu marido chega do serviço tá tudo prontinho e tal”. Mas aí ela fazia, quando eu chegava ela falava: “Ah, mas não sou só eu que tenho que fazer as coisas, não. Está aí as panelas, os pratos pra lavar. Eu não vou lavar, não”. Então ela fazia isso demais e qualquer coisinha que a gente falava ela chorava. Tanto faz eu, a vizinha.
P/2 – Era uma criança.
R – É.
P/1 – Ela queria casar, seu Antônio?
R – Queria. E a mãe dela, o pai dela aceitaram, então...
P/1 – Mas aí aos poucos como foi acontecendo?
R – Aí foi acontecendo, ela foi aprendendo. Meu irmão, tinha um irmão dela e um irmão meu que foi morar com a gente, né? Aí meu irmão é que ensinou ela a fazer comida, ensinava ela. Até hoje ela fala isso. Ensinava, como a gente fala, aquela tapioca, aquele beijuzinho assim, ele ensinava ela, levantava cedo. Antes da gente ir pra roça ele levantava cedo e chamava ela, ia lá ensinar ela a fazer e tal, então ela aprendeu a fazer isso. Então aquela convivência da gente foi aquilo, sempre ela pequena, ela mulher novinha e tal, mas tem que ter paciência porque senão... Se eu não tivesse uma pessoa ter paciência com ela, eu tinha separado dela. Tinha separado porque deu trabalho, mas me deu trabalho. Deu trabalho. Mas hoje não, hoje tá uma mulherzona aí feita aí, trabalha, toma conta. Hoje é ela quem manda em tudo. Eu agradeço muito até hoje a gente estar junto, nunca tivemos aquela diferença, aquela briga. Aquelas discussões tem o casal, né? Mas aquilo ali da gente brigar e dizer assim: “Eu vou embora. Eu vou separar. Vou fazer isso”, nós nunca tivemos isso. Estamos aí do mesmo jeito, ela chega do serviço, ela vai, tá ali, eu sento lá na mesa lá, ela tá lá na cozinha fazendo alguma coisa. Quando tem alguma coisa pra fazer assim, que eu gosto de fazer um frango, uma carne, uma costela assim, ela me liga: “Tira ali do congelador e faz aí”. Eu faço, ela chega, vai fazer o resto das outras coisas, eu tou lá sentando conversando e tal, mas é muito bom. Até hoje eu tenho aquela... Me parece que foi ontem que a gente casou, né? Tenho a minha esposa com muito carinho, com muito... Eu gosto muito, muito dela.
P/1 – Seu Antônio, quando que o senhor veio pra Fercal?
R – Quando eu vim pra Fercal, eu vim foi em 88. No dia primeiro de agosto eu cheguei aqui. Isso foi uma coisa assim, eu não sabia onde era a Fercal, não sabia nada e saí do Nordeste assim como... Eu tinha uma roça lá, mas eu não sou muito bom de roça. Eu me criei na roça, mas não gosto da roça. Aí eu na roça, eu falei: “Eu vou embora. Vou colher essa roça, vou vender esse arroz e vou embora. Vou pra Brasília”. Já tinha um irmão aqui e aí meu tio também, tenho uns tios aqui. “Eu vou pra lá”. Aí peguei dois meninos, os dois mais velhos, e trouxe, e ela ficou com os dois mais novos lá.
P/1 – São quatro homens os seus filhos?
R – Dois homens e duas mulheres. Aí ela ficou com um casal lá e eu trouxe o outro. Como gente doida, né, porque não conhecia ninguém aqui. Aí eu trouxe.
P/1 – Que idade eles tinham mais ou menos?
R – A menina tava com uns 13 anos, o mais velho, o outro, o menino tava com oito. Oito anos, e eu trouxe. Cheguei aqui, cheguei na rua da ferroviária onde parou, eu falei: “Aonde que eu vou agora?”. Aí tinha um guarda, eu chamei ele: “Como é que eu faço pra eu ir pra Planaltina?”. Isso era seis e meia da manhã. Ele falou: “Planaltina você pega aquele ônibus ali”. Eu tava com o endereço de uma tia minha em Planaltina. Aí eu peguei, mostrei pro motorista, cobrador, quando chegou lá no Buriti ele falou: “Rapaz, esse endereço tá aqui pertinho. Você desce aí, tá logo aqui”. Aí eu desci, procurei, achei minha tia. Aí fiquei lá. Só que eu sou assim meio sistemático, eu já cheguei na casa da minha tia, já olhei pro lado, tal, acho que o ambiente tava meio... Eu cheguei lá sete horas da manhã, oito horas da manhã eu já não tava mais lá. Oito horas da noite eu já não tava mais na casa da minha tia.
P/1 – Com as crianças o senhor saiu de lá?
R – Já saí com eles. Eles cochilando na cadeira, porque viajando com sono e cochilando: “Meu filho, vem cá, vamos embora”. Fomos pra Brasilinha. Chegou em Brasilinha eu fiquei por lá e tal. Tinha uma tia que morava aqui na Ciplan. “Eu vou pra casa da minha tia”. Eu vim. Quando eu chego aqui...
P/1 – É aqui perto esse lugar?
R – É aqui no Queima Lençol. Aí eu cheguei lá a minha tia falou, um domingo: “Meu filho, você dorme aqui, amanhã, segunda-feira você vai dar uma entrevista na Ciplan, quem sabe ela não vai pegar você pra trabalhar”. “Tá bom.” Aí amanheceu o dia eu fui. Cheguei ali tem uma fila como daqui ali, muita gente na fila, eu digo: “Meu Deus, não vai dar certo aqui, não”. Ela disse: “Se não der aqui você vai na Tocantins dar uma entrevista lá de trabalho, você arruma um serviço por aí”. Aí eu cheguei na fila lá seis horas e fiquei, fiquei. Deram sete horas, oito horas, nove horas, dez horas, eu só via chegar gente lá, pegava o documento e ia embora, ia embora. Quando chegou na minha vez a moça pegou meu documento, olhou aqui, olhou pra mim, tornou a olhar aqui, tornou a olhar, falei: “O que tá acontecendo?”. Aí ela já pega o telefone, já liga lá pra dentro pra lá. Aí ela falou assim pra mim: “Olha, é o seguinte, eu acho que você tá empregado. Só tá faltando o seu encarregado ir com a sua cara. Se ele for com a sua cara você tá...”. Aí já chamou um rapaz que tava aqui: “Leve-o lá”. Entrou, lá ele já passou: “Vai fazer esses exames tudinho, isso, isso, isso”. Cheguei, fui até mais um primo meu, chegamos no Sobradinho não tinha a máquina pra fazer raio X, pra tirar sangue, fazer essas coisas. Aí eu tinha chegado aqui eu tava... Eu sempre, como eu falei no início, eu gostei sempre de trabalhar, eu tinha, né? Cheguei aqui naquele tempo 80 mil réis, 80 contos, era dinheiro! Eu paguei tudo particular em Sobradinho! Tirei. Aí ele falou assim: “Você venha, traga esses documentos aqui na sexta-feira”. Aí quando deu na quinta-feira eu já tava lá com tudo pronto. Aí a moça falou: “Não, tenha medo, não. Só venha amanhã mesmo na sexta, já pegar o uniforme e tal pra você trabalhar. Tenha medo, não, que sua vaga ninguém toma, não”. Aí eu entrei, comecei a trabalhar.
P/1 – Seu Antônio, essa empresa que o senhor começou a trabalhar, o senhor falou que ela ficou olhando e a fila tava grande.
R – Tava.
P/1 – E o senhor sabe por que ela escolheu o senhor?
R – Até que eu falei isso, eu suponho que foi por causa do meu tempo de serviço. Porque hoje a gente dá muito quando você tem uma carteira assinada com três meses, seis meses é muito ruim de você arrumar emprego. Quando você tem uma carteira assinada de dois anos, três anos, quatro anos, cinco anos, aí eu chego, você olha na carteira, você fala assim: “Tem quatro anos que trabalhou nessa empresa, ele é uma pessoa muito boa, então eu vou pegar ele”. Então por isso. Eu tinha trabalhado numa empresa, eu tava com cinco anos. Então quando eu cheguei que ela olhou a carteira, que ela puxou aqui, tal, olhou, olhou pra mim, olhou de novo, ligou lá e já mandou uma pessoa me levar lá dentro na Ciplan.
P/1 – O senhor tinha trabalhado em que tipo de serviço?
R – Eu tinha trabalhado em São Paulo numa empresa, na Fundição Brasil, que faz fogão
à gás. Então eu trabalhei lá esse tempo todo, fui uma pessoa muito... Eu entrava às seis da manhã, era pra sair seis... Entrava seis da tarde, saía seis da manhã. Aí como eu ficava fazendo hora extra eu saía todo dia nove horas, nove e meia.
P/1 – Então o senhor já tinha ido do Maranhão pra São Paulo?
R – Sim. Eu tinha vindo já do Maranhão fui pra São Paulo. Aí eu voltei pro Maranhão, foi quando eu vim, do Maranhão que eu vim pra cá. Eu já tinha vindo de São Paulo, que eu vim pra cá pra Brasília.
P/1 – Em São Paulo o senhor ficou muito tempo, seu Antônio?
R – Em São Paulo eu fiquei lá uns três, quatro anos.
P/1 – O que o senhor achou de morar lá?
R – Muito bom. Achei São Paulo bom, levei minha família. Porque a minha esposa onde eu tou, eu a levo. Quando ela fica, o primeiro dinheiro que eu mando pra ela comprar alguma coisa pra ela comer, ela compra a passagem e vai embora.
P/1 – E por que o senhor resolveu então sair de São Paulo? O senhor falou que tava bom.
R – Tava. Porque ela não se deu e ela não se deu com o frio, que naquele tempo era muito frio. Frio demais. Ela não se deu, aí fui obrigado mandar ela embora. Primeiro ela veio, aí eu passei mais um mês pra receber as contas e eu vim embora pro Maranhão.
P/1 – E depois escolheu Brasília?
R – Depois eu escolhi Brasília.
P/1 – O que o senhor ouvia assim de Brasília que o senhor se animou pra vir pra cá?
R – Veio uma vizinha. Um pessoal, uns fazendeiros lá, vieram pra cá, e ela conversava muito: “Brasília é isso e aquilo, é muito bom e tal”. Aí quando eu pensei, coloquei na cabeça e ela mesma, minha esposa foi que falou: “Nós vamos embora. Nós não vamos ficar aqui, não. Você pode ir pra Brasília, nós vamos pra Brasília”. Eu digo: “Brasília, mulher, ave Maria!”. Eu nem sei, Brasília eu só vejo falar... Nunca tinha ouvido falar quando a menina chegou aqui falando em Brasília. Então a gente não sabe nada de Brasília, não, mas nós vamos embora. E ali eu comecei vendendo as coisas e tal, porque toda a vida eu gostei de ter as minhas coisas dentro de casa. Eu morava, como lá tem o dono da terra, eu morava como agregado, morava lá e tal, mas as minhas coisas, os meus móveis de casa, eu já era melhor que o meu patrão lá, o dono da terra. Eu tinha as minhas coisas, eu sempre gostei de ter minhas coisas ali. Aí, eu comecei vendendo. Vendendo as coisas, arroz e tal, quando eu cheguei a Brasília eu tava com esse dinheiro no bolso que dava de eu ir embora de volta.
P/1 – Quando o senhor chegava num lugar, o senhor foi pra São Paulo, o senhor comprava os móveis novos depois vendia, era assim?
R – Isso. Mas em São Paulo eu não cheguei a comprar, não. Porque a gente morava de aluguel num comodozinho desse tamanho, a gente tinha só os colchões, dormia no chão, né? Então não cheguei a comprar. Eu cheguei a comprar, mais um compadre meu, um lote no... Esqueci o nome agora. Só que dali nós íamos fazer uma casa, então eu ia mudar pra lá, mas aí não deu pra eu ficar, eu vim embora e ele ficou com a minha parte lá. Então eu vim pra cá. Porque ela dava dor nas costelas, dava dor em todo lugar. Eu pegava, levava pro hospital, chegava o médico: “Não. Não tem nada”. O frio, que ela não se dá com o frio. Aí eu tive que vir embora, ir pro Maranhão de novo. Ela chorava: “Não vou ver meus pais, não vou ver mais ninguém, vou morrer aqui.” “Vai nada”. Aí veio embora, eu vim atrás. Fiquei mais um menino. Eu sempre sou assim. Ela trouxe três, eu fiquei mais um, o mais velho. Não dava pra ela trazer os três, né? Fiquei mais um. Então terminei de receber minhas contas tudinho, aí eu vim embora.
P/1 – E depois de quanto tempo que ela veio do Maranhão pra cá? Que o senhor já tava com os seus dois filhos aqui.
R – Cinco meses, cinco meses. Aí eu peguei um dinheiro, eu falei: “Eu vou mandar”. Naquele tempo telefone era difícil, tinha que mandar por uma carta. Você vê, né? Mandava o dinheiro pelo correio dentro de um envelope e ele chegava lá. Só que hoje não chega mais, né? Hoje não!
P/2 – Fica na estrada.
R – É. Fica no caminho, ninguém sabe onde. Aí eu peguei o dinheiro, mandei no endereço dela lá de onde ela tava na cidade, chegou lá e ela não me avisou que vinha embora. Pegou o dinheiro lá, já foi, comprou a passagem e veio embora. Desceu na rua da ferroviária. Isso pelo Natal. Eu tinha saído, aí como eu tava sozinho eu fui pra uma festa, né? Eu fui pra uma festa até ali na Asa Norte. Ficamos lá mais uns amigos e tal. Aí quando eu chego passou, já era na segunda, eu voltei já pra trabalhar, chegou lá a pessoa falou pra mim: “Rapaz, tua mulher tá aí”. Eu digo: “O que? A minha? Não! Mulher minha aqui não.” “Com certeza. Sua mulher tá lá na casa do seu Valdemar.” “Não. Minha mulher? Como é que ela vem pra cá?”. Ela desceu lá, pegou um taxi, desceu na Ciplan, chegou na Ciplan e cadê o dinheiro? Que ela não tinha o dinheiro pra pagar o taxi. O taxi ficou lá esperando e ela foi, o guarda foi e falou... Ela foi lá e perguntou, o taxista foi mais ela perguntando pelo meu nome, falou: “Não. Não tem essa pessoa aqui, não”. E aí bateram e foram aqui, e foram acolá e nada de achar o meu nome lá. A chapeira lá com o meu cartão, meu nome lá e ninguém... Sabe por quê? Porque eu tinha um apelido aqui, Tião segundo, porque tinha o Tião primeiro, que parecia comigo, né? E eu era o Tião segundo. Então estavam procurando o meu nome, ninguém achava.
P/1 – E Tião não tem nada a ver com Antônio, né?
R – Não tem. É. Aí ela: “Ah, mas ele trabalha aqui, não sei o que e tal”. Aí o guarda falou: “Olha, é o seguinte, eu vou pagar o taxi, ele vai embora, eu vou levar você, eu moro no Sobradinho, levo você mais seus filhos lá pra casa, amanhã eu compro uma passagem e mando vocês de volta”. Aí ela ficou. Na hora tá ali naquela conversa, chega uma pessoa, olhou pra esse menino meu que saiu aqui, ele olhou assim: “Rapaz, eu acho que eu conheço o pai desse menino, que tem uma pessoa que trabalha aqui que parece esse menino”. Aí ele falou: “Não, é o Tião, rapaz, você não sabe? O Tião Segundo”. Aí todo: “Ah, é o seu Antônio, parente do seu Valdemar”. Aí já foram, já ligaram, meu tio já veio, já pagou o taxi, foram embora e eu no mundo, né?
P/1 – O senhor foi numa festa e chegou no outro dia?
R – Isso. Era no Natal, então foi pra festa, a gente...
P/2 – A festa durou, né?
R – Então... Aí quando eu cheguei que falaram isso, que eu fui lá, quando eu cheguei lá no meu tio ela tá lá. Tá lá, mas rapaz, não... Que naquele tempo não tinha como entrar em contato assim ligeiro, né? Não tinha telefone. Contato só se fosse por uma carta e ela... Era meio difícil e ela veio embora. Aí eu fui pra lá, voltei na Ciplan, falei: “É o seguinte, minha esposa chegou, não vou trabalhar hoje”. Ali já me deram um carro, eu já tava com os meus meninos na XVIII, lá naquela chácara. Então já me deram um carro, já colocaram minha família, minhas coisas tudo já levei pra lá aí já foi só alegria. Só bom demais.
P/1 – O senhor ficou feliz.
R – Fiquei. Fiquei feliz porque eu tava com cinco meses. Agora que vai entrar a história que vocês vão ficar aí. Ah, minha gente. Aí veio o sofrimento, veio o sofrimento desse homem.
P/1 – Por que, seu Antônio?
R – Eu não tinha comprado nada pra casa, não tinha um fogão, eu não tinha nada. A mulher, eu mandei o dinheiro pra ela se manter, depois eu ia ligar, ia falar com ela, mandar uma carta dizendo pra ela vir, que eu tava comprando as coisas de casa e tal e já ajeitando pra ela chegar. Ela veio eu não tinha nada. Eu não tinha nada! Aí começou aquele sofrimento. Começou o sofrimento sem ter nada. Nem cama, nem uma panela, nem uma colher. Eu não tinha nada, nada. Aí foi sofrimento, ela chorava, ela pedia pra nós irmos embora, falei: “Não, nós já estamos aqui, como é que vai?”. Aí eu fiquei. A vizinha falou assim: “Eu tenho umas panelas aqui e tal”. Eu arrumei um fogão com a Dona Rosa, bem dizer eu comprei um fogão velho na mão dela. O bujão eu comprei ali no João Deitado, comprei o bujão completo, cheio, né? Então ali a gente foi, a mulher deu as panelas.
P/2 – Aí já foi meio caminho andado.
R – Espera aí. Vai se assustar mais ainda. Quando a minha esposa tava fazendo a comida, fizemos o primeiro dia, nos outros dias a mulher: “Eu quero as minhas panelas” “Tá no fogo cheia de comida” “Eu quero as panelas, porque não sei o que mais” “Você disse que não precisava” “Não, mas eu vou precisar das minhas panelas”. Aí foi que essa mulher chorou. Nós pegamos umas latas, dessas latas de leite, e botava comida dentro e tal, ajeitava por ali e entregou as panelas. Aí nós ficamos sem nada! Começou o problema mesmo. Nós tínhamos que comer, eu tinha que dar comida dos meninos. Então dali gente, eu vou falar uma coisa pra vocês, como naquele tempo tinha a Nogás ali na IV. Não, na VIII do lado ali. Eu saí daqui, fui lá. Cheguei lá, comecei a conversar, quando eu entrei o rapaz falou: “Não, aqui você compra o que você quiser sem avalista, sem entrada, sem aquilo lá”. O que eu vou comprar? Eu já tirei umas panelas, umas colheres, um negócio lá, uma faca pra cortar a carne, que não tinha. Na hora que juntou tudo: “Não, mas você tem que ter um avalista”. Foi mesmo que me bater. Eu falei: “Não, mas você falou que não tinha... Moço, eu não conheço ninguém aqui. Eu tenho pouco tempo que cheguei” “Mas você trabalha onde?” “Pois é, eu trabalho na Ciplan” “E o telefone?” “Eu não sei, lá nem tem telefone, eu não sei de nada. Mas, olha, eu vou falar pra você, quem vai pagar essa conta sou eu, não é avalista, não é nada. Vocês podem confiar em mim que eu pago, eu não vou ficar devendo vocês, não”. E ali tal. E aí foi que começou aquela coisa em mim, dava uma gastura, uma coisa ruim. Eu deixei as coisinhas tudinho lá, saí pra ir embora. Quando eu tou saindo como daqui na rua ali: “Cadê ele? Volta aí, volta aí”. Eu voltei. O gerente tava lá e me chamou. “Volta lá e pega as suas coisas e pode levar, que cara de homem a gente conhece no olhar pra ele. Não precisa nada”. Aí eu peguei uma, fiquei alegre, peguei, levei em casa. Dali nós começamos já a melhorar, a gente já tinha uma coisa pra cozinhar aqui. Eu fui na dona Rosa, comprei uma cama de solteiro e um colchão, botei os meninos pra dormir. Ali eu fui girando, foi ajeitando e foi melhorando, eu fui trabalhando, fui comprando. Chegou situação que eu não podia comprar mais do que um pacote de arroz e um quilo de feijão. Nós não tínhamos geladeira, tinha que comprar um quilo de carne pra nós comermos toda ali naquele dia, não podia ajeitá-la e colocar no sol porque naquele tempo aqui chovia direto. Então aquela amargura, aquela coisa difícil comigo, foi difícil. Eu sempre falo isso, eu digo, se eu fosse falar tudo que já passou comigo aqui em Brasília, aqui na Fercal, dá um livro, se eu fosse falar para as pessoas. E tá chegando a hora de eu falar de tudo que eu passei aqui dentro dessa Fercal. Antes disso aí eu arrumei um serviço para os meus meninos, deixei aí. Eu levantava quatro horas da manhã, fazia comida, café, fazia tudo, deixava tudo prontinho, leite.
P/2 – Quando você morava sozinho com eles?
R – Sozinho com eles. Deixava pronto: “Meu filho, tá aqui. Vocês vão comer, meio dia vocês comem isso aqui, esquenta se vocês puderem esquentar, no que não puder come do jeito que tá mesmo, não faz mal, não”. Eu ia trabalhar. Quando eu voltava eu passava no mané baiano e já comprava tudo de novo. O leite, o pão, o biscoito, uma coisa já pra fazer pra eles. De noite quando eu chegava, eu ia fazer a janta, a comida pra nós comermos. Às vezes nove horas, dez horas eu terminava, nós comíamos, ia dormir. Eu levantava de manhã e já ia preparar aquele resto de carne que era coisa pra inteirar pra eles comerem de novo. Então o meu rojão dentro desse tempo foi esse aí, cinco meses nessa pancada. Quando a mulher chegou, eu pensei que ia melhorar, ficou pior! Porque aí eu ainda tinha as coisas e quando ela chegou eu não tinha nada pra ajudar. Porque parece que a vizinha, eu não sei, eu falo pra minha esposa, parece que a vizinha tava pensando que minha esposa não vinha. Porque não faltava nada pra mim. Panela eu tinha, fazia tudo. Minha esposa chegou, tirou tudo que eu tinha em casa.
P/2 – Pediu as panelas de volta.
R – Tirou tudo que tinha lá em casa. Então eu falei, “o negócio aqui parece que ficou diferente”. Aí eu vou sofrendo mais por isso, mas foi bom demais.
P/1 – Esse amigo seu, ele trabalhava contigo, ele era o dono da chácara, por que ele te arrumou pra vir morar nessa chácara?
R – Não. Ele trabalhava, ele era pedreiro na Ciplan e ele morava na Rua do Mato. Só que tinha essa casa ali na chácara, aquela casa lá tava meio abandonada, aí eu falando pra ele: “Rapaz, eu tou com os meninos, não tem onde eu deixar meus meninos, não tem onde eu ficar, eu tou morando na rua”. Ele falou: “Rapaz, eu vou tentar arrumar um lugar pra você. Amanhã quando eu vier eu já te dou uma decisão”. Aí foi, falou com o Paulo, meu ex-patrão que é uma boa pessoa também pra mim, foi ideal, foi a pessoa que mais já me ajudou quando eu cheguei na Fercal. Eu fui, ele falou: “Já falei com o Paulo, ele falou que você pode ir pra lá, só que você vai pagar um aluguel pra ele”. Tudo bem. Eu pagava 80 contos naquele tempo pra ele, e eu paguei uns dois meses, uns três meses por aí. Então quando o Maranhão me arrumou aquela chácara naquele lugar, tava tudo quebrado, tudo cheio de bosta de boi, eles dormiam lá, o gado dormia lá dentro, né? Então aquilo eu fui limpando, tirando, colocando os meus meninos lá, o meu menino e a minha menina lá no chão, nós dormíamos no chão. Aquilo foi uma coisa que eu... Não era um conforto, mas eu agradeço até hoje a Deus e o Maranhão que me cedeu, porque senão eu ia ficar trabalhando na Ciplan e morando com os meus meninos ali no muro da Ciplan, que eu não tinha onde ficar. Mas aí eu ainda era feliz.
P/1 – O senhor passou alguma noite na rua, seu Antônio, com as crianças?
R – Não cheguei a passar, mas por quê? Eu tinha minha tia ali, então eu passei umas noites lá na casa do meu tio, só que não era aquele conforto, eu sentia que eles não, né? Então eu senti que eles não queriam estar ali, os filhos dela lá. Aí eu não reclamava nada. Eu não reclamava por quê? Eu tava ali, ainda agradeci a Deus de eles me darem cobertura pra eu estar ali. Quando eu arrumei esse lugar, aí eu: “Agora que eu tou feliz mesmo”. Eu fui pra lá, Tereza, só o mato. Eu não tinha tempo de limpar e ficava, e trabalhando. Aí passou pra eu trabalhar das sete às quatro, cinco horas. Depois passei, eu só chegava meia noite. Quando eu chegava meia noite ainda ia fazer comida pros meus meninos comerem. Meia noite.
P/1 – Até que a sua esposa...
R – Até que minha esposa chegou.
P/1 – Qual o nome dela?
R – É Maria de Jesus.
P/1 – O nome completo.
R – Maria de Jesus Alves Antunes.
P/1 – E seus filhos?
R – Meus filhos, tem a primeira é Lucimeire, só que ela não tem meu sobrenome, Lucimeire Alves Antunes, porque naquele tempo quando a mãe registrava não tinha o nome do pai. Eu não tava em casa e ela registrou. Tem o Ismael Alves Antunes também, o mais velho. Tem a Leila, Leilian, e tem o Geniel que é esse que saiu aqui, que é Alves da Silva.
P/1 – E depois, o senhor veio, arrumou esse lugar, mas ele faz parte de Fercal? Essa chácara fazia parte já de Fercal?
R – É aqui nas curvas ali.
P/1 – Sei. Aqui pertinho. E como que o senhor veio parar aqui nessa comunidade? É muito perto?
R – É muito perto. É a mesma comunidade. Lá da chácara fazia parte da mesma comunidade. Eu pegava água, nesse tempo a Nildinha colocava água pra mim lá na chácara, daqui desse poço que tem ali na XVIII, ali perto do centro comunitário. A água ia pra lá. Então como eu morava lá e depois que eu comecei a melhorar as coisas, eu fui tendo as coisas, eu fui trabalhando noite e dia quase, então levei dez anos pra eu conseguir essa casa lá da prainha. Levei dez anos que eu fiz uma casa lá.
P/1 – O senhor foi construindo?
R – Isso. Fiz uma casa muito boa. Só que eu vivia numa área de risco e tal, só que minha casa nunca tinha entrado água lá dentro, nunca fez nada. Mas como tirou as outras pessoas lá, teve que me tirar também.
P/1 – Ah, sim. Conta então, seu Antônio, o senhor continuou trabalhando nessa empresa, que a sua esposa foi procurar o senhor lá.
R – Isso.
P/1 – O senhor continuou bastante tempo lá?
R – Continuei. Eu fiquei lá um pouco tempo. Eu fiquei lá uns dois anos só, por causa do salário.
P/1 – Depois o senhor foi pra qual?
R – Depois eu trabalhei na Fibral. Da Fibral eu fui pra outra, foi em Brasília que eu trabalhei aqueles oito anos que eu falei.
P/1 – Certo. E o senhor falou que era em Brasília essa outra que o senhor trabalhou oito anos?
R – Oito anos? Foi.
P/1 – E qual atividade do senhor lá, pra gente deixar registrado?
R – Eu trabalhava na limpeza.
P/1 – Certo.
R – Eu trabalhava na limpeza na Servicon. Eu entrei lá trabalhava na limpeza. Então daí eu fui trabalhando, foram oito anos com... Aí com três anos, eu já tirei como encarregado, foi nessa empresa lá que eu tirei como encarregado lá dentro. Então era aquilo que eu ia falando, quando chegou um dia eu trabalhava no segundo andar mais o Dito, aquele companheiro da foto que tá abraçado com a mulher assim, eu era encarregado dele e ele é formado. Então foi aí onde foi a confusão lá dentro com o pessoal, tinha uma menina, tinha professora e tinha tanta gente que falava assim: “Rapaz, eu não vou obedecer esse companheiro, não. Por quê? Nós formados e vem dar um cargo desse pra uma pessoa que não sabe ler, não sabe nada? Não. Não vou obedecer, não”.
P/1 – O senhor escrevia o seu nome?
R – Só.
P/1 – Mas não lia outras coisas.
R – Não. Não lia outras coisas.
P/1 – E o senhor foi ser, vamos dizer assim, chefe deles?
R – Isso.
P/1 – Em que área ali?
R – Da limpeza.
P/1 – Da limpeza?
R – Tinha uns 88 funcionários.
P/1 – E o senhor sabe como que o senhor foi o encarregado?
R – Olha, no dia que eu tava lá, um dia, assim, mais cedo, era quatro horas, aí entraram duas pessoas, de paletó e tal, andando nos andares tudinho, começou lá de cima e desceu, chegou embaixo onde eu tava: “Boa tarde” “Boa tarde”. Ele olhou pra um lado, olhou pra outro: “Quem que trabalha aqui?” “Sou eu. Trabalho aqui mais esse rapaz aqui.” “Como nos outros andares não está igual a esse aqui?”. Eu falei: “Doutor, é o seguinte, eu não sei porque eu sou uma pessoa daqui pra minha casa, da minha casa pra cá. Eu não vou no andar de ninguém, eu não quero saber se ele limpou, se eles estão limpando, o meu trabalho é esse daqui pra descer pro vestuário, troco de roupa e vou pra minha casa”. Aí também, ele foi embora. Tava com uns 15 dias, aí chegou, passaram quatro, tudo engravatado, subiram, aquilo. Porque quando a gente via essas pessoas lá a gente falava assim: “Hoje vão mandar alguém embora daqui”. Eu também falei: “Eu não sou, porque eu não fiz nada”. Daí a pouco desceu uma menina: “Seu Antônio, estão te chamando lá em cima”. Minhas pernas tremeram, meu coração tum, tum, tum: “Pronto. Vão me mandar embora. Mas o que eu fiz que vão me mandar embora? Eu não fiz nada, tou trabalhando, não mato dia nem nada”. Quando cheguei lá tava uma mesa grande, aquela roda aqui, todo mundo sentado ali, tinha mais gente e uma cadeira vazia bem aqui. Cheguei, falei: “Bom dia.” “Bom dia. Pode sentar aqui”. Eu sentei. Mas estava eu aguentando assim, mas eu tremia tudo. O chefão da cabeceira lá que era o presidente do INSS, ele falou assim: “Seu Antônio?” “Sim.” “A partir de hoje o senhor é o encarregado do órgão”. Aí foi que eu me assustei! Eu falei: “Eu?” “Sim. Você. Você não quer?”. Eu digo: “Querer eu quero, mas tem uma coisa errada”. Que eu já fui logo no ponto: “Tem alguma coisa errada que vocês estão vendo que vocês não sabem, mas outros sabem e tal.” “Por quê?” “Eu vou tomar conta desse cargo, vocês sabem que eu não sei ler e vai ter muita coisa aqui que vocês vão mandar pra mim, eu tenho que fazer um pedido de uma coisa, tenho que mandar pra vocês, eu tenho que receber um documento, tenho que receber isso, vocês sabem que eu não sei. Então o problema...”. Aí ele falou: “Não estamos precisando aqui de gente formada. Eu tou precisando de gente aqui inteligente, gente que trabalha. É isso que nós estamos precisando. É você que é a pessoa, que a gente fez essa reunião, há dias que a gente vem falando isso e é você que tá disponível pra hoje pra nós aqui”. Aí eu falei: “Não, tudo bem”. Aí eles falaram: “Sobre isso aí, você tira uma menina daquelas que trabalha pra trabalhar com você, coloca lá na sua sala pra fazer isso aí pra você. Você vai ver o povo, vai trabalhar com o pessoal nos andares, por aí, ela vai fazer o seu trabalho lá”.
P/1 – Que bacana, né, seu Antônio?
R – Pois é. Aí começou. Ele falou: “Você tem carta branca também, se alguém não quiser trabalhar com você, você pode devolver, ou devolve todo mundo e eu trago outras pessoas pra trabalhar com você aqui. À tarde, três horas, eu quero uma reunião com todo mundo”. Aí três horas já foi lá pra minha sala lá e tal e desceu. Ele chamou todo mundo, falou: “Olha aqui...”.
P/1 – O senhor continuou tremendo, seu Antônio?
R – Tremendo porque eu não sabia nem por onde eu começar, gente. Ele foi e falou pra eles assim: “A partir de hoje aqui quem manda aqui é seu Antônio. É ele que é o encarregado de vocês. Agora, se tiver alguém que tem uma dúvida, que não quer obedecer, não quer trabalhar com ele, é só me falar agora. Eu ajunto todo mundo, devolvo todo mundo pra empresa e trago outras pessoas pra cá pra trabalhar com ele. Mas todo mundo tem que obedecer a ele a partir de hoje”. Aí eu comecei a trabalhar com esse povo e só via cochicho pra um lado, cochicho pra outro e falando, mas eu fui levando de letra, porque aquela inteligência que a gente tem, aquela sabedoria que a gente aprendeu lá na roça, lá com aquele povo lá, a gente usa ela até hoje quando dá certo, né?
P/1 – Seu Antônio, então eu queria saber sobre esse aprendizado. O que ele ajudou? O senhor lidava com quantos funcionários?
R – Oitenta e oito.
P/1 – E como o senhor fez? Que aprendizado é esse pra dar conta?
R – Pois é. Aí é que vem o negócio! Eu comecei a trabalhar com esses meninos, e eles foram gostando. Um dia a menina falou: “Paco, eu pensei que o seu Antônio era ruim, mas ele é uma pessoa muito boa”. E aí foi trabalhando. Três anos, foram três anos do órgão mais limpo que teve, do INSS, foram os três anos que eu governei lá, que eu mandei. Por quê? Eu chegava na pessoa, eu não ia falar aborrecido. Se estavam por acaso três pessoas que trabalhavam aqui, aí só um tá assim, eu não ia chamar aqui os três pra falar, não! Eu chamava ela lá na minha sala e chegava, fechava a porta e falava: “Tá acontecendo isso, vamos melhorar por isso, por aquilo e tal”. Aquela pessoa ficava bem comigo e falava: “Seu Antônio, pode ficar certo que eu vou melhorar”. Por quê? Quando eu faço aquilo, estão nós tudo aqui, a Tereza errou, aí eu vou chamar a atenção na vista dela, na sua vista, na vista dele aqui? Ela vai ficar muito constrangida. Ela vai ficar assim: “Ah, mas o seu Antônio falou isso de mim no meio do povo e tal”. Não. Eu já inventei isso de eu falar com a pessoa sozinho e ali eu fui crescendo, fui crescendo. Outra coisa que dentro da minha inteligência cansou de eu ver o encarregado que tinha, você chegava dez minutos atrasado, ele te voltava pra trás. Dez minutos, às vezes a pessoa perdeu o ônibus, chegava 15 minutos, te voltava, você perdia aquele dia, e eu inventei outra coisa. Você chegava dez minutos, 15 minutos atrasada: “Seu Antônio, eu posso trabalhar?” “Pode”. Eu falava com a menina: “Anota aí, que horas ele chegou?” “15 minutos atrasado.” “Escreve os 15 minutos, o dia, a hora que ele chegou e tudo aí”. Aí escrevia. “Eu posso?” “Pode trabalhar, você trabalha normal, bate o cartão normal, tudo do mesmo jeito, assina normal, vamos trabalhar”. A empresa me deu o maior dez por isso.
P/1 – Mas aí esse tanto que ele chegava atrasado?
R – Sim, espera aí. No sábado tinha que tirar uma pessoa pra fazer hora extra na empresa pra fazer a limpeza lá geral no sábado. Pra lavar com a máquina, pra aqui, pra acolá. Então eu fazia isso, quando você completava um dia de serviço que você tava chegando atrasada, aí você trabalhava num sábado pra mim de graça. Você ia trabalhar, aonde você ia ter aquela hora extra, aí você já ia, ficava satisfeito porque você ia trabalhar, você não perdeu os dias do mês, você tirava o seu mês completo e você ficava muito alegre. Eu falava: “Sábado você vai trabalhar comigo, você tá me devendo isso, isso” “Não, tudo bem” “Então sábado você vem, você e você”. Que eram no máximo quatro pessoas, aí sábado nós estávamos lá, eu ia de manhã, nós trabalhávamos até meio dia, até 11 horas, 11 e meia. Pronto. Ganhava o dia todo. Então até hoje eu chego no INSS lá no Plano, a porta é aberta pra mim, a hora que eu chego os guarda me liberam, eu vou lá em cima. Todo mundo até hoje os que estão lá que trabalharam comigo, até hoje gostam de mim.
P/1 – O senhor se aposentou lá, seu Antônio?
R – Aposentei, não. Aposentei depois. Eu aposentei já pela idade.
P/1 – Ah, tá.
R – Foi. Aposentei pela idade aqui em Sobradinho.
P/1 – Aí quando o senhor saiu de lá o senhor trabalhou pra cá, pra Fercal?
R – Quando eu saí de lá, foi o tempo que eu falei que eu fui pro SAAN. Trabalhei no SAAN um tempo, um ano, dois anos, aí de lá eu voltei, fiquei trabalhando... Deixa-me ver, não sei onde. Eu fui pra Ponta Azul, coloquei um comércio ali também, trabalhando, um comércio, um negócio. E aí foi indo.
P/1 – Eu soube que o senhor teve um bar.
R – Um bar Pop Star.
P/1 – É? Chamava Pop Star?
R – Pop Star. Bar lanchonete.
P/2 – Música ao vivo.
P/1 – Com música ao vivo?
R – Um dia eu lá no bar eu fiquei tão nervoso, eu cheguei a chorar. Por quê? Esse bar dava um ibope tão grande que um dia chegou uma pessoa e tá lá, a pessoa tá tocando e ele chama lá, eu fui pra lá: “Seu Antônio, venha falar com o Domingão do Faustão”. Eu falei com ele de lá de dentro daquele bar.
P/1 – Uai!
R – Falando. O cara filmando aqui, eu falando. Mas nesse dia pra mim foi uma coisa assim, não sei, rapaz! Eu falando e aí o Domingão falando lá, o Faustão falando: “Olha, a gente tá num lugar, Fercal, no bar lanchonete Pop Star, seu Antônio uma pessoa assim”. E a Cleide que tava tocando.
P/2 – Ah, a Cleide Ferraz.
R – Era. Eles estavam caçando talento nesse tempo. Esse negócio tinha um programa caçando talento, né?
P/1 – E quem era o talento ali?
R – Quem tava ali era a Cleide que tava tocando.
P/1 – Ah, entendi.
R – Aí marcaram que era pra levar pra ela, ela ia lá se apresentar no programa, cantar e tal, mas nunca deu certo dela ir, ela nunca foi. Então deu muito Ibope. Cantor famoso ali no Sobradinho quando me via ali na feira falava: “Rapaz, tem um Pop Star, é seu?” “É.” “Nós vamos lá”. Eu falei pro cara...
P/1 – Ah, seu Antônio, por que o senhor fechou?
R – Olha, o negócio é aquilo, naquele tempo, naqueles dias ali tinha umas pessoas que estavam me perseguindo.
P/2 – Foi um grande susto.
R – É.
P/1 – Por quê?
R – É. As pessoas ligavam demais e mesmo uma pessoa que hoje é uma pessoa do povo, um deputado Michel, foi um, Alarcão me perseguiu muito. Michel me topou bem aqui, mas o Alarcão parou o carro e falou: “O senhor sabe que o senhor não pode fazer aquela festa lá?”. Eu disse: “Doutor, eu lhe respeito muito, mas eu vou fazer” “Mas você sabe que tinha muita gente, quando tem muita gente...”. Eu digo: “Doutor, eu vou falar pra você, só faço porque dá muita gente. Se tiver pouca gente eu tomo prejuízo, eu não faço mais”. Aí eu tava com a licença, que eu faço essas coisas, a lei sabe, fui atrás da licença, tudinho que eu podia. Eu trazia uma viatura, botava na frente do bar.
P/1 – Tava tudo em ordem?
R – Tudo. Aí ele começou. Quando foi um dia o coronel foi, eu fui lá, o coronel falou: “Você não tem alvará aqui mais, não. Você não tem licença mais não”. Não tem por que.
P/1 – Tinha a licença?
R – Eu tinha.
P/1 – E ele disse que não ia ter mais.
P/2 – Que eram aquelas licenças provisória e ele tinha que renovar sempre.
R – É. E ele falou: “Alguém derrubou sua licença. Tirou. Você não tem mais licença” “Quem foi?” “Não sei. Foi gente de lá da onde você mora, lá da Fercal”. Aí quem veio na minha cabeça? Michel e o Alarcão, que eram as pessoas que não estavam querendo, que eu tinha que fazer, eu tinha que falar com ele, eu tinha que pegar com ele a autorização pra eu ir lá, pra fazer. Eu digo: “Doutor, eu não vou atrás de você, eu não te acho, não sei que dia”. Ele não era... Ele era delegado ainda. Eu disse: “Eu vou é logo no lugar certo”. Foi em todo órgão do Plano onde tem licença pra menor, licença pra isso e pra aquilo. Eu fui lá e trouxe os documentos, tava com ele aí. Trazia a viatura, colocava na frente, quando tinha festa eu colocava uma viatura com dois policiais.
P/1 – E mesmo assim eles pegaram e derrubaram.
R – Aí o coronel lá falou pra mim: “Você quer saber de uma coisa? Aqui no Brasil, quando você quer trabalhar dentro da lei, você não consegue. Trabalho clandestino, ninguém te persegue mais”. Aí eu fiquei. Trabalhei ainda um ano clandestino, sem ter documento nenhum, ninguém me barrou até hoje. Mas tinha dia que o Michel chegava com seis viaturas e um ônibus, aqueles micro-ônibus cheinho de policial, jogava tudo dentro do meu bar.
P/1 – Mas ele era da polícia também?
R – Ele era o delegado. Ele jogava tudo, eu: “Doutor, calma com isso, meu pessoal tá aqui”. Os meninos quando viam a polícia, você sabe que o povo vaza tudo, não fica.
P/1 – E não tava acontecendo nada e ele fazia?
R – Nadinha. Nada, nada. Até um dia eu falei: “Alarcão, eu vou entrar na justiça pra eu saber. Lá eu vou saber se é você ou se é o Ronaldo que tá me perseguindo” “Ah, mas não sei o que...” “Eu vou entrar na justiça por isso. Por quê? O Ronaldo chega aqui e fala uma coisa pra mim, você chega, fala outra coisa, eu não sei qual de vocês me persegue”.
P/1 – E nunca o senhor soube a causa?
R – Não. Aí a gente paga. Aí eu fui lá, mudei pra outro lugar, fechei mesmo e tal. Hoje a gente tá montando o outro ali. Tá montando ali.
P/2 – É aqui lá do lado do Trevão?
R – É. Ali no Chega Mais.
P/1 – O senhor tá montando outro?
R – Estou.
P/1 – Então nós vamos conhecer logo mais.
P/2 – No Chega Mais é ali do outro lado.
R – É. Do lado da igreja.
P/2 – São vocês que já estão fazendo evento lá?
R – É. Ali é nosso.
P/2 – Pensava que não vendia lá. Dizem ninguém ia ali.
R – Está vindo. Tá assim, o pessoal de sábado vem muito porque é familiar, aí se você tem criança você pode vir que aí o reserva fica lá, os meninos correndo lá. Não tem perigo de eles saírem pra rua.
P/1 – É de sábado que o senhor faz?
R – É sábado.
P/1 – Tipo uma festa?
R – A gente faz música ao vivo na sexta, aí no sábado é só mesmo o pessoal chega, não tem música, só um sonzinho bem baixinho, que eu não gosto de som alto.
P/1 – E o senhor serve alguma coisa?
R – Ali por enquanto tá tendo hambúrguer, cachorro quente, carne de sol, galinha caipira quando a pessoa pede. Sábado passado o cara falou lá da Ciplan, ligou: “Você arruma uma galinha caipira aí?” “Pode vir” “Pra oito pessoas”. A gente foi lá, arrumou uma galinha caipira, eles chegaram, também não ficou bebida, não ficou nada, beberam tudo. Lá da Ciplan.
P/1 – Seu Antônio, agora a gente quer saber do movimento que o senhor participou. O senhor disse que morava naquele lugar que era área de risco e aí teve alguma coisa que o senhor teve uma participação. Conta pra gente como é que foi.
R – Eu morei ali na Prainha, na área de risco. Quando veio 2008, nós… Desde 2002 que o Joaquim Roriz falou que a gente tava numa área de risco, não podia fazer mais nada. Aí nós começamos. Quando nós começamos a ir pra rua, ir lá no Buriti e ver como é que é esse negócio eram 28 famílias. Eu tenho um documento até hoje, tem 28 famílias da Prainha a Boca do Lobo. 28.
P/1 – Era perto do córrego?
R – Isso. Perto do córrego. Quando deu 2008 já foi tirado da Prainha com Bananal, com esse povo tudo, foram tiradas 145 famílias, que foram tiradas. Quando nós começamos a mexer com isso nós tínhamos 28 famílias, né? Então a gente começou a trabalhar, eu, o Severino, as outras pessoas, a gente fechava aquela pista ali, fazia aquele movimento.
P/1 – E qual era o movimento? Vocês reivindicavam o que no movimento?
R – A moradia. Porque se a gente tava numa área de risco, que nós não tínhamos mais direito de fazer nem uma casinha pra um cachorro, nós queríamos ter uma moradia. Nós nunca conseguindo, ficando daquele jeito, não podia fazer nada, você não tinha direito de nada. Então dali a gente passou, quando foi 2008 com o Arruda, aí os meninos falaram assim: “Seu Antônio, como é que nós vamos fazer?” “O dia que vocês quiserem ir comigo lá vamos”.
P/1 – Que meninos que perguntaram?
R – Os moradores.
P/1 – Sei.
R – Eu fui, arrumei um ônibus, eu digo: “Eu vou arrumar um ônibus e cada um paga a passagem” “De quanto?” “Nós pagamos três contos pra ir e vir”. Arrumei 92 pessoas, coloquei dentro desse ônibus e fui, até no Buriti ainda que ficava.
P/1 – O ônibus mais que lotado.
R – Lotado. Quando eu cheguei lá eu desci, bati no portão, o guarda falou: “O Arruda não tá aqui hoje” “Mas tem o vice dele” “Não vem hoje também” “Então pode arrumar que nós vamos morar aqui. Daqui eu não saio, não”. Ali tinha um restaurante de frente, eu fui lá, digo: “Olha, você faz comida pra 80 pessoas aqui?” “Faz” “Demora?”. Porque já tinha passado o almoço, pedi já pra fazer o almoço pra esse pessoal que estava com ele lá. “Dá umas duas horas, por aí”. Aí nós voltamos, tinha um sinal assim, coloquei todo mundo deitado no meio da pista.
P/1 – Lá no Plano Diretor?
R – É. De frente ao Buriti do governador.
P/2 – Na sede do governo.
R – Na sede do governo. Coloquei todo mundo no chão. Daí a pouco tinha tanta polícia, tanta polícia que eu digo: “Não tem medo, não. Eles não vão bater em nós nem vai levar ninguém preso, não. Só o que nós temos que fazer? Abrir a pista. Sai fora que eles vão fazer comida, tá fazendo aí, daqui a pouco...”. Aí fez a comida, eu fui lá, coloquei todo mundo, paguei o almoço de todo mundo. O dinheiro do ônibus, o ônibus eu lembro foi 300 contos pra ir lá e vir, então a passagem deu pra nós fazermos a comida, pra nós almoçarmos e pagar o transporte pra nós irmos. Três contos pra ir e vir, então o que sobrou nós fizemos a comida lá, pagamos o almoço aí fomos ficando. Aí quando deu mais ou menos umas três horas eu montei uma comissão de cinco pessoas comigo, disse: “Vamos lá pra dentro”. Quando são quatro horas, se não deu nada aqui vocês começam a fazer o movimento aqui fora, apitar no apito, bater nas latas, bater nas portas, fazer zoado que ele vai aparecer. Deu umas quatro horas nada, quatro e meia aí eu passei o telefone pra eles lá: “Eu to sentado aqui numa cadeira desde três horas, não saio daqui e não vem ninguém”. Deixou-nos lá, não apareceu ninguém. Aí começou aquele movimento. Deu cinco horas desceu um helicóptero lá, desceu, ele chegou, o Arruda. Chegou, desceu por lá, entrou pra lá, daqui um pouco o guarda veio: “Quem é Fulano de tal?” “Sou eu.” “Você tem uma comissão?” “Eu tenho aqui esse aqui, esse aqui, esse aqui” “Pode entrar”. Nós entramos. Aí toma outro chá de cadeira lá dentro. O pessoal todo lá fora, menino com três meses de nascido no colo lá fora. Nós estamos lá e daqui a pouco eles chamam pra outra sala, outro chá de cadeira. “Não. Não se preocupa, não. É aqui mesmo que nós vamos ficar”. Quando deu umas sete e meia da noite, ele chamou. Nós entramos, uma sala lá com tapete vermelho, tudo. Nós entramos, sentava no sofá, o sofá ia lá. Eu digo: “É aqui mesmo, meu amigo”. Nós ficamos de boa, tiramos foto, tudo. Quando ele me olhou ele falou pra mim: “Você eu já conheço. Já sei o que é o seu causo. Já sei o que você tá querendo.” “Pois é. Você sabe, vamos resolver isso aí”. Aí ali a gente já foi conversando com ele e tal, ele já foi falando: “Na primeira quinzena de janeiro eu tou lá. Eu vou resolver esse seu problema” “Governador, você tá falando sério? Eu posso acreditar em você?” “Pode”. Aí liberou a gente umas oito horas. O motorista do ônibus tava pra me bater querendo o dinheiro: “Meu patrão tá ligando, meu patrão isso...” “Meu amigo, se eu te der o dinheiro, tu vai-te embora e eu vou ficar aqui com o que? Agora tu pegas o teu ônibus e vai embora e eu vou ficar com o dinheiro e o frete do outro ônibus levo pra casa”. Por isso que tem hora que eu falo, a gente às vezes tem aquela inteligência, porque tem hora que você passa aquele branco, o cara: “Ah, me dá o dinheiro aí”. Você passa o dinheiro e você ficava lá com o povão todinho. “Não. Eu só te pago na Fercal”. E assim ficou. O Arruda falou, e certinho, nas primeiras semanas de janeiro de 2008, tava chovendo...
P/2 – Esse movimento foi em que mês mais ou menos?
R – Foi em janeiro de 2008.
P/2 – E ele no mesmo mês...
R – É. Que ele falou, ele veio.
P/2 – No mesmo mês?
R – Tava chovendo e ele veio com chuva. Eu tou lá, quando o Osmar falou pra mim, nós estávamos aquele movimento, um bando de gente, madeira, um monte de gente lá, o Osmar falou: “Seu Antônio, para aí. O chefe desceu lá na pista, tá vindo. Ele vem a pé de lá pra cá”. Aí nós descemos, encontramos ele lá debaixo do pé de manga lá e ele foi conversando com todo mundo, eu já tinha acertado com o pessoal, mas o povo é a cabeça fraca, na hora que vê a pessoa eles não mantêm aquilo que falaram. “Gente, vamos aguentar”. Eles estavam olhando uma terra aqui pra lá pra nós aqui. Quando ele falou pra mim, eu falei: “Governador, vou falar uma coisa pra você, eu não vou pra Samambaia.” “Por que você não vai?” “Porque eu moro na Fercal. Eu moro aqui na Fercal, então eu não vou”. Aí veio mais outro, a Minervina chegou e falou a mesma coisa. Agora os outros, chegou aquele mutirão de gente: “Você quer ir pra Samambaia?” “Quero”. E assinou, assinou aqui todo mundo. Aí nós perdemos as forças. Nós perdemos as forças de nós morarmos aqui num terreno que eles estavam arrumando aqui dentro da Boa Vista. Nós perdemos as forças, fomos pra...
P/2 – Tiveram que ir pra Samambaia.
R – Aí no dia que tava pra entregar esse lote lá, eu fui. Eu falei: “Eu não venho morar aqui”. Com essa menina que tá na foto aí, a Eliana Pedrosa, nós brigamos demais. “Por que você não vai?” “Porque eu não moro lá na Samambaia. Eu vou passar fome, eu não vou ter que o meu trabalho é aqui, quando eu for pra lá, que eu vier pra cá o meu patrão aqui vai me mandar embora e eu vou ficar na Samambaia com fome. Eu não conheço ninguém, não tenho emprego lá”. Aí foi que eu fiquei. Quando foi pra receber os lotes lá, Paulo Roriz tava lá pegando o nome de todo mundo: “Ah, porque eu vou dar um lote na expansão da Fercal”. Quando me falou isso eu corri pra cima. Eu falei: “Ninguém assina esse documento que esse cara aí tá mentindo. Esse cara não tem lote lá na Fercal. Na Fercal nós não temos lotes pra dar pra ninguém, se nós tivéssemos lote lá, nós estávamos lá, não tinha vindo pra cá. É mentira”. E aí foi uma bagunça, juntou o povão tudo em cima de mim aqui, nós começamos a imprensar esse Paulo Roriz lá. Então foi isso e eu não fui pra Samambaia.
P/2 – Os outros foram?
R – Foi, um bocado voltou. Eu daqui vendi meu lote na Samambaia, vendi meu lote errado, quando o cara me liga: “Ah, mas o lote não é esse, é de outra pessoa”. Já tinha murado, já tinha feito tudo. Eu digo: “Rapaz, é o seguinte, eu não quero nem conversa com vocês”.
P/2 – Seu lote não era daquela expansão, era dentro da cidade?
R – Não. Da cidade. É. Então deu um problema doido por causa desse negócio, mas eu resolvi e hoje tem muita gente que me agradece. Tem muita gente que não gostam, porque ninguém gosta de todo mundo, né? Mas tem muita gente que me agradece: “Hoje, seu Antônio, por causa de você eu tenho um endereço”.
P/2 – Mesmo lá na Samambaia?
R – Mesmo na Samambaia. Veio pra cá, outros que vieram falaram: “Eu não tinha nem uma bicicleta, hoje eu tenho uma casa e um carro na minha porta através de você”. Aí eu fico muito feliz por isso por causa que a gente sempre tá ali ajudando uma pessoa de um lado e outro. E sou um “fercalino”, eu tou aqui conversando com vocês, mas se quiser me tirar do sério é só falar mal da Fercal que me tira do sério na mesma hora. Eu pela Fercal faço qualquer coisa, pela Fercal eu tou ali, eu dou o máximo, eu dou tudo pela Fercal.
P/2 – A Samambaia faz parte de Fercal?
R – Não. É no Plano e longe.
P/1 – Seu Antônio, eu vi umas fotos suas num encontro da CUT, da Central Única dos Trabalhadores. O senhor participa também de outros movimentos além desse?
R – Participei de muitos, até em São Paulo, em Goiânia tudo eu já fui.
P/1 – Mas o senhor participava por quê?
R – Porque eu fui diretor do Sindicato de Limpeza de Brasília quatro anos. Então é isso que eu falo, hoje as pessoas falam pra mim: “Como é que você faz isso? Como é que as pessoas te convidam pra ir pra um lugar?”. No tempo da primeira eleição do Lula eu fui convidado pra ir pra São Paulo. Eu tenho foto aí, tirei na praia, porque era a CUT com a Central dos Trabalhadores, então a gente tinha de todo lugar do mundo uma pessoa de lá nesse tempo. Então eu tava lá no meio deles. Eu tava ali e tal, eu tirava foto, conversava. Eu tenho foto aí de todo jeito. Tá lá mais eles, então através do sindicato.
P/1 – Quanto tempo mesmo que o senhor falou que ficou no sindicato?
R – Como diretor eu fiquei quatro anos, aí depois ainda continuei mais um ano. Fiquei uns cinco anos, seis anos trabalhando pelo sindicato lá.
P/1 – Seu Antônio, o senhor é uma liderança tanto do sindicato quanto do movimento dos moradores. Como que o senhor acha que chega a ser essa liderança? Como que o senhor age, por que o senhor vira uma liderança? O senhor consegue me dizer isso?
R – Eu nem sei explicar muito, mas quando a gente tá ali dentro desse movimento a gente... Por um acaso, nós estamos aqui, aí tem essa menina aqui, ela quer liderar alguma coisa, só que ela às vezes não tem aquele cacique, aquela força e eu to lá pra ajudar ela. Aí termina eu passando pra ficar ali naquela liderança, porque termina ela não tendo aquela força, aquela disposição ou aquele medo que ela tem de se expor na frente. Eu tomo conta e vou lá na frente e tal, já estive algemado no meio dessa pista aqui. Já fui preso ali algemado aqui por causa que eu tou brigando pela nossa comunidade. Fui preso em 2004.
P/1 – Foi, seu Antônio, movimento de moradia também?
R – Por causa disso. A polícia chegou, o bombeiro, a cavalaria. Tinha polícia demais e eu não intimidei, não. Quando teve um tempo aí que o Paulo Cavalcante chegou, quando ele chegou, o pessoal abriu: “Ah, mas chegou o administrador e tal”. Aí tinha um banco, um negocinho aqui, eu coloquei no meio da pista e subi pra cima dele. Subi pra cima: “Ninguém arreda o pé daqui. Ninguém. Por quê? Nós temos que ver o que ele tem pra falar pra nós. Se ele chega aqui o que ele é? Então ele é uma pessoa igual eu e você, vamos esperar o que ele tem pra falar. Então nós estamos pedindo aqui as moradias do pessoal que morava debaixo da rede de energia. Então nós estamos pedindo isso aqui pro povo morar, derrubaram as casas deles e agora vai morar onde?” “Não, calma, calma, calma”. Foi conversando com a gente, tal, marcou pro Sobradinho. A gente foi lá, então todo mundo ganhou o lote nesse tempo, o Sobradinho II. Então é isso aí que a gente imagina a liderança, a gente tá ali no meio.
P/1 – O senhor como liderança desses movimentos de moradia, o senhor fazia parte de alguma organização ou era assim desse jeito mesmo que ia fazendo, ia reunindo?
R – Era desse jeito.
P/1 – Não era uma organização, não?
R – Não. A gente nunca teve isso pra montar. Eu sempre quis montar aqui, quando eu tentei eu ia montar o sindicato dos motoqueiros, mas aí não deu certo que já tinha lá no Plano, então eu parei. Eu queria montar uma organização de uma cooperativa sobre a Ciplan em Tocantins. Queria montar assim e tal, mas convidei umas pessoas, convidei outros, não deu certo porque ninguém apoiou. Por que o que é que eu queria fazer? Eu queria fazer entrar com um convênio com a Tocantins, com a Ciplan e montar um escritório, aí você chegava pedindo um emprego, você ia me procurar. Você ia me procurar ali e tal. Isso é coisa da minha ideia. Então quando eu faço isso eu chamo uma pessoa como no caso a Tereza, é uma pessoa mais inteligente, tem mais... Eu já vou atrás dela. “Tereza, eu tenho esse plano assim, assim pra nós fazermos. Você entra com a tua sabedoria, com a tua escrita e eu entro com a minha cabeça aqui, tal, pra nós fazermos isso”. Então eu vou atrás desse jeito. É isso que eu trabalho aqui dentro da comunidade. Eu sempre procuro o Delson. O Delson é uma pessoa que hoje eu falo que o Delson é meu professor porque tudo que eu quero fazer, que eu tou assim meio atrapalhado eu vou lá: “Delson, eu quero fazer isso assim, assim, assim e tal”. Aí ele vai lá e fala pra mim: “Você vai desse jeito assim, assim e tal”. Então eu faço daquele jeito que ele me falou porque hoje eu tenho o Delson aqui na Fercal como meu professor, uma pessoa que quando eu preciso dele ele tá lá junto comigo.
P/1 – Tá certo, seu Antônio. A gente vai terminar, o senhor deixou de falar alguma coisa muito importante que o senhor gostaria de deixar gravado da sua história?
R – Rapaz, tem.
P/2 – Seu Antônio, sobre aquele projeto que você teve pela criação da feira da Fercal que permanece até hoje. É uma feira que muita gente sobrevive da renda que eles têm, que eles vendem as coisas ali. Fala alguma coisa assim sobre esse projeto, você andou demais com essa pasta debaixo do braço.
R – Aí foi uma coisa que é onde você me falou uma coisa que eu queria falar que eu tava esquecendo, o que ela falou e foi muito bom. A feira da Fercal, a gente começou com a Feira da Lua, que chama. Então eu pensei: “Mas por que uma feira? Por que nós não fazemos uma feira aqui na Fercal? Tem que ter uma feira aqui e tal”. Aí eu peguei um carro de som e já coloquei na rua pra ser inaugurado na sexta-feira. Minha ideia era aquilo que eu queria, mas não fui lá no que era a gerência, nesse tempo, falar com as pessoas pra apoiar e tal. Essa é a ideia. E já chamei meu genro, que meu genro já sabe escrever. “Vamos fazer isso?” “Vamos”. Aí nós começamos com carro de som já numa quinta-feira na rua avisando aquela feira na sexta-feira tal e tal hora. Eu tou no Sobradinho o meu celular tocou: “Seu Antônio?” “Sim” “Eu tou ouvindo aqui um…”, era seu Ronaldo “... eu tou vendo uma coisa aqui, que você colocou um anúncio de uma feira aqui na Fercal sem falar com a gente, então eu não vou aceitar. Você podia vir aqui?” “Posso sim, Ronaldo. Tou chegando aí agora”. Peguei meu carro, voltei. Cheguei lá, já chamei a Maronita. Aí nós sentamos aqui todo mundo, ele vai, fala bem forte, não sei o que e tal e eu calado. Eu digo: “Ronaldo, eu vou falar uma coisa pra você, eu te respeito muito, mas a feira eu vou fazer. A Feira da Lua eu vou fazer e vou inaugurar ela amanhã. Foi numa quinta, na sexta eu inauguro ela amanhã”. Aí ele falou uma coisa: “Você só faz essa feira se passar por cima do meu cadáver”. Quando ele falou isso eu tava sentado, eu levantei, bati no ombro dele: “Com todo respeito que eu tenho por você, mas eu vou passar por cima de você feito um trator, vou deixar só a lama no chão, mas vou passar e vou fazer a feira. Você pode escrever”. Aí eu levante, já tou saindo na porta ele puxou na minha camisa, puxou pra trás: “Vamos conversar” “Não tenho conversa. A conversa com você é a feira, você não quer. Só, Ronaldo, que a partir de agora eu vou sair na rua, eu vou colocar a comunidade todinha contra você, nesse instante”. Aí ele puxou pra trás, pegou no meu braço e falou: “Olha, calma. Até eu vou pra festa. Você pode fazer a feira que até eu vou pra festa”. Aí a gente fez.
P/1 – E tinha mais gente lá com você, além de você que é da comunidade?
R – Tinha eu, o meu genro, a Maronita e o Zóinho, tavam lá.
P/1 – O Ronaldo era o que da cidade?
R – Era o gerente, que nesse tempo não era administração, era uma gerência. Hoje se torna um maior meu amigo, é bom demais.
P/1 – E a feira existe até hoje?
R – Até hoje.
P/1 – É de alimentos?
R – É. A da noite, na feira da noite, as pessoas vendem comida, carne de sol, cerveja. Tem muita coisa assim. A do domingo é verdura, tem comida também como pastel, caldo de cana.
P/2 – Tapioca.
R – Tapioca.
P/1 – Até hoje existe a feira?
R – Até hoje.
P/1 – É uma vez por semana?
R – É. Domingo, a feira do domingo, e a Feira da Lua é de sexta-feira, toda semana.
P/1 – À noite?
R – À noite.
P/2 – Aí tem música, não é?
R – É.
P/2 – E você tinha dificuldade? Quem te ajudava a trazer as músicas, os cantores? Como era feito?
R – O nosso conhecimento quando nós começamos a fazer a feira era do Pop Star. Começou dali. A gente com conhecimento com os músicos, com as bandas. Então quando eu contratava uma banda pro bar Pop Star, uma, aí às vezes tinha quatro, quatro bandas que iam ajudar outra lá, conversar comigo e tal. Então era assim, quando nós mudamos pra feira não deu dificuldade. Nós trouxemos as melhores bandas, trouxemos Luiz Caldas, não foi? Veio o Luiz Caldas, só que tinha ajuda da Cultura do Toninho de Souza, né? Mas aí hoje nós não temos isso aqui mais, porque as pessoas não fizeram parte com a Cultura. Então nós fizemos isso e tá aí hoje, nós temos a nossa feira e eu não faço parte mais, porque quando teve a eleição aí outra pessoa ganhou.
P/1 – A eleição do que?
R – Da associação da feira. Andei muito com os papéis que ela tá falando debaixo do braço, pedindo um e outro pra assinar. Documentada aquela feira ali, quando eu entreguei pra ele tem documento, fiz o estatuto, tem tudo, as pessoas me ajudaram a pagar. Ajudaram a pagar, que foi naquele tempo 600 contos pra registrar a feira com estatuto. Então foi muito bom e hoje a gente tem ela aí. Não tá mais igual como era, mas ainda tem a nossa feira aí. Tá cobertinha, hoje tá coberta, não dá mais aquela multidão de gente que nós fazíamos. Por quê? É o que eu falo, se você sabe fazer isso aqui que vocês estão fazendo, se eu te colocar pra fazer outra coisa você não vai dar conta, né? Então é isso aí. A feira passou pra umas pessoas que sabem, mas não sabem fazer aquilo que nós fazíamos, contratar as bandas, ter o carisma com aquelas pessoas. Nós fazíamos festa ali que a pessoa vinha de graça. Junto com a Cultura, nós chegamos a trazer bandas famosas, bandas famosas da gente ali até no centro comunitário, na praça ali enchia de gente demais, demais. Eu cheguei a vender. Eu pegava, vendia a cerveja ali, eu botava a minha cervejinha lá pra vender das oito da noite até onze e meia da noite eu vendia 60 caixas de cerveja. Cansei de fazer isso ali quando tinha muita gente. Hoje a rádio, a inauguração da rádio, no aniversário da rádio, eu vendia isso aí. Eu lembro como se fosse hoje, teve um aniversário da rádio, eu cheguei, coloquei minha cerveja, quando eu terminei eu tava com mil e cem reais no bolso vendendo latinha ali.
P/1 – Seu Antônio, e tem a rádio também, né?
R – Tem.
P/1 – Que o senhor que organizou?
R – Não. A rádio foi o Romualdo, foi outra pessoa, uma pessoa muito boa também, organizou.
P/1 – Então ele vai ter que contar depois pra gente a história.
P/2 – A gente vai tentar localizá-lo.
R – Então a gente aqui na Fercal, eu tenho o maior carinho pela Fercal, as pessoas me respeitam do maior ao menor. Pessoas vêm pegar orientação aqui na minha porta, perguntar como tá a administração, hoje já mesmo me perguntaram por isso, eu falei: “Tá indo”. Pergunta por isso, eu dou informação de uma coisa, eu dou informação de outra. Então é isso que eu tenho, esse respeito aqui dentro da Fercal e gosto da Fercal por causa disso. O povo, só vejo o pessoal falar assim: “Ah, mas fizeram isso com o Fulano ali”. Eu tenho aqui quase 30 anos, tá chegando, e nunca nem um filho meu nunca teve uma passagem na justiça. Então eu agradeço muito a Deus e a criação que eu dei para os meus meninos aqui trabalhando. Que hoje tem gente que estudou com os meus meninos, está preso ou tá morto hoje. Os meus graças a Deus estão aí. Por quê? Eu aprendi aquilo que os meus pais falavam, né? Vamos respeitar as pessoas. Se eu respeitar você com certeza você vai passar no carro ali, você me respeita. O Lima, uma vez nós sentados lá na sala dele lá e tal, o Lima veio falar uma coisa pra mim que eu não gostei, aí eu falei pra ele: “Lima, eu vou falar uma coisa pra você, meu amigo. Eu posso é não saber o que você sabe, não ter a leitura que você tem, mas burro eu não sou. Você pode ficar certo, burro eu não sou”. Falei três vezes isso pra ele em seguida. Hoje eu passo pelo Lima, ele tá passando no carro, ele queima pneu, volta de ré e fala comigo: “Meu amigo, tudo bem?”. Agora, se eu tenho deixado ele me tratar como uma besta, como um burro, um ignorante, hoje ele nem falava comigo, ele sabia que eu era uma pessoa à toa da rua. Eu falei pra ele: “Eu posso é não ter a leitura que você tem, mas burro eu não sou de jeito nenhum. Você pode entrar aqui dentro da comunidade e perguntar a todo mundo aqui. Se preciso junto a comunidade aqui e te tiro daqui. Burro eu não sou, não”.
P/1 – Muito bom, seu Antônio.
R – Essa mulher que tá comigo na foto aí, Helena Pedrosa, uma coisa. Quando foi um dia eu juntei o pessoal aqui todinho, ela tava lá na gerência, eu falei: “Gente, é o seguinte, vamos ver o que essa mulher tem porque ela me prometeu um negócio ali pra um pessoal que morava aqui e ela não cumpriu”. Aí quando eu tou aqui, que ela passou no carro, eu juntei, eu tinha 80 pessoas comigo, eu fui lá. Soltei os cachorros, ela falou: “Você tá destratando a autoridade”. Mandou uns policiais que tinha lá me prender, eram dois, mandou ali onde era a gerência, hoje a administração, mandou me prender. Só que os policiais chegaram, tinha o pessoal todinho aqui atrás de mim. Quando deu ordem de prisão eles falaram: “Pode levar nós todinhos” ergueram os braços aqui “Pode levar todo mundo, você tem onde nos colocar, pode levar. Pra levar ele, tem que nos levar. Aí não me levaram. Então hoje eu tenho consideração por ela e ela por mim, respeita bem, então a gente trabalha. Eu trabalhei já com ela, uma boa pessoa. Mas a gente tem hora que tem que se expor. Você não tem que se entregar muito para as pessoas porque eu sou isso, eu sou aquilo. Dentro da Tocantins, em
2007 eu fiz um curso sem eu saber. Eu fiz um curso dentro da Tocantins e aí eu tenho esse diploma hoje aqui como delegado, 2007, delegado da Civil dentro da Fercal. Eu tenho diploma também assinado pelo José Alberto Arruda. Tá aqui. Eu tenho aí.
P/1 – Sim.
R – Eu tenho muita história, gente. Eu tenho muita coisa aqui dentro, aqui guardada em casa, eu tenho um monte de papel até dessa altura. Eu tenho jornal, que eu já fiz entrevista, já veio, já tá comigo. Eu tenho muita coisa. Se for pra nós conversarmos, aqui eu passo o dia todinho. Eu acho que eu fui bem que eu nem gaguejei, né?
P/1 – Tá ótimo, seu Antônio. Infelizmente a gente vai precisar encerrar, porque a gente vai pra fazer outra entrevista. Infelizmente, porque eu queria perguntar muitas coisas ainda pro senhor, queria ouvir muito mais das histórias, das experiências que o senhor viveu. Mas o que o senhor achou de contar a sua história pra gente, pelo menos esse pedacinho?
R – Eu achei bom demais. Eu achei bom porque sempre eu falava assim, se um dia eu sentar pra contar o que eu sei, o que eu já passei aqui dentro da Fercal, vai dar um livro. Então um dia vai acontecer. Aí chegou. Chegou a vez. Só que ainda tem muita coisa!
P/2 – Vai ter outra oportunidade.
R – Tem. Porque eu ajudei, gente, aqui, esse lote, a Fercal não existia ali. Ele foi lote, eu loteei lote por lote ali ajudando.
P/2 – Com certeza nós teremos outras oportunidades de estar aqui pra ouvir tudo que você não pode contar dessa vez, que é tão importante quanto o que você colocou agora, pra gente continuar com esse registro. Nós vamos continuar com esse trabalho.
R – Exatamente.
P/1 – A ideia é essa viu, seu Antônio? Hoje é um pedacinho só da história. Por isso que a Tereza tá aqui. Se vocês quiserem, vocês vão continuar registrando e o portal do Museu da Pessoa está aberto pra colocar toda essa história, que aí alguém vai transcrever e vai colocar lá.
R – Eu tou à disposição de vocês o dia que quiserem conversar comigo, tanto faz ser aqui como na rua, como lá no outro lugar, eu tou com a mesma disposição.
P/1 – Foi ótimo. Muito bom. Tanto é que eu queria continuar aqui. Obrigada viu, seu Antônio.
FINAL DA ENTREVISTARecolher