Meu nome é André Philippe de Seabra nasci em quatro de novembro de 66 eu nasci em Washington D. C. Meus pais são Alexandre José Jorge de Seabra e Silvia Mara Brasil de Seabra. O meu pai trabalhava no consulado americano em Belém na década de 50 porque, claro, a capital, Brasília não existia ainda. Tinha um corpo diplomático, tinha representação. A embaixada ficava no Rio de Janeiro e o único consulado, que ficava em Belém. Aí, ele saiu um dia pra ver uma peça de teatro, minha mãe, filha de deputado, morava em Belém, tinha 19 anos apenas. Meu pai encontrou uma menina 20 anos mais nova, casaram e foram embora pros Estados Unidos. E nós três nascemos lá, tenho mais dois irmãos. Eu nasci em Washington e fiquei lá até os nove anos de idade. Para Brasília eu mudei em 76. Foi meio estranho. A minha referência era americana, eu era um americano, eu ia pra um colégio católico, mas eu tinha essa coisa do Brasil porque eu tinha uma mãe brasileira. Minha mãe também estava tentando se adequar e tentando ser aceita no comecinho do movimento civil americano, do civilian rights mouvement. Então ela acabou tingindo o cabelo, eu lembro da minha mãe loira. Não tinha muito essa ligação do Brasil. Meu pai trabalhava diretamente com o presidente americano, entre a administração Kennedy até a administração Ford, o meu pai era o tradutor pessoal do presidente para línguas latinas, ele era o chefe de departamento de línguas latinas. Por exemplo, quando o Papa chegava ou o presidente que visitava o papa era o meu pai que sempre acompanhava. Quando o papa chegava da delegação chegava nos Estados Unidos, o meu pai que acompanhava. Quando o Juscelino foi pro Estados Unidos só aparece o meu pai. As fotos mais famosas do Juscelino são engraçadas, você vê o John Kennedy, você vê o outro JK, o JFK, o JK, e o meu pai no meio ali, parecendo um grande estadista. Aí ele se aposentou em 1966 durante a administração do Gerald Ford e acabou mudando...
Continuar leituraMeu nome é André Philippe de Seabra nasci em quatro de novembro de 66 eu nasci em Washington D. C. Meus pais são Alexandre José Jorge de Seabra e Silvia Mara Brasil de Seabra. O meu pai trabalhava no consulado americano em Belém na década de 50 porque, claro, a capital, Brasília não existia ainda. Tinha um corpo diplomático, tinha representação. A embaixada ficava no Rio de Janeiro e o único consulado, que ficava em Belém. Aí, ele saiu um dia pra ver uma peça de teatro, minha mãe, filha de deputado, morava em Belém, tinha 19 anos apenas. Meu pai encontrou uma menina 20 anos mais nova, casaram e foram embora pros Estados Unidos. E nós três nascemos lá, tenho mais dois irmãos. Eu nasci em Washington e fiquei lá até os nove anos de idade. Para Brasília eu mudei em 76. Foi meio estranho. A minha referência era americana, eu era um americano, eu ia pra um colégio católico, mas eu tinha essa coisa do Brasil porque eu tinha uma mãe brasileira. Minha mãe também estava tentando se adequar e tentando ser aceita no comecinho do movimento civil americano, do civilian rights mouvement. Então ela acabou tingindo o cabelo, eu lembro da minha mãe loira. Não tinha muito essa ligação do Brasil. Meu pai trabalhava diretamente com o presidente americano, entre a administração Kennedy até a administração Ford, o meu pai era o tradutor pessoal do presidente para línguas latinas, ele era o chefe de departamento de línguas latinas. Por exemplo, quando o Papa chegava ou o presidente que visitava o papa era o meu pai que sempre acompanhava. Quando o papa chegava da delegação chegava nos Estados Unidos, o meu pai que acompanhava. Quando o Juscelino foi pro Estados Unidos só aparece o meu pai. As fotos mais famosas do Juscelino são engraçadas, você vê o John Kennedy, você vê o outro JK, o JFK, o JK, e o meu pai no meio ali, parecendo um grande estadista. Aí ele se aposentou em 1966 durante a administração do Gerald Ford e acabou mudando de volta para o Brasil. O porque eu não sei direito, mas minha mãe queria ficar perto da família dela. Nós todos mudamos, e como eu tinha apenas nove anos de idade eu não tive muito parecer na história, eu tive que acompanhar. E chegando aqui foi muito estranho porque, como eu já tinha falado, eu não tinha essa ligação do Brasil, nem minha mãe. A minha mãe tinha cabelo loiro eu não fazia associação. Passava na televisão os desenhos animados do Zé Carioca. Nunca esqueça que a Carmem Miranda foi contratada pelo Departamento de Estado Americano pra tentar melhorar as relações latino-americanas e do Brasil só que a América Latina era uma coisa só. Tipo, capital Buenos Aires onde todo mundo dançava o tango. Não era tangível pra mim, mas minha mãe querendo voltar pro Brasil ela colocou a gente pra aprender espanhol, porque não tinha nenhum curso de português, curioso isso, né? Não tinha nenhum curso de português e também curso particular pra criança nove anos de idade. Eu comecei a aprender um pouquinho de espanhol. Eu lembro a única coisa que eu lembro andando pelo colégio cantando feliz: “feliz navedad, feliz navedad.” Assim um corinho, é nada. Nós mudamos pra cá, até hoje você deve reparar um sotaque meu. No Brasil eu fui direto pra Escola Americana que o meu irmão veio antes. Os três irmãos, o meu irmão Rick, do meio, ele veio antes e não gostou da experiência de estudar numa escola brasileira, não se adaptou. Então quando eu cheguei, eu já fui direto pra uma Escola Americana e é o mesmo tipo de horário você estuda de oito e meia às três horas da tarde. Você está imerso dentro de uma cultura tão cosmopolita quanto Washington, bem ou mal, que eu acho uma coisa fantástica que nem essa. Hoje em dia a Escola Americana é uma coisa de novo rico e, bem; eu não posso citar os nomes, mas todo esse graúdo aí que você vê todo o escândalo financeiro eles estão lá. Então pra mim não seria mais um lugar legal pra você mandar um filho, mas naquela época você tinha todo um corpo diplomático era muito interessante, sabe? Na minha sala de aula tinha pessoas do mundo inteiro. Eu estava mais ou menos acostumado com isso em Washington eu acho. E isso ajudou a minha transição. Mas chegando em Brasília, bem; vindo de Washington que é a cidade mais arborizada do mundo, assim mais árvore per capita, do mundo e chegando era completamente árido. Asa Norte, Lago Norte não existia, um ano depois, no final de 76, a gente comprou nossa casa que foi a primeira casa da QI 08 do Lago Norte, não tinha nada, nada nem iluminação, quer dizer, iluminação pública, era estrada de terra até chegar lá assim. A QI, a QI8, a QI10 tinha asfalto, mas entrando nos conjuntos não tinha nada. Muito seco, muita poeira eu lembro disso. Eu fiquei um tempo na 105 Sul, morando com o meu avô. E a Asa Norte, na minha visão de criança, mas eu sentia que as pessoas melhores de vida moravam no Lago Sul e na Asa Sul. Sentia que a Norte, hoje em dia não, Asa Norte era meio ralé, mas isso na visão de uma criança. Foi muito estranho, mas a experiência Brasil foi muito estranha pra mim. O leite tinha um gosto diferente, a roupa que as crianças usavam, esse jogo estranho que você fica correndo atrás de uma bola redonda e não aquela bola oval de futebol americano. Como criança eu comecei a andar com a turma do bloco. Que é uma coisa bem Brasília. Mas eu só tinha oito anos de idade. Eu lembro uma vez a gente passou um tempo na 705, na 705 você tinha as casas. Na época você tinha só as casas, hoje em dia você tem muito comércio, muita coisa provavelmente funcionando sem alvarás. Uma vez eu queria sair com a minha bicicleta e minha mãe, acho que bastante orgulhosa desse lado americano, ela comprou uma bicicleta, era uma bicicleta importada e era toda vermelho, azul e branco. E eu fiquei meio envergonhado com aquilo. Eu tinha visto uma preta que eu queria comprar, eram uns brinquedos que a gente comprou antes de mudar pro Brasil. E eu lembro disso, eu criança já estava meio ligado nessa coisa de você ser um estrangeiro num outro país e você ostentar a sua nacionalidade. Isso já me incomodava com aquela idade. E essa bicicleta, eu provavelmente apanhei por causa disso, o moleque tentou roubar, mas um dia quando eu queria sair com as crianças meu avô, que o meu pai ainda estava cuidando da mudança lá dos Estados Unidos, terminando a aposentadoria e não sei o que. Então a gente estava morando com o avô, depois a gente passou pra 705 enquanto que a nossa casa estava sendo construída na QI8. O meu avô me deu um tapão assim na cara porque eu quis sair com as crianças, não quis deixar, eu nunca esqueci e aí eu comecei a ver o lado cultural também, sabe? A relação, talvez, do norte, norte, nordeste, sabe? Sociedade mais patriarcal. Eu não sei direto mas lembra que é uma análise de uma criança, meus pais nunca levantaram um dedo pra mim e eu nunca esqueci até o meu avô faleceu já há alguns anos acho que até hoje eu não o perdoei por causa disso. E aí eu comecei a andar com a turminha da rua, mas a minha grande turma mesmo era dentro da escola porque a Escola Americana ou o sistema americano de ensino, pelo menos, um lado positivo, é que ele estimula muito esse lado extracurricular das crianças. Não é só aquela coisa você estuda das sete ao meio dia e tudo mundo vai embora. E foi o que levou começar a tocar violão, e começar a me interessar mais por música. Meus irmãos faziam esportes e a gente morava longe e na época o Lago Norte era longe mesmo, porque não tinha nada até lá. A padaria mais próxima ficava na 109 Norte pra você ter uma idéia, né? Não tinha nada, o comércio nada. Nem sei porque a gente mudou pra lá. Tivemos duas opções de mudar pra 113 ou era a 111 onde morava os americanos, muitos americanos assim da embaixada, ou mudar pro Lago Norte. No caso tinha um apartamento que estava sendo construído na frente da nossa quadra e minha mãe não gostou muito do barulho por causa da construção. Aí mudamos para o Lago Norte. Essa mudança pro Lago Norte foi uma mudança de vida e realmente minha vida deu uma bifurcada ali. É porque foi ali que eu conheci o André, com quem eu fundei a Plebe Rude e foi ali que andava a galera do Aborto Elétrico na época que todo mundo ficava na casa do Fê. Mas foi toda essa convergência da rapaziada e isso começou através da Escola Americana também porque o Dinho Ouro Preto estudou lá, o irmão dele Afonso Ouro Preto, que foi o primeiro guitarrista do Aborto Elétrico, e o primeiro do Legião, bem no comecinho. E foi por causa do Ico, chamo o Afonso de Iço, que eu comecei a tocar violão. Isso porque eu vi uma turma em volta dele, depois do colégio, na Escola Americana. Eu não sei se foi a música que estava tocando que me encantou ou se foi a platéia em volta que me encantou, não sei, mas eu comecei a tocar violão por causa disso. Porque meus irmãos faziam esportes e a gente tinha que ir todo mundo junto para casa. Então eu tinha que ficar três horas quando o colégio terminava até às cinco. E aí eu comecei a tocar violão por causa disso. É engraçado como vai moldando isso. Meus dois irmãos se formaram, o Alex se formou em 80 e o Rick se formou em 82 e eles foram embora pros Estados Unidos estudar que a escola americana te prepara pra isso. O currículo tudo certinho. E eu, sei lá, nunca me identifiquei com essa coisa. Sei lá, eu sempre fui o mais brasileiros dos irmãos. Olha só que engraçado. Desde criança eu tinha até vergonha da bicicleta com as cores da bandeira cheia de estrelas, “USA” escrito. Aquilo me incomodava então eu acho que carreguei aquilo na minha infância. Nada de ser anti-americano, não é nada disso, muito pelo contrário. Mas eu sempre me senti mais brasileiro assim, apesar de ter nascido lá, crescido lá. Mas o que realmente deu o estalo pra mim que eu fui o primeiro, eu fui umas das primeiras pessoas da escola, que eu lembre assim, que começou a ter amigos fora da escola. Eu comecei a andar com a turma tinha, 13, 14 anos. Essa turma veio através do André, o André Muller, que também estudou na Escola Americana e o irmão dele Bernardo Muller também estudou na Escola Americana. E eu acabaria fundando, eu acabaria por fundar a Plebe com o André um, dois anos mais tarde. Quando eu comecei a conhecer música Punk, porque o grande lance nessa turma toda, o elo que juntava tudo foi a explosão do Punk. Quase que simultâneo, por quê? Porque nós tínhamos acesso a todos os diplomatas aqui então a gente conseguia, eu lembro que eu fui o primeiro cara a conseguir o disco do Depeche Mode. Eu consegui uma semana depois do lançamento porque a gente tinha uma tramóia assim: sempre os filhos de embaixador, não era nada ilegal não, mas eles tinham o direito de importar, então importavam pra gente. E foi isso meio que deu aquela faísca assim de todo mundo dessa turma que acabou virando essa coisa conhecida como rock de Brasília. Só que você tem que lembrar que naquela época, o governo Figueiredo tinha censura, repressão, polícia na rua, sabe? Era um ambiente um pouco estranho aí você põe um jovem aqui em Brasília uma cidade sem identidade, sabe? O adolescente sem referência? Os filmes demoravam pra chegar, os poucos que vinham. Eu lembro que chegava quatro, cinco meses depois de passar no Rio, peças de teatros não vinham, a gente tinha poucas opções de cultura mesmo que era, isso foi bem legal acho que na formação. Por exemplo, a Cultura Inglesa passava filmes alternativos, a embaixada da Espanha passava umas coisas diferentes, a embaixada da França também e nós tínhamos acesso a isso, de vez em quando a gente ainda conseguia entrar no Itamaraty pra ver algum filme. Eu lembro. Essa história é famosa assim: ia passar ET no Brasil, ia ser a primeira exibição do ET no Itamaraty. ET aquela explosão vários meses antes do mundo e todo mundo foi lá no Itamaraty conseguir entrar de penetra que a gente conhecia algumas pessoas. Aí começou, aí começo uma menina de cachinho cantando e eu falei “ué?” O presidente não estava, mas eu lembro que tinha várias pessoas importantes, e eu lá atrás olhando. Aí começou um musical e apareceu N, sabe aquele musical daquela criancinha órfã? Eles trocaram os filmes. Mandaram o filme errado e então ninguém viu o ET, tinha que ver no cinema. Isso foi muito engraçado. Então você perguntando os espaços que tinham. Não tinham. Não tinha onde, mas isso que foi o mais legal, sabe? Isso meio que forçou a gente forjar alguma coisa. Onde não se tem se cria. Ninguém era passivo naquela época. Isso foi a coisa mais bonitas assim o grande legado, acho que dessa turma de Brasília e que não foi a toa que virou essa coisa esse movimento provavelmente a música, o movimento de música mais forte que teve desde a Tropicália, sabe? Em termos de êxito e penetração na mídia. Porque eu vou fazer o quê? 14, 15 anos pegando carro, meio escondidão pra poder ir pra um lugar. Vou fazer o que eu não tenho lugar pra ir então vamos criar. Você tem aquelas quebradas todas de Brasília, você tem os lugares beira do Lago. Para o carro ali, abre as portas, abre o porta mala, põe uma fita, né, porque era fita cassete na época, abre um vinho, abre um som e pronto, a festa está feita. Não tem roupa legal? Pô, a gente pega roupa velha, costura põe um broche, não sei o quê e ba, ba, ba e pronto, a gente tem roupa. Não tem música? Não tem banda jovem legal? Porque na época não tinha nada legal na rádio, tocava 14 Bis, tocava Caetano, assim, legal pra jovem, essa música jovem para jovem pra gente se identificar não tinha, não tinha mesmo. Sabe, era um pop ruim e o pop da cidade era um pop ruim assim. Bandas locais eram bandas que tinham “terra”, “sol”, sabe? Tinha isso no nome, sabe, e só pelo nome você já via. Então a gente não se identificava com isso. Então onde não tem se cria então a gente acabou fazendo não tem música legal nacional então a gente acabou fazendo música legal pra gente. Isso foi meio que se catalisando entre a turma e cada um começou a fazer suas bandas e não sei o quê. Cheguei em Brasília com uns oito, nove anos de idade. Eu fiquei aqui até os 18. E eu lembro que a minha mãe me enchia o saco: “Ah, fica, esse negócio de música não vai dar em nada.” E a Plebe já estava começando a ficar uma das grandes bandas de Brasília. Olhando pra trás eu entendo a preocupação dela e tudo mais, claro. Porque não é uma coisa tangível ser a artista no Brasil imagine naquela época. E ela falava: “Mas você quer que um contrato caia do céu é?” E pau Duas semanas depois o contrato caiu do céu bem... Fui embora, sabe? Fechei o contrato rolando e... Fui embora pro Rio e fiquei lá até 94. E daí há pouco tempo depois aí o país estava falido, foi durante o governo Itamar. E aí o meu pai tinha falecido e eu resolvi dar um tempo do Brasil. Como eu tinha esse passaporte americano e como eu sempre tive essa curiosidade como é que seria morar como adulto nos Estados Unidos? Porque tanta gente que eu conheço “pó, se eu tivesse um passaporte americano eu ó... Ia dar no pé.” Então às vezes eu falo que eu sou mais brasileiro do que muita gente porque eu estou aqui por opção. Tem pessoas que não têm opção. Eu estou aqui porque eu quero, porque eu acredito. Não vai dar um passaporte pra um ó... Nego dá no pé. Aí fiquei morando em New York até o ano 2000. Aí voltei pro Brasil, eu estava meio que morando entre os dois países, com dois projetos em paralelos, mas aí eu acabei me apaixonando de novo, mesmo nesse país confuso, estranho e bagunçado eu resolvi mudar de volta, voltei ao Brasil de novo. Aí fiquei no Rio, grande erro, devia ter ido pra São Paulo, e aí há uns três anos pra cá 2001, não, 2003 eu acho, resolvi mudar de volta pra Brasília. Foi um pouco estranho voltar pra cá porque a cidade cresceu, ela não é uma cidade mais circundada só pelo poder e pelo funcionalismo público. Ela realmente respira por conta própria, isso é legal. Ela começa aparecer, começa a demonstrar os mesmos problemas de qualquer cidade grande. Tem violência, tem poluição, tem até engarrafamento, tudo bem, engarrafamento aqui em Brasília é de 30 quilômetros por hora, mas não deixa de ser engarrafamento. Mas eu sempre me senti um pouco sem raiz, porque eu comecei a desenvolver algum senso de cidadania, algum senso de alguma coisa eu fui arrancado dos Estados Unidos e vim pra cá. Aí fiquei em Brasília e quando eu vi já estava morando no Rio. Então nunca consegui muitas raízes, eu sempre estranho isso, mas agora eu sinto assim. Obviamente eu estou em outra fase da minha vida. Ano que vem eu estou pensando em ser pai e eu gosto muito de Brasília. A cidade já me deu muito e eu estou querendo devolver isso na forma de produções culturais, ajudando da maneira que eu posso. Mesmo que ninguém está curando câncer, gente, é só uma banda, mas eu tento fazer como produtor, como agitador cultural eu sempre tento ajudar da maneira que eu posso. Que eu acredito, posso soar um pouco romântico, mas, pó, eu acredito nesse país, eu estou aqui por um motivo. E não me arrependo dessa escolha não de ter vindo morar em Brasília. Mas o que me ajuda muito, porque, poxa, assim, eu não estou querendo ser arrogante, mas eu morei sete anos em Nova Iorque, então eu sinto falta de algumas comodidades, sabe? Sinto falta de acesso a uma variedade enorme de cultura, de restaurantes, de eventos, eu sinto falta disso e não vou negar não, mas eu posso compensar isso através de, sabe, idas freqüentes a Rio e São Paulo porque o momento econômico é outro e também dá pra você ver a estabilidade bem ou mal do país e realmente as passagens estão mais baratas. Então viabiliza ficar aqui em Brasília. Eu consigo morar aqui em Brasília porque eu posso dar no pé de vez em quando, mas mantendo a minha base aqui. Isso ninguém me tira, viu? Eu sou brasiliense mesmo, mas eu preciso sair fora de vez em quando. Não me entendam errado não, por favor. Naquela época, olhe só: eu sou produtor de inúmeras bandas. E eu sempre falo pra essas bandas: “Olha, na nossa época...” talvez, na proporção de dificuldade, talvez a dificuldade foi a mesma, não sei. Mas como não tinha nada, era muito fácil a gente dominar essa cidade. A bandas Legião Urbana, Plebe Rude e Capital chegaram fulminando todo mundo, não tinha nada, ninguém tinha visto nada igual. Mas não tinha mais nada pra competir. Hoje em dia você tem o mercado saturado, você tem coisa que não tinha na época, você tem festa trance, você tem lan house, tem música zabelê tipo Zeca Baleiro que hoje é aceito por jovens porque se um jovem ouvisse aquilo naquela época ia ser linchado pela gente. Hoje não, você já tem esse mercado, já tem essas coisas. Você tem internet, você tem DVD 5.1 em casa, entendeu? Então eu sempre faço pras bandas que eu produzo cara: “Faça alguma coisa especial, faça alguma coisa especial pra arrancar essa pessoa de casa.” Tem que valer a pena gastar o dinheiro, gastar o dinheiro com gasolina, o IPVA do seu carro, gastar pneu, sabe, ter risco de ser seqüestrado num seqüestro relâmpago e tudo mais. Faça valer a pena a pessoa sair de casa pra poder competir com todas essas coisas que eu tinha mencionado. E se eu estou vendo o movimento cultural assim puxando as pessoas pra fora de casa eu confesso que não sabia? Não estou sentindo muita firmeza não. Nem no meu meio assim eu sinto muita firmeza não. É claro que você tem muitas pessoas trabalhando com dança, teatro, lógico. E toda força pra eles Da mesma maneira que eu vejo a Embrafilme como um meio do governo fazer o cinema brasileiro depender dele e, conseqüentemente, ter controle, a mesma coisa que eu vejo assim com algumas vertentes culturais que dependem mais do governo pra financiamento. A área privada não está interessada e isso logo de cara já castra. Então se eu estou vendo esse movimento vindo por baixo eu confesso que não. Isso foi o grande erro dessa cidade. Tudo dependia do governo. Lógico, você cria uma cidade do zero. Em quanto tempo Brasília ficou pronta, em três anos? Sabe? Quanto tempo Brasília ficou pronta? Em quatro anos. Em quanto tempo Brasília ficou pronta? Em quatro anos, e aí? Sabe, é louvável, foi louvável a experiência de Brasília, eu acho fantástico assim, mas o que esqueceram que, no papel ficou muito bonito, afinal, tinha um comuna na área fazendo Brasília também, o que você quer também, sabe. Uma cidade, projetada por um comunista no governo militar e a gente ouvindo punk rock você quer o quê também? Claro que a gente vai ficar bravo. Porque a juventude aqui de Brasília não tinha identidade. Então a gente tinha que criar isso. Isso esbarrando muito com a polícia lá. Naquela época nós vamos fazer o nosso negócio, claro que polícia não quer gente na rua mais de três pessoas juntas considerados já... Você tinha o Nilton Cruz batendo na cara de todo mundo, entendeu? Esse movimento de rock não teria acontecido se não fosse Brasília. Teria sido diferente, mas não teria sido com essa força. Aí você vê, claro, o expoente maior, o Renato Russo, que a gente chama de Manfredini, a gente freqüentava a casa dele, ele freqüentava a nossa casa e ele lá no ensaio do Aborto Elétrico, mas Brasília, ou melhor, talvez o tédio de Brasília meio que sublimava tudo. E a gente via as coisas, sabe? Ninguém era bobo, todo mundo ali era viajado, isso é o que é mais engraçado, por isso no livro de Paulo Marchetti eu acho que isso tinha que ter sido mencionado. Todo mundo ali era viajado e eu não estou dizendo isso de uma maneira arrogante, mas a gente via o Brasil de uma maneira diferente, a gente tinha uma outra perspectiva, que você só consegue ter saindo ou tendo outra realidade, isso é um fato. E vendo o Brasil de cima do Planalto a gente tem essa outra visão e isso sendo expresso através das músicas e, por isso, que são músicas que perduram até hoje. A temática é extremamente forte e eu sempre falo com as pessoas que trabalham cultura: “Faça algo cara que vai durar, faça algo sério.” Não tem nenhuma musiquinha engraçadinha, né, dessas três bandas, Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial. Não tem nada engraçado, é muito sério. Ser jovem numa cidade que não oferecia nada, é muito sério. É claro que ninguém está se comparando com revolução russa ou algo assim, pelo amor de Deus. Mas Brasília era extremamente árido em todo os sentidos. A gente tinha muita sede de cultura, sede de fazer alguma coisa e foi através disso que a gente acabou fazendo. Cada um foi meio que criando, fazendo, sabe, as suas próprias coisas e carregando isso até hoje assim. Até as pessoas que não trabalham com música. Eles tem esse lado meio contramão assim que é uma coisa bacana e que Brasília ajudou muito, porque você tem, claro, pessoas do Brasil inteiro lógico. E era uma convivência forçada então isso acaba criando uma cultura. Você tem uma personalidade geral, você junta uma porrada de gente, vai ter uma personalidade geral. Então você junta uma porrada de gente, com cultura diferente e idiomas, quando eu falo de idiomas, assim dentro do Brasil de todos os sotaques, todas as vertentes culturais de tudo, todas as perspectivas vai sair alguma coisa interessante dali. Mas eu não sei se isso estava nos planejamento não, porque Brasília foi feito, lembra? Brasília foi feito pra ninguém questionar. Por que é tudo tão vago? Por que é tudo tão vasto? Por que aquela área onde fica o Congresso Nacional é tão vasto? Porque tem cinco saídas? Só que você consegue fechar a cidade em cinco minutos, sabe? Quando eu fazer 16 anos de idade eu fui pro Cabo Frio com a turma do colégio foi quando a emenda Dante Oliveira ia ser votada. Aí teve estado de sítio, quer dizer, coisa mais próxima que a gente sentiu disso, né, fecharam tudo e, peraí, foi 80, 84? Ou foi em 83. 83, 83, isso, isso. Então, quando a emenda Dante de Oliveira foi recusada eu estava em Cabo Frio, vindo Brasília. A gente foi parado na entrada subindo com metralhadora foi uma coisa engraçada que era tudo filho de diplomata. Eu não. Mas eram todos filhos de diplomatas, embaixadores e com metralhadoras na nossa cara. Então você vê que são coisas diferentes, coisas que você só consegue viver em Brasília, e foi daí que saiu a Proteção, conseqüentemente um dos maiores sucessos da Plebe. Então esse lado de Brasília, sabe, essa forma de evitar conspirações, evitar grupos subversivos, você tem o setor disso, setor daquilo, tudo setorizado então ninguém pode, você não pode juntar esse com aquele porque pode sair faísca, sabe? É muito bem planejado, sabe? É muito bem planejado. É muito bem no mau sentido eu acho, e acabou tornando a cidade muito fria, muito fria em todos os sentidos. Demorou muito, mas agora é que Brasília tem uma vida própria, que ela respira por conta própria isso já não existe mais, você pessoas que vivem em clube particular. Porque lembra que o funcionário do Banco do Brasil ele vai trabalhar no Banco do Brasil, ele mora na quadra do Banco do Brasil e vai pro clube no Banco do Brasil, é um pouco estranho isso. E tem um até hoje eu não entendi direito o que é, mas tem uma função, tem uma coisa meio maquiavélica nisso, sabe? Mas aí tem o outro lado: tem um comuna que estava ajudando no planejamento. Então onde é que ele entrou com isso. Ou pelo menos o lado falido comunista que de repente é essa coisa de setorização também. Então não sei. Você que é o historiador você que se vira aí. Para definir Brasília eu até posso citar a música da Plebe, “Brasília a capital da esperança, asas eixos do Brasil longe do mar e da poluição, mas o fim que ninguém previu. Brasília, utopia na mente de alguns, utopia só na mente de alguns.” Essa música é Brasília, assim, você viu, sei lá.
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