IDENTIFICAÇÃO Anderson Francisco dos Santos Sá, nasci no Rio de Janeiro, dia quatro de janeiro de 1979. INGRESSO NO AFROREGGAE Entrei no Afroreggae adolescente, com 16 para 17 anos, hoje estou com 28. Eu entrei como aluno da oficina de capoeira em Vigário Geral, porque sou nascido e...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Anderson Francisco dos Santos Sá, nasci no Rio de Janeiro, dia quatro de janeiro de 1979.
INGRESSO NO AFROREGGAE Entrei no Afroreggae adolescente, com 16 para 17 anos, hoje estou com 28. Eu entrei como aluno da oficina de capoeira em Vigário Geral, porque sou nascido e criado nessa comunidade. Entrei sem conhecimento cultural nenhum, eu queria fazer arte marcial para ficar forte e tal. Entrei para fazer capoeira e a partir daí fui conhecendo a cultura, o reggae e outras tendências musicais e isso me abriu a cabeça. Comecei a fazer parte da banda Afroreggae, que já existia. Depois assumi como vocalista. Hoje sou um jovem da instituição, multiplicador, que está sempre ali ajudando no trabalho ligado aos adolescentes.
DO FUNK AO REGGAE O Afroreggae começa através de festa funk. O Junior – coordenador executivo e fundador do Afroreggae – fazia festa de funk e não tinha nenhuma pretensão de formar uma ONG; era ele como pessoa física fazendo festa, como produtor. Essas festas eram feitas com o propósito de tocar música funk, mas os bailes foram proibidos em 1992, então essas festas começaram a tocar reggae.
AFROREGGAE / FORMAÇÃO
Ele conheceu outras duas pessoas, o Plácido e o Teço. Eles começaram a formar o Afroreggae, a partir das festas, e viram que essas festas que eles produziam tinham um público muito diferente, tinha gente da zona sul, gente da zona oeste, gente do centro da cidade. Elas mesclavam bastante pessoas. Então eles resolveram fazer o jornal ARN, o Afroreggae Notícias. A partir daí foi criado o Afroreggae e o jornal foi o seu primeiro projeto: ARN era um jornal que falava sobre a cultura negra e fez nascer a organização Afroreggae.
JORNAL AFROREGGAE NOTÍCIAS O Jornal ARN tinha distribuição em várias comunidades do Rio, em outros estados e em outros países também. Era um jornal bastante conceituado, porque era o único veículo de informação na época que falava sobre a cultura negra. Quando ninguém conhecia Cidade Negra, Skank, ninguém conhecia muitas coisas sobre os blocos afros da Bahia, o Afroreggae já divulgava. Era um jornal focado na cultura negra, bastante conceituado na cidade do Rio e em outros estados também.
OBJETIVOS E ATIVIDADES No início do trabalho, o Afroreggae não tinha pretensão de chegar aonde chegou, era tudo utopia; as pessoas que desenvolviam essas atividades iniciais eram voluntárias e nem tinham um conhecimento do que queriam. Queriam, de alguma forma, mostrar para as outras pessoas – principalmente para o nosso público, que é o jovem, a criança – uma melhor perspectiva de vida através da informação cultural. O início do trabalho foi muito intuitivo.
Hoje, já temos uma metodologia de trabalho, já damos formação. Nosso foco é contribuir com a auto-estima, com a melhoria de vida das pessoas. Em 1993 o Afroreggae começou a trabalhar em comunidades. Foi para Vigário Geral, um mês após a chacina, depois começou a trabalhar no Cantagalo. Hoje está também no Complexo do Alemão e em outras comunidades.
VIGÁRIO GERAL No início, o Afroreggae ia para Acari, porque o jornal era muito bem aceito nessa comunidade. Já estavam acontecendo visitas e o Afroreggae ia montar um trabalho lá, quando aconteceu a chacina em Vigário Geral, em agosto de 1993. Então o Afroreggae foi para lá e o nosso trabalho começou. Vigário Geral é uma comunidade de 12 mil habitantes. A época em que começamos era bastante violenta por causa da chacina, aquele fato que o país todo e todo o mundo conheceu. Vigário estava muito enfraquecida, a comunidade estava muito revoltada, com uma baixa auto-estima enorme. O Afroreggae, junto com uma série de outros projetos, foi para Vigário Geral para tentar, de alguma forma, valorizar aquela comunidade, levantar a auto-estima daquelas pessoas. Nesse início do trabalho, Vigário Geral era muito difícil, porque todo dia tinha confronto entre a polícia e os narcotraficantes. Além da chacina em si, Vigário Geral sempre teve uma “guerra” com a comunidade vizinha, Parada de Lucas. Sempre foi uma área de bastante turbulência, uma área de bastante risco. Atualmente ainda acontece esse confronto com Parada de Lucas, mas tem picos, tem momentos em que isso fica muito forte e tem meses que quase não há conflito. Hoje o Afroreggae também trabalha em Parada de Lucas: nós temos uma escola de informática nessa comunidade e, paralelamente, fazemos um trabalho de mediação de conflitos. Já estivemos entre as duas comunidades. Na verdade é uma comunidade só, sendo que tem uma rua que é divisa, que separa essas duas comunidades, onde acontecem os confrontos entre os narcotraficantes e é a fronteira, onde se divide: Vigário é para lá e Parada de Lucas é para cá. Constantemente nós realizamos atividades nessa região para inibir a violência entre os narcotraficantes. Já chegamos a fazer acordos e tentar negociar a paz. A gente já conseguiu momentos de tranqüilidade para as duas comunidades, em que as pessoas podiam até transitar de uma comunidade para outra, o que é muito difícil.
VIGÁRIO GERAL / RECEPTIVIDADE DA COMUNIDADE A receptividade da comunidade foi bastante boa, porque estava muito fragilizada, e o que tivesse para acontecer de positivo depois da chacina seria importante. O legal é que cada vez mais a comunidade foi abraçando o trabalho do Afroreggae, principalmente os jovens, que eram o nosso público-alvo. Eu lembro que no início, as primeiras oficinas eram de percussão, dança afro e reciclagem de lixo. A percussão era uma oficina muito disputada pelos jovens da comunidade. Eram cerca de 70, 80 jovens querendo tocar, brigando fisicamente mesmo, para tocar em 15 instrumentos. Era uma procura muito grande, era uma receptividade muito grande que a comunidade tinha com o trabalho do Afroreggae. O Afroreggae se tornou um grupo trabalhando em Vigário ao longo desses anos todos, então temos relacionamento com outras entidades como posto de saúde, projetos da prefeitura, projetos do Governo do Estado...
tem sempre aquela troca, sempre aquele intercâmbio, aquela mínima relação de grupos que fazem um trabalho para as pessoas. Hoje, o bacana não só o Afroreggae, mas outras instituições estão começando a se formar, a se qualificar, a se preparar melhor.
REPLICAÇÃO DAS AÇÕES
Temos dados de que várias instituições em outras comunidades estão surgindo e surgiram influenciadas pelo trabalho da Afroreggae. Acontece de muitas comunidades solicitarem o nosso trabalho: querem que o Afroreggae monte um projeto nas comunidades onde elas moram, mas o Rio de Janeiro tem mais de 800 favelas, então não dá para estar em todo lugar...
Hoje o Afroreggae está em quatro comunidades, diretamente: Vigário Geral, Parada de Lucas, Cantagalo e Complexo do Alemão. A gente faz muito intercâmbio com pessoas de outras comunidades que vêm visitar o Afroreggae e acabam montando algo similar. Não é Afroreggae, é uma instituição com a cara deles, com a estrutura deles, com oficinas totalmente diferentes do Afroreggae, mas a gente consegue influenciar.
Também fazemos muito intercâmbio com vários grupos sociais espalhados pelo Brasil. Assim, uma das propostas da banda Afroreggae quando fazemos turnê, quanto estamos em algum estado divulgando o CD, fazendo show, é conhecer as culturas, os trabalhos sociais locais, é fazer essa troca de experiência, de metodologia, o que dá certo para eles, o que deu certo, porque isso é super-interessante. Constantemente estamos trocando com esses grupos. Não só no Brasil. No ano passado, nos fizemos uma turnê pela Inglaterra, e fizemos muito isso: oficinas, workshops, troca de experiência com outros grupos. Agora em junho iremos para a Alemanha e de novo para a Inglaterra desenvolver esse trabalho.
DIVERSIFICAÇÃO DE ATIVIDADES
O grupo foi cada vez mais se consolidando, com o trabalho em Vigário e a gente começou a formar jovens que de alguma forma eram multiplicadores e eles mesmos conseguiam, às vezes, serem instrutores, conseguiam ajudar no trabalho em outras comunidades.
O Afroreggae começou a trabalhar não só com a música, que era o foco inicial, como era a percussão em Vigário. No morro do Cantagalo começamos a trabalhar o circo; em Parada de Lucas com a informática e no complexo do Alemão com uma mistura de circo e música também. Então o trabalho foi acontecendo de acordo com a situação.
Desde o início, houve uma relação com o pessoal do morro do Cantagalo, na zona sul do Rio. Começamos a visitar a comunidade e pintou a idéia, as lideranças locais dessa comunidade quiseram fazer um trabalho lá e a comunidade também. A relação com Parada de Lucas era algo que queríamos estabelecer mesmo, por causa desse conflito com Vigário e o complexo do Alemão foi porque há cinco anos atrás nós começamos a ter um circuito de shows chamado “Conexões Urbanas” que nós desenvolvemos junto com a prefeitura, e acontecia em várias comunidades. Muitos shows nós fizemos nessa área do complexo do Alemão, então desejávamos fazer um trabalho lá.
LINHAS DE AÇÃO Com o trabalho sendo desenvolvido a gente vai acertando, vai errando. No início mesmo, a gente pensou que as primeiras oficinas de percussão, dança, música, que havia em Vigário, dariam certo no Cantagalo. Foi um desastre Lá o público era outro porque no Cantagalo tem a praia, o shopping, a zona sul tem uma outra forma de ser, coisa que em Vigário não tem. Então tinha que ter uma outra forma de atrair esses jovens e o circo deu certo.
O trabalho do Afroreggae tem um foco, mas também pensamos nas comunidades em que trabalhamos, temos que trabalhar de formas diferentes, senão nós vamos competir com nós mesmos. Um exemplo: talvez fosse uma loucura se nós tivéssemos que montar um trabalho em Lucas, como é o trabalho em Vigário, ia ser uma competição, ia criar um conflito maior do que já existe, porque ia montar um grupo de música em Vigário, ia montar um grupo em Lucas; um ia querer ser melhor do que o outro. Tem que pensar, antes de trabalhar. Às vezes, a comunidade também não quer aquele tipo de trabalho, porque você leva um trabalho social, oficinas e tal e o cara quer uma coisa mais profissionalizante, mais de geração de renda, mais ligada à educação mesmo. Então, tem que entender, conversar com a comunidade, sentar e discutir, porque não adianta implementar um trabalho na comunidade sem saber a deficiência local, as necessidades. O grupo, a maioria é de comunidade, é de favela, entende, tem a linguagem, mas se não procurar saber as necessidades não adianta. Muitos projetos do governo são um pouco assim, as pessoas estão fora e às vezes não dá certo porque não discutiram, não encontraram uma fórmula de como fazer a coisa ficar melhor, mais proveitosa.
PRIMEIROS RESULTADOS Os resultados com relação à criminalidade vieram logo no início em Vigário: muitos jovens desviados mesmo, muitos jovens que estavam beirando ou dentro já da criminalidade estavam muito presentes no nosso trabalho. Eu sou um dos exemplos disso, não cheguei a ser um traficante, mas tive um envolvimento indireto, aquela influência. Eu brigava muito na minha adolescência, baile funk, aquela coisa da década de 1990 era muito forte. Esse resgate do jovem é muito importante, além da auto-estima para melhorar a vida, de reconhecimento, de negritude, de valorização da vida, de entendimento de cidadania, esse know-how que o Afroreggae traz, puxa o jovem para dentro do trabalho e tira da marginalidade. É importante porque a adolescência é uma fase de muitos conflitos, de muitas revoltas; o jovem quer fazer parte de um grupo, quer chamar atenção de alguma forma, o jovem de alguma forma está com fome de educação, de conhecimento, então, como trabalhar isso?
APOIO DA PETROBRAS A relação com a Petrobras foi se constituindo aos poucos, já vem de uns seis anos, aquela coisa de apresentações e alguns projetos numas solicitações de eventos, reuniões, mostra de filmes, troca de idéias, mas eu acho que nos últimos três, dois anos, as coisas conseguiram se concretizar mais. A nossa coordenação começou a conversar com as pessoas responsáveis da área social da Petrobras, apoio a projetos, mas foi construído devagar.
O trabalho do Afroreggae, como o trabalho do Nós do Morro, como o trabalho de várias origens que atuam no Rio de Janeiro, eles têm um tempo para acontecerem. Às vezes a gente pensa assim: “Ah, por que a Petrobras não apoiou o Afroreggae há 10 anos atrás, há oito anos?” Teve que ser agora, nesse momento, as pessoas da Petrobras, com a cabeça que estão hoje, em contato com as pessoas do Afroreggae, que também estão hoje de uma outra forma, o entendimento acontece.
SUSTENTABILIDADE As coisas são construídas. O Afroreggae tem uma expertise muito legal, que é gerar renda de 30% de toda a nossa receita. Nós mesmos que geramos, através de venda de shows, através de produção de eventos, venda de blusas, venda de CDs. Temos 10 bandas, então são muitas atividades com esses grupos. O Afroreggae tem essa expertise de gerar a sua própria receita e queremos cada vez mais aprimorar isso; a gente pensa em daqui a cinco, sete anos passar de 30% para 50%. E algum dia se auto-sustentar para que a Petrobras possa ajudar outros grupos que estarão começando, porque existem muitos grupos interessantes e maravilhosos, com trabalhos tão bons quanto o do Afroreggae, no Rio de Janeiro e pelo Brasil, que precisam dessa estrutura, que precisam de apoio. Pessoas físicas que estão na sua comunidade, na sua região desenvolvendo alguma ação importante, às vezes tem um cara lá em Maceió, numa favelinha que ninguém conhece, professor de capoeira, o cara está lá com 15, 20, 50 alunos, está fazendo um bem, então precisa de uma qualificação, precisa de uma estrutura. Tem muitos grupos, muitas pessoas que querem montar uma ONG, e não entendem esse processo, a documentação, CNPJ, essa parte burocrática. Pensamos em também, de alguma forma, começar a refletir num projeto para essas pessoas.
BANDAS DO AFROREGGAE Estamos com esse trabalho musical em Vigário, a música é muito forte. Foram sendo criados muitos grupos. O início foi a Banda Afroreggae, em 1995, ela foi fundada com o batizado, quando a Regina Casé e o Caetano Veloso estiveram na comunidade, e a partir daí todo jovem de Vigário Geral e das adjacências queria fazer parte dessa banda, porque era legal, era a coisa do momento e tal.
Era uma grande procura, era uma aula de percussão muito cheia e começaram os filhotes da banda original: Afroreggae II, Afroreggae de pequenos, banda mirim, banda de mulheres... começaram a ter várias vertentes de bandas dentro do Afroreggae. Hoje, além da banda Afroreggae que é uma banda profissional, com CD, DVD gravado, temos outras bandas. Tem o Makala, um grupo de percussão e dança também, muito forte dentro do Afroreggae. Tem Akoní, uma banda de meninas que só toca ritmos ligados à cultura negra, o candomblé, principalmente. Tem o Kitoto, que é uma banda de reggae. Tem Párvati, uma banda de rock, mas só de mulheres. Então foram se criando vários grupos dentro do Afroreggae. Tem o Afro Lata também que toca instrumentos recicláveis, tem o Afro Mangue, tem o Afro Samba que é um grupo de samba de raiz. São muitos grupos. Tem uma trupe de circo lá no Cantagalo, formada por jovens, então são vários subgrupos.
APOIO DA PETROBRAS
O primeiro projeto com apoio da Petrobras teve o foco para o fortalecimento desses subgrupos, porque eles sempre existiram e, de alguma forma, tinham o apoio interno do próprio Afroreggae, no sentido dos recursos que eram gerados internamente. Essas bandas, esses grupos não tiveram um planejamento, eles eram criados e nunca tiveram um apoio especifico para aquilo, alguma empresa, alguma entidade apoiando aquele grupo, mas eles conseguiam sobreviver.
O apoio da Petrobras para esse fortalecimento veio num momento muito importante, em que o Afroreggae estava começando a sentir que esses grupos precisavam mesmo de uma qualidade, mais técnica, artística e profissional. Então o projeto foi focado nisso. Tem desde aula de português para aprimorar a educação do jovem, até workshops de grupos internacionais, workshops de músicos brasileiros, para fortalecer a experiência da música dentro do Afroreggae. Essa qualificação é muito importante, o Afroreggae quer de alguma forma aprimorar muito isso, porque gera uma receita para a instituição, gera uma melhoria de vida para esses jovens, com constantes apresentações em outros estados, turnês em outros estados, em que o jovem começa a viver uma outra vida e acontece mesmo. Hoje eu vivo do trabalho da banda, eu me mantenho com o trabalho cultural e artístico da banda. Visamos que muitos jovens também possam conseguir isso, mas o primordial é formá-los como cidadãos, é a sua auto-estima. Tem muitos jovens que eram do Afroreggae e hoje estão em outros trabalhos, estão em outros grupos, mas se estruturaram e melhoraram a sua vida. Hoje tem dois jovens que faziam parte do Afroreggae que estão tocando no Rappa, uma das bandas mais consagradas da cidade; temos jovens que estão no circo nos Estados Unidos, já enviamos jovens para o Circo du Soleil. Hoje o trabalho vai além de formar pessoas, a gente também conseguiu exportar alguns jovens para outros trabalhos. Espero que essa parceria com a Petrobras continue. Nas reuniões em que eu pude estar presente sempre sou informado das coisas, o processo é bastante legal, bem interessante, e o nosso desejo é de continuar tendo esse apoio, esse patrocínio, que é importante para um grupo como o Afroreggae. Espero que, de alguma forma, a gente consiga manifestar isso e abrir portas para outros grupos também.
AFROREGGAE / MISSÃO SOCIAL Promover a cultura negra, criar pontes e alicerces para que pessoas de classes diferentes possam trocar, criar essa integração humana que precisa acontecer. Acho que uma palavra fundamental para a atual conjuntura da nossa cidade é diálogo. As pessoas precisam começar a trocar, sentar e dialogar: sociedade civil, empresa, governo, todo mundo sentar e discutir uma melhoria para a nossa cidade. Às vezes, o governo tenta resolver de uma forma, a sociedade de tenta outra, a polícia de uma outra forma, a prefeitura de uma outra forma... Precisamos sentar, ter um consenso final de uma melhoria para isso. Cada vez mais a gente vive um momento de violência, de muita revolta, de muito sangue na nossa cidade, e é preciso que as pessoas encontrem uma forma de diálogo. Às vezes a gente vê atitudes por parte do governo de mais policiais na rua, mais carro de polícia, mais arma. A gente vê que não é por aí que a coisa vai acontecer.
Hoje se você der uma estrutura digna de emprego, saúde, qualidade de vida para as pessoas, elas não vão para a criminalidade. Exemplo disso a gente tem um monte dentro da Afroreggae, pessoas que estavam no crime, pessoas que eram ligadas mesmo à criminalidade e a partir de uma oportunidade fazem parte do nosso trabalho hoje.
GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES Uma palavra que temos que pensar muito nesse contexto da cidade é diálogo, a oportunidade atrelada a um emprego, que é o que a gente precisa muito. Pelas nossas andanças em favelas, a gente vê que hoje tem muitas pessoas abandonando o narcotráfico para ganhar 400, 500 reais. Então se pensarmos em projetos específicos, conseguimos tirar um montão de gente da criminalidade.
O Afroreggae sempre fazia incursões na boca de fumo; nós íamos até a boca de fumo para conversar com esses jovens, para tentar retirá-los de lá. Hoje eles saem da boca de fumo e estão vindo até o Afroreggae para se estabelecer. Eu não moro mais em Vigário, mas constantemente estou lá, sempre tem um, dois: “Pô, e aí?” – do tráfico – “Pô, arruma... Não tem nada para eu fazer lá não, arruma lá um trabalho?” E às vezes eu não tenho como incluir dentro do Afroreggae, mas se tivesse empresas, empresários, alguém com projetos que pudessem englobar pessoas, conseguiríamos encaminhar para muitos.
TRABALHO COM AS FAMÍLIAS O que se vivencia hoje é uma dificuldade no núcleo familiar, que é uma base muito importante. Às vezes você consegue estudo, escola para o jovem, mas o pai não trabalha. A gente vivencia isso muito dentro do nosso projeto, a gente tem uma equipe de profissionais, assistente social, pedagoga, psicólogos, porque nós discutimos muito sobre isso; às vezes, tem jovens dentro do Afroreggae que estão vivendo, que estão a mil maravilhas, o cara vai lá, faz a música, talentoso e tal, quando ele volta para casa é aquela estrutura: o pai é alcoólatra, a mãe é drogada e o outro faz isso, aí quebra todas as conquistas. Mas de alguma forma estamos conseguindo agora a fazer um trabalho com esse núcleo familiar para trazer uma melhoria de vida. O trabalho com as famílias é feito através do contato com as assistentes sociais, psicólogas e pedagogas do Afroreggae, que trabalham essa aproximação, esse entendimento, tentando de alguma forma encaminhar para alguns projetos interessantes, encaminhando para dar uma direção para essas famílias. Fazer com que o ambiente familiar seja mais interessante e mostrar para eles que aquilo ali reflete no filho deles, que está dentro do Afroreggae.
OPORTUNIDADES E INICIATIVAS Por mais que se veja hoje uma violência muito aflorada, o tráfico está meio em crise, ele está meio em queda com relação à recrutação de pessoal. Acho que por dois fatores: a corrupção policial diminuiu bastante, e a apreensão, a ocupação policial em algumas comunidades, as buscas policiais, estão funcionando de forma mais correta. Hoje eu te garanto que o jovem pensa três vezes se vai entrar para o crime ou não, o jovem que não é traficante, ele pensa três a quatro vezes se vai entrar ou não. Há cinco anos atrás ele não pensava nem uma vez e já entrava. E a gente consegue sentir isso porque a gente trabalha com esse público. Eu tenho amigos que fazem parte da estrutura do tráfico. Hoje eu consigo sentir que as pessoas querem uma melhor vida, elas estão preocupadas com os seus filhos, com a sua família. Se tiverem uma oportunidade, uma estrutura concreta de um trabalho, de segurança... Só de ver o cara refletindo sobre isso, esse mínimo pensamento dele de querer mudar, você vê que as coisas passam pela oportunidade.
A Assembléia de Deus dos Últimos Dias, do pastor Marcos, que tem uma igreja lá em Éden, ele está fazendo esse trabalho, está conseguindo resgatar muitos jovens da criminalidade. Ele faz um trabalho em presídios, faz um trabalho dentro das favelas, está conseguindo resgatar muitos jovens, muitos adolescentes e muitas pessoas de 30, 40 anos que são da estrutura do tráfico, trazendo para dentro do trabalho dele através da religião. São pessoas que hoje estão lá no sítio onde ele trabalha. Sempre que os presos saem das penitenciárias, ganham a liberdade, estão lá procurando: “Pô, pastor Marcos, arruma uma coisa para eu fazer aí” e começam a ir ao culto dele, começam a conhecer Jesus, a religião e fazem parte do trabalho dele. Então a partir dessas iniciativas, dessas ações, a gente começa a avaliar que as pessoas estão querendo mudar mesmo. Com certeza, o trabalho das ONGs contribui enormemente para essa conscientização. A mídia tem também um papel importante em relação a isso, os projetos do governo têm um papel importante também, porque hoje não dá mais – claro, que tem gente precisando de comida, que está passando fome, tem gente que precisa de uma estrutura – mas não dá para pensar num projeto assistencialista. Eu já ouvi relatos de amigas minhas com três crianças e estarem grávidas de mais uma e falar: “Ah, nada, no meu bolso a família vai aumentar, o meu cheque não sei o que vai aumentar”, então tem que dar oportunidade, mas fazer valer aquele velho slogan muito falado agora, ensinar as pessoas a pescarem também, não ficar só dando peixe se não fica dependente. A oportunidade é formar o cara numa profissão, dar uma qualificação para a vida. Cada vez mais a gente deve ter esse pensamento de promover cursos dentro da comunidade, mas cursos mesmo profissionais, ter uma educação, porque não ter cursos dentro de comunidade ou para as pessoas de comunidade, cursos de engenheiro, de médico, de arquiteto, de profissão de alto nível. Precisa dessa qualidade, então a gente tem que começar a criar isso, botar as pessoas dentro da faculdade, trabalhar nesse sentido de formação cidadã.
FORMAÇÃO CIDADÃ E ARTÍSTICA A cultura da favela é muito forte. Eu já estive nos Estados Unidos, em Nova York, e assisti espetáculos da Broadway; vi muitos projetos sociais bem desenvolvidos, vi que a vida artística é muito forte. Você vê o “Nós do Morro” exportando jovens para fazer filme, para fazer novelas. O Afroreggae tem trabalhando muito isso, o Olodum na Bahia e outros grupos lá no sul também, então isso é muito presente. E cada vez mais os projetos sociais, de alguma forma, devem pensar na qualificação, nessa estruturação, nessa metodologia de como aproveitar e fortalecer essa vertente cultural que é muito aflorada no jovem e nesses trabalhos dentro da comunidade. Não só pela música, mas pelo teatro, pelo circo, pelo áudio e vídeo. Está crescendo muito agora no Rio de Janeiro o áudio-visual, o Cacá Diegues está ajudando, de alguma forma, Nós do Cinema, Cabum e várias outras escolas. Eu tenho ouvido e lido um pouco sobre isso, as pessoas estão começando a ver que não é somente futebol e samba, tem uma galera que está empenhada em outras artes, e está conseguindo ter resultados muito positivos.
PARCERIAS COMUNITÁRIAS O Afroreggae não tem isso de não se misturar, conversamos com todo mundo, com político, mas sem se agregar, podemos dizer assim, a nenhum partido político, não fazemos campanha para ninguém. Respeitamos todas as religiões, dentro do Afroreggae tem gente que é da Assembléia de Deus, que é do candomblé, que é católico. Se você faz o trabalho para o bem das pessoas, para a melhoria de vida das pessoas, de alguma forma a gente pode se relacionar. Até um tempo atrás as pessoas diziam: “Ah, o Afroreggae agora está crente”, porque houve uma proximidade muito grande com a igreja, com esse pastor Marcos. É porque ele faz um trabalho interessante e porque temos que trocar informações, conhecer, trocar experiências. E está sendo cada vez mais rico. Ele também tem o trabalho de mediação de conflitos, ele também tem um trabalho nas comunidades, dentro dos presídios, então é se conhecer, cada vez mais é isso: se associar e construir.
Agora mesmo teve uma união entre Afroreggae, Observatório de Favelas, Nós do Morro e Cufa – Central Única das Favelas –, que formarão o Favela 4, o F4. As quatro instituições formaram um grupo e estão discutindo com o governo ações, projetos sociais. Trocar, buscar parcerias para conclusões de projetos é algo muito importante.
VISÃO DE MUNDO Tem uma palavra muito forte que é “dignidade” para as pessoas viverem. Hoje não existe favela, o mundo todo vive uma grande favela, o gueto está se invertendo, o gueto não está dentro da favela, são as pessoas fora da favela com uma qualidade melhor de vida que estão blindando seus carros, contratando segurança e muros. Então as pessoas têm que começar a ter uma conexão humana maior. Se na porta do seu prédio, o seu vizinho, de alguma forma tentar fazer essa melhoria, por onde você pode chegar, porque as pessoas: “Ah, vou doar ali para aquele projeto, vou dar um dinheiro ali”, mas às vezes você pode fazer ações, ter atos tão mais fortes e conseguir impactos mais rápidos em relação a isso. A visão é uma dignidade melhor de vida para as pessoas, porque a gente que vê e vive muito isso dentro da favela, tem coisas que são muito difíceis de passar e ver as pessoas passando.
PROJETO CONEXÕES URBANAS Conexões Urbanas é um projeto que provavelmente vai voltar; ele deu uma parada, mas é um projeto que conseguimos fazer para mais de 30 comunidades, um projeto maravilhoso. A mesma estrutura de show que você via na praia Copacabana, aquele show de fim de ano, o palco, a luz, o som, colocávamos dentro de uma comunidade. Eram 40 ou 50 mil pessoas assistindo Cidade Negra, O Rappa, Caetano, Gilberto Gil, Skank, Elba Ramalho, só artistas consagrados participavam desse show dentro das comunidades. Era bem legal porque o pessoal lá dentro tem essa coisa de não ter acesso à cultura, não vai conseguir pagar um ingresso talvez desse artista numa casa de show, então o Afroreggae conseguia dar esse acesso. Além de trazer auto-estima para a comunidade, o Conexões Urbanas também fincava ações sociais: em várias comunidades por onde o Afroreggae passava, a SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – depois desenvolvia ações. Tinha o show e depois ficava uma célula social que a comunidade usufruía daquilo, então era bem interessante. Em algumas comunidades essas células desenvolveram um trabalho com mulheres de presidiários, para ajudar essas mulheres, creches, trabalhos pontuais para aquela comunidade, iniciativas para aquela comunidade, porque hoje existem muitas localidades que não têm absolutamente nada, não têm uma organização, não tem cultura, não tem laser. Então provoca uma grande ociosidade no jovem que começa a trilhar a criminalidade, drogas. Falta de oportunidades do que fazer leva os jovens a procurar o caminho das drogas. Esse projeto, num determinado momento, aconteceu na zona oeste do Rio, na Vila Kennedy, Vila Vintém, Santa Cruz, e era bem legal, porque são áreas que não têm nada, áreas totalmente abandonadas, que não têm nenhuma estrutura, não têm nenhuma atividade cultural, nenhum laser e era muito bom o retorno da comunidade. O projeto agora está parado um pouco, mas recebemos constantemente muitas ligações, “Pôxa, cadê o projeto de vocês? Voltem”, porque era um dia muito diferente na comunidade, era um dia muito importante. Você imagina para as pessoas dessas comunidades chegar nos serviços delas contando: “Pô, ontem eu assisti um show do Caetano Veloso”, “O quê?”, “É, ele cantou na minha rua.” Sabe, isso desperta auto-estima, é muito importante para aquelas pessoas. O Conexões Urbanas parou por uma questão de estrutura, de verba com relação à Prefeitura, porque ficava um projeto caro, mas já tem proposta para voltar. Não sei se vai ser com a Prefeitura, mas talvez com empresas. O projeto com a Prefeitura era através da Assessoria Especial de Eventos.
PLANOS PARA O FUTURO Eu acho que é essa estrutura dos subgrupos, a sua qualificação, estamos com mais de 60 projetos. Agora temos que parar e criar só mais um projeto, só mais um que o Afroreggae quer criar que vai ser o encaminhamento, de alguma forma, a gente ter uma estrutura de encaminhar jovens para o mundo do trabalho. Porque não temos um trabalho muito consistente nessa área de estruturar, ter contato com empresas, com empresários. Precisamos de alguma forma qualificar esse pessoal da comunidade, das favelas. É um projeto que muitas instituições fazem de qualificação técnica. Queremos continuar com as bandas, continuar com os projetos. Mas agora estamos pensando muito na qualificação e em uma reestruturação com ligação a benefícios para as pessoas que trabalham internamente no Afroreggae. Passa pela questão administrativa de gestão, assinar carteira, isso tudo, para as pessoas que trabalham dentro do Afroreggae terem uma melhor condição de vida.
MEMÓRIA PETROBRAS Eu acho que deve cada vez mais ter esses depoimentos, porque eles vão incentivar as pessoas. É preciso ter livros, ter a mídia, ter ferramentas que eduquem, que levem conhecimento, que façam as pessoas refletir, eu sou amante disso. Eu sempre fui uma pessoa que não gostava muito, não me interessava muito por isso, mas hoje procuro muita informação, incentivo muito às pessoas a procurarem também, porque eu acho que a cabeça da pessoa se abre muito através de uma entrevista, através de uma leitura, através de um show. Então esse conhecimento, esse entretenimento, eu gosto bastante. E sucesso Continuem sempre passando informações adiante.Recolher