Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Carlos Alberto Pinto Gouveia
Entrevistado por Tatiana Dias
Entrevista MCE_CB025
Belo Horizonte, 18/04/2005
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Tatiana Dias
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1- Bebeto, boa tarde, eu queria que você repetisse para mim seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Alberto Pinto Gouveia, 18 de abril de 1954, Três Pontas.
P/1- E o nome dos seus pais, Bebeto?
R – Cezar de Alvarenga Gouveia e Eli Pinto Gouveia
P/1- Bebeto, conta para mim como você conheceu Milton Nascimento.
R – Ah, o Bitucão, além de Três Pontas, que ele ia sempre, apesar de já estar trabalhando aqui em Belo Horizonte na CEMIG, aquelas coisas todas. A diferença de idade nossa deve ser de uns treze anos, mas eu sempre tive aquela curiosidade de conhecer, porque eu sempre, apesar da pouca idade, sempre andei com o pessoal mais velho da cidade e que eram relacionados com o Bituca antes de ele ser o que é hoje. E aí eu fui chegando perto, chegando perto, já conhecia o Seu Zino, pai dele, eu também tinha amizade com as meninas, com a Betinha, e então fui chegando e ele veio chegando também. E tinha o Jacaré, que é primo dele, o Helson Romero, e que é muito ligado comigo. E antes de conhecer o Bituca eu já conhecia o Lô, esse povo, porque eu estudei aqui em Belo Horizonte muito tempo, comecei no científico, depois comecei com a arquitetura, depois parei e voltei para a fazenda em Três Pontas. Mas aí eu fui chegando, nós fomos ficando amigos, bateu para valer. E foi, aí nós ficamos amigos, amigos mesmo. Quando foi sair o Clube da Esquina nº1, eu estava aqui em Belo Horizonte. Aí veio o Bituca, o Loca, o Cafí e mais um bando de doido para fazer a capa e para visitar uns amigos, fazer aquelas fotinhos do encarte, foto do Pacífico, de todo mundo daqui de Belo Horizonte que eles tinham que mapear para registrar, e eu saía andando junto, porque eu encontrei...
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Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Carlos Alberto Pinto Gouveia
Entrevistado por Tatiana Dias
Entrevista MCE_CB025
Belo Horizonte, 18/04/2005
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Tatiana Dias
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1- Bebeto, boa tarde, eu queria que você repetisse para mim seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Alberto Pinto Gouveia, 18 de abril de 1954, Três Pontas.
P/1- E o nome dos seus pais, Bebeto?
R – Cezar de Alvarenga Gouveia e Eli Pinto Gouveia
P/1- Bebeto, conta para mim como você conheceu Milton Nascimento.
R – Ah, o Bitucão, além de Três Pontas, que ele ia sempre, apesar de já estar trabalhando aqui em Belo Horizonte na CEMIG, aquelas coisas todas. A diferença de idade nossa deve ser de uns treze anos, mas eu sempre tive aquela curiosidade de conhecer, porque eu sempre, apesar da pouca idade, sempre andei com o pessoal mais velho da cidade e que eram relacionados com o Bituca antes de ele ser o que é hoje. E aí eu fui chegando perto, chegando perto, já conhecia o Seu Zino, pai dele, eu também tinha amizade com as meninas, com a Betinha, e então fui chegando e ele veio chegando também. E tinha o Jacaré, que é primo dele, o Helson Romero, e que é muito ligado comigo. E antes de conhecer o Bituca eu já conhecia o Lô, esse povo, porque eu estudei aqui em Belo Horizonte muito tempo, comecei no científico, depois comecei com a arquitetura, depois parei e voltei para a fazenda em Três Pontas. Mas aí eu fui chegando, nós fomos ficando amigos, bateu para valer. E foi, aí nós ficamos amigos, amigos mesmo. Quando foi sair o Clube da Esquina nº1, eu estava aqui em Belo Horizonte. Aí veio o Bituca, o Loca, o Cafí e mais um bando de doido para fazer a capa e para visitar uns amigos, fazer aquelas fotinhos do encarte, foto do Pacífico, de todo mundo daqui de Belo Horizonte que eles tinham que mapear para registrar, e eu saía andando junto, porque eu encontrei com o Jacaré e o ele me levou. Nós fomos, inclusive, para a casa do Marcinho, eu fiquei hospedado lá. Eu abandonei a minha família, que entrou em pânico, a minha irmã que morava comigo, porque eu sumi. Quando acabou de fotografar eu não apareci mais em casa, eu falei: “Eu vou estudar? Eu vou é ficar andando com esse povo”. E aí foi, selou mesmo uma amizade muito grande, foi o princípio da coisa. Depois, teve um punhado de depois, porque aí eu comecei a namorar a Paula, que eu já namorava há muito tempo, desde quinze anos e a Paula com catorze. E o Bituca achava o casalzinho a coisa mais interessante e de fato era sim, um amor fantástico, fora dos padrões normais do interior, entende? Meu pai era uma pessoa muito influente, o pai da Paula também era… Papai, inclusive, era prefeito da cidade, foi prefeito de Três Pontas duas vezes. E a gente era muito visado e doido também (risos), naquele tempo. Então a gente quebrava vários padrões na cidade, tanto de comportamento de casal, como de amizade e de outras coisas que não vêem ao caso (risos), não é não? Eu não vou ficar falando muita coisa, se não... está doido! Mas aí o Bituca apaixonou pelo casal também, tanto que acabou virando Paula e Bebeto, porque nós chegamos a ficar noivos, teve um festão, cada aliança de brilhante, uma beleza. Mas na véspera de casar a gente resolveu que não, era uma paixão muito louca. Que não era um amor estável e já estava cada um com uma cabeça diferente também, aí terminamos. Ficamos doentes, sofremos, nossa... Sofri para danar, mas aí já tinha a música, só faltava a letra. Aí quando ele terminou, o Bitucão colocou aquela letra que era até o Marcinho que ia fazer, eu já tinha conversado com o Marcinho, ele até cita no Histórias do Clube da Esquina. Mas aí ele contou para o Caetano as histórias, as passagens nossas, porque a gente andava muito juntos, eu Bituca, a Paula, era uma relação muito rica mesmo e muito aberta. Para virar isso tinha que ser mesmo. Então ele contou essas histórias pro Caetano e ele disse “Eu é que vou fazer essa letra”, e que realmente é uma letra linda e que conta realmente o caso e que o Bituca traz até hoje. Todo show dele ele canta “Paula e Bebeto”, aqui, lá no Japão. Ele agora está lá na Finlândia, disse que vai atrás do Papai Noel (risos), para ver se existe essa coisa.
P/1- Tem uma passagem do Livro do Márcio Borges em que ele fala sobre o Festival Sentinela que aconteceu em Três Pontas. Você estava lá? Como é que foi esta história?
R – Lógico, eu inclusive estava na produção também, porque foi o próprio pessoal da cidade que armou com a prefeitura, porque foi tudo patrocinado e o Bituca chamou os amigos, o pessoal foi de graça, foram pelo transporte. Foi uma coisa maluca, assim, cinquenta mil pessoas, não tinha trânsito, o negócio foi no meio do pasto, na fazenda do Bichinho, um amigo nosso. Nós acabamos com o pasto. Mas, assim, valeu a pena, as vacas até adoraram, porque o trem era enorme e era no Paraíso. Paraíso era uma quebrada que a gente ia em Três Pontas para fazer fogueira de noite, tocar um violão, conversar fiado e ver um pôr do sol, porque tinha um pôr do sol fantástico. E a gente ia lá, fazia outras coisas para o sol ficar mais fantástico ainda, aí você ficava olhando para aquele sol assim. E era um lugar muito no alto, e você ficava vendo Três Pontas se apagando depois que o sol se punha, atrás você via Elói Mendes, Alfenas, várias cidades. Era um lugar lindo, que era ponto de encontro da gente e ponto de pavor para cidade, que falavam “Ih, aquele povo está indo para o Paraíso”, e ia aquele bando de maluco. Se entrasse mais um maluco pro bando o pessoal já falava “Ih, Nossa Senhora”. Mas era um lugar lindo, aí resolvemos fazer este show lá, e foi, o Bituca levou Gonzaguinha, Francis Hime, Chico Buarque, as irmãs do Chico, Nelsinho Angelo, Novelli, todo mundo e mais alguma coisa, Clementina de Jesus, sentada numa cadeira de roda e cantando “(...) Circo Marambaia...”, aquele negoção (risos), Fafá de Belém, foi uma coisa que não tem nem jeito de explicar. E nós conseguimos com os fazendeiros, porque lá é uma cidade agrícola, a gente conseguiu laranja, mexerica, doações das padarias de pão com presunto e enchia as caminhonetes assim. Caía a noite todo mundo acampado, aquela confusão, a maioria da cidade hospedou os músicos, eles ficaram todos em casas de amigos e a gente saía distribuindo laranja, aí parado assim, aquele monte de gente acampado, a gente perguntava: “Você está a fim de uma laranja?” “Pôxa, laranja? Quanto é?” “Não é nada não, cara, isso é só para agradecer a presença”. O Povo não entendeu nada, foi um negócio muito doido.
P/1- Bebeto, qual é a emoção de ter uma música em sua homenagem?
R – Ah, esse negócio não tem nem jeito de explicar, porque eu choro toda vez que eu escuto o Nascimento cantando. Quando eu canto eu não choro, mas não gosto de cantar, porque cada vez que eu toco eu toco de um jeito diferente e eu fico cismado, sabe? Mas é uma coisa fantástica e é um negócio que todo mundo chega e fala “Poxa cara, você que é o Bebeto?” é um negócio que às vezes me incomoda e outras vezes me deixa super feliz. É, uai, já pensou se fosse você? Não tem nem jeito de falar essas coisas. É coisa de amigo, aliás o Bituca é isso, o Bituca é um pregador da amizade, da pureza assim de relação, sem maldade.
P - Você falou que conheceu o Lô primeiro quando veio para a cidade, como é que era isso Bebeto?
R – Não, não é bem assim, eu conheci o Bituca primeiro, mas aí quando eu estava aqui em Belo Horizonte, através do contato com o Jacaré eu fui tendo contato com esse pessoal, o Beto, etc, e esse pessoal ia muito à Três Pontas, o Telo, pequenininho ia para lá, ficava jogando bola, ficavam na casa do Bituca e o Bituca foi lotando Três Pontas e de repente ele estava lá com aquele povo do Som Imaginário, aquele povo atrapalhado, doido, eles andavam só em fila indiana, bicho, com aqueles cabelões, o Robertinho parecia um balaio de coisas, assim, de gato (risos), e o Bituca foi levando e a gente foi ficando muito ligado a esse pessoal. Então virou uma confraternização de amigos, é uma confraria esse Clube da Esquina e que foi chegando mais gente porque é uma coisa que está aberta. Isso não vai acabar não, isso está crescendo, porque já virou até mundial.
P/1- Bebeto, tem algum caso interessante, que você acha importante deixar registrado?
R – Acho que o da “Paula e Bebeto” mesmo. Nós estávamos na casa da Paula, naquele tempo o Bituca até tomava uma, aí a Paula foi tomar banho e eu e Bituca ficamos tocando violão e ele começou a fazer a musiquinha tanananan, daí eu falei “Uai, que trenzinho bonito, não é Bituca?”. Porque o negócio do Bituca é assim, três acordes, porque quando ele resolve complicar ele põe 859 acordes e põe mais 12 semicolcheias e 15 não sei o que, mas Paula e Bebeto são cinco acordes. É bem Beatles, simplezinho e denso. Aí ele virou para mim e disse “Poxa bicho, esse negócio vai virar um grande sucesso” e ficou. Muito tempo depois ele me chamou para gravar no disco Minas, fazer um vocal em “Leila” e na “Nas Asas da Panair”, falei “Uai, vou Bituca”. O Bituca me chamar para fazer um vocal no disco dele, claro que eu vou. Quando eu cheguei no ônibus, porque não tinha vôo no dia, entrei no ônibus estava a Paula dentro. Pensei comigo, “O Bituca está armando alguma” porque nisto a gente já estava separado. Aí eu fui, gravei o negócio lá no Rio, ele já me hospedou, eu e a Paula na casa dele e tudo, aquela coisa estranha, porque tinha muito pouco tempo. Se bem que eu e a Paula somos eternos apaixonados, isso aí não adianta, ninguém nunca vai tirar isto nem dela nem de mim. Mas aí vai. Aí eu gravei, gravamos o vocal, aí estavam passando o disco para gente ver, Minas, Beijo Partido, e não sei o que, o cara falando no estúdio da Odeon, o estúdio lotado, aí está lá, a última faixa, a sétima faixa, “Paula e Bebeto” e eu falei “Uai, Paula e Bebeto?” e eu não tinha ouvido a letra não e nem tinha letra, eu sabia só da musiquinha. Daí, na hora que começou a vinhetinha eu saquei que era aquela música. Olha o susto que você leva com um negócio desses. O Bituca é muito sacana, ele faz umas sacanagens com o coração da gente, dói.
P/1- Bebeto, como você enxerga esta iniciativa de ter um museu em homenagem ao Clube da Esquina?
R – Acho que demorou para o Marcinho prestar atenção, porque ele sempre quis fazer isso, o Marcinho é o Clube da Esquina, é a alma mesmo do Clube. Eu acho que é um barato isso aí, um projeto fantástico, é um resgate de coisas maravilhosas e que eu acho que nunca vai parar, só vai aumentar de uma quantidade incrível. Porque tem os meus filhos, que são afilhados do Bituca, porque eu não chamei ele para padrinho e ele adotou e azar do outro padrinho, eu tive que dispensar padrinho, eu dispensei um padrinho, falei “Você não é mais padrinho do meu filho” (risos), “pode esquecer”. Então está aí, porque os nossos filhos estão vindo e pegando aqueles negócios, igual ao show que teve em Três Pontas, do museu mesmo, o evento, a meninada que estava tocando com o Bituca, tudo na faixa de vinte anos, aqueles meninos… Quando “Tarde” foi feita, eles não tinham nem nascido e agora está lá, os meninos tocando “Tarde” com uma harmonia difícil, acompanhando o Milton. O Bituca tem uma humildade, ele é um cara... Ele não é nem daqui, para começar. Esse bicho apareceu aí, de onde ele é eu não sei e eu tive a sorte e privilégio de conhecer.
P/1- E para você, o que significa esta iniciativa?
R – Olha, isso aí, em termos de cultura, é um dos maiores projetos que lançaram no Brasil ultimamente. E a profundidade dele ninguém sabe, nem você, nem o Marcinho sabe, ninguém sabe. Isso aí vai longe.
P/1- Tem mais alguma coisa que você queira registrar?
R – Não, quero só agradecer, porque vocês acharam que o meu depoimento vale alguma coisa.
P/1- Então, em nome da Associação dos Amigos do Museu, eu é que agradeço pelo seu depoimento.
(Fim da Entrevista)
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