Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 – Whirlpool
Depoimento de Maria Iolanda Oliveira da Silva
Entrevistada por Eliete Pereira
Iranduba 26/04/2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV019_Maria Iolanda Oliveira da Silva
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Dona Iolanda, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Dona Iolanda, pra gente começar, a senhora pode falar o seu nome completo?
R – Meu nome é Maria Iolanda Oliveira da Silva.
P/1 – E onde você nasceu e a sua data de nascimento?
R – Eu nasci em Manaus. Eu nasci no dia quatro de abril de 1974.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – O nome dos meus pais é... Da minha mãe é Maria Raimunda Oliveira da Silva, e do meu pai é Anísio Oliveira da Conceição.
P/1 – E o que os seus pais faziam, Iolanda?
R – A minha mãe, ela era doméstica, trabalhava em casa, trabalhava com agricultura, com roça. E o meu pai pescava também e trabalhava na agricultura, às vezes com madeira.
P/1 – Eles trabalhavam em Manaus?
R – Não. Aqui mesmo no interior.
P/1 – No interior. Qual o nome da comunidade?
R – Aqui na Comunidade do Saracá. Antes não era aqui que nós morávamos, nós morávamos em outra... Era sítio particular mesmo, que era da nossa família. Mas quando começou a comunidade aqui, depois o sítio da minha avó foi vendido pra um... Como se diz? Um empresário. E logo após a gente veio morar aqui na comunidade, aqui mesmo. Que essa comunidade aqui que a dona Raimunda fundou, que começou com a escola, depois veio a igrejinha, campo de futebol, e foram chegando as outras famílias. Que praticamente aqui nós somos assim, mais família. Tem poucas pessoas aqui que não são da nossa família.
P/1 – Dona Iolanda, antes de a gente entrar com mais detalhes na fundação daqui da Comunidade do Saracá, eu gostaria que você me dissesse por que você nasceu em Manaus.
R – Eu nasci em Manaus porque minha mãe quando saiu grávida de mim, quando foi pra ter... Porque antes aqui tinha parteira, então na época que eu nasci, eu nasci em Manaus porque não teve par... Tinha parteira, mas era longe, então eu fui, minha mãe levou minha mãe a Manaus, então ela me teve lá. Até meu batismo foi lá.
P/1 – E seus pais já moravam aqui na Comunidade do Saracá?
R – Já moravam aqui.
P/1 – Eles eram daqui da região de Iranduba?
R – A minha mãe, ela nasceu lá onde minha avó morava, que era o Saracá Velho, que a gente chama, e se criou lá. Então ela casou, ela teve um primeiro casamento, que é o meu irmão, que é o esposo da dona Raimunda Saracá, depois teve outro irmão meu também, de outro casamento, e depois que viemos nós. Que nós somos seis irmãos, aí somos filhos só de um pai. Que são três irmãs e três meninos.
P/1 – E qual o nome dos seus irmãos?
R – Maria Joana, Iolendina, Iolando, Keitivan e eu, que sou Iolanda (risos).
P/1 – Dona Iolanda, como era a infância aqui na Comunidade do Saracá?
R – A infância, a minha infância foi boa, porque eu praticamente não fiquei, assim, com meus pais diretamente. Até porque nós éramos o quê? Seis irmãos. E meus pais, assim, às vezes não tinham condições. Então eu fui morar com a dona Raimunda, a qual eu comecei a estudar aqui na escola. E quando eu fui morar com a dona Raimunda, eu já era... Eu acho que eu tinha uns dez anos. E fiquei praticamente com ela. Eu terminei de me criar na casa dela. Estudei uma época no Iranduba, numa escola que é dos Bahá'í, que é uma religião, que também era uma escola agrícola, onde eu estudei quatro anos. Que quando eu saí de lá, era pra eu ter terminado o oitavo ano, mas por motivo de a escola não ser reconhecida na Seduc, aí quando eu saí de lá tinha que fazer novos testes, aí eu desisti de estudar e vim embora pra cá. Mas a minha infância aqui foi boa, porque vivia no meio da minha família, junto com meus pais. Porque mesmo morando com ela, eu nunca deixei assim de vir visitar a minha mãe. Tinham os meus avôs... A minha avó. O meu avô, eu não conheci, mas a minha avó eu conheci, meus tios tudinho.
P/1 – A sua avó, você diz a mãe da sua mãe?
R – A mãe da minha mãe.
P/1 – E como era a sua mãe, a sua avó, a sua família, assim, o seu pai? Como vocês os descreve?
R – O meu pai, ele era uma pessoa... Assim, ele não gostava de estar no meio de muita gente. É assim que eu o descrevo. Assim, quando chegavam pessoas em casa, muita gente, ele procurava se retirar, ou procurava ficar mais distante. Agora, já a minha mãe não. A minha mãe era uma pessoa que convivia com todo mundo e todas as pessoas gostavam dela. Era uma pessoa muito brincalhona, pessoa que gostava de se divertir, gostava de dançar, trabalhava, e sempre assim, teve a responsabilidade de mãe.
P/1 – E os seus irmãos ficaram com ela?
R – Os meus irmãos, quando meu pai separou, aí ficou a minha irmã, ficou o Keitivan, a Joana, a Dina e o Iolando com ela.
P/1 – Eles eram menores?
R – Eles eram menores. A caçula é a Joana. Aí ficaram com ela. Ela sempre trabalhou assim em casa de família, trabalhava na agricultura, plantava, capinava roça, fazia farinha. Tudo isso ela fazia. Trabalhou muitos anos pra uma família que tem um lanço ali embaixo, que é a família Macarrão, que a gente chama. Ela trabalhou muitos anos lá de cozinheira com eles. Então após... Ela faleceu com 52 anos. Quando ela faleceu, ficou a minha irmã de 12 anos, ficou comigo, e a outra também.
P/1 – Você tinha quantos anos quando ela faleceu?
R – Eu já era casada, eu tinha 21 anos. Eu casei em dezembro de 94, ela morreu em maio de 95.
P/1 – E, dona Iolanda, quais eram as brincadeiras que se faziam aqui?
R – Eram muitas brincadeiras que a gente fazia. Nós gostávamos muito de jogar bola, que até hoje é o que as pessoas mais gostam aqui. Jogar bola, dançar, brincar de peteca, brincar de roda, cabo de guerra, barra bandeira (risos). O que mais, meu Deus? (risos).
P/1 – E o que você mais gostava, assim, de brincar?
R – O que a gente mais gostava de brincar era jogar o futebol. Peteca também a gente gostava de brincar, de manja, daquele pata cega, que amarra o pano assim na testa, pra pessoa não ver a outra que vai correr. A gente gostava muito de brincar essas brincadeiras.
P/1 – De manja, o que era?
R – Manja é assim, por exemplo, coloca assim alguma coisa aqui de um lado e outra aqui desse lado. Do lado que tu pegar, se tu pegar do lado, por exemplo, que tem a folha, você que vai me pegar, então você vai correr, aí tem aquela manja que você sobe, fica lá em cima, tu não pode pegar. Tu desceu para o chão, a pessoa (risos)...
P/1 – Pegava-te.
R – Pegava-me (risos). Era assim que a gente brincava.
P/1 – E no rio, vocês costumavam brincar também?
R – Costumava. A gente costumava brincar, às vezes pular na água, nadar, a gente gostava muito quando nós éramos crianças assim com dez, oito anos, a gente gostava muito de fazer isso.
P/1 – E você sabe nadar?
R – Eu sei.
P/1 – Você aprendeu quando você brincava então?
R – Era. Quando eu era pequena. Eu aprendi acho que com uns sete, oito anos, eu aprendi a nadar.
P/1 – E, Iolanda, você costumava brincar com os seus irmãos assim, ou tinha mais outras crianças daqui? Tinha muita criança aqui?
R – Tinha. Eu costumava brincar com meus primos, que eram os filhos do meu tio, do tio Sabá, que hoje, que hoje são também todos já adultos, uns casados, uns solteiros, mas a gente brincava com eles. E com meus irmãos também a gente brincava muito.
P/1 – E como era a escola? Você começou a estudar aqui?
R – Aqui. A nossa escolinha era multisseriada. Quem era a nossa professora... Quem foi a minha primeira professora foi ela, a dona Raimunda. Ela dava aula de primeira à quarta série. Na nossa sala nós estudávamos, nós éramos 64 alunos que estudávamos. E era legal assim. Foi bom pra mim, porque eu aprendi. Quando eu terminei a quarta série, eu aprendi. E logo após que eu terminei, foi a época que ela perguntou se nós queria estudar no Iranduba, aí nós fomos estudar pra lá. Depois eu desisti de estudar, passei uns tempos sem estudar. Aí eu fiquei parada. Logo que eu casei, aí começou o SAT aqui, que era um programa. Eu me matriculei umas duas vezes, aí desisti. Aí eu me matriculei de novo e estudei, aí eu fui trabalhar no Tumbira. Quando eu fui trabalhar no Tumbira, eu trabalhava pelo Estado, que era a Seduc, como merendeira.
P/1 – Eu vou perguntar, antes de a gente entrar já no seu primeiro trabalho, no seu primeiro emprego, sobre sua a sua escola que você estudou lá no Iranduba, com os Bahá'ís.
P/1 – Ah, lá...
R – Como era estudar numa escola organizada por uma comunidade religiosa?
R – Pra mim, assim... É porque de costume eu não tive muita dificuldade, porque...
P/1 – Mas era muito diferente?
R – Era diferente.
P/1 – Como era essa diferença?
R – Essa diferença, assim, porque lá nós tínhamos momento pra tudo. Nós tínhamos momento pra hora do culto deles, nós tínhamos momento do nosso estudo, nós tínhamos momento de brincar. Porque lá era uma escola agrícola, lá a gente trabalhava no campo, nós plantávamos, nós capinávamos. Tinha granja pra gente colher ovos, tudo isso tinha. Então a gente tinha várias tarefas assim, porque nós tínhamos professor agrícola lá, que dava aula pra gente, então professor de campo. Nós estudávamos... Pela parte da manhã, nós trabalhávamos em campo, em prática: plantando, capinando, fazendo muda de plantas pra outra... Plantava melancia, plantava vários tipos de... Plantava verdura, cebolinha, cheiro-verde. Tinha outra turma que ia cuidar da granja que tinha lá, colher ovos, cuidar dos pintos, cuidar da galinha. Outros alunos... Que na época que eu estudei, nós passávamos 19 dias, nós alunas, nós não estudávamos junto com os meninos. Quando nós saíamos da escola lá, os alunos entravam pra estudar. Então nesse decorrer que eu passava em casa, 19 dias em casa, então eu trazia tarefa pra fazer, às vezes com a comunidade sobre saúde, às vezes minha professora me dava assim uma palestra, porque tinha que dar, às vezes quando eu chegava à comunidade, tinha que reunir com os pais, alunos, pra explicar. Era sobre saúde, como você se prevenir e várias outras coisas. Então, assim...
P/1 – Prevenir-se de quê?
R – Das doenças. Por exemplo, como a água, ter sanitário em casa pra que as pessoas não fiquem evacuando no chão, porque contamina. Tudo isso era passado pra gente na escola. Então foi uma coisa que desde lá eu comecei a aprender e colocar em prática assim dentro de casa.
P/1 – Você ficava o dia todo lá?
R – Eu ficava 19 dias lá.
P/1 – Dezenove dias lá.
R – Era.
P/1 – E ficava o dia todo, estudando de manhã e à tarde?
R – Não. De manhã ia para o campo, trabalhar em campo; e de tarde, sala de aula. E à noite, a gente ficava até umas nove horas, porque tinha tarefa pra fazer, aí a gente ficava todo mundo reunido numa sala pra estudar.
P/1 – Então vocês dormiam todo mundo junto assim?
R – Era alojamento. Isso.
P/1 – Era alojamento. E você gostava?
R – Eu gostava. Logo no começo, quando a gente chega assim num canto, pra mim foi difícil assim. Porque logo que você chega a um lugar, você não tá habituada àquele hábito, àquele lugar e com pessoas diferentes. Depois de uma semana não, eu fui me acostumando com as novas alunas, a gente foi criando amizades. Então lá no colégio eu construí várias amizades. Graças a Deus nenhuma amizade que fosse má, mas sempre amizades boas, que até hoje eu tenho. Hoje tenho colegas que já terminaram, fizeram faculdade, hoje são professores. Quando a gente se encontra... Tem colegas minhas que estudaram junto comigo, que um tempo desse eu as encontrei: “E aí, Iolanda, tu parou de estudar?”. Eu disse: “Não. Continuou estudando”. Até acharam graça de mim brincando. Elas disseram: “Tá na hora de tu fazer uma faculdade”. Eu disse: “Eu ainda to terminando o ensino médio”. Ela disse: “Hoje eu já sou professora”. Isso era a Raimunda Roseli conversando comigo. Eu digo: “Que bom. Parabéns! Porque já é um passo que você já deu na sua vida”. Ela disse: “E aí, você já casou?”. Eu disse: “Já. Tenho dois filhos”. Ela também já casou, mãe de filhos. Então é assim. A minha vida, ela é assim. E é isso.
P/1 – E, dona Iolanda, voltando assim à escola, então você estudava só com meninas?
R – Meninas. A gente tinha um professor que monitorava toda a turma, o qual era responsável por toda turma que ficava de mulher na escola. Mas aí ele ficava com a gente, ele tinha o alojamento dele, e a gente tinha o nosso alojamento. Onde ele ficava monitorando, porque você sabe que onde estuda muito aluno, tem umas que são sapecas (risos).
P/1 – (risos).
R – Tiveram momentos assim que tiveram colegas minhas que fugiram pra festa lá no...
P/1 – Mas eles controlavam vocês então?
R – Eles controlavam. Assim, quando aconteceu essa época, tiveram alunas que saíram da escola porque os pais foram chamados. Então foi uma coisa assim, meio chata, sabe?
P/1 – E você, como você era? Você era danada?
R – Era. Eu nunca fui muito... Eu era meio danada, mas o que eu mais assim de fazer, eu sempre gostei de jogar futebol.
P/1 – E você gostava de jogar então?
R – Gostava. Jogava muita bola. Então quando eu quebrei minha perna, jogando bola isso (risos).
P/1 – Lá que você quebrou?
R – Não. Já foi aqui. Mas assim, lá a gente tinha outros... Tinha vôlei. Eu também gostava de jogar vôlei, mas o meu esporte preferido era o futebol de campo mesmo. Sempre gostei.
P/1 – E lá vocês tinham essa oportunidade de fazer esporte?
R – Tinha. Tinha a oportunidade de fazer esporte, de jogar futebol, jogava vôlei. Tinha a hora de recreio, tinha a hora de você brincar e tinha a hora de tudo.
P/1 – E lá você fez até que série?
R – Lá eu fiz até a oitava. Quando eu saí de lá... Eu estudei lá quatro anos. Aí o colégio não era reconhecido, então, no caso, todos os alunos que saíam tinham que fazer um teste. Eu não quis fazer o teste.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu me esmoreci. Você passar estudando quatro anos, aí quando você vai sair pra pegar a sua transferência, você pegar a sua transferência da quarta série de novo, você já imaginou?
P/1 – Aí você ficou frustrada.
R – Daí eu parei. Depois eu comecei de novo a estudar, mas aí era pra eu ter terminado. Mas depois eu vim embora pra cá. Porque eu quis mesmo, porque se fosse pela dona Raimunda, eu e o Ézio, a gente tinha terminado no Iranduba, porque eu comecei a estudar no Isaias de novo. Eu ainda estudei, mas depois eu desisti. Aí eu terminei agora em 2013, aí na Comunidade Tumbira.
P/1 – E quando você terminou a oitava série, lá nessa escola da Comunidade Bahá'í, você tinha quantos anos?
R – Eu tinha 15 anos, 16.
P/1 – Dezesseis? Aí quando você terminou lá, você não teve os teus quatro anos que você fez reconhecidos, aí você voltou pra cá então definitivamente. E você voltou já adolescente assim?
R – Já. Já voltei...
P/1 – E os namorados? Você já tinha namorado naquela época?
R – Já. Tinha, mas não assim... Namorava assim namoradinho passageiro, mas não assim namorado com responsabilidade, de namorar mesmo e ter aquela responsabilidade. Ao decorrer, quando eu vim pra cá, eu parei de estudar. A dona Raimunda continuava dando aula. Eu morava com ela, aí ela vinha dar aula. Antes nós não morávamos aqui, não, ela tinha um terreno lá... Era longe daqui da comunidade, aí ela vinha, eu ficava lá, fazia almoço, lavava roupa, tomava conta de casa, varria o terreiro e ficava lá em casa.
P/1 – E você cuidava de outras crianças?
R – Não.
P/1 – Você tinha irmãos lá, outras pessoas que moravam com você e com a dona Raimunda?
R – Só era eu, o Ézio, que é o filho dela, o Idelfonso, que é meu irmão, e ela. Só eram quatro também. O Ézio já era crescidinho, ele não dava trabalho, não.
P/1 – Então você era a mulher da casa?
R – Era.
P/1 – Quando a dona Raimunda tava trabalhando, você que...
R – É. Quando ela estudava por Iranduba, eu também ficava. Às vezes ela saía duas horas da madrugada pra ir estudar, porque sempre foi assim a vida dela pra ela ser professora. Ela dava aula aqui, aí quando chegavam os finais de semana, ela tinha que fazer prova no Iranduba. Então ela saía às vezes duas horas da madrugada de casa. Eu ficava lá em casa.
P/1 – Aí nesse período que você veio ficar mais tempo em casa, voltar pra casa da dona Raimunda, você ficou só cuidando da casa? Você pensou em voltar estudar?
R – Não. Nessa época eu fiquei só em casa.
P/1 – Trabalhando.
R – Porque nessa época ainda não tinha, não tinha nenhum ensino assim. Depois que veio o EJA, mas daí se matricularam os alunos, depois desistiram, aí eu comecei a estudar também no EJA. Aí desistiram. Aí quando eu casei...
P/1 – Tinha EJA aqui?
R – É. Começou aqui, mas aí a turma foi desistindo, aí acabou.
P/1 – E você também não continuou então?
R – Aí não continuei. Quando veio o Programa SAT, que é um programa desenvolvido na Colômbia, mas ele é muito bom, é um programa que é de quinta à oitava. Aí eu comecei a estudar, eu fiz até a sétima aqui, aqui na escola.
P/1 – Recuperando aquele tempo que você...
R – Ahã. Tinha perdido. Depois que eu comecei a estudar no Tumbira, eu estudei já pra valer mesmo. Porque quando eu me matriculei, o Sebastião disse pra mim: “Agora você vai ter que terminar, porque você ficar desistindo não é um futuro pra você. Se você quer crescer, você quer ser algo, você tem que estudar, tem que ralar pra batalhar, pra pelo menos você ter o médio aqui, porque faculdade aí já é mais em Manaus, já é mais nos municípios”.
P/1 – Então o SAT você fez então da quinta à sétima?
R – Foi. Da quinta à sétima aqui.
P/1 – E depois?
R – Aí eu terminei o oita... O nono e o oitavo, eu terminei no EJA, lá pelo Tumbira também.
P/1 – Pelo Tumbira.
R – Porque lá tinha.
P/1 – Mas você frequentava todos os dias?
R – Fiz duas séries. Todos os dias eu tava na sala de aula. Trabalhava de manhã e de tarde, mas à noite eu tava na sala de aula.
P/1 – Você trabalhava onde?
R – Trabalhava como merendeira.
P/1 – Esse foi seu primeiro emprego?
R – Foi.
P/1 – Foi? E como foi trabalhar como merendeira?
R – Pra mim foi uma experiência boa, até porque, assim, eu nunca tive dificuldade pra trabalhar... Eu gosto assim de fazer comidas. Eu gosto de fazer. Trabalhar na cozinha, eu gosto de manter as coisas bem arrumadinhas. Quando eu trabalhava lá, eu trabalhava de manhã e de tarde, também fazia merenda pra noite. Mas eu me dividia bem, de manhã eu ficava, fazia o café da manhã, aí fazia o almoço para os alunos, porque eles trabalhavam no campo, aí à tarde eu ficava, tinha que fazer merenda pra outra turma, porque então não tinha outra merendeira.
P/1 – Era só você?
R – Só era eu. Trabalhava nos três turnos. Antes de eu sair, eu já deixava a merenda pronta para os meninos da noite.
P/1 – Ah, tinha turno da noite também?
R – Tinha. Eu já estudava de noite.
P/1 – Ah!
R – Aí quando eu saía, já ficava pronta. Então quando eu ia lá, porque eu morava lá na pousada, morava lá junto com a Ladi e Roberto, eu tinha um quarto alugado, então eles, assim, foram legais comigo até o dia... Eu saí de lá porque eu quis assim, porque também a maioria do tempo eu passava longe de casa. Trabalhava e passava longe de casa, só chegava a casa sexta-feira.
P/1 – No final de semana.
R – No final de semana. Aí só passava o sábado e o domingo aqui. E meu filho... A minha filha foi, a Jaqueline foi comigo, estudava na escolinha na época. O Janderson ficou com o pai dele, ele estudava no SAT aqui na escola. Então era assim, era dividido. Mas aí chega aquele momento que você tem que estar próximo da sua família, porque você tá vendo teus filhos crescerem, se desenvolverem, ficarem adolescentes, e eles precisam de ti pra estar ali te dando o apoio. Porque você como mãe e pai, você precisa estar ali junto vendo o crescimento do teu filho e o desenvolvimento dele. Então aí eu tomei uma iniciativa e foi na época que eu vim pra cá. Eu fiz curso culinário também lá. Fiz dois cursos lá na escola pela fundação.
P/1 – Pela Fundação Amazonas?
R – Sustentável, que trouxeram o curso. Aí fiz também... O chefe de cozinha ensinou a gente a fazer pão, mas antes disso eu já sabia, só que eu não fazia, não. Porque quando eu estudava lá na escola, a gente fazia, só que daí eu nunca assim tomei iniciativa pra eu fazer. Só que quando eu vim pra cá, você se acostuma a trabalhar e no final do mês você ter seu dinheiro. Aí eu falei para o Sebastião: “Eu acho que eu vou começar a fazer pão”. Mas no início eu comecei a fazer assim, como eu tava contando pra ele, pra comer. Depois eu comecei a fazer, começaram a gostar, eu comecei a vender aqui na comunidade, não só aqui, mas no Inglês, lá no Tumbira mesmo.
P/1 – Ah, nas outras comunidades daqui.
R – Aí graças a Deus pra mim ajuda muito, porque é um empreendimento que…
P/1 – Iolanda, você tava comentando quando você começou a fazer seu empreendimento com pães.
R – Pois é, com pães.
P/1 – Como começou? Assim, que você que poderia estar vendendo, por exemplo?
R – Começou... Um dia eu falei para o Sebastião: “Eu aprendi a fazer a fazer pão”. Ele disse: “Mas tu não faz nem pra gente comer aqui em casa” – assim brincando comigo. Eu digo: “Não, eu vou fazer”. Quando foi um dia, eu fiz. Vieram aqui em casa, perguntaram se era eu que tinha feito, eu disse que era. Aí eu comecei a fazer, mas comecei a fazer pouco logo no começo, pra ver se... Eu fui começando a vender, fui começando a vender, ele disse: “Eu vou te bancar três meses” – o Sebastião falou. Ele pensava, eu acho, que eu não ia vender, no decorrer eu não ia vender muito. Aí eu comecei a vender. Tiveram meses que eu vendi na faixa de mil pães, dois mil pães, já vendi.
P/1 – E você aprender na escola agrícola?
R – Foi. Eu aprendi, mas eu terminei de me aperfeiçoar bem aqui, quando eu tive o curso. Aí eu me aperfeiçoei bem no pão.
P/1 – Lá no Tumbira.
R – Foi. No Tumbira. Pra mim foi um empreendimento bom, porque é uma coisa que tá gerando renda dentro de casa mesmo. Eu faço... Eu forneço também ali para a pousada do Roberto. Quando tem pessoas lá, ele me encomenda, então já é um ganho, já é uma renda que tem dentro de casa, pra nossa sobrevivência. Porque eu acredito assim, que tudo que você vai fazer, se você tem força de vontade e você faz bem, as pessoas gostam e elas voltam. E todo mundo assim que vem, que provam, eles gostam assim do pão. Então já é uma forma de eu ajudar dentro de casa. E com isso, eu já comprei aqui pra casa, comprei uma geladeira com dinheiro de pão, isso daí foi. Agora a gente também já colocou esse pequeno comércio, porque às vezes a pessoa vem comprar um pão, mas já quer um café, já quer um leite, já quer outra coisa.
P/1 – Há quanto tempo que você tá vendendo pão?
R – Já tá com mais... Eu acho que tá com um ano e meio que eu faço pão pra vender.
P/1 – Iolanda, a gente vai voltar um pouco e depois a gente retoma o seu empreendimento. Eu gostaria de saber como você conheceu o seu esposo.
R – O Sebastião?
P/1 – Sim.
R – Praticamente nós crescemos juntos. Aliás, nós somos só de uma idade, só que ele é de janeiro, do dia 20 de janeiro, eu sou de abril. Ele intera 40 em janeiro, eu faço em abril, que nem eu fiz agora. Mas praticamente estudamos juntos. Mas antes, ninguém era namorado. Nós fomos amigos de escola, colega, brincávamos muito. Teve uma época que eu fiquei... Fui pra Manaus, aí quando eu voltei, aí foi a época que nós começamos a namorar. Acho que nós namoramos assim um ano, só namorando. Depois ele perguntou um dia se eu queria namorar mesmo com ele de verdade, se eu queria ter um compromisso sério com ele, eu falei que queria. Ele veio um dia em casa, me pediu do meu irmão e dela, que eu considero pai e mãe. Aí ficamos namorando e logo a gente noivou e casou. Nós nos casamos em dezembro de 94. Nós nos casamos aqui na igreja e logo após nós viemos morar... A nossa primeira casa, ela não era essa casa aqui. A nossa primeira casa era uma casa bem pequena, que nós viemos morar. Quando nós nos casamos, praticamente a gente não tinha nada. A dona Raimunda deu um fogão, ela mesma pode contar, ela deu um fogão, um pote... Eu já tinha ganhado algumas coisas do meu chá de panela que a gente fez, já tinha ganhado algumas vasilhas. Aí nós viemos morar aqui. Com a continuação, ele começou a trabalhar. Na época, ele trabalhava com madeira, ele sabia cerrar. Então ele começou a cerrar com o pai dele e eu ficava aqui em casa. Aí foi na época que eu engravidei. Eu engravidei logo do Janderson, que é o meu primeiro filho, que hoje tem...
P/1 – Qual o nome dele?
R – Janderson.
P/1 – Do Janderson.
R – É. Ele tem 18 anos hoje, esse ano ele faz 19 anos em setembro. Então aí a gente começou a construir juntos. Ele começou a trabalhar, primeiro ele trabalhou acho que uns quatro meses pra ele conseguir dinheiro pra comprar um motosserra pra ele. Porque ele fazia um rancho pra mim, eu ficava só aqui em casa com as meninas, ninguém não gastava muito. Sempre fazendo economia pra que pudesse comprar as outras coisas. Aí foi, foi... aí nós pensamos em fazer... Que é essa casa agora. Ele começou a tirar madeira, algumas madeiras foi ele que tirou, outras foram compradas, a gente comprou.
P/1 – Mas a casa que vocês foram morar logo quando vocês se casaram foi uma casa cedida pela família dele?
R – Não. Foi ele mesmo que fez.
P/1 – Ele mesmo que fez?
R – Ele trabalhou e mandou fazer. Comprou zinco, essas coisas. Só que ela era bem pequena. Só tinha uma sala pequena, tinha um quarto, um corredor que nem esse no meio, e a cozinha também, que era lá atrás. Mas era bem pequena, não tinha nada a ver com esse tamanho. Eu acho que se ela dava, ela dava como daqui pra lá assim de comprimento. Não era grande, não. Era bem pequena.
P/1 – Agora, Iolanda, pra vocês construírem aqui, você poderia escolher o local e poderia construir?
R – Não. Aqui o terreno... A dona Raimunda era presidente na época.
P/1 – Presidente do quê? Da...
R – Da comunidade.
P/1 – Da comunidade.
R – Da associação da comunidade. Então esse terreno foi doado assim por ela. Ela que nos deu o terreno. Então a gente já limpou, aí fez a primeira casa. Logo que a gente casou, já tinha casa. Depois construímos essa. Aí eu tive o Janderson e ele continuou trabalhando, aí fomos construindo, comprando as coisas. E graças a Deus, assim, agradeço a Deus, as bênçãos, porque eu acredito assim, que as coisas só vêm quando nós temos fé e nós acreditamos que dias melhores virão. Porque antes o nosso interior era muito, assim, acho esquecido, porque hoje, eu digo mesmo para os meus filhos, hoje eles assistem televisão, eles têm luz a hora que eles querem, tem água encanada, assiste televisão, se vai na geladeira, tem um refrigerante, tem um suco, às vezes tem um iogurte, tem até sorvete hoje, que eu também vendo aqui. Eu digo pra eles assim: “Meu filho, hoje o interior tá uma maravilha, tá urbanizado. Antigamente não era assim”. Pra você conseguir ter essas coisas, você tinha que ter uma caixinha de gelo. Você tinha que comprar gelo, trazer de Manaus, comprar. Pra ter aqui uma carne se você quisesse, você também tinha que colocar no gelo pra manter em casa. Hoje não, hoje você tem um freezer, melhorou a vida do interior, urbanizou a comunidade. Então a minha vida, assim, eu agradeço a Deus pelo momento e pela família que eu tenho.
P/1 – E quando começou a melhorar?
R – Começou a melhorar... Antes as pessoas, assim, trabalhavam com madeira, só que a vida da madeira foi ficando muito difícil. E chegou uma época que ele foi pego. Sebastião foi preso, ele passou nove dias assim em Novo Airão preso por causa disso, de tirar madeira. Que você sabe que madeira, na época que eles trabalhavam, sempre foi proibida, mas trabalhavam por sobrevivência mesmo, porque não tinha outra forma de ganhar dinheiro.
P/1 – Vendia madeira, o Sebastião?
R – Vendia madeira. Então na época ele começou a trabalhar e trabalhava com madeira. Depois disso, aí foi tendo várias mudanças. Primeiro a gente fez assim tipo um... Como se diz? Fez uma reunião com as comunidades todas, se reuniu todo mundo, fomos a Manaus, até lá com o governador, onde foi desde aí que começou o surgimento da reserva.
P/1 – E, Iolanda, assim, quando você soube que o Sebastião foi preso, como você soube e qual foi sua reação?
R – A minha reação... Porque eu soube pelo meu filho. Porque o Janderson tava com ele na época, então ele veio até com o Ézio, com o filho da dona Raimunda. Ele chegou aqui em casa acho que eram umas sete horas da noite e chegou todo molhado. Quando eu o vi, eu fiquei olhando, eu disse: “Cadê teu pai, Janderson?”. Ele disse: “Ah, mamãe – foi logo chorando – papai foi preso, foi pego e os meninos foram tudinho com eles”. A minha reação foi difícil. Eu sei que a gente... Na época, a comunidade toda se mobilizou e nós juntamos dinheiro. A gente tem vários amigos também, a gente correu pra eles.
P/1 – Quais esses amigos? Lá em Manaus?
R – Lá em Manaus. É. Seu Carlos Cavalcante, que é um empresário também muito forte, e outros amigos da dona Raimunda, o prefeito Nonato Lopes, na época. Eles foram presos, e com nove dias que estavam lá, a gente tava já... Porque o juiz de Novo Airão não tinha assinado pra que eles pudessem sair, então assim, a gente entrou em contato. Aí o juiz de Manacapuru era amigo do seu Carlos Cavalcante, que morava em Manaus na época. Ele até hoje mora, o seu Carlos. Eu sei que ele já tava de ida pra lá.
P/1 – Seu Carlos era um político?
R – Não. Ele é um empresário.
P/1 – Ele era um empresário. Ele trabalhava...
R – Ele ainda é empresário.
P/1 – Ele é empresário ainda?
R – É.
P/1 – Ele trabalha com madeira?
R – Não. Seu Carlos é empresário...
P/1 – Qual a atividade dele?
R – A atividade dele, ele tem escritório em Manaus, trabalha com venda, com compra, com venda, então...
P/1 – Venda de quê?
R – Ele tem lanchas. Ele tem uma lancha que ele aluga pra Petrobras, sempre todos os anos, para o urucu que vai pra lá. E ele trabalha com outros empreendimentos que ele tem. Então ele ajudou muito. Outros amigos ajudaram muito também. Teve a fundação também, ela na época que... Aí veio a época que teve uma reunião aqui, que nessa reunião teve muita discussão por causa disso. Porque é assim, quando você mora num lugar que são criadas as leis, às vezes quando você não conhece, que você fica de fora, porque as leis são criadas lá fora, mas quem mora aqui somos nós, nós que somos os guardiões da floresta, então todas as coisas que forem acontecer que sejam para o nosso bem ou que nós tenhamos que concordar, acho que a gente deve saber. Aí foram reunidas todas as comunidades, teve uma assembleia aqui muito grande, a qual a gente decidiu. O Saracá foi a primeira comunidade que decidiu. Todas as outras comunidades diziam que não queriam a reserva. Aí a gente decidiu, a comunidade decidiu que a gente ia querer a reserva, sim.
P/1 – Quem propôs a reserva? Você lembra qual foi o agente público?
R – Tinham vários órgãos aqui. Tinha do governo, tava o secretário do meio ambiente, que era o doutor Virgílio Viana. Tinham vários órgãos participando da reunião, então foi desde aí que começou a reserva. Então foi um momento assim que surgiu pra gente um momento novo.
P/1 – Mas o pessoal não queria a reserva por quê?
R – Porque acho que eles pensavam assim que se criasse reserva, nós não íamos poder mais plantar ou tirar madeira. Mesmo porque a gente pode, é uma reserva de desenvolvimento sustentável, a qual você pode plantar, você pode tirar o peixe pra você comer, você pode tirar madeira pra você construir seu barco, sua casa. Nada impede você de fazer isso. Então acho que as pessoas tinha um medo assim. Porque como eles foram presos, acho que eles imaginavam assim, “ah, mas se a gente aceitar, como a gente vai viver agora?”. Mas aí abriram as outras portas e outras oportunidades vieram, certo?
P/1 – E o que mudou depois que se tornou reserva?
R – Pra mim assim mudou muita coisa, porque vieram várias coisas boas pra nossa comunidade. A fundação nessa parte é uma parceira com as comunidades, porque o Saracá, que é uma comunidade hoje, você ver um restaurante aqui no Saracá, a nossa comunidade se fosse se reunir, a gente ia construir, mas ia ser difícil. Então essa parceria aqui no Saracá, pra mim, veio a melhoria do restaurante, porque também foi uma parceria da fundação com a comunidade, então já é um passo dado. E eu acho assim, que esse passo dado foi um passo bom. Agora, o que tá faltando assim é nós mesmos. Porque nós já tivemos ajuda, mas nós mesmos caminhar com as nossas próprias pernas e buscar lá fora. Porque eles já nos ajudaram muito. A fundação, eu digo que já nos ajudou muito assim nessa parte, trazendo até grupo para o nosso restaurante. Eles sempre trouxeram. Isso aí eu digo porque já trabalhei lá na cozinha. Outra coisa também, essa escadaria, parceria também junto com a fundação. Comunidade e fundação. E tem hoje uma ajuda também da prefeitura, Sebastião? Então são melhorias assim. A encanação também, Sebastião, daqui da nossa comunidade? Tudo isso, essa urbanização veio através desse movimento, dessas coisas. São coisas que você analisando, você vendo, mudaram. A luz chegou pra gente, a Luz para Todos. Antes a gente já tinha esse projeto, já tinha brigado. A Comunidade de Saracá sempre brigou por isso. Uma vez fizeram um ramal, aí desistiram... Desistiram não, não chegou, aí eles roçaram. Dessa vez, agora, graças a Deus a luz chegou, também é um desenvolvimento pra comunidade, a qual a comunidade tendo luz, você sabe que muda totalmente a vida das pessoas, você pode ter um peixe, você pode ter uma carne. Você pode ter, porque é uma luz que você sabe que são 24 horas. E antes a gente tinha só a luz de um gerador, que nós pagávamos caro, mas funcionava, por exemplo, de seis horas, tinha que parar às dez horas, porque gastava muito. Então tudo isso foi mudando na vida das pessoas. E também, assim, vieram vários cursos já aqui pra reserva. Eu fiz um pelo Senai que é de empreendedorismo, que eu fiz, a dona Raimunda fez junto comigo. Fiz culinária. Vieram já vários cursos. Então é um momento que você tá vivendo, que você tá passando, que é uma forma que eles estão trazendo pra que você possa crescer e se desenvolver pra que tu possa ter um desenvolvimento, quem sabe daqui mais na frente você pode até ter uma gestão ambiental, você pode trabalhar aqui na reserva como isso. Você tendo uma faculdade, com certeza você vai ter o trabalho. Então ser um professor também na escola. Isso daí é uma das coisas que depende muito também de nós que vivemos aqui, se nós queremos. Porque, como se diz, o primeiro passo foi dado. Então com isso eu vejo assim esse desenvolvimento. A escola que antes nós não tínhamos o ensino médio, hoje nós temos. Temos a oportunidade de não sair daqui, de não deixar nossos filhos saírem daqui pra ir pra Manaus estudar lá longe, enquanto aqui você vai e volta todo dia.
P/1 – E era um restaurante?
R – A gente tem.
P/1 – Ah, vocês têm um restaurante.
R – Tem um restaurante.
P/1 – O restaurante, ele é um ges...
R – É comunitário.
P/1 – É comunitário. É naquele espaço que a gente foi...
R – É lá. O primeiro que vocês subiram.
P/1 – Desde quando vocês têm esse restaurante?
R – Desde... Eu nem sei.
P/1 – Faz muito tempo?
R – Já tá com dois anos, eu acho. Acho que dois pra três anos.
P/1 – E esse restaurante, vocês tiveram algum apoio do Consulado da Mulher?
R – Sim.
P/1 – Conta como a senhora teve esse contato com uma comunidade daqui, teve contato com o consulado.
R – O consulado veio através também da fundação conhecer o restaurante, então fez uma parceria, o qual eles já doaram muitos empreendimentos bons aí pra dentro, que sempre eles são utilizados. E é uma coisa pra mim muito boa, porque quando você se doa a um trabalho, eu acho que é um trabalho, assim, muito legal a parte que o consulado faz, porque é um empreendimento que ali estão te doando pra ti cuidar e tomar conta do empreendimento, onde tu vai ser responsável, mas tu vai estar ganhando com aquilo. E é uma forma, assim, pra mim boa de ajudar, porque tem muitos materiais que você sabe que de restaurante são muito caros. Então essa parte do Consulado da Mulher pra mim é uma parceria muito boa, porque eles dão e ficam apoiando, eles vêm ver o que tu tá precisando, o que tu necessita, o que tá faltando, o que precisa melhorar, se tá faltando água. Então isso pra mim é legal, porque é uma forma que eles estão fazendo de ajudar e de ver aquilo prosseguir, pra ver aquilo “bombando”, como se diz. Você tá trabalhando ali e ela vê que o empreendimento está indo pra frente. Então pra mim isso é um passo maravilhoso. E veio também através da fundação, então pra mim a fundação tem sido muito parceira nessas partes de ajuda, de estar buscando junto pra trazer pra reserva, pra estar ajudando as comunidades onde têm empreendimentos, estar trazendo os parceiros. Que nem, teve uma reunião que eu até participei, que eles trouxeram vários parceiros que eles vão apoiar mais na parte que nem o Sebrae. Então são coisas que nós que moramos aqui, nós temos que aproveitar. Quando tiver, a gente tem que estar ali participando pra que nós possamos mais informados, se capacitando cada vez mais pra assumir alguma coisa que você... Como por exemplo, eu tenho o empreendimento do pão, mas aí se eu sentar com uma pessoa do Sebrae, ele vai me dizer: “Como tu começou? Qual foi sua geração de renda até hoje? O que tu conseguiu?”. Porque é assim, você tem que ter um levantamento de caixa do que sai, do que entra. Então pra mim também eu fiz essa parte de empreendedor turi... É...
P/1 – Empreendedorismo.
R – Empreendedorismo. Pra mim também foi bom, porque é fundamental você saber com que você tá mexendo e se qualificar pelo uma parte naquilo que você quer. Porque também, foi que nem a professora nossa disse: “Vocês, hoje, alunas que fazem esse curso, algum dia quando eu voltar à reserva, eu quero ver quais das minhas alunas estão sendo empreendedoras hoje, como vocês começaram, se vocês tiveram dificuldades. Porque pra você ser um empreendedor, você tem que estar buscando e sempre inovando”.
P/1 – E, dona Iolanda, como vocês tiveram essa ideia de fazer um restaurante aqui na comunidade?
R – Isso é um sonho que vinha da dona Raimunda, que ela sempre, assim, sempre quis. E toda a comunidade aceitou, porque é uma forma de estar gerando emprego dentro da comunidade. Porque quando os grupos vêm, aí gera emprego dentro da comunidade. Porque, por exemplo, eu quase não vou, mas as meninas, que tem a pessoa que é copeira, que trabalha, lava vasilhas, tem outras que são as cozinheiras, que trabalham com almoço, outra... A Pedrina é a gerente que atende. Então são várias pessoas quando... Aí tem assim, por exemplo, se tem que assar um peixe, por exemplo: “Fulano, tu vai, eu te dou uma diária. Tu vai fazer isso”. Então é uma forma que tá gerando renda dentro da comunidade. Já gerou, sim. A gente viu que já gerou renda.
P/1 – E o Consulado da Mulher deu quais equipamentos pra esse empreendimento de vocês?
R – Eles já deram um freezer, uma geladeira, uma cuba, parece, se eu não me engano, aquelas de por comida. Tem vários empreendimentos que eles já ajudaram. Assim, liquidificador, forno micro-ondas, jogos de pratos, colheres, talheres, xícaras. Tem muita coisa que eles já ajudaram. Muita coisa mesmo.
P/1 – E as pessoas que vêm aqui consumir do alimento que vocês produzem lá no restaurante são pessoas daqui da comunidade ou são turistas?
R – São pessoas que vêm de fora. Tiveram grupos que já vieram de fora. E assim, a Pedrina, que é a gerente, ela já tentou colocar a funcionar pra vender pra comunidade, mas só que ela achou que quase não tava tendo retorno. Então quando ligam, por exemplo, assim, ela é a gerente, aí ligam: “Olha, Pedrina, vai um grupo, por exemplo, de 60 pessoas”. Aí eles escolhem o cardápio que querem comer, aí ela já corre atrás, porque às vezes é tambaqui, às vezes é tucunaré, às vezes é jaraqui, baião, essas coisas. Então é um prato assim que acompanha... Também tem a parte das sobremesas, que é feita.
P/1 – E o pão da senhora, a senhora vende também no restaurante, ou a senhora vende à parte?
R – Não, eu vendo aqui mesmo.
P/1 – Ah, vende aqui então. E a senhora vende outras coisas também aqui?
R – Como assim?
P/1 – Além do pão, a senhora vende café, vende um acompanhamento, outros doces, outras coisas que a senhora produz?
R – Não. Ainda não vendi.
P/1 – Só o pão?
R – Só o pão mesmo. Por enquanto eu ainda não fiz assim. Mas eu também sei fazer bolo, eu sei fazer essas outras coisas assim, um pouco eu entendo de fazer. Mas eu faço só o pão mesmo.
P/1 – E no restaurante, quantas pessoas trabalham?
R – Olha, depende de quantas... Às vezes, quando o grupo é pouco, trabalham três, quatro. Agora, quando é assim muito, às vezes são cinco, até seis.
P/1 – E como vocês fazem a divisão dos lucros? Assim, a gestão do negócio de vocês, do empreendimento?
R – Do restaurante?
P/1 – Isso. Do restaurante.
R – Isso daí, quem faz a gestão é a Pedrina, que é gerente. Ela reúne a comunidade, porque a comunidade tem uma porcentagem dentro do restaurante. Então, por exemplo, tem um grupo que vem, aí então quando tem reunião da comunidade, aí ela explica quanto o restaurante tem, quanto saiu, quanto gastou e qual o percentual que tem dentro em caixa. Ela explica o quanto tem. Esse meio tempo tá parado, porque também ela foi ter bebê, porque ela tá grávida, tá no mês de ela ter bebê. Mas ontem a menina ainda tava lá, que ela foi varrer, ajeitar. Mas eles sempre estão mantendo limpo. A gente só tem cuidado assim por causa do cupim às vezes sobe. Então tem que ter cuidado porque é palha, se pegar na palha, vai comer.
P/1 – Vocês fazem manutenção do espaço então quando tá fechado.
R – É. Tem que limpar pra que não... Senão, se o cupim der, acabam as coisas. Então tem que estar mantendo o lugar sempre limpo. Que de repente ligam, tem que estar limpo o espaço, tudo limpinho.
P/1 – E, dona Iolanda, o pão da senhora, a senhora produz, a senhora vende, a senhora tem a renda pra família da senhora?
R – É.
P/1 – E, pensando, o restaurante, a renda que vocês acabam obtendo é suficiente pra comunidade, também pra sustentabilidade do empreendimento de vocês? Dá pra pagar as contas?
R – Como assim?
P/1 – Assim, a renda? A renda que vocês produzem no restaurante quando vêm as pessoas aqui, que vocês vendem os pratos, as refeições, essa renda é suficiente pra comunidade? Pra pagar os custos que vocês tiveram, pra produzir essa alimentação?
R – Ah, pra pagar os custos da alimentação, sim, paga bem e fica um...
P/1 – Fica um pouco? Sobra um pouco?
R – Um pouco. Sobra. Sobra, porque dá pra tirar... Paga as pessoas que trabalharam, porque assim, é a diária, ela trabalha com diária. Paga a diária das pessoas, tira o que foi gastado e fica um lucro para o restaurante.
P/1 – Ah, dá um lucro então. Dá pra fazer um caixa.
R – Dá.
P1 – E o empreendimento do pão da senhora, dá pra senhora manter a família?
R – Olha, se... Porque tem vezes assim que eu não faço, mas se eu fosse mesmo vender, por exemplo, pão todos os dias, eu acho que eu venderia numa faixa de uns 150 pães.
P/1 – Por dia?
R – Por dia.
P/1 – E a senhora consegue ter uma margem de lucro pra senhora ter uma renda?
R – Se eu for fazer assim, eu tenho uma renda alta. Se eu vender mesmo durante a semana, se eu vender o mês todinho, vendendo o pão todinho a semana todinha, eu tenho uma renda boa do pão aí.
P/1 – E pra quem a senhora vende, além da pousada?
R – Eu vendo para os comunitários das outras comunidades.
P/1 – Ah, a senhora vende também aqui pra população?
R – Vendo.
P/1 – Eu lembro que a senhora comentou do nascimento da reserva a partir do fato de que o marido da senhora e outras pessoas foram presos. Por causa da madeira. O esposo da senhora obteve outro trabalho?
R – Ele optou pela pesca, que é uma área que também é proibida, a gente sabe também que a pesca é proibida, mas por haver, assim, os órgãos serem conhecedores de que as pessoas da reserva podem pescar, ter aquela área limitada pra eles, então aqui eles pescam. Ele tem rede, ele tem barco de pesca. Já foi outra geração de renda que surgiu para o povo da comunidade. Porque hoje você vê, não tem ninguém na comunidade, todo mundo tá pescando. Já é uma geração de renda. Mas também é assim, a pesca é igual um jogo de loteria, quando dá o peixe, todo mundo ganha, e quando não dá, nem o próprio dono de barco, que nem ele, não ganha. Porque ano passado foi assim, deu pouco peixe, então eles não tiveram quase lucro, não tiveram. Mas quando dá bastante peixe, todo mundo ganha, todas as pessoas que trabalham ganham bem, dá para os pais de família que passam assim... São três meses, Sebastião, que pesca? E eles, assim, trabalham e quando o lucro é bom, os pais de família ganham, mas é um trabalho árduo também, é um trabalho que eu acho difícil você passar o dia todinho no sol ali sentado na canoa, esperando, olhando para o rio. Então pra mim é um trabalho também sofrido. Porque você sai cinco e meia de casa, toma um café, aí vão colocar rede e passa o dia todinho. Aí passa o dia todinho, tira cinco e meia, tira a rede, daí que vem todo mundo pra casa. Quando o sol é quente, que chega a casa, só dá o tempo de você lanchar um pouco ou jantar alguma coisa, tomou banho, já vai dormir, porque tá muito cansado. O sol deixa a pessoa muito cansada.
P/1 – Você ajuda também na pesca?
R – Eu ajudo. Ele, eu ajudo. Esse ano que eu não to cozinhando pra ele, mas eu já o ajudei muito assim. Quando ele pescava ali no lanço, aqui embaixo aqui, aqui a gente chama Saracá Velho, lá tem o lanço, então eu ia pra lá de manhã com eles, eu fazia o café da manhã deles, merenda, almoço, jantar deles. E quando eles pegavam peixe, eu também ajudava a puxar rede. Às vezes ia bater o boto lá no meio, porque quando você fecha a rede, o saco fica lá pra trás, então tem que ir tapando o boto pra ele não furar o saco.
P/1 – Ah, porque tem boto aqui?
R – Tem.
P/1 – Tem muito boto?
R – Tem. Pra ele não furar. Mas não bater nele, bater assim na água pra ele pular e se espantar, pra ele se afastar da rede. Então às vezes levar merenda pra eles também no meio, que a gente faz a merenda e a gente leva, vai lá deixar na canoa da rede pra eles merendarem. Então é assim que é a vida do pescador. Mas eu ajudo bastante ele.
P/1 – E quais os peixes que vocês pescam aqui?
R – Aqui, o que mais dá é o jaraqui e às vezes matrinxã que dá, mas não todas as vezes. Tem a época que dá matrinxã, mas o que pegam mais é o jaraqui.
P/1 – E, Iolanda, assim, você viu uma mudança na sua vida e na vida da sua família e da comunidade depois desse empreendimento assim do restaurante, depois do pão e também dessa assessoria que o consulado deu pra vocês? Houve uma diferença?
R – Olha, assim, do restaurante eu não posso te falar muito, porque eu acho que assim, quem deve falar mais assim é a gerente, a parte assim, o que ela achou. Eu vou falar do meu empreendimento.
P/1 – Do seu empreendimento. Sim.
R – O meu empreendimento, eu acho que deu certo. Eu ganhei do Consulado da Mulher um armário quando eles vieram aqui, tá aí na cozinha. E pra mim, o meu empreendimento tá dando certo, até porque é uma forma de eu ajudar o meu marido. Eu acho que ele trabalha pra um canto, eu trabalho em casa, então é uma geração de renda que entra e ajuda bastante a gente.
P/1 – Você conseguiu, assim, mudar até o... Comprar bens aqui pra família?
R – Já.
P/1 – Onde o seu dinheiro foi aplicado aqui?
R – O meu dinheiro foi aplicado aqui, a gente comprou uma geladeira aqui pra casa já com a venda do pão. E assim, pra ajudar em casa a comprar um gás, comprar alimentos pra casa, ajuda. E ajuda também a manter, manter o trigo, que eu tiro o dinheiro do trigo, pra comprar o trigo que eu uso, o fermento, o açúcar, o óleo, isso daí é o dinheiro do pão.
P/1 – Você compra em Manaus?
R – Eu compro em Manaus.
P/1 – Você já tem um fornecedor? Ou você faz pesquisa, vai a supermercado?
R – Não, eu já compro. Eu tenho... Agora eu compro lá na Santa Clara, que é onde eu compro aqui para o comerciozinho, aí eu compro o trigo tudo junto lá. Eles já têm uma marca lá que a gente já conhece, que é a gente.
P/1 – E, Iolanda, em que você estaria trabalhando hoje? Você consegue imaginar?
R – Eu?
P/1 – É. Se você não estivesse produzindo o seu pão, não tivesse ajudado também no restaurante?
R – Eu consigo assim imaginar eu sendo doméstica mesmo aqui em casa, às vezes ajudando meu marido, porque a gente também tem roça, nós plantamos roça.
P/1 – O que vocês plantam?
R – Mais é roça. Nós temos uma roça, eu com ele, e assim...
P/1 – E essa roça tem o quê? Tem mandioca? Tem o quê?
R – Nós plantamos pé de cana e banana. Só que nós não tivemos sorte com banana. Nós plantamos o quê? Uns 15 pés, só que aqui tem capivara. Então ela deu lá no roçado que acabou, ficaram três pés só de banana.
P/1 – Elas comeram tudo?
R – Comeram tudinho. Elas comem que elas deixam assim só mesmo aquele bagaço tudinho. Aí acabaram com os pés de banana, ficou só a roça. A roça tá intacta, tá inteira.
P/1 – E essa roça de vocês é tanto para o consumo próprio...
R – Como pra venda também.
P/1 – Também pra venda?
R – Isso.
P/1 – E onde vocês vendem?
R – Olha, às vezes nós vendemos aqui mesmo em Manaus, Sebastião? É uma forma também de gerar renda pra família.
P/1 – Certo. E hoje pra você, Iolanda, o que é importante? O que é mais importante pra você hoje?
R – O que é mais importante pra mim?
P/1 – É.
R – O que é mais importante pra mim, eu acho assim, é a minha família. Porque se eu tenho uma família estruturada, a minha família for bem alicerçada ali, o que bater algo, é difícil de quebrar. E a gente caminha só com um propósito, nós conversamos muito com os nossos filhos e eu acredito muito em Deus que quando você tem uma família que caminha junta e unida, você tem tudo pra ter algo mais, certo? Você constrói todo mundo junto, você cresce junto. Então meus filhos e meu esposo, pra mim, eu agradeço a Deus por isso, ele não bebe, não tem vício o meu esposo, não fuma. Meu filho também, até agora, tem 18 anos, não bebe. Tem a menina que tem 12 anos também, é um belo exemplo de menina também, que é uma menina que... Gosta assim, porque toda criança gosta de se divertir, brincar, mas também já me ajuda aqui em casa, estuda, tá fazendo o sétimo ano. Ele tá terminando o terceiro ano médio esse ano, graças a Deus.
P/1 – Eles estão estudando onde, os seus filhos?
R – No Tumbira.
P/1 – No Tumbira?
R – E assim, eu agradeço a Deus por esse momento que Deus tá me dando, proporcionando na minha vida, na vida do meu esposo e na vida dos meus filhos. E pra mim é assim, quando você tem a família, eu acho que a família é tudo. Pra mim... (choro) Desculpa. Eu me emociono.
P/1 – Não, não tem problema. A gente se emociona. O que é importante pra gente deixa a gente emocionado. Você quer tomar uma água, Iolanda?
R – E pra mim, assim, a minha família é tudo, sabe? E eu agradeço mesmo pela vida que nós temos. Eu tava dizendo que nós somos humildes, eu sempre digo para os meus filhos, mas tudo que a gente conquista é com suor derramado.
P/1 – Certo.
R – Certo? E tudo que nós temos hoje, eu agradeço a Deus por ele nos ter dado e proporcionado pra nós, mas é com suor.
P/1 – Certo.
R – Certo? Eu sempre digo para os meus filhos: “Meus filhos, pra gente ter as coisas, a gente sofre, a gente tem dificuldades, mas a gente nunca deve deixar a dificuldade nos abater. Que ela sirva de degrau pra que nós possamos subir e caminhar”. E eu também faço parte, eu coordeno a igreja católica aqui. Tá? E assim, pra mim é um momento assim... De receber vocês aqui em casa, pra mim é um motivo de alegria mesmo, de estar proporcionando esse momento pra gente, de você estar falando daquilo da sua realidade, da sua vida, da sua família, o que você viveu e o que você construiu hoje. Certo? Pra mim significa muito hoje, isso. Quando nós sentamos assim a nossa mesa, a gente sempre diz para os nossos filhos que a gente sempre quer dar o melhor da gente para os nossos filhos. Aquilo que não tivemos, nós queremos dar, mas que eles saibam valorizar. Certo? Assim como nós aprendemos, muitas das vezes você aprende com os erros, porque quem não erra? Você só acerta errando.
P/1 – Certo.
R – Mas a gente aprende. Então esse é um momento muito feliz pra gente. O que hoje nós estamos vivendo, eu agradeço muito a Deus por isso.
P/1 – Você tem vontade ter mais filhos?
R – (risos).
P/1 – (risos).
R – Às vezes eu fico pensando assim em ter mais um, mas assim, até pela minha idade, hoje minha filha tem 12 anos. Não sei. Quem sabe é Deus. Quem sabe eu não vou ter outro filho daqui e depois disso fazer uma laqueadura. Porque eu ainda não sou operada. Mas assim, eu agradeço muito pela vida da dona Raimunda também, que foi uma batalhadora, uma pessoa que viveu pra essa comunidade, aquela pessoa que se doou, que fundou, que batalhou junto com os pais. Então são momentos assim que você guarda. Eu pelo menos guardo esses momentos como lembrança daquilo que surgiu, que você viu crescer, que desenvolveu, que era um bebezinho e que hoje desenvolveu. Então a gente vê essas coisas. E pra gente, o importante é isso, que a gente cresça, mas cresça todo mundo igual, com união, não menosprezando as outras pessoas, mas que nós possamos crescer igual, em união dentro da comunidade. Ajudando o nosso próximo, quando a gente pode, a gente ajuda. Porque é uma das maneiras que você pode estar se doando. Tá certo? E pra mim, tudo isso é importante assim.
P/1 – E quais são os sonhos hoje?
R – Hoje o sonho é que eu veja meus filhos, por exemplo, com uma faculdade. Que eu até não possa fazer, mas eu quero que eles tenham uma faculdade, tenham um bom emprego. Serem dignos deles mesmos, batalharem pelos sonhos deles, pra aquilo que eles sonharem, quererem ser. E ter um futuro brilhante. Que assim, o meu sonho é que eu possa ver meus filhos com um trabalho digno, casados, felizes. E eu com o pai deles apoiando no que nós podemos apoiar e vê-los crescerem.
P/1 – Crescerem aqui na comunidade?
R – É. Podendo crescer aqui na comunidade, porque aqui também como professor na escola onde eles começaram a estudar. Ou fazendo outra coisa, mas dentro da própria comunidade, pra que as pessoas possam dizer... Hoje em dia tiveram muitos alunos que estudaram, saíram, outros fizeram faculdade, mas não voltaram, moram em Manaus. É muito bom quando você estuda, você tem uma formação, que volta pra fazer algo dentro da tua comunidade onde você cresceu. As pessoas pensam assim: “Poxa, fulano foi, mas ele voltou e hoje ele tá fazendo algo dentro da comunidade, onde ele nasceu e cresceu”. Então o meu sonho é esse.
P/1 – Dona Iolanda, a gente já tá encerrando, eu vou fazer uma última pergunta, que é a respeito dos desafios que a senhora tem do empreendimento da senhora com o pão. A senhora tem desafios que a senhora tá enfrentando agora? Dificuldades?
R – Ás vezes a gente enfrenta assim alguma dificuldade, mas não são lá essas dificuldades que... Mas você sabe que dentro de todo trabalho existe uma dificuldade, mas que ela não deixe você pra baixo, que às vezes sirva pra que eu possa refletir. Que nas minhas dificuldades eu não caia, que sejam de degraus pra eu subir, pra que eu pense que esse empreendimento que eu comecei seja uma coisa que é... Eu acredito muito que é de bem, porque o pão Deus multiplicou e abençoou. Então que isso venha gerar renda, venha dar bons frutos. Que mesmo eu assim um dia parando de fazer pão, mas que outras pessoas possam fazer. Que é uma coisa que quando você faz com amor... Porque todo trabalho que você faz tem uma dedicação, e quando ele é feito com amor, ele fica mais saboroso. As pessoas gostam mais porque você dedica a sua vida àquilo que você tá fazendo. Então pra mim é uma forma de benção mesmo, uma forma de renda pra mim, de estar ajudando meus filhos, meu esposo, e adquirindo mais conhecimento. Eu ainda sonho de um dia ter um empreendimento maior pra que eu possa também ajudar as outras pessoas, por exemplo, dando emprego pra um. Porque você sabe que quando você pega uma quantia de pão, você já tem que ter mais gente pra que possa lhe ajudar. Então é esse meu pensamento.
P/1 – Bom, dona Iolanda, em nome do Museu da Pessoa, nós agradecemos a sua história. E antes, eu queria só que a senhora me dissesse o que a senhora sentiu contando essa história.
R – (risos).
P/1 – (risos).
R – Eu me senti feliz, porque foram relembradas várias coisas da vida da gente: infância, estudo, professores, primeiro trabalho. Então são coisas que passam na vida da gente, que elas devem ser relembradas, mas elas devem ser relembradas com respeito, com carinho. E pra mim foi uma coisa muito ótima ter essa entrevista com vocês, porque até então, assim, eu nunca tive assim que nem vocês hoje estão fazendo essa entrevista, assim, pra falar realmente da minha vida, do meu casamento, do meu filho, do trabalho, de estudo. Então pra mim foi muito bom. Foi uma coisa nova, uma coisa legal e eu gostei muito.
P/1 – Nós gostamos também e nós agradecemos, dona Iolanda. Obrigada e parabéns.
R – Quero só pedir assim desculpa por ter me emocionado no final, tá?
P/1 – Isso acontece. Nossa história nos emociona.
R – É verdade.
P/1 – Obrigada.
R – De nada.
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