P1 - Fernanda Prado
P2 - Ana Maria Lorza
R - Reinaldo Pamponet
P1 – Reinaldo, boa tarde.
R – Boa...
P1 – Primeiro, a gente gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite, de ter vindo aqui para o Santander para dar essa entrevista. Para começar, eu queria que você falasse para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Reinaldo Pamponet Filho, nasci em Salvador, Bahia.
P1 – Em que dia?
R – 7 de novembro de 1971.
P1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Reinaldo Pamponet Sampaio e Leila Rocha Marques.
P1 – Conta um pouquinho qual é a atividade deles. O que eles faziam em Salvador?
R – Minha mãe é socióloga e mora em Salvador. Meu pai é médico e hoje atua como psicanalista, mora em Salvador também.
P1 – Conta para gente como foi um pouquinho da sua infância lá em Salvador. Como era a sua casa nos seus tempos de menino?
R – Eu nasci no bairro da Graça, na Bahia. O nome já diz muita coisa. Numa rua chamada Euclides da Cunha, onde eu vivi até os meus dez anos de idade. Estudei na escolinha da Graça quando era criança. Minha vida era cheia de graça quando eu era criança. Tive a infância gostosa. Um momento muito bom de Salvador, onde se andava na rua, onde se brincava na rua ainda. Tinha muitos amigos nos prédios vizinhos. Morava num prédio, estudava num bairro, ia andando para a escola. Parava na padaria para comprar merenda, ia para a escola. Estudava com a minha irmã, que é um ano mais velha do que eu. A gente ia para a escola juntos. Foi uma infância gostosa, cheia de graça. É basicamente essa a minha recordação da infância, com muita investigação. Sempre fui um menino muito curioso, extremamente curioso. Curiosidade é um traço meu. Sempre muito ligado em procurar me informar [e], ao mesmo tempo, aglutinar pessoas. Eu sempre tive esse espaço. Gostava muito de jogar bola quando eu era...
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P2 - Ana Maria Lorza
R - Reinaldo Pamponet
P1 – Reinaldo, boa tarde.
R – Boa...
P1 – Primeiro, a gente gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite, de ter vindo aqui para o Santander para dar essa entrevista. Para começar, eu queria que você falasse para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Reinaldo Pamponet Filho, nasci em Salvador, Bahia.
P1 – Em que dia?
R – 7 de novembro de 1971.
P1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Reinaldo Pamponet Sampaio e Leila Rocha Marques.
P1 – Conta um pouquinho qual é a atividade deles. O que eles faziam em Salvador?
R – Minha mãe é socióloga e mora em Salvador. Meu pai é médico e hoje atua como psicanalista, mora em Salvador também.
P1 – Conta para gente como foi um pouquinho da sua infância lá em Salvador. Como era a sua casa nos seus tempos de menino?
R – Eu nasci no bairro da Graça, na Bahia. O nome já diz muita coisa. Numa rua chamada Euclides da Cunha, onde eu vivi até os meus dez anos de idade. Estudei na escolinha da Graça quando era criança. Minha vida era cheia de graça quando eu era criança. Tive a infância gostosa. Um momento muito bom de Salvador, onde se andava na rua, onde se brincava na rua ainda. Tinha muitos amigos nos prédios vizinhos. Morava num prédio, estudava num bairro, ia andando para a escola. Parava na padaria para comprar merenda, ia para a escola. Estudava com a minha irmã, que é um ano mais velha do que eu. A gente ia para a escola juntos. Foi uma infância gostosa, cheia de graça. É basicamente essa a minha recordação da infância, com muita investigação. Sempre fui um menino muito curioso, extremamente curioso. Curiosidade é um traço meu. Sempre muito ligado em procurar me informar [e], ao mesmo tempo, aglutinar pessoas. Eu sempre tive esse espaço. Gostava muito de jogar bola quando eu era criança. A gente tinha um sítio. Meu pai e minha mãe tinham um sítio que a gente ia muito fim de semana, num lugar chamado Largo de Freitas, já, praticamente, integrou com Salvador. Eu saí da escolinha da Graça, fui estudar... Rapidamente, me alfabetizei numa escola chamada escola brasileira, chamada colégio Dois de Julho. Depois disso, eu fui estudar numa escola americana, onde eu fiquei por seis anos; fiz o primário todo e o início do ginásio. Era bem interessante porque essa escola ficava bem distante da minha casa. Eu pegava um ônibus da escola, a gente ia para um lugar chamado Patamares, na Graça. Hoje as coisas parecem estar mais próximas, mas é mais difícil de se locomover por causa do trânsito numa cidade como Salvador. Mas era sempre uma verdadeira viagem ir para lá naquela época. Foi bem interessante também essa minha vivência, porque naquele momento onde interação com outras culturas do globo era basicamente novidade, eu estudava numa escola que era basicamente isso, uma escola extremamente diversa, baseada no princípio de colaboração. Uma escola muito interessante nesse sentido. Onde estava aquela implementação do polo petroquímico. Naquela época, década de 1970, em Salvador, onde existiam muitos estrangeiros vindo trabalhar no polo petroquímico. Essas pessoas, praticamente todas, estudavam nessa escola. Era uma escola que tinha uma diversidade cultural muito grande, mas, ao mesmo tempo, era uma realidade interessante, porque na hora que eu voltava para a minha realidade local, isso conectava. Eu tenho muito essa experiência. Essa experiência eu guardo na minha vida para sempre. Dá para perceber que o Milton Santos está muito certo quando diz que o seu mundo é de onde você vê. No momento que eu voltava para a diversão, coisas interessantes... A escola terminava três e quinze da tarde, chegava em casa quatro quando não ficava praticando esporte. Ou seja... Tinha os meus amigos do prédio, da escola, primos. Eu tinha mais ou menos uma rotina, e eu basicamente estava fora daquela rotina usual. Isso me deu um privilégio muito grande de olhar a sociedade de uma forma diferente. Não está praticamente dentro daquela rotina de "status quo' daquela sociedade, naquele momento, quando eu era criança. Foi uma coisa que eu levo muito na minha formação de vida hoje. Esse foi um aspecto muito importante, poder observar, meio que estando um "outsider", de fora, interagindo. Sempre gostei muito disso, de não precisar... Eu tenho muito medo da rotina. A rotina como uma questão que, como eu costumo dizer, ela enfraquece a alma na maioria das vezes. Porque você passa a não conviver com diversidade, com momentos diferentes, com quebras. Essa também foi muito da minha vida. Eu tinha uma dinâmica que interagia com outras dinâmicas, isso era muito interessante. Não existia TV a cabo, não existia internet, não existia nada daquilo. Era muita novidade. Na cidade de Salvador, naquela época, eu aprendi a falar inglês muito cedo e me sentia meio um ET [extraterrestre]. Meus amigos, ninguém sabia, a não ser que fosse americano. Mas, eu não tinha [o] porquê [de] ter aquela coisa, mas foi uma escolha de meus pais que eu acho que foi bem marcante na minha formação. Procurar saber, escola mesmo, essa formação, nesse espaço, foi uma formação para mim mais importante do que faculdade, do que outras experiências que eu tive na vida. Meus pais sempre foram muito do lado humano. A mãe socióloga; um pai médico, que envereda para a psicanálise. Você percebe que a minha formação dentro de casa foi uma formação muito humanista. Meu pai é de uma família de 26 irmãos, o que traz uma questão muito inusitada na minha vida, na minha formação familiar também. Do lado da minha mãe são seis mulheres, cinco mulheres e ela. É uma família muito grande; sempre, tudo. Acho que por isso que eu sou apaixonado por rede. Eu não nasci numa família, eu nasci numa rede. No fundo, não tinha muita previsibilidade. “Seu tio vem aqui hoje.” Nascia um primo que você não sabia quem era. Tinha todo um volume de gente entrando e saindo na minha família. Novidade, não tinha novidade. “Nasceu um primo”, todo ano nascia dois, três primos e era uma coisa muito natural, [de] escala familiar. Uma família como essa, você acaba tendo uma diversidade muito grande. Para mim foi muito importante reconhecer isso. É uma família que veio de origem muito pobre. [Minha mãe foi] criada, nasceu ali no início da Chapada Diamantina, numa cidade chamada Macajuba. Meu pai é o primeiro dos irmãos - é o oitavo - a entrar na faculdade. O projeto dos irmãos todos foi botar meu pai na faculdade, se tornar médico - que era o sonho da família e dele, por ser uma pessoa dedicada aos estudos. Ele quebra um paradigma da família: a partir [do momento em] que ele entra na faculdade, os outros irmãos começam a perceber que aquilo é possível. Esse é um fato marcante também na minha vida, porque acreditar nesse exemplo, você acredita no exemplo, não é na fala. Vou fazer, vou falar. Eu não acredito em quem fala, acredito em quem faz. Eu tenho isso na minha casa. Tenho isso como exemplo, não acreditar muito em discurso. É mais na prática mesmo, de quem exemplifica. Um pouco isso. Um pouco da história resumida. Sou torcedor do Bahia, sempre gostei muito de ir para Fonte Nova ver o meu time jogar. Era uma época fantástica de futebol. Sempre gostei muito. Ia muito com meu pai para Fonte Nova ver os clássicos: Bahia e Vitória. Acha que aquilo era o ápice do ápice de tudo. Aquele jogo de cores, aqueles barulhos, tambores tocando, aquela resenha toda, aquela euforia. Sempre gostei muito disso. Ao mesmo tempo, por mais que tenha sido criado uma boa parte da minha trajetória de formação de caráter e de visão de mundo numa escola americana dentro da Bahia, que é interessantíssimo. O lado da minha mãe sempre [foi] muito próximo. Meu avô, a família do meu avô, todo mundo mexe com arte. [Têm] muitos músicos. Na minha casa, sempre foi um espaço onde tinham serenatas, festas. Sempre foi um espaço muito festivo. Essa é outra coisa: eu fui criado com muita alegria. Outra coisa que eu acho que é muito importante na minha infância. Foi extremamente alegre.
P1 – O que você, assim, menino, queria ser quando crescesse? Tinha um sonho, pensava em alguma coisa?
R – Não sei. Eu sempre tive uma referência muito forte em meu pai com a questão da Medicina. Uma coisa muito, que era um poço da identificação paterna. Depois de muitas horas de psicanálise, você começa a perceber um pouco porque isso era importante e deixou de ser. O sonho de ser bombeiro, jogador de futebol, aqueles momentos instantâneos que se tem na infância, mas eu nunca idealizei uma profissão na minha vida. Nunca idealizei. Acho que meu pai [e] minha mãe sempre deixaram muito claro isso. Eu sou muito fruto disso. De eu não idealizar uma profissão, uma única função na vida. Eu fui muito educado a não rotular demais as coisas. A questão de ter uma profissão, de idealizar uma profissão, não combina muito comigo. Assim, com uma questão única. Isso tem muito a ver hoje com o que eu estou fazendo na minha história. Hoje em dia, tem muito a ver com isso, de buscar esse significado. Na época de escolher profissão para fazer vestibular, foi um momento muito importante, porque eu estava certo que ia fazer Medicina. Por ser uma pessoa que estudava, que tinha capacidade intelectual de entrar na faculdade. Na época, em Salvador, existiam duas faculdades. Vestibular de Medicina é sempre muito concorrido. Você está numa escola onde as pessoas estimulam que você faça vestibular difícil, sem entrar nesse jogo. Ainda bem que eu tinha um pai e uma mãe próximos de mim e orientaram para não entrar muito naquele jogo, e olhar um pouco para o meu desejo maior do que eu queria fazer na vida.
P1 – Conta para a gente como foi esse processo de passagem, começar a faculdade, fazer o curso de Administração. O começo dos trabalhos, emprego mais formal.
R – Eu, antes de fazer esse processo, estava bastante confuso. É muito difícil você com dezessete [anos], dezoito anos de idade, optar por uma profissão. Tem uma regra social muito forte em relação a isso. Eu sempre levei muito a sério as coisas que eu fazia. Meu pai e minha mãe sempre souberam disso fortemente, sempre me orientaram no sentido de eu refletir muito fortemente sobre o que eu queria fazer. Meu pai, nessa época, já era psicanalista, e como um bom psicanalista ele gerou uma reflexão forte para que eu entendesse qual era o meu real desejo, o que eu queria fazer. Como eu estava bastante confuso, ele não queria influenciar, me indicou para uma psicanalista. Eu fui fazer uma conversa com a psicanalista. Aspecto muito interessante, você está na juventude... Na minha casa, meu pai sempre estimulou muito a leitura. Coisas extremamente interessantes quando eu tinha dezessete anos de idade, dezoito [anos]. Freud eu comecei a ler muito cedo, porque era estimulado pelo meu pai. Umas coisas de formação de psicologia e psicanálise muito forte na minha casa. Sempre gostei muito desse lado. Foi interessante quando eu tive essa primeira experiência com a psicanálise. Ia fazer dezoito anos, e ficou muito claro desde o primeiro momento que a última coisa que eu ia fazer era Medicina. E tinha acontecido uma coisa meio engraçada e trágica ao mesmo tempo. Hoje eu digo que é engraçada. Meu avô está vivo até hoje, tem 95 anos de idade. Ele tinha feito uma cirurgia cardíaca nessa época. Eu fui visitá-lo no hospital e não consegui ver. Aquela coisa. A minha mãe estava comigo, falou: “Meu filho, você está vendo que você está optando...”. Eu estava muito próximo da fase de estudar para o vestibular. Não era muito a minha, eu não gosto de sangue. Eu não gosto de cortar, não gosto de sangue, não gosto de algumas coisas que são inerentes numa profissão, que você vai precisar ter militância nisso. Foi muito interessante, porque no meu primeiro encontro ficou claro que eu não queria fazer aquilo. Surgiram opções basicamente ligadas às ciências Humanas. Ficou claro que as opções que eu tinha eram Direito, Comunicação, Jornalismo, Publicidade. Eu enveredei para o lado da Administração, porque eu, no fundo, sempre pensei em se não rotular. Eu acho que a Administração permitiu isso. Um caminho um pouco mais transversal. Não quis enveredar para o lado da Engenharia também, porque não queria, basicamente. Eu queria uma relação um pouco mais Humana com a minha profissão. Esse ritual de passagem foi um ritual muito interessante, porque, na minha casa, sempre teve muito uma questão de você cuidar bem da sua vida. Fui educado para o mundo, não para ficar ali dependendo de pai e de mãe. Eu com 18 anos de idade, estava entrando na faculdade. No segundo semestre, eu comecei a trabalhar. Trabalhei como estagiário [por] pouco tempo, no banco Econômico. Depois fui trabalhar no Citibank - eu fiquei dois anos no Citibank. Enquanto eu estudava, eu trabalhava. Não teve esse momento universitário na minha vida. Teve um momento de amadurecimento de vida desde muito cedo. Meu ritual de passagem é basicamente esse: é para uma vida de ação, de realização, onde você integra o fazer e o aprender sem muita distinção entre a fase que se aprende, a fase que se faz. Não teve muito isso na minha. Tudo aconteceu muito sintonizado. Eu acho que isso foi para mim um jeito de dar o próximo passo com relação ao amadurecimento como homem.
P1 – Como era para você esse trabalho dentro do banco? Como eram suas atividades? Como você foi rumando e escolhendo os seus caminhos a partir dali?
R – Na realidade, você entra, a primeira vez você tinha 18 anos de idade. Entra no banco extremamente imaturo profissionalmente, tudo aquilo é uma novidade. Desde a vontade de trabalhar, de mostrar que você vai poder realizar coisas, [até] ter um crachá e começar a realizar coisas. Trabalhei numa área, na época do banco Econômico, de Produtos e Serviços, que foi muito bacana: trabalhava com cartão de crédito. Fiquei pouco tempo, acho que cinco meses. Foi quando teve uma seleção para o Citibank, em Salvador, [e] eu fui selecionado. Depois já virei funcionário do Citibank, na época em que estava lançando essas coisas de telemarketing. A gente tinha uma operação de telemarketing ativo, aonde você captava recursos para Fundos, fazia relacionamento com clientes, clientes especiais que tinham um atendimento. Fiz isso durante dois anos, o que era muito legal, naquela época, é que era um grupo muito bom, eu trabalhava junto com uma turma muito boa e que não tinha muito distinção de idade não. Eu tinha que fazer tudo. Foi o primeiro dia que eu tive uma certa crise de estresse, gastrite, aquelas coisas naturais da dor do crescimento. Trabalhava muito, estudava de noite. Ou seja, tinha que sair da faculdade, tinha que trabalhar. Eu ainda, sempre gostei muito de praticar esporte, então tinha que arrumar um tempo para fazer isso também. Era uma vida divertidíssima para dizer a verdade para você. Foi muito legal.
P1 – O que você, quais experiências, como foi o caminho para você chegar a fundar a Eletrocooperativa?
R – Foi um caminho bem árduo. Esse é o início da história. Eu acho que tem alguns fatos importantes na minha vida, que são definidos por escolhas que eu faço de caminhos. No momento da decisão, eu, particularmente, acho que não é tão difícil. O difícil é segurar a decisão depois. Às vezes a decisão, para mim, não é muito difícil - a tranquilidade de tomar uma decisão de mudança de rumo, se for necessário. Isso aconteceu na época, a primeira grande decisão que eu tomei, profissional, que eu ainda distinguia vida pessoal e profissional nessa época da minha vida, onde o gerente geral me chamou na sala: “Pô, a gente está tentando recrutar um estagiário para essa área nova que a gente está criando aqui, que era um segmento de clientes extremamente especiais, e a gente está há cinco meses e não consegue encontrar ninguém”. Começou uma conversa e: “Eu estava querendo lhe convidar para você fazer isso. Não quero lhe pressionar, mas para isso você vai precisar se demitir, que você é funcionário, e virar estagiário. Eu quero saber se você topa”. Eu falei: “Eu topo”. Naquele momento, era... Eu nunca trabalhei pelo dinheiro. Acho que o dinheiro é importante, é a mola propulsora de força, mas para mim o que conta é o desafio, é importante. E o dinheiro é a ostentação para gerar força, para que você possa ter liberdade para atuar melhor no seu desafio. Isso foi muito interessante para mim. Eu nunca gostei dessa relação patrão e empregado, CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], essas coisas. Eu nunca valorizei isso. Nunca achei que isso fosse um modelo interessante, nunca me apeguei a essas coisas. Algumas coisas na minha vida vão passando por isso. Todos os meus atos hoje levam a uma reflexão muito precisa, o porquê eu faço o que eu faço hoje. Acho que esse é um ato simples e importante, significante num processo de decisão na vida, que naquele momento era assim. “Vou.” Depois, esse ir é uma mudança muito grande pelo fato de ter me tirado daquela posição de funcionário e eu ter virado um estagiário, me deu muito mais liberdade naquele momento da vida, onde eu tinha apenas 21 anos de idade. Foi quando me chamaram para, uns amigos da faculdade me chamaram para montar uma empresa de telefonia celular em Salvador. Estava entrando telefonia celular e vamos empreender, vamos empreender. Eu comecei a perceber que adoro empreender, adoro criar coisas. Adoro tirar coisa do chão. Adoro trabalhar com inovação, acima de tudo. Inovação que estava surgindo na Bahia naquele momento. Telefonia celular entrando em Salvador. Eu me perdi em 1990, 1992, 1993, mais ou menos, por aí. Foi uma experiência muito marcante na minha vida, minha primeira experiência como empreendedor. Eu não sabia nada. Tinha um quê de diversão naquilo tudo. Até porque eu ainda morava com o meu pai na época, uma vida completamente diferente. Eu precisava pagar as minhas contas, mas era uma coisa completamente diferente, um nível de conforto muito grande para você arriscar. Foi aí que eu me dei conta, claramente, de como eu gostava de empreender. De ter uma agenda, de propor. Acima de tudo, de trazer inovação para a sociedade. De começar a pautar na sociedade o que a sociedade ainda não está conseguindo ver de uma forma muito clara. Mas, que o caminho está vindo para isso. Principalmente nesse momento me volta, a minha experiência, lá de trás, de quando eu estudava na escola americana, via algumas novidades surgindo de lá, que aquelas pessoas traziam e como isso entrava na sociedade. Tanto que hoje eu vejo com muita facilidade, eu vejo essa transformação brasileira de uma forma mais paritária [e] fico extremamente feliz. É outro tópico que não diz respeito a essa trajetória especificamente. Onde a gente estava, que eu perdi?
P1 – Você estava falando de montar essa empresa de telefonia celular em Salvador, porque a gente está querendo chegar na...
R – Na Eletrocooperativa. Isso tudo me deu uma janela interessante. Foi mais interessante, é, me trazer o arcabouço da importância da liberdade nas minhas escolhas. Na liberdade de ação. Porque eu sou um ser livre na essência. Não gosto que ninguém dependa de mim muito, nem gosto de depender dos outros. Eu tenho essa relação de proporcionar liberdade para quem está comigo e eu quero que essa pessoa que esteja comigo também me proporcione liberdade. Essa questão de como eu fiz psicanálise muito tempo. Dos meus dezoito anos de idade, muito claro nesse processo todo é: aprendi a não negociar muito com o meu desejo, reprimir demais o meu desejo, a minha vontade, porque eu acho que a gente tem a divindade que é viver. Então a gente tem que viver intensamente no sentido de estar presente na sua vida com o que você realmente deseja. Tentar criar mecanismos e processos para você não se escravizar em relação ao “status quo”, para que você não esteja machucado nesse processo. Porque eu acho que isso custa muito caro no longo prazo. Aprendendo com a sabedoria de algumas pessoas que me rodeiam e que estão próximas de mim, eu aprendo muito isso. Vendo esse processo, eu tenho que reconhecer também que existe uma realidade que eu estou inserido que você tem desafios materiais e subjetivos na vida. Integrar essas duas coisas é de fundamental importância. Quando eu me formo, termino a faculdade, depois de quatro anos e meio na faculdade. Esse processo todo aconteceu. Me dá uma vontade de pensar o seguinte: “Eu quero partir para alguma outra coisa agora”. Não quero continuar empreendendo aqui em Salvador, Salvador tinha uma atividade muito comercial. Nada contra a atividade comercial, mas eu queria estar mais conectado com o mundo maior. O Brasil, naquela época, estava caminhando para estabilizar a moeda - em 1994, isso. Você tinha um cenário econômico brasileiro interessantíssimo. Nascendo. O fenômeno da globalização começa a entrar forte no Brasil, de uma forma estruturada depois que estabiliza a moeda. Eu decidi vender as minhas quotas, sair dessa história e morar um tempo fora. Fui morar na Inglaterra, passei um tempo na Inglaterra. Meio querendo ser estudante, resgatando um pouco aquele lado. No fundo, eu não consegui ser estudante na faculdade, [então] esse período me deu uma certa tranquilidade. Eu vivi num centro universitário em Oxford, só, vivendo de estudante. Eu estudava e ficava naquela vida de estudante muito prazerosa e gostosa. O meu plano, depois disso, era vir morar em São Paulo. Eu acho que aí tem uma ligação não necessariamente com o... Uma coisa interessante que não tem a ver com o Santander hoje, mas com o que o Santander virou. Eu cheguei aqui em São Paulo, tinha apenas um cartão de uma “headhunter”. O meu melhor amigo de infância morava aqui. Ele falou: “Venha morar comigo um tempo. Eu estou aqui”. Foi interessante: apenas um cartão dessa “headhunter”; cheguei no dia de manhã, eu estava indo conversar com ela - ela é uma pessoa chamada Jussara [Jussara Lanzer]; o sobrenome do marido dela é (Lanzer?), que é o Fernando Lanzer, que na época era o diretor de Recursos Humanos do ABN Amro. Foi uma coisa interessante porque a gente teve um papo fantástico, ela falou: “Eu quero lhe apresentar o Fernando [Fernando Lanzer], porque eu acho que ele está buscando pessoas como você para programa de “trainee” dentro do ABN Amro”. História interessante. Eu fui conversar com ele, é uma figura fantástica. Tivemos uma conversa muito boa, e eu entrei no programa de trainee, na época, do ABN Amro. Foi minha primeira iniciativa de tentar entrar, porque eu queria entrar ou em consultoria ou em banco, naquela época. Eu preciso ganhar a vida, preciso fazer um pé de meia para poder ter liberdade. Que é uma coisa importante. Eu acho que o maior significado de ter dinheiro é ter liberdade. Nesse processo, foi um processo incrível porque eu tinha acabado de chegar de Salvador, não sabia direito. Apesar de confiar muito no que você faz, uma serenidade. Mas é muito bom você checar a realidade, até que ponto você está preparado para aquele cenário. Esse processo no programa de trainee do ABN [ABN Amro] foi fantástico porque foi muito consistente. No final, selecionaram dez pessoas. Um monte de gente, selecionaram dez pessoas. Eu estava entre as dez. Antes disso, eu estava trabalhando numa empresa de consultoria que era bem legal. As coisas começaram a acontecer bem para mim. Eu estava focando essas duas coisas, as duas coisas vieram. Mostrou muito como eu preciso ter foco na vida, desejar o que você realmente quer e correr atrás do que realmente quer. Movimentar o mundo em torno do que você realmente quer e você acha que você pode atingir, se preparar para isso. Nesse processo, eu já estava trabalhando numa empresa de consultoria - que hoje existe ainda -, é um grupo grande no mundo. Nessa época, trabalhava, tinha um braço de consultoria estratégica aqui no Brasil e foi fantástica a experiência lá. Só que o processo do ABN estava rolando ainda enquanto eu estava lá e a coisa começou a tomar uma dimensão muito grande. Aquela vida de consultor, trabalhava praticamente 24/7 [24 horas, sete dias da semana], sem horário, fim de semana. Aquela vida gostosa para quem tinha 22, 23 anos de idade. Era aquilo mesmo que eu queria, era aquilo mesmo que eu estava disposto: cair para dentro da vida para aprender, entender que força é essa da vida, entender esse calor de uma forma intensa e desafios interessantes. Quando nesse processo tentaram me botar na área de varejo do banco, eu não queria. Queria era corporativo, que já tinha tido experiência que varejo. Eu não estava a fim de trabalhar em banco de varejo naquela época, e a coisa deu uma degringolada, acabou não dando certo. Não encontrado o lugar, eu falei: “Deixa eu ficar do lado de cá. Está tudo bem, está certo”. Essa é um pouco da história, não com o Santander, mas o que acaba sendo um pouco do Santander. Porque essa minha relação profissional com essa história que é o Santander, mas lá atrás com o ABN [ABN Amro Real], que hoje está aqui dentro. Tem uma parte disso que está aqui dentro: as pessoas estão aqui dentro, clientes estão aqui dentro, a história está um pouco aqui dentro. A gente não pode achar que não está presente. Trabalhei um tempo nessa empresa, foi fantástico como experiência profissional. Eu recebi uma proposta para trabalhar numa empresa que eu conhecia muito pouco, na época, chamada Microsoft. Era 1995 quando começou a conversa e ninguém entendia direito o que eu ia fazer. Trabalhar em empresa de computador. Outra grande experiência. Quando eu fui trabalhar na Microsoft, quase ninguém sabia direito o que era. Estamos falando de 1995, 1996. Ninguém sabia o que era. Quanto tempo tem isso? Tem dezesseis anos. A empresa trabalha com computador; você falar que vai trabalhar numa empresa de “software” era uma coisa extremamente diferente. Claro que muitas pessoas conheciam porque tinha sido lançado em 1995, todo mundo começou a entender. O Bill Gates fez uma campanha com o Unibanco, aquela coisa toda. As pessoas começaram a entender basicamente o que era isso. No Brasil, era novidade, era o surgimento dessa tecnologia da informação. Era também o surgimento da internet comercial no Brasil, coincidentemente. Eu me senti um privilegiado por estar nesse momento tendo essa oportunidade de participar ativamente desse processo. Lá fiquei sete anos. Foi minha grande escola profissional, eu acho. Minha grande consolidação profissional. Até que eu fiz 30 anos e entrei numa certa crise de propósito - a empresa tinha mudado bastante. Quando eu entrei era aquele clima de “startup”, clima do fazer, do empreender. Eu me dei muito conta disso depois de um processo, porque minha primeira função lá foi estruturar a área de distribuição da Microsoft no Brasil. Tinha uma força empreendedora, de fazer coisas. Trazer os empreendedores internacionais, viabilizar processos, acertar todas as coisas. Ou seja, tinha um empreender naquela ação. Assim como na segunda função que eu tive lá, que foi montar a área chamada de “Middle Market”, que era uma área que cuidava das médias empresas - que não eram as 50 maiores. Foi fantástico também de novo a energia do empreender, aquela coisa fantástica. Hoje eu percebo que não é difícil. Fácil, nada é, mas não é tão difícil quanto você empreender por si só. Depois disso, eu cuidei de uma área mais estável. Eu comecei a perceber: “Uau! Me deram um transatlântico para tomar conta, para dirigir um transatlântico e eu comecei a...”, eu prefiro dirigir uma lancha mais rápida do que um transatlântico, não é muito a minha praia ser piloto de transatlântico. Por que eu falo isso? Porque naquele momento me deu uma crise de propósito: “O que eu estou fazendo aqui?” Eu tinha tido uma carreira meteórica, de uma velocidade muito grande, com muita pouca reflexão do que estava acontecendo, assumido muita responsabilidade com pouco cabelo branco. Ou seja, eu ainda tinha muito cabelo naquela época. Perdi boa parte dos cabelos nesse puxar, essa necessidade de amadurecer rapidamente. Foi importante, mas, ao mesmo tempo, me vi um pouco mais livre quando eu tinha 30 anos de idade, porque boa parte dos meus objetivos com 30 anos de idade tinham sido cumpridos do ponto de vista analisar e ver. Hoje, eu, com 30 anos de idade, posso tomar umas decisões do ponto de vista financeiro e quero tomar um pouco mais de decisão do ponto de vista de desejo. Porque eu não me vejo fazendo isso, depois de uma série de coisas que aconteceram lá dentro como provocação. E foi dificílimo, porque eu estava no espaço que era cultuado por um monte de gente. Todo mundo. Quem não estava bem era eu naquele espaço. Muitas pessoas achavam legal o que eu estava fazendo, só quem não estava achando legal era eu. Uma decisão difícil, foi a decisão das mais difíceis da minha vida. Sofri bastante para tomar essa decisão. Foi quando eu resolvi sair, abdicar daquilo tudo. Eu tinha um mundo de possibilidades na minha frente. Eu estava muito bem do ponto de vista de resultado, de uma série de coisas que aconteciam. Eu podia dizer não quero aqui, eu quero... O plano era, talvez eu fosse para a Colômbia. Um monte de coisas, um monte de lugar. Resolvi falar: “Eu não quero ir para lugar nenhum, vou para fora”. Esse processo é difícil, você conseguir sair dessa história. De novo, eu tenho um pai e uma mãe que entendem isso de uma forma muito clara. Uma mulher que também entendeu isso de uma forma muito clara. Não tinha filhos na época. Eu acho que isso me ajudou muito nessa tomada de decisão. Eu estava muito claro disso nesse momento. Resolvi, literalmente, dar 180 graus na minha vida. Saí de novo como eu tinha entrado em São Paulo, com um cartão de uma “headhunter”, naquela coisa de desbravar. Muito feliz pela minha decisão, sem nenhum medo. Bastante cansado, estressado. Tinha tido uma crise de hérnia de disco muito séria na minha vida, que me fez pensar bastante sobre isso. Tinha voltado a meditar muito naquela época; de entrar um pouco mais, entender um pouco essa minha voz interior, entender aonde é que está esse caminho. Foi quando eu resolvi dar uma guinada geral e falei: “Quero trabalhar com duas coisas que eu adoro: música e tecnologia”. A música sempre teve um papel muito forte na minha vida: para entender o meu ritmo, entender a minha harmonia. Estava querendo me harmonizar, então a música me deu esse caminho de me trazer um certo ritmo e tentar harmonizar a minha vida. Sem entender direito o que ia fazer. Montei uma produtora de música e dessa produtora de música surgiu a Eletrocooperativa. Foi um trabalho realmente empírico. Eu falei: “Quero inovar dentro dessa área. Eu não sei o que vou fazer, mas vou inovar”. Peguei umas reservas financeiras, abri essa empresa. Investi na Eletrocooperativa para ela começar. Meio megalomaníaco. Dar uma de filantropo, classe média filantropo foi um pouco arrogante da minha parte. Foi o que eu fiz naquela época. Mas, na verdade, não foi só filantropo; não era só uma questão para os outros, era para mim também. Eu sempre pensei - sempre fui muito racional -: “É melhor eu investir nisso do que investir num MBA [Master of Business Administration], alguma coisa”. Ou seja, o meu MBA vai ser feito, meu doutorado vai ser feito. Tinha ganho de presente o MBA da Microsoft da Fundação Dom Cabral. O meu estudo vai ser na prática com os meus semelhantes do Pelourinho. Foi isso que eu fiz com a Eletrocooperativa, para começar.
P1 – Reinaldo, você estava contando para a gente como é que foi esse começo da Eletrocooperativa. Como ela funcionava? Qual era o objetivo, depois como é que foi esse salto para a ItsNoon?
R – A Eletrocooperativa surgiu de um grande “insight”. Eu sou uma pessoa que acredita muito na imaginação. Cada dia mais a gente está precisando imaginar esse futuro. O lugar que a gente está querendo ir. Falam de futuro, mas futuro é o presente, a realização dessa imaginação - começar a atuar dentro desse imaginário no presente. Eu me dei conta de que passei muito tempo vendendo soluções subjetivas para clientes. Eu aprendi a desenvolver conceitos criativos, como é que é isso? É isso que a gente está falando que não existe: não vendo uma casa, não vendo tijolo; eu vendia conhecimento, tecnologia. Esse é um pouco do meu papel profissional na vida. De interagir, eu gosto disso. Acho que é essa é uma coisa que eu gosto de fazer. Provocar as pessoas em relação a esse novo. Eu acho que o “status quo” está aí para ser questionado. Cada dia mais. Não acredito no “status quo”. Não acredito no senso comum. Eu não acho que é esse o caminho, ainda mais no momento atual. Onde as pessoas falaram outro dia: “Você é muito louco”. Eu falei: “Muito louco é você que acredita nisso que está fazendo achando que a gente vai para algum lugar”. Acho que a loucura maior do indivíduo, hoje, é achar que da forma como a gente está atuando a gente vai para algum lugar. Para mim, essa é a loucura maior. É uma loucura neurótica. É uma loucura psicótica. Não digo nem neurótica, chega próximo de uma psicose. Eu aprendi a lidar muito bem com isso. Com essas ameaças, das pessoas que não querem inovação. Isso é loucura. Loucura é que você está fazendo. Loucura é você achar que isso está trazendo algum benefício real para a sociedade. Acho que essa agenda foi crescendo. Acho que é uma agenda, hoje, que evolui. Eu tenho dentro de mim: sou um provocador, não consigo não ser. Essa é uma outra coisa que eu me dou essa liberdade, até porque as minhas ações em relação à minha vida foi me provocar. Eu não tenho medo de que me provoquem. Acho que uma provocação é uma coisa importante hoje na sociedade. Acima de tudo, trazer um pouco de coragem. A Eletrocooperativa nasceu muito com esse intuito. Está na essência. Todas as pessoas que lá estavam foram num momento muito especial. Porque, eu reencontrei um amigo meu da escola americana, que tinha acabado de voltar de um MBA numa escola nos Estados Unidos e trabalhou muitos anos em todas as gravadoras. Ele sabia que eu estava começando a mexer com isso, ele me procurou: “Eu soube que você está fazendo isso. Quero fazer alguma coisa”. Entrou um outro amigo, que já estava comigo, que é o (Márcio?), era (Fernando?), (Márcio?), que também trabalhava com publicidade - músico de primeira, um cara muito legal. Estava em crise também, queria fazer uma coisa diferente. Tinha uma outra pessoa que a gente conheceu nesse processo, que é o (Dudão?), que também estava numa crise. Todo mundo com 30 anos, naquela época. Era uma coisa muito interessante que a gente chamou de “A classe de 1971”. Esse ano, [2011] todo mundo fez 40 [anos]. Dez anos dessa história. E todos nós com vontade de inventar alguma coisa. A gente criou uma produtora que era “bamba”, que era basicamente um grande laboratório de inovação, de teste. A gente testou tudo que você pudesse imaginar de coisa. Nos divertimos bastante, fizemos negócio: programa de rádio, turnê de artista, discos. Tudo que a gente podia pensar do ponto de vista musical, a gente testou. Até que a gente chegou realmente numa coisa que a gente queria fazer, que era a Eletrocooperativa. Nasceu de um grande “insight”. O (Dudão?) pensou nesse projeto como uma coisa voltada para a reciclagem de “rave” - ele trouxe essa reflexão. Na hora me deu aquele “insight”, eu falei: “Não, (Dudão?). Eu acho que essa coisa daí é muito legal o conceito para fechar só nisso. Acho que está precisando é ligar isso ao computador. A gente precisa hoje trazer significado para o uso do computador, e nada melhor do que a música para fazer isso”. As pessoas, na época, falavam de inclusão digital, e a gente falou: “Vamos fazer inclusão musical”. Vamos transformar o computador num instrumento musical - esse foi o grande “insight” desse momento. Todo mundo “pirou”. Eu falei: “Olha, a gente está com uma ideia fantástica”. Isso, uma sexta-feira. Tinha essas coisas lá, tipo, onze horas da noite aquela paixão de que tínhamos descoberto alguma coisa, e que mobilizou todo mundo, emocionou todo mundo de uma forma assim, deu uma sintonia. A gente falou: “Vamos fazer o seguinte, vamos deixar decantar isso. É janeiro, sol, todo mundo vai domingo de manhã no meio do sol. A gente vai sentar aqui e vamos escrever uma lauda sobre isso. Vamos botar isso no papel e entender o que a gente está pensando sobre isso”. Marcamos uma hora: meio dia e meia estava todo mundo lá. Você vê quando você tem um grande "insight" [que] mobiliza as pessoas: todo mundo estava sintonizado naquele processo. A gente começou a trabalhar duas coisas que eram importantes nessa inclusão musical, primeiro que a gente falou o seguinte: “Nós vamos trabalhar com o elemento cultural. Nós temos muito respeito à cultura. Nós temos que ir para lugares onde a gente conheça fortemente a cultura”. O (Fernando?) era baiano, eu sou baiano, o (Márcio?) é paulistano, e (Dudão?) é goiano. A gente falou: “Um lugar que eu acho que a gente pode atuar fortemente é na Bahia”. Foi isso. Até porque eu tenho vontade, eu falei: “Eu toco, tenho vontade de fazer isso. Quero voltar um pouco para a minha raiz, quero enraizar um pouco. Quero voltar um pouco para o meu passado histórico e conectar com o futuro de uma forma um pouco mais consistente. Eu estou sentindo falta disso. Topo entrar nessa esfera”. A gente começou a discutir vocação, e começamos a fazer um planejamento mais prático, o porquê lá. Decidimos uma coisa que era muito clara: “E se isso tudo der errado? O que a gente vai fazer? Nós não sabemos nada de educação, nós queremos entrar numa história. E se tudo der errado? Como vão ficar as pessoas que participaram desse processo?”. Porque isso inicia-se como experimento. Identificamos claramente: se tudo der errado, a gente vai trabalhar com 180 jovens no primeiro ano - todos eles vão aprender a mexer com o computador. O erro, vai acontecer o seguinte: incluir digitalmente 180 jovens, esse é o risco maior do projeto. A gente vai perder dinheiro, mas as pessoas vão aprender alguma coisa. O risco é esse. “Vamos ou não vamos?”, “Vamos”. A decisão foi essa. Automaticamente, a gente começou a pensar nesse computador como instrumento musical. Basicamente, era o seguinte - sempre foi esse pensamento que a gente sempre trouxe, sempre vinha na minha cabeça -: “Desconstruir formas, encontrar sentido, propor novas formas”. Era um ciclo. Desconstruir formas encontrar sentido, propor novas formas. É sempre esse processo. Essa é a minha mente. Minha mente funciona muito nessa [de] olhar a coisa [e] falar: “Se isso não está funcionando, como é que a gente desconstrói esse sentido? Por que isso existe? Se está aí, tem um sentido. Que nova forma a coisa tem que tomar para fazer mais sentido?”, que é um dilema hoje do banco, por exemplo. Até uma coisa interessante é que o banco passa por essa, o mundo todo passa por esse grande dilema hoje. Acho interessante. Me veio esse "insight" agora. No fundo, a gente sempre pensou o seguinte: “A gente tem que conectar o que não está conectado”. Têm conexões que não foram feitas. Como é que a gente conecta isso daí? Na verdade, a gente analisou fortemente todo o movimento, que era uma coisa que eu tinha uma ligação muito forte - (Fernando?) também tinha uma ligação forte e gostava disso -, que eram os movimentos dos blocos afro. É movimento de percussão. A importância do tambor na educação, na arte-educação que foi feita na Bahia. Tem um projeto Axé que foi uma referência muito forte para a gente na época. A gente conversou bastante sobre isso. Me dei conta que era o seguinte: o tambor é o primeiro instrumento digital da humanidade. Ele sempre foi feito para isso: para passar recado. Ele era o primeiro computador do ser humano. Ancestralmente, ele sempre passa um recado; a gente se comunicava pelo tambor. Ele era internet no passado. A gente falou: nada mais contemporâneo do que fazer esse cotejamento entre o tambor e o computador que agora é o instrumento digital dessa comunidade afrodescendente que tem um tambor como significado fundamental no seu sentido de viver, na sua cultura. Juntamos essas duas coisas, o tambor e o computador. Chamamos 180 jovens. A gente não sabia direito o que ia fazer. A gente falou: “A gente vai criar uma 'lan house' com causa. É uma 'lan house' com um propósito, que é: sair daqui no final do ano com cinco discos gravados”, “Como a gente vai gravar?”, “Não sei. A gente vai abrir um 'software' de produção, criar experimentos, e eu quero que vocês toquem tambor dentro do computador”. Esse era o experimento. A gente tinha três ou quatro computadores, o pessoal meteu a mão. A gente colocou no fundo, criamos um processo: “Vamos chegar lá com esses cinco discos gravados”. Começaram a fazer "sample" de tambor e a gravar aquelas coisas para fazer, para contaminar a cena hip hop em Salvador. Muito do hip hop veio. Naquela época, as pessoas estavam sedentas para querer aprender produção. Tanto que os jovens falam: “Antes da Eletrocooperativa, era só base colada de americano”. A gente começou a soltar essas células rítmicas de tambor para que esse tambor influenciasse a música feita no computador, que era feita na Bahia. Isso foi um processo interessantíssimo. Muito da história do que restou da Eletrocooperativa foi por essas coisas bem pensadas e querer realmente promover uma evolução nesse sentido. Outra coisa que deu muito certo nesse primeiro momento foi resgatar cantigas infantis, sendo feitas no computador. A gente lançava o (eletro-erê?), três ou quatro desses discos que são discos antológicos que a gente fez na história da Eletrocooperativa. As pessoas revisitaram o seu lado de criança. Nesse momento, começam a vir - minha irmã trabalhou comigo, foi uma pessoa importante, ela tem formação educadora. Ela estava no dia a dia nesse processo ajudando. A gente começou a enveredar. Eu comecei a entender o que realmente eu estava querendo naquele processo, quais eram as duas coisas que estava querendo oxigenar. Até poderia dizer transformar, mas é muito arrogante dizer que você transforma alguma coisa. Você, pelo menos, dá um exemplo para que os outros também se transformem. A transformação não é feita por uma única pessoa. É inspirar uma possível transformação. Eram duas instituições que estavam em crise - eu via tudo aquilo -: uma era a escola e a outra é o emprego. São duas instituições de fundamental importância na dinâmica da nossa sociedade [e] que estão em crise. Estão agonizando. Precisam de oxigenação e de desconstruir a forma, encontrar um sentido e propor uma nova forma. Na Eletrocooperativa, a gente fez isso: formou nesses processos todos 2000 pessoas praticamente, [que] passaram por lá. Ninguém saiu igual. Essa é a coisa boa. Nem eu, nem ninguém que participou de lá. Ou seja, foi um momento de intensa felicidade, de plenitude em alguns momentos. Eu me lembro de coisas que são impressionantes. Me lembro de eu indo falar com um possível financiador, aqui no carro o cara "mandava" uma base e só fazia chorar vendo aquela beleza daquela música vinda de dentro, e que estava surgindo dentro daquilo. Criamos processos incríveis de formação, baseado em valores. Esse processo, ou uma filosofia, ou talvez uma inspiração que a gente chama de ‘sevirologia’”. Porque a "sevirologia" é uma coisa muito... Isso foi desde o primeiro momento onde eu começava a entrevistar os jovens, eles vinham com aquela queixa: “Reinaldo, eu não tenho isso, não tenho aquilo”. Aquela coisa. Eu falei “Eu odeio queixa, quem está se queixando demais... Ninguém precisa se queixar demais, porque você tem o livre arbítrio de tomar decisões". Seja em qual situação a qual você está, até de pobreza econômica. Tem um certo gozo naquela pobreza econômica que você tem que tirar rapidamente. Uma certa posição de vítima, que de alguma forma você tem que fazer com que o cara reaja. Você reage dessa forma, é o seguinte: se o cara não tem o que comer, ou não tem as questões básicas, ele não consegue reagir, mas se ele tem aquilo tudo, ele tem que sair. Você tem que proporcionar espaço para que ele mesmo saia daquilo. Por isso que você não inclui ninguém, ele se inclui de uma forma diferente. Ele vai tomar uma decisão de alguma outra coisa. Eu sempre tive isso de uma forma muito empírica. Sempre acreditei muito nisso, e acho que esse é um caminho muito verdadeiro de você propor às pessoas. Não ficar prometendo que você vai ser pai, que você vai ser alguma coisa. Você vai dizer: “Você pode. Agora já tem a base para dar. Eu não estou julgando, só quero que você dê um próximo passo". Veio o "insight" de perguntar: "O que você sabe fazer?”, “Eu sei tocar tambor”, “Beleza, já sabe tocar tambor, melhor do que eu. Eu não sei tocar tambor como você toca. Toca tambor é alguma coisa”, “Sabe tirar uma fotografia?”, “Sei”, “Pronto. Outra coisa”. Você começava a abrir tudo o que ele sabia. Um ser que é colocado numa invisibilidade da sociedade - ele, automaticamente, sempre teve essa questão da invisibilidade e da luz. Num lugar que tem muita sombra, no Pelourinho. Onde a gente colocava, como é que se coloca a luz nessas coisas para que [as pessoas] encontrem seus caminhos? Essa sempre foi a provocação que a gente trazia. Vinha aquela coisa, dizer... Eu ficava brincando: “Porque senão daqui a pouco a gente vai montar aqui na praça, na porta da Eletrocooperativa. Eu vou montar um caboclo, vou botar a estátua de um caboclo e todo mundo vai chorar no pé do caboclo. Daqui a pouco, vai estar da entrada da Eletrocooperativa até a praça da Sé uma fila absurda de gente chorando no pé do caboclo. Eu volto para São Paulo e está tudo certo. Acho que eu resolvi o problema de vocês, se continuar assim”, “Não Reinaldo, não é isso”, “O que sabe fazer? Vamos fazer”. Sempre muito atrelado à energia do fazer. As pessoas precisam fazer coisas, não só ficar "elucubrando" essa realização psicológica. O mundo está aí para a gente fazer coisas. Eles tinham aquela gíria do hip hop: “Tô no corre”, “Você está no corre para onde?”. Eu perguntava: “Atrás do rabo? Você está girando em círculos? Você está correndo para aonde? Você não tinha o que fazer. Agora você tem 80 projetos [que] você está fazendo. Eu não estou entendendo. Quem está fazendo 80 coisas, não está fazendo nada”. Começou essa brincadeira toda. “Eu estou me virando." Veio a palavra da "sevirologia" nisso. Provocação. “Você faz uma coisa muito legal, precisa dar um nome para isso", e o meu medo de rotular. Sempre. Porque o rótulo reduz geralmente qualquer processo humano. A gente foi dentro de uma questão humana que é “se virar”, que é o jeito criativo de tocar a vida do brasileiro. É nisso que a gente acredita. Integrar quatro facetas que são fundamentais no processo de formação de qualquer indivíduo. Formação e atuação na sociedade, que é reflexão. A gente acredita que o melhor processo de aprendizagem é pela reflexão. O cara encontrar a própria resposta e ser provocado a encontrar a resposta para caminhos. Não darem a resposta para ele. Não formatarem a resposta. Até porque ele não vira. Todo mundo fala a mesma coisa e, no fundo, a gente quer uma certa diversidade. A segunda coisa é fomentar o espaço criativo, a subjetividade decidida por meio da criação; não da repetição. Ele encontrar a sua resposta, que pode ser igual à do outro, mas eu quero que ele encontre aquilo de dentro, que é aquela coisa de a gente pegar a "sevirologia" e jogar você para dentro. Sua abundância. Não o que você não tem, mas o que você tem, que é a sua subjetividade. Onde você pode agir. O que você não tem, eu também não tenho um monte de coisa. Não posso fazer nada. Eu posso fazer com o que eu tenho. Sair da visão da escassez para a visão da abundância. É fazer o melhor que você pode com o que você tem. Foi uma coisa que eu aprendi na minha casa, com meu pai. Sempre foi essa mensagem muito clara na minha casa. Depois que ele reflete, cria, encontra essa coisa: ele tem que colocar na ação. Para não virar a síndrome da realização psicológica, que eu acho que é uma das síndromes da juventude hoje. Hoje, todo mundo tem ideia, todo mundo vai dar “pitaco”, todo mundo quer participar, todo mundo quer opinar. E quem vai fazer? A ação como aspecto importante. Porque criatividade é criar e colocar na atividade. Tem uma ação que precisa ser envolvida. Criação. Criar e colocar na ação. A quarta etapa é o reconhecimento, a interação com o outro. Ou seja, “postar” isso numa rede e receber um "feedback". Ter a oportunidade de fazer um show e ganhar um dinheiro como "feedback". A gente sempre trabalhou em quatro dimensões, que é a integração do que a gente chama fluxo de independência do indivíduo. Como você gera um fluxo de independência? Quando você integra quatro dimensões desse ser humano que se torna autossustentável, por ele mesmo, ele encontra seu caminho na vida, que é o ser na parte da reflexão, o ser político. Política como uma questão muito mais ampla do que partidária. É entender o seu lugar no mundo. O segundo aspecto da criação é o ser cultural, que cria com base nas suas referências. Olha para dentro e fala: “Eu sou isso”. Em cima disso, a minha leitura do mundo é essa. Essa é minha voz. Na ação, que a gente sempre chama: é o ser ambiental. Aquele que aprende a resolver um problema sem criar outro, que é desafio muito grande. A pessoa age, o cara vai resolver um problema [e] cria dez. Você fala: “Uau”. Aprender a agir sem criar problemas, ou seja, usar os recursos subjetivos e objetivos de uma forma inteligente na ação. É o ser ambiental. Trabalhar de uma forma correta. A terceira etapa é o reconhecimento, é o ser econômico, que é aquele que aprende a sustentar também financeira-economicamente com o que ele optou por fazer. O dinheiro como um “feedback” extremamente precioso no processo. A gente vive uma realidade capitalista, precisa sobreviver economicamente. Não existe nenhum tipo de inclusão que não tenha um componente econômico. Na sociedade que a gente vive hoje, é de fundamental importância. Tem um valor até espiritual, da sua vocação aqui na terra - é um desafio material também. Você tem que adquirir sua independência financeira e econômica para isso. Isso foi a essência do que a gente criou. Eu tinha falado desde o primeiro momento que eu ia ficar sete anos nesse projeto. Isso precisava ser passado para quem quisesse tocar depois, até porque eu não queria ficar dono de ONG [Organização Não Governamental]. Eu me conheço, não queria ficar escravo de uma coisa que eu criei. Queria criar aquilo para o mundo, para que aquilo não ficasse como um dono de ONG. Eu não queria nunca ter esse significado. Para mim, não era uma coisa que eu queria. Você fundar uma coisa como essa do ponto de vista prático é uma coisa extremamente complicada no Brasil. Porque o governo chega e fala: “Beleza, achamos um babaca que vai cuidar de um problema para mim, da sociedade. Você só tem o chamado ‘liability’, só tem passivo. Você não pode ganhar dinheiro, tem que prestar conta”. Você tem que se provar o tempo todo que é sério, que você é honesto. Quando eu comecei a ver essa história toda lá atrás, eu falei: “Está na hora de andar um pouquinho mais rápido, porque esse modelo de ONG, do jeito que está no Brasil, acabou. Eu deixei bem claro para os meninos lá atrás, cinco anos atrás, que a gente precisava criar uma estrutura de uma empresa social. Foi o que fizemos. Essa empresa social virou um aglomerado dos meninos, os meninos começaram a ganhar dinheiro, começaram a criar as suas células, começaram a sair de lá. Tanto que a gente sempre falou, eu sempre brincava com eles de uma forma como a gente iniciava, que é: “Vai começar o ano e no final do ano”, que era uma coisa muito importante que faltava. A Eletrocooperativa era muito mãe, mas tinha muita energia paterna. Falta muita energia de pai. O mundo hoje, lá, principalmente, era muito forte isso. Precisava de um certo chute na bunda e dizer: “Vai”. Parece aquela imagem do Cinema Paradiso, do Alfredo - não sei se vocês já viram. Ele chega: “Não quero falar com você. Quero ouvir falar de você, vai”. Ele fica lá no final, não quer se despedir, empurra ele para a vida - que é uma cena genial. Para mim, o significado [é] interessantíssimo. A gente aplicava isso de uma outra forma lá na Eletrocooperativa, falava o seguinte: “A gente vai começar o ano e no final do ano vai entrar todo mundo num barco aqui, e a gente vai para a Bahia de Todos os Santos. Porque nesse ano vocês vão aprender a nadar. Eu vou levar o barco para o meio da Bahia de Todos os Santos e todo mundo vai voltar nadando para Salvador. Está claro?” Todo mundo abria o olho. Por que, o que significa isso? Tem algumas regras. Você pode dizer o seguinte: “Eu não estou preparado para ir”. Não tem problema nenhum, cada um tem o seu tempo. Antes de cair na água, você pode dizer: “Não, não vou. Não estou preparado”, “Agora, caiu na água, vai ter que voltar nadando. O máximo que a gente vai fazer é jogar boia. Ninguém vai pular, você não vai pedir socorro e vai achar que alguém vai pular para lhe salvar. Está claro?”. O significado da vida é esse. “Quer estar no jogo?” Era uma certa coisa importante naquele momento. Eu sempre trabalhei muito com essa questão simbólica de mostrar para eles coisas que eles entendiam o que eram, sentiam a experiência: o medo, a questão mais objetiva da vida. E que aquilo era um universo conhecido para todos eles. Eles viam aquilo tudo. Amedrontavam, tinha medo, era uma coisa extremamente interessante para eles entenderem o que era realmente, o que é a vida, na realidade é um pouco isso. Porque eu falava para ele: “Mas por que você não vai pular para salvar?”, “Porque a chance de eu morrer com você se eu pular para lhe salvar é maior do que se eu jogar uma boia. Só que eu não vou deixar você morrer, eu vou lhe jogar a boia. Só que você não vai me matar. Uma forma mesmo de sobrevivência. Estamos todos em busca da sobrevivência”. Funcionava muito, numa linguagem muito clara. Eu acho que é uma linguagem que eu gostaria que fizesse com os meus filhos. Acho que é uma linguagem extremamente clara sem muito... E que funcionava muito bem como estímulo - bastante masculino, por sinal, esse estímulo -, [com] pouco acolhimento. Literalmente, um chute na traseira para andar rápido. Esses jovens começaram a criar seus empreendimentos, as suas coisas, mas tinham um carinho muito forte por todo aquele que tinha virado um grande público, uma referência. As namoradas iam lá, tocavam. Era aquela coisa. Quem chegava lá não entendia nada. Tínhamos bolado uma mega rede, uma "lan house" com um propósito tinha acontecido. Um estúdio funcionando, o cara gravando, um tocando aqui, o outro namorando ali. Era aquele lugar, assim, um caos de uma rede muito bem organizada. “Eu não estou entendendo nada”, “Viva. Você vai ter que viver”. Quando a gente começou a trabalhar nos três últimos anos da Eletrocooperativa, com a formação baseada em valores, foi o que deu a estrutura completa desse processo. A gente decidiu que estava na hora de eu sair mesmo. Até porque eu sempre acreditei que, de alguma forma, eu era um estranho naquele ninho. Eu não era um daqueles jovens, a minha história era um pouco diferente. Tinha uma questão de identidade. Você começa a pensar um pouco sobre sua identidade. Você tem que resgatar um pouco. Você desce tudo isso, depois equilibra dentro do que você realmente é. Eu estava percebendo claramente que estava com vontade de fazer outras coisas. Principalmente uma reformulação, que eu acreditava bastante, na outra ponta, que eu acho que é apenas um primeiro lampejo, é um clarão, que era a questão de como é que a gente vai reinventar a forma de processo trabalho. Ao mesmo tempo, eu comecei a pensar: isso tem que ser feito numa lógica empresarial. Não é ONG, não é cooperativa: é empresa. Porque você integra os seus polos. Eu tive esse privilégio de aprender um pouco sobre educação no processo todo, aprendi um pouco a linguagem do povo, a reconhecer de fato o Brasil verdadeiro, a admirar incondicionalmente e a amar a criatividade do brasileiro na resolução dos seus problemas. Tudo isso era, a coisa estava aqui fervilhando dentro de mim. No fundo, a "sevirologia" foi um caminho muito importante, porque eu me tornei um "sevirólogo" nesse processo. Acima de tudo, hoje eu fiz o que eu fiz, faculdades, MBA, mas sou, no fundo, um "sevirólogo". Você pode ter tudo isso, na hora do vamos ver vai ter que se virar na vida. Porque você nunca está preparado para o que vai vir. Tem sempre a novidade, uma pergunta nova, tem sempre um desafio novo. Esse ato da "sevirologia" me dá uma licença poética de liberdade de ação muito grande. “Eu como jornalista não posso falar sobre isso”; “Eu como advogado não posso dar uma opinião sobre isso”. Os rótulos limitam, como o indivíduo, [de] você participar mais ativamente da famosa sociedade em rede. São as pessoas interagindo. A "sevirologia" me deu liberdade de transitar com muito mais facilidade nesse processo, e uma coragem de não lascar os títulos, de colocar eles na gaveta. São importantes, foram importantes. Não estou dizendo que não são, mas eles me servem pouco hoje em dia. Eles me travam mais do que eles me potencializam. Dentro desse processo, a gente criou um processo de gestão nova dentro da Eletrocooperativa, que teve um primeiro processo que foram os jovens que fizeram esse processo todo. Todos queriam, já estavam com seus projetos nas comunidades. Eles praticamente iam para lá como uma questão de dever satisfação à Eletrocooperativa, porque era legal. Eu falei: “Não. A Eletrocooperativa é farol, nunca foi porto para ninguém. Ela é farol. Ela tem que indicar e você tem que fazer na vida". A Eletrocooperativa é o que eu chamava de saída, não de entrada. Eu acho que é daqui para o mundo. “Tanto que eu não quero que vocês falem daqui.” A gente sempre falou: “A Eletrocooperativa é uma coisa chata na sua vida. Você tem que ver livre dela rápido. Não é aquela coisa que vai lhe acolher, e acolher a vida toda. Você vai fazendo a vida. Tem um monte de gente querendo entrar, você tem que sair rápido. Quanto mais rápido você conseguir passar no processo, maravilhoso. Você vai ser preparado, cada um tem seu tempo”. Isso claro que gera... Os meninos não entendem direito, acham que até a minha saída foi uma coisa: “Reinaldo não acredita mais, não quer mais. Ele agora está pensando em ser empresário”. É muito difícil quando você faz uma transição como essa. Como eu disse, minhas decisões são fáceis de serem tomadas; depois você tem que organizar isso. Hoje a Eletrocooperativa funciona com um grupo de organizações que assumiram a Eleltrocooperativa, vão tocar a Eletrocooperativa de agora em diante. Pela Coopertiva de Música da Bahia, tem uma turma do Fora do Eixo, tem uma turma toda que está querendo fazer um mega movimento cultural dentro do nosso espaço, criar uma nova história. Eu acho que uma organização não governamental foi feita para acabar, ela não foi feita para perdurar. Até do ponto de vista financeiro: se você for olhar, ela precisa acabar em algum momento. Porque ela chega em determinado momento que ela se torna inviável - a lógica dela é projetos. Os projetos acabam e você não consegue manter os "overheads", os famosos custos indiretos que surgem nesse processo, que não estão diretamente ligados ao processo, ao projeto. Por exemplo: custos trabalhistas das pessoas que vão ficar ali, e você vai aumentando essa dívida. Quando você vê, precisa de projeto. Você não pode gerar dinheiro, porque não consegue faturar. O seu passivo aumenta cada dia à medida que as pessoas estão [a] mais tempo. Só existe uma regra trabalhista para ser aplicada em organização não governamental: que é a CLT. É uma bomba-relógio; ela, no tempo. Ela é inviável juridicamente. O fato de a gente ter gerado um choque de gestão foi muito importante, porque é uma organização que não deixou dívidas. Foi muito bem pensado isso do ponto de vista jurídico. Isso corrobora. Só que uma organização não governamental tem que acabar. Ela foi enxuta. Agora ela vai ser, vai começar uma nova história. Tanto que eu estava falando, semana passada - estava em Salvador -: “Quero participar”, “Eu não quero tomar nenhuma decisão. Eu não quero dar nem opinião, porque você tem que ver livre desse mito. Se não eu não vou nunca me ver livre do que criei”, “Não, porque Reinaldo falou...”, “Eu não falei nada. Vocês decidiram, vocês fizeram. Depois, se você precisarem de mim para alguma coisa, eu estou aí para ajudar, mas na largada, a cabeça tem que ser nova. Não pode ser a minha cabeça. Eu tenho que me liberar do que eu criei porque senão isso vai fazer sombra para mim mesmo”. Aquela questão. Agora eu sou o ItsNoon. É nisso que eu acredito, que estou dedicado nos últimos dois anos e que remete... Basicamente, você vai ver a consistência dessa trajetória, é o sol do meio-dia, onde ninguém faz sombra para ninguém, nem ninguém rouba a luz de ninguém. Isso mostra um pouco o propósito do que a gente quer fazer, aonde cada um se conecte com sua força criativa, com sua força subjetiva. O trabalho do futuro só é possível numa sociedade sustentável, se a gente começar a trabalhar usando menos recurso natural. Precisamos nos deslocar menos. Precisamos ficar mais nas nossas localidades, atuando e conectando com essa infraestrutura digital que hoje é chamada de rede digital no mundo, que pode transacionar nossas ideias, nossos "bites", sem precisar estar circulando tanto quanto a gente circula. Ou muito pouco. Dá resultado. As pessoas precisam se encontrar quando precisam se encontrar mesmo. Celebrar mais a vida quando precisa se encontrar. Usar mais os encontros como momentos divinos. Acho que precisa, não encontros casuais, mas encontros verdadeiros das pessoas. Essa é um pouco da minha visão de futuro, do que a gente está precisando construir. Um pouco da ação propositiva da ItsNoon. Do ponto de vista concreto, como é que a gente mexe para chegar nesse momento? Um espaço onde a gente está mexendo bastante e que é de fundamental importância. É tentar colocar um pouco dessa luz dentro da atividade empresarial. Porque, hoje, boa parte das organizações estão refém do seu sucesso, do seu tamanho, do seu gigantismo e, acima de tudo, do imbróglio que é legislativo ou jurídico para você poder fazer uma transição. Tem essa questão. Do imbróglio de modelagem econômica que se foi criado com ação em bolsa. É um ambiente dificílimo de tomar decisões. Às vezes, eu fico pensando em algumas empresas, é um paciente na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] mesmo. Você não pode cometer nenhum tipo de erro; não pode chegar: “Desliga o aparelho”. Não é assim. Tem um nível de complexidade muito grande. A gente vai sair dessa situação. Eu acho que o mundo está naquela pré-UTI, na minha opinião. Acho que a gente está vendo isso. Por outro lado, tem um mundo novo surgindo, de consciência. Tudo o que está aparecendo hoje nada mais é o que estava na sombra que está começando a aparecer. Algumas coisas a gente não queria ver, mas a gente está precisando ver. Porque a era da transparência está aí. Cada dia mais a nossa, servindo para a gente. A gente vem ajudando muito numa série de empresas a se entender, a entender o seu caminho, a se inspirar. Por que isso é importante do ponto de vista de uma transformação sócio, econômica, cultural e ambiental? Porque hoje nós vivemos no sistema capitalista onde você tem um poder muito grande nas corporações. Elas precisam se reinventar, encontrar esse caminho de futuro delas. A partir do momento que a gente conseguir fazer isso, a gente vai conseguir realmente oxigenar a sociedade de uma outra forma. Porque o poder de formular novas leis, de gerar volume de trabalho numa escala muito grande, a competência acumulada que existe nessas organizações, as relações criadas entre patrões, empregados, pessoas, fornecedores. Tem uma cadeia de valor absurdamente grande e integrada, que é um legado muito forte. Não dá para você chegar agora e dizer: “Esquece o legado, vamos falar de futuro”. Isso é bobagem, ideologia barata. A dificuldade hoje é como é que a gente faz essa transição. Ela vai vir com calma. De novo, o transatlântico. Eu fui chamado agora para, não dirigir o transatlântico, mas tentar ficar ali na frente. Assim, parece o cara que vai ajudar o transatlântico a: “É por aqui”. Porque, no fundo, quem chegar hoje para dizer que sabe o que vai acontecer está mentindo ou está sendo arrogante a um ponto que, coitado. A gente tem que tomar muito cuidado com isso. A gente não tem solução para isso. A gente precisa encarar tudo isso como uma construção contínua de possibilidades. Acho que a gente precisa gerar luz nesse processo. Dizer, como a gente fez no Santander: “Um caminho aqui é esse”. A gente pergunta uma coisa, descobre outras coisas aqui dentro, na rede ItsNoon. É uma rede com mais de 10000 criadores no Brasil, trabalhando em rede, sem precisar sair da sua localidade. Ganhando dinheiro. Desenvolvendo um modelo econômico diferente. Ajudando as empresas a entenderem o seu caminho, a sua trajetória. Reformulando as estratégias das empresas. Ou seja, colocando luz um pouco no caminho dessas empresas, das pessoas tomadoras de decisão dessas empresas que estão numa posição não fácil. Acho que é o momento de ser empático nesse sentido, falar: “Está difícil”. Não está fácil para um CEO [Chief Executive Officer] de uma organização tomar decisões, não é tão fácil. O nível de complexidade que ele está envolvido, e quem menosprezar a complexidade está sendo no mínimo "naive" [ingênuo]. Diante dessa complexidade, o que a gente tem que fazer é uma operação cirúrgica de gerar possibilidades. Nada melhor do que trabalhar em rede para isso. Tendo a dinâmica acima de tudo, espontânea. A gente acredita muito nessa criatividade espontânea, porque ela traz muitas verdades. A gente está acostumado a direcionar uma pergunta para uma resposta que a gente já sabe, está querendo validar um pensamento. Hoje, como a gente não sabe; a gente não precisa validar tem que abrir para novas possibilidades. Com a questão da espontaneidade, qualquer empresa que se relacione conosco, que é o trabalho que a gente vem fazendo aqui com o Santander, tem sido incrível nesse sentido. Porque a gente formulou duas perguntas muito verdadeiras por parte da equipe deles e conosco, que veio de dentro. Era uma coisa que estava doendo, era a vontade de encontrar essa resposta. Era: “Qual o significado do dinheiro na sua vida?”, onde você tem milhares de jovens discutindo isso no Brasil. É uma coisa concreta. A gente tem que discutir dinheiro. Isso não pode ser um dogma na vida das pessoas. Tem que ser com naturalidade para a gente aprender a poupar, a gente aprender a ganhar, aprender a trocar, aprender a respeitar. A energia que move o mundo hoje tem uma força, tem que entender que força é essa. Qual o significado dela? E uma segunda foi: “Como a empresa pode cuidar melhor de você?”. Trazer o cuidado para dentro dela. Hoje, a gente começa a trabalhar com o Santander para tentar ajudar a área de pessoas a entender melhor como é que se faz isso. Quando você para e pensa que foram milhares de jovens anônimos até outro dia, não são para a gente, mas são pessoas que ninguém conhece aqui dentro, que estão ajudando essa empresa a pensar de alguma forma. Não é tudo, mas uma pequena engrenagem que está ajudando a entender esse futuro. Entender, basicamente, uma relação ganha-ganha, porque vai ser excepcional para a sociedade. Uma empresa começa a ter consciência da importância disso na sociedade, começa a agir de uma forma consciente. Acima de tudo, começa a ter resultados com isso. Porque as pessoas querem estabelecer relações de trocas. Ninguém está querendo estabelecer relações de trocas. Que trocas são essas? Que novidade é essa que o mundo surge, que o mundo nos traz? Num país como o nosso, agora que a gente vive uma revolução não só financeira e econômica, mas, acima de tudo, cultural e social. Ambiental também porque é a agenda aqui, não pode fazer isso, vide Belo Monte, que está acontecendo essa discussão. Acima de tudo, política que está acontecendo. Você tem todas essas agendas, uma mega revolução acontecendo no momento que o Brasil é líder. Nunca se planejou para ser isso, mas ele é hoje em dia. Precisa ter velocidade para ajudar o seu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento do mundo dessa nova posição. Você articula, no nosso caso, o início de uma nova lógica empresarial, onde as pessoas trabalham acima de tudo com o que elas podem dar, no momento que elas podem dar, sem precisar de muitas formalidades.
P1 – Antes de eu fazer uma pergunta mais voltada para o Santander, eu queria entender um pouquinho mais do seu negócio. O que significa estar na rede? Como é esse relacionamento da obra criativa dos indivíduos em relação à rede e às empresas?
R – Como assim?
P1 – O que significa estar na rede? Estar conectado.
R – Ela é uma plataforma de "crowdsourcing". Essa palavra é uma palavra que você usa, você articula a força distribuída do "crowd", das pessoas que estão podendo ser conectadas através de um meio digital, para gerar "source", que é conteúdo, ou força - coisa que alimente alguma coisa. No fundo, é esse o modelo. O que as pessoas fazem? As pessoas são convidadas através de uma pergunta a refletirem sobre aquela pergunta e responderem de uma forma criativa ou da forma que elas puderem. Você coloca uma pergunta: “Qual o significado do dinheiro na sua vida?”, por exemplo. Tem toda uma metodologia por trás que a gente administra. Você aplica a "sevirologia". Como é que você aplica a "sevirologia" numa coisa como esta: "Qual o significado do dinheiro na sua vida?". Tem que refletir. A segunda coisa, o cara vai ser chamado para criar uma resposta. Só que ele não precisa só ter a ideia, ela vai colocar na ação. Ele colocou na ação, ele vai ser reconhecido na rede como uma resposta: “Pô, legal a sua resposta”. Vai interagir na rede, vai receber com certeza algum tipo de "feedback", e pode até ganhar dinheiro - que é um "feedback" de fundamental importância nessa história. Usamos um processo aonde o máximo de pessoas possível ganham dinheiro. É um conceito de co-criação. Porque todas as ideias juntas que são legais. Eu não acredito nessa ideia genial. Essa ideia do gênio que vai ter a ideia, pode até ser; não vou dizer que a gente não vai encontrar, mas acredito mais na aglutinação das ideias, na diversidade para a resolução de algum problema. É isso que a gente não faz. A gente a gente administra o quê? Uma forma diferente de trabalhar, onde as pessoas não têm vínculo, nenhum vínculo empregatício conosco, porque eles fazem isso. Utiliza a energia espontânea deles, na hora que eles querem, da forma que eles querem, e é isso que funciona. Essa força da espontaneidade e da gestão do nosso lado, de gerir essa rede. Eu costumo dizer que a gente tem uma empresa que todo dia recruta 30, 40 pessoas. A gente tem que cuidar dessas 30, 40 pessoas que entram e como é que elas vão interagir ali dentro. É a mesma coisa que você pensar hoje... Nós temos um núcleo de oito pessoas que administra 10000 e poucas pessoas em rede, trabalhando 24/7, teoricamente. Porque a gente nunca sabe quem vai estar lá, quem não vai estar. Você tem que criar um sistema que funcione dessa forma. É assim que a gente opera.
P1 – Como foi o contato com o Santander? A gente viu que foi um dos patrocinadores para a criação dessa economia criativa. Como é essa relação? Como foi esse contato?
R – A relação com o Santander é uma relação nova, assim como a ItsNoon é nova também - tem dois anos. Iniciou, basicamente, com o contato que eu tive no prêmio Transformadores com a Paula Nader. A Paula me procurou: “Ouvi falar, me interessei”. Ela tinha visto um vídeo. Ela é bem... Não sei se vocês conhecem ela. Ela é bem ligeira, bem “antenada”. Ela entendeu a lógica rapidamente e queria conversar. Me chamou para uma conversa e me convidou para fazer uma palestra num encontro que teve aqui. Eu vim fazer a palestra, para falar um pouco sobre a importância do diálogo da empresa com a sociedade. No fundo, a ItsNoon promove esse diálogo de uma forma pragmática. Você abrir o canal para gerar essa ida e vinda com relação a um diálogo propositivo. Depois desse processo, a gente começou a se aproximar e veio a discussão para gente tentar ajudar o Santander em duas frentes: cuidar das pessoas e do significado do dinheiro, que eram questões muito ligadas a alguma estratégia que eles estavam montando de “branding”, basicamente. De um reposicionamento da marca no Brasil, dessa história toda. A gente ajudou eles a pensarem isso. Além disso, teve uma outra chamada que a gente fez em conjunto com a Vivo, que era uma discussão mais voltada para entender a economia criativa, mas na área de cultura. A gente oxigenou um pouco esse entendimento do que é realmente a economia criativa como oportunidade de negócios. Não existe economia criativa sem negócio. Não é só criativo, tem a economia no meio. Como é que os bancos vão desenvolver produtos e serviços para abarcar essa mega oportunidade que nasce não só como oportunidade de negócio, que é grande, mas também como a possibilidade do novo. É a economia que surge centrada no homem. A ItsNoon é um espaço de economia criativa, a gente sabe alguma coisa sobre isso.
P1 – Quais são os desafios de se usar a criatividade e outras reflexões nesse cotidiano executivo, como aqui no banco? Como é que eles veem essas proposições, essa nova maneira de trabalhar? Quais são os desafios de se trabalhar assim?
R – Desafios são enormes. Primeiro que a linguagem subjetiva traz uma verdade que a objetividade muitas vezes esconde. A gente está muito acostumado a jargões objetivos no negócio. A gente acha que aquilo significa alguma coisa, quando, na verdade, a gente precisa entender qual o real significado daquilo. Eu acho que a ItsNoon traz essa elucidação para dentro da empresa, porque nós não estamos falando só desse lado racional. Porque, na racionalidade, a gente percebeu que a gente está praticamente no limite dela. A gente vem desenvolvendo a nossa intuição, nossa inspiração há muito mais tempo do que a nossa racionalidade - como seres humanos. A gente pratica isso há muito mais tempo. De uns dois séculos para trás, a gente passou a aprimorar ainda mais, de uma forma um pouco mais ampla, pós Revolução Francesa [1789], a questão da racionalidade. Essa racionalidade hoje impera, porque ela dá um pouco de segurança. No fundo, é uma falsa segurança porque é uma segurança que não existe. Porque hoje a gente não sabe o que vai acontecer lá na frente. Tem um mundo novo surgindo, as redes estão dizendo isso. Quem estava fora do jogo, quer entrar; quem estava dentro, não quer sair. Vai ter que ter uma nova negociação disso tudo. A gente precisa encontrar novas formas de entender esse processo. Uma coisa que eu acredito bastante: é desafiador você trazer essa linguagem para a empresa, mas a partir do momento em que você encontra pessoas que conseguem ajudar a conectar e a entender para fazer com que o outro entenda, a força é muito grande. Eu tenho percebido uma coisa muito clara nesse processo todo é que a ItsNoon é, em si, um espaço para pessoas que estão realmente pensando em como vão resolver alguns problemas sérios da empresa. Ela ajuda muito isso porque ela traz imagens. Ela lhe mostra como, não dá só ideias. Numa imagem, você consegue perceber: o cara está falando de conexão, ele está falando disso aqui. Como ele quer que eu entregue? Assim. O problema é a gente querer ver isso. A gente não está acostumado a ver. As escolas não ensinaram a gente a pensar dessa forma. As práticas corporativas não foram pensadas dessa forma. Mas, ao mesmo tempo, essa forma está aí para nos ajudar a acionar uma coisa que a gente nunca acionou, que é a nossa capacidade, nossa força subjetiva. A força para resolver problemas é muito grande. Tanto que outro dia a gente fez um projeto que tinha uma empresa que gastou muito dinheiro fazendo um trabalho com um das maiores empresas de “design” do mundo fazendo “Design Thinking”, a gente chegou para os caras e falou: “A gente não faz ‘Design Thinking’, a gente faz ‘Design Action’. Porque o ‘Design Thinking’ significa não desenhar, porque quem está pensando só em desenhar não está desenhando. O desenho significa passar o primeiro pincel, é isso que a gente quer. Em um mês, a gente resolveu um problema de um trabalho de dez meses que custou 80 vezes o preço que custou o nosso projeto. Só que chegou no final, eles não conseguiram resolver. Nós só temos essa verba. A gente fez. Vamos fazer porque é uma coisa de fundamental importância. “Nós queremos entrar nesse cliente, vamos fazer esse projeto”, e resolvemos uma questão extremamente complexa apenas escutando as pessoas e acreditando na verdade que vem. Percebendo que essa verdade não é a nossa verdade, é uma verdade diferente. Nas organizações, a gente está muito acostumado a dialogar com pessoas parecidas. O meu amigo que estudou na mesma faculdade que eu, que mora no mesmo bairro, que frequenta os mesmos lugares, que vai no mesmo restaurante. Esse é um sintoma contemporâneo das organizações. A gente dialoga muito com pessoas iguais a gente. Quando a imagem vem de uma forma diferente, é uma descoberta fantástica quando você vai se despir de uma certa arrogância ou certa proteção nesse sentido. A racionalidade aumenta o medo muitas vezes. Quanto mais você racionaliza, mais você vê impossibilidades. O trabalho criativo, a arte, é em si um possível meio de nos levar para o futuro. Talvez um dos poucos possíveis. Ela sempre teve esse papel na humanidade. A gente tem que encarar isso de uma forma um pouco mais transparente, e as organizações hoje que são o celeiro, a mola propulsora desse desenvolvimento tem que encarar isso com muita naturalidade. É nisso que a gente acredita, é nisso que a gente está conseguindo ajudar o nosso país a entender algumas coisas. O nosso país, em alguns lugares - que a gente já fez algumas coisas no Brasil. Isso tem sido muito gratificante. O trabalho de convencimento é a parte mais cara do processo. Cara em todos os sentidos, porque o medo ainda impera. É natural o medo. O medo do novo, o medo do que vem, o medo do que eu não conheço. O desafio, hoje, das lideranças empresariais é tirar um pouco esse medo das decisões, porque ele vai custar muito caro para as empresas. O mecanismo de defesa de aumentar o medo para não fazer é em si um risco ainda maior. Isso funciona no ambiente organizacional. Aquelas pessoas que são profissionais em dizer porque não deve fazer as coisas. Eu acho que a gente está num momento da vida que a gente tem que aprender a gostar mais das coisas, aprender a emular mais e encontrar formas de fazer isso. Por exemplo, a ItsNoon é em si um grande espaço para isso, por quê? Porque ela sai do ambiente crítico da empresa, traz um espaço, que é um mega laboratório para você testar esse tipo de coisa. Você não coloca em risco o seu “core business”, o seu negócio fundamental. Ele basicamente interage com você de uma forma diferente. É aquela coisa que eu estava falando lá atrás que é fundamental para você trazer um parabrisa para a empresa. Os sistemas de pesquisa hoje não são capazes - ele está olhando para o retrovisor, a gente precisa olhar para frente. A imagem é capaz de fazer isso porque está falando de desejo, está falando de subjetividade, está falando de visão. Do que a gente não sabe. A gente não consegue racionalizar, mas a gente consegue dizer de uma outra forma. Além disso, ser um espaço também extremamente inclusivo. Porque se você quiser, pode escrever um texto. Pode escrever uma frase. Agora, se você não sabe escrever, você desenha, faz um filme, uma música. A força musical para uma coisa como essa é, por exemplo, música para resolver os problemas corporativos é uma coisa incrível. Quebrando alguns paradigmas que são dogmas. Verdades absolutas que existiam nas empresas, que são verdades provenientes dessa discussão muito de pares. Esse é um aspecto que eu acho que tem um outro aspecto fundamental: que é a gente reconhecer, olhar o Brasil para dentro um pouco. Parar de olhar para fora, porque está todo mundo olhando para o Brasil [e] continua olhando para fora. De novo o Milton Santos: descolonizar o nosso olhar e olhar para dentro. Tem muita coisa acontecendo nesse país. O que a gente precisa é criar os atributos para que isso aconteça. Nunca foi tão bom ser banco, eu acho. É crítico, mas hoje é a primeira instituição, uma das primeiras que estão precisando realmente ser reinventada. Todo o sistema bancário mundial. É muito bom ser banco porque você tem hoje capacidade de ação, tem pessoas competentes, inteligentes, você tem processos, tem a cultura do fazer, tem gestão, tem inteligência interna. É nisso que eu acredito. Muitas vezes o que eu percebo é que as organizações não se dão conta disso. Os indivíduos nas organizações não estão potencializados para poderem fazer esse tipo de coisa. Eu sempre falo; outro dia numa palestra, eu falei: “Você quer inovar? Convença seu chefe”. Tem um monte de cara que vai inovar, inovar. A primeira coisa que você tem que fazer: “Convença seu chefe”. “Vamos inovar?” “Convença seu chefe.” Aprenda a transformar o mundo convencendo o seu chefe, dando segurança para ele, que o outro vai dar para o outro. A gente vai começar um processo como esse. Nós temos que influenciar os nossos pares, dialogar de uma forma diferente. Acho que essa é uma questão fundamental. Eu, por exemplo, aqui dentro do próprio Santander, encontro pessoas que estão dispostas a isso. É uma organização preparada para isso. É uma organização espanhola, a Espanha está num processo incrível de reformulação social em todos os sentidos. A crise espanhola e europeia está nos ensinando muita coisa. A gente tem que aprender como o Brasil, e o que é que ela nos ensina? Voltamos à questão, ao dogma do emprego. O “Welfare State” [estado de bem-estar social] está quebrado, esse modelo não funciona mais no mundo. O mundo não aguenta. Eu estava em Portugal há duas semanas atrás e vi uma manifestação de 200 mil pessoas - 200 mil pessoas querendo emprego, uma manifestação legítima. Acima de tudo, legítima, verdadeira, humana. Só que eu olhava para aquilo, eu me lembro que eu fiquei muito emocionado, porque eu falei: “Não tem jeito”. O que eles estão pedindo é legítimo, o que eles querem é legítimo, faz todo o sentido. Mas não conseguimos fazer mais isso no mundo. Nós precisamos reinventar essa instituição do emprego. Nós estamos numa sinuca de bico. Essa instituição hoje do emprego, desse Estado de bem-estar, que provém isso, todos esses falsos benefícios, porque tem um custo social e econômico muito grande para todo mundo, precisa ser repensado - e um banco tem tudo a ver com isso. Quais são as novas formas que a gente vai fazer? Tem a Economia Criativa, tem a chamada Economia Verde, tem um monte de coisa que está surgindo aí que ainda não é “mainstream”. Um problema de organização grande - eu vejo um pouco da minha experiência na Microsoft -, a organização grande não consegue ter braço para desenvolver proposta para emergência. Ela fica velha por isso, porque ela é grande. Tudo custa caro fazer. O que é pequeno não é viável. Ao mesmo tempo, num país como o nosso, que ainda tem milhares de oportunidade para o “business as usual”, é mais confortável ficar no “business as usual”. É uma opção de cada organização. Mas, eu acho que nos próximos cinco, dez anos muita coisa vai mudar. Vai custar [mais] caro comprar essas coisas do que desenvolver. Acima de tudo, eu acho que o maior desafio do que você traz que eu percebo na ItsNoon é uma queda muito grande em todas as organizações do prazer em servir. Está todo mundo querendo ser servido hoje. Está todo mundo filhinho da mamãe hoje, no mundo. Eu acho que esse prazer em servir, o prazer em fazer bem feito é o que sustenta uma organização no longo prazo. A gente veio ao mundo para servir, não para ser servido. Esse sintoma ambiental é um sintoma de gente que só está querendo tirar do mundo. O que você vai colocar de volta? Eu acho que tem um equívoco muito grande, hoje, da gente trazer de volta isso para sociedade. Não mitificar muito esse conceito de juventude. Acho que o jovem tem muita coisa. Acho que tem um equilíbrio entre a questão do jovem e os cabelos brancos, tem sabedoria. Tem um momento de conectar, a gente tem uma diversidade muito grande de conhecimento. As pessoas falam: “O jovem é uma saída”, não é a saída. Eu trabalho muito com jovem, não é só isso. Tem muita coisa boa, como também encontro muito jovem de cabelo branco - eu adoro - que está com aquela vontade de fazer. As organizações têm que olhar esses jovens de cabelos brancos nas suas empresas, também. Coligar com essas coisas. Tem uma forma diferente de se olhar. Quando a gente provoca com a ItsNoon nas empresas as pessoas se dão conta. Outro dia, numa reunião aqui no Santander, a gente estava falando - uma figura muito inteligente de RH [Recursos Humanos] falou: “Pô, mas isso é coisa que eu ouvia da década de 1970, 1980”. Eu falei: “Pois é. São valores fundamentais da vida que a gente está esquecendo”. As pessoas querem valores fundamentais. A coisa é muito mais simples quando se lida com gente. Tem que simplificar muitas vezes. A gente traz um pouco essa visão. Não estamos querendo inventar um novo conceito, nós estamos também nesse processo de entender o novo. Significa resgatar algumas coisas essenciais que a gente esqueceu. Se lembra daquela história do sentido? Desconstruir... Quando você encontra, está lá. É ele que vai nos levar para o próximo passo.
P1 – Como você vê essa potencialidade desse seu trabalho aqui em parceria com o Santander? Como você vê essa relação nesse movimento de futuro e de mudança na sociedade e no mundo, no banco, nas suas propostas de mudanças de modo de agir e repensar?
R - Eu vejo como uma mega oportunidade para o Santander. Agora, eu não sei se o Santander vê como uma mega oportunidade para ele. Essa é a minha dúvida. Hoje, para mim, a relação com o Santander é uma incógnita. Eu não tenho uma relação com o Santander de fazer coisas o tempo inteiro. Eu fiz algumas coisas, foi muito bom fazer. Acho que a gente tem muito que fazer, mas entre eu achar e eles acharem, a diferença é muito grande. O difícil é eles acharem, não sou eu achar. Na essência, a relação com a organização é essa. Do meu lado, não só com o Santander. Mas tem muita coisa acontecendo no lado da sociedade, novas formas de se fazer banco, por exemplo. Novas emergências, coisas que estão aí surgindo de uma forma muito silenciosa e que vão ajudar muito o desenvolvimento da sociedade. Elas podem em si ganhar uma escala, ganhar uma velocidade muito rápida se uma organização como o Santander, os bancos brasileiros, estiverem atentos a isso. Eu acho que chegou a hora do banco ser realmente empreendedor. Acho que precisa trazer um pouco essa vertente empreendedora para dentro do banco. Outro dia estavam me perguntando, foram numa discussão: “Quando é que vai nascer o novo Steve Jobs brasileiro? Quando é que vai nascer o Steve Jobs no Brasil?”. Eu falei: “Eu queria saber o seguinte: quando é que vai nascer um Olavo Setúbal de novo no Brasil? Prefiro pensar nisso. Quando é que vai nascer um desses grandes empresários brasileiros que fizeram empresas que estão aí. Para de cultuar o Steve Jobs, essas coisas todas. Tem muita gente que fez coisa aqui no Brasil. Você gostou, não gostou, mas está aí. Quando esses caras vão nascer? Essas novas pessoas que estão fazendo essas coisas? Esses empresários que fizeram empresas no Brasil”. Todo mundo agora é empreendedor, é “startup”. Todo mundo acredita nessas coisas, isso vira culto. Agora, no Brasil, estão querendo reinventar. “O Vale do Silício chega no Brasil”, gente, isso é loucura. A estrutura de capital social no Vale do Silício não é o Brasil. A gente tem que olhar um pouco essa questão do que nós somos. Essa história de ficar querendo idealizar o que não somos, a gente perde muito tempo. Muito dinheiro vai para gringo à toa. Tem consultor americano que baixa aqui, que não está vendendo nada, vai começar a vender coisa aqui [e] não vai vender nada. Chega dessa era, essa era já era. Por que eu acredito nisso? Vou fundamentar um pouco essa lógica. É uma lógica - eu aprendi outro dia -, o que é essa história de capital social? Um cara tem uma ideia em Caruaru [cidade do estado de Pernambuco] ao mesmo momento que um cara numa cidade na Itália. Nesse momento, a ideia dos dois é fazer uma fábrica de móveis. O cara em Caruaru vai falar com os amigos: “Vou fazer uma fábrica de móveis”. Um cara, mega de um cara talentoso para fazer móveis, carpinteiro de primeira. Ele fala para o primeiro amigo: “Vou fazer uma fábrica de móveis”. O amigo fala: “Você é maluco. Não faça um negócio desses. Um cara que foi inventar de abrir uma empresa faliu, perdeu a mulher, o filho brigou com o cara, está devendo dinheiro ao banco”. Fala com o outro amigo: “Rapaz, não faça um negócio desses, vai fazer um concurso no Banco do Brasil. Você é novo, é um cara talentoso, tá perdendo o seu tempo [com] negócio de procurar sarna para se coçar. O Brasil não é um país para você fazer essas coisas”. Vai falar com outro cara [e]: “Desisto”. O cara [da Itália] chega e fala: “Vou montar uma fábrica de móveis”. O amigo: “É mesmo? Rapaz, eu conheço um cara que está vendendo uma máquina velha que é bem legal, lhe levo lá. Eu sou amigo do gerente do banco, pode lhe conseguir um crédito para isso. Eu acho que foi uma ideia genial”. O outro fala: “Que legal! Você tem talento para isso mesmo”. Nós temos que entender que o capital social brasileiro é mais perto de Caruaru do que de [cidade na Itália]. Essa é uma “doença” que nós temos nesse país, que nós precisamos entender. Não adianta chegar e dizer: “Vamos transformar o Vale do Silício no Brasil”, “Onde?”. Não acredito nessas coisas. A gente precisa ter primeiro os nossos exemplos aqui dentro, para que a gente possa acreditar que é possível fazer aqui dentro. Não adianta importar exemplo. O cara vai dizer o seguinte: “Pô, se você morasse em [cidade na Itália]” - como o gringo veio aqui falar, que foi muito legal -, você até poderia fazer em Caruaru, mas você não mora em [cidade da Itália]. A gente nunca pode, a gente não tem um exemplo disso. Toda a vez que eu vou falar com as pessoas, o cara para, me olha e fala: “Eu já sei o que você está pensando. Não existe nos Estados Unidos uma empresa igual a nossa”. Eu não imitei nenhuma empresa nos Estados Unidos, eu fiz aqui mesmo. Estou pagando todo o custo de inovação desse processo de aprendizagem. Estou. Conversando com alguns investidores, automaticamente falam isso: “Você quer a empresa que já funcionou nos Estados Unidos aqui, é isso que você quer”. Não, a minha não é essa. Muito obrigado. Você conhece rapidamente. As pessoas querem o quê? Imitação. Chegou na hora da gente criar. Não é um ufanismo, mas essa é a minha visão de Brasil. Nós precisamos criar os nossos referenciais. Chega de importar gringo, no sentido de referencial. Nós, latinos, como um todo - eu não digo nem brasileiros, mas latino-americanos -, os portugueses os espanhóis, a gente precisa ter os nossos referenciais nos negócios. Essa é um pouco da visão do que eu tenho, uma forma diferente de pensar em muitas coisas. Acho que o país pode ser craque nisso. Mas, precisamos primeiro descolonizar o nosso olhar sobre nós mesmos. Essa questão é crítica no momento em que você realmente desenvolver alguma coisa para durar aqui nesse país.
P1 – A gente, parando um pouquinho com a parte que você contou da empresa. Você, durante a sua fala da sua trajetória de vida, comentou da sua esposa, que não tinha filhos ainda. Conta um pouquinho dessa sua parte pessoal, se você tem filhos.
R – Tenho dois filhos, Joana e Tomás. Tomás de oito [anos], Joana de quatro [anos]. Tenho uma esposa chamada Suzana, que é minha sócia na ItsNoon. Esse é o meu núcleo familiar.
P1 – Como é que foi para você ser pai nesse mundo, com essa realidade, essas perspectivas?
R – Eu acho que ser pai é uma eterna descoberta, dia a dia. Eu acho que é estar olhando no espelho o tempo todo. Se colocar muito como aprendiz nesse processo, sempre. Acho que a minha visão de ser pai é ter presença, [ser] presente no dia a dia, estar acompanhando. Eu sou um pai que a minha opção de vida é estar próximo dos meus filhos. Não adianta nada eu querer cuidar do mundo e não cuidar dos meus filhos. Acho que a maior responsabilidade que você tem é cuidar dos seus filhos. Para que adianta eu estar com dez mil pessoas, 50 mil pessoas numa rede e eu tenho duas figuras lá em casa que não estou cuidando. Essas duas figuras são de fundamental importância na minha vida, [tenho] prioridade no cuidado delas. Acima de tudo, uma preocupação em deixar que elas sejam o que elas querem ser. Acima de tudo. Essa é a dificuldade hoje que a gente vive como pai. Vive num ambiente, numa escola que hoje é incapaz de cumprir a demanda de futuro. Ser pai hoje tem essa dificuldade: tem que estar atento a estar gerando estímulos para além da escola de uma forma muito mais prática, mais rotineira. E estímulo não [é]: “Bota no judô”. Fica aquela coisa do estresse absurdo, mas reflexões rotineiras, experiências que tenham a ver com eles. Estar atentos às questões de valores mesmo, que é uma coisa que eu me preocupo bastante, com seus valores [que] essas figurinhas vão ter na vida. Ser pai é uma responsabilidade muito grande. Assim como você ter uma empresa é uma responsabilidade muito grande. Ficam idealizando essa questão de ser empreendedor, [e] não é para todo mundo não. Tem que ter essa consciência clara. Se empreendedor é seguinte: você vai ficar 24/7 ligado. Você tem a liberdade de estar no seu negócio? Sim, mas entra um bichinho aqui que não desliga. Meu filho nasceu um mês depois do lançamento da Eletrocooperativa. Para mim foi uma experiência muito intensa em todos os sentidos.
P1 – Você falou um pouco de como é que você vê o futuro, fez algumas relações falando da criatividade, com tudo isso que você contou um pouco para a gente essa tarde, qual o seu sonho?
R – Meu sonho é um futuro mais humano. É isso que eu busco, [que] o ser humano seja mais humano. Seja mais alegre. Acho que a alegria tem que ser uma coisa cultuada, porque a alegria é a energia da expansão, o tempo todo. Um futuro, acima de tudo, onde a gente possa ter paz de espírito. Esse é o futuro que eu sonho para os meus filhos, que eu sonho para a humanidade. Trabalho no dia a dia para tentar fazer a minha parte nesse caminho.
P1 – Está certo. O que você acha dessa iniciativa de ter sido convidado para contar um pouquinho da sua trajetória de vida e da sua relação com o Santander, dessa vontade do Santander se entender enquanto identidade, enquanto história, através da trajetória de parceiro, de colaborador?
R – Uma pergunta difícil essa, eu vim porque não estava muito claro. Eu gosto de coisas quando não estão muito claras. Vamos lá. Acho que essa não clareza desse processo foi, no mínimo, interessante, porque é um processo investigativo. Acho que está aí a riqueza de que isso possa ser de alguma forma, isso possa levar a uma reflexão verdadeira. Porque nós temos obrigação, sim, de fazer as empresas mais humanas. Ainda mais uma empresa de serviço que é 100% dependente de pessoas. O entendimento dessas relações humanas, quem são as pessoas que aqui estão, que tipo de perfil essas pessoas têm, como é que a gente está interagindo com elas, o que elas estão deixando aqui, o que eu não estou conseguindo conectar com essas pessoas nesse sentido. O que eu estou privilegiando. Acho que tem uma visão muito grande. Um dia um amigo meu me perguntou: “Pô, eu estou querendo fazer inovação na minha área. Como é que eu faço?”. Eu falei: “Eu já estive na sua posição, gerindo orçamento dentro de organização. É o seguinte: pegue 20%, 15%, 10% do seu orçamento e contrate só gente que você nunca contratou, para fazer coisas que você nunca fez”. Porque, com certeza, 10% do seu orçamento da mesma pessoa, você tem no longo prazo - vocês estão fazendo. Eu tinha contrato de coisas novas. Experimente coisas novas. É um exercício fundamental que os analistas precisam fazer, porque elas têm uma capacidade de interagir nesse processo muito grande. As pessoas têm muito medo, de continuar fazendo tudo do jeito que está e acha que vai mudar alguma coisa. Não dá. As coisas não vão mudar fazendo tudo do jeito que está. Como é que a gente faz? Aos poucos. Não dá para sair do muda tudo. Muda tudo não existe. Não consegue fazer uma coisa como essa. Como você vai modificando? Nada melhor numa empresa que vive realmente uma lógica orçamentária, você começar a usar o seu orçamento para fazer esse tipo de coisa. Nisso, eu acredito bastante. São práticas. Não para fazer besteira, que ninguém está aqui para [isso], mas começar a interagir de uma forma diferente com a sociedade. Encontrar as emergências, poder dialogar com elas. Uma organização não tem noção da sua força. Eu digo porque já estive e saí; já estive do outro lado. Mas um gerente de uma organização, o superintendente de uma organização não sabe a sua força de transformação econômica e social. Não entende. Não entende mesmo. Hoje eu recebi uma mensagem lá da ItsNoon de uma pessoa que mora em Petrópolis, que ganhou uma chamada criativa. O nome dela é Heloísa, e ela estava falando - ela passou uma mensagem muito bonita. Ela é uma pessoa [que] tem 47 anos de idade, separada, não tem marido. Acho que tem um filho. Ela optou por fazer educação de frente ao filho, perto do mato. Ela estava completamente desconectada, não tinha como ganhar dinheiro. Ela estava numa situação complicada e o fato de ela começar a participar da chamada criativa, e ela começar a ganhar 300 [reais], 600 reais por mês. Ela começa a dialogar com a sociedade e perceber que ela tinha essa voz de uma pessoa inteligente que estava presente na sociedade. “Vocês não estão só distribuindo dinheiro, vocês estão distribuindo amor, inspiração, alegria, todos os nossos valores”. Ela falou: “Isso tudo dentro da minha casa. Está tudo dentro da minha casa”. O que ela fez para a empresa, o “feedback” que ela passou para a empresa que ela estava trabalhando, é uma coisa incrível. Seiscentos reais. Os dois. Você desenvolver uma coisa comercial, o impacto que você consegue chegar na multidão, de conseguir estabelecer uma relação ganha-ganha [que] está todo mundo satisfeito. Sem ser piegas, mas [é] como você chegou no lugar certo. E a gente estava pensando só em jovem. Entrou uma figura jovem [de] 47 anos de idade, está lá, mas jovem naquele padrão meio que a gente vê. Você fala: “Pô, vale a pena continuar dessa forma”, na luta de fazer a inovação num país [que] acha que tem que importar a sua inovação e que você está realmente inovando com as pessoas. É onde você articula esse processo. Acho que a minha mensagem é muito voltada para um futuro que é agora. Eu tenho muito medo desse papo de futuro, futuro. Quando eu falo de um futuro melhor para as pessoas, é a gente fazer no dia a dia que as pessoas estejam melhores, que a gente desacredite das coisas que estão nos fazendo mal. Por que a gente não se libera do que nos faz sofrer? Como a gente vai trabalhar isso? Que movimento é esse? Algumas dessas coisas não são fáceis. Se eu estou fazendo um movimento sozinho, começa a chegar outra pessoa, organizações grandes, como o Santander, e tantas outras. Começam a trabalhar com algumas causas que são fundamentais para a sociedade, não só do ponto de vista de reposicionamento, mas de realização. Inclusive, de negócios. Uma coisa que vai ter que ser discutida hoje no país, que é sindical, uma coisa objetiva: um emprego são dois postos de trabalho. Um emprego custa dois trabalhos. Só tem uma pessoa empregada enquanto podiam ter duas trabalhando. Essa é a realidade do nosso país. Enquanto a Europa está dizendo: “Esse modelo não funciona”. A gente está esperando: “Deixa a coisa virar ‘frangalhos’ para a gente tomar alguma decisão”. Um processo ganha-ganha do ponto de vista de essência, que é a excelência prestadora da empresa. É um trabalho de longo prazo, não vai começar agora, mas estou dando um exemplo. Uma reforma completa da forma como a gente trabalha. Os jovens já não querem mais isso. Para as organizações, isso custa muito caro. As pessoas estão frustradas. Esse paternalismo não nos leva a lugar nenhum. Por que você não cria um esquema mais fluido? Mas enquanto o Reinaldo está falando, me mostrando que é possível, é uma coisa. Enquanto o Santander, eu começo a pensar isso de uma forma um pouco mais estruturada de como vai ser esse futuro. Mais cedo ou mais tarde tem que resolver. São coisas como essas, são brigas boas que a gente precisa comprar.
P1 – O que você achou de sentar aí e contar um pouco da sua trajetória de vida nessa tarde?
R – Foi quase uma terapia - não lacaniana porque eu não estava no divã. Foi bom. Acho que foi bem conduzido, sutil, gostoso.
P1 – Em nome do Santander e também do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua entrevista.
[Fim do depoimento]
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