P1- Boa noite, eu vou pedir, inicialmente, para a senhora, registrar seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Isis Maria Quesado Soares Magalhães, um longo nome. Eu nasci em Fortaleza, Ceará, em 16 do 11 de 55.
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R - Antonio Pedro Soares e Maria Quesado...Continuar leitura
P1- Boa noite, eu vou pedir, inicialmente, para a senhora, registrar seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Isis Maria Quesado Soares Magalhães, um longo nome. Eu nasci em Fortaleza, Ceará, em 16 do 11 de 55.
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R - Antonio Pedro Soares e Maria Quesado Soares.
P1 – Qual a atividade profissional dos dois?
R - Meu pai era agrônomo e minha mãe, médica.
P1 – Qual a origem da sua família? Era ali do Ceará mesmo?
R - É. Os dois nasceram no Ceará.
P1 – Os seus avós também?
R - É. A família já era de lá.
P1 – A senhora falou que tem irmãos. Quantos?
R - Nós somos quatro. O mais velho, Carlos, é engenheiro. Eu sou a segunda, sou médica, a terceira é arquiteta, o quarto é engenheiro e uma agrônoma.
P1 – Que nem o pai?
R - É.
P1 – A senhora falou que veio para Brasília muito cedo. Com quantos anos a senhora veio para Brasília?
R - Estava em torno de 15 anos. Meu pai foi transferido para cá, para uma função no Ministério da Agricultura. E meu irmão mais velho já estava aqui, porque tinha passado no vestibular de Engenharia Elétrica. Então, terminou que minha mãe, mesmo tendo clinicado 25 anos em Fortaleza, topou vir. A idéia era justamente essa, porque ele achava que os filhos gostavam de estudar e que seria mais interessante realmente que a gente terminasse a formação aqui. E daí, ele terminou aceitando esse convite para vir trabalhar aqui no Ministério.
P1 – Vou voltar um pouquinho, então, porque eu achava que a senhora veio mais nova pra cá. 15 anos já tem muita história. A sua infância então vai ser em Fortaleza?
R - Isso.
P1 – Como que era passar a infância em Fortaleza naquela época? Ia praia?
R - Não, não. Na verdade eu tive uma infância muito... Minha trabalhava como médica, os dois trabalhavam como profissionais e nós tínhamos uma vida assim muito de estudo. Nós éramos realmente muito dedicados ao estudo. Como minha mãe trabalhava fora, ela não permitia muito essa coisa de viver na vizinhança, brincando. Era mesmo rigoroso, dentro de casa. Realmente, eu lembro pouco de Fortaleza. A não ser as saídas de fim de semana, com a família inteira, na praia. Mas eu lembro muito bem, também, que eu, às vezes, preferia ficar em casa, nos deveres de escola. Realmente, eu gostava muito de estudar, tanto é que nós chegamos aqui em Brasília, logo depois veio o segundo grau, vestibular e eu não tive nenhuma dificuldade. Mesmo tendo vindo de lá, Nordeste. A princípio o pessoal pensava que o estudo não era bom, mas eu meio que faturava lá.
P2 – Você sempre estudou em escola pública?
R - Não. Era escola privada. Era escola de freiras. Peguei uma fase muito interessante lá, em que eles estavam despertando para essa coisa de preparar os estudantes para, não só pra normal, que antigamente tinha, mas pra científico, pra ser profissional mesmo. Então, a escola foi uma escola muito interessante.
P1 – Como é essa transferência de Fortaleza pra cá. Sair de Fortaleza e de repente vir morar em Brasília? Como você se sentiu?
R - Pra nós foi muito bom, muito interessante, porque era como abrir horizontes. A gente mesmo muito jovem, de repente você vai para uma escola lá, conhecer gente de todos os lugares. O interessante de Brasília é isso, porque ela agrega gente das várias regiões. Então, foi muito interessante, de repente, conhecer gente de todas as regiões do país. Minha melhor amiga na escola era do Rio Grande do Sul. Foi muito bom isso tudo. Terminei conhecendo, fiz vestibular aqui e passei pra medicina. Não é que foi fácil, mas assim, na primeira vez. Na época foi muito feliz para o meu pai e minha mãe, porque eu terminei passando no primeiro lugar geral de medicina. Era o quinto lugar da UNB inteira. Então, foi assim, pra família foi muito interessante. Mas pra gente, Brasília sempre foi essa coisa assim de descoberta, de conhecer pessoas. E terminei conhecendo o meu marido na Universidade. Ele é de São Paulo.
E eu nunca mais retornei a Fortaleza. Fiquei só aqui e as nossas viagens eram sempre pra São Paulo, interior de São Paulo. Ele é de Lins. Eu fui retornar a Fortaleza quando estava já com três filhos. É como se eu tivesse nascido aqui em Brasília. Não guardei da primeira infância muita coisa.
P1 – E nessa vida aqui em Brasília, quando você chega, vai estudar aonde, você lembra?
R - A gente, já tinha segundo grau no Pré-universitário. Mas que na verdade, primeiro, segundo e terceiro colegial fiz lá.
P1 – E como era o grupo de amigos aqui. Você de fora conseguiu fazer um bom grupo de amigos, turminha?
R - Na verdade, o esquemão da família continuou o mesmo. Nós não podíamos sair sozinhos. Nós só saíamos com meu irmão mais velho. De qualquer forma foi uma grande evolução: nós podíamos sair. Já era alguma coisa. E ele como já estava aqui em Brasília e já tinha os colegas lá da engenharia, terminou que a gente saía junto. Foi uma fase interessante, um pouquinho mais de liberdade.
P1 – Como que era naquela época? Sua via muito de estudo, família um pouco rigorosa, muitos estudos, mas não tinha uma paquera? Como que era essa época?
R - Foi muito interessante.
P1 - Conta pra gente.
R - Teve sim. Na verdade, exatamente porque nós éramos tão mocinhas, era uma novidade. E sempre teve as paqueras lá dos meninos da engenharia com a gente. Isso aconteceu, é muito interessante. Mas namoro, namoro mesmo, só depois na faculdade. O negócio era bravo.
P1 – E a UnB? Você vai pra UnB fazer medicina. Uma pessoa que está acostumada a estudar, família, chega na UnB, Universidade. Conta pra gente como que foi.
R - Muito bom. Essa descoberta, conhecimento. E eu comecei a gostar de conhecer pessoas, porque eu tinha um temperamento, que eu falo que é de gênese, genética, mais tímida. Mas eu achei tão interessante conhecer pessoas que fui acho que vencendo um pouco essa timidez. E conhecendo grupos de pessoas. E eu tinha também uma idéia de que não importava se o primeiro impacto de uma determinada pessoa que eu conhecesse. Quanto mais parecesse uma pessoa fechada, mais eu tentava conhecê-la. Exatamente por isso, porque as pessoas à primeira vista podem afastar, mas que tem, cada uma tem algum a coisa pra te ensinar. Foi mais ou menos isso assim, sabe? Então, todo o tempo de faculdade teve essa. Eu me dava bem e conversava com todos os grupinhos, porque tem os grupinhos assim. Eu me dava bem e tinha entrada em todo seles, porque eu gostava de conhecer e de respeitar as pessoas. Ver o que elas tinham de interessante, porque sempre tem o que aprender. Essa era a tônica que eu tomava.
P1 – Voltando um pouquinho. Você falou que passou no vestibular pra Medicina. Como foi essa escolha pelo curso de medicina? Foi uma coisa que veio desde criança, veio pela sua mãe? Influência em casa?
R - Foi inicialmente difícil, porque eu gostava muito das ciências exatas. Eu era boa de matemática, de física, de química. Eu dei aula de química no quinto ano de medicina. Dei aula por ano e pouco no segundo grau da Fundação Educacional, do Distrito Federal. Eu gostava muito. E de repente fazer uma profissão que não é tão exata assim. Mas, eu lembro que foi uma decisão difícil, mas eu tinha uma coisa comigo: eu queria uma profissão que eu pudesse realmente usar pra fazer algo pelos outros. E aí decidi, por causa desse item, porque eu achava que com medicina eu pudesse. Apesar de eu temer a minha timidez, tanto é que na escolha da especialidade, por bom tempo eu achei que ia fazer anatomia patológica. Porque eu ficava no microscópio, ali quieta, fazendo necropsia de quem já morreu. Aí, de repente, eu achava que ia ter dificuldade de me comunicar com as pessoas, numa clínica. Mostrar confiança, segurança pra uma família. Eu tinha um certo temor a esse respeito. Mas, depois eu vi que não. Lá na residência, no quinto ano, no internato eu vi que não. Que eu gostava muito das pessoas e que eu ia conseguir assim compreender. E bastava que você tivesse bastante conhecimento e segurança naquilo que você faz, que a relação interpessoal com o doente ia se resolver. E realmente isso aconteceu.
P1 – Isso aconteceu no quinto ano, quando a senhora estava dando aula. Dar aulas aproximou essa, isso acendeu em você essa possibilidade de humanizar mais?
R - Isso foi interessante. Essa coisa de dar aula, de repente enfrentar uma sala de aula de adolescentes, de primeiro ano de segundo grau. Mas foi bem. Eu passei a vida nessa coisa de enfrentar os desafios. Isso minha mãe ensinou, porque nós todos somos de gênios mais tímidos. Meu pai era tímido, minha mãe também. E eu lembro que sempre no tempo de escola era difícil essa coisa de apresentar trabalho. A voz não saía. “Isis, fala mais alto” Aquela coisa. E ela nunca me deixou desistir. Às vezes, você não queria fazer a apresentação na escola, aquela coisa de desistir. E ela, não: “enfrente, enfrente”. Isso me ajudou a vida inteira, porque mesmo assim eu fui fazendo o que tinha que fazer. É lógico, que a energia que você gasta é muito maior do que aquela pessoa que não tem timidez e que gosta daquilo. Ela faz com mais facilidade, eu faço com mais dificuldade. Mas faço. Não fugi de nenhum desses desafios de apresentar, de dar aula, de apresentar, de falar em congresso. Em tudo continuei e fui mesmo. Agradeço a minha mãe, porque ainda bem que ela não me deixou desistir desde o começo. Se não...
P1 – Se não estava na autópsia.
R - Se não, estava lá.
P1 – Doutora, a sua primeira atividade profissional foi lecionar. Ficou pouco mais de um ano na Fundação. Depois você deu uma paradinha e começou...
R - Depois já estava no sexto ano e a gente já tinha plantão pra dar. Não dava mais, porque as aulas eram à noite. Então, pedi demissão. Aí já entrei no internato. Foram dois anos de residência médica em pediatria. Eu me decidi pela pediatria. E depois da pediatria, no final da pediatria, eu lembro que o meu chefe – era aqui no Hospital de Base do Distrito Federal, era uma unidade de pediatria muito rica de pacientes, muito interessante, um grupo de staff muito bem formado – e o Doutor Oscar Moren, meu chefe, me chamou e disse: “você já decidiu que especialidade você vai fazer?” Eu respondi que não. “Porque você tem que se diferenciar. Dentro da pediatria, você tem que se diferenciar”. E na época surgiu uma vaga pra hematologia, as doenças do sangue. E poderia entrar quem tivesse feito pediatria ou clinica médica. Eu achei que a hematologia ela talvez pudesse juntar as duas coisas, de fazer clínica e também estar no microscópio fazendo morfologia. Você vê o sangue. Então, eu me decidi pela hematologia pediátrica. Foi ai que tudo começou. Mas no serviço, na parte de onco estava muito ruim ainda. As crianças eram vistas por oncologistas de adultos. E quando eu fiz hematologia, eu então fui fazer estágio no hospital do câncer em São Paulo, pra que eu visse também a parte de câncer hematológicos, leucemias e linfomas. E depois eu fui formando uma equipe de profissionais, para que nós pudéssemos fazer toda parte de hematologia e oncologia pediátrica. Por que é junto? Porque, mais ou menos, 45%, quase a metade dos cânceres em crianças, são cânceres de origem hematopoético, sistema formador do sangue. Então, é o hematologista que vê. Normalmente em pediatria, a especialidade de hematologia e de oncologia vão juntas. E eu terminei, essa foi a grande objetiva à qual eu me dediquei toda a vida. Porque era fazer, formar um serviço que tivesse qualidade dentro do Distrito Federal. Porque na época, Brasília era assim: qualquer pessoa que tinha uma doença mais séria, tinha que sair de Brasília. Não sei se vocês vivenciaram essa época. Porque os serviços não tinham tradição. E a idéia era montar. Eu comecei quando vim de São Paulo pensei que tinha que aprender a montar serviço. Não adianta o médico sozinho achar que ele é oncologista e que vai tratar crianças. Você tem que formar equipes multidisciplinares, e essas pessoas trabalharem juntas pra que você consiga dar um atendimento de qualidade. Só que eu queria fazer isso na rede pública. Então, você imagina como que foi muita batalha. E tinha convicção que ia fazer isso na rede pública, porque Brasília tem uma rede pública muito interessante. É uma rede pública que tem um modelo estruturado dela é muito bom, é uma visão meio socialista de saúde para todos. E o paciente tem um acesso à rede primária de atendimento muito fácil nos centros de saúde. E ali ele tem um atendimento estruturado em complexidade de doenças. Não são hospitais independentes como nos outros Estados. São hospitais que se complementam. A forma da estrutura do sistema de saúde de Brasília dá pra se fazer muita coisa. E ainda é o sobrevivente da saúde pública neste país. E a gente achava que conseguiria fazer dentro dela uma estruturação pra um serviço de oncologia e hematologia pediátrica. E eu ficava me testando se o serviço estava bom: “se fosse meu filho, você
vai tratar em tal lugar?” Então, eu ficava me testando até chegar ao ponto em que disse: “se fosse meu filho, eu fico aqui com a minha equipe”. Então já está ficando bom.
P1 – Vamos voltar um pouquinho. Você se forma em que ano?
R - 79.
P1 – Da turma de 79. E ali em 79, qual a expectativa? Você me contou um monte de coisas, mas você se forma em medicina e você olha “e agora? Pra onde eu vou?” Você imaginava que terminaria em oncologia pediátrica?
R - Não. Claro que não. Quando a gente se forma é a coisa: residência em quê? Foi essa grande dúvida se fazia anatomia patológica, se fazia alguma especialidade clínica.
P1 – Essa dúvida se manteve após a formatura?
R - É. E no finalzinho do sexto ano eu me decidi pela pediatria. Foi dura a decisão. E eu já tinha passado no concurso de pediatria, que era super difícil. Doutor, o chefe, Oscar Moren. Ele era extremamente radical de não aceitar para a residência dele mulher e se fosse casada nem pensar, porque ele imaginava que a pessoa podia engravidar e tal. Então estudei tanto para essa prova e residência, porque eu tinha que passar em primeiro lugar, porque não tinha jeito dele me eliminar na entrevista. E, realmente, assim, na entrevista ele ainda me perguntou, porque eu casei em 78, então. Ele falou: “mas você tem compromisso?” Eu falei: “não, eu sou casada”. “Mas e se você engravidar?” Eu falei: “eu tenho estrutura familiar para não abandonar a residência. Eu não pretendo ter filhos agora, mas se eu tiver, eu tenho estrutura familiar”, porque minha mãe, minha família estava aqui e eu sabia que ia contar com eles, não abandonaria de jeito nenhum.
P1 – Teve que ser durona?
R - Tive que ser durona, e, realmente, entrei e a gente fez uma muito boa residência no Hospital de Base.
P1 – Seu esposo acabou caindo para que lado da medicina?
R - Ele fez oftalmologia.
P1 – Oftalmologia?
R - É. O que foi uma especialidade boa então para nós. Por quê? Porque eu nesse idealismo de me dedicar a saúde pública, ia ficar muito difícil, os dois. E, ele foi para oftalmologia, que é uma especialidade mais interessante do ponto de vista de praticar medicina privada. Tem mais retorno, logicamente. Então a gente fez uma dupla boa.
P1 – O pobre e o rico?
R - Nossos filhos falam: “mãe, você trabalha muito mais que meu pai. Mas que é isso?”. E você não tem retorno. Então, o pai diz sempre assim: “não mas, é, quando eu morrer, vou deixar, chegando lá, São Pedro vai perguntar: você fez alguma coisa por alguém? Eu não fiz, mas a Isinha fez, e eu que dei condições para ela fazer”. Então, realmente, no começo ele achou difícil essa escolha que eu fiz, da pediatria, e depois da oncologia, hematologia pediátrica, uma coisa que exigia muita formação, muito estudo. E eu tinha que trabalhar no banco de sangue, junto com a Doutora Petrucelli, que era chefe, uma italiana muito brava, então falava muito alto. Falava: “mas como você vai dar certo nessa hematologia? Esse povo gritando e você fala baixinho”. Então, como ele fala, no começo ele tentou me remover dessa idéia, mas depois, como ele viu que eu gostava tanto, ele falou: “não, só me resta apoiar”. E, realmente, eu devo esse apoio logístico, porque eu pude ir fazer formação fora e, assim, sempre com o apoio dele. Os congressos, você sabe que na rede pública, nós não temos esse suporte financeiro para ir pra congresso, congresso no exterior, isso é muito difícil.
P1 – Às vezes, a UnB até ajuda. A universidade, às vezes, diz não?
R - Às vezes, mas com o apoio dele mesmo, reconhecendo o que eu precisava, todos os meus crescimentos. E aí eu terminei depois, fazendo parte de um mestrado na Inglaterra, tive que ficar alguns meses lá, trabalhando em laboratório e o suporte financeiro foi de casa mesmo. E sempre, ele deu esse apoio, essa compreensão, de que eu precisava, e sempre gostei de assim, agregar assistência. Então assistência de qualidade eu queria, de qualquer jeito, mas a gente entendeu que o nosso serviço tinha que ser um serviço que desse assistência, mas que fosse um centro formador. Que desse ensino e que se envolvesse em pesquisa, porque eu acho que esse tripé é que dá sustentação para o serviço, é que faz crescer, que estimula. Que estimula o crescimento. Então, esse contato com aluno, sempre foi muito agradável para mim, sabe? Eu gosto de ter o residente do teu lado, te perguntando. É muito interessante, é o que faz você crescer.
P1 – Deixa eu perguntar, em linhas gerais, você passa no Hospital de Base para a área de pediatria, depois você vai para São Paulo, fazer um estágio, na área de hematologia e lá você conhece a oncologia, seria isso?
R - Isso.
P1 – Quando é que você entra em contato com a oncologia pela primeira vez? Em que ano?
R - Não, aqui na residência a gente já tinha o contato com as crianças com câncer, mas acontece que nesta época era muito triste o panorama, muito. Então, você via o médico de adulto chegava e falava assim: “melhore as condições dessa criança para começar uma quimioterapia”. Ora, mas o que estava deixando as crianças naquela condição é o câncer, não tem jeito de melhorar as condições dela sem tratar o câncer. Mas os protocolos dos adultos não se adaptavam para criança. Então era horrível, assim, por um momento, eu fiquei assim, desanimada de ver as crianças indo ao óbito. Então, além de não ser um volume grande, porque os pediatras não pensavam em câncer e não mandavam muito, na verdade, eles olhavam a criança para morrer. Era assim o panorama quando eu comecei. E, eu acho, que a experiência no Hospital do Câncer foi muito interessante, porque eu vi um serviço já estruturado, com equipe multidisciplinar e já mostrando resultados bons. E os centros internacionais mostrando resultados bons, que era possível salvar algumas daquelas crianças, mas para isso você tinha que trazer modelos de tratamento de lá. Mas não adiantava eu chegar com o protocolo debaixo do braço e aplicar.
P1 - Precisava adaptar?
R - Não, porque eu tinha que ter equipe de suporte. Eu tinha que ter transfusões de sangue, de plaquetas, que na época era difícil. As crianças agravavam, então foi um conhecimento, aí eu falei: “não, mas a gente tem que fazer aqui”, porque é um câncer rápido, sistêmico, grave, mas ele responde bem a quimioterapia. Mas não é quimioterapia como se faz para adulto, é quimioterapia extremamente intensiva. Então os efeitos dele também são muito graves, são infecções graves, precisa muita transfusão de sangue e de saber manipular, que a gente chama de “tratamento suporte”. Então tinha que melhorar todo este suporte, para poder aplicar os tratamentos quimioterápicos do momento, que estavam saindo, que eram intensivos. Então, você só trata se for intensivo, só cura se for intensivo. E para ser intensivo você tinha que ter suporte, então foi essa a grande luta.
P1 – Quando foi essa época que você fica lá no Hospital do Câncer? Você lembra?
R - 80, 81. Deixa eu lembrar. 79, aí 80 eu entrei em pediatria, 82, 83, foi 85.
P1 – 85. E retorna a Brasília? Como que é esse retorno?
R - Então, aí foi muito interessante. Porque aí você tinha que fazer um trabalho de convencimento das pessoas. Aí você chega animado que viveu outra experiência e de repente as pessoas: “ah Mas isso aqui não dá pra fazer aqui não”, sabe aquela coisa assim? E você tinha que convencer que era possível. A gente tinha que convencer o médico da UTI a receber as nossas crianças. Na época eles não recebiam criança com câncer, porque achavam que não tinha chance. Então não ia ocupar o leito com uma criança sem chance. Então, foi toda uma mudança de mentalidade, que você teve que bater assim, até conseguir convencer que era possível. E que você tinha que fazer. Mas eles perguntavam: “qual é a doença de base?”, a criança estava com uma septcemia, infecção generalizada, “é septcemia? Então bota na UTI”, “mas qual é a doença de base?”, leucemia, já não queriam me dar a vaga. Então foi todo esse trabalho, constante, para conseguir mudar a mentalidade das pessoas. Até que hoje, agora, eles ficam impressionados com o tanto de criança que a gente consegue tirar e eles falam: “puxa, Isis, e a gente não acreditava na época, né?”. Foi preciso assim, aposentar aquele pessoal mais velho, chegar cabeça nova, do nosso tempo de residência, foi assumir postos para a gente poder convencer.
P1 – Que era possível.
R - Que era possível.
P1 – Adiantando um pouco, já que você falou que foi um longo trajeto, de muitas conquistas em cima disso aí. A gente entrevistou a Rosa. E a Rosa citou bastante seu nome, contou um pouco da história de como vocês se conheceram, como é que você se meteu no Criança e Vida. Foi até interessante. Como é que foi o Criança e Vida dentro desse processo todo? Você está falando de construção, dessa nova forma de encarar o tratamento do câncer infantil, qual a importância que tem o Criança e Vida? E como é que você cai nessa história?
R - Bom, uns dois anos antes, a gente tinha estado em uma reunião. Bom, disso a gente já entendia, que em oncologia pediátrica você tem que trabalhar em cima de protocolos, não adianta eu tratar aqui em Brasília dez crianças de um jeito, o outro em Recife doze, o outro em São Paulo, sei lá, cinqüenta, isso não conclui nada, não evolui nada. Então a experiência internacional já tinha mostrado que o sucesso era centralizar as ações em um centro especializado e seguir protocolos uniformes, para que você pudesse concluir no final de três anos, você tem o quê? 400, 500 crianças tratadas de uma única forma, aí você conclui se está bom, esse não está bom, toxidade assim, toxidade assado, vamos mudar isso, mudar aquilo, propor, evolução, entendeu? Então isso que eu enxerguei, e você participando desses protocolos cooperativos, nós começamos a ver, por exemplo, se eu estou escrevendo meus doentes no protocolo cooperativo brasileiro, que seja, e eles têm tudo em protocolo, os diagnósticos têm que ser esses, o tratamento assim, assado. E você está com outros serviços que estão mais adiantados você consegue enxergar as deficientes do teu, e você sabe onde você deve chegar. Então, eu sempre procurei participar dos protocolos cooperativos e uns dois anos antes nós tínhamos estado em uma reunião em Londres com a doutora do Instituto Nacional do Câncer, pesquisadora, doutora Socorro Pólo. E nós estávamos fazendo parte de um estudo epidemiológico de leucemias em crianças pequenas, em lactentes, e na época, eu lembro que ela tinha falado que era muito, ela estava tentando formar uma central de diagnóstico, para que todos pudessem mandar as lâminas para lá, confirmar diagnóstico, ter um diagnóstico também uniforme. E nessa época nós não conseguimos, e aquilo ficou na cabeça. Quando a Rosa apareceu lá no hospital, falando que era da Fundação Banco do Brasil e que havia esta demanda e que ela queria conhecer sobre oncologia pediátrica. Sentamos, eu e o doutor José Carlos Cordas, que era meu grande companheiro de luta, também nessa luta, em frente a Rosa e a gente conversou. Inicialmente eu achei que era um projeto, algum recurso para alguma coisa aqui, no Distrito Federal, mas depois ela disse: “não, é um projeto nacional”. Quando ela falou que era um projeto nacional, o que a é a oncologia, então eu falei o nome dos oncologistas mais antigos, que já estavam construindo, doutora Sílvia Brandalise, de Campinas; doutor Sérgio Petrile, em São Paulo; doutora Núbia Mendonça, em Salvador. Iniciadores, que foram nossos mestres e tudo. Pra ela conhecer e me veio a idéia, falei: “não, o que precisa é melhorar diagnóstico no Brasil. Não adianta a gente tentar fazer protocolo cooperativo, se nós não sabemos se nós estamos tratando a mesma doença”. Porque nessa época, você já não fazia, saía no mundo inteiro assim, você não ia diagnosticar leucemia só pela forma da célula que você via no microscópio ótico. Já tinha testes imunológicos, moleculares e genéticos. Quantos serviços no Brasil faziam isso? Quase nenhum. Então já se sabia que leucemia, aparentemente que tinha a mesma cara, a célula era igual? Na verdade elas escondiam uma diferença entre elas. Um diagnóstico mais preciso as diferenciava. E se as diferenciava, eles deveriam ter tratamentos diferentes. E isso ia repercutir lá na sobrevida da criança. Você individualizava mais o tratamento. E aí você trata mais ou menos conforme essas características imunológicas, genéticas, moleculares, dessas leucemias. Eu falei: “nossa O que precisa é diagnóstico, Rosa” Se a gente pudesse formar centrais conforme lá em Londres foi falado, e que a gente não tinha nem recurso, nem nada. O Projeto Criança e Vida, você imaginar que é uma instituição genuinamente brasileira se preocupando como estão as crianças com essa doença no país. Foi assim muito fascinante, poder ter contribuído, trabalhado para estruturar a forma como foi feito. E o que foi mais interessante é isso. É diferente: “constrói ali um hospital”. Não. Foi estudado qual era o panorama da criança com câncer no Brasil naquele momento. Foi-se atrás de como trata, quem trata, quem são as pessoas que estão envolvidas, quais são os atores, que era como eles chamavam. Aprendi muita coisa, viu, com o pessoal da Fundação Banco do Brasil. Então, como foco, ficou a história de melhorar diagnóstico e também a gente poder trabalhar melhor nesses protocolos cooperativos. E pra isso, quem eram os dirigentes desses protocolos cooperativos, eles ficavam na mão de um médico interessando naquela doença e sem nenhum apoio logístico. Nós entendemos que a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica – Sobope, que tinha sido criada na década de 80 e eu considero que foi o primeiro grande marco a estruturação da Sobope. E o segundo grande marco que eu considero o Programa Criança e Vida.
P2 – Bom, doutora, a senhora estava falando do papel da Fundação Banco do Brasil, que seria o segundo grande marco no panorama da oncologia nacional.
R - Acredito que sim. Como estamos falando de uma época em que saíram esses exames que melhoravam o diagnóstico, e quais os serviços no Brasil que tinham acesso a isso? Praticamente nenhum. Talvez menos de 5%, que eram os grandes centros em São Paulo. E o resto tratava-se simplesmente com a morfologia. Então, eu acho que foi aí que começou. A Rosa passou a visitar os lugares, compreender um pouco melhor. E ela compreender como era esse processo da criança ser diagnosticada e se montou quais seriam as linhas de ação. A primeira ficou mesmo a de montar centros de diagnósticos em várias regiões e esse incentivo aos estudos cooperativos, melhorando as estruturas e instalações da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. Por que a Sociedade? Porque seria aquela instituição, seria um supra-institucional. Não é ninguém que vai controlar a ação dos outros centros, mas todos. A sociedade era a representação de todos, todos os profissionais. E a idéia era lá na sede, em São Paulo, se montar uma central informatizada de oncologia pediátrica, para que facilitasse esta comunicação e essa inscrição de pacientes em protocolos cooperativos. Eu digo que a Fundação Banco do Brasil foi uma enzima catalisadora, de colocar os atores sentados e conversarem de que forma fazer as coisas, “todo mundo concorda que é isso?” “É isso” Então de que forma que vamos fazer isso. Foi muito interessante isso aí. E depois melhorar os centros de tratamento, qualidade da assistência, propriamente dito. E apoiar a capacitação dos médicos. Eu sei que a criança se beneficiou no final, mas eu acho que as equipes médicas foram as grandes beneficiadas. De saber que podia, tinha alguém ajudando pra que a gente sentisse que melhorávamos a nossa capacidade diagnóstica. Então, foi isso.
P2 – Doutora, a senhora fez parte da equipe. Mas qual foi seu papel específico? A senhora deu consultoria, ficou ajudando a Rosa?
R - Não. Teve essa conversa, não foi nada formal. Nesse primeiro momento não foi nada formal. Naquele momento, aquele entusiasmo de ajudar, conhecer. Depois foi constituído um comitê diretivo com os profissionais e eu fui convidada para fazer parte desse comitê diretivo, como representante da Fundação Banco do Brasil. O comitê diretivo foi montado de forma que tivesse os representantes do Ministério da Saúde, pra dar legitimidade às decisões, e representantes da Fundação Banco do Brasil. Então, eu fui convidada como representante da Fundação Banco do Brasil, para fazer parte do comitê diretivo do projeto.
P1 – Até então, até o contato da Rosa, você já tinha ouvido falar da Fundação Banco do Brasil?
R - Muito pouco. Acho que tem uns projetos culturais que a gente vê apoio Fundação Banco do Brasil. E tinha ouvido falar também que apoiou a estruturação do Centro de Transplante em Curitiba. A enfermaria do transplante, que foi o primeiro serviço de enfermaria de transplante de medula óssea público, no Hospital das Clínicas em Curitiba, eu sabia que tinha tido o apoio da Fundação Banco do Brasil. Era o que eu conhecia.
P1 – Você já falou do panorama do projeto, que era meio complicado. O projeto tinha uma estrutura mais nacional, mais ampla. Quais são as fases do programa que você enxerga durante a sua existência? O primeiro momento, qual a dificuldade? Depois quando ele se desenrola, qual a seqüência? Você tem como visualizar fases desse programa? Se desse para você pontuar momentos que você acha que são marcantes.
R - Acho que o primeiro foi esse estudo do panorama. Eu lembro que a gente tentava colocar formulários para os vários serviços, a gente tentava assim: “quais são os critérios que vamos usar pra poder conhecer melhor os serviços?”. Acho que foi um ponto interessante essa uma fase preparatória interessante, essa de montar como seria conhecer o panorama. Achei que foi muito rico. Depois teve uma fase, que eu chamo assim difícil, porque aí já entrou uma coisa de vaidade. Porque a gente tinha colocado um nome assim: Centro de Referência em Diagnóstico. E tem os grandes serviços já estruturados. Pra mim foi uma fase difícil, porque eu senti algumas pessoas que não compreendiam o programa como um todo. Algumas entendiam que o programa ia ter recursos financeiros “pra mim”, e eu via o programa como uma coisa do bem. Uma nova forma de pensar, que tinha começo, meio e fim. Vamos ver o panorama, quem precisa, quem precisa, como fazer, como manter. E depois como quantificar. Eu lembro muito dessa forma. Isso me serviu muito pro resto da vida. Desde então até no eu serviço eu quero saber como vou quantificar que eu melhorei. Porque tem a quantificação que você pode medir, mas na área médica tem uma série de outros que você não tem como quantificar. Que é subjetivo e que dificulta bastante a avaliação. Mas eu aprendi que você tem que tentar quantificar de alguma forma a melhoria. Então, eu acho que essa parte da formação, depois teve essa em que foi escolhido qual centro seria o centro de diagnóstico. Foi um pouco difícil. Depois eu até falei: “tira esse nome de Referência”. Porque um exemplo que eu senti muito, tinha o Hospital das Clínicas. Lá é um centro de referências, formador. Mas naquele momento o critério para receber os benefícios era que fosse 100% SUS. E o Hospital do Câncer tinha sofrido umas transformações. Eu nem sabia detalhes disso, fui entender depois. Na verdade me angustiava muito como ele não era um centro de referência. Magoou algumas pessoas. Mas no final, acho que foi amadurecimento para todos. E foi crescimento, principalmente para centros como o nosso que estavam se estruturando. Acho que os dois grandes, que eram lá de Fortaleza e aqui de Brasília, que eram serviços grandes, com volume grande de crianças e os profissionais não tinham apoio. Porque trabalhavam só em rede pública. Nós sentimos a grande diferença do apoio da Fundação Banco do Brasil.
P1 – Como que o Programa Criança e Vida vai ajudar a mudar esse panorama da oncologia pediátrica? Na forma geral o que ele vai trazer?
R - Na hora em que ele estimulou os protocolos cooperativos, dentro do Criança e Vida, por exemplo, como os médicos vão se reuniam para se organizar os protocolos? Pra discutir o protocolo? Desde o Criança e Vida passou-se a ter reuniões duas vezes por ano. Só de discussão de protocolo. Não é só um congresso de dois em dois anos, mas reuniões de discussão de protocolo cooperativo. Então, os protocolos para os vários tipos de doença, porque ninguém tinha apoio logístico pra sair daqui e ir pra São Paulo. A gente ia por conta própria, mas o pessoal do Ceará não conseguia ir. Então, se estruturou essas reuniões de grupos cooperativos duas vezes por ano. E ficou desde essa época, isso continuou. Os protocolos, as pessoas conseguem participar mais. E se você entra no protocolo, com certeza tua criança está sendo melhor tratada. Isso foi importante. E melhorar o diagnóstico, você lutar para melhorar o diagnóstico na tua região. Então, a criança ela vem pra Brasília e eu posso aqui dar o diagnóstico completo da patologia dela. Isso foi muito interessante.
P1 – Você diria que o Criança e Vida, ele de uma maneira você já falou que é um marco, mas diria que ele vai salvar muitas vidas?
R - Eu não tenho a menor dúvida disso daí. Eu acho que foi um despertar, da sociedade se reorganizar, continuar estimulando os protocolos cooperativos. Incutiu na cabeça dos vários serviços, porque na hora em que você põe critérios, o que é um serviço bom? O que é uma assistência de fato de qualidade e uma assistência humanizada para criança? Então, você desperta. E aí os serviços foram de fato beneficiados de melhorar o atendimento, de receberam recursos de aparelhagem, de equipamentos pra melhorar os centros de tratamento. E alguns serviços estimularam: “o meu ambulatório não está bom. Isso é desumano o que eu faço com o doente”. E foram lutar por outros recursos pra construir um ambulatório decente. Esse eu acho que, mais do que o recurso financeiro em si, foi a mudança de mentalidade que ele trouxe.
P2 – Agora, doutora, quantos centros de referência foram criados com o Programa Criança e Vida?
R - Não, foram de diagnóstico. De centros de diagnóstico foram oito: Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Na nossa região não tinha nada público pra você oferecer. E agora tem.
P1 – Você tinha contato com funcionários da Fundação Banco do Brasil durante o projeto? Poderia citar alguns pra gente?
R - Muitos. Foi tão interessante vê-los assim falar a linguagem médica.
P1 – Bancários falando de medicina.
R - Nossa Muito bom. Eles pegaram de maneira muito rápida a logística de diagnóstico e tudo e eles se envolveram com muita paixão ao projeto. A Rosa, o Fumio, o Doutor Jaime, que já era médico, mas foi muito interessante. A Heloísa. Quem começou foi o Doutor Edson Soares, que era presidente. Nas primeiras reuniões, ele era bastante severo nas escolhas dos centros, tinha lá as razões. Mas ele procurava entender também da logística de tratamento das crianças. Eu lembro bem desse envolvimento. Mas assim, Rosa realmente me marcou, porque ela tinha um entusiasmo com o projeto que acho que transcendia os horários de trabalho que ela deveria ter na Fundação. Ela pegava horários dos mais loucos pra gente sentar e discutir coisas, porque era a hora que eu podia. Era fim de semana, noite, não importava. Muito interessante. E a gente por outro lado, também ganhou da organização, não só durante, mas mesmo depois do Projeto Criança e Vida. Porque a gente não é educado, como médico, não é educado para ser assim. Deveria, mas não é. E hoje eu vejo, chefiando meu serviço, que não tem jeito, tem que ter metas. Você vê muito no serviço público aqui. Eles não se organizam em metas, no que tem que fazer. É só apagando fogo. Aquela coisa que vai aleatoriamente. Tem que ter metas, onde você quer chegar a curto prazo, a médio prazo. Isso aí eu peguei bem.
P1 – Existe algum caso engraçado que você passou dentro do Criança e Vida? Alguma história curiosa, viagem? Alguma reunião com a Rosa, alguma coisa interessante pra contar pra gente?
R - O mais interessante que eu achava era ela estar totalmente incorporada nos diagnósticos, nos tipos de exame que tinha que ser pedido. Era muito interessante. E eu falava: “muito bem, doutora Rosa”. Ela sempre era a coisa mais interessante.
P1 – Como você avalia o trabalho da Fundação Banco do Brasil para o nosso país?
R - Então, gente, é assim: nem falar o que fizeram por nós, pela oncologia pediátrica, mas eu vejo uma grande chance de ser olhado, botar um olho no social e ver. Usar recurso, porque o recurso de vocês é próprio daqui e o nosso era tirado de seguros, da venda de seguros. Um percentual pequeno. Então, você vê que com pouca coisa, você consegue fazer muito. E você usar tecnologia organizacional que eu chamo, de planejamento, de operação, de metas que vocês têm, que eles têm, que são preparados pra isso pra usar em benefício do social, do outro, do menos favorecido. Isso sem dúvida.
P2 – Doutora, você comentou da preferência que o Projeto Criança e Vida deu pros hospitais públicos. Gostaria que você comentasse em linhas gerais o Banco do Brasil que é um banco público, estatal, Fundação Banco do Brasil e essa relação com os hospitais públicos. Pro público, as crianças, houve algum impacto? Qual o perfil dessas crianças?
R - Então, nós que somos 100% públicos, porque nos outros estados, fora o Ceará e o Distrito Federal e o Inca, no Rio de Janeiro que são públicos, nos outros estados, você tem algumas saídas. Eles são filantrópicos, privados e atendem SUS. Mas pra nós, 100% SUS, o nível sócio-econômico é muito baixo. Nós pegamos uma clientela, onde você tem 30 a 40% de pais analfabetos, sem emprego. Nós aqui no Distrito Federal recebemos 43% das crianças de fora do Distrito Federal, do interior de Goiás, Minas e Bahia que vêm tratar aqui. São pessoas com nenhuma ou mínima renda. E não é por causa disso que eles têm que receber tratamento com qualidade inferior. E isso é a grande coisa. Hoje, o tratamento que eles recebem, o protocolo que fazem é exatamente igual a um outro de outra classe social. Então, essa sensação de que você consegue dar pra essas crianças tudo o que elas precisam, que você está dando o melhor, isso não tem preço pra gente.
P1 – A senhora poderia traduzir nesse contexto, a Fundação Banco do Brasil em algumas palavras, dentro desse contexto que a senhora colocou de melhoria, de focar o social. Que seria a Fundação Banco do Brasil em poucas palavras?
R - Então, eu entendo assim: dentro de uma estrutura financeira, você ter um braço social, que se preocupa com o outro, com o pobre, com o desfavorecido. Uma coisa assim. Ele se preocupa e tenta trazer formas, cria projetos, cria formas de resolver esses problemas. É mais ou menos por aí.
P1 – Pra você qual a importância desse trabalho de registrar a memória da Fundação Banco do Brasil?
R - Ah, gente Fiquei tão feliz quando vocês falaram que estavam fazendo. Porque é assim, quando eu disse que o Projeto Criança e Vida teria cinco anos, tem começo, meio e fim e iria terminar. E eu lembro de a gente, estávamos eu e doutora Silvia falando com o doutor Rabelo, e eu disse: “Doutor Rabelo, o senhor não conhece os oncologistas pediátricos. Quando gruda no calcanhar de um, não quer soltar mais”. A gente ficava assim: “pôxa, já conseguimos fazer tanta coisa, não poderia terminar o projeto”. E até tentamos, mas não houve condições. De repente, você pelo menos guardar a memória do que ele foi, do que ele fez, é uma coisa muito gratificante. Não foi simplesmente uma coisa e acabou. Não. Ele fez, ele mudou mentes, ele proporcionou a melhoria de vida das pessoas, deu assistência, ele salvou vidas. Então isso não pode simplesmente passar e ninguém se lembrar daqui alguns anos do que foi feito. Então, vocês estão de parabéns.
P1 – Que você achou de ter participado dessa entrevista conosco?
R - Nossa, foi muito gratificante. Relembrar tudo isso e saber que realmente foi registrado esse esforço que foi feito. Eu tenho certeza de que os benefícios a gente está vendo agora: um número maior de crianças curadas e curadas com qualidade.
P2 – Então, nós em nome da Fundação Banco do Brasil e do Instituto Museu da Pessoa agradecemos a sua entrevista.
R - Eu que agradeço a oportunidade.Recolher