P/1 – Vou pedir o seu nome completo, local, data de nascimento...
R – Meu nome é Luiz Eduardo da Costa Borges, na companhia a turma me conhece por “Lebe”, se você perguntar pelo Luiz Eduardo da Costa Borges ninguém conhece. Eu nasci no Rio de Janeiro, em 1957, ainda era estado da Guanabara, ninguém se lembra mais, mas era, e que mais que eu tenho que falar?
P/1 – O nome dos seus pais e dos avós.
R – Ah sim, tá bom! Meu pai Luiz Fernando Borges...
P/1 – Sua data de nascimento também...
R – Em três de outubro de 1957, eu estou quase com 54 anos, faltam aí quatro dias. Meu pai era almoxarife, gostava muito de estudar, mas não tinha um curso formal. E minha mãe, Luiza Gomes da Costa Borges, professora nível normal, curso de normal, mas nunca trabalhou não... Em casa, meu pai é que sustentava a família toda, somos dois irmãos, eu Luiz Eduardo e ele Luiz Felipe com três anos de diferença.
P/1 – Conta um pouquinho a história dessa família, de onde vocês vieram.
R – Bom, meu pai e minha mãe são brasileiros, mas na verdade filhos de portugueses, portugueses agricultores, os quatro. As mulheres, vamos dizer assim, naquela questão mais de subsistência, pequena agricultura e os dois no vinho, bem tradicional de Portugal e vieram para o Brasil como a grande massa das pessoas que veio da Europa, uma recessão muito grande, agricultura em decadência, princípios de movimento de guerra, da Primeira Guerra. Interessante essa história, porque pelo lado da minha esposa, que vem de uma origem completamente diferente, ela tem poloneses, alemães e russos na família, e todos também na agricultura e vieram naquele processo de ou durante a Primeira Guerra ou no período de entre guerras. A avó dela, uma das avós dela, inclusive era Rússia Branca, que era um país que há 50 anos não existiu, agora já existe de novo, com o desmembramento da antiga União Soviética, então você só achava esse...
Continuar leituraP/1 – Vou pedir o seu nome completo, local, data de nascimento...
R – Meu nome é Luiz Eduardo da Costa Borges, na companhia a turma me conhece por “Lebe”, se você perguntar pelo Luiz Eduardo da Costa Borges ninguém conhece. Eu nasci no Rio de Janeiro, em 1957, ainda era estado da Guanabara, ninguém se lembra mais, mas era, e que mais que eu tenho que falar?
P/1 – O nome dos seus pais e dos avós.
R – Ah sim, tá bom! Meu pai Luiz Fernando Borges...
P/1 – Sua data de nascimento também...
R – Em três de outubro de 1957, eu estou quase com 54 anos, faltam aí quatro dias. Meu pai era almoxarife, gostava muito de estudar, mas não tinha um curso formal. E minha mãe, Luiza Gomes da Costa Borges, professora nível normal, curso de normal, mas nunca trabalhou não... Em casa, meu pai é que sustentava a família toda, somos dois irmãos, eu Luiz Eduardo e ele Luiz Felipe com três anos de diferença.
P/1 – Conta um pouquinho a história dessa família, de onde vocês vieram.
R – Bom, meu pai e minha mãe são brasileiros, mas na verdade filhos de portugueses, portugueses agricultores, os quatro. As mulheres, vamos dizer assim, naquela questão mais de subsistência, pequena agricultura e os dois no vinho, bem tradicional de Portugal e vieram para o Brasil como a grande massa das pessoas que veio da Europa, uma recessão muito grande, agricultura em decadência, princípios de movimento de guerra, da Primeira Guerra. Interessante essa história, porque pelo lado da minha esposa, que vem de uma origem completamente diferente, ela tem poloneses, alemães e russos na família, e todos também na agricultura e vieram naquele processo de ou durante a Primeira Guerra ou no período de entre guerras. A avó dela, uma das avós dela, inclusive era Rússia Branca, que era um país que há 50 anos não existiu, agora já existe de novo, com o desmembramento da antiga União Soviética, então você só achava esse nome Rússia Branca em mapas antigos, nos mapas dos anos 1970, 1980. Mas todos os agricultores vieram pro Brasil inicialmente, no caso da família da minha esposa, na agricultura também no Rio Grande do Sul, esse povo foi pro Sul, e os meus avós, as mulheres em casa e artífices que viraram, meu avô cozinheiro de hotel e pensão e meu avô é sapateiro, mas não desses que conserta, ele fazia sapatos na época, década de 1910, década de 1920, fazia sapato e tinha uma sapataria muito bacana, umas máquinas enormes. Quando começou o processo de industrialização eles pararam, se aposentaram e meu pai e minha mãe assumiram. Acho que foi a evolução da industrialização, o pessoal da agricultura primeiro, passam para uma pequena indústria ou para artífices, uma coisa única, localizada, e depois ou para o serviço militar ou para a faculdade, para engenharia, para qualquer curso superior que é o meu caso e o da minha esposa também. Nós somos engenheiros químicos, e nos conhecemos aqui no Rio.
P/1 – Você lembra o nome dos seus avós?
R – Ah lembro, opa, eu conheci todos! A família tem uma tradição, o pessoal vai me aturar muito tempo porque o que morreu novo morreu com 86. Álvaro Borges e Maria dos Prazeres Borges por parte do meu pai e Bernardino Gomes da Costa e Helena Gomes da Costa por parte da minha mãe. Infelizmente, nada com a marca “Sardinha Gomes da Costa”, infelizmente.
P/1 – Eles vieram todos pro Rio?
R – Vieram, no caso, os quatro da parte do meu pai da minha mãe pro Rio, os da minha esposa, pro Rio Grande.
P/1 – Seus pais também aqui do Rio?
R – Ficaram no Rio, meu pai já faleceu e minha mãe está aí com 78, 79 e passeando bastante, é difícil saber onde a velhinha está! (risos).
P/1 – (risos).
R – Verdade! Como gosta de viajar. Ela tem um grupo de amigas, que eu costumo brincar que elas formaram o coral que cantou no casamento do Tutancamon porque a menininha, o brotinho tem 79 anos de idade, e ai de mim se não for à festa que elas fazem de quando em vez. Mas todos no Rio, o único que na verdade saiu do Rio fui eu, pela White para trabalhar. No início, meu irmão trabalha no Rio até hoje, meu irmão é um engenheiro mecânico, ele trabalha em obra, na verdade montagem eletromecânica. Eu morei com eles...
P/1 – Sua infância foi aqui no Rio?
R – Sim, toda no Rio. Estudando no colégio de Dom Pedro II, paramos em porta de delegacia porque fazia bagunça no ônibus, tudo aquilo que um bom carioca dos anos 1960, 1970 fazia.
P/1 – Ah, me conta então como foi ser um bom carioca... (risos).
R – Ah, ué. Colégio Pedro II, tinha praia, tinha confusão quando saia da escola porque tinha certa rixa com colégio militar, e era uma coisa tranquila, o Rio de Janeiro era um lugar muito bom, você ia para praia, você podia ficar até de madrugada na praia, ninguém te incomodava. Você ia para um bar, você podia voltar de ônibus, você podia voltar, ficar na rua. Na década de 1960, nem tanto década de 1960, mais na década de 1970 a coisa era muito tranquila, a coisa começou a ficar, vamos dizer assim, perigosa e violenta a partir da década de 1980, aí você começa a pensar duas vezes antes de ir para rua. Baile de Carnaval era uma maravilha. Eu, como todo mundo, botava roupa de mulher, e a gente não consegue explicar porque que a gente faz isso no carnaval, mas a gente faz... E era uma coisa de brincadeira de rua.
P/1 – (risos) Na sua infância?
R – Olha eu me lembro muito pouco da minha infância, infância aquela pequena mesmo, três, quatro anos. Eu me lembro muito que eu gostava, adorava, isso com uns cinco, seis, anos de idade, adorava o Forte Apache, aquele brinquedinho. Adorava brincar com aquele negócio, e a minha casa era enorme, ela era quase que meio quarteirão, então eu montava aqueles brinquedos e ficava lá com aqueles índios e adorava aquele negócio. E era uma coisa muito interessante também pela área e pela tradição de agricultores dos meus avós, tinha o que você pudesse imaginar plantado, tinha carambola, pitanga, morango, figo, tamarindo, você sabe o que é tamarindo? Já viu tamarindo? Sapoti, sapoti para comprar um hoje no Rio de Janeiro você paga cinco reais em um, o sapotizeiro quando dá sapoti ele chega a ficar arriado, ele encosta no chão, é de você catar 100, e hoje um custa cinco reais, é um crime... Eu adoro sapoti, até hoje, e pitanga, por causa disso. Depois foram rachando terreno, hoje tem casa em tudo, a casa onde eu morei hoje é uma igreja... Essa igreja, como é que é, de japoneses...
P/1 – Seichonoie?
R – Seichonoie! E a minha mãe mora do lado, num terreno que é nosso também, em duas casas, ela mora numa casa e o meu irmão na outra. Em Bonsucesso até hoje lá tem, apesar de que inicialmente eles moravam em Botafogo, todo mundo Botafogo lá em casa também, meu irmão... Tem uma tradição por Botafogo.
P/1 – E Bonsucesso?
R – Hoje eles moram em Bonsucesso.
P/1 – Tá, mas essa casa grande toda...
R – Tudo em Bonsucesso, em Bonsucesso. Íamos pro jogo do Bonsucesso no estádio Teixeira de Castro, naquela época o Bonsucesso disputava o campeonato carioca, agora voltou depois de 20 anos, jogando na quinta divisão, sexta divisão, sei lá, agora voltou para divisão principal. Mas naquela época o time do Bonsucesso era importante e naquela época também no subúrbio você tinha sempre um campinho de futebol, de terra batido onde todo mundo jogava bola, eu joguei bola com o Nelinho, que foi lateral direito da seleção, nesse campinho olaria. Agora, ele era danado, não dava para jogar com o cara não, quando ele ia para bola todo mundo abria porque o chute do cara era um canhão, aquele negócio que o cara chutava com força... É verdade, pode acreditar, todo mundo abria, porque ninguém aguentava... Se a bola batesse em você era chão, o cara chutava muito forte. Então, essa turma jogava ali, Miguel, que foi zagueiro do Vasco, isso não é do seu tempo, mas jogou com a gente ali, e a gente moleque, eles já adultos e jogavam, porque isso existia no Rio de Janeiro, hoje não. Tem mar, virou tudo prédio, praça com asfalto, com concreto, tem mais para subúrbio mais distante ainda do que Bonsucesso é que hoje você ainda encontra aquele campinho, e no aterro né. E era isso, vida de moleque simples, classe média baixa, média, sei lá.
P/1 – Você lembra de mais alguma coisa marcante dessa época?
R – Não assim, não... Eu gostava muito de futebol, eu ia a campo, gostava desse brinquedo menor, seis anos de idade, sete anos, desse tal de Forte Apache gostava muito, sempre gostei muito de ler e de música, até hoje é uma fixação, eu estou aqui conversando com vocês e tem música rodando na minha cabeça o tempo todo, eu sou extremamente curioso nessa área, eu brinco com saxofone, aí a turma do trabalho vive zoando comigo por causa do meu saxofone, tem histórias para rir né... É claro que o pessoal exagera, mas eu gosto do meu saxofone, é um saxofone com vintage.
P/1 - Luiz e na escola que você contou que estudou, Pedro II como é que era?
R – Pedro II... Eu era, eu sempre fui, apesar de ser um cara sempre muito brincalhão, muito alegre, eu sempre levei a sério o estudo porque meus pais sempre me diziam: “oh, campeão, quando tu vai estudar para ser alguém na vida tu tá lascado, ou então tu vai pro exército”, e falar que vai pro exército era (risos)... Olha, era um horror, um terror, “então eu vou estudar”. Então eu sempre levei o estudo muito a sério, eu estudava muito, eu não sei como é que a turma hoje usa, mas no tempo eu era conhecido como um “cu de ferro”, um CDF, ou seja, o cara que estuda muito, e eu estudava mesmo, e eu sabia, não estudava para passar não, eu estudava para saber, eu me lembro até hoje de muitos professores que fizeram a minha cabeça, que depois eu até tive oportunidade de encontrar um na faculdade, foi meu professor na faculdade também... Na minha família eu sou o sexto ou sétimo engenheiro químico.
P/1 – Como assim, esse professor foi professor seu no ginásio…?
R – No ginásio, no Pedro II, e depois na faculdade.
P/1 – Como é que era o nome dele? Você lembra?
R – Ah, eu lembro! Calma, eu lembro! Vai ser difícil você escrever, mas eu lembro! O Colégio Pedro II era um colégio de referência, você tinha aulas, por exemplo, com grandes cabeças e a gente, por uma prática da escola, até ia, fazia entrevista com esses caras, tudo, então Tristão de Ataíde, Otto Maria Carpeaux, hoje todos falecidos e até pouco conhecidos e pouco falados, mas intelectuais, pessoas que escreveram livros, eram advogados... O Otto Maria Carpeaux tem uma história da literatura universal traduzida para mais dez línguas... Então, esses caras passavam lá, davam aula. Era um colégio realmente, que te formava não só para sair um profissional, mas também para pensar um pouquinho, para pensar o país, isso se falava muito para pensar o país, já existia ditadura, mas não era uma coisa assim tão carregada, 1968, 1969... Depois é que a coisa apertou mais. Eu me lembro do Jean Mark que era um dos tocadores de confusão na época, ele no Colégio Pedro II, ele foi aluno do Pedro II, eu acho que era o Jean Mark se não era aquele outro que é famoso... Não é o Jean Mark. É... Então muitos professores marcaram, orientaram e, como eu estava falando, voltando aqui, família tem vários engenheiros químicos, acho que todos trabalham na Petrobras, o único que foi para empresa privada fui eu. Na White Martins, como estagiário através de um amigo que me apresentou.
P/1 – Você estava falando do professor...
R – Professor, é, então um dos professores que eu me lembro muito bem que é marcante na minha cabeça o Eleutério Balbino, professor de geografia. Ele não escrevia, ele não falava nada, ele abria um mapa na sala e “vamos entender o que acontece aqui”, “então, porque que a Amazônia tem mata, tem chuva, tem isso, tem aquilo”, “qual a relação com a latitude, com a longitude, com a altitude...”, ele ensinava a pensar o mapa, e porque que aqueles climas existiam daquela forma, e não aquela decoreba “no Saara o clima é árido e...”, você chegava a essa conclusão sozinho. E o outro, é esse que eu falo, que era um professor de Química, já no científico, Werner Gustav Krauledat professor de Química, alemãozão, dois metros de altura, cabelo branquinho, olho azul e que chegava com um caderninho, pequenininho, pretinho, todo amassadinho, a gente dizia que era o diário de bordo do Bismarck. Mas a aula do homem de química, química é o cão né, mas a aula do homem era um espetáculo e todos os meus colegas da época, nós éramos alguns colegas do tempo de primário “nós vamos fazer Medicina, vamos fazer Medicina”, tanto que no pré-vestibular eu fiquei na turma de medicina, mas eu sabia que ia fazer química, tanto que na hora que eu me inscrevi, naquela época o vestibular era único, você fazia uma prova, quatro provas, química, matemática, aquelas coisas e tinha uma classificação geral e quando eu me inscrevi eu me inscrevi para Química. Então, além da família ter uma tradição na Engenharia Química, esse professor me influenciou muito pela facilidade, e até pelo amor que ele tinha pela química. Quando entrei na faculdade tá lá, quem é o chefe da cadeira de química analítica? O Seu Werner Gustav Krauledat, já bem velhinho, acho que mais um ou dois anos depois ele se aposentou e já não deve ser mais vivo com certeza, eu já tenho 31 anos de formado então com certeza já está ensinando Química em outra esfera. Mas um sujeito fantástico, um professor que era professor, esses dois aí são muito importantes. Outros dois, esses já na faculdade, que... Um, que esse com certeza, não no curso de Engenharia tudo, mas como uma cabeça e um cara que com certeza também gostava de fazer você pensar, ele era um filósofo e ele fez um curso de História da Filosofia no Fundão e eu assisti o curso dele, Roland Corbisier. Ele já deve ter também uns 10 anos de falecido, a última vez que eu o vi ou ouvi falar dele ele estava na campanha da Jandira Feghali quando ela foi candidata a prefeita ou alguma coisa, e me disseram, isso não é um dado concreto, mas me disseram que ele estava na campanha dela e que algumas vezes ele foi subir o morro, subir o morro... Subir o palanque para falar lá, isso ele já devia ter seus 90 anos. Essa não é uma informação que eu vi tudo, mas me contaram isso, pessoas que tinham contato diziam: “o professor Roland está lá, fazendo isso, fazendo aquilo...”, e ele era muito bom, ele era muito bom, uma grande cabeça, um grande brasileiro.
P/1 – Espera aí Luiz, eu vou querer saber o impacto que você teve com esse professor quando você chegou na faculdade. Mas eu sei de algumas histórias de algumas pessoas que já me contaram dos castigos do Pedro II, era um colégio severo? Você teve alguma história a dizer sobre isso?
R – O colégio Pedro II era um colégio linha dura, mas quando a gente entrou a coisa já estava, vamos dizer assim, se modernizando. A gente já usava a gravatinha, já não era mais um uniforme semelhante ao do colégio militar, fechado aqui, não era uma camisa branca, gravata azul, que a gente cismava de botar na cabeça. Tem casos de expulsão, teve, quando a turma vai pro bedel a coisa pegava. Bedel naquela época era o supervisor do andar, mas com o tempo a gente ia fazendo amizade com os caras e a gente conseguia negociar, mas tem coisa que não dá para falar na frente de um gravador desse não, campeão, porque a gente fazia muita bagunça, a gente fazia muita bobagem...
P/1 – Ah conta uma...
R – Uma?
P/1 – É, uma que foi marcante, que levou um puxão de orelha.
R – Bom, então eu vou fazer o seguinte, eu vou contar o milagre, mas não vou contar o nome do santo.
P/1 – Ótimo.
R – Tá bom? Mas nós tínhamos um colega que o apelido era Nero porque ele tacou fogo em cadeira na escola, juntou meia dúzia de cadeira e tacou fogo naquele negócio. E foi um deus nos acuda para descobrir, só que ninguém descobriu porque a turma cobriu. Alguns anos depois, bota anos depois nisso, o meu pai teve internado no hospital, fazer uma vesícula, alguma coisa dessas assim, quem era o chefe da enfermaria? Nero. (risos). Um doutor, médico, (risos), então a gente faz muita bobagem quando é moleque, mas a gente não perde o censo não. E chega, (risos), chega por aí, eu acho que tu deve desgravar esse negócio porque ele é meio forte, mas essa é verídica, essa é. Vamos dizer assim, essa eu vi né, (risos), diferente da do Roland que me contaram.
P/1 – Isso vocês já eram jovens?
R – Ah isso sim, na época do Pedro II, 16, 17 anos. Eu entrei cedo na faculdade, 18, qualquer coisa para fugir do exército. E como é que a gente fugia do exército naquela época que o serviço militar era uma coisa linha dura, você ia lá e contava uma história: “eu quero fazer faculdade, eu quero estudar, e o exército vai atrapalhar” aí “moleque, desde quando o exército atrapalha? Isso aqui é uma instituição nacional”, aí você tinha alergia à tinta, você fazia... Só faltava se ajoelhar e pedir pelo amor de deus pro cara te tirar do grupo né, tinha um nome quando você era escolhido. Mas eu sobrei, eu fui por excesso de contingente, mas o cara não perdoou não, ele raspou a minha careca e naquela época, bicho, era um cabelo que vinha por aqui, deu uma tristeza (risos), tinha cara que entrava em depressão (risos). O cara não fez por menos, ele liberou a gente, a mim e a alguns colegas, que estavam lá todo mundo na mesma escola, a época era o PH da época era o Miguel Couto, bahiense, então foi todo mundo lá beijar a mão do cara “por favor, a gente está...” “tá bom, mas vem aqui, rapa a cabeça para tirar a fotografia”, tiramos a fotografia e o cara carimbou excesso de contingente. Mas o cara fez a gente raspar a cabeça.
P/1 – E na sua juventude, você e essa rapaziada, vocês se divertiam como?
R – Ah, era praia, bailão. A gente diz que, meu pai dizia que era fácil arrumar namorada, eu já quando vejo acho que era difícil para caramba na minha época, quer dizer, pros outros é refresco (risos), então... Correr atrás das meninas, não tinha jeito, tinha que batalhar muito e como todo bom estudante tem que ser “durango kid”, duro né, sem dinheiro, então tinha que ser na capacidade de convencimento... Minha filha, hoje eu tenho uma condição melhor, o carrinho dela, então fica mais fácil sair com o namorado... A gente não, era pro ônibus, era difícil, vocês não sabem a moleza que vocês têm hoje (risos). Mas era isso, ia muito a campo de futebol, era bom, os bailinhos de garagem, a gente arrumava as famosas vitrolas, umas caixas de som deste tamanho. Fazia som nenhum né, era só tamanho. E juntava todo mundo, e caipirinha, naquela época ainda tinha esse negócio do rum na coca-cola e tudo, hoje é vodka, uísque, mas esse troço na época era caro, porque a vodka nacional era horrorosa, era tomar um gole e ganhar duas cabeças, ficava com uma dor de cabeça terrível, então tinha que inventar essas coisas aí. Quando a gente conseguiu uma garrafa de uísque importado aquele cara era um deus na festa. Mesma coisa era um cara que gostava de música, como eu, para gente conseguir um disco, que era disco ainda, LP, das bandas da época era muito difícil, você não tinha... Às vezes o disco era lançado, um ano, dois anos depois chegava o disco, você tinha que conseguir, quando conseguia importado, então você tinha que fazer vaquinha né, três, quatro caras juntavam para comprar um disco. Hoje não, hoje ainda não saiu e você já fez o download. Eu me lembro há uns três, ou quatro anos saiu uma propaganda danada de um disco novo do System of a Down e aí a minha filha gostava dessa desgraça e aí fui lá, comprei o disco recém lançado, aí eu cheguei “aqui filha, olha”, “pô, pai legal, mas porque você não falou comigo, eu já fiz download”, ela já tinha feito o download da internet, uma decepção “pô, minha filha, mas é o disco aqui, você vai ler a letra da música”, “precisa disso não pai, precisa não, já baixei”, “então, tá bom”.
P/1 – E o que vocês gostavam de escutar?
R – Ah, isso é uma coisa muito interessante. Vamos lá, com certeza Beatles, Rolling Stones, a música brasileira tinha uma importância grande, a gente escutava muito Tom, Vinícius e essa turma que veio junto aí, só que já era mais para namorar mesmo né, música brasileira. O rock era mais para farrear mesmo, para dançar, para zoar. Então, era os que hoje são os bisavós dessa turma que está aí Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, e os progressivos que eram os discos dos “bicho-grilo” que a gente chamava, então Genesis, Yes, Pink Floyd, e tinha uns outros mais, tinha uns alemães que era uma coisa de doido, tudo tá por aí ainda, de vez em quando grava um disco... Mas agora é fácil, agora a gente também faz download, não compra o disco não, a gente aprende né. Essa turma eu diria que ainda é a que eu gosto de ouvir, que na dúvida “não, vamos botar um disco do Genesis, vamos botar”, e a gente viaja. Dos novos eu particularmente gosto dos metaleiros, gosto mesmo, acho que eles estão nessa linha daqueles que eu ouvia nos anos 1970, a música brasileira está dura de aturar, não gosto, por mais que digam que não, mas eu não gosto. Quando eu boto um disco de música brasileira é Tom, Vinícius, é cara velho, é cara velho, tudo bem, sou feliz assim. E gosto muito de Jazz, pela capacidade de improvisação dos caras. Eu estive agora, se vocês ainda não foram, por favor, aproveitem, vá aqui no CCCB com a mostra do Miles Davis, e ela é extremamente didática e você vai vendo como o cara vai mudando o som dele e é um negócio magnífico, muito bonito, muito bom e o cara era completamente doido, ele tem uns casacos que pareciam do Michael Jackson, 10 anos antes do Michael Jackson.
P/1 – Mas nessa época você já curtia jazz?
R – Não tanto Jazz, mais difícil, era mais o Miles, por conta até da ligação dele que ele tava com o rock, com o fusion. Não era o Jazz aquele tradicional ou mesmo o Bebop né o Luiz Gillespie, o Charlie Parker, não isso foi depois, isso foi estudando “de onde veio esse maluco?”, você faz uma espécie de túnel do tempo, que, aliás, era uma série que a gente gostava muito na época, então a gente faz uma volta no tempo e você tenta descobrir de onde veio aquele som. Na época mesmo, nos anos 1970, 1980 era o Miles Davis, era o cara.
P/1 – Você falou que era difícil de vocês comprarem o disco e...
R – Ah é! Era difícil pela grana e era difícil porque você não encontrava. Então para você ter uma ideia essas bandas começaram a de dissolver por volta de 1976, 1977, 1978, chegava o disco a banda já estava separada. Era difícil, quando tinha assim um lançamento “pô, vai sair lá na Inglaterra, nos Estados Unidos e vai sair aqui” era um ou outro anunciado em primeira página, hoje não, hoje sai tudo junto, automático. Era difícil, você não tinha acesso. Para você ter uma ideia, para você fazer uma assinatura de uma revista como a Chemistry, como uma Hydrocarbon Processing, você tinha que ir no Banco do Brasil, comprar os dólares, justificar porque você comprava os dólares e aí você fazia a importação, a revista chegava quatro meses depois. Hoje você faz uma assinatura eletrônica, você entra lá, se cadastra, paga e o cara abre o arquivo para você, você entra no site do cara e vê a revista. Para você ter uma ideia, quando nós fomos aos Estados Unidos, vou saltar para frente de novo que eu falei até com ela, quando nós fomos aos Estados Unidos pela primeira vez em 1982, nós compramos na época dois mil dólares, levou um mês para sair a papelada, tudo, voltamos, e levamos dinheiro ou em “traveller's cheques” na época, no meio do caminho nós ficamos mais tempo, cadê o dinheiro? Acabou, foi um sufoco lá para botar mais mil num banco, tivemos que mostrar passaporte, carteira e um monte de coisa para conseguir sacar o dinheiro dentro dos Estados Unidos, hoje qualquer agência bancária troca dinheiro para você. Então era muito, as coisas eram muito complicadas, muito difíceis, e olha que nessa época ainda tem uma coisa que nem se podia reclamar, porque não existia que era isso que eu falei, computador, informática, internet, rede social, isso você não podia nem dizer que era ruim porque não existia, não existia para ninguém, ainda estava na cabeça do Steve Jobs, do Bill Gates e de outros. Contando uma história engraçada, engraçada não, interessante, mas que mostra isso, na época tinha uma série de televisão que era muito famosa, e ela era uma farsa, uma tal de Perdidos no Espaço, não sei se você conhece, pois é. E aí saiu em DVD, e aí eu peguei o DVD, sentei minha filha do lado, vou contar depois uma outra também muito engraçada, sentei do lado dela “aqui o filme que passava no tempo que o papai tinha a sua idade”, aí ela viu o primeiro capítulo virou assim: “mãe, em preto e branco? Que horrível”, aí virou assim: “pai, esse menino conversa com aquele robô e toca violão, ele não brinca?”, ela não conseguiu entender nada porque para ela a brincadeira já era o computador, já era o jogo eletrônico, já era... “ele não brinca? Pô, ele tem a minha idade e não brinca? Ele fica tocando violão?”. E uma outra muito interessante também, essa ela era bem pequenininha né, uns cinco, seis anos, ela nasceu em 1994. Então, estamos andando num shopping e lembro como hoje na loja da Imaginarium e tinha na frente da loja assim, uma cortina que era um fio de plástico que passava por dentro do disco, disco, disco, bolacha preta com um buraco no meio, e aquilo fazia uma espécie de cortina, não cortina de banheiro não, cortina dessas de separar o ambiente numa sala, num quarto e tudo. Ela virou para mim assim: “o que é aquilo?” aí eu “é um disco”, “o que é um disco, pai?” “ai minha filha, deixa de ser burra, um disco, toca música”, aí a minha mulher estava lá “essa criança nasceu em 1994 ela já é do tempo do cd, ela não sabe o que é um disco”, aí eu “oh, Laís desculpa, isso aqui é o seguinte: no tempo do papai, a música que você escuta no cd você escutava no disco, botava a agulhinha em cima, tocava igualzinho o que toca o cd hoje” aí ela virou assim para mim “mas papai não cabe”, porque na cabeça dela ela imaginou a caixinha do cd, quando eu falei que aquilo tocava que nem o cd, “ué como é que esse negócio desse tamanho cabe? Não cabe”.
P/1 – (risos).
R – Então você vê o que a informática distancia esse menino aí que você está querendo conversar dessa molecada, desses meninos e de vocês. Hoje, era uma realidade completamente diferente, a coisa física, na minha casa como eu já falei, tinha um monte de árvore, era subir em árvore, era diversão subir em árvore, quando a caramboleira enchia era assim, centenas de carambolas, então qual era a graça? Derrubar aquele negócio para botar dentro da panela para fazer doce de carambola, que, aliás, é formidável. Se não comeram doce de carambola, por favor. Porque não é uma coisa que... Quem sabe o que é carambola? Come carambola? Ninguém faz isso do seu dia a dia, da sua refeição, da sua sobremesa e isso quando você tem em casa é... Dá o ano todo, dá três vezes por ano então é doce de carambola, um espetáculo, muito bom.
P/1 – E na tua juventude você já pensava, você falou que o seu professor de Química e sua família te influenciaram na sua escolha. Como é que foi a sua entrada na faculdade?
R – É a experiência da família e esse professor. A faculdade é um outro mundo, porque a gente quando está no ginásio e científico o professor te orienta, o professor está muito contigo, faculdade é “se vira malandro”. Então, primeiro semestre de qualquer um que entrou na faculdade foi sofrimento, e todos nós e alguns tornaram isso realidade “eu vou embora dessa desgraça, isso aqui é casa de maluco”, mas aí você para “é isso mesmo e vamos lá”, as matérias no início da faculdade são muito chatas, Cálculo I, Física I, porque você não vai trabalhar com isso, mas depois a coisa vai indo e quando você entra no profissional, lá pelo quarto semestre, quinto semestre, aí você entra na tal da Química mesmo e aí o negócio fica bom. Agora da minha turma de 200 acho que se formaram uns cento e poucos 110 e em dois anos. Na época eram 200 que entravam, hoje entram 100 só na Escola de Química.
P/1 – Aonde você fez?
R – Eu fiz Escola de Química na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que é um negócio diferente, normalmente as Escolas de Química são dentro das Escolas de Engenharias, no Fundão, mas a Escola de Química é separada. A Escola de Química no Fundão tem uma trajetória, uma tradição muito grande, de grandes profissionais de Química, alguns até estrangeiros, então a Escola de Química é separada e se você vai no bloco A do Fundão, você entra nos corredores, você vê que o bloco E, que é o bloco da Escola de Química ele é um pouquinho diferente. Até mais limpinho também, porque aquilo lá está meio abandonadinho.
P/1 – E nessa fase você já pensava em gases você tinha...
R – Ah isso é negócio, não, legal! Pergunta bacana. Você sai da universidade sem ouvir duas coisas, quer dizer, hoje não, hoje eu acredito que não, o que eu li dos currículos isso mudou muito, mas você não ouve falar de gestão, naquela época, eu não ouvi falar de gestão de meio ambiente e gestão de segurança de processo e ninguém ouve falar, se bobear até hoje, de um negócio chamado criogenia e separação de ar. Fala-se muito pouco, para não dizer nada. Nas aulas de termodinâmica pode-se falar alguma coisa, já houve algumas vezes do pessoal da White ir até o Fundão ou outras faculdades falarem um pouquinho de separação de ar e com certeza é uma contribuição porque a Escola não tem. Eu estou falando pela Escola de Química, claro, as outras eu não conheço, mas não se fala de separação de ar, não se fala de criogenia. Quando me chamaram para trabalhar na White Martins, trabalhar não, estagiar né, e me disseram: “poxa, o que a White Martins faz?”, todo mundo conhece a White Martins, é um nome nacional, a empresa tem essa postura de Brasil, não é uma empresa que pensa localizada, ela pensa Brasil, pensa Sul América agora até. E aí eu imaginei “caramba, como é que eu vou trabalhar? É criogenia”, aí eu entrei no Perry, que é o manual dos engenheiros químicos, um pequeno tarugo na cabeça, traumatismo craniano na certa, e tinha lá um capitulozinho, duas paginazinhas e eu li aquele negócio, eu me imaginei entrando numa sala como se eu estivesse na Antártida, coberto de um casaco cheio de coisa porque todo aquele ambiente estava frio para caramba e que se produzia gotas, se produzia a nível de laboratório. Não precisa dizer que cara que eu fiz quando eu entrei na planta. É uma planta industrial com cara de uma petroquímica, com cara de uma indústria química como outra qualquer, por quê? Porque a área fria está fechada, está isolada e ninguém acessa, até porque se acessar morre, é queimado por frio. A universidade não fala nada disso e consequentemente eu em hipótese alguma imaginava “não, vou tentar aquele mercado ali porque aquele negócio é bom, é isso, é grande, não”, porque a gente não tem nenhuma informação, não tivemos nenhuma informação técnica aquela época.
P/1 – Mas você começou estágio... Na faculdade você fez estágio...
R – Eu fiz, no último ano eu comecei a estagiar em Santa Cruz. A minha primeira ida à Santa Cruz eu fui de trem, na segunda eu arrumei alguém para me levar e voltar de carona porque se não eu não chegava, duas horas para chegar lá, já era ruim naquela época, tá vendo tem coisas que não mudam, e era uma fábrica, uma fábrica grande na época e o pessoal, poxa, fantástico.
P/1 – Como foi o primeiro dia?
R – Primeiro dia você tem medo até da sombra. Isso é natural, a sala de controle é uma sala grande, coisa que não é hoje assim, hoje tem dois computadorzinhos, mas era uma sala mais ou menos desse tamanho, um painel que é o dobro daquela mesa em comprimento e altura, as fotos estão ali, eu posso até mostrar, e em volta tinha um diagrama de processo, e é por onde o processo caminha, por onde o ar entra, esquenta, esfria, passa no compressor, aquele negócio todo dava uma volta numa sala dessa. Quando eu olhei aquilo eu dizia: “ai meu deus do céu, eu não vou aprender essa desgraça nunca! Nunca!”, porque na faculdade você estuda um equipamento, então parece simples. Quando você junta todos os equipamentos para gerar um processo, para gerar um produto, aquilo fica enorme, fica uma lombriga, e a linha vai, volta entre os equipamentos, são muitos equipamentos, eu diria que com certeza o nosso processo de fabricação é tudo o que um engenheiro químico sonha na vida porque é termodinâmica, transferência de calor, mecânica dos fluidos e transferência de massa, o que é isso? São as quatro operações unitárias da engenharia química, são os três anos de profissional que a gente tem. Então está tudo ali e numa fábrica que é, para o padrão petroquímico, para o padrão químico, é um chaveirinho, é uma planta pequena que ocupa uma área pequena, é um paraíso para um engenheiro químico.
P/1 – Você entrou na faculdade de Engenharia Química?
R – Engenharia Química.
P/1 – Então na tua turma você como estagiário da White Martins acabou se destacando?
R – Eu, no último ano a turma já está cada um correndo pro seu lado, na Engenharia Química a Petrobras absorve muita gente, muita gente. Depois as indústrias farmacêuticas, a produção das indústrias farmacêuticas, eu diria que eu ali era até meio que um herói porque estava trabalhando numa área de Química Inorgânica e Criogenia que é um negócio que praticamente não se fala, eu fiquei meio diferente ali sim, eu e o Mauro Pellegrino, que trabalha até hoje, que é da minha turma e trabalha até hoje na companhia, é o Gerente de Energia, ele também começou como estagiário na White praticamente junto, no mesmo programa de contratação de estagiários e nós dois estamos até aí. Ele trabalha numa área menos de processo, mais de negociação, uma área diferente, ele se especializou em energia então ele vê menos essa parte de processo, menos essa parte de engenharia química, mas é o paraíso, é o paraíso.
P/1 – Luiz deixa eu só te fazer uma pergunta, como que foi o processo de seleção no estágio que você falou agora do programa, quem te entrevistou, você lembra?
R – Não, eu lembro... Na verdade eu não sei te dizer como é que foi gerado o programa a nível de RH internamente, na verdade um colega, trabalhava na White, o Santana, que foi Gerente de Planta e até presta serviço para a gente de vez em quando, virou assim para mim e falou: “Luiz você quer estagiar?”, nós nos conhecíamos, tínhamos amigos comuns, “tem tantas vagas, agora é em Santa Cruz”, falei: “tudo bem”. Eu fui até à Mairinque Veiga, entrei em contato com o pessoal de RH, preenchi um documento, era muito simples naquela época, qual era minha formação, tudo, a psicóloga me entrevistou, conversou comigo, muito preocupado com essa questão de ser em Santa Cruz e eu disse: “tudo bem vamos lá”, e aí eu fui entrevistado pelo Gerente da Planta, eu e mais, acho que duas ou três pessoas, não me recordo bem, mas pelo menos mais um outro rapaz foi entrevistado mas ele era engenheiro mecânico, e o que a empresa estava pensando mesmo era um cara de processo e eu é que fiquei. A mesma época entrou outro rapaz para estágio de manutenção de engenharia mecânica que trabalhou comigo, também junto comigo 20 e tantos anos, fomos juntos para Jacareí, para São Paulo, fizemos uma carreira de 20 anos praticamente paralela. Começando como estagiários, fomos contratados no mesmo dia, eu sou o 04926 e ele era o 04928, alguma coisa assim, foi na mesma carimbada, vamos dizer assim.
P/1 - Seus primeiros trabalhos foram...
R – Tratamento de água, sempre, você começa fazendo tratamento de água, de refrigeração, e no tempo livre a gente ficava com o técnico de produção, que era o chefe do grupo de operação, e ele ia ensinando o processo para gente, para podermos meter a mão na massa. Eu tive um pouco de sorte, logo uns três ou quatro meses a planta parou para manutenção, naquela época quando você parava para manutenção você quase que desmontava a planta toda e montava de novo, você fazia manutenção ampla em todas as máquinas, então eu pude ver a máquina, a planta toda aberta. Isso foi um ganho, eu ganhei em experiência, muito grande nessa oportunidade, e quando eu já tinha quase um ano, eu entrei em abril como estagiário, quando foi em fevereiro o Aníbal, que era o diretor de produção na época, virou assim para mim: “olha só tem uma vaga, você teve um desempenho bom”, tinha aquelas provinhas de estagiário, mas é claro muito mais informal do que é hoje, hoje o sistema é muito mais formal, muito mais estruturado, não há nem comparação, “você tem um bom desempenho e a gente tem uma vaga, só que infelizmente é em Jacareí, você quer trabalhar lá? Olha que você é carioca, garotão”, aquelas histórias, e eu “tudo bem, eu vou”, “olha, pensa bem”, “não, precisa pensar não, estou dentro, onde é que eu assino?”. Eu precisava trabalhar, em 1981 uma crise, segunda crise do petróleo e a empresa que eu estou estagiando me chamando para trabalhar e eu vou pensar? Eu assino primeiro depois eu vejo. Ai cheguei em casa e disse: “mãe, fui contratado, vou ser contratado”. Aí felicidade total, “onde meu filho? Lá em Santa Cruz?”, “não mãe, em Jacareí”, “e onde fica isso?”, “é, agora eu vou abrir o mapa para saber aonde que é, porque eu não sei também”, e aí eu vi que Jacareí ficava do lado de São José dos Campos falei: “oh mãe! Atirei no elefante, matei a girafa porque está pertinho, se Jacareí fosse no meio do Mato Grosso eu estava lascado porque eu já assinei!” (risos), “você é maluco menino?”, “mãe, não tem essa, a gente precisa trabalhar e o bicho tá feio aí fora”. Durante a metade da década de 1970, depois de 1977 por aí, o fim do milagre brasileiro até os anos 1990 a coisa foi muito feia para você contratar para você ser contratado e manter o seu emprego, depois entrou o plano Collor então foram mais cinco, seis, sete anos, então esse país, nos últimos 10 anos, ele está numa frente de crescimento, de desenvolvimento, de criação de oportunidades, de criação até de novas oportunidades, porque antes o que tinha era engenheiro, advogado e médico, hoje não, hoje você tem um range de atividades, de profissões muito maiores do que naquela época e são 10 anos que quem tem 30 anos, 31 anos de experiência fica bobo e fica muito feliz de saber que esse país há 10 anos numa rampinha para cima, porque de 1977 até 1990, 1990 e pouco foi muito difícil, principalmente para área técnica, para área de engenharia. Quando a gente lê no jornal “Faltam 50 mil engenheiros e não se encontra mão de obra técnica” é fruto desses 20 anos, porque a turma foi fazer de tudo, até tinha um bar em São Paulo chamado “Engenheiro que virou suco”, não era à toa, era um engenheiro que montou uma loja de suco, esse bar era, essa lanchonete, era na Paulista se não me engano, era conhecida e se falava: “olha aqui a situação da engenharia nesse país”. Eu tenho colegas que trabalham em bancos, muitos, claro que com cargos bons, porque a formação dos caras é boa então foram crescendo, na receita federal, superintendentes na receita federal, colegas de turma e tem muita gente na área de engenharia também, principalmente na Petrobras, nas áreas de Qualidade, Brtuv, Bureau Veritas, porque foram áreas que cresceram, mas também tenho colegas que ficaram aí cinco, seis, sete, 10 anos na luta, fazendo trabalho de freelancer, trabalhando em projetinho, terminava o projeto acabava, tinha que procurar emprego de novo. Foi um período muito difícil economicamente, acredito que para as outras profissões também, para as pessoas com certeza, mas para a turma de engenharia, ainda mais Engenharia Química, que é uma área que precisa de muito investimento, muita grana, você não faz uma fábrica de oxigênio com pouco dinheiro, é muito dinheiro, uma petroquímica então você fala de bilhões, então tem que ter investimento. Sem investimento a Química, Engenharia Química não vai para frente não.
P/1 – E como é que você finalizou essa faculdade, esse estágio...
R – É, depois de oito meses o pessoal, o Aníbal na época, o diretor, ele me convidou, eu topei, houve um tempinho, mais uns dois, três meses, a contratação foi feita dia 27 de fevereiro de 1981, era uma sexta-feira, antes de carnaval, não precisa dizer que foi o melhor carnaval do mundo o carnaval seguinte, eu ainda não tinha recebido, mas já tinha gasto o dinheiro. A faculdade correu tranquila, deu para coordenar o tempo, fazendo estágio e fazendo matérias, é claro que o foco foi no estágio porque sem o estágio você não consegue emprego.
P/1 – Sua monografia foi em cima disso?
R – Não, é uma coisa interessante. Na época a Universidade Federal não pedia uma monografia, se você tivesse um tempo “x” de estágio ela abria mão da monografia, hoje não, hoje você tem que fazer obrigatoriamente, aquela época, não. Você tinha que ter ou um trabalho de laboratório, que até eu trabalhei três meses num laboratório de um professor, mas que nem coloco no currículo porque foi muito pouco tempo, e como eu fiquei um ano sobrou o tempo de estágio para eu não precisar fazer a famosa monografia. Eu sei que hoje a turma sofre, eu tenho uma engenheira que, ela já é engenheira, mas ela ainda não tem o diploma porque ela está fazendo a monografia e ela está sofrendo, usando o termo, ela está “comendo o pão que o diabo amassou” para fazer a monografia dela, não é bolinho não, é realmente difícil, a turma sofre. Foi um ano bom né, conheci muita gente, até hoje pessoas que eu conheci naquele ano, tanto de estágio como no primeiro ano trabalham na companhia, uns trabalham até comigo, foi uma guinada na vida da gente, porque se dá um salto do científico para faculdade quando os professores te jogam “malandro estuda aí porque se não você não vai passar”, não tem aquele professor “ah, você entendeu ou não?”, no trabalho esse salto, essa distância é maior ainda. Ou você corre atrás e tenta estudar e tenta aprender sozinho e já traz a pergunta da tua dúvida, ou você vai ser um cara que, mais cedo ou mais tarde, não vão contar contigo, você precisa ter iniciativa, você precisa propor mudanças, dar sugestões, ser curioso, sabendo o espaço que você tem para caminhar, cutucar, tentar inovar, tentar mudar. É claro que o termo inovar não era usado a 30 anos atrás, mas era isso “ah, vem cá, por que a gente não faz assim, faz assado?”, no tratamento da água tínhamos uma técnica lá, aí de lá eu catei livro de tratamento de água, peguei uns gráficos “vem cá, por que a gente está usando esse gráfico e não está usando aquele?”, e é por aí que você aprende, se não eu ia conhecer aquele gráfico e não os 10 ou 20 que existem para você, vamos dizer assim, o seu tratamento de água e o processo de produção então, mais ainda, que são números de variáveis, nossa, muito, muito maior.
P/1 – E daí você foi para Jacareí sozinho?
R – É, fui sozinho. “Mama, I’m going out!, bye bye” (risos). Fui sozinho, aluguei uma casa lá, um apartamentinho e fui viver a vida. Ah, vou contar, essa é boa também, na faculdade sempre teve uma colega muito próxima que nós nunca namoramos, e é verdade hein, vocês não ficam olhando para mim com essa cara de que “vai contar mentira” porque não, é verdade. (risos). E no treinamento lá em Piracicaba eu a reencontrei, ela fazia um curso de álcool em Lorena, até hoje é universidade, naquela época era faculdade, muito conceituada. Nos encontramos, passamos o final de semana, ela estava fechando o curso e ia trabalhar numa indústria, uma alcooleira no Rio Grande do Sul, e a gente começou a namorar ali, ela no Rio Grande do Sul e eu em Piracicaba, eu a conhecia da faculdade, dois anos depois a gente casou. Aquela época a Telesp nunca ganhou tanto dinheiro na vida porque a gente vivia no telefone (risos), não tinha jeito. Então uma vez eu ia para Porto Alegre, outra vez ela vinha para Piracicaba e São José. Quando eu mudei de vez para São José, lá pelo final de 1982, ela mudou para lá, a gente começou a morar junto, naquela época não era uma coisa assim tão comum, e uns dois anos depois a gente casou, um ano e meio depois, casamos no final de 1983. Aí também mudou um pouquinho a vida, era uma maravilha, trabalhar com planta o telefone toca o tempo todo, eu brinco até hoje que quando por acaso eu tava no banheiro e tocava o telefone ela atendia “oi, qual o problema aí? Então faz o seguinte: aumenta a válvula 340, dá mais 10% que vai funcionar”, ela sabia de processo tanto quanto eu, ela era engenheira química, trabalhava numa indústria farmacêutica em Jacareí, naquela época. Mas isso mostra uma coisa, a gente vive tanto a companhia e trazemos a companhia tanto para dentro de casa que as nossas mulheres e os nossos filhos vivem a companhia junto com a gente. E é assim, é muito comum eu chegar em casa “e aí pai, como é que está a White? O que fez, o que não fez, o que deixou de fazer, está crescendo, está deixando de crescer?”, eles vivem a companhia junto com a gente, vive mesmo. Quando eu fiz 25 anos não saiu no mês que eu fiz 25 anos a noticiazinha no jornal, a turma ligou pro pessoal de comunicação “poxa porque que não saiu?”, “não, mas vai sair mês que vem!”, “poxa, mas as crianças olharam aqui e não viram e ficaram chateadas!” (risos), então a família participa desse nosso dia a dia na produção, esse sofrimento parte planta, para planta porque homem de produção é que nem médico, a gente só tem hora de chegar e a hora de sair é até começar outro problema em outra planta. Eu, hoje, depois de engenheiro dessa planta, virei gerente de uma outra planta e hoje eu sou responsável por praticamente mais de metade das plantas da companhia e pelo mix de produção de todas as plantas da companhia mais a interface com logística, quer dizer, eu falo com o Brasil inteiro o tempo todo.
P/1 – Por conta disso você trabalhou, você foi para Jacareí e trabalhou com o quê?
R – Como engenheiro químico, como engenheiro de produção com o Ricardo Rolim que foi o cara escolhido para ser o Gerente da Planta, nós trabalhamos até 1986, por aí. Essa planta tem um detalhe, ela era uma planta copiada em parte de uma planta americana, que nós fomos visitá-la, e essa planta tinha um liquefator, produzia 400 toneladas, por uma questão, acreditava-se que o país ia crescer muito, nós fizemos essa planta aqui no Brasil com dois liquefatores, então essa planta até hoje é a maior planta de líquido, de oxigênio, nitrogênio e argônio líquido da América do Sul, ela produz cerca de 900 toneladas por dia. É uma planta que é uma jovem senhora de 1982 a 2011, isso é o que, 30 e tantos anos, modernizada, toda computadorizada, turbinas de última geração, é uma planta sensacional e eu me orgulho de ter participado da equipe que partiu essa unidade. Vimos a operação da unidade, vimos aqui e ela correspondeu, ela tem uma confiabilidade muito boa e não é à toa que ela está aí há, caramba 1982, 30 e quantos anos? Quase 40 anos né? 2012 são 40 anos não é isso? 1982, não... 30 anos, desculpa.
P/1 – Que desafios vocês tiveram nessa época?
R – Ah, tudo, tudo. Equipamentos novos, processo novo em relação aos que a gente já conhecia, equipamentos muito maiores e uma responsabilidade de mercado duplicada porque quando essa planta entrou algumas mais antigas foram reduzidas para atendermos o mercado com um custo global melhor, mais baixo, então todo mundo, a companhia toda olhava para aquela partida, foi uma partida longa, durou cerca de dois a três meses, isso não é comum, mas pela dificuldade, pela novidade, pelo volume de equipamentos, dois, três meses para partida desta planta a gente até entende como razoável. Uma planta moderna hoje, muito mais compacta, você consegue fazer uma primeira partida em 15, 20 dias, mas são plantas com perfis completamente diferente, o nível de automação também, muito maior, aquela época não existia computador, ela foi pensada para ter um simulador, um cobra, época que era a maior fábrica de computadores do Brasil, mas não se justificou economicamente então ela entrou com uma instrumentação tradicional da época, de malha fechada, automatizada, mas nada comparado com o que se tem hoje, a automação era da malha e não do sistema como um todo, quanto a planta como um todo. Uma planta hoje é toda automática, ela é auto supervisionada, ou seja, se alguma coisa no sistema começa a mudar tem um programinha que “opa! Não é para lá, é para cá!”, ela se autocorrige, e ela pode ser operada à distância, você não precisa ter ninguém no site, no local da planta. E você tem na tela do computador, na minha mesa, no IMPAC os dados que o operador que está no campo têm, estaria vendo, você faz operação remota mesmo, como se você estivesse operando aquele robozinho lá na superfície de Marte, você daqui do controle da NASA manda o robozinho para direita ou para esquerda, a gente faz aqui com as nossas plantas, sem ninguém. Ela carrega, diminui, descarrega, vira pro oxigênio, produz mais nitrogênio, para, parte, tudo à distância, a decisão de ter operador ou não é estratégia dependendo das variações que o mercado local tem e do tamanho do cliente.
P/1 – Falando de tecnologia, você teria mais exemplos nesse sentido, você acha que o maior ganho na sua área foi isso?
R – É, é, na verdade nos últimos, vamos dizer assim, 20 anos, há uma preocupação muito grande em avançar tecnologicamente por vários aspectos. Primeiro o da segurança das pessoas, se você está longe do equipamento você está mais seguro. Dois, ao longo desse período de trabalho, nosso uma série de acidentes e incidentes com plantas químicas aconteceram e que levaram a mudar o conceito de projetos, então o foco também numa operação mais segura. Então, ao longo dos anos, em particular na década de 1980, ocorreram uma série de acidentes em plantas químicas, não plantas da White Martins, em plataformas de petróleo, em usinas nucleares, em plantas de fertilizantes, de produtos químicos, que levaram também a se pensar em agregar tecnologia para que esses acidentes, não com as pessoas, mas de processos e que tenha um estrago, um impacto imenso porque não afeta só a empresa, afeta os funcionários e afeta a comunidade em volta porque são incidentes de proporções grandes, então também agregou-se tecnologia nesse sentido de segurança do processo e cada vez mais se agrega tecnologia nesse sentido. E também é fundamental que as indústrias hoje tenham programas de produtividade de forma a reduzir os seus custos para se manterem produtivas, conceito, melhoria contínua na qualidade do produto, mas é também no seu custo de forma a você ter o seu produto e a sua empresa competitiva, cada vez mais, você não consegue crescer o mercado indefinidamente, você tem que trabalhar também dentro de casa. Essa tecnologia de automação, de informatização, de controle de processo é a que foi mais desenvolvida, que foi mais utilizada para que se alcance nas plantas químicas esses três, vamos dizer assim, principais objetivos de segurança das pessoas, segurança do processo que também não deixa de envolver a segurança das pessoas, mas também da comunidade, do ambiente, tornando isso tudo que hoje a gente chama de uma gestão integrada e de um desenvolvimento sustentável, esses termos em 1980, 1990 não existiam, são termos recentes, e são termos mais amplos também. Essa tecnologia de informação é que agrega, é mais objetiva e mais imediata no atendimento a esses objetivos. O que você pode dizer hoje é que uma planta de oxigênio é um ambiente de alta tecnologia, você está operando uma planta de oxigênio como você está na cabine de um avião voando a dez mil quilômetros e aquele negócio, aquele painel controlando tudo, a altitude, a velocidade, a direção do vento e você está acreditando piamente naquelas informações que os sistemas de medição trazem para aquele computador que te informa, te traduz, trás para você numa interface que você consiga entender, comparar e até operar e manter aquele processo com alto nível de segurança, com alto nível de eficiência. Uma planta de líquido tem essa mesma característica, sinais vêm do campo para o computador, o computador é só uma interface, ele só te mostra, aquela tela só te mostra o que está acontecendo, mas todo o cálculo está atrás, num PLC, numa caixinha fechada, calculando aquilo e você tomando decisão em cima daquelas informações. Isso te traz segurança, te traz padronização, te traz informação boa, informação firme e com certeza uma eficiência melhor. E isso tudo se traduz numa redução de custo, no aumento da competitividade da companhia como um todo, porque a gente tem que olhar para dentro de casa, a gente precisa melhorar os nossos processos, sempre. A companhia tem há pelo menos 20 anos um programa de produtividade, um programa de qualidade assegurada, gerindo e fomentando esses investimentos, essas novas ideias. Fala-se, hoje, em inovação das companhias, e a está na frente nisso, nós somos uma empresa de ponta nesses pontos vários que eu falei, em qualidade do produto, em gestão de qualidade, em inovação, preocupação com a segurança, com o meio ambiente, com a sustentabilidade, nós temos muito, isso está muito sedimentado na gente. Começou pelo programa de segurança pessoal e hoje está, como a gente chama, de gestão integrada, na verdade a mesma lógica está aplicada nesses campos todos.
P/1 – E como é que era com relação a esses processos lá em Jacareí...
R – Em Jacareí nós começamos, isso em 1982, o programa de qualidade da companhia começa mais ou menos nessa época, era época dos círculos de qualidade, o modelo japonês de gestão, o famoso Skowa, o Deming, que era um americano, que na verdade implantou a técnica dele no Japão, ele era mais reconhecido no Japão do que nos Estados Unidos, e naquela época focava-se muito na garantia da qualidade, ou seja, não era ainda um sistema de gestão propriamente dito, o que você queria é que na linha de produção os operadores, os mecânicos, os operários, eles conhecessem o processo e evitassem a falha ali, para que aquele produto final saísse sem falha e isso evolui para o sistema hoje que é de gestão, que não é só a preocupação com aquilo é preocupação também com as pessoas que estão executando esse processo, como aquilo afeta a saúde delas, aquele produto e aquele processo, como isso chega no cliente, se é isso que o cliente quer porque, às vezes, eu estou fazendo um produto bom, mas olhando pro meu umbigo, com meu foco, esse produto é realmente o que o cliente quer? Esse produto está respeitando a legislação? Esse produto agride o meio ambiente ou não? Então quando você sai ao longo desses 20 anos de uma mera gestão da qualidade final daquele produto para uma padronização não do produto, mas do processo e do que isso interfere, atua, muda, melhora o que está em volta. Esse é um sistema muito mais avançado porque ele é global, ele é integrado, ia poder se falar em sustentabilidade porque você está olhando até se você pode continuar a repetir este processo durante um determinado tempo, por quê? Porque você sabe que seus recursos, suas matérias primas são finitas, então até esse aspecto você está olhando, esse sistema te pede, ele mesmo te cobra “vem cá, não tem jeito de fazer melhor? O que você pode fazer para reduzir esses passos de fabricação? Qual é o passo aqui que ele é mais caro, ele gasta mais energia? O que podemos focar aqui?”, ele te pega, ele te pede “vem cá quanto investimento, quanto dinheiro você está botando nisso aqui para melhorar? para manter isso? para fazer manutenção? Qual é a verba que você tem?”, quando você vai para uma auditoria de um sistema de gestão o cara te pergunta isso tudo, ele te pede isso tudo. Ele vai no RH pedir “vem cá, como é que esse operador opera esse processo? Ele está treinado? Ele está capacitado? Qual é o sistema que você tem para garantir que ele foi treinado?, e se esse cara for bom, como é que você faz ele caminhar na vida, melhorar na companhia?”
P/1 – Mas esse programa de gestão é mais atual né?
R – Esse programa atual é recente, é o atual. Antigamente, lá em Jacareí, como eu falei, era o simples controle da qualidade, analisava-se o caminhão antes, o caminhão depois, está bom, posso mandar para o mercado. É o que a gente chama de garantia da qualidade, que é só um pilar desse sistema de gestão mais integrada. Começou, também nessa época, a gente a puxar o operador, a puxar o trabalhador para gerir isso junto com a gente, então foram os programas de sugestão, os círculos de qualidade onde o pessoal se reunia “poxa, isso aqui dá muito trabalho vamos tentar fazer mais rápido, tentar fazer melhor, vamos usar um outro material”, mas ainda sempre, em vamos dizer assim, em caixinhas, em bloquinhos, hoje isso tudo é uma laje só, um blocão só.
P/1 – Luiz e como é que você voltou pro Rio, como é que foi isso?
R – É, eu trabalhei cinco, seis anos em São José, Jacareí, depois fiquei cinco, seis anos em São Paulo, eu conheço São Paulo, gosto muito, sempre que posso vou lá, adoro São Paulo, e depois surgiu uma oportunidade para ser gerente da planta de Juiz de Fora, e eu fiquei em Juiz de Fora como gerente da Planta seis anos, lá nasceram meu filhos, meus filhos são mineiros, a televisão pegava mal, tinha pouco cinema, então lá nasceram a Laís, em 1991, e o Rafael, em 1994, eu voltei pro Rio em 1996 exatamente, a companhia cada vez maior, crescendo e os gerentes, os diretores na época precisavam de um cara, entenderam que havia uma necessidade para alguém ser o facilitador desse meio de campo, de mix de produção, de contato com a logística, de programação das manutenções, de planejamento da produção e o pessoal entendeu que eu era o cara para fazer isso, em 1996 eu vim pro Rio e estamos aí até hoje. Eu diria que é o maior tempo que eu fiquei em um lugar, eu já estou de 1996 a 2011, 15 anos, 16 anos no Rio. Um dado interessante, às vezes as pessoas não acreditam nisso, mas nós estávamos partindo a planta de Juiz de Fora, o processo de partida e depois de umas duas semanas chegou na hora de produzir, e a minha esposa estava grávida, grávida da Laís, e estava marcada a cesariana, e nada da planta produzir, a planta produziu uma hora da manhã, e a minha filha nasceu às três. O médico me recebeu com muita satisfação, entre aspas, quando eu cheguei disse: “legal cara, agora o filho feio nasceu, tá lá produzindo, agora eu vou ver a minha filhinha bonitinha nascer aqui”, teve que esperar. O meu sogro na porta “pô cara! Como é que pode?”, “não espera aí, tem que fazer uma coisa de cada vez, o médico está muito bem pago e ele pode esperar”, e esperou e nasceu a Laís, eu vi a Laís nascer, não nascer dentro da sala, mas quando ela saiu da sala eu fui o primeiro a vê-la, o médico não deixou eu entrar disse: “eu te conheço, tu vai cair aqui e ainda vai me arrumar trabalho”, então eu fiquei do lado de fora mas eu fui o primeiro, do lado de fora, a ver a Laís e foi assim a diferença de três, quatro horas entre a produção da planta pingar oxigênio no tanque e a Lalá nascer.
P/1 – Me explica essa sensação, na verdade, eu quero saber a parte técnica do que é “pingar” esse oxigênio e que sensação que foi ver a Laís nascer?
R – Pingar no tanque é o seguinte, é a primeira produção, como é líquido a gente diz que pingou, mas na verdade é a produção, acontecer a produção né, você chegar na condição de volume e pureza e começar a estocar o produto, botar o produto dentro do tanque. E a Laís é, hum, sei lá, não sei dizer o que é a Laís, não só nesse momento de nascimento, mas a participação, o enriquecimento que ela trouxe para a minha vida, para a vida da minha mulher, a minha mulher tinha muita preocupação de não conseguir ter o neném, ela fez tratamento, preparou uma prévia de inseminação, não vingou, ela fez duas, não deu certo e logo depois nós mudamos para Juiz de Fora e ela engravidou. A Laís é uma criança extremamente, hoje já não é tão criança, mas era uma criança extremamente interessante, extremamente viva, participativa, puxa pela gente até hoje, “não é assim, é assado”, ela tem voz ativa, e quando nasceu o Rafael, como é que eu vou dizer, aí foi outra coisa, era um menino, era o meu garoto, o meu garoto. Mas o Rafael, depois de seis meses, começou a apresentar algumas dificuldades de desenvolvimento, nós estávamos voltando, foi mais ou menos nessa época que a gente veio pro Rio, e a gente diagnosticou, quando eu digo a gente é porque esses diagnósticos neuropsiquiátricos nunca são feitos sozinhos, diagnóstico clínico você pega o livro e você vai tentando encaixotar o cara naquela lista de características, diagnóstico psiquiátrico é feito dessa forma, você tem uma lista de critérios, se você responde tantos por cento daqui ou dali é por onde se começa o tratamento e em cima do tratamento você até pode mudar o seu diagnóstico, mas é também em cima de lista de critérios. E ficou evidente que o Rafael tinha autismo, é um negócio muito complicado, uma patologia severa, não tem cura e o trabalho é trabalhar em cima do cara, é puxar pelo cara para ele se desenvolver, para ele tentar se socializar, o grande espectro do autismo é tecnicamente uma incompetência cognitiva de abstração, o autista não abstrai, de lado prático, é um cara que não se comunica exatamente, porque a comunicação é um mecanismo extremamente abstrato e isso faz todo aquele problema e aquela dificuldade do autista, ele não entende o que acontece em volta dele então o bicho grita, o bicho reclama, o bicho fica cheio de movimentos repetitivos, balança a cabeça, na verdade é a tentativa de se comunicar de uma pessoa que não conhece, que não sabe se comunicar. Nós já estávamos no Rio, tivemos muito ajuda aí da White, a indicação do médico que começou o tratamento e acompanhamento do Rafael foi por um profissional da White, o Jorge Fialho, trabalha até hoje conosco e não tenho agradecimento que explique o que ele merece, e nós demos sorte, nós começamos muito cedo, normalmente o diagnóstico é com, entre três e cinco anos, porque a criança não fala, mas com um ano e meio a gente já estava espremendo os neurônios do cara, e com dificuldade ele hoje fala, ele hoje, dentro do ambiente de casa, ele é um camarada absolutamente normal, com direito inclusive esporro, fez bobagem escuta, ele está numa escola de inclusão, mas ele está no mesmo ano em que uma criança normal frequenta e ele é extremamente coerente nas perguntas que ele faz, nas respostas que ele dá, o que mostra que a gente conseguiu avançar muito na questão do abstrato com ele, apesar de que, se você olhar ele, você diz “esse camarada é autista”, você viu um autista, você viu todos, o jeitão é deles, o que você consegue é fazer com que eles compreendam e analisem o maior número de situações em volta, mas o comportamento dele não muda e a patologia está lá inteirinha, se você pegar a lista de critérios ele gabarita. Agora ele tem um alto desempenho, isso facilita muito a vida da gente, porque ele vai aonde a gente vai “vamos a Disney?”, “vamos”, e ele se diverte mais do que a gente, “vamos no cinema?”, “vamos, qual é o filme?”, “é o Harry Potter”, “este eu não quero ver”. E não adianta tentar ver porque o bicho pega, terceira guerra mundial é um negócio mais legal, mais tranquilo. Agora ele diz “eu quero ver aquele” aí vai e vê na boa, já foi à ópera no Teatro Municipal e curte, então, ele é, é uma memória absurda que o cara tem, e aí de novo, o computador ajuda essas pessoas de forma fantástica porque eles têm, os autistas em particular, eles têm muito de visual, a compreensão deles é muito mais pelo visual do que pelo auditivo e a informação do computador ela é extremamente interativa e visual então você consegue ensinar esses caras, você consegue fazer eles fazerem o trabalho da escola, tudo por ali. É uma ferramenta absurdamente positiva e produtiva para essas pessoas, acredito que para outras deficiências também, mas a experiência que eu tenho é com essa, e o cara é uma fera. E quando também tem que tirar ele do computador também é uma guerra, porque ele não quer, porque ali ele está ativo né, você tem que ter alguns certos bloqueios, porque ele é absolutamente ingênuo, mas você consegue, ele tem uma vida dele ali independente, levanta, toma café, faz o hambúrguer dele, reclama que a comida não está boa, então quem escuta fala “acho que esse cara não tem nada”, mas ele tem um, vamos dizer assim, uma dificuldade muito grande. E Laís foi fundamental nisso, ela, a mãe parou com Engenharia foi fazer Fonoaudiologia para entender e ajudar o cara, foi ela que ensinou ele a ler, a fala veio junto com o trabalho dela e a Laís ajudou muito ele e a mãe, por quê? Porque as duas não desistiram do camarada, e eu tinha que trabalhar, é claro que quando eu chegava em casa eu tentava ajudar, mas uma pessoa dessa precisa de ajuda principalmente nos primeiros cinco, seis, sete anos é 24 horas por dia. E a Laís ia em cima dele, dava dura nele, marcava ele, e era uma criança, três anos de diferença, e uma coisa que é muito interessante, o autista não gosta do toque, a percepção do toque, a percepção do som deles é completamente diferente da nossa, o que a gente acha que é um barulhinho para eles é uma bomba estourando na cabeça deles, então a tecnologia, tem uma tecnologia americana, tem uma tecnologia sueca de abraçar, então o bicho quase que fervia todo por dentro, mas ela abraçava ele, e puxava ele para isso, puxava ele para aquilo, para uma coisa dela, e ele hoje você pode encostar nele, abraçar ele, puxar ele para cá, empurrar ele que ele administra muito bem essa questão. E com certeza Laís segurou para ela alguma dessas angústias, quer ver a bichinha virar bicho é falar do irmão, mas vira bicho e aí a gente chega “Laís, eu acho que você tem que entender melhor isso, você tem a sua vida, e ele tem a vida dele”, “não pai”, “vai na psicóloga, conversa um pouquinho”, “não quero, isso aí está na minha cabeça e eu sei o que me incomoda, fica tranquilo” , mas quer dizer, não só ajudou como ela tem, vamos dizer assim, dificuldades, sequelas daquele processo, ela é muito angustiada com o irmão, mas é uma criança alegre, vira a noite como todas no computador, e por aí afora, brinca, vai com a mãe para onde a mãe quer, e é uma família como todas as outras, cheias de problemas e cheias de soluções. Eu só falei de mim até agora, da White Martins que é bom nada, né?
P/1 – É a sua história de vida. Mas assim, a sua responsabilidade como pai a gente viu agora nesses momentos, eu acho que é muito importante, parabéns. E sua responsabilidade como profissional de ter oito plantas sob sua responsabilidade?
R – Você diz nesse momento do Rafael?
P/1 – Não, agora.
R – É, a companhia me ajudou muito, falando não só em orientação do profissional pelo Jorge [Fialho], mas também como conversando comigo porque foi uma barra, foi muito complicado, eu levei uns três, quatro meses para entender esse negócio e me incomodei muito. Tem uma armadura aqui, vocês podem não estar percebendo, mas tem uma armadura aqui. Também profissionalmente o Paulo, que era meu chefe na época, que me ajudou muito a entender, eu cheguei para ele “oh campeão, um mês em casa para poder organizar a bagunça aqui dentro, depois eu organizo a bagunça fora” e ele “não, legal e se precisar de dois, take your time”, e vamos lá, tocamos bem, e como é hoje em relação a essas plantas e... Se eu tentar tomar conta de tudo eu vou ficar doido, se é que eu já não estou, o meu papel é de facilitador, eu vejo isso muito como um facilitador, como um orientador como um coach, no sentido de fazer com que as pessoas tragam para mim suas dificuldades “olha, eu estou com dificuldade aqui, ali” e dizer “olha, está você vai resolver melhor com este camarada, essa aqui eu vou te ajudar e eu vou fazer junto contigo, aquela ali meu amigo o caminho é esse, faça assim”, pela distância entre elas você tem que dar liberdade para as pessoas, para os gerentes locais e a minha experiência profissional ao longo desse tempo todo, no fundo, também foi isso, os meus chefes me deram liberdade para eu decidir, para eu ir para dentro da planta, aprender com a planta, correr até um certo risco, um risco administrado, controlado, conhecido, não irresponsabilidade, não loucura, para a gente aprender, para a gente pegar experiência e poder ensinar aos outros. Então, eu diria o seguinte: hoje tem uma responsabilidade de redução de custos muito grande, tem uma responsabilidade de manter o padrão de qualidade da companhia o mais alto possível, entregar o volume na quantidade possível, não ter acidente é quase que neurótico nosso, a gente não aceita esse negócio porque há tampo tempos que trabalhamos nisso que é quase como, é quase um fanatismo, é neurótico “olha, avaliou isso? Checou aquilo? Leu a norma antes de fazer o trabalho?”, e você fala isso com pessoas de 30 anos, outro com 25 anos de experiência, tamanha a preocupação que você tem com isso, está no sangue. Apoiar o pessoal de vendas, sempre que possível no negócio, porque eles não têm o conhecimento técnico para isso, eles são homens de vendas, eles têm conhecimento técnico de venda, então faz parte do nosso papel dar esse suporte “olha, esta planta não tem produção para isso, esta planta tem um custo menor, eu não sei se a distribuição consegue te atender nesse volume”, então são questões técnicas e somado a isso a questão de facilitar, treinar as pessoas, orientar as pessoas para que elas realizem o melhor trabalho possível, que elas se sintam seguras na execução do trabalho deles. Tentar também dar para eles uma visão do todo porque a companhia não é usina “x” não é usina “y”, a companhia é o Brasil, nós estamos praticamente em todas, praticamente não, com certeza, em todos os estados desse país, nós estamos, à exceção de dois, em todos os países da América Latina, se você não tiver visão do todo você não vai entender o processo da companhia. Um exemplo aqui muito simples, a planta “x” precisa parar, eu não posso chegar para aquele camarada e dizer “olha você não vai parar”, eu tenho que para ele e para o gerente da planta dizer “olha aqui, a sua planta tem o planejamento que a gente discute toda santa segunda-feira e nós entendemos que a sua planta precisa parar, mas esta planta aqui, a planta de, sei lá de Ipatinga, ela tem um risco de quebra muito maior do que o seu e esse risco de quebra pode deixar ela parada 30 dias, então nós vamos ter que primeiro ter que parar essa planta aqui, depois o senhor vai parar essa planta, aí a sua planta vai entrar”, “poxa, mas o meu consumo específico é melhor se eu virar para o oxigênio”, é, mas acontece que o cliente “y” está demandando tantos mil metros por dia, ou por mês, se sua planta que normalmente atende esse cara fizer o nitrogênio não vai dar, então você também precisa produzir nitrogênio, sacrificando esse seu Kip ai, mas antes de você ter esse Kip ai a companhia precisa fazer o seu mercado, ela precisa honrar os seus compromissos. Tudo isso é importante pro cara se localizar na operação da companhia como um todo, se não o cara fica “eu não parei, pô, então para que eu vou parar amanhã? Não, não paro”, então você tem que passar pro cara, mantendo a responsabilidade, mantendo ele focado nos números dele que ele tem que alcançar para a companhia fazer o seu número, para produção e por consequência a companhia fazer o seu número, ele também tem que entender o todo da operação. O prejuízo, a redução do ganho que tem, ele não parando aqui é grande, é ruim, existe sim, mas ele é menor do que se nós corrermos o risco de não fazermos nesta aqui, então isso tudo tem que ser explicado, tudo isso tem que ser entendido para as pessoas entenderem a companhia, do tamanho que ela é e qual o tamanho e a responsabilidade que a companhia tem, daí eu diria que meu trabalho de facilitador, de orientador, de coach, de planejador desse negócio e, repetindo, não sou eu sozinho, também é o pessoal da distribuição, pessoal da logística, pessoal da produtividade e os próprios gerentes no campo porque eles também entram com as informações deles “olha, o cliente tal vai parar”, “legal, é agora que nós vamos fazer a sua manutenção”, ninguém faz nada sozinho, absolutamente nada sozinho nesse ciclo da diretoria industrial, da diretoria do Eduardo [d’Ávila] na produção, na distribuição de líquidos, na produtividade, na manutenção das plantas, a gente senta toda segunda-feira, às 10 horas da manhã e batemos planta por planta, como está, como deixa de estar, qual o plano de manutenção, qual é o risco, como está o cliente, toda segunda-feira apesar de a gente ter um orçamento, acabamos de fazê-lo, pro ano todo, mas não é suficiente, tem que sentir o cheiro da operação toda santa semana e não preciso dizer que ao longo da semana o telefone canta, e a gente conversa com as plantas o tempo todo.
P/1 – E conta um pouquinho desse projeto de qualidade que você ajudou a implantar.
R – Na verdade lá em Jacareí começou, a empresa percebeu a necessidade que tínhamos de implantar um sistema de produtividade, um sistema de gestão de qualidade. Os primeiros movimentos foram feitos, como já até falei, na questão da qualidade do produto, começou fazendo análise, e isso foi iniciado na planta de Jacareí e na planta de Capuava, com o Cristiano Botelho e com o Roberto Carioca e um pouquinho comigo como engenheiro que atuava ali, os dois Cristiano e Roberto já estão aposentados, e isso já foi um diferencial da companhia, poucas empresas faziam isso, dar uma garantia, dar um certificado de qualidade do seu produto, isso era, à época, uma inovação. Isso foi crescendo ao longo do tempo e por uma questão de estar no lugar, todas as revisões dessas normas, a implantação e até a certificação dos sistemas, aí é um sistema ISO 9000 que também dá uma visualização diferenciada da companhia, garante padronização, mostra pro mercado que há uma padronização, que há uma preocupação com gestão... Por sorte ou coincidência eu estive envolvido nesse processo ao longo desses anos todos, hoje existe uma gerência de qualidade, há uns cinco, seis anos, hoje o Marcelo Saura que é o responsável por organizar esse sistema de gestão, chamar as reuniões e tudo, mas a parte da produção de líquidos eu continuo representando a alta direção e participando desses processos de melhoria contínua e de padronização da companhia. Hoje nós temos nove unidades certificadas ISO 9001, mas por uma decisão estratégica porque na prática todas tem um sistema de gestão implantado, para o ano que vem a gente deve incluir mais três e com certeza isso é um diferencial tanto comercial como técnico da companhia, é um sistema muito bacana, muito bem montado, muito bem estruturado a ponto de os auditores desses sistemas, nós temos oito plantas certificadas, mas eles não visitam todas por causa do sistema ser robusto, ser altamente padronizado, com alta repetibilidade e isso também é custo, porque senão, se ele tivesse que visitar todas essas plantas você também visitando três em oito e agora, se deus quiser, até o ano que vem, 11, praticamente metade do número de plantas, são 21 plantas, 21 sites, nós vamos ter 11 sites certificados e continuando a decisão de certificar porque o sistema está montado, ele existe, ele é fato.
P/1 – Você acha que o futuro da White nessa área então, na sua área, é por aí?
R – É, gestão de pessoa, gestão de treinamento que não têm, investir cada vez mais em segurança de pessoas, de processo, inovar através dos programas de produtividade até mesmo entrando em novos mercados, e para isso tudo acontecer de forma sustentada e de forma consistente você precisa de um sistema de gestão integrado, flexível, porque você de repente para introduzir uma tecnologia você tem que desmontar o sistema todo, desmontar que o sistema de gestão não seria factível, você tem que ter um sistema flexível, que ele seja aberto o suficiente para receber novas informações sem ser frouxo, permitir tudo, não, ele tem que ser robusto, mas ao mesmo tempo flexível para absorver a nova tecnologia até porque ele próprio pede isso, ele pede a melhoria contínua, sem melhoria contínua o sistema caduca.
P/1 – Para a gente ir finalizando agora...
P/2 – Deixa só eu perguntar algo...
R – Fala, fala.
P/2 – Eu queria perguntar essa questão da responsabilidade, da distribuição e da entrega, porque não tem como não entregar assim...
R – Isso, na verdade, não é uma responsabilidade minha da produção, isso fica com o gerente da distribuição. Agora, o sofrimento é comum, é compartilhado, por quê? Porque a gente vivencia isso junto, a produção não existe sem a distribuição e o vice-versa é verdadeiro, então quando nós estamos num período de manutenção, que há um risco, porque tem uma planta que não está produzindo e você tem que trazer produto de outros, nós acompanhamos isso diariamente juntos, eu e o gerente da distribuição e do mesmo jeito que eu tenho Kip ais de quebra de equipamentos, quando eu falo eu, é o departamento, quebra de equipamentos, de consumo de energia, de volume de vaporizado, a distribuição tem os seus quilômetros transportados, toneladas por quilômetros transportados e run out, o que é run out? É você não entregar o produto no cliente, e esse é um Kip ais também que eles acompanham ali na lupa, e há um telescópio igual o Hubble que eles olham esse negócio, é um acompanhamento diário, existem tecnologias inclusive de GPS que transmitem para o sistema de automação de entregas, da distribuição, ele transmite o sinal do tanque do cliente como também tem um grupo que liga para o cliente, alguns determinados clientes “olha, como é que está seu tanque para eu confirmar minha entrega? Eu preciso que você, eu percebi que você acelerou o seu consumo, isso é agora ou você vai voltar pro normal? Vai continuar para eu poder planejar a minha entrega?”, o sistema de entregas, o DLQ que a gente chama, que é o Sistema de Distribuição de Líquidos, ele é extremamente automatizado, ele controla cerca de seis ou sete mil clientes e você sabe qual é o ponto de entrega, qual é o ponto de risco e até quando você tem que colocar um caminhão lá, então o caminhão chegou no cliente e botou ele no ponto máximo, o sistema traça quanto tempo você tem que levar um caminhão lá antes de chegar num ponto que ele considere o bom para você fazer a entrega sem risco, e uma outra curva de qual é o último momento, o último dia que você tem que entregar o caminhão, entregar o produto sem entrar na faixa de risco, tudo isso aparece na tela para o programador da distribuição. Eu não sou um especialista nessa área, eu acompanho, vejo, sei analisar os números, mas aí o cara para conversar com você sobre isso é o Iclerio, o Carlos Veras ou o Cleber Olovate, que são os responsáveis, líderes desse setor. Eu te passei aqui em linhas muito, muito grosseiras.
P/2 – Era só para saber essa relação da manutenção da planta...
R – É tudo junto, não tem como, tem que sentar a manutenção, a produção, Gerente da Planta, Gerente local de Distribuição, o camarada de distribuição e só se essa turma disser okay é que para, a não ser que seja uma quebra, uma manutenção coletiva, algo não planejado, faltou energia, quebrou um equipamento, isso acontece... Aí já quebrado, a lógica é outra, não é para calcular qual é o melhor momento e qual é a frota que vai entregar, qual é a quantidade de caminhões que vai entregar e de onde vai tirar o produto, é juntar todo mundo e “oh, parou, só deve voltar daqui a dois dias e nós vamos precisar tirar produto daqui, daqui e daqui” e é imediatamente acionado, são acionados os CDLS e carretas são designadas para fazer isso em caráter de emergência. Têm as duas situações, a planejada e a não planejada, não programada, a quebra, a falha. Mas existem contingências pré-definidas para isso, se a planta tal parar de uma forma não planejada a gente já sabe quantas carretas e de onde sai o produto para cobrir aquele mercado e cobrir o cliente que aquela planta atende por gasoduto. A gente tem mais ou menos, mais ou menos não, bem as contingências, como dizia o leão da montanha, a saída pela esquerda.
P/2 – Só mais uma perguntinha (risos).
R – Vamos lá.
P/2 – Então, eu queria entender também um pouquinho dessa questão de com toda essa falação de efeito estufa, global warming, de poder usar o CO2 assim, eu queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
R - E olha, com certeza nós somos fabricantes de CO2 e o nosso, vamos dizer assim, as nossas medidas de, como é que eu vou dizer, dentro do programa de sustentabilidade, como é que está o nosso uso de energia, como é que está a nossa emissão, existem esses controles, existe preocupação. As plantas de líquido elas são plantas muito simples, nós praticamente não temos emissão de CO2, por quê? Porque as plantas são praticamente 100% por energia elétrica e o perfil da energia elétrica brasileira é de hidrelétrica, ou seja, de um impacto, existe, mas um impacto muito menor do que o de termoelétrica. A gente trabalha muito exatamente na redução do uso de energia por quantidade de produto que nós fabricamos, então um dos Kip ais que a gente chama de consumo específico de energia, ele é o mais visado e a gente tem metas de reduzir de dois a três, cinco por cento por ano, no sentido primeiro de custo, mas também de você ter na sua cadeia de fabricação uma necessidade de você, lá na usina hidrelétrica, gerar uma quantidade de energia menor. Nas plantas de CO2 também existe isso, mas aí eu te confesso que eu não conheço em detalhes, porque a produção de CO2 também é com outro cara. Agora, nós temos plantas que utilizam gás de refinarias e com certeza no momento que você está capturando isso você está reduzindo a emissão, não da nossa planta, mas do cara, da empresa que nos fornece a matéria prima, porque senão ela estaria queimando ou emitindo. Agora a fabricação de CO2 ela é, eu não sei te dizer qual é o percentual, o impacto dela e a efetividade dela na grande quantidade de CO2 que é emitido, em particular no Brasil que se fala que muito do CO2 emitido é queimada, ou que ele tem uma responsabilidade muito grande, então eu realmente pelo lado da emissão eu te confesso que eu conheço muito pouco. Agora as plantas de líquidos, o impacto delas é realmente muito baixo por conta de ser energia elétrica, e a energia elétrica brasileira é de fonte hidráulica, menos agressiva, vamos dizer assim.
P/1 – E qual que é a lição da White que você consegue levar para sua vida?
R – Olha, primeiro, toda a questão, por mais que a gente não queira, o que a gente aprende na companhia para produzir, para manter os grupos motivados, o que você aprende de conhecimento técnico, e a companhia por ser muito grande você tem vasta informação sendo transcrita, sendo transportada, então por mais que a gente diga que, entre aspas, não queira levar a empresa para dentro de casa, você leva e você leva uma informação muito legal porque você ensina as pessoas, aquela notícia que você vê na Rede Globo contada, ou em qualquer outro canal, quando você está dentro de uma companhia você tem uma visão um pouco diferente “peraí, não é bem assim!”, então isso você consegue transportar para dentro de casa, para dentro da tua vida e acaba sendo uma coisa boa, muito boa, apesar de repetir “poxa, a gente tem que separar casa e trabalho”, mais ou menos, eu acho que não. A companhia tem uma característica muito grande, as famílias vivenciam muito a nossa vida, é líquido e certo, a minha família eu chego em casa “como é que foi o dia, como é que não foi, o que você fez, o que deixou de fazer?”, “pô, aprendi aqui um negócio legal, olha só, recebi a revista da câmara americana, olha que assunto interessante aqui de meio ambiente, ou de investimento no Rio Grande do Sul, por exemplo, a tua terra”, então você traz isso. Os valores da companhia de ética, de investimento, de inovação, companheirismo, de lealdade são bons, nós temos um excepcional ambiente de trabalho, pelo menos, eu acho que de uma forma geral na companhia como um todo, mas aí deixa eu puxar brasa para a minha sardinha aqui, aquele cantinho que a gente trabalha ali onde está o Gerente de manutenção, Gerente de CO2 olha é muito bom aquilo, a gente trabalha, trabalha duro, um ajuda o outro e a gente ainda ri muito, tem o horário do almoço onde a gente troca as nossas informações, as nossas experiências de vida, de família e a gente ainda ri muito uns com os outros, eu acho que o ambiente de trabalho é excepcional e isso a gente também traz para dentro da gente, tudo é contribuição para nossa vida, para nossa cabeça e para nossa família também. Então, eu acho que o conceito de ética, de melhoria, de tentar fazer o melhor, de partilhar o conhecimento eu acho muito bom, e banha todo o nosso dia a dia, no trabalho e fora. Começa aquela coisa né “Laís bota o cinto de segurança, cuidado quando anda por aqui, vai por ali”, esse é o conceito de segurança da companhia entrando na gente, a minha mulher já me falou “cara, isso aqui, calma nós estamos em casa”, “não, estamos em casa não, você se machuca aqui também, vai com calma, olha só, presta atenção nisso, nisso e nisso, isso pode acontecer aqui”, então é uma coisa que a gente traz para dentro de casa e que na verdade traz para dentro de casa porque você absorveu esse negócio, está no seu sangue. A camaradagem, a lealdade, o grupo trabalha junto, eu acho como um todo, todo mundo se ajuda, são 31 anos de companhia, praticamente a minha vida profissional toda, a minha vida familiar toda dentro dessa casa, o que eu tenho eu consegui com esse trabalho, com ajuda das pessoas, não tem como separar não, é impossível separar. A minha mulher, às vezes, fala para mim “está pensando no trabalho?”, “é… não, mas tá bom”. E eu acho que essa entrevista aqui é um exemplo disso, eu estou muito satisfeito, muito feliz, por isso que eu falei para burro aqui porque me senti muito à vontade, fiquei muito feliz de poder participar e contar a minha história aqui. Eu estava lá fora lendo os livros, da Petrobras, essas coisas aí falei “caramba! Que legal, que bom, eu sou um desses caras aqui e estou podendo participar da minha companhia”, gostei, fico feliz e agradeço a vocês e as pessoas que, alguém levantou meu nome para eu estar aqui e agradeço a essas pessoas.
P/1 – Só mais uma última pergunta, Luiz, o que significa, o que você acha que significa esses 100 anos da White, essa comemoração para o Brasil nesse processo de industrialização?
R – A companhia participou de tudo isso, e eu diria o seguinte, foi uma das locomotivas nesse negócio, é uma empresa relativamente pequena se você comparar com uma indústria farmacêutica, mas o fato dela trabalhar em todo o Brasil, se é um empresa que sempre se sentiu importante, de ponta, de ser a líder do mercado, de ser a melhor empresa de gases, com certeza fez essa companhia ser uma das companhias de ponta dessa industrialização. Quando trouxe a primeira fábrica, quando investiu numa fábrica de colunas criogênicas, que fabrica aqui, que deve ter duas ou três no mundo inteiro, quando mudamos, a primeira planta da companhia ela cabia em metade dessa sala, hoje nós atendemos pólos petroquímicos inteiros, ou seja, investiu, acreditou no país, investiu em tecnologia. Quando, essa planta eu vi em operação, o nível do condensador era visto numa mangueirinha de cristal com água pintadinha de azul, e você via o nível do condensador principal, que é o coração da planta, e que hoje você tem um computador que controla tudo isso, que te diz “olha, toma ação, porque senão eu vou derrubar a sua planta”, ou seja, investiu em tecnologia, investiu em conhecimento de ponta, os 100 anos dessa companhia representam os 100 anos de desenvolvimento industrial desse país, é um sinônimo. E como a companhia cada vez mais fala em produtividade, em inovação, em sustentabilidade, eu tenho certeza que essa regra vai se manter, nós vamos estar daqui a, sei lá, 10, 20, 30 anos falando dos 110, 120, e o mote eu acho que vai ser esse, uma companhia líder do seu mercado, uma companhia apontando para o futuro, inovando, sendo pioneira, pensando o Brasil e América do Sul, eu não posso falar pela América do Sul, eu não trabalho naqueles países, não tenho envolvimento, mas com certeza pensando o Brasil e a América do Sul, eu não tenho dúvida disso, tem um diretor, um vice-presidente que fala que é o DNA, e está no DNA e isso não tem como mudar. Eu tenho certeza que nós vamos estar liderando e trazendo o novo para dentro do país, para dentro da companhia e para o mercado e para os nossos clientes, com certeza.
P/1 – Ok, obrigada.
R – Legal? Eu que agradeço, de novo, agradeci antes né, as pessoas que puderam proporcionar eu estar aqui para contar um pouquinho da minha história, desculpe se eu exagerei um pouquinho...
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