Projeto CTBC Telecom
Depoimento de Dorcelina Freitas Pereira Santos
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira
Uberlândia, 19/04/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CTBC_HV052
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Luiza Gallo Favareto
R - Dona Dorcelina, bom dia, eu queri...Continuar leitura
Projeto CTBC Telecom
Depoimento de Dorcelina Freitas Pereira Santos
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira
Uberlândia, 19/04/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CTBC_HV052
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Luiza Gallo Favareto
R - Dona Dorcelina, bom dia, eu queria que a senhora começasse dizendo, por favor, o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
P/1 – É Dorcelina Freitas Pereira dos Santos, nasci dia quatro do sete de 1913.
R – Certo. Onde a senhora nasceu?
P/1 – Em Uberlândia, ali na Praça Nossa Senhora do Rosário (risos).
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe, dona Dorcelina?
R – Clarimundo José de Freitas e Maria Rita de Freitas.
P/1 – Qual é que era a atividade do seu pai?
R – É fazenda, mexia... Mexia com fazenda.
P/1 – Morava em Uberlândia e trabalhava em fazenda?
R – É, ele morou uns tempos aqui em Uberlândia. Depois, passou para a fazenda, depois mudou para Goiânia porque eu perdi mamãe, eu tinha seis meses de idade. Aí fiquei com a minha avó e ele casou-se segunda vez, foi ajudar construir Goiânia. E lá ele morreu... Morreu novo, morreu com 55 anos. Eu não vi mais.
P/1 – A senhora conheceu seus avós?
R – Conheci.
P/1 – Todos os quatro?
R – Todos eles. O meu avô paterno era Manoel (Dineruz?) de Freitas e Maria Rosa de Freitas. Agora, materno eram Manoel (Pio?) Ferreira e Salvina Maria Ferreira.
P/1 – A senhora tem notícias se seus avós eram daqui da região mesmo ou se vieram de outro lugar?
R – O avô paterno veio de Franca. Agora, os outros eu não sei.
P/1 – O seu pai quando deixou Uberlândia para construir Goiânia, a senhora ficou com...
R – Fiquei com a minha avó... Com os meus avós.
P/1 – Com a mãe dele?
R –
É, com a mãe dele.
P/1 – E ele vinha com frequência aqui, não?
R – Não. Ele não vinha. Eu fui tornar a vê-lo, eu tinha uns dez ou quinze anos, mais ou menos.
P/1 – E como foi esse encontro?
R – Uai, foi simples porque para mim era desconhecido. Eu cumprimentei com natural e tudo e ele me abraçou e tudo, e disse para mim: “Minha filha, eu sabia que tinha você, mas não me importei”, ele disse. E assim ficou (risos). Logo ele morreu também... Aliás, ele adoeceu lá em Goiânia e a minha avó falou assim: “Vai em Goiânia, vai buscar o seu pai.” Aí eu fui lá, trouxe ele. E cuidei dele uns quatro meses e depois ele morreu e eu trabalhava... Eu trabalhava no consultório com um médico, doutor Eduardo Veloso, estava o monsenhor Eduardo lá e ele passando mal. Esperando para morrer, ele não morria. Então, o monsenhor Eduardo falou: “Ele deve estar esperando a filha.” Me telefonaram e tudo, eu fui lá, cheguei, peguei na mão dele, falei: “Pai, como é que vai?” Não falou nada, fechou os olhos e morreu e...
P/1 – A senhora é filha única?
R – Sou filha única. Os meus pais ficaram casados só dois anos. O meu pai morreu com 52 anos e a minha mãe morreu com dezesseis anos. Eu fiquei com seis meses.
P/1 – E como foi a criação dos seus avós, a sua primeira infância... Como foi essa criação?
R – Olha, a minha criação foi muito bem, fui muito bem criada. Só aprendi coisa boa. Se a gente faz coisa errada não foi falta de ensinar, mas acontece que eu sentia falta... Falta ali, um sincero de um carinho de que era. Mas fui muito bem criada. E... Porque o senhor sabe, quem tinha... Os avós tinham outros filhos, tinham outros netos, tudo e a gente ficava mais esquecida (risos). Mas graças à Deus, fui muito bem criada.
P/1 – Como era a casa onde a senhora vivia com os seus avós?
R – É na João Pinheiro... Como é que fala? Como é que sou... Ih, era lá em cima, na João Pinheiro, 923. Aquilo ali era... Não tinha asfalto, não tinha calçamento, não tinha nada (risos). Os postes de luz era de pau (risos). Com umas luzinhas desse tamaninho.
P/1 – A senhora se lembra como é que era a casa?
R – Lembro. Foi uma casa simples, uma casa pequena. Depois que a minha tia casou, aí construiu uma casa boa, uma casa muito boa. Até agora, depois que morreu, os meus avós e tudo, morreu a minha tia, o doutor Luiz da CTBC. Comprou lá, ficou lá. Agora desmanchou tudo, derrubou tudo. Acho que está uma garagem, parece? Era uma casa muito boa.
P/1 – Como é que ela era? A senhora podia descrever como era a casa?
R – A casa é desses tipos antigos. Alta e com (alpendre?), muro assim e subia uma escadinha, chegava na porta, tinha um jardim do lado e era uma casa muito boa. Tinha uns porões muito... O senhor sabe o que é porão. Muito bom, servia até para guardar as coisas, tudo muito... Tudo cimentado, tudo direitinho, muito bom.
P/1 – E os seus amigos de infância ali, dona Dorcelina, a senhora não tinha criança em casa? Amigo da senhora?
R – Não, depois que a minha tia casou, tinha. Nós éramos... A família foi grande. Estava a minha avó e vovô já tinha falecido. E a minha tia casou e foi reunindo, também, as famílias. Nós éramos em 25 pessoas em casa e nove crianças, nove crianças, de modos que eu fiquei misturado com aquela meninada, cresci, ajudei tomar conta de todos. E levava todo mundo para a escola, buscava, dava banho, ajeitava, de modos que a minha... A minha juventude foi isso.
P/1 – Como é que funcionava o dia-a-dia da casa? Todo mundo almoçava junto?
R – Todo mundo almoçava junto, todo mundo. Tinha uns que chegavam mais tarde da escola e tudo, mas já estava tudo prontinho, já a mesa posta, tudo arrumadinho. Era um serviço pesado, mas dava (risos).
P/1 – E a escola dona Dorcelina? A sua primeira escola onde foi?
R – Foi no Grupo Bueno Brandão.
P/1 – Bueno Brandão?
R – É, ali nem tinha praça. Era praça dos “bambu”, só tinha bambu ali (risos).
P/1 – A praça (Dummont?) Vilela?
R – É. Ali era só bambu que tinha. Eu fiz o curso primário lá, depois fiz uma parte de um ginásio aqui no museu. Foi quando construiu o museu. Eu fiz, mas eu não terminei o curso de ginásio.
P/1 – Que era o ginásio municipal?
R – É. De modos que eu estudei ali, fiz o curso primário no Bueno Brandão e fiz até o terceiro ginasial ali onde... O museu.
P/1 – A senhora tinha alguma professora que tivesse marcado a senhora? Que a senhora...
R – Não, não tinha não. A gente tinha... Tinha a dona Alice Paes, o senhor já ouviu falar? Ela foi a professora, ela olhava muito a gente e tudo. E tinha o Grande Otelo (risos). Porque era amigo, colega de escola, muito levado, muito bom amigo.
P/1 – O Grande Otelo ator?
R – É, o Bastiãozinho. Ele chamava Sebastião, a gente tinha apelido dele lá na escola, a gente falava Bastiãozinho. O irmão dele era o Sebastião e a gente era muito amigo. Mas infância mesmo e juventude eu não tive, porque era só trabalho (risos), muito trabalho.
P/1 – E as suas obrigações em casa era mais cuidar dos primos, ali do...
R – Era cuidar dos primo e da cozinha.
P/1 – Como é que era o seu dia assim, um dia típico?
R – O meu dia era levantar bem cedo, ia para a escola. Chegava da escola, já tinha as coisas para arrumar, tinha a cozinha para arrumar, tinha menino para cuidar, tinha... E era isso, era o dia inteiro essa confusão (risos). Leva menino para a escola, busca da escola, dá banho no menino.
P/1 – E tinha algum tipo de diversão, de lazer?
R – Não, não tinha nada. Ali, onde é o (TC?) era um brejo, era água correr ali. Então os meninos brincavam lá, na água correndo porque a Rio de Janeiro era só água, água corria dali, era um córrego ali. Descia água _____ e
a meninada brincava lá, mas eu não brincava. Eu ia olhar os meninos, pajear (risos).
P/1 – E a senhora ficou na casa dos seus avós até quando?
R – Até quando eu casei morei lá.
P/1 – Como é que a senhora conheceu o seu Arcelino?
R – Ele morava e trabalhava no Liceu de Uberlândia, o senhor já ouviu falar? Liceu de Uberlândia. Ele morava lá, porque ele veio da Bahia para estudar. Ele ficou lá e quando ele inteirou, que ele fez o serviço militar, o diretor falou: “Você não vai ser mais aluno interno. Você vai ser aqui, junto comigo, vai ser um dono.” E eu fui trabalhar lá, nos conhecemos.
P/1 – A senhora foi trabalhar para fazer o que lá?
R – Eu fui primeiro... Eu fui primeiro para ajudar a senhora dele que era costureira, para costurar. Aí, ele me viu, o diretor, o seu Mílton falou: “Fica, você vai aprender datilografia e vem lecionar datilografia aqui para mim. Aí eu fui. Aprendi, ensinei. Estava ensinando datilografia muito bem e uma filha dele formou em Belo Horizonte, veio para cá. Ela era de Jardim de Infância, Pré, estas... Aí ele falou para mim: “Fia, você vai deixar datilografia e em ajudar Maria Lúcia aqui na escolinha das crianças. Falei: “Eu não sei, não vou mexer com isso não, seu Mílton.” Ele falou: “Não, mas a sua prática e o seu amor vai servir.” Aí eu comecei com ela, tinha aulas com ela e não sei porque, eu sei que aprendi, o senhor sabe, aprendi a mexer com a meninada e tudo, e depois ela casou e deixou para mim. Eu fiquei. Depois, casei também, continuei lá. Aí, depois, sei lá, fechou e eu saí.
P/1 – E a senhora quando casou com o senhor Arcelino, saiu do Liceu, né?
R – Saí, saí do Liceu.
P/1 – E foi para onde?
R – Não, eu fui para casa, _____ tinha filho pequeno. E depois fui para a CTBC.
P/1 – Mas a senhora casou e já teve o filho logo depois?
R – Daí, um ano e pouco.
P/1 – Quantos filhos a senhora teve?
R – Só dois.
P/1 – Dois.
R – Só um casal.
P/1 – E como é que a senhora se aproximou da CTBC?
R – Olha, eu não sei como é que foi não. Eu sei que a senhora do doutor Luiz chegou lá em casa um dia, falou: “Fica, olha, eu vim te chamar aqui para você ir trabalhar na CTBC porque tem a cantina que tem uma moça que toma conta lá, mas não está dando certo.” Eu falei: “Ó, mas eu não sei mexer com isso não.” Ela falou: “Sabe sim. Você vai lá.” Aí, eu fui e lá fiquei 25 anos (risos).
P/1 – E de onde a senhora conhecia a dona Ofélia?
R – Ela é o meu sobrinho (risos).
P/1 – Ah, ela é a sua sobrinha.
R – É, não é sobrinha, ela é a minha prima, mas eu que criei, ajudei a criar porque eu morava lá na casa.
P/1 – Vivia nessa casa com a senhora?
R – É, eu que ajudei a criar todos os irmãos dela. Eu que curei o umbigo dela, eu que fiz tudo (risos). Então, em vez de ser prima, elas não falam que sou prima, falam que eu sou tia. Ela até fala para o irmão dela, o mais novo, o José Leonardo e eles todos me chamam de tia, mas ela fala: “Não, ela é a nossa segunda mãe.” Ela é tão em um chamego comigo, o senhor nem imagina (risos).
P/1 – Imagino.
R – E a vida foi assim. Uma vida muito boa, boa mesmo, mas foi pesada, foi pesada mesmo.
P/1 – De onde veio esse apelido de Dona Fica?
R – É que a minha mãe, quando eu nasci, papai me registrou... Quando eu tinha três dias, o papai me registrou por nome de Dorcelina, e a minha avó tinha um gênio muito bravo, muito... Não sei, eram gênios diferentes, esquisitos. E ela... O papai chegou muito alegre com o registro, mostrou para mamãe, mamãe ficou muito satisfeita, tudo e a minha avó veio e foi aonde ela sofreu a recaída que morreu e eu fiquei. Ela... O senhor sabe: “Mocinho tem muitas namoradas”. E ela zangou com a minha mãe: “Por que você deixou pôr esse nome se ele teve uma namorada com esse nome?” E ficou brava com a minha mãe, porque ela não devia ter deixado isso porque papai tinha tido uma namorada com o nome. E acho que para aviso foi forte mesmo. Mamãe sofreu uma recaída e não ficou boa mais. Ficou sempre doente, morreu quando eu tinha seis meses. Aqui só tinha um médico, o doutor Mário Faria e que, hoje, tem até o edifício lá, onde ele tinha residência. Ali perto do Britas lá. O senhor sabe aquele edifício grande ali? E não teve salvação, morreu. A minha mãe morreu com dezesseis anos. Papai ficou viúvo com cinquen... Morreu com 52 anos... 55 anos.
P/1 – Dona Dorcelina, quando a dona Ofélia foi lá convocar a senhora, a senhora foi fazer o que lá na cantina? O que a senhora encontrou lá?
R – O que eu encontrei lá foi a cantina montada e tudo, mas muito desorganizada, muito mesmo. E aí eu tive que pôr tudo em ordem porque lá nós tínhamos os... Tinha de tudo na cantina. Fazia... Não era um salgado, um molho, uma coisa que punha em uma... Como é que chama esse negócio? Parece linguicinha, mas não é não. Como é que é? Salsicha. Fazia um molho de salsicha, tudo. Servia de tudo; tinha leite, tinha chá, tinha café, tinha bolos, tinha... Tinha de tudo. E os funcionários, nós tínhamos um talão assim, então os funcionários... Era servido e tudo, pedia o que queria, a gente tomava nota de tudo. E quando era fim de mês, a gente somava aquilo tudo e mandava para o departamento de... Lá era tesouraria, para descontar no fim do mês na conta. E aquilo estava muito desorganizado, estava tudo muito coiso. Então até que eu coloquei isso em dia, deu trabalho.
P/1 – A senhora tinha mais gente para ajudar a senhora lá?
R – Tinha. Nós... Eu só dirigia e fazia compras. Tinha eu, tinha três moças que me ajudavam porque de manhã, logo ali para às nove horas, ia em todos os departamentos e servia o café. Agora, aqueles que podiam sair, ia na cantina tomar um lanche. Os outros que não podiam, tomavam um café. Aqueles que queriam leite, levava o leite para eles e assim foi.
P/1 – Isso era aonde? Funcionava onde?
R – Era aqui na CTBC mesmo. Aqui.
P/1 – Da João Pinheiro?
R – Da João Pinheiro.
P/1 – Em que lugar do prédio funcionava?
R – Hoje reformou. Era... Não sei se agora ainda tem uma escada que sobe e não tinha escada, não tinha parte de cima, era em baixo mesmo. Depois é que construiu em cima, aí funcionava em cima. Aí, eu fui para onde é a Algar, lá era CTBC Industrial, tinha que montar lá a cantina, olhar, dirigir, tinha que... Depois construiu a 232, eu tive que montar lá também e olhar. Eu parecia cigano. Eu ficava aqui, ficava lá, ficava aqui, ficava lá (risos). Depois fui montar em Uberaba, depois fui montar em Franca. Tinha que olhar.
P/1 – Qual é o segredo de montar uma cantina que funcionasse bem?
R – Olha, era um pouco apertado, porque tinha os talões, tudo e eu já explicava. Então todo fim de mês eles mandavam tudo certinho. Lá já fazia o pagamento, e da diretoria lá também, do tesoureiro já mandava para cá e os da cantina também me mandavam e eu mandava, levava para lá. E eu ia todo mês para conferir, ver tudo se estava certo.
P/1 – Certo. Quem fazia essa conta era a senhora?
R – Era.
P/1 – Era feito tudo na mão?
R – Era tudo na mão. Depois foi aumentando muito, aí teve que fazer tudo na máquina (risos). Aí foi aumentando demais.
P/1 – E as pessoas podiam frequentar a cantina a hora que quisesse?
R – Não, era... Se sentisse... Porque nós tínhamos até remédios. Se sentisse alguma coisa, ou estava com fome, tudo, podia. Pedia ao gerente e ia lá e tomava, mas o horário era nove e meia e às duas e meia que servia. E servia também às seis da tarde, que uns que ficavam. Chegava e ficava...
P/1 – E tinha uma cozinha montada?
R – Tinha a cozinha montada, tudo direitinho. Fogão à gás, tudo direitinho.
P/1 – Qual era a especialidade da cantina?
R – Da cantina?
P/1 – Não, era normal mesmo. Era pão de queijo, rosquinhas, leite e leite com Toddy, leite... Às vezes, quem queria chá tinha chá, café e tinha também bombons, balas, tudo a gente tinha lá. E tínhamos também... Como é que fala? Coisas para... Quem queria para a pele um creme, uma coisa, a gente tinha um sabonete especial, a gente tinha lá porque tinha muita moça que queria, que usava. Muitas vezes, até foi ideia de uma que pediu para pôr porque ela falou: “Às vezes, a gente tem dinheiro para comprar e aqui a gente compra, faz a notinha” (risos). Então a gente arrumou para elas.
P/1 – Os preços eram mais baixos?
R – Eram mais baixos. Era mais baixo do que nas cantinas aí, nos bares, era mais baixo. E tinham os funcionários que tinham filhos também, comprava, levava leite, levava pão, a gente tinha pão também, fazia uns sanduíches. E levava para lá. Até, eu não esqueço até hoje, o Luiz... Você conhece o Luiz Alexandre? Era pequeninho, aquele menino é um encanto desde pequenininho. Houve uma mudança no leite, então ele chegou para mim e falou: “Tia, e esse negócio de leite?” Eu falei: “Não, meu filho, vai... Só hoje que faltou, amanhã já vai começar.” Porque houve uma mudança de preço e tudo, aí ele chamou a mãe dele: “Mamãe, escuta... Como é que vai fazer o funcionário, como é que vai levar leite para a criancinha? Não pode deixar sem leite para criancinha não.” Eu falei: “Não, meu filho, criancinha não fica sem leite. Amanhã já tem leite aqui para a criancinha, tem pão, tem tudo.” Aí acalmou. Se não, ele não acalmava, porque não podia criancinha ficar sem leite não (risos).
P/1 – Está certo. Dona Dorcelina, quem fazia as compras para as cantinas?
R – Eu (risos). Eu tinha que fazer tudo. Refrigerante, água, que lá não dava água da torneira, era água mineral.
P/1 – Então a senhora ficava muito tempo na rua, mais na rua do que lá? Como era?
R – Não, eu fazia assim; eu olhava tudo que precisava. Telefonava para a firma, a firma mandava lá a pessoa, o vendedor, a gente já fazia as compras.
P/1 – Então a senhora ficava mais... Mais baseada na própria cantina.
R – Na própria cantina.
P/1 – Certo. E aí quando começou abrir outras cantinas em outros lugares...
R – Era a mesma coisa.
P/1 – E a senhora que saía [para] fiscalizar?
R – É. Eu, por exemplo, eu sempre ficava aqui, de manhã e depois do almoço eu ia para o industrial, ia para o 232. Outra hora eu ficava... Ia de manhã para lá e ficava aqui à tarde. Era assim.
P/1 – E quando era para ir para outra cidade do jeito que a senhora foi?
R – Aí eu já deixava tudo certinho. Já tinha... Sempre eu tinha uma ajudante lá que entendia mais as coisas, eu já deixava ela responsável por isto. Ela já olhava tudo.
P/1 – E para quem que a senhora prestava satisfação?
R – Era para a dona... Era para a Ilce, o senhor conhece a Ilce? ______ era para ela. Dava tudo para ela.
P/1 – Que era da tesouraria?
R – É, da tesouraria.
P/1 – E como é que era a dona Ilce nesse trato?
R – Olha, a dona Ilce era muito boa e era muito exigente. O negócio tinha que ser certo mesmo. Quando chegava fim de mês, que aí chamava um rapaz... Até o Arcelino que arranjava para mim, um rapaz da portaria que sabia datilografia tudo direitinho. Até, ele morreu, ele é muito bom. Ele trazia a máquina e nós passávamos... Sempre eu marcava para ele, ou à noite, ou então se o mês vencia na Segunda ou na Terça-feira, então no Domingo a gente vinha, somava tudo. Era um monte assim. Você somava tudo e depois mandava para a dona Ilce. Aí ela já ia conferir tudo e já fazia a folha de pagamento. Já descontava tudo. Era puxado.
P/2 – Algum funcionário reclamava dessa cobrança, chegou a reclamar da cobrança?
R – Não, nunca reclamou, nunca reclamou.
P/2 – Tipo: “Ah, veio errado o meu valor.”
R – Não, não errava. E era um pouco pesado. Tinha aquelas moças, ela gostava. Às vezes estava tristonha, qualquer coisa, “não fica, vem cá. Vou contar um negócio para o senhor, o que o senhor acha?” Eu contava o que ele estava sentindo, o que ele estava passando, tudo. Eu falo: “Meu Deus, Deus vai me orientar o que é que eu vou falar para ele, contar para ele”. Era assim. Outros eram tristonho como tinha um que era o Cláudio. Era tristonho que nossa senhora, não conversava, nem nada. Aí eu falava: “Cláudio, mas você é calado.” “É dona Fica, o negócio não é brincadeira não.” Então, comecei a fazer mensagem para ele, punha no envelope assim quando ia os talões de conta, punha, você sabe que ele mudou de vida? Eu me lembro a primeira mensagem que eu pus para ele, eu falei...
P/1 – Desculpa, desculpa, só um momentinho. Vai ter que trocar a fita...
P/1 – A senhora estava falando desse rapaz Cláudio que era tristonho, que...
R – Era tristonho. Eu esqueci as mensagens, que a primeira que eu escrevi para ele eu pus o cartãozinho em um envelope com as contas, eu sei que pus assim: “Sorria, Jesus te ama.” Deixei. Todo mês eu passava uma. E o senhor sabe que o moço mudou mesmo. Um dia chegou ele lá na minha casa com a mãe, a mãe chorando, me abraçando, falou: “A senhora consertou o meu filho.” Eu falei: “Eu não consertei. Foi Deus que consertou”. Outro não está dando certo com a esposa, ___________. Eu falei: “Meu Deus, o que eu vou fazer? Entrar no meio da vida dos outros eu não posso, mas em todo caso, preciso dar um conselho” (risos) E assim foram vários casais, a gente... Eu tenho até uma galinha de louça assim, ele se chamava Antônio. Um dia chegou lá em casa... Não, ele chegou na CTBC com um embrulho muito bonito, me deu uma galinha de louça. “Tá dona Fica, aqui, isso é para a senhora quando ver esse aqui para lembrar de mim.” Eu falei: “Uai, por que?” “A senhora sabe que deu tudo certinho, eu já vou ser papai.” Eu falei: “Então está bom. Está certo.” (risos) E assim a gente foi levando a vida. _____ conversava: “Fica, o que é isso? Aconteceu isso comigo.” “Dona Fica...” “Vamos pedir a Deus para dar certinho. Vamos ver como é que vai ser.” E a gente fica desse jeito (risos).
P/1 – A senhora virou uma espécie de confidente. Eu queria que a senhora também se lembrasse de outro personagem, outra pessoa assim que tivesse tido... Tivesse ido buscar conselhos para a senhora.
R – Tem um outro também que é... Foi o Cláudio, o Antônio... O Cláudio, o Antônio e qual é o outro? Ah, o Valdemar, mas não é o Valdemar parente lá não, é outro Valdemar. Também com... Não estava entendendo a esposa, não sei o que? O que foi? “Não, a sogra está dando palpite. Está fazendo isso e ela não quer me atender.” Aí eu tive que conversar com ela, conversar com a mulher dele. Até, eu fui lá, eu falei: “Olha, você não vai falar com o seu marido que eu estive aqui não. Eu vim cá visitar vocês tudo, mas ele não precisa saber e nem você sabe... E também, eu não estou conversando com ele não.” Eu não queria que ela não soubesse que eu estava conversando com ele.Recolher