A Cobrona que cuspia Fogo
Era uma cobrona terrível e monstruosa, que morava lá da outra banda do rio, e que em certas noites “surtava”, e percorria a margem do rio, pros lados de Sorocaba fazendo um barulho ensurdecedor e cuspindo um fogaréu medonho na escuridão da noite.
Eu estava extasiado com a nossa nova casa, localizada ali na antiga Vila Albertina, bem na esquina das ruas Tarcísio Nascimento e Albertina Nascimento e que, perto dos acanhados três cômodos onde moramos até o dia anterior, nos altos da Vossoroca; para mim era uma mansão. A cozinha era enorme, corredor, dois quartos e uma ampla sala, cuja janela dava para a margem do rio Sorocaba. A vizinha Dona Nena, com quem minha mãe conversava, por cima da cerca metálica, informara que casa era muito boa pois ali morara, até alguns dias antes, a própria Dona Elvira, que havia alugado a casa para o meu pai, simples operário da Fábrica de tecidos e que dava boas risadas ao ver que não tínhamos móveis para a sala. Éramos cinco filhos, dos quais eu o caçula, que nessa casa passaria a infância. Havia ainda um quartinho nos fundos um pequeno jardim, um quintal imenso que logo foi habitado pela galinhada, e além dele uma área tomada por um bambuzal, que margeava o rio e era a “zona proibida” para mim. Eu me deliciava com tudo aquilo, mas de vez em quando me lembrava do que Dona Nena havia falado, a primeira vez que vi, seu rosto magro, por cima da cerca. “Hei menino, cuidado com a cobrona de ferro, que de noite passa prá lá do rio, gritando e cuspindo fogo! ”
Não me assustei muito com o Jacaré de duas cabeças, que segundo ela, morava no fundo do rio e tinha três metros de cumprimento, nem com a Mãe D’água, que vinha à tona em algumas manhãs para pegar crianças e arrasta-las para o fundo do rio. “Você nunca me vá na beira do rio, senão...olha aqui ó! ” Me dizia Dona Georgina, mãe saudosa, com o chinelo na mão. Então, aquele chinelo de couro que eu...
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A Cobrona que cuspia Fogo
Era uma cobrona terrível e monstruosa, que morava lá da outra banda do rio, e que em certas noites “surtava”, e percorria a margem do rio, pros lados de Sorocaba fazendo um barulho ensurdecedor e cuspindo um fogaréu medonho na escuridão da noite.
Eu estava extasiado com a nossa nova casa, localizada ali na antiga Vila Albertina, bem na esquina das ruas Tarcísio Nascimento e Albertina Nascimento e que, perto dos acanhados três cômodos onde moramos até o dia anterior, nos altos da Vossoroca; para mim era uma mansão. A cozinha era enorme, corredor, dois quartos e uma ampla sala, cuja janela dava para a margem do rio Sorocaba. A vizinha Dona Nena, com quem minha mãe conversava, por cima da cerca metálica, informara que casa era muito boa pois ali morara, até alguns dias antes, a própria Dona Elvira, que havia alugado a casa para o meu pai, simples operário da Fábrica de tecidos e que dava boas risadas ao ver que não tínhamos móveis para a sala. Éramos cinco filhos, dos quais eu o caçula, que nessa casa passaria a infância. Havia ainda um quartinho nos fundos um pequeno jardim, um quintal imenso que logo foi habitado pela galinhada, e além dele uma área tomada por um bambuzal, que margeava o rio e era a “zona proibida” para mim. Eu me deliciava com tudo aquilo, mas de vez em quando me lembrava do que Dona Nena havia falado, a primeira vez que vi, seu rosto magro, por cima da cerca. “Hei menino, cuidado com a cobrona de ferro, que de noite passa prá lá do rio, gritando e cuspindo fogo! ”
Não me assustei muito com o Jacaré de duas cabeças, que segundo ela, morava no fundo do rio e tinha três metros de cumprimento, nem com a Mãe D’água, que vinha à tona em algumas manhãs para pegar crianças e arrasta-las para o fundo do rio. “Você nunca me vá na beira do rio, senão...olha aqui ó! ” Me dizia Dona Georgina, mãe saudosa, com o chinelo na mão. Então, aquele chinelo de couro que eu conhecia muito bem, já era um ótimo pretexto para não ir na “zona proibida” que era beira do rio, e portanto, a tal Mãe Água e o Jacaré de duas cabeças, que a Dona Nena falou, não me faziam muito medo.
Mas... a tal Cobrona que cuspia fogo de noite, e que passava gritando lá em cima do barranco, na outra margem do rio, não me saia da cabeça e comecei a imaginar como seria aquela nossa primeira noite na nova casa. E se a cobrona cismasse mão de descer barroca abaixo? Onde iríamos nos esconder? Meu pai já havia matado cobras grandes, no Sertão de Jacupiranga, onde nasci, mas essa aí, tinha ferro, coisa que nunca ouvi dizer.
E assim, aquelas primeiras horas, e principalmente essa primeira noite, acabou sendo para mim inesquecível. Quando começou a escurecer fiquei meio jururu em um canto da casa, meus pais e irmãos ainda estavam organizando os poucos móveis que tínhamos. A vizinha Dona Nena, que na verdade chamava-se Natividade Berbem, esposa do Senhor Demétrio, Mãe do Álvaro, do Dori e da Alice, pessoas queridas que fizeram parte da nossa vida familiar; toda prestativa, trouxe-nos um bulão de chá, pão, bolachas e doces. Lembro seus olhinhos miúdos me fitando e dizendo, por cima dos óculos: “Olha menino, já tá escuro e daqui a pouco tá na hora da cobrona passar, você vai ver”. Eu já tinha esquecido a bendita cobra..., mas Dona Nena tinha que me lembrar. Minha mãe ria muito, de ter que pôr a mão na boca. Recorri á minha saudosa irmã Dina e lhe indaguei sobre a tal cobra ““Saci e Boi Tatá já mostrei a você naquele livrão de histórias que eu peguei lá da Biblioteca do Clube, mas cobrona de ferro, que passa gritando e cuspindo fogo, nunca ouvi dizer que existe! ”. O fato é que, quanto mais eu tentava apagar a imagem do Monstro, mais ela crescia na minha mente fantasiosa de criança, na medida em que a noite avançava.
Cansado das correrias do dia, de ver tantas novidades em um só dia, lembro-me meus olhos já estavam se fechando quando ouvi o apito das 22 horas da Fábrica de tecidos...Acordei em pânico e aos gritos com aquele barulho ensurdecedor, “A cobrona...a cobrona! ”. Meu pai veio correndo da cozinha com um pau na mão em direção ao quarto. Mas eu gritava mais ainda e gesticulava “Lá em cima pai! Lá em cima” apontando para o lado da via férrea, na outra margem do rio. O espetáculo que presenciei, dominado pelo terror, era apavorante: “A cobrona lá estava, exatamente como dissera Dona Nena, com seu grito ensurdecedor, cuspindo fogaréu na escuridão da noite e na minha imaginação de menino de seis anos, era o fim do mundo”
Minha mãe me deu água com açúcar, enxuguei o suor que caia em bicas, e somente bem mais tarde consegui pegar no sono, por causa do terrível “Cobrona de Ferro” que meus olhos viram pela primeira vez e que era a Maria Fumaça, pilotada pelo Leopoldo Strongoli, acelerando no máximo para puxar a composição no primeiro trecho que era uma subida. O apito intermitente e agudo, era para alertar charretes, carroças e um ou outro veículo, que cruzava a Passagem de nível da Avenida Luiz do Patrocínio Fernandes. Enfim, era essa a terrível cobrona que cuspia fogo e com a qual convivi até fevereiro de 1965, cujo apito ainda ecoa em minhas lembranças “piui...piui...piui...piui Café com pão, mantega não, café com pão, mantega não....{Diácono José da Cruz jotacruz3051@gmail.com}
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