P/1 – Senhor Reinaldo, pra começar eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Eu sou Reinaldo Benjamin Ferreira. Nasci em Campo Grande no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, na época. No dia 20 de junho de 1935.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Meu Pai era Antônio Ferreira, natural da Paraíba, mas mudou-se para o Mato Grosso do Sul. Lá, conheceu a minha mãe Vicência Benjamin Ferreira com quem se casou e teve três filhos.
P/1 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai era estofador, uma atividade que hoje é pouco prestigiada, mas na época ele tinha uma oficina de estofamento e trabalhava também com selaria. Ele fabricava arreios, montarias pra cavalos e esse tipo de coisa. Então papai tinha uma atividade quase artesanal e minha mãe sempre trabalhou em casa apenas nas lides do lar.
P/1 – E agora a gente vai falar um pouquinho da sua infância, você lembra como que era a sua casa quando você era criança? O bairro? A rua?
R – Eu me lembro de algumas coisas de quando era muito pequeno. Meus avós foram pioneiros em Campo Grande, porque meu avô foi de Franca, do interior de São Paulo pra lá. Minha avó também. Lá, eles fundaram uma pensão chamada Pensão Bentinho, até hoje tem esse nome lá. Bentinho porque meu avô chamava-se Bento Gonçalves Benjamin e eles eram parentes do José Antônio Pereira que foi fundador da cidade de Campo Grande. Então praticamente eles foram no início quando não tinha nada na cidade, andava-se de carro de boi etc. Eu tenho uma vaga lembrança dessa Pensão Bentinho cujo prédio ainda existe. Foi um pouco deturpado, mas ainda existe, era no centro da cidade naquela época. Minha avó costumava receber peões de fazendas. O Estado de Mato Grosso do sul era Mato Grosso ainda era um Estado essencialmente rural, então havia muitos fazendeiros na redondeza. Eu mesmo tenho na família alguns...
Continuar leituraP/1 – Senhor Reinaldo, pra começar eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Eu sou Reinaldo Benjamin Ferreira. Nasci em Campo Grande no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, na época. No dia 20 de junho de 1935.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Meu Pai era Antônio Ferreira, natural da Paraíba, mas mudou-se para o Mato Grosso do Sul. Lá, conheceu a minha mãe Vicência Benjamin Ferreira com quem se casou e teve três filhos.
P/1 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai era estofador, uma atividade que hoje é pouco prestigiada, mas na época ele tinha uma oficina de estofamento e trabalhava também com selaria. Ele fabricava arreios, montarias pra cavalos e esse tipo de coisa. Então papai tinha uma atividade quase artesanal e minha mãe sempre trabalhou em casa apenas nas lides do lar.
P/1 – E agora a gente vai falar um pouquinho da sua infância, você lembra como que era a sua casa quando você era criança? O bairro? A rua?
R – Eu me lembro de algumas coisas de quando era muito pequeno. Meus avós foram pioneiros em Campo Grande, porque meu avô foi de Franca, do interior de São Paulo pra lá. Minha avó também. Lá, eles fundaram uma pensão chamada Pensão Bentinho, até hoje tem esse nome lá. Bentinho porque meu avô chamava-se Bento Gonçalves Benjamin e eles eram parentes do José Antônio Pereira que foi fundador da cidade de Campo Grande. Então praticamente eles foram no início quando não tinha nada na cidade, andava-se de carro de boi etc. Eu tenho uma vaga lembrança dessa Pensão Bentinho cujo prédio ainda existe. Foi um pouco deturpado, mas ainda existe, era no centro da cidade naquela época. Minha avó costumava receber peões de fazendas. O Estado de Mato Grosso do sul era Mato Grosso ainda era um Estado essencialmente rural, então havia muitos fazendeiros na redondeza. Eu mesmo tenho na família alguns parentes, primos, parentes de segundo grau, terceiro grau que são fazendeiros e esse pessoal de fazenda, não só os fazendeiros como a peonagem, o pessoal que trabalhava, ia a Campo Grande, e a única pensão que eles tinham para se hospedar era a Pensão Bentinho, não tinha hotéis naquela época. Eu cresci ali, muito paparicado pela minha avó, por uma tia que já faleceu, infelizmente, e por uma prima que ainda é viva e hoje está com mais de 80 anos, é mais velha que eu dez anos. Ela era mocinha e eu um garotinho. Então eu era muito paparicado por essa gente e tenho recordações muito gratas dessa época. Não vivi uma infância de abastança porque meu pai, pela profissão dele, não ganhava muito, mas era uma vida feliz, uma vida alegre. Eu fiz meus primeiros estudos em Campo Grande. Meu primeiro colégio foi o Ateneu Rui Barbosa.
P/1 – Reinaldo, espera um pouquinho. A gente está resgatando um pouco da sua memória de criança. Eu queria que você falasse um pouco da sua casa, como era o dia a dia na sua casa. Sua casa tinha quintal? Tinha planta? Como é que era isso?
R – Tinha quintal, tinha umas árvores muito frondosas ao lado. Isso não era a minha casa, era a casa da minha avó, mas nos primeiros anos de vida eu morava lá. A minha avó tinha uma casa contígua à pensão, no mesmo terreno, então nós morávamos nessa casa ao lado da Pensão Bentinho e o pátio em volta era cheio de árvores frondosas, tinha muito caju e principalmente muito jamelão, aquela fruta roxinha que a gente come e fica com a boca toda suja, toda roxa. Era um suplício pra minha mãe que tinha que tirar manchas das roupas e tal! Eu era um pouquinho levado, gostava muito de subir em árvores e à medida que fui crescendo, já não tão pequeno, gostava de subir em árvores pra catar frutas: goiaba, laranja, limão. Nos fundos do terreno da Pensão Bentinho passa o córrego que se chama Córrego Prosa que ainda existe em Campo Grande hoje. Tem uma parte desse córrego que está canalizada, mas nessa época era como se a gente morasse num sítio, entende? Embora a cidade tenha se expandido, a gente morava naquela casa que era uma casa simples junto à pensão. A gente recebia muitas pessoas de fora e me paparicavam muito, não só minhas tias como minha prima, o pessoal da casa, mas os hóspedes também paparicavam muito a gente.
P/2 – Você era o caçula?
R – Não, eu fui o primeiro filho do casamento dos meus pais e depois vieram mais dois filhos. Houve um intervalo. Na realidade, minha mãe teve cinco filhos entre o meu nascimento e o nascimento do Mário que hoje é vivo e foi funcionário do Banco do Brasil, hoje aposentado, e trabalha no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Nasceu um menino, o Haroldo, que faleceu logo depois. E entre o nascimento do Mário e o nascimento do Francisco, que é o caçula, teve outro nascimento que foi o Antoninho que faleceu também. Então somos três irmãos vivos.
P/1 – Agora voltando um pouco. Essa paisagem que você começou a descrever dessas frutas, que você brincava. Quais outras brincadeiras que existiam? Havia festas nessa época?
R – Havia muito baile. Minha mãe era muito festeira, gostava muito de dançar e meu pai acompanhava. Na própria Pensão Bentinho havia muitos bailes familiares. Por esse lado festivo dela todas as datas que ela achava que deveria celebrar ela fazia uma festinha, aniversários na família. E isso sempre era um motivo pra um arrasta pé, como a gente dizia naquela época, que eram essas danças. Havia serestas também e muitas pessoas que se aproximavam da gente tocavam violão, tocavam sanfona que é o acordeom hoje. Eram bastante animadas essas reuniões de família, de amigos. Eu cresci nesse ambiente, até meus seis ou sete anos, quando meu pai se mudou pra outro imóvel. Aí minha avó vendeu a pensão. A Pensão Bentinho foi passada pra terceiros que continuaram explorando o estabelecimento com o mesmo nome. Eu acho que ainda tem até hoje, mas já tem alguns anos que eu não volto a Campo Grande. A Pensão Bentinho rendeu um capítulo de um livro que o Doutor Paulo Coelho Machado, um advogado lá de Campo Grande, escreveu sobre as origens da cidade. Ele cita meu avô, minha avó, a Pensão e essas coisas todas da minha infância, que já está muito distante.
P/1 - E sobre Campo Grande mesmo, existe alguma festa folclórica ali na região?
R – Não, Campo Grande é uma cidade que se modernizou bastante. Você sabe que Campo Grande está no epicentro da região de cerrado? O Mato Grosso do Sul e parte do Mato Grosso não estão na região amazônica e são constituídas por uma vegetação típica de cerrado. Mas as festas que se celebram lá ainda hoje são as festas juninas: São João, São Pedro, Santo Antônio. A minha mãe mesmo celebrou por muitos anos a passagem do dia de Santo Antônio em homenagem ao meu pai. E eu tinha uma tia, a tia Tereza, irmã do meu avô, que celebrou anualmente a festa de São João, até morrer. Suas filhas que ainda são vivas continuam celebrando essa festividade. Mas além das festas juninas eu não me recordo de nada assim. E das festividades comemorativas em datas familiares eu não me recordo de nada assim muito típico que ocorra em Campo Grande, pois Mato Grosso do Sul é um estado mais novo e não tem aquelas tradições que Goiás tem, como as cavalgadas ou o Rio Grande do Sul que tem aquelas danças gaúchas e que são muito interessantes. Por sinal, os gaúchos, de certa época pra cá, tomaram de assalto aquela região Centro-Oeste, então hoje em dia tem muito gaúcho vivendo no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso e eles levaram parte das tradições gaúchas. Fundaram TGs nesta região. Eles foram pra lá nos anos 70 para implantar uma cafeicultura. Se pretendia fazer do cerrado uma região cafeeira. Mas sabe-se que é uma região também com clima um pouco inóspito. No inverno há muitas geadas. E eu trabalhava no Banco do Brasil, nessa época, e era responsável pela carteira agrícola. Estou avançando um pouco no tempo para falar desse problema da região. A primeira leva de cafeicultores que foi pra Campo Grande e desmatou a região de cerrado e plantou café teve um prejuízo muito grande. Quando o café estava florescendo veio uma grande geada e acabou com o café que se pretendia colher. Então ali virou plantação de soja, já mais por influência de gaúchos. Depois também veio o aumento das pastagens. A região está sendo desmatada cotidianamente para transformar aquilo em pastagens, já que a economia dita as regras de comportamento das pessoas. Os forasteiros, que emigraram para o Mato Grosso do Sul foram com intenções de ganhar dinheiro, claro. E as atividades que eles mantinham, que eles exerciam no sul do país, eles transferiram para aquela região. Hoje é um Estado que produz muito trigo, arroz, feijão além da mandioca que sempre foi, e acho que continuará sendo por muito tempo ainda, a cultura agrícola prioritária em termos de nativos de lá. A mandioca não requer maiores cuidados, ela brota no cerrado com muita facilidade. Eu vou voltar um pouquinho na minha infância e me lembrar, pois você perguntou de coisas que eu fazia quando era pequeno, e isso até quando era já rapaz, que era catar guavira. É uma fruta típica do cerrado. Falamos guavira, mas é gabiroba, uma fruta doce, que no cerrado dá muito, até na vizinhança de Brasília se cata gabiroba. Se fala catar guavira, catar gabiroba. Eram verdadeiras festas aqueles domingos. Às vezes, numa caminhonete em que as crianças iam atrás e os adultos na frente, íamos pras fazendas onde sabíamos que havia produção de guavira e de jabuticaba. Levávamos pão, sardinha, mortadela e fazíamos aqueles piqueniques de domingo inteiros. Isso também é uma memória de minha infância que eu estou resgatando nisso aqui.
P/1 – Agora sim a gente vai pra escola. Como é que o senhor começou a estudar? Como que era a sua escola? Como foi o primeiro dia de aula?
R – Eu morava em Campo Grande. Na época em que comecei a estudar não havia o pré-escolar lá em Campo Grande, então entrei direto para o curso primário. Fui aluno do Ateneu Rui Barbosa que era de propriedade do professor Múcio Teixeira Júnior e fiz todo o meu curso primário lá. Sempre fui muito aplicado, minhas notas eram muito boas e todo fim de ano nas festas escolares eu recebia uma medalhinha de honra ao mérito dourada, que não era nada mais do que um latão, mas pra mim tinha muito valor aquilo, porque eu era realmente muito aplicado nos meus estudos e o Professor Múcio Teixeira e os professores todos gostavam muito de mim. Quando terminei o curso primário, o professor Múcio Teixeira instituiu um curso de admissão ao ginásio. Era uma maneira de segurar por mais tempos as crianças na escola. Eu fiz um ano de admissão até que vim a ingressar no Ginásio Estadual Campo Grandense, que ainda existe hoje, só que parece que hoje se chama Colégio Estadual Campo Grandense. Fiz o meu curso ginasial todo ali. Concluído o curso ginasial, não havia científico no estadual, então eu passei a ser um aluno salesiano, ingressei no colégio Dom Bosco de Campo Grande. Naquela época, o Colégio Dom Bosco tinha até o curso científico. Fiz o curso científico todo lá. Hoje o colégio Dom Bosco chama-se faculdade Dom Bosco, porque ele tem alguns cursos de ensino superior, mas na época em que eu morava em Campo Grande não havia isso. Aos 18 anos estudando, frequentando ainda o último ano de curso científico, eu fui chamado pra servir no Exército. Eu tinha que cumprir com minhas obrigações militares, não era fácil naquela época escapar do serviço militar, até porque a população estudantil, a população jovem, era bastante restrita. Não tinha essas levas de dispensa de serviço militar que há hoje em dia porque o índice de jovens hoje é muito grande, pouca gente vai pro Exército. Então eu servi o Exército cursando o terceiro ano científico. Tem um fato curioso. Quando fui chamado para servir, tinha um primo meu que era oficial do Exército. Era major nessa época e eu fui procurá-lo para que me dispensasse porque eu queria estudar, queria terminar o meu curso científico e sair pra fazer faculdade. Mas ele falou: “Não. Você como brasileiro tem que se orgulhar de servir a pátria e você vai passar aqui entre dez meses e um ano servindo a pátria. Você não vai ser dispensado, não”. Era um bom primo que eu tinha. Bom, terminei o meu curso científico junto com o termo do meu serviço militar. Vou fazer aqui um parêntese. Nesses onze meses em que eu servi o Exército em Campo Grande eu fui um pouco privilegiado. Ia muita gente do interior de São Paulo, da região do noroeste do Brasil servir em Campo Grande. Eu tive o privilégio de ser destacado pra servir numa companhia de saúde onde o serviço era bem mais tranquilo do que quem ia servir na cavalaria, na infantaria, na artilharia. Eu fui trabalhar na área de saúde, fazia os serviços burocráticos da companhia de saúde e cheguei até a aprender a dar injeção, coisa que eu nunca tinha feito. Eu tinha pavor de sangue, eu nunca gostei disso. Dizia que jamais estudaria Medicina porque eu tinha uma verdadeira ojeriza a sangue na minha frente. Mas aprendi a dar injeção porque na época tinha que fazer vacinação de soldados, vacinação da tropa e eu era chamado para aplicar injeção. Por quê? Não vou dizer que eu era o melhor, mas talvez estivesse entre aquelas pessoas mais esclarecidas que teriam mais facilidade para atuar nessa área. Eu era pau para toda obra na companhia de saúde. Durante o tempo em que eu servi aconteceu uma fatalidade nacional enquanto eu estava de serviço à noite. Eu prestava serviço também de ronda, aquele revezamento que se faz nos quartéis. Durante uma noite que eu estava em serviço aconteceu o suicídio de Getúlio Vargas em 25 de agosto de 1954. Um fato que não esqueço porque o país todo entrou em ebulição. O Exército de prontidão, aquele negócio todo. Isso aí ficou muito marcado pra mim. Eu já era rapaz, não era pra ter esquecido isso mesmo, mas eu faço questão de dizer aqui porque é uma data histórica na minha vida militar como soldado. Eu fiquei pouco tempo como soldado. Os primeiros meses fiquei como soldado e logo em seguida fui promovido a cabo. Terminei minha vida militar como cabo. Ao deixar a caserna, o Doutor Germano Barros de Souza, que era quem comandava na época essa décima quarta companhia independente de saúde, me chamou e fez questão de me dar uma carta de apresentação, que eu guardo com muito carinho, dizendo que, entre outras coisas, sabia que onde eu estivesse na vida civil, eu me comportaria com a mesma dignidade que mantive na vida militar. Desculpe, mas é uma coisa emotiva pra mim.
P/1 – Eu vou aproveitar esse pedacinho da sua juventude pra tentar explorar um pouco mais a sua memória. O que você fazia enquanto estava servindo? Você namorava? Como que eram as festas? Tinha grupo de amigos?
R – Tinha o grupo de amigos de colégio, uma turma muito boa do curso ginasial, amigos muito chegados. E no curso científico e no quartel também fiz boas amizades, tanto que depois que eu dei baixa do Exército eu cheguei a fazer uma viagem pelo interior de São Paulo pra visitar familiares de colegas e companheiros que serviram o Exército comigo em Campo Grande. Fui conhecer suas famílias. Em Campo Grande eles frequentavam a minha casa e tinham acesso às pessoas da minha família. A gente fez uma amizade muito estreita com algumas dessas pessoas.
P/1 – E qual era o lazer? Existiam cinemas, essas coisas?
R – Tinha. Campo Grande tinha três cinemas. Hoje tem muito mais. Mas eram três cinemas de rua. Não tinham poltronas estofadas, eram de madeira, me lembro muito bem dos cinemas: Alhambra, Santa Helena e Rialto. A gente ia muito. Eu sempre fui cinéfilo, sempre gostei muito de ir ao cinema, se bem que naquela época a gente não tinha acesso a filmes de qualidade. Iam pra lá esses blockbusters, filmes mais comerciais. Esses cinemas pertenciam a empresa teatral Peduti, uma companhia de exibição de filmes com sede em Botucatu. Já rapaz eu frequentava o Rádio Clube, um clube social numa cidade campestre de Campo Grande que ainda existe até hoje. Eu morei fora uns tempos, mas quando retornei fui convidado para ser diretor do Rádio Clube e trabalhei dez anos como secretário cultural. Quer dizer, eu era muito participante dessas atividades aí desde cedo, mas vamos voltar quando eu deixei o Exército. Eu tinha que cuidar da minha vida. Terminei o curso científico e nós não tínhamos faculdade em Campo Grande, então eu falei pro meu pai: “Papai, eu gostaria de me mudar pra uma cidade maior”. Eu havia trabalhado, me esqueci de falar esse detalhe. Meu pai nunca teve dinheiro abundante, nunca vivemos na abastança, e, antes de entrar pro Exército, eu arranjei um emprego numa empresa de transporte aéreo, chamada Nacional Transporte Aéreos que não existe mais. Ao me retirar para servir ao Exército, eu tive o contrato de trabalho suspenso, mas ficou uma porta aberta para quando eu retornasse. Quando terminei o Exército falei com papai que eu queria sair de lá, aí ele falou: “Olha, Reinaldo, eu não sei se vou poder sustentar seus estudos lá fora, mas vai na Nacional e se eles arranjarem emprego pra você, quem sabe é um caminho”. Procurei a Nacional e eles disseram pra mim: “Olha, você tem duas alternativas. Aqui em Campo Grande você não pode trabalhar. Ou você vai pra Barreiras, na Bahia, ou você vai pra Belo Horizonte, que são os lugares onde a gente tem vaga”. Eu falei: “Bom, entre as duas não tem nem como pensar, vou pra Belo Horizonte”. E arrumei minhas malas. Foi um chororô em casa. O filho mais velho vai sair e tal. Eu era o "xodó" de algumas tias, embora não fosse o caçula, era muito querido por tias e primos. Me mudei para Belo Horizonte e fui morar, inicialmente, numa pensão. Depois, me falaram que tinham umas repúblicas e que era interessante, eu teria mais liberdade e ficaria mais em conta. Na Nacional Transportes Aéreos eu trabalhava como despachante no aeroporto. Levantava muito cedo, sempre às cinco horas da manhã. O meu serviço no aeroporto da Pampulha começava às seis horas. A condução passava no meu local de residência e me levava pro aeroporto. Eu trabalhava lá até o meio-dia e na parte da tarde eu voltava e ia fazer os meus estudos em casa. Eu frequentava o cursinho Champagnat à noite em Belo Horizonte. Eu não tinha uma vocação muito definida, pensava assim: “Acho que vou ser engenheiro”. As minhas notas de Matemática eram muito boas nos meus primeiros anos de estudo, por isso Engenharia. Mas eu era muito festeiro, aprendi com minha mãe. Na época do vestibular houve uma turma de amigos de Belo Horizonte que vinha para o Rio de Janeiro passar carnaval. “Vamos pro Rio passar carnaval!” “Mas eu vou fazer vestibular!” “Mas vestibular tem muitos anos pra fazer, e essa oportunidade de ir ao Rio no carnaval não vai acontecer tão fácil.” E eu, na época do vestibular, fugi e vim para o Rio de Janeiro.
P/2 – E você não conhecia o Rio de Janeiro? Foi a primeira vez?
R – Foi a primeira vez que eu vim ao Rio. Quando eu morava no Mato Grosso eu fui à São Paulo na época do quadricentenário. E fazia viagens a São Paulo porque tinha tias-avós que moravam lá. Mas o Rio de Janeiro, não. Então eu vim, achei uma maravilha o carnaval e falei: "Agora vou começar tudo de novo". Mas pensei: “Quer saber de uma coisa? Eu não vou fazer vestibular pra Engenharia não. Vou fazer vestibular pra Direito.” Bom, você vê que era muito firme a minha convicção sobre o que eu teria já com os meus 19 anos de vida e aí a Nacional Transportes Aéreos foi encampada pela Real Aerovias Brasil que também não existe mais. Depois isso tudo virou Varig. Trabalhei nessa empresa aérea e mais um ano frequentando cursinho. Eu sempre fui bom aluno no curso primário, no curso secundário, ginasial e científico, mas não tinha uma convicção de que eu deveria fazer um curso superior. Apareceu um concurso pra Caixa Econômica Estadual eu falei: “Vou fazer. Quem sabe eu faço carreira lá.” Fiz o concurso, fui aprovado, mas o salário era muito baixo. Trabalhei por dois anos na Caixa Econômica Estadual quando surgiu um edital de convocação para concurso pra escriturário do Banco do Brasil. Me inscrevi nesse concurso, fui aprovado. Você vê que aí já se passaram alguns anos em que eu cheguei a suspender a frequência ao cursinho que eu fazia pra faculdade. Hoje, ninguém precisa fazer cursinho. Se o camarada faz um bom segundo grau, ele está habilitado a fazer o vestibular e entrar na faculdade. Fiz esse concurso do Banco do Brasil e fui aprovado. Demorou alguns meses para ser chamado, e quando fui, me disseram que eu deveria tomar posse em Governador Valadares. Aí meus colegas da Caixa Econômica falaram: “Reinaldo, não vai pra Governador Valadares. Aquela cidade é muito perigosa, tem muito bandido, muito tiroteio na cidade, não faça isso! Dá um jeito de mudar essa localização.” Eu, ingenuamente, peguei um avião e vim ao Rio de Janeiro falar com a Dona Vênus de Andrade Stockler de Lima que era chefe do FUNCI, naquela época, o departamento pessoal do Banco do Brasil. Dona Vênus me recebeu neste prédio aqui, eu não me lembro qual era a sala. Ela fumava muito, me recebeu sentada na beirada da mesa. Lembro que ela estava com um cigarro, uma senhora muito firme, de uma personalidade muito forte. “Mas, meu filho, por que você não quer ir pra Governador Valadares?" Aí eu disse: “Ah, Dona Vênus, me falaram que Governador Valadares é uma cidade perigosa e eu tenho receio. Estou longe da minha família e vou ficar mais longe ainda. Daqui para Campo Grande já é uma distância, vai ficar mais distante ainda". “Ah não, meu filho, você tem que enfrentar. Se você foi nomeado para Governador Valadares é porque o seu destino está lá e você deve ir”. Aí eu fui com o rabo no meio das pernas, voltei e falei com o pessoal da Caixa: “Não tem jeito, vou ter que ir pra Governador Valadares porque segundo a Dona Vênus eu não devo mudar essa localização.”
P/1 – Antes de você falar pra gente sobre isso, qual foi a sua reação quando você passou no concurso? Você se lembra da notícia quando você recebeu?
R – Ah, fiquei muito feliz, porque os concursos do Banco do Brasil eram dificílimos, as pessoas faziam vários concursos até conseguirem ser aprovados. Eu fiquei felicíssimo. Os meus colegas da Caixa Econômica celebraram comigo: “Ah, mas que beleza, que bom que você vai ser funcionário do Banco do Brasil.” O Banco do Brasil enchia a gente de orgulho. Eu, nos meus primeiros anos de trabalho, batia a mão no peito e dizia: “Puxa vida, sou funcionário do Banco do Brasil! Consegui!” Era uma honra. O salário era bastante compensador. A respeitabilidade do funcionário do Banco do Brasil era muito grande. Eu entrei na época certa, eu digo, talvez, se fosse alguns anos depois, eu não tivesse tanta satisfação de pertencer ao quadro de funcionários. Realmente foi uma época de ouro aquela que eu entrei. Arrumei minhas malinhas e fui embora para Governador Valadares. Tomei posse no dia 07 de janeiro de 1959. Só tinha uma agência na cidade. Hoje, toda cidade tem mais de uma agência do Banco do Brasil.
P/1 – Então você chegou lá na Agência de Governador Valadares...
R – Cheguei à cidade de governador Valadares e fui me hospedar no hotel Rio Doce, que ficava quase em frente a agência do Banco do Brasil. Por uma questão estratégica eu procurei saber onde era a agência e se tinha algum hotel próximo. Tinha este hotel na esquina. Então fui me hospedar lá pra facilitar. Eu cheguei num dia e no dia seguinte me apresentei pra posse. O gerente, o Senhor José Ananias de Almeida Gama, me deu as boas vindas e me apresentou aos colegas da agência. Sempre tem alguém que se aproxima com mais facilidade. O Newton França falou: “Reinaldo, você está onde aqui?" Eu falei: “Estou no hotel Rio Doce”. Ele disse: “Nós temos uma república que fica na outra esquina”. O Hotel Rio Doce era numa esquina e o Banco do Brasil era no meio da quadra. Na outra esquina tinha uma república, chamava-se Mansão dos Engraçadinhos. O Newton França falou: “Lá tem vaga. Você não quer ir pra nossa república?" Eu respondi: “Acho que pode ser uma coisa interessante porque vou ter uma convivência harmoniosa com colegas de trabalho e tal”. Só umas duas ou três pessoas que não eram funcionários do Banco do Brasil, os demais eram. Me mudei dois dias depois pra Mansão dos Engraçadinhos. A responsável pela república era uma senhora, a Dona Conceição. Todos a chamavam de Tia São e eu também passei a chamá-la assim. Era uma senhora muito simpática. Tinha uma cozinheira muito boa, a Maíra, que fazia umas comidas deliciosas e trabalhava na agência. Comecei a trabalhar como escriturário na agência de Governador Valadares e algumas vezes, logo nos meus primeiros tempos, eu era chamado para substituir o caixa executivo. Eram vários caixas e, de vez em quando, faltava um. Quero fazer uma observação aqui: nessa época, a gente tinha um quadro bastante reduzido e, de vez em quando, faltava luz na cidade de Governador Valadares. Fazer serão era uma regra, não era exceção, então a gente prorrogava diariamente. O que era bom por um lado, pois eu tinha chance de aumentar um pouquinho a minha renda mensal. Mas, por outro lado, às vezes era um pouco desgastante. E logo acharam que eu tinha habilidade pra mexer com balanço. O balancete do Banco, naquela época, era feito manualmente, não tinha computador, nada disso. Eu ficava trabalhando na elaboração do balancete diário da agência de Governador Valadares. Eu e mais um ou dois colegas. Quando faltava luz, eu trazia um lampião e punha do lado da gente. Tinha que ficar trabalhando naquilo ali de noite. Às vezes ia pra casa tarde da noite, trabalhando na elaboração dos balancetes. Realmente descobriram essa habilidade em mim, talvez por força do gosto que eu tinha pela Matemática anteriormente. Se bem que, aí não era Matemática, era Contabilidade, mas são Ciências afins. Trabalhei muito tempo nisso aí. Minha vida em Valadares foi mais ou menos rotineira. Havia dois clubes sociais em Governador Valadares. Um era chamado Ilusão Esporte Clube e o outro Minas Clube. Todos os domingos tinha as famosas domingueiras. Naqueles clubes a gente tinha a oportunidade de travar conhecimento com jovens da cidade e eu vim a conhecer a minha atual esposa. Não foi num clube, mas eu a vi numa dessas domingueiras e ali a gente era convidado pra ir a festinhas de aniversário e tal. E eu fui numa festa de aniversário de uma amiga da minha mulher. Lá, todo mundo dançava, todo mundo se divertia, e eu conheci a minha mulher, Leda. Foi uma coisa que me deu um clique, foi uma simpatia imediata que rolou simultaneamente. Eu tinha dois ou três meses de residência em Governador Valadares. Começou um namoro. O que a gente fazia namorando? Eu ia à casa dela e ficava namorando lá, sob os olhos atentos da mãe e das empregadas. Ela tinha três empregadas, duas tinham sido praticamente babás dela. A gente ficava namorando na varanda, mas a Dona Laura, minha sogra, punha as empregadas de plantão lá do lado de dentro pra vigiar o que os namorados estavam fazendo do lado de fora. Era um negócio assim maluco! Eu estava com a Leda na varanda e de repente via movimento na cortina. Eu percebia aquilo eu falava: “Leda, tem alguém ali atrás.” Aí a Leda olhava, uma hora era a Júlia, outra hora era a Deusmira. Mais a Júlia, que era a mais velha. Sempre espreitando a gente. Namorar não era tão fácil, não havia essas liberdades, essa facilidade dos jovens de hoje em dia. Tinha baile no Minas Clube, tinha baile no Ilusão Esporte Clube. E a sogra tinha que ir junto! Íamos os três: eu, a minha sogra e a minha namorada. Ia ao cinema? A sogra ia junto, ou então uma das empregadas. A Deusmira ia segurando vela, era uma coisa bem engraçada para os padrões de hoje em dia. Mas eu aceitava aquilo com naturalidade, pois achava que o regime vigorante era aquele, então vamos nos adaptar aos regimes. Bom, esse namoro foi rendendo, foi rendendo e eu acabei pedindo a Leda em casamento depois de alguns anos. Eu tomei posse em janeiro de 1959 e me casei e setembro de 1961. Mas quando eu me casei, quer dizer, parece até que o casamento foi um pouco apressado, eu não tinha tanto tempo assim em Governador Valadares. Mas aconteceu o seguinte: nesse período eu não estudava, em Valadares não tinha faculdade. Então deixei meus cursinhos pra trás e eu fui convidado a retornar a Campo Grande, meu pai adoeceu e eu como filho mais velho deveria ajudar a prover as despesas familiares, minha mãe sempre foi muito doente, eu nasci com minha mãe doente. Meu pai fumava muito e foi acometido de enfisema pulmonar. A atividade dele requeria uma saúde melhor, ou seja, ele estava num ponto que não podia mais trabalhar. Então eu falei pra Leda: “Olha, Leda, nós estamos noivos e eu não estou fugindo da minha responsabilidade com você, mas se você casar comigo você vai ter que se mudar pra Campo Grande.” Pra ela seria uma aventura muito grande, a família dela toda é de Minas Gerais. Eu disse: “Você vai ter duas opções. Ou você casa comigo e vai pra Campo Grande. Ou então, a gente vai ter que romper esse noivado.” Ela falou: “Não, eu gosto de você, e pra onde você for, eu vou. Vamos casar, então, e vamos embora.” Nós marcamos a data do casamento pra setembro de 1961. Avisei meus familiares. De Campo Grande não poderia ir ninguém. Por causa da doença do meu pai, minha mãe também não poderia sair. E ficaria uma viagem muito dispendiosa. Se eu ia me casar e ia pra Campo Grande, então vamos fazer com que eles aguardem. Também havia uma pessoa que sempre foi muito especial na minha vida, eu já citei aqui no início, uma prima irmã, filha de uma tia, que é dez anos mais velha que eu e cujo marido foi meu padrinho de crisma. Ela morava em Santos. Então eu disse: “Acho que os únicos parentes meus que poderão vir pro casamento serão a Adelaide e o Teófilo, que estão mais próximos”. Eu os convidei para serem meus padrinhos de casamento. Os outros padrinhos eu escolhi em Governador Valadares, dentre os colegas do Banco. A Tia São, a dona da Mansão dos Engraçadinhos, foi uma das minhas madrinhas de casamento. Mas aconteceu um fato inesperado, às vésperas do meu casamento o Presidente da República, o Jânio Quadros, renunciou e aí teve greve geral. Greve não, estado de atenção pra todo lado. As companhias aéreas não cumpriam com regularidade os seus vôos e tal. Os meus padrinhos de casamento, parentes que iriam, não puderam viajar porque as companhias aéreas não iriam descer em Governador Valadares. Então me casei sem a presença de nenhum parente próximo meu mas cercado de amigos, os novos amigos que fiz em Minas Gerais. Foi uma festa bastante simples, quer dizer, houve uma recepção na casa dos meus sogros e a cerimônia na igreja no final de tarde, na Igreja Matriz de Santo Antônio. Meu sogro era rotariano em e tinha um círculo de amizade muito grande na cidade. Ele foi praticamente um dos fundadores de Governador Valadares também. O Senhor era originário da cidade de Piumhi, no oeste de Minas, mas veio muito cedo pra Governador Valadares, com a Dona Laura minha sogra. Nós casamos e saímos em lua de mel já com destino certo que seria Campo Grande.
P/2 – E profissionalmente o senhor já tinha ido?
R – Eu pedi transferência, mas isso não era possível. Foi boa a sua pergunta. A transferência não era possível porque não havia vagas na agência de Campo Grande. Um funcionário de Campo Grande soube que eu estava interessado em ir e ele era mineiro e estava querendo voltar pra Minas Gerais. Fizemos um requerimento de permuta e foi aí que consegui a efetivação da minha remoção pro Mato Grosso do Sul. A minha lua de mel foi uma lua de mel mais ou menos. Fizemos um caminho mais ou menos estratégico até chegar a Campo Grande, o destino final seria Campo Grande. Nós começamos por Vitória, pegamos o trem Vitória-Minas, aí de Vitória saímos pingando de avião ao Rio de Janeiro, passamos lá alguns dias, depois São Paulo, de lá: Santos, pra estar com aqueles que teriam sido meus padrinhos de casamento. Lá, fomos muito bem recebidos. Depois nos encaminhamos à Campo Grande, onde nos esperavam sem sabermos. Teve outra festinha familiar. Minha mãe preparou uma reunião com vizinhos, amigos, parentes, a casa cheia de gente. E novos presentes, novas celebrações, novos brindes e aquela coisa toda. A Leda um pouco assustada com aquilo, pra ela era tudo novidade, ela não conhecia ninguém da minha família, casou comigo no escuro, sem conhecer ninguém. É claro que ela sabia quem era quem porque eu contava, mostrava fotografias, mas ela não conhecia ninguém. Não conhecia Campo Grande, nunca tinha ido pro Mato Grosso do Sul. Só ouvia dizer onde era, como era, mas nunca tinha ido lá. Então ela ficou um pouco assustada. Ela ainda era jovem, tinha 21 anos. Eu tinha 26 anos quando nos casamos. Pra ela, que nunca tinha saído das barras da saia da mãe, foi um golpe um pouco brutal. Mas Leda tem um gênio muito bom e logo se adaptou a viver em Campo Grande. Chegando à Campo Grande, chegaram ao término as minhas férias e licença matrimonial e aí eu comecei a trabalhar na agência da cidade. Lá também só tinha uma agência. Trabalhei poucos meses, não posso precisar quantos meses, mas foram poucos meses que eu trabalhei como funcionário do posto efetivo, porque logo eu caí nas graças do então gerente, o Senhor Floriano Paulo Correia. Ele me comissionou como ajudante de serviços e foi um período muito bom. Depois de ajudante de serviço fui nomeado chefe de serviço, e como tal, trabalhei em vários setores. Fiquei no setor de funcionalismo bastante tempo, fiz amigos por causa dessa minha atividade. Até que um dia o Senhor Floriano se aposentou e veio outro gerente, o Senhor João Proença de Queiroz. Ele logo me deslocou, achava que eu tinha habilidades para lidar com o público e me levou para chefiar a carteira rural do Banco do Brasil, a carteira agrícola. Ali eu tinha um relacionamento bastante estreito com os produtores rurais e gente do comércio também. Eu, sendo da cidade, tinha voltado pra minha casa, embora ao longo desse tempo que eu passei fora, Campo Grande já tinha tomado um desenvolvimento, tinha chegado muita gente nova na cidade e nessa época aconteceu o advento da cafeicultura no Mato Grosso do Sul que eu relatei há pouco pra vocês. Fiz muitos amigos do Paraná, do Rio Grande do Sul. Trabalhei ali por mais de uma década, 14 anos e pouco. Nesse período é que fui alçado à condição de diretor do Rádio Clube, que já citei também anteriormente. Fiquei neste cargo por dez anos. E aí era festa todo ano. Tem as datas festivas em Campo Grande, hoje em dia não com tanta intensidade. O Rádio Clube, na época, só tinha a sede social do centro da cidade, mas posteriormente, depois que eu saí de lá, compraram uma sede campestre. Esta, hoje, é mais frequentada que a sede social do centro. A do centro funciona mais para casamentos, tem um bom restaurante, tem sauna. Trabalhei, cumpri minha missão em Campo Grande.
P/1 – Senhor Reinaldo, antes de você continuar, uma curiosidade: você estava na carteira de crédito agrícola, né? Qual era a importância do Banco do Brasil ali para aquela região?
R – Ah, fundamental, porque o Banco do Brasil sempre foi um fomentador da atividade produtiva. A cidade que não contava com uma agência do Banco do Brasil tinha uma carência enorme de apoio governamental. Ele fomentava e estimulava a produção, a atividade produtiva em todos os segmentos seja comércio, indústria, agricultura e isso aí era de extrema importância. O Banco do Brasil foi, e ainda é hoje, e acho que continuará sendo por muito tempo, o grande fomentador da atividade produtiva nesse país.
P/1 – Agora vamos seguir a sua trajetória. Como foi sua trajetória?
R – Bom, eu me mudei e em outubro de 1961 eu tomei posse em Campo Grande e fiquei trabalhando. Eu trabalhei um período atendendo também a carteira comercial e industrial. A maior parte foi no setor de funcionalismo e na carteira rural. E no final do ano de 1975 eu recebi um telefonema de Brasília, do então gerente da primeira região da Geran, Saulo Queiroz. Ele me conheceu porque tinha uma agência em Aquidauana e de vez em quando ele visitava a agência de Campo Grande pra resolver negócios de interesse da sua agência. Me conheceu em reuniões de gerentes, eu sempre participava dessas reuniões como chefe de carteira rural. O Saulo me conheceu e passou a respeitar a minha atividade como funcionário do Banco. Ele tinha sido convidado para ser gerente da primeira região, que abrangia Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Quando ele assumiu a Geran, ele me ligou, me convidando para trabalhar lá, pois estava montando uma equipe e gostaria de contar comigo. Perguntou se eu não teria vontade de me mudar para Brasília. Eu tive duas reações, uma de euforia, de contentamento por saber que alguém lá na direção geral se lembrou de mim e me convidou para ir trabalhar na alta administração do Banco, e outra de receio, pois enquanto eu estava trabalhando em Campo Grande eu perdi o meu pai e minha mãe continuava doente. Um dos meus irmãos, o Mário, nesse período fez concurso pro Banco do Brasil e também passou. Ele foi trabalhar em Rondonópolis, uma cidade do Mato Grosso. Eu tinha um pouco de receio de deixar minha mãe doente sozinha com o meu irmão mais novo, falei: “Eu não posso abrir mão de uma chance de trabalhar na direção geral do Banco, lá eu vou ficar perto das decisões." Eu nunca tinha ido a Brasília também, eu não conhecia Brasília.
P/1 – Qual foi a sua impressão?
R – Eu vou chegar lá. Bom, nesse telefonema eu perguntei ao Saulo “O que eu vou fazer em Brasília? Eu estou trabalhando em agência desde que tomei posse.” Ele respondeu: “Reinaldo, aqui também não posso oferecer muita coisa pra você, mas eu tenho certeza que com seu talento, com a sua capacidade de trabalho, você vai ficar pouco tempo na função que eu vou oferecer pra você de início. Você vem pra Geran com a menor comissão que a Geran oferece, que é auxiliar de gabinete de gerente, mas eu tenho certeza que logo você vai ter melhorias aqui e a vantagem adicional que eu posso oferecer é que todo funcionário que vem pra Brasília, que vem de fora, o Banco oferece residência funcional.” Então eu iria morar num imóvel funcional do Banco com um salário menor do que eu teria em Campo Grande. Como chefe de serviço eu ganhava um pouco mais do que eu ganharia em Brasília, mas haveria a compensação da residência funcional e lá fui eu arrumando minhas malas e me mudando pra Brasília. E Leda, minha mulher, mais uma vez apreensiva, porque ela tinha um círculo de amizades muito grande em Campo Grande. Lá, nasceu o meu único filho, o Eduardo Augusto, e nessa época ele era pequenino. Ele nasceu em 1972, nós demoramos bastante tempo para sermos pais, havia problemas que nos levaram a essa demora. Então em 1975, quando eu fui convidado, ele estava com três anos, mas a minha ida pra Brasília realmente veio acontecer apenas em abril de 1976. Fomos: eu, Leda, Eduardo e mudança pra Brasília. Eu despachei a mudança, o mobiliário e essa coisa toda, e eu fui dirigindo um Maverick. Nessa época, um Maverick preto e branco, um carro bonito, vistoso, ele era branco com a capota preta. Chegando lá, fomos conhecer a casa que o Banco nos reservou. Havia residências funcionais, apartamentos ou casas. O Saulo tinha me perguntado: “Você prefere casa ou apartamento?" Eu falei: “Não conheço nem casa e nem apartamento.” Mas ele disse: “Você tem que decidir!” Então, eu pensei: “Bom, como eu moro em casa em Campo Grande, talvez seja interessante eu ir para uma casa.” Era pequenininha, eram casas geminadas. Mas satisfaria as nossas necessidades imediatas. Fomos morar na 714 norte, numa casa geminada, onde moravam funcionários. Alguns com posições destacadas, chefes do Fonsi, o departamento pessoal do Banco daquela época, e N pessoas que vieram a ser meus amigos por muito tempo. Bom, chegando a Brasília eu fui trabalhar na Geran e fui muito bem recebido pelas pessoas todas. Tenho amigos até hoje, diletos, que continuam meus amigos, pessoas que trabalharam comigo nessa época. Ontem mesmo falei com um deles que aniversariava, liguei pra ele, e são pessoas que eu quero muito bem. Fiquei seis meses apenas como auxiliar de gabinete e fui promovido a secretário de gabinete. O Saulo me chamou pra dizer que estava me promovendo porque surgiu uma vaga. Meu salário aí melhorou um pouquinho, equiparou ao salário que eu tinha quando morava em Campo Grande. Também nessa casa eu não fiquei muito tempo porque o Banco construiu dois blocos de apartamentos na Asa Norte. Eu morava na 715 numa casa e o Banco construiu na 115 Norte dois blocos e surgiu a oportunidade de optar por um desses apartamentos. Aí eu me mudei pra esse apartamento, já que era mais amplo, de quatro quartos. Meu filho já estava crescidinho também. Bom, continuei minha rotina e fiquei seis meses como secretário de gabinete na gerência. Um dia o Saulo me chama e fala: “Reinaldo, eu tenho uma oportunidade de melhorar sua posição. Vou lamentar muito porque você é um funcionário que me é bastante útil, mas o diretor Amilcar de Souza Martins...”, que era diretor da primeira região, a mesma região de abrangência da Geran, “...pediu que eu indicasse um funcionário pra ser secretário de gabinete de diretor, e eu disse que tenho uma pessoa talhada pra isso aí. Você então vai trabalhar com o diretor Amilcar. Eu vou te apresentar, vou levar você até o gabinete dele você vai se mudar pra lá.” Aí passei a ser secretário de gabinete de diretor de operações da região e essas melhorias sempre enchem a gente de orgulho porque é um reconhecimento do trabalho que você vem desenvolvendo, um pouco de simpatia, talvez, das pessoas que encaminham você nisso, mas de tudo um pouquinho. Não vou ser cabotino e dizer que eu seria o melhor candidato naquela época, mas se me escolheram é porque acharam que eu seria merecedor da função. Passei a trabalhar com o diretor Amilcar até que criaram no ano de 1979, pois, politicamente, cada vez que há uma mudança no governo, há uma mudança. Essa mudança de governo, de alguma forma, interfere na administração interna do Banco do Brasil. Então no ano de 1979 extinguiram as gerências e diretorias regionais e criaram vice-presidências e diretorias nacionais. Pois bem, para minha surpresa, eu, que trabalhava na diretoria operacional, pois a Geran virou uma diretoria operacional do Banco, imediatamente fui chamado para me apresentar ao vice-presidente de operações do Banco, o Doutor Jofre Alves de Carvalho, que é uma pessoa a quem eu dedico um carinho muito grande. Ele hoje não está fazendo nada, mora no Rio de Janeiro num sítio em Jacarepaguá, bem velhinho, deve ter seus 90 anos. Fui chamado pra me apresentar a ele porque o Saulo Queiroz, que tinha me levado pra Brasília, foi convidado para ser chefe de gabinete do Doutor Jofre. E então me chamou para ser secretário de gabinete do vice-presidente. Era um upgrade também na minha carreira funcional. Lá fui eu, me apresentei, e o Doutor Jofre me fez um convite, me nomeou e eu passei a trabalhar ali. Mas ele não ficou muito tempo, houve mudanças e questões políticas fizeram com que pouco tempo depois o Doutor Jofre fosse dispensado e assumisse a vice-presidência de operações o Doutor Jean Paulo Marcelo Fal, outra pessoa a quem eu dedico um carinho todo especial. O Doutor Jean Paulo, quando foi, levou um rapaz que seria seu chefe de gabinete. Era uma pessoa que trabalhava com ele em São Paulo já, em atividades financeiras, e que ficou ali orientando a montagem do gabinete e como chefe de gabinete interino. Ele não chegou a ser nomeado, ficou interinamente ali, mas eles estavam mais era para sentir o ambiente e conhecer as pessoas e tal. E eu, o secretário de gabinete do Doutor Jean Paulo. Um mês ou dois depois, o Doutor Jean Paulo me chama e fala: “Reinaldo, eu estou te nomeando para subchefe de gabinete da vice-presidência e o chefe de gabinete continua lá, sem ser nomeado." Eu fui nomeado fazendo as atividades rotineiras, examinando processos operacionais e essa coisa toda me abriu um horizonte muito grande. Mais uns dois ou três meses e o Doutor Jean Paulo me chama e diz: “Reinaldo, você está sendo nomeado meu chefe de gabinete da vice-presidência.” Quer dizer, ele sentiu as minhas possibilidades de atuar ali e me nomeou, porque o rapaz que ele havia levado pra lá não chegou a ser nomeado nada, ficou ali interinamente, escoltando o trabalho de cada funcionário que estava lá. Na realidade, a missão dele era essa, porque ele não ia deixar a atividade que ele tinha em São Paulo no financeiro. Então eu assumi a chefia de gabinete do vice-presidente Doutor Jean Paulo Marcelo Fal. Bom, fiquei lá trabalhando com bastante satisfação, até que, uma nova mudança no governo fez com que houvesse uma mexida e o Doutor Jean Paulo perdesse o cargo. Não, eu acho que estou fazendo um pouquinho de confusão, mas o Doutor Jean Paulo perdeu o cargo e foi nomeado para a vice-presidência de operações o Alberto Policário, vice-presidente. Ele era uma pessoa que eu já conhecia do tempo dos meus trabalhos anteriores, eu ia muito a São Paulo com o Doutor João Paulo, fazíamos reuniões na superintendência e o Policário era superintendente regional do Banco em São Paulo. Ele me puxou para ser chefe de gabinete da vice-presidência lá e eu continuei até que houve uma nova mexida. Não vou precisar datas porque posso ser falho, mas estou contando em ordem cronológica.
P/1 – E o CCBB como é que vai entrar na história?
R – Mais pra frente.
[Troca de fita]
R – Eu fui chefiar o gabinete do Policário como vice-presidente de administração do Banco, mas durou pouco a gestão dele. Bem, eu tenho que fazer uma retificação, ainda tem tempo? O negócio é o seguinte, antes de chefiar o gabinete do Policário, eu fui convidado pelo Doutor Francelino Pereira, que foi nomeado vice-presidente de administração do Banco, para ser chefe de seu gabinete. Eu fui chefiar o gabinete dele e já estava lá há algum tempo trabalhando, quando o Policário veio assumir a vice-presidência de operações e pediu ao Doutor Francelino para que me cedesse para trabalhar com ele. O Doutor Francelino então me chamou e falou: “Reinaldo, eu estou cedendo você ao Doutor Policário, mas é um empréstimo. Você vai trabalhar com ele, mas eu tenho certeza que você volta a trabalhar comigo.” Trabalhei com o Policário algum tempo, o tempo em que ele foi vice-presidente de operações, mas o mandato dele não foi muito longo. Quando ele perdeu a vice-presidência, o Doutor Francelino me chamou outra vez e falou: “Eu não disse que você ia ficar pouco tempo lá?” Casualmente estava vaga a chefia de gabinete do Doutor Francelino. Então eu fui nomeado outra vez chefe de gabinete do vice-presidente de administração até que essa vice-presidência foi transformada, por interesses políticos, em diretoria. Acabaram, extinguiram as vice-presidências passou a ser diretoria de administração. Então o Doutor Francelino me nomeou sub-chefe de gabinete de diretor porque ele tinha que aproveitar o Maurício Teixeira da Costa, o diretor de administração, para ser seu chefe de gabinete, ele não poderia deixar o Maurício na rua. E eu fui aproveitado como sub-chefe de gabinete. Mas, ao longo desse período, eu pedi: “Doutor Francelino, já estou com quase 30 anos de Banco, tenho vontade de encerrar minha carreira no exterior. Eu queria que o senhor conversasse com o Presidente, pois sei que tem algumas vagas no exterior.” O Doutor Francelino falou: “Não, Reinaldo, você não vai para o exterior. Eu tenho uma coisa melhor pra você.” Eu pensei: “Mas o que pode ser melhor para um funcionário do Banco do que trabalhar no exterior?” Eu acompanhava as obras de restauração do prédio daqui para sede própria, porque o Doutor Camilo Calazans, nessa época, já havia criado o Centro Cultural Banco do Brasil. E o Francelino Pereira, paralelamente às funções de diretor administrativo, coordenava um grupo de instalação do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Ele acompanhava, mas nunca me trouxe ao Rio de Janeiro para participar de nenhuma reunião, nada. Ele só dizia que tinha um futuro muito bom pra mim e que eu não deveria pensar em ir pro exterior. Um belo dia, ele estava exercendo a presidência do Banco, substituindo o Mário Avelar que estava em viagem ao exterior, me chamou no gabinete da presidência e falou: “Reinaldo, eu sempre que você teria uma função melhor do que trabalhar no exterior e eu vou te dizer agora o que é. Olha aqui.” Aí ele me mostrou um ato de nomeação para ser coordenador chefe do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Eu tremi nas bases, né? Eu falei: “Puxa Doutor Francelino, eu sou bancário, não entendo nada de atividade cultural. O que eu vou fazer”? Ele falou: “Reinaldo, eu te conheço. Você trabalha comigo há alguns anos e eu sei o que você gosta. Atividade cultural é uma atividade muito charmosa. Você vai ter oportunidade de se relacionar com pessoas do ambiente cultural como literatos, artistas e vai dar certo, eu tenho certeza que vai dar certo. Eu estou te nomeando hoje e amanhã você vai me acompanhar ao Rio de Janeiro pois eu vou te dar posse. O prédio onde vai ser o Centro Cultural está em obras, mas eu vou fazer uma reunião com pessoas representativas da atividade cultural, o secretário de cultura e você tem que ir comigo amanhã.” Eu falei: “Doutor Francelino, eu tenho que dar essa notícia na minha casa, não sei como. Isso vai ser uma revolução na minha vida familiar também. Meu filho nasceu em Campo Grande, mas praticamente cresceu em Brasília. A minha mulher está aclimatada aqui em Brasília. O Rio de Janeiro tem fama de cidade perigosa, de violência, eu não sei se vai dar certo isso aí.” Ele disse: “Tem que dar certo. Você fala com a sua família, avisa e vai comigo amanhã.” Aí eu liguei pra casa falei pra Leda o que estava acontecendo e foi um chororô lá em casa. Eu pensava que ia enterrar meus ossos em Brasília, não tinha intenção de sair de lá. Eu tinha uma residência belíssima, depois do apartamento funcional que o Banco me ofereceu, eu comprei um imóvel em Brasília, na 309 Sul, uma quadra nobre, onde moram senadores e tal. Era um apartamento muito bom, bastante amplo e eu não tinha intenção de sair dali. Aí a Leda falou: “Bom, se você acha que é importante pra você e para o Banco, você vai. Mas eu tenho certeza que não vai dar certo, então eu e o Eduardo vamos ficar aqui, nós não vamos te acompanhar agora. Você, certamente, vai ter chance de vir aqui”. Eu falei pro Francelino e ele: “Eu vou te dar uma folga quinzenal pra visitar sua família até que o Centro seja inaugurado. Eu tenho certeza que a sua família vai te acompanhar depois.” Vim pro Rio no dia seguinte. Eu faço aniversário no dia 20 de junho. Fui nomeado no dia 21 de junho de 1989. No dia 22 de junho tomei posse. O Doutor Francelino fez uma reunião, um almoço e convidou a Secretária de Cultura, alguns artistas, alguns membros da Academia Brasileira de Letras. O Austregésilo de Ataíde participou desse almoço. Ele me apresentou essas pessoas e falou: "Olha, o Reinaldo vai ser o chefe do Centro Cultural, ele vem com a missão de instalar o Centro Cultural.” O presidente, ao se decidir, já tinha conversado com o Mário Avelar. E decidiu também que o Centro Cultural devia ser inaugurado no dia do aniversário do Banco: 12 de outubro de 1989. Bom, isso era 22 de junho, nós teríamos menos de quatro meses, para eu montar uma equipe, fazer uma programação e inaugurar o Centro Cultural. Isso aqui estava tudo em obras, não tinha nada pronto. Eu vim aqui meio adoidado, um com receio danado de não dar certo e ele falou assim: “Vai dar certo, eu sei que vai dar certo. Você tem que ter pensamento positivo e a partir de hoje você é um administrador cultural. O que eu fiz? Nesse prédio aqui funcionava, e ainda funciona, o centro de formação profissional, o Desede. Não tem nada a ver com o Centro Cultural. Tinha o Arquivo Histórico e o Museu Numismático, duas instituições que o Banco tinha antes. Esses dois segmentos foram incorporados a estrutura do Centro Cultural. Dos funcionários do Banco que trabalhavam nesses segmentos conduzindo o acervo numismático e catalogando os eventos dignos de registro na história do Banco do Brasil, alguns poucos ainda hoje trabalham aqui no Centro Cultural. Houve uma orientação no momento em que fui nomeado. O chefe do gabinete do presidente, o Paulo César Palhares, falou: “Reinaldo, eu quero te fazer um pedido como chefe do gabinete do presidente. Você vai ter dois coordenadores adjuntos. Para uma das vagas de adjunto, você nomeie um artista plástico, não sei se você conhece o Dolino, o Luís Geraldo do Nascimento, pra coordenar a área de atividades artísticas. Na outra você põe quem você quiser.” Eu achava que a pessoa para essa função deveria ter sido o Evaldo Braga porque ele trabalhava na equipe do Doutor Francelino na comissão de implantação cultural. Aliás, tinham várias pessoas que trabalhavam nessa comissão, mas o Braga estava permanentemente aqui, era subchefe do gabinete do Rio de Janeiro. O gabinete ficava em Brasília, a presidência era em Brasília, mas ele era sub-chefe no Rio e como tal ele acompanhava as atividades de restauração de prédio, acompanhava o Marcelo Campelo, o responsável pelo projeto de adaptação do prédio para receber as atividades do Centro Cultural. O Apolo Cesar e o Gustavo Sarandi eram engenheiros do departamento de engenharia do Banco. Essa gente estava sempre em contato com o Braga, então eu achava que quem deveria ser o chefe do Centro Cultural era o Braga, mas o Doutor Francelino botou na cabeça que tinha que ser eu e me nomeou. Então eu pensei “Bom, acho que por justiça, o Braga deve ser um dos adjuntos.” Assim foram nomeados os meus dois adjuntos, o Braga responsável pela área administrativa, a parte fixa do Centro, essa área englobava também o Museu Histórico e o Acervo Numismático. E o Luís Geraldo era o responsável pela área de eventos do Centro. Fomos os três nomeados, tivemos um encontro com o Doutor Francelino Pereira ainda, pra ver como iríamos montar a equipe. Ele disse: “A responsabilidade pela equipe é sua, você é o chefe do Centro.” Eu tinha perguntado: “E esses funcionários que já trabalham no Arquivo Histórico e no Museu Numismático como é que ficam? Eles automaticamente serão incorporados?” E ele: “Só ficarão aqueles que você escolher.” Aí eu precisava me valer da assessoria do Braga porque ele era o responsável por esses serviços aqui no Rio. Então nos reunimos e primeiro selecionamos, dentre aqueles funcionários, os que o Braga sugeria que fossem aproveitados porque eu não conhecia ninguém. Nem o Luís Geraldo eu conhecia. O Luís Geraldo trouxe alguns nomes que ele conhecia de outros atividades, todos funcionários do Banco. A orientação era que só poderiam trabalhar no Centro funcionários de carreira do Banco do Brasil. Não poderíamos trazer ninguém de fora. Eu tinha aqui uma pilha de currículos. Ao longo dessas obras, o Braga recebia os currículos e o Doutor Francelino recebia currículos lá em Brasília, com apadrinhamentos políticos ou não, de funcionários do Banco que tinham interesse de serem transferidos para trabalhar no Centro Cultural Banco do Brasil. Aí eu passei a entrevistar pessoas, entrevistava aqueles que já trabalhavam aqui, entrevistava aqueles que o Dolino havia sugerido e chamava outros que pelo currículo eu via que poderiam, eventualmente, me serem úteis. Dessa forma, montamos a nossa equipe de funcionários, se não me engano, eram 42 no quadro inicial do Centro Cultural.
P/2 – Esse que foi o primeiro CCBB?
R – O primeiro CCBB foi esse aqui. A ideia de criação do Centro Cultural surgiu por um despacho do Doutor Camilo Calazans de Magalhães porque esse prédio aqui estava deteriorado. Aqui funcionava a agência centro do Rio de Janeiro na época em que o Doutor Camilo resolveu criar o Centro Cultural Banco do Brasil. É um prédio histórico, que não é tombado. O Doutor Camilo teve uma ideia brilhante, porque no Brasil tudo que é antigo é pra ser derrubado e construído coisas novas. Eu achei que a ideia do Doutor Camilo era brilhante por dar uma utilidade ao prédio, aproveitando a sua beleza arquitetônica e sua própria história. A pedra fundamental desse prédio aqui foi lançada no ano de 1880 por Dom Pedro II. Só que esse prédio teve vários usos e inicialmente ele existia só até o segundo andar. Era o térreo, primeiro andar e segundo andar. Funcionou aqui o Consulado de Portugal, a Associação Comercial do Rio de Janeiro, escritórios aduaneiros, Bolsa de Fundos Públicos vários usos. Eu vou fazer um retrospecto do prédio. A Associação Comercial do Rio de Janeiro tinha uma dívida grande para com o Banco e não tinha como pagar, então o Banco recebeu o prédio em pagamento desta dívida no ano de 1923. O prédio foi inaugurado em 1906. Eu falei que a pedra fundamental foi em 1880, mas em 1906 é que foi inaugurado, e com esses vários usos até 1923, quando foi transferido ao Banco do Brasil. O Banco aqui instalou a sua diretoria, que antes funcionava em outro local. Na década de 1940 a diretoria do Banco resolveu aumentar o prédio, pois já estava pequeno pra comportar toda a estrutura da diretoria. Construíram mais quatro andares pra cima. Continuou funcionando a diretoria aqui até a mudança da capital pra Brasília, quando foi transferida pra lá. Isso aqui, então, ficou um pouco subutilizado. Tínhamos aqui o departamento de formação profissional, que ainda continua ocupando o terceiro andar. Tínhamos aqui também a agência centro do Rio de Janeiro, mas depois o Banco construiu aquele prédio da Rua Senador Dantas número 105 e a agência centro foi transferida pra lá, aqui passou a ser uma agência metropolitana, agência secundária, e o prédio foi se deteriorando. Eu vim uma vez aqui ao Rio de Janeiro, não para visitar o prédio, quando ainda morava em Brasília. Vim aqui para fazer uma operação bancária. A parte de baixo, onde tem a rotunda, funcionava a bateria de caixas, tinha um balcão arredondado e os caixas ficavam na bateria. Atrás ficavam as escriturárias, era cheio de mesas, uns móveis escuros, era até triste, cheio de fios passando pelas paredes, tudo mal feito porque era tudo improvisado. O Camilo teve essa brilhante ideia e foi passado ao Marcelo Campelo, arquiteto responsável pelos quadros do Banco, a incumbência de fazer o projeto de adaptação. Ele se saiu airosamente disso. Bom, vamos voltar onde eu estava falando sobre a montagem de equipe. Montei minha equipe de funcionários, fizemos um organograma junto ao pessoal da consultoria técnica do Banco. “Como vai funcionar”? Tem que ter uma área administrativa para cuidar dos problemas internos do Centro; tem que ter uma área de atividades permanentes que é Museu, Biblioteca e essa coisa toda porque a Biblioteca do Banco é um acervo fantástico e está aqui instalada no quinto andar e tem que ter uma área de eventos temporários. Cada área tinha ”n" funcionários de acordo com suas necessidades e passamos a trabalhar em cima do que íamos fazer pra inaugurar porque o tempo estava correndo e tínhamos menos de quatro meses para a data que o presidente falou. Bom, nesse período, então, tinha que comprar equipamento, comprar piano, projetor de cinema, projetores de vídeo, pra fazer funcionar isso aqui como um Centro Cultural, mobiliário de teatro, poltronas de cinema. Não havia nada disso. Junto com a equipe da implantação, que eram os engenheiros, arquitetos e tal, a gente ficava selecionando, olhando o que era melhor, o que ficava bom. E tivemos a assessoria do pianista Nelson Freire, que morava na Europa, para escolher o nosso piano na fábrica da Steiner. Tem até no meu livrinho, um livrinho despretensioso que eu fiz com alguns registros da existência do Centro Cultural, sobre o início das atividades. Tem uma foto do Nelson Freire experimentando o piano. O primeiro piano, porque agora tem mais pianos. Era um piano de meia cauda, os palcos não são muito grandes não caberia um piano de cauda inteira. E começamos a pensar o que deveríamos fazer. O que vamos fazer? Aí o Luís Geraldo, o Dolino falou: “Reinaldo, a gente pode aproveitar o acervo e o knowhow da Academia Brasileira de Letras porque eles têm lá um acervo muito grande sobre Machado de Assis, que foi o primeiro presidente da Academia, talvez seja uma coisa interessante a gente fazer uma homenagem a ele.” O Doutor Francelino pensava que devíamos fazer uma homenagem a Vinícius de Moraes: “Vamos sair pelo caminho mais curto”. Mas o Luís Geraldo foi na ABL, conversou com um dos membros de lá, e eles se dispuseram a ceder móveis de Machado de Assis, mesa de trabalho, máquina de escrever, óculos, objetos pessoais, pequenas coisas, pra gente montar uma exposição sobre ele. E, paralelamente, começamos a procurar gente que trabalhava com produção cultural: “O que a gente pode fazer no teatro? Porque nós temos sala de música". Então alguém deu uma ideia: “Vamos fazer música do tempo de Machado de Assis, vamos fazer um sarau carioca com textos do Machado”. As ideias foram se concretizando em projetos e, no desenvolver dessas conversas, aquelas pessoas que a gente trouxe pra nos auxiliarem nesse primeiro momento foram de fundamental importância, era gente que já estava trabalhando na atividade cultural. Fizemos os projetos e o Centro Cultural foi inaugurado não no dia 12 de outubro, porque não deu tempo, mas no dia 17 de outubro de 1989 foi feita sua inauguração solene. Solene entre aspas, era época de negociação salarial e os sindicatos naquela época funcionavam efetivamente e eram atuantes e sabedores de que o Centro Cultural ia ser inaugurado com a presença do presidente do Banco. O que eles fizeram? Organizaram um movimento bancário para trazer os bancários para a porta do Centro Cultural para atrapalhar a inauguração. Ali embaixo na rotunda tinha uma foto do presidente do Banco discursando e alguns ex-presidentes ao lado, e algumas poucas pessoas convidadas. Do lado de fora os sindicalistas com carro de som, com panelaço, batendo nas vidraças! Eu tinha receio que quebrassem tudo, porque eles batiam nas vidraças e gritavam: “Fora Belar! fora Maílson!” Era um negócio maluco, era o pessoal que mandava na época, então era todo mundo contra aquela gente que vinha do Governo. Eu não sei se no fundo eles discordavam da instalação do Centro Cultural, mas eles discordavam das pessoas mandantes, de quem dominava na época.
P/1 – A presença dessas pessoas.
R – A presença dessas pessoas. A placa comemorativa que tem lá embaixo é uma placa que tem a assinatura do José Sarney, o Presidente da República, o Maílson da Nóbrega e Mário Belar que era o presidente do Banco.
P/1 – Reinaldo, vamos dar uma aceleradinha aqui um pouquinho. Dessa inauguração você se lembra de algum texto que você citou? E da inauguração em diante lembra de fatos marcantes? Assim a importância do Centro Cultural pro Rio? O que significou a inauguração do CCBB pro Rio?
R – Eu acho que a inauguração do Centro Cultural para a cidade do Rio de Janeiro mudou completamente o perfil de frequência de público nessa área aqui, pois aqui era uma área degradada, deteriorada, era ponto de venda de drogas, ninguém vinha aqui nos finais de semana. Era temerário passar por aqui, era região barra pesada mesmo, não dava para circular por aqui. O Camilo Calazans teve essa ideia de criar o Centro pra preservar o prédio, mas também para colaborar com a Prefeitura do Rio de Janeiro, que tinha um corredor cultural vindo do MAM até o Mosteiro de São Bento, numa área onde há muitos prédios históricos e que eram subaproveitados. A partir da inauguração do CCBB isso aqui virou um pólo de atração de visitantes, não só locais como de pessoas de fora que vem ao Rio. Virou uma atração, um ponto de visita quase que obrigatória para quem gosta de atividade cultural. Bom, após a inauguração do Centro, a casa França Brasil foi restaurada e também é um prédio belíssimo que também estava abandonado. O prédio do MIS, Museu da Imagem e do Som, foi restaurado posteriormente. O Paço Imperial, onde funcionava uma agência dos Correios, foi restaurado e virou um Centro Cultural belíssimo para exposições temporárias, eles não têm acervo, mas têm exposição temporária de alta categoria, sobretudo no segmento de arte contemporânea. E os Correios aqui do lado, que eu vou fazer um pequeno parênteses. Logo que eu assumi a minha função aqui, eu falei com o então presidente do Banco se nós não poderíamos propor ao Correio, já que eu sabia da dívida deles com o Banco, de ceder o imóvel deles para que pudéssemos expandir um pouco a área do Centro Cultural. A nossa reserva técnica aqui é pequena, logo a gente não poderia constituir um acervo muito grande pois ela já tem que dar conta de abrigar o arquivo histórico e o acervo numismático. E também não tem estacionamento por aqui na redondeza, então essa pracinha interna poderia servir pras pessoas que demandassem o Centro Cultural. O presidente falou: “Olha, Reinaldo, põe no papel isso e me manda que eu vou conversar com a diretoria dos Correios de Brasília.” Eu fiz uma sugestão de proposta e ele levou aos Correios. Eis que, alguns meses depois, eu fui surpreendido com um telefonema do diretor dizendo que o Presidente dos Correios falou que não faria isso, pois eles iriam construir um Centro Cultural também. Por quê? Por causa do sucesso que o CCBB estava fazendo. Então o Centro Cultural dos Correios veio depois. Bom, outra coisa marcante: o Centro Cultural foi inaugurado em 1989 e o Collor tomou posse em 1990 e veio o Plano Collor. Nossas atividades desde o início eram patrocinadas pela Fundação Banco do Brasil e o dinheiro da Fundação ficou congelado. Então a gente ficou a ver navios. “O que vamos fazer? O que vai acontecer?” Como íamos trabalhar no Centro Cultural sem dinheiro? O Banco não podia tirar dinheiro do seu orçamento, isto era para fomentar atividades produtivas.Eu procurei o Policário, que era o presidente na época, e falei pra ele: “Olha, está acontecendo isso.” Ele respondeu: “Olha, Reinaldo, quanto é que você acha que precisa para tocar o Centro Cultural?” Fizemos uma estimativa e ele me disse: “Não se preocupe, a gente não sabe quanto tempo vai ficar congelado esse dinheiro lá, mas vou criar uma dotação orçamentária para o Centro Cultural Banco do Brasil para não parar as atividades”. Nenhum dos presidentes, foram seis no período que eu trabalhei aqui, deixou de dar apoio ao Centro Cultural. Isso é muito importante e eu agradeço aos presidentes com quem eu tive a honra de trabalhar nesse período. Foi um dos fatos marcantes esse do congelamento do dinheiro. Outro foi na época do Collor também. O Policário já tinha deixado a presidência do Banco e tinha assumido o Lafaiete Coutinho. Ele vinha ao Rio de Janeiro e costumava frequentar o gabinete da presidência lá na Rua Senador Dantas. Aqui tinha um gabinete montado para que o presidente tivesse um local de despacho se quisesse. Mas alguns preferiam despachar na Senador Dantas, que é um prédio maior com uma segurança mais efetiva do que aqui. Aqui tem uma circulação de público muito grande então talvez seja mais vulnerável do que lá. E o Lafaiete Coutinho, numa das vezes que veio despachar aqui, estávamos apresentando no Teatro 2 um espetáculo chamado "Ana Botafogo In Concert", que era Ana Botafogo dançando com o Paulo Rodrigues, o primeiro bailarino do Municipal, e um conjunto de música liderado pela Miriam Barreto, pianista e de instrumentos de sopro e percussão. Isso aí foi um sucesso estrondoso. A bilheteria abria só às dez horas da manhã, mas as pessoas vinham de madrugada com banquinho, traziam jornal, ficavam lendo sentados no chão, na escada, esperando abrir para comprar ingresso pra esse espetáculo. Nós contratamos esse espetáculo para acontecer por três semanas, mas tivemos que prorrogar. E o Lafaiete Coutinho, numa dessas vindas, chegou aqui pra vir pro gabinete e viu aquela quantidade de gente e me chamou “O que está acontecendo? O que esse povo está fazendo aí fora? Tanta gente!” Acho até que nos primórdios a frequência era maior do que é hoje, talvez por ser novidade, e ele viu aquela efervescência de gente, fila pra cinema, fila pro teatro. Aí ele falou assim: “Reinaldo, o que a gente faz pra ter um negócio desse em São Paulo? Eu sou de São Paulo, quero que São Paulo tenha um negócio desse aqui”. Eu disse: “Isso aí é vontade política do presidente. Se o senhor quiser pode criar, ou escolhe um prédio que o Banco tenha, um prédio histórico. A alternativa é sua.” Aí ele falou assim: “Porque São Paulo não pode ficar sem um negócio desses. Preciso fazer um negócio desse lá em São Paulo.” Duas semanas depois eu recebo uma convocação pra coordenar um grupo de trabalho para estudar a viabilidade de instalar um Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo num prédio da Rua Álvares Penteado, esquina com Rua Quitanda. Aí lá vou eu pra São Paulo. O grupo tinha 15 dias de prazo. então fui eu pra São Paulo com... Bom, então eu rumei pra São Paulo com representantes da presidência de Brasília. Junto com o pessoal do departamento de Engenharia de São Paulo fui conhecer o prédio, que eu não conhecia, um prédio belíssimo, estilo Art Nouveau de 1927. Percorremos as instalações e achamos muito pequeno. "Como é que vamos fazer um cinema? Como vamos fazer um teatro?" Tudo era muito acanhadinho, muito pequeno. Aquela entrada imponente, com aquele vitral que tem no teto, tudo é maravilhoso, e externamente também o prédio é muito bonito. Mas começamos a pensar, baseado na minha experiência aqui do Rio de Janeiro, tudo o que o Centro Cultural precisaria ter lá em São Paulo. Um detalhe que eu gostaria de citar é que quando a gente foi trabalhar nisso, a intenção não era que o Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo fosse autônomo, mas que ele funcionasse como um apêndice do CCBB Rio. O Rio administraria aqui e as atividades de São Paulo também, de forma que os eventos que acontecessem aqui fossem possíveis de serem levados para São Paulo. Bom, em 15 dias fizemos não apenas um estudo de viabilidade como nós tínhamos arquiteto e engenheiro no grupo e fizemos um anteprojeto de adaptação do prédio. Tivemos que fazer algumas prospecções nas paredes, furar pra ver onde seria possível quebrar e onde não podia. Lá tem outro problema, o prédio era tombado e tinham dois órgãos que tivemos de fazer reuniões, a Secretaria de Agricultura e o Condephaat. Estes últimos não eram sensíveis muito facilmente a permitir que o Centro Cultural fosse instalado naquele prédio porque íamos ter que desmanchar paredes internas. Como íamos vai fazer teatro e cinema? As salas eram pequenas... Bom, em 15 dias nós aprontamos um anteprojeto e fomos a Brasília pra ter uma reunião com o pessoal da consultoria da presidência. Ia ser tudo em dimensão menor do que o do Rio de Janeiro, porque aqui nós temos uma área no prédio de 17 mil metros quadrados e lá o prédio é muito menor. Burocraticamente deveríamos obter a aprovação da Condephaat, por causa do processo de tombamento do prédio. Isso foi em dezembro de 1991, o presidente do Banco já era o Alcir Calliari. Foi ele quem me deu a notícia de que mandou arquivar o processo de instalação do Centro Cultural de São Paulo. Isso se deu por duas razões: primeiro porque a secretária da prefeita Luísa Erundina, a Dona Elisa Maricato, era contra mexer no prédio, e segundo porque o próprio presidente Calliari era contra a multiplicação de Centros Culturais. Ele dizia que o CCBB no Rio era ótimo, uma ideia magnífica, aplausos, que ele deu todo apoio enquanto presidente, mas que não deveria ser multiplicado, pois aquilo foi feito para preservar um prédio histórico. Por que iria fazer um em São Paulo, então? Se fizesse em São Paulo iria ter que fazer também em Curitiba, Porto Alegre, no Nordeste. Ele era contra. Então mandou arquivar o processo, pôs uma pedra em cima. Um belo dia eu recebo a notícia de que o Calliari tinha saído da presidência e já tinha assumido o Paulo Cesar Ximenes. Sempre há injunções políticas nessas histórias e o fato é que o Paulo Cesar mandou reabrir o processo e que o Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo iria ser instalado. Talvez a nova Prefeitura tenha facilitado as coisas. Do nosso anteprojeto inicial foram aproveitadas algumas coisas e outras não, nós fizemos isso muito a toque de caixa, uns 15 dias para fazer aquilo não dava para fazer a coisa perfeita. Depois de algum tempo eu fui convidado para ir a São Paulo assistir a inauguração do CCBB São Paulo, o que me trouxe bastante satisfação também já que eu fui das primeiras pessoas que participou daquilo. Depois houve a multiplicação. O Banco do Brasil de Brasília, onde o prédio não é histórico, mas é uma bela construção do Niemeyer. Não me recordo se foi na gestão do Ximenes essa inauguração. E lá o Centro vem se expandindo, cinema, sala de exposições e um auditório grande que depois foi transformado em teatro. Voltando a esse prédio aqui, tem uma coisa interessante, esse Teatro 2 que nós temos aqui chamava-se "Auditório". A ideia inicial era nomear o espaço por ciclos, pra facilitar a organização de eventos. Então começou com Machado de Assis, depois Vinícius de Morais e depois Carlos Drummond de Andrade. Neste último ciclo, houve um espetáculo chamado “Mundo Vasto Mundo”, em que atuavam Paulo Autran e a Tônia Carrero, que veio conhecer as instalações do lugar antes da estreia. Ela achou maravilhoso: “Mas é perfeita a acústica.” Quando saímos da sala, a Tônia olhou e tinha uma placa grande escrita “Auditório”. Ela disse: “Vem cá, mas eu não sou atriz de trabalhar em auditório, eu trabalho é em teatro!” Aí o Luís Geraldo me chamou e falou: “Reinaldo, vamos arrancar essa placa e vamos chamar isso aí de Teatro também”. Nós batizamos "Teatro 2". O Teatro 1 lá embaixo e o 2 aqui em cima. Depois já foi criado o Teatro 3, o céu é o limite para essas expansões, desde que haja espaço.
P/1 – Reinaldo você destacou uma atividade muito marcante. Que outras atividades do centro Cultural você se recorda da sua gestão que foram marcantes pro CCBB?
R – Atividade você diz é alguma ocorrência?
P/1 – Um evento cultural.
R – Bom, esses ciclos temáticos iniciais foram importantíssimos porque trouxeram um grande público de pessoas que nunca teriam acesso fácil à Literatura do porte de Carlos Drummond de Andrade, um poeta excepcional. E era praticamente de graça, aliás até hoje os ingressos de teatro do Centro Cultural são dez reais, o mesmo valor da época da inauguração. O presidente Belar, da época da inauguração, gostaria que tudo no Centro Cultural fosse oferta gratuita ao público, acesso amplo e irrestrito aos eventos. Mas se fosse assim, nós não teríamos como disciplinar o acesso de pessoas, nossas instalações não são tão grandes, iria ter filas gigantescas e, quem gosta mesmo da atividade, não ia participar às vezes porque não ia conseguir ingresso. Então nós sugerimos e foi aprovado pela diretoria que se cobrasse ingressos simbólicos. Eram três reais pros concertos musicais e dez reais pro teatro. O cinema era gratuito, depois de um tempo é que passou a ser cobrado ingresso, mas também são custos simbólicos pro consumidor. Esse acesso facilitado pra população do Rio de Janeiro, população de todas as faixas de níveis, de renda, de acesso a bens culturais, foi muito facilitado. As pessoas vêm aqui ver coisas da pré-histórica, obras de arte de artistas consagrados internacionalmente. Não teriam essa chance se não fosse o Banco do Brasil, que é o mantenedor disso tudo. É evidente que talvez hoje em dia não haja as mesmas facilidades de custeio de atividades, houve reduções drásticas nos quadros de funcionários do Banco, muitos serviços passaram a ser terceirizados. Muita gente presta serviço ao CCBB e não é funcionário de carreira do Banco. A ideia inicial era que o público fosse sempre atendido por um funcionário do Banco. Mas cada administração do Banco tem uma ideia diferente na cabeça e orienta mudanças. Mas se formos medir a centimetragem em que o nome Banco do Brasil aparece na mídia por força das atividades do Centro Cultural, isso não tem preço, não tem nada que pague isso. E nunca aparece Centro Cultural sozinho. Quando alguém fala CCBB, está falando Banco do Brasil. A divulgação, a veiculação do nome do Banco perante o que acontece no Centro Cultural Banco do Brasil não tem preço. Quando eu administrava aqui, tive convites pra visitar instituições fora do Brasil. Fui à Alemanha, a convite do Instituto Goethe, visitar centros culturais e museus alemães por três semanas. O Governo Japonês me levou a Tóquio, fiquei lá 15 dias conhecendo museus e centros culturais para que eu visse como é feito lá, porque eles vinham aqui e ficavam encantados. Recebi aqui uma diretora teatral da Alemanha com quem eu tinha estado quando estive lá e tirei uma tarde pra mostrar a ela o Centro Cultural em funcionamento. Percorri todas as instalações mostrando, fui até a biblioteca cheia de gente fazendo pesquisa, e essa senhora calada, não dizia uma palavra, a intérprete do lado e eu preocupado: “Ela não deve estar gostando.” No final, fomos à minha sala e eu ofereci um cafezinho. Aí falei pra intérprete que eu queira saber as impressões dela porque ela estava muito calada, não tinha feito comentário nenhum. Ela disse que estava impactada, porque vinha de um país onde são centenas de espaços culturais exercendo atividade cultural, mas que, em nenhum dos espaços que eles têm na Alemanha, ela encontrou a dinâmica, a atividade tão febril que ela percebeu aqui no CCBB. Talvez a gente tenha tido um pouquinho de sorte, ela veio nos visitar numa terça feira que era um dia de atividade muito febril, tinha vídeo, tinha ópera na videoteca e tudo funcionando à tarde, tinha peças de teatro nos dois teatros acontecendo, concertos musicais e muita gente circulando por aí para ver exposições com mostras interessantes. Ela viu aquela movimentação toda e ficou encantada, falou que ela estava impactada com o que viu por aqui. Isso realmente é uma coisa que enche de orgulho, nós os funcionários do Banco do Brasil. Eu falo "nós" porque apesar de ser aposentado, me considero funcionário do Banco do Brasil. E o CCBB Rio é um ponto de referência nessa atividade de produção cultural. As pessoas que vêm do exterior às vezes vêm com a agenda anotada para uma visita aqui por referências que receberam de outras pessoas.
P/2 – Reinaldo, como é que foi o seu afastamento do CCBB? Como que se deu isso?
R – O afastamento foi uno, mas a minha saída se deu em duas etapas. Em fevereiro de 1994 eu imaginei que estava na hora de me aposentar porque já tinha dado a minha contribuição. Trabalhava no Banco há 35 anos, estava na hora de me aposentar, então requeri minha aposentadoria, dei entrada no INSS e liguei pra Brasília pra avisar o Calliari, o presidente do Banco. O Calliari falou: “Reinaldo, não faça isso pelo amor de Deus! Não faça isso, pelo menos, enquanto eu for presidente do Banco. Não vejo o Centro Cultural sem a sua cara”. Bondade dele, mas eu estou repetindo as palavras dele. Eu respondi: “Mas eu já dei entrada na previdência...” E ele então: “Espera um pouquinho, pensa um pouquinho, continua aí que eu vou fazer umas reuniões e vamos ver se a gente consegue equacionar isso.” No dia seguinte ele me ligou, que fez uma reunião com os assessores: “Reinaldo, se nós criarmos um cargo pra você, você topa ser contratado para trabalhar no Centro Cultural?” Eu falei: “Topo. Pra mim vai ser lucro, eu já me aposentei mesmo.” Ele disse: “Eu vou propor à diretoria a criação de um conselho deliberativo do Centro Cultural Banco do Brasil e eu quero que você seja o secretário-geral. Fora dos quadros ativos do Banco. Quero que você continue, pelo menos, enquanto eu tiver na presidência.” Aí criou esse conselho e eu não saí daqui, eu continuei, deixei de ser o coordenador chefe para ser o secretário-geral do conselho. O Braga, que era meu adjunto, foi nomeado coordenador chefe do Centro Cultural. Depois ele foi convidado para fazer o curso da ESG, que é Escola Superior de Guerra, e entrou o Cláudio Vasconcelos. Com todo o respeito que eu tenho pelo trabalho dele, não quero falar mal, mas eu acho que...
P/1 – Não precisa dizer. Aconteceram uns problemas com o conselho?
R – Não precisa dizer? O Cláudio foi o responsável. Estou falando pra vocês aqui em off, isso não está sendo gravado, né? O Cláudio ficou assim... Bom, aí eu fiquei atuando como secretário geral do conselho deliberativo do Centro Cultural. As decisões sobre os eventos que efetivamente ocorreriam no Centro tinham que ter o beneplácito deste conselho, isso funcionou até setembro de 1995, quando o presidente do Banco resolveu alterar a estrutura outra vez e o secretário-geral não poderia mais ser uma pessoa contratada, como era o meu caso, funcionário aposentado contratado, ele passaria a ser exercido por um funcionário de carreira do Banco. Posteriormente a nova administração do Banco veio afinal a extinguir o conselho e hoje ele não existe mais.
P/2 – Reinaldo, eu queria saber o que você faz hoje atualmente? Qual a sua atividade?
R – Não preciso falar o que eu fiz quando eu saí do conselho não, né? Porque não tem nada a ver.
P/2 – O que você faz hoje?
R – Hoje eu estou num dolce far niente. Estou curtindo as delícias que a cidade do Rio de Janeiro oferece. O Rio é muito malhado na imprensa pelas coisas ruins, mas tem muita coisa boa que a gente pode aproveitar. E eu, que não sou carioca, e nunca tinha vivido aqui antes, me mudei por força da minha designação, vim, instalei, administrei durante um bom período, e me aposentei, decidi que não saio mais do Rio de Janeiro. A minha família veio pra cá também e se adaptou muito bem aqui. Meu filho já se casou, se mudou e tal. Então eu curto as delícias que a cidade me oferece. Aproveito bastante das atividades culturais, quase todo espetáculo teatral que acontece na cidade eu assisto, vou muito ao cinema, a concertos do Teatro Municipal. Eu curto tudo que é manifestação de arte, já curtia antes de ser coordenador do Centro Cultural. Acho até que a sensibilidade do Doutor Francelino Pereira de ter, praticamente, imposto a minha vinda é porque ele sabia disso. Tinha temporada lírica no Rio de Janeiro e eu vinha assistir. Vinha passar o final de semana. Às vezes eu vinha de manhã, assistia à ópera à tarde no Teatro Municipal e voltava à noite. As Bienais de Artes de São Paulo eu nunca deixei de frequentar. Eu sempre fui muito participante das atividades culturais e agora eu tenho tempo de sobra pra fazer isso. Então o que eu faço é isso. Houve um período, logo nos meus primeiros tempos de aposentado, que eu ia muito à praia, pois gosto de praia também. Mas eu acho que já estou muito velho pra ficar indo a praia. Então faço as minhas caminhadas diárias, caminho no calçadão, curto a paisagem, aquele cheirinho de mar. Entretanto que eu frequento mesmo é concertos, teatros, exposições. Eu participo das atividades culturais de uma maneira bastante intensa e isso me gratifica muito.
P/2 – Já quase encaminhando para o encerramento, o que significou pra você essa sua carreira no Banco do Brasil?
R – Desde o início da carreira? Bom, em primeiro lugar foi um modo de sobrevivência, de manutenção. Eu procurei me inscrever no concurso do Banco do Brasil porque eu sabia que seria um bom empregador e isso me propiciou uma vida digna, uma vida confortável, e isso ainda hoje aposentado. De início, foi uma questão de sobrevivência. Eu jamais imaginaria que iria terminar minha carreira como bancário ou terminar minha carreira fazendo administração cultural. E depois, sem repetir tudo que eu falei ao longo da entrevista, a minha vinda para o Centro Cultural Banco do Brasil e esses seis anos que eu passei aqui, de 1989 a 1995, acho que foi um coroamento pelo trabalho que eu tive ao longo dos anos, talvez tenha sido um reconhecimento. Não vou ser cabotino de dizer que foi só reconhecimento, talvez eu tenha tido um pouco de sorte também, dentre milhares de pessoas eu ter sido o escolhido pra vir. Montar a equipe, fazer isso aqui funcionar, trabalhar e atuar aqui depois de estar funcionando por alguns anos, pra mim, foi um coroamento de uma carreira profissional que eu abracei quando jovem.
P/2 – E que lições que você tira disso pra você?
R – Eu acho que toda pessoa deve ser muito persistente naquilo que faz e deve se entregar ao trabalho que abraça, se não houver entrega, se não houver doação, se não houver renúncias, a gente não consegue nada. Eu, por exemplo, vim pro Rio de Janeiro com um pouco de empurrão, eu não queria sair de Brasília, achava que eu estava muito bem lá. Assim como aconteceu quando eu saí de Campo Grande e falei: “Puxa vida, o que eu vou fazer em Brasília? Eu não conheço aquela terra.” Mas a gente renuncia alguma coisa, alguma estabilidade, em favor de experiências novas, de aventuras até. Acho que eu ter me lançado nessa empreitada do Centro Cultural foi uma aventura. Eu tinha uma carreira de 30 anos de serviços burocráticos bancários, no entanto, no final, eu passei a trabalhar com essa atividade de produção cultural, o que me enriqueceu muito. Enriqueceu não só em termos de satisfação, mas espiritualmente e em termos de conhecimento de pessoas, de cérebros, de gente inteligente, talentosa com quem eu convivi ao longo desses últimos seis anos. Essa convivência não teria acontecido se eu não tivesse vindo pro Rio de Janeiro, se não tivesse trabalhado no CCBB.
P/2 – E o que você acha do Banco do Brasil estar desenvolvendo esse trabalho de memória?
R – Acho muito importante, o nosso país é um pouco descuidado com relação a preservar a memória. Eu já citei na entrevista que o brasileiro tem mania de coisa nova, derrubar construção antiga pra fazer construção moderna. Às vezes não chega nem a ser moderno, é modernoso, umas coisas feias. E eu acho que essa preservação da memória, não só material, mas histórica, afetiva é muito importante. O Banco adotou uma providência bastante simpática, pra que gerações futuras venham a saber o que é que essa instituição que vem do tempo do Império, e que está completando 200 anos, trouxe para esse país em termos de riqueza, de fomento, de satisfação pra famílias que tiveram seus membros contribuindo para alavancar a atividade. Todo poder que essa empresa significa hoje pro país, acho de extrema importância isso. E quero apenas fazer um pequeno registro: digo isso não porque eu estou sendo entrevistado e que, possivelmente, farei parte dessa memória com esse segmento do Centro Cultural Banco do Brasil. Mesmo que eu não estivesse aqui, se outra pessoa tivesse sido chamada para falar sobre isso, acharia importante da mesma forma. O importante é que tenha um registro, um documento, uma coisa palpável, em que as gerações futuras possam sentir o que é, e como é que as coisas começaram, como as coisas aconteceram, as dificuldades que se passaram, as alegrias que se viveram. Eu acho muito importante e parabenizo o Banco do Brasil por essa iniciativa muito importante.
P/1 – E como é que você se sentiu dando uma contribuição com seu depoimento?
R – Eu me senti lisonjeado e orgulhoso. Foi mais um aspecto de valorização da minha pessoa, do meu trabalho. Sei que estou aqui porque eu fui o instalador e o primeiro administrador do CCBB. E isso não tira a valorização do que eu fui antes e do que eu sou hoje, não fazendo nada também.
P/1 – Mas e pessoalmente? Como que é essa sensação de você contar essa experiência?
R – É muito bom. Tive a oportunidade de recapitular coisas que estavam na minha memória. Se eu não tivesse sido chamado pra conceder essa entrevista, talvez eu não me preocupasse de relembrar fatos, episódios pequenos, detalhes que aconteceram aqui nesse período e que, conversando com vocês e sendo acolhido tão simpaticamente por essa equipe, eu tive oportunidade de rememorar e de reviver até alguns momentos, inclusive emotivamente. Muito obrigado a vocês.
P/1 – Reinaldo, a gente gostaria de agradecer seu depoimento, foi valioso.
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