P/1 – Então, a gente gostaria que você falasse o seu nome completo, onde e quando você nasceu. A data, o dia que você nasceu.
R – Eu nasci no dia 25/11/61. Nasci numa cidade chamada Astorga, Paraná.
P/1 – As...
R – Astorga.
P/1 – Astorga.
R – É, fica depois de Londrina, pro lado de Londrina. Aquela região.
P/1 – Tá.
R – Cidade mais conhecida.
P/1 – E os seus pais? Como se chamam?
R – Bem, a minha mãe já é falecida. A minha mãe é Dona Maria de Oliveira Souza. Meu pai chama Alício Alves de Souza.
P/1 – Seu pai é viúvo.
R – Meu pai é viúvo.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Nós somos em cinco.
P/1 – Cinco. Quantos homens? Quantas...
R – Somos três mulheres e dois homens.
P/1 – E como que é a ordem do __________?
R – Eu tenho um irmão mais velho que chama Amauri, que aliás, o meu nome foi tirado do nome dele. E tem... Depois dele sou eu. Aí tem a minha irmã Almília e tenho um irmão que chama Almílio. É tudo com “A” na minha casa. (risos)
E tenho uma irmã adotiva que chama Mônica.
P/1 – Que é a caçula.
R – É, que é a caçula.
P/1 – E seus pais são brasileiros?
R – Não.
P/1 – Nasceram aqui no Brasil?
R – Não, não. Meus pais... A minha mãe nasceu em Santa Catarina. O meu pai nasceu em Minas.
P/1 – Em que cidade?
R – Eles se conheceram no Paraná.
P/1 – Tá. E os seus avós?
R – Olha, os meus avós, por parte da minha mãe, o meu avô, pelo pouco que eu sei, ele era gaúcho. Pela parte do meu pai, ele é filho de mãe solteira, e a minha avó é de Minas, também. Meu ______ é de Montes Claro.
P/1 – São brasileiros.
R – Eu só conheci, da parte do meu pai, a minha avó. O meu avô eu não conheci a parte dele porque ela é mãe solteira.
P/1 – Hã. E...
Continuar leituraP/1 – Então, a gente gostaria que você falasse o seu nome completo, onde e quando você nasceu. A data, o dia que você nasceu.
R – Eu nasci no dia 25/11/61. Nasci numa cidade chamada Astorga, Paraná.
P/1 – As...
R – Astorga.
P/1 – Astorga.
R – É, fica depois de Londrina, pro lado de Londrina. Aquela região.
P/1 – Tá.
R – Cidade mais conhecida.
P/1 – E os seus pais? Como se chamam?
R – Bem, a minha mãe já é falecida. A minha mãe é Dona Maria de Oliveira Souza. Meu pai chama Alício Alves de Souza.
P/1 – Seu pai é viúvo.
R – Meu pai é viúvo.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Nós somos em cinco.
P/1 – Cinco. Quantos homens? Quantas...
R – Somos três mulheres e dois homens.
P/1 – E como que é a ordem do __________?
R – Eu tenho um irmão mais velho que chama Amauri, que aliás, o meu nome foi tirado do nome dele. E tem... Depois dele sou eu. Aí tem a minha irmã Almília e tenho um irmão que chama Almílio. É tudo com “A” na minha casa. (risos)
E tenho uma irmã adotiva que chama Mônica.
P/1 – Que é a caçula.
R – É, que é a caçula.
P/1 – E seus pais são brasileiros?
R – Não.
P/1 – Nasceram aqui no Brasil?
R – Não, não. Meus pais... A minha mãe nasceu em Santa Catarina. O meu pai nasceu em Minas.
P/1 – Em que cidade?
R – Eles se conheceram no Paraná.
P/1 – Tá. E os seus avós?
R – Olha, os meus avós, por parte da minha mãe, o meu avô, pelo pouco que eu sei, ele era gaúcho. Pela parte do meu pai, ele é filho de mãe solteira, e a minha avó é de Minas, também. Meu ______ é de Montes Claro.
P/1 – São brasileiros.
R – Eu só conheci, da parte do meu pai, a minha avó. O meu avô eu não conheci a parte dele porque ela é mãe solteira.
P/1 – Hã. E os outros avós? Você conheceu?
R – Na parte da minha mãe...
P/1 – Não conheceu.
R – É. Só que eu não conheci nem a minha avó nem o meu avô. Quando nós tínhamos... Ele já era falecido.
P/1 – E você passou a tua infância nessa cidade? Quanto tempo você morou ali?
P/2 – Em Astorga.
R – Eu... Você tá perguntando quanto tempo que eu moro em São Paulo?
P/2 – Não.
P/1 – Não, nessa cidade que você nasceu.
R – Não. Eu nasci em Astorga, depois de um ano de idade eu vim pra São Paulo. Minha família veio pra São Paulo.
P/1 – Por que eles vieram? Por que que eles se mudaram pra São Paulo?
R – Porque meu pai, na época, ele morava... A gente morava no sítio, roça. Um primo dele veio pra São Paulo, e falou assim: “Ó, bora lá pra São Paulo. Tenta, lá a vida é bem melhor do que aqui”. Ele pegou a família e veio. Na época, era só eu e o meu irmão mais velho. Só os dois que nasceram do pai e da mãe. Ele veio pra cá tentar a vida. Graças a Deus deu certo.
P/1 – E o que ele fazia?
R – Logo que ele chegou aqui ele trabalhou numa metalúrgica, de ajudante. Depois ele foi trabalhar numa firma Matarazzo, era lá em São Caetano. Logo que a gente chegou em São Paulo a gente foi morar em Mauá. Aí, foi trabalhar em São Caetano. Ele trabalhou em muitos locais: ele trabalhou em Matarazzo, depois ele trabalhou na Antárctica. E por último, antes dele se aposentar, ele trabalhava na Telesp. Ele se aposentou na Telesp antes da... Mudar afinal.
P/1 – E a tua mãe? Ficava em casa?
R – Minha mãe sempre foi dona de casa.
P/1 – Dona de casa. E vocês moravam em Mauá? Você passou quanto tempo...
R – A gente morou pouco tempo em Mauá. Depois a gente mudou pro Parque São Lucas. Depois do Parque São Lucas meu pai comprou um terreno, construiu a casa. A gente mora no... Cangaíba, Jardim Danfer. Fica na região entre Cangaíba e Ermelino Matarazzo, Zona Leste.
P/1 – E a tua infância? Você passou aonde?
R – É, a maior parte da minha infância foi no Cangaíba, Jardim Danfer. Porque até…. Apesar que eu ainda lembro muito da minha infância, do primário, essas coisas. Mas o que me recordo mais é a adolescência. Minha adolescência foi legal.
P/1 – Também foi nesse...
R – Bom.
P/1 – E na tua infância, do que você lembra? O que você fazia? Como é que era o seu dia-a-dia? Você lembra quando você era pequena?
R – Não entendi o que você fala.
P/1 – O que você fazia quando você era pequena?
R – Pequena?
P/1 – É, é. O que você lembra?
R – Não, eu lembro. Eu acho que eu lembro de muita coisa.
P/1 – É?
R – Eu lembro de coisas, assim, eu acho que tem hora que fala: “Será que aconteceu mesmo?”. Aí eu pergunto pras pessoas que conheceram a gente: “Aconteceu”. O que marcou na minha infância foi quando o meu pai comprou uma bicicleta pro meu irmão, aquelas bicicletinhas pequenininhas. E o meu irmão caiu do barranco, aliás, fui eu que empurrei a bicicleta, e ele se machucou bastante. Foi parar no Pronto Socorro. Até hoje ele tem a cicatriz. Também, quando a gente saía, o meu pai... Eu falava pra ele: “Ah! Eu quero isso”. A minha mãe falava: “Não vai comprar”. Eu falava: “Eu quero”. Eu batia o pé. Aí o meu pai comprava. Meu pai sempre foi de passar a mão na cabeça da gente, principalmente minha mãe.
P/1 – Então a tua mãe era mais...
R – É. Eu sempre fui a, como é que eu posso dizer, a predileta dele. Até hoje, todo mundo fala que eu sou a predileta.
P/1 – É? Gostoso, né (risos).
R – É, de todos. Porque todo mundo fala que eu pareço demais com a família dele. Eu acho que pode ser isso, sei lá. Apesar que sou, assim, um pouco geniosa, né. Mas isso desde pequena. Sempre fui pirracenta. As pessoas que me conheceram desde pequena, falam: “Nossa! Você tinha um gênio! Ai se você fosse a minha filha, não ia aguentar!”. Até hoje eu ainda carrego isso comigo. Mas a minha infância foi muito bacana. Foi uma coisa, assim, de ter irmão, pai, mãe. Aquela coisa de se preocupar, de cuidar, ir pra escola, primeiro ano, os professores, dar presente pro professor é que... Ai, não posso nem lembrar do primário.
P/1 – Do primário.
R – Nossa! Acho que foi a pior professora que, até hoje, eu convivi.
P/1 – Por que? O que...
R – Ai, eu não sei. Eu não conseguia. Eu tive até problema na escola por causa dela. Eu não sei, ela era muito brava, ela brigava mesmo, ela batia. Uma vez ela me deu um beliscão que eu fiquei com marca no braço. Porque na época que eu estudava, não era que nem hoje, a gente tinha que... Tinha aquela coisa de regulamento na sala de aula, de fazer tudo direitinho. Os professores tinham autoridade com a gente, de brigar, de pôr de castigo. Hoje não, hoje ta bem diferente. Então eu tive muita dificuldade no começo.
P/1 – No primário.
R – No primário eu tive dificuldade mesmo. No primário eu não conseguia... O problema é que estudei com ela no primeiro, aí repeti. Continuei estudando com ela, aí no segundo ela...
P/1 – Estudou com ela...
R – Aí quando os professores perceberam que eu tava com dificuldade, mandaram a minha mãe procurar psicólogo. A psicóloga falou que era por causa da professora. Eu tive que mudar de professora. Eu não conseguia aprender, eu não sabia. No primeiro ano eu não conseguia escrever. Eu não sei, eu tive bloqueou por causa da professora. Até hoje, até um tempo atrás, quando eu estudava, se eu concentrar na sala de aula, o professor era bravo, eu não conseguia pegar a matéria. Agora, se era daqueles professores que deixavam a vontade do aluno, ai rapidinho.
P/1 – Você estudou com ela o primário, o primeiro e o segundo ano? Ah! em dois anos.
R – Eu estudei com ela no primeiro ano. Aí repeti porque eu não conseguia escrever. Eu não sabia. Porque era assim: ela não se preocupava, sabe, não sei o que aconteceu na época. Repeti, continuei no primeiro ano com ela. A professora percebeu, a outra professora falou: “Você não escreve?”. Falei: “Não”. “Você não sabe escrever?”. Eu falei: “Não sei”. Aí foi quando ela teve uma reunião, quando chamou a minha família. Falou: “Ela tá com problema, precisa levar ela no psicólogo”. Eu não sabia mesmo, escrever. Eu não conseguia.
P/1 – E aí você ficou...
R – A professora fazia ditado. Eu não escrevia. Fingia que tava escrevendo pra não levar bronca dela.
P/1 – E aí você mudou de professora.
R – Aí quando eu mudei de professor, nossa!
P/1 – E isso o que? No segundo ano?
R – É, eu estudei até em sala de aceleração pra alcançar o tempo que eu perdi.
P/1 – Isso foi no segundo ano primário?
R – Não. Primeiro e segundo. No segundo ano foi quando os professores perceberam. A professora teve problema de saúde. Entrou outra professora, ela percebeu como é que eu era. Ela falou: “Você tem problema”. Aí ela mandou chamar a minha família. Foi quando eu consegui. É, eu não conseguia mesmo escrever. Eu não escrevia. Fazia bolinha (risos).
Eu fiz prezinho e comecei... Não tive isso. Até hoje eu tenho. Até um tempo atrás, quando eu estudei, eu tenho isso. Entrar na sala de aula, se o professor for bravo, a matéria dele não entra.
P/1 – E aí depois…?
R – Depois... Aí, foi tudo normal.
P/1 – Você estudou muitos anos na mesma escola? Como é que foi?
R – Eu estudei até os nove. Porque depois nós mudamos pro Jardim Danfer. Aí eu comecei nessa escola.
P/1 – E como é que foi a mudança? A mudança de casa?
R – Olha, eu vou falar uma coisinha pra você: A mudança, pra mim foi péssima. Porque onde eu morava era um bairro moderno, tinha de tudo. Quando eu mudei pro Jardim Danfer, lá não tinha nada. Não tinha água encanada, não tinha luz, não tinha asfalto. Então, pra mim foi uma rejeição total. Eu não gostava, até hoje.
P/2 – Aonde é o Jardim Danfer?
R – Fica entre o Jardim Penha e a Ermelino Matarazzo. É Tatuapé, vem já a Penha, Cangaíba, Jardim Danfer e Ermelino Matarazzo. Vila Cisper e Ermelino Matarazzo.
P/2 – Daí vocês mudaram pra uma casa?
R – É, meu pai comprou um terreno, construiu uma casa.
P/1 – Nessa época, já tinham nascido os seus outros irmãos? Vocês já eram em cinco?
R – Hã, hã.
P/1 – Quatro.
R – É, mas pra mim foi, nossa, eu não gostava do bairro. Não adianta. Chorava dia e noite. Eu falava pra minha mãe: “Eu quero ir embora daqui”. Eu só fui porque eu era de menor, não tinha como. Até hoje eu não suporto aquele lugar, não sei porque.
P/1 – Você ainda mora lá?
R – Moro, devido a problema, né, de doença. Eu tive que voltar por causa do meu pai.
P/1 – Qual é a diferença de idade entre você e seus irmãos? Vocês são próximos? Têm idades próximas?
R – Não entendi.
P/1 – Você tem um irmão mais velho que é quanto mais velho que você?
R – Ele é um ano.
P/1 – Um ano.
R – Um ano.
P/1 – Depois você. Depois...
R – A minha irmã Emília e o Marcelo, que é o caçula.
P/1 – Tem que idade?
R – É, é, a diferença é pouca.
P/1 – A escadinha é pouca. E a Mônica, chegou quando? A Mônica não é? A...
R – A Mônica ela é adotiva. Ela tem dezesseis. Quando a minha mãe pegou, ela tinha três meses. Minha mãe adotou ela um ano depois, não. A minha mãe adotou ela tava com três meses, depois de dois anos e pouco minha mãe faleceu.
P/1 – Por que ela resolveu adotá-la?
R – Não entendi.
P/1 – Por que a sua mãe resolveu adotar a Mônica? Como é que foi essa...
R – Porque quando ela... É sobrinha da minha mãe, por parte, ela é sobrinha da minha mãe. Quando o sobrinho da minha mãe veio na minha casa e falou pra minha mãe que não queria mais a menina. Nós já éramos todos adultos, ficamos ________. Minha mãe sempre gostou de criança. Minha casa era uma creche. Minha mãe cuidava dos filhos de todos os vizinhos. Então, pra nós, quando a gente viu aquela coisa linda, sabe, eu falei: “Ai mãe, pega pra cuidar”. E ela falava: “Mas e mais pra frente como é que vai ser?”. Eu falei: “Não, não vai ter problema nenhum. A gente já é adulto”.
P/1 – Você já era crescida quando ela...
R – É. Todo mundo era adulto. A minha irmã já ia casar, na época. Só tinha o meu irmão Marcelo, mas com ele não teve problema nenhum. A adoção foi muito rápida. Foi questão, assim, de meses.
P/1 – Quando você era pequena, como é que era a sua relação com os seus irmãos?
R – Eu vou dizer uma coisa pra você: A nossa convivência não é fácil (risos).
Porque nós temos aquela coisa de brigar 24 horas, mas ninguém pode brigar com, o de fora não pode brigar. Sabe aquela coisa? Então é um pouco difícil a convivência entre nós. Porque cada um tem, é muito, muito gênio, muito forte. Cada um tem o seu gênio, é, fica um pouco difícil. Eu sou geniosa, a minha irmã também é, o meu irmão também é, o outro, mais velho, não mora aqui. Ele mora fora do Brasil.
P/1 – Mora aonde?
R – Ele mora já faz, desde 88, ele mora fora, o mais velho.
P/2 – Aonde que ele mora?
R – Ele mora em Miami. E o mais, o Marcelo, ficou uns seis anos fora também. Casou com uma japonesa e foi morar no Japão. Só que separou e voltou pra casa. Quer dizer, cada um tem aquela coisa de, cada um cuida da sua vida, sabe. Então fica muito difícil, a convivência, como cada um cuida da sua vida, depois retornar pra dentro de casa. Minha irmã também, já foi casada durante dez anos. Aí voltou, depois casou de novo, não deu certo, separou, tem duas crianças. Quer dizer, a única solteira sou eu. Eu tenho aquela coisa que a casa é minha, sabe. E sempre fui a solteira, então casa é minha. Cada um fica no seu canto. É muito difícil a convivência.
P/1 – Desde pequena? Desde que você era pequena é assim?
R – Hã.
P/1 – Desde que vocês eram pequenos...
R – Sempre foi.
P/1 - … Sempre foi assim.
R – A gente sempre brigou. É aquela coisa, a gente tem que conviver porque é irmão, mas se fosse vizinho seria terrível a convivência. Mas a gente se gosta, sabe. O único problema é que eu sou muito exigente. Eu sou aquela pessoa que gosta das coisas muito certinha. Então fica muito difícil conviver comigo. Não é que eles vivem brigando entre eles. Sou eu. Eu gosto tudo certinho, tudo arrumadinho, então fica um pouco difícil conviver com pessoas que têm outros hábitos.
P/1 – Bom, você falou que aos nove anos você foi pra esse Jardim Danfer. E aí como é que foi a sua adaptação na escola? Você mudou de escola nessa época, né? Como é que foi ir pra esse lugar? A escola nova? Quando você foi pro Jardim...
R – Não tô entendendo.
P/2 – Como é que foi essa nova adaptação, essa adaptação pra essa...
R – Foi muito difícil.
P/2 – Pra escola, na escola.
R – Eu morava no interior, a escola era na esquina da minha casa. Essa eu tinha que andar quilômetros e quilômetros. Então tudo me fazia, tudo me irritava. A escola porque era longe, o bairro porque era horrível, o lugar, sabe, a iluminação, não tinha água, na rua era poço. Depois que o meu pai fez água encanada aquela coisa de bomba, tudo, era horrível a situação. Eu não gostava mesmo. A escola eu ia porque a minha mãe levava. E eu brigava com ela o caminho todo. Eu falava: “Eu não gosto daqui. Eu quero voltar lá pro Parque São Lucas. Eu não gosto daqui”. Minha mãe falava: “Mas aqui é nosso, lá não era. Lá era aluguel. Aqui é nosso”. Eu falava: “Mas eu não gosto daqui”. Eu não gostava mesmo. Hoje, até hoje eu olho o bairro, apesar que hoje é diferente, evoluiu, cresceu, mudou. Mas eu olho, eu falo: “Ai, não gosto desse lugar”. Eu falo com os vizinhos que eu tenho amizade, converso, eu falo: “Eu não gosto daqui. Nunca gostei”.
P/1 – E aí você estudou nessa escola até quando? Nessa escola nova?
R – Escola, eu estudei da quinta, não, eu estudei do Ginásio até a quinta. Eu parei, não queria mais estudar. Tanto que eu não gostava da escola que eu fui, fui e parei. Aí meu pai falou assim: “Se você não estuda, você vai trabalhar”. Foi o que eu fiz.
P/1 – Você chegou a terminar o ginásio?
R – Até a quinta série. Eu tava com quatorze anos, mais ou menos, de treze pra quatorze. Meu pai falou: “Se você não estuda, você trabalha”. Aí foi o que eu fiz.
P/1 – E aí o que você foi fazer?
R – O primeiro emprego meu foi numa tecelagem. E trabalhei três anos e meio, mais ou menos, na tecelagem.
P/1 – O que você fazia na empresa?
R – Eu comecei como ajudante. Depois eles me colocaram como reserva de tecelã. Aí mudou, eu trabalhava, tinha um horário, era das 5:30 até às 14:00. Aí a firma resolveu colocar um horário só, só que eu não queria esse horário integral, eu queria o meu horário de manhã, porque a tarde eu tinha o tempo livre. Eu já tinha acostumado com esse horário. Eu não quis ficar na firma. Quem quisesse sair, tudo bem. Eles me mandaram embora. Fiquei um tempo sem trabalhar, porque eu recebia uma graninha.
P/1 – Uma grana. (risos)
R – Depois eu fui trabalhar na Philco.
P/1 – Nessa tecelagem você gostou de trabalhar? Era um trabalho...
R – Gostava.
P/1 – Do que você gostava?
R – Ai, gostava do pessoal. Porque primeiro emprego, amizade de firma, diferente, é gostoso, você fazia amizade, tudo quase da mesma, as meninas tinham quase tudo, a maioria tinha tudo a mesma idade, né. É até mais fácil você aprender. Eu aprendi tocar tear sozinha, ninguém me ensinou. Só de ver a tecelã. Eu tenho uma cicatriz, aqui ó. Braçadeira, tear, saiu fora e uma pegou aqui.
P/1 – Então, afinal, você mesmo tecia o...
R – Não. Eu aprendi sozinha, ninguém me ensinou. Só de ficar olhando a tecelã. Eles queriam me colocar como tecelã e eu não queria porque como auxiliar você mudava de lugar, você não ficava no mesmo lugar. Eu queria era andar dentro da firma. Eu sempre gostei de me movimentar.
P/1 – E aí, assim, os seus amigos, amigas, nessa época, era um pessoal de contato?
R – Se eu tenho ainda contato?
P/1 – É, se era um pessoal de tá encontrando?
R – Olha, infelizmente, ninguém.
P/1 – Mas naquela época, era o pessoal que tinha...
R – Festa, aniversário, aquela coisa de amizade mesmo. A maioria dessas pessoas que trabalhavam na tecelagem eram da mesma idade. A gente era da mesma idade, né. As mais velhas eram casadas. Então a gente se enturmou muito. E a firma também era pequena, aliás, ainda existe até hoje, é pequena.
P/1 – É perto da sua casa?
R – Era, é no Tatuapé, fica...
P/1 – E na época você saía às 14:00. Você saía às 14:00 e ia fazer o que? O que você gostava de fazer a tarde?
R – Hum.
P/1 – Você trabalhava nesse lugar até às 14:00 da tarde, né? Nessa tecelagem, você ficava lá até às 14:00 da tarde. E aí depois, você saía de lá e o que você gostava de fazer a tarde, com esse tempo livre que você tinha a tarde?
R – O que eu fazia a tarde? Aí, era gostoso. Porque a gente saía, cada uma ia pra casa da outra. O gostoso era isso. O dia que uma ia casar a gente fazia aquela coisa de lista de casamento, depois fazia o tal da festinha lá, sabe. Era muito gostoso, era muito unido, a gente era muito unido. Só que eu não tenho mais contato com ninguém. Foi o começo da minha adolescência.
P/1 – Nessa época você já tinha namorado? Como é que era?
R – Então, foi quando eu comecei a sair pra bailinho. Tinha quatorze anos. Primeiro falava pro meu pai que a gente ia pra casa da amiga. Só que o meu pai achava muito estranho. Todo dia tinha festa na casa desses amigos (risos).
Era festa. Era bailinho de bairro, de vila. Naquela época tinha muito, hoje eu não sei se existe. A gente ia, começava, só que eu nunca fui desse negócio de namorar muito. Eu me liguei muito, desde o começo em dançar. Sabe, eu me ligava muito, chegar dentro do salão e dançar. Essa coisa de paquerar eu era muito devagar, nessa época da adolescência. Meu negócio era mesmo fazer amizade, levantar os copos (risos).
P/1 – Você gostava de beber o que?
R – Hã?
P/1 – O que você gostava de beber?
R – Naquela época era hi-fi, Cuba, a gente bebia muito. Era isso, hi-fi, Cuba...
P/1 – E bailinho.
R – É. Era mais a bebida, a predileta e dançar. Depois, deixa eu ver, era _______ era o que, era sucesso, era Nazaré, tinha um pessoal legal naquela época, Seu _______, Nazaré, o (Cuim?), um monte de gente. Hoje, acho que não aparece mais e nunca mais vai aparecer. Era gostoso, eu tive uma adolescência maravilhosa.
P/1 – Você ainda sai pra dançar? Você ainda vai dançar?
R – Antes era o que eu mais fazia, é o que eu sinto mais falta.
P/1 – É. E depois você foi pra Philco?
R – É. Depois eu fiz um outro círculo de amizade, mas aquele grupo ainda ficou algumas pessoas. Eu fiz aquela coisa de… A gente fazer festinha, reunião, aniversário de filho, aquela coisa. É, foi uma época, o episódio foi que eu trabalhei muito pouco tempo, eu trabalhei só um ano, mas também fiz bastante amizade. E tenho um pessoal que ainda, até hoje, de vez em quando a gente se... Antes deu ficar doente, a gente se firmou, eu tava...
P/1 – Por que você saiu da Philco?
R – É, a Philco começou a mandar o pessoal embora porque teve aquele negócio deles venderem a firma aqui pra Manaus. Eles mandaram muita gente embora, muita gente foi mandada embora naquela época.
P/1 – E aí depois você foi…?
R – É, eu saí da Philco. Fiquei mais um tempinho sem trabalhar.
P/1 – Você tinha que idade nessa época?
R – Hã?
P/1 – Quando você saiu da Philco, que idade você tinha?
R – Eu tinha, quando eu entrei na Philco, eu tava com dezoito, dezenove.
P/1 – Você ficou um tempo sem trabalhar?
R – Fiquei um tempo sem trabalhar. Quando eu comecei a trabalhar, voltei a trabalhar... Não, eu fiquei bastante tempo sem trabalhar. Bastante tempo. Aí fui morar com um pessoal que eu conheci, quer dizer, eu já conhecia, a irmã dessa minha amiga muito tempo. A gente era amiga de adolescência, de infância. A gente se aproximou, ela tava com um problema de saúde na família dela e ela precisava de uma pessoa pra ajudar. Eu como tava sem fazer nada fui morar com ela. Aquela coisa de ir, ficar uma semana e voltava pra casa. Foi ótimo morar com ela.
P/1 – Os teus pais deixaram?
R – Meu pai. Ah! meu pai, com quatorze não mandava, com dezoito é que não ia mandar mesmo (risos). Aí eu fui morar com elas.
P/2 – E lá você gostava do bairro, gostava do lugar?
R – Não. Ela morou próximo da minha casa, só que o que facilitou a nossa aproximação é que eles viajavam muito. Eu ia com eles, eu não ficava ali. Olha, pra você ter uma idéia, desde os meus quatorze anos, eu não fiquei dentro da minha casa, sabe aquela coisa de passar natal, ano novo, nunca tive isso. Eu sempre passei o natal, ano novo na casa de alguém.
P/2 – E vocês viajavam pra onde?
R – Olha, com eles, eu viajava muito pro litoral e cheguei a conhecer até o Rio de Janeiro, porque o marido dela é do Rio. Eu passei uns vinte dias no Rio de Janeiro, nessa época. Mas o que me aproximou muito deles, é porque eles tinham muito respeito, eles me tratavam muito bem. Apesar que eu ajudava, não era a empregada da casa nada, eu era uma amiga que tava ali. Porque ela tava com o filho, na época, que tava com problema de saúde muito grave. Ela teve gêmeos, não tinha quem ficasse com as crianças. E eu me ofereci. Falei pra ela: “Se você confiar eu fico com as suas crianças”. Eles eram pequenininhos, eles tinham seis meses, na época. Ela precisava sair muito com o filho mais velho, devido ao problema de saúde e ela não tinha com quem deixar as crianças.
P/1 – Essa sua amiga?
R – É.
P/1 – Como ela chamava?
R – Sandra. Aliás, os gêmeos... (risos). Até o mais velho já casou, o menininho.
P/2 – E vocês até hoje tem contato, você e a Sandra?
R – Não, não. Temos, de vez em quando a gente se vê.
P/1 – E aí depois da Philco, você foi trabalhar, é...
R – É, eu fiquei um tempo sem trabalhar. Nesse meio tempo eu fui conviver com esse pessoal, eu morei na casa deles, depois eu saí, parei de ir. Aí eu conheci o namorado que depois se tornou o meu noivo. Conheci outro círculo de amizade por causa dele, fiz outros círculos de amizade.
P/1 – Como ele chamava?
R – O meu ex-noivo? Nenê.
P/1 – Nenê.
R – Adoro. Apesar que a gente conhece ele por Nenê até hoje. Dendê. A gente tem contato até hoje.
P/1 – Vocês ficaram juntos quanto tempo?
R – Quatro anos __________. Namoro foi pouco, foi três meses. Foi só __________.
P/1 – E aí, com é que era a sua vida nessa época? Que coisas vocês faziam?
R – Nesse tempo de noivado, eu tive problema de saúde também, mas não foi grave. Ele falava assim pra mim: “Mas você não vai poder trabalhar”. E eu tava querendo voltar a trabalhar. “Mas você tá muito doente, tá muito debilitada”. Falei: “Não, eu vou voltar a trabalhar”. Eu voltei a trabalhar. Uma prima minha trabalhava numa casa de família, me arrumou uma casa de família com um parente da patroa dela. Aí eu fui trabalhar. Nesse meio tempo eu voltei a estudar. Recebi a pino nisso de tanto, me incentivou, aí eu voltei a estudar.
P/1 – E aí você estudou até quando?
R – Não, eu continuei noiva, trabalhava em casa de família, só que eu morava na casa de família. Eu abandonei um pouco o meu noivo. Ele fala que foi por causa disso que a gente se separou, mas não foi. Aí eu voltei a estudar, trabalhei na casa de família...
P/1 – À noite?
R – Hã.
P/1 – Você estudava à noite?
R – É, eu trabalhava. Morei na casa, de noite eu estudava.
P/1 – E aí você fez o colegial?
R – Não, eu terminei o colegial. O colegial não, desculpa, o ginasial.
P/1 – O ginasial.
R – E fiz o supletivo.
P/1 – Quanto tempo foi isso? Quanto tempo você estudou?
R – Eu voltei, foram dois anos.
P/1 – Trabalhando nessa casa e estudando. Você ficou dois anos...
R – Não, não. Na casa eu só trabalhei um ano. Aí eu saí. Mas eu não queria parar de estudar. Logo em seguida eu arrumei um emprego em uma firma de confecção. Trabalhei nessa firma, eu saía dessa firma e ia estudar.
P/1 – E morava com os seus pais?
R – Eu voltei a morar com os meus pais.
P/1 – Tinha o noivo?
R – Aí eu estudava na Paulista.
P/1 – E aí vocês terminaram?
R – Eu trabalhei nessa firma durante uns três anos, mais ou menos. Nesse meio tempo o noivado acabou. Aí eu trabalhava na confecção, depois dessa firma, aí eu saí. Problema lá. Aí eu saí, pedi a conta. Não queria mais trabalhar. Eu tinha uma prima que trabalhava, tinha um problema com ela e pra não ficar a gente discutindo, perder a amizade, eu saí. Fiquei um tempinho aí eu arrumei emprego em outra firma próxima, lá no Brás, confecção também. Quando eu trabalhei nessa firma a minha mãe faleceu.
P/1 – Do que a sua mãe faleceu? O que aconteceu?
R – Minha mãe faleceu em 87.
P/1 – Do quê? O que aconteceu nessa época?
R – Foi... Ela teve infarto. Foi fulminante, a pessoa morre. Nesse tempo ela tinha acabado de adotar a menina. A menina tava com dois anos, aí não tinha com quem ficasse com a menina, aí eu como eu já tava...
P/1 – Aí você foi cuidar dela?
R - Eu tava na firma, mas eu falei: “Ah! Eu não vou ficar não”. Não tinha ninguém pra ficar, meu pai trabalhava. Não tinha ninguém pra ficar em casa. Em casa ela ia ficar abandonada, aí eu falei: “Não, eu fico. Eu paro de trabalhar e fico”.
P/1 – Então você que praticamente criou a Mônica?
R – Não, eu cuidei dela dos dois até ela entrar no prezinho.
P/1 – Você que ficava com ela e cuidava da casa?
R – É, eu cuidava da casa, fazia tudo o que tinha pra fazer em casa e cuidava dela. Aí ela começou a entrar no prezinho. Eu peguei e falei: “Vou trabalhar, mas do quê?” Aí eu tava... Nessa época o meu pai arrumou uma namorada, aí eu comecei a implicar com a namorada do meu pai, mas é ciúmes de filho. Eu não queria ficar em casa de jeito nenhum, lá era briga direto com o meu pai.
P/1 – Nessa época, os seus irmãos já tinham saído de casa?
R – É, um irmão meu já tinha ido embora. O mais novo pra ele ó... Ele entra no quarto dele, liga o som. A minha irmã já tava casada. Só tinha eu. Vi que a situação tava um pouco difícil dentro de casa, aí eu resolvi sair. Mas pra onde? Sem dinheiro, sem emprego. Eu peguei e falei: “Quer saber, vou trabalhar de novo em casa de família”. Aí Deus me ajudou e arrumei um emprego maravilhoso. Eu trabalhei durante três anos no ________. Foi, acho que o melhor emprego que eu já tive em toda a minha vida.
P/1 – Por que?
R – Ah! Tipo assim, você assistia a novela das sete?
P/1 – Hã.
R – Naná.
P/1 – Não assisto muito.
R – Então, minha patroa, o nome Naná (risos).
P/1 – Como é que é?
R – Só faltava me levar pra um Spa (risos). Um doce de pessoa. Nossa! Eu tinha tudo lá: amor, compreensão, tudo. Eu era tratada como se eu fosse da casa. Não tinha separação entre empregada e a patroa.
P/2 – E que você gostava de fazer lá?
R – Hã?
P/2 – O que era gostoso no seu dia-a-dia, o que era gostoso?
R – Na casa?
P/2 – É.
R – Olha, se eu dizer pra você, você não acredita. Tinha dia que eu não fazia nada. Eu sentava e ficava conversando na sala. A gente passeava, ia pro shopping. Ela tem duas filhas. Uma, na época, tava fazendo faculdade, a outra era pequenininha. Eu saía com a menina, passeava com a menina. Ela falava: “Deixa tudo aí, vai levar a Dani no shopping”. Eu levava.
P/2 – E aí você ficou três anos lá?
R – Três anos.
P/2 – E aí você saiu por que?
R – Foi a pior burrada que eu fiz em toda a minha vida, até hoje eu me arrependo. Sabe por quê eu saí? Porque foi o seguinte: eu conheci uma pessoa num barzinho, e essa pessoa falou que ia abrir uma firma produtora e me chamou pra vim trabalhar. E eu achei que ia trabalhar, sair de casa de família, trabalhar num escritório, a minha vida ia mudar. Ia mudar, eu ia melhorar. E foi o que fiz. Só que eu fiquei doente logo em seguida.
P/2 –Você morava na casa de família?
R – Morava na casa de família.
P/2 – E onde você foi morar?
R – Saí de lá e voltei pra casa do meu pai. Só que a casa do meu pai mudou nesse tempo. Ele construiu uma casa na frente e a casa onde era a nossa ficou lá abandonada. O meu irmão tava no Japão, o outro nunca mais deu notícia. Quer dizer, a casa tava lá.
P/2 – E o mais novo?
R – O mais novo tava morando com ele.
P/2 – A Mônica?
R – É.
P/2 – E o mais novo?
R – O mais novo tava no Japão. Tinha casado nesse meio tempo. Ele casou, foi pro Japão.
P/1 – E o outro já tava em Miami?
R – O outro já, desde 88. Minha mãe faleceu em 87. Um ano depois ele foi e não voltou mais.
P/2 – E seu pai tava casado? Casou?
R – É, meu pai, ele não casou. Ele construiu uma casa na frente, e tudo que tinha na casa ele levou pra casa da frente (risos).
P/1 – Mas juntou com essa mulher?
R – Ela não era casada. Até hoje eles...
P/1 – Mas moravam juntos?
R – Separado, ela na casa dela, ele na casa dele.
P/2 – As brigas com o seu pai acabaram nesse período que você...
R – Depois que eu saí a coisa mudou, melhorou.
P/2 – Melhorou.
R – É, porque eu não tava, como é que fala, convivendo com a situação. Eu sou muito difícil, quando eu convivo com uma situação que não tá me agradando, já logo parto pra briga. Então não era comigo mesmo, também. Depois que eu saí, fui trabalhar em casa da Dona Nilce, aí que eu comecei a ter liberdade. Porque eu tava assim, eu era dona de casa, cuidava, passava, lavava, cozinhava e cuidava de filho, não era o meu. Eu acho que aquilo tava me deixando muito, eu não saía mais, eu não tava tendo a minha própria vida. Eu acho que era isso que tava me irritando, me deixando muito nervosa, é. Quando eu fui trabalhar em casa de família, comecei a ter liberdade, sair. Não tinha ninguém pra tomar conta, não tinha aquela coisa de horário, de nada. Apesar que eu tinha obrigação. Depois das três horas eu não fazia mais nada. Eu estipulava o horário pra tudo. Eu falava assim: “Olha, até oito hora eu sirvo a janta. Depois das oito eu não sirvo”. Então eu deixava lá. Depois das oito eu saía.
P/2 – E nessa época que você trabalhava nessa casa, você costumava sair pra dançar também? Como é que... Na época que você trabalhava antes da Philco, você saía muito pra dançar, pra bailinho. E nesse período você também saía com amigo?
R – Saía muito.
P/2 – É?
R – Nossa! Eu tinha muita liberdade. Eu saía demais. Eu ia pra barzinho, dançava muito.
P/2 – Você ia com a filha dessa moça?
R – Não, não. Eu tinha uma amiga que eu fiz amizade, na frente, outra empregada. Nós duas... Uma entra na companhia da outra: “Vamo sair hoje?”, “Vamo! Vamo sair hoje”.
P/1 – Você saía...
R – Eu saía muito. Nossa! A gente curtia demais. De segunda à segunda.
P/1 – Que ótimo! (risos)
R - Ela morava lá no Centro, é, Bexiga, logo ali do lado. Porque eu morava ali na Consolação. Bexiga lá do lado. Tinha Santa Cecília, tinha os barzinhos. Eu saía demais. Pra mim não tinha tempo ruim. Podia tá chovendo, frio, eu saía direto.
P/1 - … O Nenê. Depois dele, depois que vocês terminaram, você teve outros namorados?
R – Se eu tive outros? Ah! Tive. Mas não... Demorou muito pra me envolver com uma pessoa porque eu não me envolvia antes de ficar doente. Demorou muito. Eu sempre fui muito reservada. Eu sempre fui muito, eu observo muito. Então eu ia nos barzinhos, não ia pra arrumar paquera e se pintasse, lógico, mas essa coisa de, como dizia, a caça, ia pra dançar. Eu tinha muitos amigos, companheiro de dança, isso eu tinha mesmo. Eu tinha os meus (Fred Aster?). Eu chamava de (Fred Aster?), pé de dança, pé de valsa, como diz. Eu tinha muita amizade, tinha mesmo.
P/1 – Onde você ia dançar?
R – Olha, eu ia muito no Birosca, na época que eu frequentava, eu morava no início, ia muito no Birosca.
P/1 – E que tipo de música?
R – Ah! Eu gosto de todos. Pra mim não tem, desde que seja bom.
P/1 – E lá tocava todos os tipos?
R – Gosto muito de música sertaneja, eu gosto. Ah! De música Pop, essas coisas, sabe? Eu não tenho assim...
P/1 – E nesse lugar tocava vários tipos de música?
R – Nossa! Tocava todos os tipos de música. Na minha época, tava muito no auge, música sertaneja, então era o que tocava mais. Música ______ de samba, pagode, eu falo pagode né, eu falo samba. Tocava muito samba...
P/2 – E isso foi no começo de noventa mais ou menos? Foi agora em noventa, não é a época do pagode?
R – Eu entrei na Dona Nilce em 91, mas antes já saía sempre com esses dois, sempre, desde a minha adolescência. Eu ia nos bailes, naquela época, era bailinho que falava. Eu só ficava a noite inteira na pista, eu não parava. Só que na minha época era mais música Pop, logo depois teve a fase da danceteria, negócio de discoteca. Foi a época de dançar, aí foi os ________, fazia sucesso. Nessa época, eu tinha dezessete, dezoito anos. A época do John Travolta...
P/2 – Mas na época do Birosca é agora?
R – Era o Birosca, tem um outro também, Os Bastidores, eu ia muito nos Bastidores. Nossa! Eu batia cartão lá. Era do lado. Conheço todo mundo ali. Quer dizer, agora não sei, mas até a cinco anos atrás eu conhecia todo mundo.
P/2 – E aí quando você voltou pra casa dos seus pais, você deixou de dançar, não deixou?
R – Não, continuei.
P/2 – Hã! Daí você ia pra outros lugares com outros amigos?
R – Sabe por que? Porque quando eu voltei pra casa do meu pai, a casa tava livre. Então eu não senti mais naquela obrigação, tinha liberdade. Eu saía, entrava, a casa tava... Eu olhava aqueles paus, falei: “Meu Deus do céu! A casa é só minha. Eu vou fazer o meu canto”. O meu sonho era mobiliar, arrumar, tudo. A minha idéia tava aí, na época. Sabe, eu tava começando a trabalhar na produtora, então o pessoal falava: “Ó, você vai aprender a vender. Você vai ganhar muito dinheiro”. Então a minha idéia era arrumar o meu canto, ter meu espaço.
P/1 – Qual que era o seu trabalho na produtora?
R – Eu comecei a trabalhar na expedição.
P/1 – (pausa) Então, tava te perguntando qual era o seu trabalho nessa produtora?
R – Na época, quando eu entrei, a pessoa pediu pra mim… Ele era meu amigo na época. Ele falou: “Olha, eu vou te colocar num lugar pra você trabalhar, de confiança”. Eu peguei porque sabia o que ia fazer, nunca tinha trabalhado. Ele disse: “Você vai trabalhar no estoque. Você já trabalhou em estoque?”. Eu falei: “Eu já”. Mas eu achava que eu ia fazer a mesma coisa que eu fazia na outra firma, que eu trabalhava confecção, era bem diferente. Eu encontrei essa expedição. Era o que entrava e o que saía. Depois ele ficou muito pouco tempo com a produtora, porque ele trabalhava em outra produtora. Só que a outra produtora queria… Na época estavam montando um escritório em Los Angeles, e como ele fala inglês fluente ele foi o escolhido. Ele foi pra lá. Eu não sabia o que fazer com a produtora porque ninguém era produtor. Aí pegou e falou, pra (Helen?), falava assim pra mim: “O que eu vou fazer?”. Eu falei pra ela: “Não adianta deixar na minha mão porque não tem com. Negócio de caixa, essas coisas, eu não entendo nada”. Foi assim, ele arrumou um amigo dele, o amigo dele comprou a produtora. Eu fui junto, só que eu trabalhei só uma semana, nesse amigo dele. Eu fiquei doente.
P/1 – O que aconteceu? O que você teve?
R – Olha, foi uma coisa muito estranha, aliás, é, só trabalhei só uma semana lá sim. Ele vendeu a produtora em começo de fevereiro.
P/1 – De que ano?
R – Aí, como eu trabalhei muito no final do ano, por causa da venda da produtora, de um monte de coisa que tinha que fazer. Depois tinha que esvaziar as salas, tudo, porque ele tinha que vender os móveis. E ele tava, nessa época, ele tava nos Estado Unidos. E a minha irmã tinha separado do amigo dele, foi trabalhar comigo. Então, ficou nós duas, só, na produtora. O resto do pessoal ele mandou embora. Ela cuidando do caixa e eu cuidando do resto das coisas que tava saindo, muita coisa pra sair. Ele deixou, nós duas ficamos cuidando. Então ficou a mudança, transferência, um monte de coisa. Tanto que eu trabalhava muito, eu trabalhei praticamente semana de natal, semana do ano novo, trabalhei demais. E eu acho que foi por isso que eu fiquei doente. Porque de novembro até dezembro, novembro, dezembro, janeiro eu trabalhei demais. Eu não comia, não parava pra comer. Eu chegava na produtora, eu saía às dez, onze horas da noite. Chegava em casa cansada, eu nem tinha tempo de fazer comida, nada. O que vinha era: “Tô cansada”. E foi assim até terminar tudo o que tinha que terminar com a produtora.
P/1 – Que ano era? Quando foi isso?
R – Foi assim, ele vendeu a produtora, ele foi pros Estados Unidos em novembro. Depois ele voltou. Aí ele arrumou comprador, voltou de novo pros Estados Unidos. Ele falou: “Agora fica na mão de vocês duas”. Tinha muita coisa: tinha mudança pra fazer, muita coisa. Ainda tinha coisa que eu tinha que mandar vender pros clientes. O resto do pessoal ele mandou embora. Eu falei: “Não manda pelo menos o Boy. Me ajuda”. Ele mandou todo mundo. Quer dizer, eu tinha que mandar despachar, ir pro correio levar sedex, porque é tudo por sedex. Era muita coisa. Eu não tinha tempo pra nada. Então, começou em novembro, no fim de novembro.
P/1 – De que ano?
R – Dezembro trabalhamos praticamente o mês todo. Só paramos na véspera do natal e do ano novo. Voltamos em janeiro, o mês todinho. Em fevereiro já tinha terminado. Aí me deu férias. Quer dizer, foi legal, ele me mandou embora. Eu aproveitei, falei: “Agora eu vou sair de férias”. Aí eu aproveitei e fiquei uma semana na praia, mas eu já tava trabalhando em outra produtora. Só que eu não fui trabalhar, eu só fui lá acertar. Eu ia voltar a trabalhar depois que eu voltasse, era na semana do carnaval. Depois que eu voltei comecei a trabalhar na outra produtora, só que lá eu não ia trabalhar no estoque. O dono queria que eu vendesse, porque eu conhecia todo o pessoal. Ele queria fazer contato com o pessoal. Eu só ia ensinar algumas pessoas, porque eu trabalhava no estoque, fazia o serviço que tinha que fazer, dar entrada e saída, e eu já ia começar a trabalhar de venda.
P/1 – E aí você ficou doente?
R – Aí eu fiquei doente.
P/1 – O que aconteceu? O que você teve?
R – Ah! É muito estranho porque eu viajei e fiquei uma semana na praia. Eu fui pra Iguape, não sei se você já ouviu falar. Fiquei uma semana em Iguape, quando eu voltei não tava sentindo nada, não senti nada. Comecei a trabalhar na produtora nova, também não tava sentindo nada. Quando foi na sexta-feira, eu cheguei, passei na casa de uma amiga minha, fiquei conversando com ela, eu ia trabalhar no sábado, a gente ia colocar tudo no computador. (Nancicha?). Ia ser colocado tudo dentro do computador. Aí eu falei: “Não, amanhã eu vou vir, você também vem - era o cara que arquivava - pra gente colocar tudo no computador. E na semana que vem já vai começar tudo sem problema nenhum”. Aí ele falou: “Não, tudo bem, pra mim não tem problema nenhum”. Tava marcado pra gente trabalhar no sábado. Mas eu acordei sábado, acordei ruim. Acordei com muita dor no corpo, uma dor de cabeça terrível. Não conseguia. Eu pedi pra ligar lá, nessa época, a minha casa não tinha telefone, pedi pra ligar pra avisar que eu não tava boa. Eu achava que era um simples resfriado, mas quando foi no domingo, eu tava pior. Eu não conseguia andar. E eu falei: “O que tá acontecendo, poxa vida?”. Foi até no domingo da morte dos Mamonas, até lembro direitinho. Eu tava lá, tava mal, falei: “Mas o que tá acontecendo?”. Eu tava um pouco fraca, começou a me dar diarréia, de repente. Não tava conseguindo andar. Não tava sentindo as minhas pernas. Eu tava, só eu e a Nanci. O meu pai não tava. Tive que esperar até segunda-feira. Quando foi na segunda-feira, eu acordei, eu tava sem a audição. A minha irmã ligou lá pra produtora e o pessoal falou: “Ela não vem trabalhar. A gente tem recado aqui que ela tá doente”. Minha irmã pegou e telefonou pra vizinha, aí falou pra vizinha, lá em casa, pra ver o que tava acontecendo. Quando a vizinha chegou, eu tava deitada no sofá, ruim. Desde domingo sem tomar banho, sem nada. Eu não conseguia andar. E a vizinha falou: “O que tá acontecendo?”. Eu falei: “Não sei, eu não tô ouvindo”. Ela começou a escrever o que tava acontecendo e eu fui falando pra ela. Ela pegou, me levou no banheiro, me deu banho, me trocou de roupa. Eu não andava. Aí e pegou e falou assim: “Espera aí que eu vou ligar pra sua irmã”. A minha irmã ficou trabalhando com o meu ex-patrão, na casa dele, até ele voltar e vender tudo o que tinha que vender. Ela tava dando baixa, ainda tinha... Ficou muita coisa pendente, o caixa, né, ela continuou trabalhando com ele. Minha irmã, quando foi na terça-feira, minha irmã ligou pro meu pai, procurou meu pai, entrou em contato com ele - meu pai ainda trabalhava na Teles - falou pra ele que eu tava ruim. Meu pai quando foi no domingo, na segunda-feira, chegou em casa e falou que ia me levar pro hospital. Eu falei que eu não ia pro hospital de jeito nenhum, não ia me levar pra lugar nenhum. Aí eu tava muito ruim, queimando de febre, dor de cabeça terrível, sem audição. Na terça-feira, aí foi um pessoal lá em casa, meus amigos. Aí falou: “Não, você vai pro hospital”. Falei: “Não vou de jeito nenhum”. Aí o meu pai me pegou rápido...
P/2 – Por que você não queria ir?
R – A minha vizinha, meu _________ , _________ do mundo me colocou dentro do carro. Quer dizer, eu fui praticamente forçada.
P/1 – Por que você não queria ir pro hospital?
R – Ai, não sei. Eu nunca fiquei internada em toda a minha vida. Eu não queria, jamais, entrar dentro hospital pra ficar lá. Eu sabia que eu ia ficar, tava muito ruim. Ruim mesmo. O primeiro hospital que eu fiquei foi no Ermelino Matarazzo, lá na Zona Leste. Fiquei uma semana internada lá, pra mim foi o pior lugar em toda a minha vida.
P/1 – Por que?
R – Primeiro lugar, o hospital tava totalmente abandonado pela prefeitura. Eu fiquei no corredor e tinha um monte de gente junto comigo. Tinha um lugar que tinham pessoas com problema mental, eu via gente morrendo do meu lado. Aquilo tava me deixando péssima, péssima, péssima. Teve um dia, uma noite que eu comecei a passar mal. Nesse dia, a minha irmã tava junto comigo. Eu comecei a gritar, falei pra minha irmã que eu tava passando mal. Aí ela falou: “Mas o que você tá sentindo?”. Aí eu falei pra ela: “Meu corpo tá formigando, não tô sentindo mais. Tô sentindo o ar entrar”. Aí ela pegou, saiu correndo. Apareceu uma enfermeira, a enfermeira pegou e falou: “Ah! Ela tá tendo convulsão. Eu vou procurar um médico”. Apareceu um médico. O médico me deu uma medicação. Mudaram a medicação que eu tava tomando, aí eu fui melhorando. Falei pra minha irmã: “Me tira daqui, porque se eu ficar aqui mais um dia eu vou morrer”. A minha irmã falou: “Mas eu não tenho pra onde te levar”. Eu falei assim: “Eu não quero mais ficar aqui não”. No dia seguinte, era dia de visita, aí foi uma prima minha. Ela pegou, quando ela viu o meu estado que eu tava, porque eu não comia, a comida era horrível. Eu não conseguia comer. Eu já tinha ficado sábado, domingo, segunda e terça com vômito. Eu fui pro hospital e eu não conseguia comer comida de hospital. Eu tava a base de soro. Então quando a minha prima entrou no corredor, ela me viu, ela começou a chorar. Deu crises nela. Ela falou: “Ela vai morrer se ela ficar aqui”. Aí a minha irmã falou: “Mas o que a gente vai fazer? Não tem pra onde levar ela. Os médicos falaram que ela só sai se tiver outro hospital”. A minha prima falou: “Eu vou arrumar outro hospital pra ela. E você vai arrumar conto”. Nesse meio tempo todo o mundo tava tentando arrumar um hospital pra mim, a minha irmã falou que a minha ex-patroa falou com uma amiga minha que é psicóloga, ela tava tentando arrumar internação na Santa Casa. Mas tava difícil. A minha prima pegou e falou: “Pra minha irmã, eu vou falar com a Odete - é uma prima do meu pai. Ela trabalha na Emílio Ribas. “Vou ver se ela consegue vaga no Emílio Ribas”. Isso foi no sábado, quando foi no domingo, essa minha prima foi lá me ver. Ela pegou e conversou com o pessoal lá, o pessoal falou: “Só sai daqui se tiver vaga no outro hospital, nós não vamos autorizar a saída dela porque ela tá muito mal”. Até aí eu não tinha feito exame, não tinha feito nada. Eles não sabiam o que eu tinha. Nesse meio tempo a minha prima pegou, foi de novo no hospital à noite e falou pra mim: “Eu consegui. Conseguimos vaga no Emílio Ribas. Você vai sair daqui amanhã. A médica vai assinar a autorização pra você sair e você vai ser internada no Emílio Ribas”. Só que eu não saí na segunda-feira porque a médica não tava lá, tinha que esperar a autorização. Quando foi na terça-feira a médica apareceu e a minha irmã pegou e falou assim pra mim: “Você vai sair daqui”. Eu peguei e falei assim: “Eu tenho que sair daqui o mais rápido porque eu não tô aguentando”. Eu tava vendo pessoas morrendo do meu lado, tava vendo pessoas deficientes mentais tendo crise. Teve uma hora que o negócio ficou tão feio que um homem apareceu eu tava no corredor, atrás de mim tinha uma porta de vidro. O homem apareceu, de repente, pegou o negócio que a gente coloca soro, só que eu não tava com soro, e quase quebrou o vidro nas minhas costas. Se eu tivesse com soro ele ia me levar junto, foi muito rápido. Aquilo foi me deixando pior. Eu falei pra minha irmã: “Eu tenho que sair daqui no máximo hoje”. A minha prima falou: “Não, tamo conseguindo hospital pra você, calma”. Quando foi de manhã a minha prima foi lá e falou: “A gente já conseguiu hospital pra ela”. Aí foi atrás da médica, ela assinou a autorização e eu saí de lá. De lá eu já fui, fui pra casa. Quando foi de tarde minha prima pegou, ligou pra minha vizinha, falou assim: “Ó, ela tem que tá aqui tal hora, eu vou tá no pronto socorro esperando uma ________ com um médico que é amigo meu”. Era sete horas da noite, terça-feira. Foi dia, acho que foi dia doze de março. A minha irmã me arrumou, me deu banho e tudo, porque eu não tava andando direito ainda. Eu comecei a voltar a andar, mas eu não tinha força. Quando foi de noite, um amigo meu pegou e falou: “Eu vou levar ela pro hospital”. Eu falei assim: “Mas eu não quero ir pro hospital de novo”. A minha irmã falou assim: “Ó, você vai pro hospital, lá é diferente. Você vai ficar no quarto, você não vai ficar jogada como você ficou. Lá você vai ter assistência médica”. Eu falei pra ela: “Ó, não quero”. Ela falou: “Você tem que ir, se você não for você vai morrer em casa”. Aí eu falei: “Eu prefiro morrer em casa do que em um hospital”. Ela falou: “A gente vai, eu vou com você. Eu vou ficar com você. Eu não vou deixar você sozinha assim não”. Aí eu fui.
P/1 – E que você achava que você tinha?
R – Quando eu cheguei no Emílio Ribas, a minha prima tava me esperando com um médico no pronto socorro. Eu entrei dentro da sala, quando eu olhei tinha um monte de médico na minha frente. Os médicos começaram a fazer um monte de perguntas, só que eu não entendia o que eles falavam. Eu falava pra minha irmã: “Eu não tô entendendo nada que eles tão falando”. Aí ela começou a escrever. Começaram a fazer um monte de pergunta. Perguntaram se eu usava droga, se eu tinha muito parceiro, começaram a fazer um monte de pergunta. Eu olhei pra minha irmã e falei: “Eles tão falando que eu tô com AIDS?”. Eu falei pra ela: “Eu tô com AIDS”. Porque eu tava desse jeito, um palito. Eu falei assim: “Fala pra eles que eu não tô com AIDS não hein! Pelo amor de Deus!”. Eu sabia que o Emílio Ribas era um hospital que tratava de doenças, infecciosas graves. Eu sabia que o Emílio Ribas era um dos hospitais que tratava desse tipo de doença. Quando eu cheguei e apareceu um monte de médico, os médicos começaram a fazer um monte de perguntas. Eu me assustei porque eles perguntavam pra mim assim: “Quando, como aconteceu (...)”. Eu falava: “Eu não tô entendendo o que eles tão falando”. A minha irmã começou a escrever. Quando a minha irmã começou a escrever essas coisas, eu falei assim: “Mas como que eles tão perguntando isso?”. Chegou uma enfermeira, me tirou um monte de sangue. Aí daqui a pouco entrava um médico, saía. Entrava um médico, saía. Aí um médico pegou e falou assim: “A senhora vai ficar internada”. Eles me colocaram em uma sala do lado do PS. Só que quando eu entrei no corredor do PS, eu me assustei, porque eu realmente vi a realidade do que eu estava pensando. Eu vi realmente. Era um monte de pessoas em fase terminal, aí é que eu me assustei mesmo. Eu entrei em pânico porque eu falei: “Meu Deus do céu! O que eu tenho? O que aconteceu comigo?”. Não passava pela minha cabeça que fosse uma outra doença. Eu me assustei, foi muito rápido. No outro hospital não tive a resposta de nada. De repente eu tô num lugar que, é uma doença gravíssima. Eu tava me sentindo sem chão, sem nada. Quando eu entrei no quarto, eles me deixaram em um quartinho, do lado do PS, aí começou a entrar, entrar um médico, sai outro, um médico, sai outro. E eu olhava pra minha irmã e falava assim: “Nossa! Aqui tem muito médico viu”. Pra lá você não via um médico nenhum. Só o dia que eu entrei. Mesmo assim eu tava tão atordoada que eu nem lembrava o rosto da médica, no outro hospital. Aí eu olhava, perguntava pra ela, falava pra minha irmã: “Puta, __________________”. Minha irmã falava pra mim: “É só pergunta de rotina”. Falei assim: “Ah! Então tá bom”. Daqui a pouco, o médico fazia as mesmas perguntas. Ai, pegava e falava assim: “Meu Deus do céu! Não faz isso comigo, meu Deus! Eu não mereço meu Deus!”. Eu acho que eles deram alguma coisa, um sedativo, aí eu dormi. Quando eu acordei de manhã, tinha um monte de médico, de novo, do meu lado. Um dos médicos pegou, falou pra mim: “Você não tem audição?”. Eu falei: “Não”. Ele pegou e falou: “Então, eu vou falar um pouquinho devagar pra você entender”. Eu falei: “Tá bom”. Começou a falar, eu comecei a entender. Ele falou: “Você tá entendendo o que eu tô falando?”. Eu: “Tá”. Ele começou a fazer as mesmas perguntas. Eu peguei e fui direto. Eu perguntei: “Doutor, eu tô com AIDS?”. Ele olhou pra mim e falou: “Quem foi que falou isso pra você?”. Eu falei: “Porque desde ontem eu tô me perguntando, fazendo um monte de pergunta”. Ele falou: “Não, isso é pergunta de rotina”. A gente não sabe o que você tem. Eu falei assim: “Mas tem suspeita?”. Ele falou: “Não, não tenho suspeita de nada. A gente não sabe. A gente não sabe o que você tem. Agora é que a gente vai começar a fazer exame pra descobrir o que você tem”. Eu falei: “Ah! Então o senhor me acalmou porque eu tava péssima”. Ele falou: “Por que?”. Eu falei: “Porque eu achava que tava com HIV”. Ele falou assim: “Não, a gente nunca dá essa certeza pro paciente só de olhar. Tem que fazer exame”. Eu peguei e falei assim: “Ah! Então tá bom”. Aí ele foi embora. Entrou uma atendente, me deu café, me trocou de roupa, aí eu peguei e falei pra ela assim: “Quando é que eu vou embora?”. Ela falou: “Ah! Não sei”. Eu pedia pras pessoas falarem um pouquinho devagar porque eu tava começando a entender, né. Falei assim: “Fala um pouquinho devagar pra eu te entender”. Ela falou assim: “Ah! Não sei. Você vai subir”. Eu falei: “Como? Eu não vou ficar aqui?”. Ela falou: “Não, ninguém fica aqui. Aqui é só caso de urgência. Você vai subir pro quarto”. Aí eu peguei e falei assim: “Aqui tem quarto?” (Risos). Ela deu risada. Ela falou: “Tem!”. Falei: “Ah! Então tá bom. Bem, já gostei do café”, “É? Ótimo ______ lá”. Aí a minha irmã chegou. A minha irmã falou assim: “Você comeu?”. Eu falei: “Ah! Eu Comi”. Porque no outro hospital era chá com pão. Eu detesto chá, ainda mais com pão. Aí eu peguei e falei assim pra minha irmã: “Já comi. O café aqui é ótimo”. Ela falou: “Por que?”. Eu falei: “Tem até queijo” (risos). Ela falou: “Você tá melhor?”. Eu falei: “Eu tô sentindo muita dor no braço”. Eu sentia dor nesse braço inteiro. Eu achei que eu tinha deslocado ele. Quando eu subi, eu entrei no quarto, eu olhava assim, olhava assim, falei: “É bem melhor do que o outro hospital. Pelo menos eu tô num quarto, e esse são duas camas”. Aí um monte de soro, eu _______ muito soro, aquilo ficava lá. Aí eu olhava assim, falei: “Meu Deus do céu, até quando eu vou ficar aqui, hein? Acho que até essa semana eu vou embora até o final de semana”. Pensando comigo, né. Comecei a fazer exame. Aí as enfermeira iam me tirar, me colocavam na cadeira de rodas e me levava. Ia pra lá, ia pra cá, exame daqui, exame dali. Falei assim: “Aqui pelo menos, eu tô fazendo exame”. Entravam os médicos. Eu falava: “Doutor, o que eu tenho?”, “A gente não sabe, tem que fazer exame”. Passou uma semana, duas, três, quatro, cinco, um mês, dois meses: “Doutor, o que eu tenho?”, “A gente não sabe. Eu tô fazendo exame”. Ah! Pronto! Aí que começou a me dar o desespero. Eu falava assim: “Mas como?”. Entrava e saía gente, eu lá no hospital.
P/1 – E eles só te respondiam isso: “A gente tá fazendo exame”?
R – Só isso
P/1 – Só?
R – Exame de manhã, exame a tarde, exame a noite. Saía de lá e ia pro Hospital das Clínicas pra fazer lá no Hospital das Clínicas. Aí voltava. Logo no começo, eu fiquei duas semanas com um médico, Dr. Sidney, ele não abria a boca pra falar nada. Quando eu ia conversar com ele, ele ó, virava as costas. Não tinha como, eu não tava andando direito ainda. Não tava saindo, quase, do quarto. Logo depois, quando foi no final de semana, tive licença de final de semana. Minha irmã me levou pra casa de uma amiga que morava lá perto, pra não ficar muito cansativo pra eu ir pra casa do meu pai, que é muito longe. Quando eu voltei desse final de semana, tinha um monte de médico no corredor. Eu olhei, falei: “Ah! Não acredito! Não conheço nenhum desses médicos”. Entrei dentro do quarto. Daqui a pouco eu olho aquele médico, enorme, na minha frente. Ele olhou pra mim, pegou e falou assim: “Eu sou”. Aí pegou no crachá e mostrou o nome dele. Falei assim: “Ah! dr. Roberto?”. Ele: “É, eu que vou cuidar de você”. Eu falei: “Então tá bom. O senhor quer me dizer o que eu tenho?”. Ele tava com o meu prontuário na mão, ele olhou, ele falou: “A gente não sabe. Nós vamos começar a fazer exame”. Eu falei: “Mas de novo, doutor?”. Ele falou assim: “Agora vão ser outros exames”. “Então tá bom”. Todo dia esse médico ia no meu quarto pra fazer exame. Todo o dia, todo dia. Olhava, só que eu não entendia nada que ele falava. Eu entendia todo mundo, menos ele. Não entendia o que ele falava. Eu falei assim: “Doutor, o que eu tenho?”. Ele falava assim: “Ó, não sei. A gente tá fazendo exame”. Saía do Hospital Emílio Ribas e ia pro Hospital das Clínicas. Do Hospital das Clínicas pro Hospital Emílio Ribas. Exame, exame de sangue, exame de fezes. Fiz tudo quanto é tipo de exame. Teve um dia que o chefe dos médicos entrou dentro do meu quarto, ele falou pra mim: “Amaurina, você vai fazer um exame muito importante, você já fez ressonância magnética?”. Eu falei assim: “Não”. “Você já ouviu falar?”. Falei: “Já. É um exame que tira raio-x de dentro da gente”. Ele falou: “É esse mesmo, você vai fazer esse exame porque a gente não sabe o que você tem. E você vai fazer do crânio”. Eu falei: “Tudo bem doutor, se é pra descobrir o que eu tenho pode até fazer uma autópsia se precisar, desde que eu saiba o que eu tenho”. “Tudo bem”. Aí chegou o dia do tal do exame. Todo mundo tava... Os médicos tavam mais nervosos do que eu por causa desse exame, porque acho que desse exame eles iam descobrir o que é que eu tinha. Fui, fiz o exame. Demorou quinze dias, o exame veio, nada. Sem audição, dor de cabeça, dor aqui, o joelho ficou desse tamanho, dor nos músculos, nada.
P/1 – E você tinha alguma idéia do que você tinha? Você achava que você tinha...
R – Eu entrei em depressão. Comecei a chorar. Chorava, chorava, chorava, chorava, chorava. O dr. Roberto quando entrava, porque no Emílio Ribas tem um quarto, antes do quarto tem uma parte que tem um espelho. Ele olhava de lá, ele me via chorando, acho que ele devia ter escutado, porque eu devia chorar alto. Ele não entrava no meu quarto, ele mandava as enfermeiras, mandava os outros médicos. E ele falava pra minha irmã que não aguentava me ver chorar. Mas eu chorava mesmo, eu não dormia mais. Eu falava pra ele: “Doutor, o que é que eu tenho?”. Os médicos falavam: “A gente não sabe. Já fizemos tudo quanto é exame, exame da espinha (...)”. Tinha feito oito já. Os médicos disseram que dava alteração no líquido, mas não dava meningite. E tava com surto de meningite naquela época, tinha um monte de gente com meningite, internada, onde eu estava. Eu perguntava pros médicos, os médicos falavam: “Não é meningite. Ela tá tendo alteração no líquido, mas não é meningite”. Mas a minha irmã falava com o médico: “Mas o que ela tem?”. “A gente não sabe”. Aí eles chegavam, me examinavam, olhava daqui, apalpava dali, apalpava ali e nada. E nada, nada, nada, exames, exames, exames, exame daqui, exame dali e nada. Quando faltava vinte dias pra eu ter alta, já ia fazer quase três meses que eu tava internada, o doutor falava que ia me levar pra UTI porque ele não ia desistir do caso. O meu prontuário desse tamanho, dessa grossura, de tanto exame que eu fiz, de tanto exame. Quando faltou vinte dias pra eu ter alta...
P/2 – Os médicos sabiam o dia que você ia embora? Assim, esses vinte dias...
R – Eles não sabiam o que eu tinha, quando faltou mais ou menos vinte dias, eu tava fazendo o trabalho do projeto. Entrou uma médica, uma loura. Ela começou a falar comigo. Eu falei assim: “Doutora, eu não entendo nada que a senhora fala”. Aí o doutor: “Agora você vai ter que falar um pouco devagar porque ela faz leitura de lábios”. A médica ficou espantada porque ela é otorrino, eu sabia também que ela era otorrino. Ela pegou e falou com o médico o que é que eu tinha. Doença.
P/1 – Ela?
R – Ela falou. Ela veio do hospital do HC, ela é otorrino do HC, e foi lá que ela ficou sabendo, lá, que tinha uma paciente do Emílio Ribas que tinha uma doença esquizofrênica. Eu falo esquizofrênica. E ninguém sabia o que eu tinha. Ela deduziu por conta de algumas coisas [sintomas] que eu tinha. Eles não descobriram a minha doença porque eu não tive mancha no corpo, e essa doença da mancha no corpo.
P/1 – Que doença é?
R – Lyme. Doença de Lyme.
P/1 – Lyme?
R – Lyme.
P/1 – E o que é essa doença?
R – É picada de carrapato, você pega através de carrapato. É quase igual a meningite, só que ela deu diferente da meningite. Ela tem a mesma... Ela dá o mesmo sintoma da meningite, só que ela não aparece muito desse perigo. E pra ter certeza da doença, ela dá manchas, eu não tive manchas. Muitos médicos estavam em dúvida, perguntavam pra mim: “Você teve mancha? Você tava com mancha?”. Eu falava: “Não, não tive mancha”. “São manchas vermelhas”. “Eu não tive problema nenhum de pele”. Eu falava pro médico. Não tive mesmo. Só que a doença não deixa sequela e essa deixou em mim.
P/1 – Que foi a audição.
R – Perda da audição, afetou a minha meninge. Tenho _______ de coordenação, tenho muito barulho.
P/1 – Dentro.
R – Eu ouço vozes, música, um monte de coisa. Eu tenho alucinação orgânica.
P/1 – O que é isso?
R – É meio complicado (risos). O psiquiatra que falou. É quando você ouve vozes, porque é assim: eu tomo remédio pra diminuir o barulho. Então sem remédio eu ouço vozes, música, como se eu tivesse... Mas não é aqui dentro do ouvido. Eu ouço dentro da cabeça esses ruídos.
P/2 – E isso é uma das consequências dessa doença?
R – Os médicos falam que é, mas eles não sabem direito se é na cabeça, porque a minha doença é rara. Dentro do Hospital das Clínicas não tem ninguém com a minha doença. Eles estão estudando na verdade.
P/1 – Mas você, as vozes, a música que você ouve são conhecidas?
R – Agora diminuiu, fiquei conturbada por causa dos remédios, mas antes eu ouvia música clássica, ouvia radiação de jogo, jogo do rádio, eu não suporto aquilo, eu não suportava aquilo. Eu ouvia buzina de carro, pessoas gritando, pastor falando no meu ouvido, um monte de coisa. Eu achava que eu tava ficando louca.
P/1 – Quando começou isso? Já no hospital?
R – Logo em que eu perdi a audição. Eu tinha tudo isso, só que eu achava que eu tava ficando louca. Quando eu fui parar no Ermelino Matarazzo, via as pessoas deficientes, porque lá tem mesmo, pessoas que eu não sei porque tão lá, porque lá não tem condições. Eu olhei aquele pessoal, eu achei que eu tava… Porque eu falava pra minha irmã assim: “Tem rádio ligado?”. “Não falou o que é?”. Falei: “Eu tô ouvindo música”. “Não foi o que?”. “Eu tô ouvindo música”. Pra eu gravar mesmo assim alguém tava com o rádio ligado do meu lado. As vezes eu tava em casa, eu falava assim pra minha irmã: “Por que a televisão tá ligada?”. “Não sei. A televisão não tá ligada”. “Mas eu tô ouvindo”. Carro, eu saía pra fora, pra ver. Eu via a rua, não tinha nada.
P/2 – Quando começou a perder a audição, você nunca tinha tido esse tipo de sensação antes disso?
R – Antes?
P/2 – Antes. Nunca?
R – Eu tive problema de ouvido na minha adolescência, até um deles era pra eu operar. Não operei. Eu não tive um zumbido, não tive nada, só tive dor de ouvido. Já passei por especialista lá no HC, dra. Danila, ela é especialista no zumbido. Quando eu passei com ela, porque foi assim: quando eu saí do Hospital Emílio Ribas, fui encaminhado pro HC, pro ambulatório, pra fazer acompanhamento. Lá eles me mandaram pra um monte de lugar: pra fono, pra testar aparelho, pra um monte de lugar lá dentro. Quando eu passei com a médica, a médica já falou que foi essa doutora Lua, Lucilene, Lucilene. Ela falou que eu não tinha mais audição. Ela mesmo já falou. Na primeira consulta ela falou: “Você não tem mais audição”. Aí ela falou: “Agora eu vou te encaminhar pra um monte de lugar”. Ela me encaminhou pra fono, pra eu fazer leitura de lábios, me encaminhou pra por aparelhos, implante de Coclear. Eu fiz, já tirei, não quis mais. Pra mim não resolveu.
P/1 – O que é esse aparelho?
R – Você já ouviu falar? É, eles colocam o aparelho aqui dentro da cabeça, do tamanho de uma moeda de um real. O outro fica aqui. Tem um aparelhinho, mais ou menos desse tamanho, pra captar som. Só que pra mim não resolveu. Ano passado eu tirei o implante. Eu fiz nove e meio, mais ou menos, dois anos eu fiquei, só que não tive, não sei se é devido a doença. Os médicos queriam colocar um outro, só que não quis, preferi tirar, porque a minha doença é um enigma. Qualquer médico que eu pergunto, já perguntei pra vários médicos, aliás, dentro do hospital, já passei por vários locais. Já fui encaminhada pra tudo quanto é especialista. Eles falam que não sabem sobre a minha doença, não conhecem. Uma que eles não sabem, eles não conhecem a minha doença, não sabem até que ponto ela me afetou. Não tem conhecimento sobre ela.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, quando você tava naquele primeiro hospital, que chamava...
R – Ermelino Matarazzo.
P/1 – É, você tinha alguma idéia do que você tinha? Que coisas você pensava? Você achava que você tinha o quê?
R – É, quando eu tava lá internada eu achava que era coisa passageira, que ia passar, que era como se eu tivesse tendo um pesadelo, que eu ia acordar e ia acabar. Sabe como é que é? Eu ficava me olhando, até ali eu não tinha entrado em pânico, aquela coisa de achar que a minha vida tinha terminado. Eu achava que: “Ah! Daqui a uma semana eu já tô boa!”. Só que eu não, isso aqui pra mim, eu não lembrava que eu tinha vivido isso aqui. De ver a situação, os pacientes, de ver como é conviver com internação. Porque o hospital sempre foi pra mim um local horrível. É deprimente. De repente você se vê lá dentro, porque você ir lá, fazer um exame e voltar ou tirar, é diferente. Agora você ficar lá dentro é outra coisa, é outra história. Sabe, quando você vai pra fazer um exame de rotina é totalmente diferente. Agora, você se ver dentro de um leito, em cima, que nem eu me vi. Primeiro um hospital péssimo, péssimo mesmo. O que eu vi de gente morrer na minha frente sem recurso, sem ter um médico do lado, eu vi. Depois falar que a pessoa só tá passando mal, mas a pessoa já estava... Porque eu vi. Sabe, eu não entrei em pânico, nada, porque eu tava atordoada, acho que por muito remédio que eles tavam me dando, eu tava meio atordoada. Sabe, eu falava pra minha irmã: “Aonde morreu?”. A minha irmã: “Aonde tá aquela senhora?”. “Ah! Morreu ontem”. “_________. Morreu na minha frente”. Eu não fiz, sabe. Se fosse antes, nossa, o que eu fazia, sei lá, eu tava muito atordoada, eu tava muito dopada. Quando eu saí que eu entrei no Emílio Ribas, eu não vi medicação, só soro, eles não me davam medicação, me davam só soro, porque eu tava muito fraca. Eu comecei a ter consciência do que estava acontecendo, comecei a falar: “Meu Deus do céu, quanto tempo eu vou ficar aqui? Cadê a minha audição?”. Teve um dia que me deu uma crise de choro, mas uma crise de choro tão feia, acho que eu comecei a chorar alto, a chefe das enfermeiras entrou dentro do meu quarto pra saber o que tava acontecendo. Eu falei pra ela: “Eu quero saber o que tá acontecendo comigo. Os médicos não falam o que eu tenho. Ninguém conversa comigo, eu tô sem audição. Eu quero saber o que aconteceu com o meu ouvido. Eu quero saber se eu vou voltar a ouvir”. Sabe quando você cai em si que você não tá mais ouvindo. Eu falei: “O que aconteceu comigo?”. Aí foi quando ela mandou o dr. Roberto vim falar comigo pela primeira vez, foi ele que começou a correr comigo.
P/1 – Isso depois de quanto tempo que você tava no hospital?
R – Duas semanas eu já tava. Eu tava duas semanas no Emílio Ribas. Os médicos estavam fazendo exame, só que eles não me davam satisfação. Sabe, eu ia perguntar pra eles, eles me deixavam falando sozinha, viravam as costas. Talvez eles estavam até comentando um com outro sobre o assunto. Só que pra mim... Eles ficavam conversando um com o outro. Aí eu perguntava: “Doutor, o que eu tenho?”, eles não falavam nada. Não é que eu não fui bem atendida, eu fui muito bem atendida no Emílio Ribas, não posso reclamar. Eu falava que lá era um hotel de cinco estrelas, [comparado ao] que eu estava, né (risos). Mas o problema é que eles não me davam uma satisfação. Quando a minha irmã chegava no horário de visita, porque quem me acompanhou o tempo todo foi a minha irmã. Meu pai, como trabalhava, tinha pouco tempo. Minha mãe não tava aqui.
P/1 – Sua irmã ia todos os dias?
R – E a minha irmã como me acompanhou, eu falava pra ela, ela falava pra mim: “Quem é o teu médico?”. “Eu não sei se é a dra. Raquel ou se é o dr. Sidney, os dois vinham aqui direto. Não sei quem é”.
P/1 – Ela ia te ver todos os dias?
R – Não, eu ___________.
P/1 – De qual horário? Quanto tempo ela ficava com você?
R – Ela ficava o tempo todo __________. Quando dr. Roberto começou a fazer residência no sexto andar, e que [começou] a trabalhar comigo, ele começou, ele me levou... Eu reclamei pra ele da minha audição, eu queria saber o que tava acontecendo. No dia seguinte ele me trouxe e [me] levou pro HC pra fazer o audiometria, pra saber o que é que tava acontecendo comigo. Até ali ninguém se preocupou com a minha audição, e nem eu. Eu fui cair em si no dia antes, que eu tava sem audição. Eu acho que passou sabe, dos remédios que eu tinha tomado. Os médicos iam me visitar, olhavam aquele negócio aqui, olharam aqui, mas ninguém falava nada.
P/1 – E nesse período que você tava com depressão, você falou que você chorava, o que te ajudava? O que te dava força?
R – Olha, no começo foi muito difícil, porque eu me vi dentro daquele hospital com um monte de paciente, com um monte de problema. No começo tinha uma coreana. Ela me ajudou muito, me deu muita força. Ela era muito animada, ia lá, conversava comigo, eu ia no quarto dela, a gente ficava lá. Só que…
P/2 – Isso já no Emílio Ribas?
R – No Emílio Ribas. O quarto dela parecia o quarto dela da casa dela. Tinha tudo: tinha som, televisão, tinha tudo o quarto dela. Aí eu ia lá, começava a escrever. Ela escrevia muito pra mim, porque eu não entendia o que ela falava, não entendia mesmo. Eu acho que ela não falava muito bem o português, então não dava pra entender. Aí ela escrevia tudo. Ela falava assim pra mim: “Aí eu vou sair hoje. Você quer alguma coisa?”. Eu falava assim pra ela: “Eu tô com vontade de comer Mc Donald’s”. Já fazia quase um mês que eu tava lá, né. Quando ela voltou ela me trouxe (risos). Não podia comer, só que eu comi escondido. Tudo que eu falava pra ela, ela fazia pra mim, porque ela saía direto. E eu não saía, quase. Aí começou a ir padre, freira, e conversava comigo. Só que eu não entendia quase nada do que eles falavam, e eu ficava lá e falava: “Meu Deus do céu, quanto tempo eu vou ficar aqui?”. Ela recebeu alta. Aí pronto, não tinha mais com quem conversar, porque ela era a única que me dava atenção. Única, de paciente. Porque os outros pacientes entravam e saíam, entravam e saíam. Ela que tava mais tempo lá na _______.
P/2 – E as enfermeira?
R – As enfermeira, era assim: no começo ela viviam, eu achava que elas viviam de cara feia, aquela coisa assim de não ter tempo. Depois acho que muito tempo, aí elas começaram. Aí uma já fazia tchau, outra já ia conversar. Acho que eu comecei a chorar muito, quando eu entrei em depressão, aí eu chorava muito. Acho que elas começaram a ficam com dó. Aí já ia uma, passava a mão. Eu tava de lado no quarto, só que a televisão ficou de frente pra porta. Então eu percebia quando alguém entrava, mas eu ficava parada. Uma ia e passava a mão, aí eu olhava: “Não chora sua boba. Logo, logo, você vai sair daqui”. E eu falava assim: “Quando? Você sabe?”. Só que ninguém percebia que eu tava em depressão. Quando foi um dia, o psicólogo entro dentro do meu quarto. A Luciana. Aí ela começou a fazer um monte de pergunta pra mim, aí eu falei assim pra ela: “Eu quero ir embora daqui. Eu não aguento mais. Eu vou fugir”. Ela falou: “Como é que é?”. Eu falei assim: “Eu vou embora daqui, eu vou fugir”. Eu já tava andando. Ela falou assim: “Mas você tem coragem?”. Eu falei: “Eu tenho, a minha roupa tá tudo aí. Eu posso ir embora a hora que eu quiser”. Só que ela avisou pro pessoal, aí me tiraram todas as roupas. Sabe o que é uma roupa de hospital. Eu ia fugir mesmo, eu não aguentava mais. Eu olhava aquela janela, eu me sentia como se eu tivesse num presídio. Lá fora, a avenida dr. Arnaldo, e eu ali dentro, quase dois meses.
P/1 – Mas aí a psicóloga te acompanhou? Ela voltou pra vocês conversarem?
R – A minha irmã e ela ficavam algumas horas de visita. Revista, jornal, comecei a consumir. Principalmente ler livro, em televisão eu não tinha muito interesse porque eu não tava entendendo. Eu comecei a ler, ler, ler, a ler muito, só que não tava resolvendo. Eu chorava demais. Mas o que tava me dando angústia era que os médicos não saiam o que eu tinha, isso me deixava muito nervosa. E outra, era muito exame, os meus braços começaram a ficar todos roxos porque eu tenho problema, eu tenho muita veia, mas a minha veia é muito fina. Então na hora de tirar sangue, se estourar, eu já ficava roxa, com hematoma. Eu olhava pros meus braços, tava tudo cheio de hematoma, tudo, não tinha mais onde colocar, sabe. E eu olhava pros médicos, os médicos entravam lá dentro, começavam a conversar um com o outro. Eu falava assim: “Será que eu tô com alguma doença grave? Será que eu vou morrer amanhã? Será? Por que eles não falam? Por que eles não sabem?”. Quando eu melhorei um pouquinho, foi o dia que a Luciana entrou com o Eduardo dentro do meu quarto. Falou se eu queria pintar, se eu gostava de pintar, se eu gostava de artes plásticas. Aí eu falei: “Adoro, só que eu nunca peguei num pincel. Eu acho muito bonito, eu sempre admirei, mas eu nunca pintei, eu nunca fiz nada”. Aí eles perguntaram se eu gostaria de fazer alguma coisa. Eu falei: “Ah! Mas o que?”. Ele falou: “O tema é livre, você faz o que você quiser”. Falei pra ele: “Ah! Eu quero”. Mas nunca passou pela minha cabeça. Eu achei que era só pra passar o tempo,, aquela coisa de você pegar um livro, ler e terminar ou começar e parar pra pensar. Só que a coisa foi tão boa, tão boa, que pra mim... Foi, nossa! Foi maravilhoso começar a trabalhar, pintar, mexer com argila. Com o tempo eu pedi pra ele deixar material pra eu trabalhar todo o dia, porque eu me concentrava ali, eu esquecia o barulho muito infernal, não me davam medicação, nada. Aquilo me deixava, nossa! Eu não dormia, eu não tomava medicação, nada pra dormir. Eu ficava 24 horas.
P/2 – Ninguém sabia que você tinha esses barulhos?
R – O barulho tava muito tempo, muito forte.
P/2 – Mas ninguém sabia, nenhum médico sabia?
R – Não, não, nada. Não tinha comentado nada, não falava disso pros médicos.
P/2 – E eles também não perguntavam por que você chorava?
R – Eu comecei... Eu acho que foi uma das enfermeiras que falou que eu entrei em depressão, porque eu não tava comendo também. No começo eu não comi. Logo que entrei eu não comia, fiquei uma semana sem comer, porque eu achei que a comida era igual a do outro hospital. O marmitex. Não comia. E lá não entra nada, então eu passei fome mesmo porque lá não entra. No outro hospital ainda levaram fruta, muita coisa, mas nada. Quando eu percebi era boa, aí eu comecei a comer.
P/1 – Por que você não falava que você tava ouvindo vozes?
R – Não falava.
P/1 – Por que?
R – Não falava pra ninguém.
P/1 – Por que você não falava?
R – Eu tava preocupada com a perda da audição. Muito tempo dentro do hospital. E o que me deixou muito nervosa, muito deprimida, foi dos médicos não saberem o que eu tinha, qual era o meu problema. Porque não é um médico, é a equipe inteira. Você tá entendendo? Não era só o dr. Roberto, era a equipe toda, acho que hospital inteiro tava atrás do meu problema. Pra você ter uma idéia, começou a ir médico do Hospital da Clínicas lá. Só que eles perguntavam, me faziam um monte de pergunta, eu falava: “Não, não, não, não”. Eles saíam sem resposta.
P/1 – E aí você começou a pintar e todo o dia você fazia trabalho?
R – Quando o Eduardo entrou no meu quarto, perguntou se eu gostaria de pintar. Ele começou a dar umas dicas, ele falou assim: “Você não quer pintar maior?”. Porque eu comecei com folha desse tamanho. Ele falou assim: “Você não quer pintar?”. Eu falei: “Ah! Eu gostaria”. Aí começou a trazer cartolina grande, comecei a pintar. Ele falou: “Posso colocar na parede?”. Eu falei: “Pode”. Aí que os médico entravam e ficavam assim. Ah! Pelo próprio _______ mole. Os médicos não vinham mais pra me ver. Eu pra ver _______________________ (risos). “Pessoa, foi você que pintou?”. Eu falei: “Ah! Eu não acredito doutor”. Aí o meu quarto parecia um ateliê.
P/1 – E o que você gostava de pintar?
R – Olha, eu comecei a pintar, primeiro eu falei assim por doutor: “Ah! Eduardo, tem um barulho tão forte na minha cabeça”. Ele falou assim: “Como é que é esse barulho?”. Eu falei assim: “Tem hora que ele tá devagar, tem hora que tá infernal”. Ele falou: “Então coloca cor escura quando ele tiver infernal, quando der pra você suportar, coloque cores claras”. Só que eu uso muita curva nos meus trabalhos. Ele falou assim: “Você usa muita curva, né?”. Falei assim: “Eu gosto disso, não sei por que”. Aí ele começou a dar dica: “Por que você não faz o trabalho?”. “Ah! Eu comecei a fazer”. Tanto que o meu trabalho é cartão postal.
P/1 – Qual? Eu tenho uns cartões postais.
R – Bem colorido.
P/1 – Qual que era o teu?
R – Pequenininho. Tá acho que lá no Centro, no terceiro.
P/1 – É?
R – Mas eu fiz um monte de trabalho. Eu fiz um trabalho que eu pintei o fundo salmão, eu gosto dessa cor, depois eu fiz um monte de rabisco. Eu desenhei uma bola de tanto exame dessa espinha que eu não suportava. Quando um médico entrava no meu quarto, fazia assim: “Fiiii, fiiii!”. O dia pra mim acabava, acabava esse dia. Eu falava assim: “Dr. Roberto, você vai acabar com a minha coluna”. Ele falava: “Não. Não tem problema, não tem problema”. Nossa! Eu chorava tanto nesse dia. Primeiro o fato que eles faziam o exame e não dava em nada. Não é fácil uma pessoa ficar tanto tempo internada sem saber o que tem.
P/1 – E o Eduardo foi depois de quanto tempo que você tava no hospital?
R – Hum?
P/1 – O Eduardo foi lá te visitar a primeira vez depois de quanto...
R – Ele foi em abril, no começo de abril. Já ia fazer um mês que eu tava lá. Foi no começo de abril que ele... Mais ou menos, deixa eu ver, é, na primeira semana de abril. Tava péssima mesmo, péssima. O que tava me ajudando era a psicóloga que tava fazendo terapia comigo. Eu chorava muito, muito, muito, muito, nossa! Chorava dia e noite. Eu não dormia. Eu ficava vendo as enfermeiras andando de ________ a noite.
P/1 – E aí as coisas começaram a melhorar quando foi essa otorrino? Essa médica que falou que sabia o que você tinha.
R – Aí quando a dra. Suelo, aqora que eu lembrei o nome dela, dra. Suelo, ela apareceu lá, começou a conversar com o dr. Roberto. O dr. Roberto começou a escrever pra mim tudo o que ela tava falando. Ela perguntou pra mim onde foi que eu passei, se tinha viajado, se eu fui pra algum lugar que tinha bicho. Eu falei assim: “Não lembro se tem bicho na minha casa”. Eu falei: “Eu tenho um cachorro na minha casa”. Se não foi, eu não lembrava. Depois eu me lembrei, eu falei: “Ah! Eu dormi uma noite, quando eu cheguei, ________ ________ teve um problema na estrada”. Nós tivemos que ficar uma noite numa casa que tinha uma criação de tudo quanto era bicho, mas nós não chegamos a dormir. Nós chegamos, tomamos banho, e fomos ver o carnaval da cidade. Só que eu cheguei a dormir, cochilar, umas horas. Pode ter sido ali, porque depois eu fui pro hotel, e lá era um lugar muito limpinho, não percebi. Hotel não, pra pousada onde eu fiquei hospedada. Pode ser também na praia, sei lá, praia deserta, a gente ficou deitado na areia, não sei. A médica ia saber de qualquer jeito que a minha picada era de carrapato. Eu falei: “Mas eu não lembro doutora. Não lembro. Eu lembro que a quinze anos atrás eu levei picada de carrapato. Eu fui pra um sítio, em Minas, com o meu pessoal, meus primos. Nós ficamos na beira do rio. Todo mundo ficou empestiado de carrapato, mas a quinze anos atrás é muito tempo”. Apesar que os médicos até hoje tem dúvida se foi recente ou se foi naquela época, da doença ter ficado tanto tempo em meu organismo.
P/1 – A coisa da sua audição, até essa época você achava que você ia voltar a escutar? Como é que isso foi tratado, a questão da tua audição, de voltar a ouvir ou não voltar a ouvir?
R – Pelos médicos foi perda total. Não tem. Já fiz vários exames e não tem mesmo. Eles falaram que afetou o nervo, o nervo não tem cura. Não tem como, nem cirurgia. Já testei aparelho, aquele aparelho de deficiente, mas pra mim não tem jeito mesmo, eu tive perda total.
P/1 – E você ficou sabendo disso ainda no hospital?
R – Eu só fiquei sabendo que eu não tinha mais audição... A médica, a dra. Suelo, falou logo quando eu comecei a fazer acompanhamento no Hospital da Clínicas. Só que eu ainda tinha esperança, porque a médica mandou um monte de especialista lá dentro. Mas eu tive certeza mesmo quando eu coloquei o aparelho, que eu testei, o mais potente. Percebia nada, nada, nada, nada. Aí eu tive certeza. Porque eu ainda tava com esperança que o aparelho... Eu tivesse pelo menos um, nada. Uns cinco anos é muito tempo, também.
P/1 – E aí, depois que essa médica teve lá...
R – É. Foi ela.
P/1 - Um tempo depois você teve...
R – Depois que ela foi lá, que ela falou, porque primeiro falou que eu não tive mancha, então foi onde eles não conseguiram.
P/1 – E aí, um tempo depois te deram alta?
R – É, depois que ela foi embora, o dr. Roberto, entrou aquela equipe médica, eles conversando comigo. Falaram que eu ia começar a tomar medicação, antibiótico, pra eliminar o vírus e talvez eu até voltasse a ouvir, mas não aconteceu nada disso. Fiquei tomando durante vinte dias a medicação, antibiótico, e quando eu saí do hospital... Só que eu não andava, de jeito nenhum.
P/1 – Porque você tinha...
R – Era por causa da coordenação. Só que eu achava que era labirintite. E não era labirintite, porque afetou a meninge. Mas eu não andava mesmo. Os médicos até achavam que eu precisava de uma cadeira de rodas, mas com a graça de Deus... Comecei a fazer, é tipo uma, é fisioterapia. Só que com uma fono, tem lá no HC, negócio de ________. Anda pra lá, anda pra cá, é isso. Aí eu comecei a melhorar a coordenação. Não foi muito tempo não. Em um mês eu tava andando bem, bem mesmo. O médico não acreditou quando ele me viu.
P/1 – E como é que foi a tua volta pra casa depois que você teve alta? Como é que você retomou a sua vida?
R – Foi assim, foi aquela coisa de você ser muito bem recebida, os vizinhos, os parentes, os amigos. É aquela coisa de você se sentir amada, querida. Só que eu não me dei conta que eu tava sem audição ainda. Eu achei que a minha audição ia voltar, não sei, alguma coisa me falava: “Ah! Vai voltar. Você levantou tava sem ela. Agora, quando você acordar, você vai tá com ela”. Eu não acreditava. Isso aqui, pra mim, não tava me afetando. Quando foi um dia, comecei a lembrar: “Você não tá percebendo que você tá sem audição não? Não tá percebendo que a tua vida parou? Você não tá percebendo?”. Sabe quando as coisas estão começando a mudar, não vai gente mais te visitar, você fica sozinha, você começa a sentir solidão. Aquela coisa de você querer começar a tua vida, [mas] não sabe como, aonde, por onde. Foi quando eu caí em si que a minha vida tinha parado e que eu não sabia, meu mundo tinha desmoronado. Aí eu comecei a pensar: “O que eu vou fazer da minha vida, hein? Não tem nada pra fazer, não tem profissão. O que eu vou fazer da minha vida”. Comecei a mexer com a documentação do INSS, logo que eu recebi a caixa, mas eu queria saber o que eu ia fazer da minha vida. Só que até aí eu não tinha dado conta que eu tava em depressão. Eu chorava, não dormia, ficava noites e noites acordada. Só que eu não sabia o que tava acontecendo comigo. Eu mesmo achava que era tudo um sonho, um pesadelo, sei lá, e que uma hora eu ia acordar, minha vida ia tá normal de novo. E eu procurando os médicos, perguntando pros médicos. Os médicos, as mesmas repostas. Daí o dia que eu passei com essa médica, especialista do barulho, porque eu não dormia por causa do barulho. Era um barulho infernal. Era não, é.
P/2 – Toda noite depois que você voltou do hospital, você sentia esse barulho infernal?
R – A mesma coisa. Não para, 24 horas.
P/2 – Você ficou um tempo, toda a noite...
R – Continuava. Só que eu procurava a otorrina, eu falava pra doutora: “Doutora, eu tô com um barulho na cabeça”. Ela me dava um remédio pra zumbido. Eu tomava a medicação, não resolvia nada. Eu acho que eu fiquei uns dois anos, uns dois anos mais ou menos tomando... Só que teve um dia, eu fui passar na fono, aí ela tava lá. Eu cheguei pra ela, falei: “Doutora, ensina aí. Eu quero saber o que acontece com o meu barulho”. “Você não toma a medicação?”. “Tomo. Não tá resolvendo”. Ela falou: “Mas o que você tem?, Você tem tudo isso? Por que você não falou nada pra mim?”. “Eu falei pra senhora que eu tenho barulho”. “Mas você não tem barulho. Você tem, você ouve vozes?”. Eu falei: “Eu ouço”. “Você ouve música?”. Falei: “Eu ouço”. Ela falou: “Então o teu caso é muito grave”. Ela me encaminhou pra um especialista. Naquele dia mesmo ela já pediu encaminhamento. Eu passei com a dra. Tanide, ela é especialista nesse zumbido do barulho, essas coisas. Passei com ela, ela me fez um monte de pergunta. Eu falei tudo o que eu ouvia, que eu sentia. Ela falou: “Eu não acredito! Você tem tudo isso? [Por que] você demorou tanto tempo pra passar aqui?”. Eu falei assim: “Ué! Eu tomava remédio pra zumbido”. Ela falou: “O teu problema não é zumbido, é muito grave o que você tem”. Aí ela me pegou e me encaminhou pra psiquiatria. Eu falei: “Pronto!”, eu achei que eu tava biruta (risos).
P/2 – A psiquiatra te deu alguns remédios?
R – Aí eu passei pro psiquiatra. Quando eu fiz triagem na psiquiatria, aí eles falavam que eu tava com depressão profunda. Até aí, eu não sabia que eu tava com isso. Eu só chorava, sentia... Nem no hospital eu achava que eu não tinha nada. A psiquiatra pegou e falou que eu tenho depressão psicótica. Como é que eu não percebi isso, como é que a minha família não percebeu? A psiquiatra falou assim: “Você pensa em se matar? Você pensa (...)”. Eu falei assim: “Ah! O que eu mais quero é morrer! Eu não quero viver mais. Tudo que eu gosto de fazer eu não posso fazer. Pra que eu vou viver. Eu gosto de dançar. Adoro ouvir música. Não posso. Cadê os meus amigos? Cadê a minha vida, cadê?”. A psiquiatra falou assim: “Como é que você se sente?”. Falei pra ela: “Doutora, a senhora estuda cinco anos de medicina, mais três anos de residência. Quando chega no último ano de residência, a senhora fica com problema sério, a senhora não pode mais trabalhar como médica. Como é que a senhora ia se sentir?”. Ela nem me deu resposta, lógico. Falei pra ela: “Eu não sei como é que eu vou começar a minha vida. Eu quero começar, mas eu não sei como, não tenho incentivo da minha família, não tenho apoio, não tenho nada. Como é que eu vou começar a minha vida?”, eu falava pra médica.
P/2 – E aí, nesse período você começou a trabalhar no [Projeto] Carmim como voluntária?
R – Olha, o Carmim foi o seguinte: quando o Eduardo tava no hospital, o Eduardo falava assim pra mim: “Quando eu montar o escritório você vai trabalhar comigo. Você é muito inteligente, você vai continuar pintando”. Eu falava pra ele: “Ai, mas eu não sei”. Mas ficou por isso mesmo. Depois que eu saí do hospital, depois de um ano, eu não sei, me deu vontade de visitar o Eduardo. Eu fui até o Emílio Ribas. Quando eu... Até tava estranho, eu comecei a procurar no corredor, eu comecei a perguntar. Tava tudo estranho, o _______ não era o mesmo, era outro pessoal. Eu olhava assim, falei: “Eu acho que eu não vou encontrar com ele não”. Eu olhei assim, aí eu perguntando pra enfermeira, e ele na frente da enfermeira, e eu não o reconheci. Eu peguei e falei assim: “Por favor, cadê de pintura?”, e ele na minha frente. Ele olhou pra mim, ele olhou: “Você é a Amaurina?”, aí eu falei: “Sim”, aí ele: “Nossa! Tá diferente!”. Tava desse tamanho (risos). Aí eu falei: “Nossa! Quanto tempo!”. Vai fazer um ano e pouco.
P/2 – Vai fazer um ano?
R – É. Aí falava: “Vai, vamo conversar, vamo bater papo”. A gente foi na sala, a gente começou a conversar. Aí ele falou: “Nossa! Como você tá diferente, você tá gorda, tá bonita!”. Eu falei: “Não fala essa palavra, pelo amor de Deus. É um monte de remédio que eu tô tomando, aqueles remédios de hospital”. Aí eu perguntei do projeto, como é que tava o projeto, ele começou a falar do projeto e tal, crescendo, que ele ia montar um escritório, ateliê. Eu falei pra ele: “Não acredito! Jura?”. Ele falou: “Juro. Você quer trabalhar comigo?”. Eu falei: “Ah! Você tá brincando? Você tá falando sério?”. Ele falou: “Eu tô falando sério. Você quer trabalhar comigo?”. Eu falei: “É lógico que eu quero. Poxa, pra mim vai ser ótimo. Tô sem trabalhar, tô sem fazer nada. Minha vida parou”. Acho que naquele dia eu pintei algumas coisas ou eu voltei lá pra pintar, eu não me lembro direito. Aí, pronto, ele montou um escritório. Quando ele montou o ateliê, aí ele ligou... Deixei o telefone, tudo, pra ele entrar em contato comigo. Ele ligou lá em casa, aí ele falou: “Ó, hoje vai ter reunião. Fala pra Amaurina vim pra ela participar da reunião”. Foi a primeira vez que eu fui na reunião. Eu conheci o pessoal. Até aí eu só conhecia ele do projeto.
P/2 – E o que mudou a partir desse momento?
R – Olha, pra mim foi, a coisa... Desses cinco anos pra cá, foi a coisa mais maravilhosa que aconteceu comigo. Porque a minha rotina era só hospital e casa, hospital e casa. Apesar que eu continuo com essa rotina até hoje. Mas o projeto, é a coisa assim, fora dessa rotina. É, vamo dizer, é uma coisa diferente, sabe. Eu nunca imaginei, [nunca] passou pela minha vida que eu ia trabalhar com arte, viver no meio de pincéis, de telas, de pessoas artistas. É bem diferente de tudo que eu já vivi antes. Apesar que quando eu trabalhava na Dona Nilce - ela é artista plástica - eu via ela pintando, as filhas dela dançando. Eu falava: “Ah! Poxa, que legal trabalhar com artista”. Mas eu achava que era diferente, eu trabalhava na cozinha. Hoje não, hoje eu trabalho... Eu lido, eu _______, ajudo a fazer montagem. Que nem, quando foi a exposição do metrô, que foi ________, exposição enorme, eu nunca imaginava como é que montava um exposição. Sabe, trabalhar com uma pessoa que faz montagem de exposição, que nem a Deise, ela faz montagem. Até na bienal ela faz montagem, exposição da bienal. Quando eu vi tudo aquilo, aqueles painéis, eu falo: “Meu Deus! Como é que vai ser essa montagem?. Eu ajudei ali, pondo a… Mas como é que vai ser montar, como é que vai ficar o painel, como é que vai ser? Não dá”. Eu tava curiosa pra saber como é que ia ser. Quando eu tava lá, eu ajudei, eu segurei o painel, colocava ali, pra mim aquilo... O Alexandre ia de casa, acho que cinco horas pra chegar no Jabaquara sete horas da manhã, e não sentia cansaço. O barulho não incomodava não. É o que acontece quando eu vou pro projeto. O barulho não me incomoda, eu esqueço um pouco essa coisa de hospital. Eu não lembro que eu sou uma pessoa deficiente porque o pessoal me trata como se eu fosse uma pessoa normal. Eles têm paciência comigo, de conversar, é bem diferente. E outra, eu tô fazendo uma coisa que eu nunca pensei na minha vida fazer: ser voluntária. É muito gratificante você se doar. É muito gostoso você trabalhar por amor mesmo. Nossa! Quando chega a época de final do ano, que termina o trabalho, termina tudo. Ah! De janeiro em diante eu tô mandando ligar lá pra saber quando é que eu vou voltar a trabalhar. Demora muito, eu já falei pra ela: “Ai, demora muito. Janeiro, fevereiro, é muito tempo de férias”. Eu só retorno depois da época do carnaval. Daí eu fico muito ansiosa, porque a minha vida para, eu fico dezembro, janeiro, fevereiro sem fazer nada. E não é que não tento arrumar emprego, eu tento, mas pra mim é muito difícil. Eu tenho muito médico, muito hospital. Ninguém vai dar emprego pra uma pessoa que tem que faltar três vezes por semana, três dias na semana.
P/1 – O que você ainda vai fazer no médico?
R – Eu tô procurando qualquer serviço, até de empregada, eu não me importo. Mas o problema é que eu vou muito ao hospital, eu tenho que faltar, tem dia que eu vou no hospital, eu fico o dia inteiro lá.
P/1 – Pra fazer fisioterapia?
R – Que nem ó: eu tenho terapia, tô com problema na coluna. Tenho que tratar, fazer fisioterapia. Eu tenho psiquiatria, agora mudou de psiquiatra. Tô indo de quinze em quinze dias, até a gente se encaixar na minha psiquiatra, porque é meio difícil, né. Eu fiquei dois anos com a psiquiatra, agora mudou.
P/1 – Fazendo terapia?
R – É, eu tenho psiquiatra, faço terapia, fisioterapia, porque eu tô com problema na coluna, doença. Eles acham que é sequela da doença. Eu tenho muita dor nas pernas. Tenho reumatologista por causa do problema que eu tenho nas pernas, muita dor. Então eu continuo. Caminha pra cá, caminha pra lá. Eu, vira e mexe eu tenho médico. Minha vida não parou. Desde o dia que eu recebi alta do Emílio Ribas, depois de uma semana eu já comecei acompanhamento no HC e desde então eu não parei. Não paro. Tem dia, durante a semana, que eu vou três vezes.
P/1 – Depois daquela conversa que você teve com a psiquiatra, que te falou que você tava com depressão, o que aconteceu? Ela te encaminhou pra terapia?
R – Depois, quando eu comecei o tratamento?
P/1 – É, você disse que teve uma conversa com a psiquiatra.
R – Olha, foi assim: eu fiz a triagem. Depois da triagem a psiquiatra chamou a minha irmã, eu tava acompanhada com a minha irmã. Aí falou pra minha irmã o que tava acontecendo. Só que eu achei... Eu fui encaminhada por causa do zumbido, pra medicação, pra eles me darem medicamento. Só que eu sabia que eu estava em depressão. E a psiquiatra falou pra minha irmã que eu tava em depressão, que eu ia ter acompanhamento psiquiátrico e que eu ia começar a tomar remédio anti-depressivo. Eu já saí nesse dia, tomando medicação, tanto do barulho, como de depressão. Só que eu passei por uma professora, eu fui encaminhada por uma residente. Com ela eu fiquei dois anos, dra. Luciana. Só que com ela eu não tive, como é que eu posso dizer, eu não senti, ela não tava só preocupada em me dar a medicação, sabe aquela coisa de medicar, medicar, medicar, tanto que eu tive até problema. Eu tive intoxicação do medicamento que ela me receitou. Quando eu terminei com a dra. Luciana, aí entrou o dr. Paulo. Não sei se é médico homem, então eu tive um pouco de dificuldade, de me abrir, conversar. Depois do dr. Paulo, ele ficou mais ou menos um ano. Aí veio a dra. Cleane. Com a dra. Cleane, eu não sei o que foi que aconteceu. Com ela, além deu conseguir me comunicar, ela se preocupou muito com a minha doença. Eu não sabia nada, quase, nada, nada, nada. Ela que se informou, foi atrás, ela disse que procurou pela Internet, conversou com os outros médicos especialistas. Um dia eu fui no consultório, ela sentou comigo, colocou um mapa, mapeou todo a minha doença, tudo o que ela faz, o que ela atingiu. Até ai eu não sabia que [a doença] tinha atingido a meninge. Ela me falou tudo, detalhe por detalhe do que a doença fez comigo. Ela me encaminhou pro reumatologista, porque eu falava que tinha dor nas pernas. Eu não conseguia ficar muito tempo em pé, muito tempo em pé começa… Eu achava que eu tava ficando, eu falava assim: “Meu Deus do céu”. Eu fechava o olho, mas como se tivesse ouvindo a televisão. Era nítido, nítido. Locução de jogo, eu fecha o olho assim, eu escutava falar: “Palmeiras! Corinthians!”. Eu falava: “Meu Deus do céu, eu tô ficando louca”. Eu ouvia música clássica. Eu fechava o olho, falei: “Meu Deus do céu, eu tô ficando maluca”, mas eu falava comigo mesma.
P/1 – Ela foi a primeira pessoa que te explicou tudo o que você teve?
R – Não, mas dentro do hospital mesmo, logo que eu perdi a audição eu percebia tudo isso. Só que eu não falava nada, pra você ter uma idéia, como eu tive medo dessa reação, quando eu fiquei no Ermelino Matarazzo, teve um dia que eu tive uma crise de choro, o médico mandou a psiquiatra vir falar comigo. Falou que eu tava com problema. O médico tava, como é que fala, olhamos o paciente, aí eu comecei a falar um pouco alto. O médico mandou a psiquiatra, aí ela mostrou o crachá dela, eu li ‘psiquiatra’. Eu falei pra ela: “Doutora, eu não sou louca não hein? Simplesmente eu perdi a minha audição, eu não sei o que tá acontecendo comigo”. Deu ver a situação dos outros pacientes, eu não queria demonstrar. Já pensou se eu falasse: “Eu tô com _________”. Eles iam falar: “Então vamo amarrar ela”. E me colocar num quarto onde as outras pessoas tavam? De jeito nenhum. Eu tinha medo, pavor, já pensou. Não, perder a audição, tá desequilibrada porque eu desequilibrada. Mas apesar que até hoje tem pessoa que fala assim: “Sei ______, tem algum problema? Então por que você vai pra psiquiatria?”. Acha que psiquiatria e só local de pessoa desequilibrada, né. Não tem nada a ver. Mas o barulho, as vozes, nossa! Antes deu começar tomar a medicação era terrível.
P/1 – Então, mas essa médica, além disso...
R – Dra. Cleane?
P/1 – É, ela te explicou outras coisas da tua doença?
R – Ela fez o mapeamento de tudo que tava acontecendo comigo. Por que das vozes? Porque ela falou que afetou a minha meninge, a doença.
P/1 – E isso ninguém tinha te explicado antes?
R – Ah! Antes eu não sabia de nada. Os médicos só falavam assim pra mim: “Você foi picada por carrapato. O carrapato de deixou com essa doença”. Eu não sabia que a doença deixava sequela, eu não sabia de nada, se eu ia ficar surda pro resto da vida, eu não sabia de nada. Pra você ter uma idéia, agora, de uns tempos pra cá, que eu tô sabendo mais sobre essa doença. Eu vou fazer exame dentro da faculdade de medicina. Eu não faço lá dentro, da minha doença. Eu passo lá dentro do laboratório, tem lá dentro da faculdade de lá. Os médicos ficam conversando um com o outro e falam, eu chego pra eles e falo assim: “Doutor, sobre a minha doença”, “Olha, é raro. É assim, um ponto de interrogação”. No começo eu me sentia... Porque sempre eu quis saber de tudo o que acontecia. Eu gosto dos mínimos detalhes. Quando de repente eu me vejo na situação de não saber o que tava acontecendo comigo, ficar três meses internada, sair sem saber, sair com uma doença que foi picada de carrapato. Eu contava pras pessoas, pros amigos, o pessoal dava risada: “Porque eles não sabem o que você tem, inventaram uma doença. Eu já fui picada várias vezes por carrapato, não me aconteceu nada. Isso aí é porque os médicos não sabem. Inventaram essa doença”. Meus amigos, até hoje, alguns deles ainda falam isso. Quem me deu mais detalhes sobre essa doença foi a dra. Cleane. Quando ela começou a trabalhar comigo, dentro da psiquiatria, ela me viu, eu falei pra ela: “Doutora, eu não sei o que tá acontecendo comigo. Até hoje, ninguém nunca chegou e falou: Ó, é assim”. Ah! Ela começou a pesquisar.
P/1 – Isso depois de quanto tempo que você tinha tido a outra...
R – Fiquei com ela até o ano passado. Até o começo desse ano eu tava com ela. Dois anos, por aí. Fez cinco anos, agora, em março que eu perdi a audição.
P/1 – Três anos antes...
R – Três anos ela ficou comigo. Três anos mais ou menos.
P/1 – Três anos depois é que alguém sentou...
R – É. Depois de três anos que alguém sentou comigo, um profissional, falou: “Olha, é assim, assim, assim. Não é uma doença rara. Nunca ficou do jeito que você ficou. Isso é porque tão tendo dificuldade, você tá entendendo? Olha, pesquisei”. Ela falando pra mim, ela mandou chamar até a minha família pra saber como é que eu era antes e como é que eu estava. A minha irmã falou: “Ela mudou completamente. Ela fica isolada dentro do quarto dela. Ela não sai. Ela não, parece que pra ela tanto faz se o dia vai amanhecer ou se não vai amanhecer”. Realmente...
P/1 – Agora essa fase passou?
R – Hum?
P/1 – Essa fase, de você tá isolada...
R – Deu saber sobre a minha doença?
P/1 – Não. De você se sentir isolada e não ter vontade de fazer as coisas, passou? Ou você...
R – Olha, eu... Tem hora que tá tudo bem. Tá mil maravilhas. Tem hora que... Não quero nada, não quero comer, não quero viver, não quero nada, eu não quero. Sabe, a minha vida parou. Eu tinha uma vida agitada. Eu trabalhei, comecei a trabalhar muito, dançava, saía, viajava, de repente não faço mais nada disso. Durante a semana, a minha agenda na geladeira, eu olho assim, tal dia isso, tal dia aquilo, tal dia aquilo, mas tudo no HC. Quando tem o projeto, que eu falo pro Eduardo: “Eduardo, amanhã eu vou vim? Eu tenho que vim amanhã, mas eu quero vim todo o dia, mas não tem todo dia, também, trabalho”. Então, sabe, não dá pra escapar da minha rotina: é hospital, hospital, hospital, hospital, hospital. Eu tenho agenda de hospital desde o ano passado. Eu já tenho médico pra agosto, por incrível que pareça, toda a vez que eu passo num médico que não me conhece, ele já fala logo: “Ah! Essa doença sua é rara”. Eu não pergunto, antes eu perguntava, agora não pergunto mais. Não pergunto mais nada pros médicos. Eu deixo eles falarem, eles receitarem, vou lá, tomo a medicação. Se eu ficar perguntando toda hora, toda a vez que eu vou, o novo, o médico novo, especialista, eu fico assim. Esses tempos atrás eu tava péssima, eu ia fazer um exame que eu nunca tinha feito na minha vida. Um médico mandou eu fazer esse exame devido a minha dor na perna. Eu nem sabia como é que era o exame, eu fiquei péssima, me deu... Eu chorava, nossa! Eu chorava demais, chorava demais. Qualquer coisinha eu tava chorando.
P/2 – E você não tem pintado mais Amaurina?
R – Olha, eu parei de pintar porque o Eduardo, ele não tendo tempo porque… Quando o projeto... Assim, subiu muito rápido. Ele não esperava que fosse... Desde quando foi aberto o ateliê, muito rápido. Então é pedir, achar pessoas pra trabalhar nos hospitais. Então fica muito rápido. Ele tá pretendendo abrir aula de pintura dentro do ateliê, eu já falei pra ele que eu sou a primeira aluna. Porque ele precisa parar, porque é muita gente que ele tem que administrar. Tem que ir nos hospitais ver como é que tá. E ele tá fazendo muita palestra. Muita coisa que tá acontecendo, muita coisa, muito rápido. Que nem, o projeto, já foi até convidado a abrir fora de São Paulo, Natal. Ele conheceu uma pessoa aqui e essa pessoa começou também. Dentro do hospital, estudou, fez arte e tudo, já fez exposição lá em Natal, e quer que o projeto vá pra lá e ela administrar lá, essa pessoa. Quer dizer que tá assim: tem dia que ele entra e sai. Não tem como.
P/1 – Você guardou os teus trabalhos? Você tem os teus trabalhos do hospital? Os que você pintava na época?
R – Quantos?
P/1 – Você tem com você os teus trabalhos?
R – Por incrível que pareça, eu acho que eu não tenho nenhum. Porque eu fiz dois, três, quatro, eu acho que eu dei todos, todo mundo queria: “Ah! Eu quero esse!”. O meu médico, o dr. Roberto, ele ficou me pedindo muito o trabalho que eu não queria dar, um azul que eu acho o mais bonito, ele ficou ano. Enquanto eu fiquei um ano tendo o acompanhamento dele no Emílio Ribas, ele ficou um ano, lá, pedindo. Eu peguei e dei pra ele de presente. Eu acho que é um dos mais bonitos, o Eduardo também, até hoje ele brinca comigo. Pretendo fazer um parecido. O outro eu fiz, ah! Eu fiz um monte, mas já dei tudo, doei tudo. Sabe porque? Se ficasse na minha casa ia acabar estragando, porque não tinha onde guardar. Aí eu pedi: “Ah! Eu quero esse, eu quero aquele”. Aí alguns eu dei pro Eduardo pra ele guardar no ateliê. Até na exposição ele colocou dois.
P/1 – Você tem algum plano, algum sonho, hoje em dia?
R – Eu? Ah! São tantos hoje!
P/1 – É?
R – O que eu não sonhava antes, hoje eu sonho, hoje eu tenho tempo pra sonhar demais. Porque antes, eu acho que eu deixava a vida me levar. Hoje não. Nossa! O meu maior sonho é voltar a ouvir, eu acho que é uma coisa, só Deus. Mas eu queria ter uma vida, uma rotina, sabe, trabalhar, voltar pra casa, aquela coisa assim, me sentir normal. Porque eu não me sinto uma pessoa normal. Eu queria sair de casa de manhã, voltar a noite, enfrentar o pico, aquela coisa toda, metrô apertado, chegar em casa, tomar banho, jantar, tô cansada trabalhei demais. Amanhã, tenho que levantar cedo, mesmo reclamando, mas eu queria ter essa vida, eu queria ter. Eu reclamo de ficar em casa, de ficar cinco, ficar muito tempo. Eu sempre trabalhei, mesmo quando eu ficava, os tempos que eu ficava, eu sempre arrumava alguma coisa pra fazer. Hoje eu não posso fazer muita coisa. Eu sinto dor aqui, dor ali. Eu falo pros médicos que eu me sinto uma pessoa de oitenta anos. Eu tenho menos disposição do que uma pessoa de oitenta anos. Eu não sabia que eu ia ficar desse jeito. E eu queria ter uma vida, eu queria ter coisa que __________, o meu trabalho, eu queria trabalhar, só isso, mas poder trabalhar sem precisar ir num hospital. Porque além, eu acho, a minha doença foi em 96. Nós estamos no ano 2001 e eu continuo doente. Quando eu saí do hospital eu não tomava medicação. Hoje eu tomo uma tonelada de medicamento. Eu tomo remédio pra barulho, remédio pra depressão, remédio pra isso, remédio pra aquilo, remédio pro reumatismo, remédio pra dor. Eu tomo um monte de remédio. Eu não esperava que a minha vida fosse assim. Eu achava que eu ia sair do hospital, que daqui uns tempos eu estaria com a minha saúde normal. A audição, a falta, eu não sinto tanto porque eu tenho uma leitura de lábios excelente. Tem pessoas que eu entendo 99%. A fono do HC fala que é muito boa a minha leitura de lábios. A minha dicção não mudou, muito boa, ninguém vai perceber. Tanto que eu já tive brigas, é, problemas das pessoas não acreditam que eu não tenho audição, porque eu entendo pessoas. Ela tava conversando, ela nem fala que eu não tenho audição, não fala. Porque a audição, ela faz falta, pra mim. Principalmente pra ouvir música, porque é uma coisa que me faz muita falta. Eu me acalmava muito com a música. Quando eu tava muito nervosa, acho que até deprimida, eu acho que eu já até tinha depressão naquela época. Só que eu descarregava na dança, na música. Nossa! Eu levantava, eu acordava, a primeira coisa. Eu deitava ouvindo música, e levantava ouvindo música. E hoje, o me faz falta é só isso: a audição. Pro resto é até bom porque eu consigo me concentrar melhor no trabalho. Olha, eu tô no projeto, eu tô trabalhando, todo mundo: “Ai, nossa!”. As horas, assim, passam que eu nem percebo. Quando eu percebo já tá na hora deu ir embora.
P/1 – Você tem alguma pergunta? Eu acho que não tem.
P/2 – Não, pra mim já foi o suficiente.
P/1 – Eu acho que sim, eu acho só, agradecer.
P/2 – É, a gente só agradece, agora, pela tua contribuição e pelo teu depoimento que foi lindo mesmo viu. Maravilhoso, gostei muito. Eu pelo menos...
R – Que?
P/2 – Eu adorei o teu depoimento, Amaurina, foi muito importante pra gente.
R – É muito difícil porque você tem uma vida, de repente você se vê... Você vê que a sua vida parou. Eu tenho consciência que o meu problema é mínimo. Não é muito porque, além de ser uma coisa interna, não demonstra. Mas o problemas, não é, que nem eu falo nas minhas terapias, não é a falta da audição que me deixa nervosa, que me deixa deprimida, é que eu não consigo retomar, sabe, continuar caminhando. Porque eu vejo que tem pessoa com problema pior do que o meu e continua caminhando, tem faculdade, tá trabalhando, tem uma vida normal. Eu que tenho um problema mínimo, não consigo, sabe, por causa dessa coisa estranha, dessa coisa de ser uma coisa diferente. Pra você ter uma idéia, outro dia eu tava no metrô, uma pessoa veio perguntar, pedir informação. Eu peguei e falei assim: “Olha, eu não tenho audição”. A pessoa ficou olhando pra minha cara dando risada. Aí eu peguei, quase que eu falei pra ele: “Você nunca viu ninguém que não tem audição e fala?”. Porque é a primeira coisa que eles perguntam: “Como é você aprendeu a falar?”. Mas não é, choca. O Eduardo fala que eu choco as pessoas, e choco mesmo, porque uma pessoa sem audição e fala é raro, né. Então, ele fala: “Mas você choca mesmo, ninguém acredita que você não tem audição, você é uma pessoa normal”. Eu sei que eu sou uma pessoa normal, que eu tenho condições de continuar a minha vida. Só que eu quero continuar, eu quero continuar, eu quero trabalhar, eu quero ter quem... Arrumar, casar, ter um marido, ter uma família, mas isso não acontece. No Hospital, essa medicação, não esperava que fosse tá vivendo o que eu tô vivendo hoje. Eu achava que eu ia entrar no hospital, que eu ia sair curada. Quanta gente entra e sai curada, né. Ficava lá uma semana, duas semanas já saía como se não tivesse acontecido nada. Eu não. Já fiz três cirurgias. Saí, na última ainda tive um pequeno problema, mas as outras duas não tive problema nenhum e saí ilesa. Agora esse problema, doença. Eu só quero ter a minha vida, mais nada.
P/2 – Bom, obrigado viu, Amaurina.
P/1 – Obrigada.
P/2 – Obrigado mesmo.
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