Projeto Conte História 20 Anos Museu da Pessoa no Brasil
Depoimento de Wagno de Freitas
Entrevistado por Stela Tredice
São Paulo, 24 de maio de 2012.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_HV345
Transcrito por Márcia Fernandes / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Teresa de Carva...Continuar leitura
Projeto Conte História 20 Anos Museu da Pessoa no Brasil
Depoimento de Wagno de Freitas
Entrevistado por Stela Tredice
São Paulo, 24 de maio de 2012.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_HV345
Transcrito por Márcia Fernandes / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Então, eu queria que você começasse com seu nome completo, onde você nasceu e a data do seu nascimento?
R – Bom, meu nome é Wagno de Freitas, eu nasci em Belo Horizonte, em 1950, 11 de fevereiro de 1950, na Cachoeirinha. Naquela época era parto normal, era com a parteira, você não ia pro hospital, aquela coisa toda. 1950 já era uma data bem antiga (risos).
P/1 – (risos) Quer dizer que você nasceu em casa?
R – Nasci em casa, os três primeiros filhos da minha mãe nasceram em casa, nós três primeiros. Naquela época a família não tinha esse poder aquisitivo, o conforto que tem hoje, os hospitais eram hospitais precários, aquela coisa toda. Somente a classe privilegiada que tinha o poder de ter acesso a um médico, a um bom hospital, o pessoal da classe mais humilde dificilmente teria uma cobertura. Para você ver que, os três primeiros – nós somos em nove – eu sou o mais velho, são nove filhos, a minha mãe é viva até hoje, a minha mãe vai fazer agora oitenta e oito e eu perdi o meu pai novo, meu pai foi com cinquenta e cinco anos. E é uma família muito unida, nós somos hoje sete homens, duas meninas, eu tenho uma irmã que mora até em Portugal, está lá há algum tempo, mas a gente é muito unido. Graças a Deus não tem ninguém com nenhum vício, tipo de vício. A gente é muito caseiro, muito família e preservamos até hoje.
TROCA DE FITA
R – E um vê a dificuldade do outro, né e a gente fazia aquilo lá para arrumar um jeitinho para a gente brincar um pouco. Quem fazia, ficava com a minha irmã que era pequenininha no colo, fazer ela dormir o mais rápido possível para gente jogar bolinha de gude, soltar um papagaio, né, enfim, é coisa de criança mesmo que dá uma saudade muito grande.
P/1 – E você era um dos mais velhos, então?
R – Eu sou o mais velho.
P/1 – E o que que você fazia, você fala: “Ah, a gente fazia de tudo”, que tipo de coisa que você fazia na sua casa?
R – É limpeza, por exemplo, uma semana um cuidava da limpeza da casa. Quer dizer, “cuidava” era varrer, arrumar as camas, tirar pó, deixar as coisas, um lavava e o outro a minha mãe deixava a comida pré feita, a gente esquentava, fazia alguma coisinha e tal, fritava um ovo – quem sabia fritar um ovo – fazia um bife. Um dos meus irmãos que tinha mais idade sabia fazer um arroz, fazer um feijão, a gente se virava muito bem. E minha mãe chegava, quem cuidava da casa - era aquele vermelhão, o piso era vermelhão – tinha que encerar pelo menos duas vezes na semana (risos), e não era fácil porque era cera mesmo e a gente para lustrar aquele chão parecia uma vassoura, com um pé de ferro enorme, pesado. E a gente ainda colocava alguém para sentar ali em cima (risos) para ajudar a polir aquele chão. E minha mãe chegava e olhava realmente porque a gente tinha, ela ia abrir armário por armário, as vasilhas tinham que estar brilhando – ela cobrava, nossa, como cobrava.
P/1 – E o senhor falou do chão, como é que você se lembra da sua casa de infância?
R – Ah, eu tive várias casas, minha mãe mudou muito, muito. Eu saí de Belo Horizonte eu tinha três para quatro anos, quando meu pai... Eu fui para Sete Lagoas, eu morei até quatro, até três anos e meio eu morei em Belo Horizonte. Aí meu pai teve uma proposta para trabalhar numa marmoraria em Sete Lagoas, uma das primeiras da região.
P/1 – Sete Lagoas fica em?
R – Sete Lagoas é Minas Gerais, é centro, é próximo, setenta quilômetros de Belo Horizonte. E eu lembro que quando nós chegamos, a viagem hoje você faz Sete Lagoas – Belo Horizonte em quarenta minutos, trinta e poucos minutos, é rapidinho, pela BR-040. Naquela época se demorava, mais ou menos – eu vou chutar, hein? – mais de dez horas de viagem, estrada de terra, era uma loucura aquilo para chegar lá, era um trechinho de poucos quilômetros. Mas eu lembro que quando nós chegamos nessa casa eu tinha os meus três e meio, perto de quatro anos. Meu pai arrumou uma casa muito boa para a gente que morava na simplicidade. Tinha sala, tinha dois quartos, cozinha, banheiro, um alpendre, uma área de serviço, então era uma maravilha. O quintal enorme, fruta, era tipo uma chacrinha mesmo. E quando nós chegamos lá, entramos no nosso quarto foi uma surpresa: tinha três velocípedes. Nossa, foi uma farra para criançada, eu não esqueço nunca. E essa é uma passagem, uma das primeiras passagens da minha infância, eu tinha três e meio para quatro anos, por aí. Foi muito gratificante essa época dessa mudança nossa para Sete Lagoas. E a vida cresceu lá e nós todos crescemos lá, foi modificando, cada um se aprimorando. Meu pai sempre procurou dar os melhores colégios para a gente com todo o sacrifício, fazia questão que a gente estudasse, né, e nos bons colégios. Eu e todos os meus irmãos passamos por bons lugares, enfim, o sacrifício valeu.
P/1 – E você falou que ele trabalhava com marmoraria, né, mas que tipo de trabalho que era?
R – É, o trabalho com marmoraria compreende muitas coisas, diversifica em muitas coisas. Piso, naquela época trabalhar com piso, meu pai fazia muito altar de igreja, altar para igreja, mausoléus, fazia muitos mausoléus. Ele mesmo fazia as ferramentarias dele para fazer as letras, era um trabalho artesanal mesmo. E, muitas vezes, até eu ajudava um pouquinho na forja, que tinha que fundir a talhadeira, aquelas peças todas, era tudo fundido. Às vezes eu ajudava meu pai. Meu pai tinha uma habilidade muito grande, na parte de eletricidade ele fazia também, ele conhecia de coisa elétrica, mexia com rádio, enfim, um pouquinho de tudo. E ele passou para a gente isso aí, passou para a gente. A gente ainda sabe, eu sei fazer um pouquinho das coisas que meu pai faz, a grande maioria.
P/1 – E assim, a sua família, uma família grande vocês tinham costumes que são marcantes ou que foram marcantes na sua infância?
R – A minha casa sempre esteve cheia, meu pai adorava casa cheia. Sempre tinha dez, doze, quinze pessoas almoçando, era impressionante, meu pai gostava daquilo. E o domingo, então, nem se fala, o domingo era domingo da família, era o domingo que você ficava. Com o tempo foi melhorando, televisão, né, via televisão, a gente tinha até horário para ver televisão também, tinha certos programas que não pode ver. Mas tudo uma disciplina legal, sabe? Naquela época você apanhava, hoje não pode bater numa criança, hoje os direitos, não pode nem encostar a mão numa criança. E muitas vezes é preferível, às vezes é necessário dar um tapinha, puxar uma orelha, mostrar realmente o lado de errado porque muita liberdade também não é legal, não. E nós tínhamos, nós éramos tratados sério mesmo. Na hora do bom era do bom, na hora do ruim, era do ruim.
P/1 – Qual que é a origem da sua família, você sabe?
R – Não, eu sou filho de portugueses, meus avós são portugueses, eu sou Freitas. Mas eu não tenho...
P/1 – Mas seus pais nasceram onde?
R – Meus pais? Nasceram em Belo Horizonte.
P/1 – São mineiros?
R – São mineiros mesmo.
P/1 – Tá. Bom, aí você passou a infância um tempo em Sete, na cidade de Sete Lagoas?
R – É, minha infância toda foi em Sete Lagoas. Eu até com dezesseis, dezessete anos eu morei em Sete Lagoas, passei toda a minha infância.
P/1 – Como que era o bairro assim, perto de onde?
R – A cidade, na época, hoje Sete Lagoas hoje deve estar perto de duzentos mil habitantes, se não tiver mais. Na época não deveria ter quinze mil habitantes, dez mil habitantes. Então era uma cidade com quantos bairros? Com dez bairros, dez, cinco bairros teria a cidade naquela época. Então era tudo fácil, tudo perto. E tinha muita fazenda, muita fazenda, lá era zona leiteira. E muito córrego, muito lugar para você pescar, para caçar passarinho, para tomar banho. E a gente, nossa, era uma infância fabulosa. Descalço, dificilmente você colocava um sapato no pé, era no dedão mesmo, no dedão mesmo. E usava aqueles estilingues, cada um usava um bodoquinho, nossa, que maravilha. Foi uma infância fabulosa. Futebol, a turma da rua juntava para jogar com a outra rua do outro lado, a turma do bairro fazia um time para jogar com outro bairro, e era uma farra, uma brincadeira maravilhosa. E foi onde eu me destaquei, também, foi no futebol, né? Eu tinha uma habilidade muito grande e eu era chamado para todo lugar de futebol porque eu era pequenininho, pequeno, assim, em termos. Mas jogava no meio dos grandes e não tinha medo, entrava mesmo e desenvolvia a coisa bem, tanto que aos treze anos já fui... Minha mãe e meu pai, principalmente minha mãe, tinha uma preocupação muito grande comigo porque chegava fim de semana o pessoal punha a gente para jogar fora com uma cidade. Por exemplo, Sete Lagoas, Pedro Leopoldo, Curvelo e tal e caminhão, e de caminhão. Saía cedo, às vezes saía escondido, não podia contar, falar para minha mãe que ia jogar futebol, saía escondido. Com certeza na volta tinha couro, você ia apanhar. Mas valia a pena, valia a pena porque era aquilo que você queria fazer. E ela não aguentou mais porque todo fim de semana os caras vinham, me chamavam, o pessoal marcava comigo eles não iam na minha porta, eles sabiam que minha mãe era brava. Aí já marcavam o local comigo, eu dava um jeito de fugir, e quando eles viam me levar eles me deixavam sempre duas esquinas antes de chegar na minha casa (risos). Então a preocupação da minha mãe foi grande. Sete Lagoas tinha dois times profissionais que eram o Bela Vista e o Democrata de Sete Lagoas. O Bela Vista era o time do povão e o Democrata era o time da elite. E nós morávamos numa rua que tinha o diretor que era do Democrata que era muito amigo do meu pai, então ele me levou para fazer um teste no Democrata. Eu tinha treze anos e desses treze anos deu no que deu, né?
P/1 – Mas você vai me contar. Esse período que você brincava de bola como é que jogava, era descalço, como é que era a bola?
R – Era descalço. A bola capotão, capotão, bola muito pesada naquela época, era uma bola marrom. Geralmente quem tinha a bola eram os filhinhos de papai, eram os meninos que tinham poder aquisitivo e pediam para o pai, porque para comprar uma bola não era fácil. Ou você ganhava no Natal, aquela bola tinha que durar seis meses, quatro meses, Nossa Senhora! Então, o que que acontecia? A gente como tinha um clubezinho, a gente tinha um clube da rua, na minha casa mesmo a gente tinha um quartinho lá onde fizemos um clube dos meninos que chamava... A gente fazia, cada um fazia uma coisa junto, às vezes um trocadinho, fazia uma festinha, levava um bolo, levava um guaraná e guardava as bolas, né? A gente guardava, cada um que podia ganhar, aquilo fazia e tinha um gerente que tomava conta daquilo, aquela coisa toda e tal, fazia as gavetinhas, tudo arrumadinho, era bem bolado. E a gente preservava isso, dava valor a um presente porque não era fácil de ganhar um presente. Então você para ter um tênis, para você ter ideia, eram dois pares de sapato por ano. Era o Vulcabrás, era o Vulcabrás, né? Você tinha um Vulcabrás para seis meses e uma Percata rodas (risos), você lembra dessa? Não? É um tipo duma sapatilha de lona e sisal embaixo.
P/1 – Uma Percata? Lembro, lembro.
R – É, é de sisal, então você tinha, às vezes, um chinelinho, né, porque não era Havaianas, era um chinelinho mesmo, mas você nem largava aquilo porque você sabia que só tinha aquilo lá para durar seis meses, né? E se furasse tinha que aguentar, porque não tinha jeito (risos), andava descalço, andava descalço a grande maioria das vezes. Só ia usar o sapato para ir para a escola, ir ao cinema e para passear, geralmente de domingo, domingo que você usava o sapato. Tinha que engraxar o sapato, arrumar direitinho e tal. A mãe, a roupa sempre arrumadinha, nesse ponto minha mãe era muito caprichosa, saía aquela família. E qual que era o prazer da gente de domingo? A gente saía cedo, ia à missa – ia rezar um pouco e tal – depois da missa passava numa lanchonete para tomar sorvete, picolé. Às vezes meu pai fazia uma extravagância, a gente ia comer um franguinho fora, uma maravilha, uma coisa maravilhosa. A simplicidade, mas era uma coisa muito bonita.
P/1 – E você se dava bem com seus irmãos?
R – Sempre, eu era líder, né, sempre fui líder. Eu tive o poder de domínio, sempre tive o poder de domínio com meus irmãos, com a família. Eles me respeitavam, até hoje me respeitam muito, existe uma hierarquia, no nosso tempo sempre existiu uma hierarquia, um respeito grande. E isso é mantido até hoje, a gente mantém, procura manter isso: quem resolve são os mais velhos, os mais novos têm que aprender para acompanhar e sempre foi. E eu era um cara, eu era um menino muito sapeca, de uma vivacidade enorme, eu tinha uma ligeireza impressionante, eu brigava bem, eu brigava muito bem, eu usava muito a perna. Naquela época – como é que fala, essa dança que – capoeira, eu só usava as pernas, dificilmente eu usava o braço. Então os meninos gostavam de fazer aquelas briguinhas, aí eu fazia exibição (risos). E tinham um respeito muito grande porque naquela época, como é hoje, mas não é briga como hoje de morte, não, é desafio. Desafio de um bairro contra outro, aquela turminha fazendo aquela rodinha em volta, a gente brigava. Mas quando via que o outro ia ganhar aí já separava, aquela coisa toda, o próprio perdedor reconhecia que ele, né? Mas era imposição de bairro mesmo, de bairro.
P/1 – E no futebol, então, você se sentiu super à vontade, você sempre se sentiu bem jogando futebol na sua infância?
R – É, eu nunca tive dificuldade no futebol até os vinte e dois, até os vinte e um anos, até os vinte e um anos o futebol correu maravilhosamente bem, eu tinha uma habilidade, uma agilidade muito grande. Eu comecei cedo, com dezesseis anos já era profissional do Democrata de Sete Lagoas. Eu vou contar uma historinha aqui da minha época. Eu nasci em 1950 e o meu pai era atleticano, e jogava no Atlético um jogador que se chamava Vaguinho. E me contam – eu não sei, não posso afirmar – que eu nasci num dia de um clássico de Cruzeiro e Atlético e o Vaguinho fez o gol da vitória, e meu pai me colocou o nome em homenagem a esse Vaguinho. Só que o nome dele é Wagner, o meu é Wagno. Em 1966 esse moço foi para Sete Lagoas para ser treinador do Democrata de Sete Lagoas, em 1965, no final de 1965. Ele me viu jogando no juvenil ele me levou para o profissional. Eu estreei no ano seguinte como profissional, em 1966, já fazendo maravilhas. Me tornei até um ídolo do Democrata e com dezessete anos o Atlético me levou, me comprou o meu passe, eu fui pro Atlético Mineiro. E eu tinha disputado o campeonato mineiro de 1967 pelo Democrata, não podia jogar pelo Atlético. Me apresentei no final de 1967 e estreei no Atlético no dia 11 de fevereiro de 1968, eu tava fazendo dezoito anos, dezoito anos é uma vida, né?
P/1 – Mas você vai contar.
R – Tá.
P/1 – Mas vamos voltar só um pouquinho lá para trás, vocês chegaram, você foi para escola, como que foi você e seus irmãos vocês iam para escola?
R – É, eram horários diferentes, que eu não lembro muito eu junto com meus irmãos na escola, não. Lembro mais da minha independência na escola, poucas coisas eu lembro, muito pouca coisa. Eu lembro de uma sala, embaixo assim de um porão. Que cada ano, por exemplo, você estudava num prédio, ia melhorando de local, mais ou menos por isso. É que a escola era muito grande, muito grande, sempre com bons quintais, boa área de lazer, e as professoras naquela época eram diferentes de hoje. Elas usavam as palmatórias, palmatória, para você ficar de castigo ajoelhado, elas repreendiam mesmo. As coisas boas, você era obrigado a cantar o Hino Nacional, o Hino da Bandeira. Muitas das professoras faziam uma reza, faziam uma reza também, tinha a aula de catecismo, aula de religião, civismo. E era rígido o negócio, você tinha que aprender mesmo. Aquelas cadeiras de madeira que sentava dois, sentava dois em cada lugar. E eu lembro, eu acho que no meu quarto ano, no último ano, tinha uma professora que tinha uma paixão por mim uma coisa impressionante, ela me adorava, talvez porque eu era muito esperto, sabe, e muito vivo. É pouca coisa que eu lembro da minha escola, não lembro muito, não, foi uma passagem muito rápida.
P/1 – E você já tinha algum sonho assim do que que você queria ser quando crescer?
R – Não, olha, a gente deixava, como diz, a vida levar. Você não tinha essa informação que o mundo tem hoje, rádio que você tinha, o rádio. Então você não preocupava com a evolução do que tava acontecendo no mundo, se tivesse que tinha guerra, se tivesse algum problema num outro país, se o dólar subiu, se existisse dólar, que tinha Disneylândia, era uma série de coisas. Você não preocupava com isso, você brincava com a tua vida naquele momento, aquilo que importava, era teus amigos, brincar, dar… mas eram sempre muitos amigos, muitos amigos. Não era, eu nunca me preocupei em ser alguém assim de importância, até chegar os meus quinze anos, aí que você começa a definir, catorze, quinze anos você começa a definir. Quando você não está naquela puberdade, criança, menino não pensava nada, não tinha como pensar, era brincadeira e viver mesmo.
P/1 – E daí quando você passou a ser mais jovem, você virou, ficou mocinho assim, na juventude, como é que era a sua juventude, o que que mudou?
R – É, eu fui para um colégio e esse colégio tinha coral e tinha esporte também, o futebol, um pouco de tudo. Eu fazia atletismo, fazia futebol, fazia um pouco de tudo. Mas você tinha que pertencer ao coral para ter algumas certas regalias dentro da parte esportiva, aquela coisa toda. E você dentro do coral cantava em igreja, participava das missas, às vezes ia até como coroinha, tudo isso aí, mas eu fiz também na minha juventude, isso já foi com treze, catorze, até os quinze anos, perto dos quinze anos, mais treze e catorze. E já com quinze anos, catorze, eu já estudava à tarde, a minha preocupação, naquela época, a gente treinava terça-feira e quinta-feira. Na terça-feira as aulas iam mais ou menos perto de três, quatro horas, dava tempo para gente chegar para treinar.
P/1 – Futebol?
R – Futebol que já era no Democrata. Mas na quinta-feira tinha cinco aulas e terminava cinco e pouca, aí eu na última, na quarta aula, dava um jeitinho de ir embora (risos). E era aula de Ciências ainda, de Ciências, eu lembro, um professor baixinho, boa gente e eu fugia, caía fora da escola. No dia seguinte o reitor, era punição na certa, punição na certa. E ia punir como? Você escrevia: “Não devo fazer isso” e copiava mil cópias, cem cópias, duzentas cópias, era o castigo (risos). Muito legal.
P/1 – Quer dizer, então você nesse período, na sua juventude, na sua puberdade você já estava entre a escola e já o futebol?
R – O futebol, o futebol.
P/1 – E o que que você fazia com seus amigos, você começou a sair, você fazia alguma coisa diferente?
R – Olha, depois que eu, entre quinze e dezesseis anos minha vida mudou. Quando eu atingi dezesseis anos, principalmente com dezesseis anos, eu já era um atleta. Então, eu tive que separar da minha turma, aquela turma de infância que a gente fazia o futebol de salão, que a gente fazia as brincadeiras no campo, participava muito. Eu fui obrigado a sair do grupo porque as tendências são fortes. A gente já bebia uma cerveja, já ia para um bailinho, já queria namorar, aquela coisa toda, e eu, como atleta profissional, eu vivia concentrado, já entrando nesse ritmo todo. E a bebida, a noite, não combinava muito, então você tinha que afastar dos colegas e eu acabei perdendo os meus amigos.
P/1 – Você abriu mão, então, de sair?
R – Eu abri, eu abri mão. Lógico que não é, vez ou outra, vez em quando a gente saía. Mas a responsabilidade começou a chegar muito cedo, chegar muito cedo e quando você começa a destacar publicamente – jornal, imprensa – a cidade te vendo com outros olhos, já começa a você ser uma pessoa mais marcada, você tem que ser mais simpático, você tem que se preservar mais, cuidar mais da sua personalidade, da sua condição, evitar determinadas coisas. E a minha vida era foi a rotina até os trinta e dois anos de idade.
P/1 – Quer dizer, você então já era um atleta, aos dezesseis você já tinha um salário?
R – Já era um atleta, já tinha um salário. Já tinha um salário, esse salário quem fez foi minha mãe, porque eu fui para uma seleção juvenil, em Minas, e me destaquei. E os times Atlético, Cruzeiro e América, os times lá de Belo Horizonte já queriam me levar para lá e minha mãe não queria. E eu não ganhava salário, aí ela impôs, junto com o Presidente do Democrata naquela época, um salário, uma ajuda de custo. Aí eles fizeram um contrato comigo, eu tinha quinze anos, fizeram o primeiro contrato comigo e eu já recebia alguma coisa.
P/1 – Quê que você fazia com o dinheiro nessa época?
R – Ah, não era muita coisa, é dinheiro para cinema, para eu comprava uma roupinha, uma coisinha, era pouca coisa. Era mais um valor simbólico. Um salário mínimo, hoje, não chegava a meio salário mínimo, era mais ou menos por aí. Quer dizer, hoje, quinhentos, vamos dizer duzentos e cinquenta reais, era um dinheiro para o dia a dia, para um cinema, para tomar um guaraná, para pegar um, ir num parque, viajar, fazer alguma coisa.
P/1 – E o que que seus pais achavam do fato de você estar começando a virar um atleta profissional?
R – Não deu tempo, foi muito rápido, quando eu observei, eu já tava lá em cima. Não é aquele jogador que, eu não oscilei, eu tive uma, é que nem acender um foguete, né, ele tem que subir, aconteceu comigo, eu subi muito rápido.
P/1 – E como é que foi isso para você, sendo tão jovem, estar exposto na mídia, as pessoas te reconhecerem?
R – É, eu já tinha uma base boa, porque eu estudei em um bom colégio, eu participava de uma comunidade aqui de igreja, eu participava de coral, eu participava de grupo, de grupos de serenatas, a gente tinha grupos sadios, sadios, boas amizades e tudo e tal. Eu também já comecei a namorar naquela época, arrumei uma menina legal. Então a responsabilidade começou a pintar nisso aí. E outra coisa, eu com um ano no Atlético eu já era ídolo, já era manchete de jornais e uma série de coisas. E foi muito rápido, muito rápido mesmo. Tanto que com vinte, vinte e um anos, eu fui convocado para a Seleção Brasileira. Eu digo que até os vinte e um foi a melhor época da minha vida, porque nisso tudo era uma fantasia, era uma alegria, era um prazer fazer aquilo. Eu jogava no Atlético Mineiro, eu cheguei lá em 1968 e saí em 1971, eu jogava no Atlético Mineiro com uma alegria tão grande e com um prazer, eu não pensava em dinheiro, eu não pensava, eu queria jogar futebol. Então, as coisas saíram certas porque você não tinha aquela preocupação de ter valores na tua frente, eu sabia que vinham aqueles valores, então não preocupava, eu não preocupava, porque cada dia que passava você tava evoluindo, tava evoluindo. Eu com dezenove anos fui, fiz o Exército, fui convocado para ir pro Exército, foi uma experiência muito grande que eu tive, mas eu tava no auge, eu tava no auge, então tive muitas regalias dentro do Exército. Aí eu participei de seleções do Exército, então eu fui num aprendizado, mas eu não trabalhei como soldado porque eu era mais um, como diz, um representante, era um modelo do Exército, uma experiência boa.
P/1 – Você falou da sua namorada, como que foi o seu primeiro namoro?
R – Não, essa eu não quero falar, não (risos).
P/1 – Ah.
R – Eu falo da minha família depois.
P/1 – Tá certo. Bom, aí você chegou, você tava no Exército,
onde você morava na época?
R – Em Belo Horizonte. Aí.
P/1 – Como é que foi essa mudança para Belo Horizonte?
R – É, eu saí do Atlético, do Democrata em 1967. No dia da minha apresentação eu tinha dezessete anos, isso foi em dezembro de 1967. Os meus pais me levaram na concentração. E eu cheguei na concentração do Atlético, era um hotel, um hotel que o Atlético alugava justamente para a moradia dos atletas solteiros. Um hotel muito grande, fora da cidade, um lugar muito bom e o pessoal do Atlético estava concentrado, porque eles iam disputar uma melhor de três com o Cruzeiro, final de campeonato. Quando eles me viram com a minha mãe lá, isso é novidade pros atletas, um atleta levar a mãe para apresentar. E minha mãe fez questão de conhecer a cozinha, o quarto que eu ia dormir, o tipo de roupa que tinha no quarto, a coberta, o lençol, quem que ia ser o meu companheiro, que escola – aquela que ela fez quando eu fui para o Atlético – a escola eles tiveram que me matricular, a escola que eu ia estudar, ela não abriu mão.
P/1 – Isso que ano que era, mais ou menos, você tinha quantos anos?
R – 1967.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Dezessete anos.
P/1 – Dezessete , então você ia continuar os estudos?
R – Com certeza, com certeza.
P/1 – Hum.
R – Bom, nisso, foi uma gozação, os caras pegaram no meu pé que nem imagina. A mãe lá? Nossa! E você, como é que você rebate isso? Com personalidade, né, com jogo. Como é que eu tinha que fazer? Eu tinha que mostrar para eles que eu era jogador de futebol e até melhor do que muitos e eu provei. Então tudo aquilo ficou para trás. Você de zero você chega a 80, 90, aí é um respeito muito grande, né, o jornal falava muito, comparações e tal. Eu tinha até uma torcida feminina (risos), as vaguinhetes (risos), eu sei lá. Mas foi um período muito bom, muito gostoso.
P/1 – Você tinha um fã-clube, então?
R – Um fã-clube, um fã-clube.
P/1 – Como é que, o que que as fãs faziam?
R – Elas vestiam de atleticanas mesmo e levavam uma faixa com o meu nome, aquela coisa toda e tal, era muito legal. E em 1971 eu fui para Seleção Brasileira, eu tinha vinte e um anos de idade. Foi quando entrou o Corinthians na minha vida, o Corinthians entrou na minha vida, olha, as coincidências são grandes, né? Em 1968, quando eu comecei a fazer os meus primeiros jogos no Corinthians o Mateus, o Vicente Mateus, que foi o Presidente do Corinthians, era Diretor do Corinthians. E eles estavam comprando o Buião, que era ponta direita e eu estava entrando para substituir o Buião. Só que o Buião era ídolo do Atlético e era um cara que tinha um credenciamento muito grande. E o Presidente que tinha assumido aquela lá eu fui a primeira contratação dele e ele botava a maior fé em mim, o Carlos Alberto Naves. E para mim estrear no Atlético ele dizia: “Saia do pé do Buião”, para me testar. E eu fui um sucesso, né, então deu certo. No terceiro jogo eles venderam o Buião pro Corinthians, o Buião veio pro Corinthians de ponta-direita em 1968. E o Mateus já tinha visto eu jogar porque ele foi ver o Buião e me viu e pegou o namoro ali, né? Em 1971 eu tava na Seleção Brasileira.
P/1 – Quando você fala Seleção Brasileira é a Seleção Brasileira mesmo?
R – A Seleção campeã de 1970.
P/1 – Ah.
R – O Pelé, o Jairzinho.
P/1 – Ah, você jogou?
R – Não, na Copa do Mundo, não.
P/1 – Ah.
R – Eu joguei junto com eles na Copa Roca, depois da Copa do Mundo. Eu fui convocado para Copa do Mundo, mas eu não cheguei a ir pro México porque eles retornaram. E tem, se eu for contar, tem história que não acaba mais (risos), tem história que não acaba mais (risos).
P/1 – Ah, então você jogou com todos esses?
R – Todos eles, titular e tudo, eu fiz a despedida do Pelé da Seleção, joguei a dupla diária com ele.
P/1 – Nossa.
R – Eu tinha vinte e um anos de idade e quando o Corinthians me contratou. Eu vim para o Corinthians, preço caríssimo, né, caríssimo, eu, aqui me tornei profissional. Lá era uma criança, era um menino que gostava de futebol e eu vim para um clube que era um clube que não ganhava título, tava na fila, um clube que todos os jogadores, principalmente os mineiros não dava certo aqui. Existia um tabu com mineiros que apagavam no futebol paulista aqui, principalmente no Corinthians. Então eu estudei muito o Corinthians antes de vir para cá, conversei muito com várias pessoas e tudo porque eu queria vencer, eu queria vencer. E eu acho que venci, né, dez anos como titular, ganhei dois títulos, disputei quatro títulos, quebrei um tabu – fui campeão na queda do tabu – quase seiscentos jogos pelo Corinthians, sou o sétimo que mais vestiu a camisa do Corinthians, sou o 13º artilheiro de todas as épocas e jogando como ponteiro-direito, que quem conhece futebol sabe perfeitamente bem, então eu venci.
P/1 – Que que quer dizer quando você fala: “Como o sétimo vestindo a...” – que eu sou super leiga – então você me ajuda aqui (risos).
R – O sétimo jogador. De todas as épocas que vestiram a camisa, de todas as épocas. O Corinthians fez cem anos agora, em 1910, então nesses cem anos eu sou o sétimo que mais vestiu de todas as épocas, todos.
P/1 – Durante mais tempo?
R – De todo esse pessoal que passou que milhares e milhares que passaram, eu sou o sétimo que mais vestiu a camisa.
P/1 – E como é que foi a sua vinda para São Paulo, como que foi essa experiência?
R – É compra. Não, eu cheguei aqui eu vim por cima, eu vim com credenciamento. O dinheiro que eu ganhei já comprei apartamento, montei o apartamento. Eu tinha uma assessoria muito boa aqui com um amigo meu, da família Toledo Pisa, que é uma família tradicional de São Paulo, ele era diretor – diretor, não, era um tipo assim de representante –
do Atlético aqui em São Paulo. A família dele tinha os hotéis aqui em São Paulo e nós fizemos uma amizade muito grande, o João Paulo de Toledo Pisa, ficamos muito amigos, eu devo muito a ele, muita coisa. Ele que me encaminhou aqui em São Paulo, abriu um espaço para mim, então isso já. Porque quando eu cheguei aqui o Corinthians tinha a concentração no Parque São Jorge, que era debaixo do Ginásio. E quando o Mateus me levou para morar lá eu não quis morar lá, não, puxa vida. Eu falei: “Aqui eu não fico.” Foi quando o Toledo me deu um Hotel para eu ficar, porque eu achava que um jogador do nível, de nível como o time do Corinthians não podia morar num Ginásio, e eu não morei no Ginásio. Aí ele me colocou um motorista à minha disposição, o Vicente Mateus. Então quer dizer, você já chega credenciado, e o pessoal olhava: “Quem que é esse cara, o que que esse cara tem?”, então o respeito é grande.
TROCA DE FITA
P/1 – Então você chegou a São Paulo com quantos anos, Vaguinho?
R – Vinte e um anos de idade. E aí acontece essa trajetória do Toledo Pisa e tal. Aí tem uma historinha legal. Naquela época existia o Banco Português. Eu apresentei no Corinthians, fiz tudo que eu tinha que fazer lá dentro, e o dinheiro que eu tinha pego de luvas, um adiantamento, aquela coisa toda, tava na conta do Toledo Pisa do Banco Português, que eu tava na Seleção e ele foi fazer a transferência para mim. E a atual esposa minha era secretária da Gerência, eu conheci ela no Banco (risos), a primeira pessoa feminina que eu cumprimentei aqui em São Paulo. Que impressionante, né? Dois anos depois eu casei com ela, nós somos casados, vamos para trinta e nove anos de casados.
P/1 – Nossa, quer dizer, foi, você bateu o olho?
R – É, demorou um pouquinho, né, demorou um pouquinho. Aí vêm outras histórias, que eu não vou entrar em detalhes (risos). Não, com ela porque eu tinha outra, quase casei em Minas, eu era noivo, na época, e não deu certo lá. Mas ela ficou marcada, hoje é a minha companheira, temos três filhos maravilhosos. Meus filhos tiveram uma formação boa, a minha segunda, a minha primeira é tudo USP. A minha filha, a minha mais velha, com dois anos ela falou que queria ser médica, e eu nunca tive ninguém na minha família que fez Medicina, Engenharia. Nada, nada, ninguém formado, nem da família dela, onde ela vê isso aí? A gente tinha o quê? Curso de Contabilidade, Ciências, alguma coisa desse tipo, mas não Engenharia, Medicina, Química, nada disso. Ela com dois anos falava que queria ser médica. Ela passou em todas as Faculdades que ela fez – Campinas, Unicamp, sei lá – tudo, e foi para USP. E a minha segunda também. Ela é médica, hoje ela é Cirurgiã Plástica, tá bem, tem uma bela de uma Clínica, graças a Deus. E a minha segunda é Nutricionista, e ela passou em segundo lugar na São Judas – quinze mil, trinta mil – e a melhor redação foi dela, e ela tinha preocupação com redação, ela se preocupou tanto que foi a melhor redação do vestibular. Também USP, tá muito bem. E o meu terceiro é já Personal, fez Educação Física. Eles estão aí num segmento legal.
P/1 – E como é que foi seu casamento com a sua esposa?
R – O mais simples possível. Ela é de uma família simples, eu também era duma família simples e eu nunca gostei de muita badalação. E eu casei, para você ter uma ideia – eu casei numa quarta-feira ou quinta-feira e já no fim de semana eu tava jogando futebol outra vez, né (risos) não tive nem lua de mel. A obrigação já, não deu tempo para fazer isso porque eu casei num período de campeonato. Mas foi um casamento familiar, só a família, alguns amigos, uma coisa bem íntima na casa dela, sem muito o quê, sem muito aparecer, sem muito jornal, sem muito bla bla bla. Um casamento que eu quis fazer, eu gostei muito e queria fazer desse tipo.
P/1 – Você sentia muito assédio da imprensa?
R – Olha, eu sempre fui um cara que eu nunca dei colher de chá pros outros, não, sabe? Eu sempre tive uma personalidade muito forte, sempre briguei pelos meus direitos, fui um cara que enquanto eu pude brigar, eu brigava. Eu queria mudar algumas coisas no futebol – porque a gente ficava muito ocioso – eu queria trazer leitura, trazer não sei o quê, mas ninguém quer um cara inteligente no grupo. Jogador de futebol tem que ser burro, esses que são os caras legais para quem dirige. E eu não gosto de muito grupo, não, não gostava de misturar muito, tinha poucos amigos. Eu era um profissional lá dentro, amigo de todo mundo lá dentro, acabou lá, eu vou cuidar da minha vida. Eu não misturei vida particular, vida íntima com futebol, não. E em relação aos jornalistas eu sempre tratei bem, mas dentro do respeito. Eu não paguei jantar para ninguém, eu não ia, eu não dei presente para ninguém, nunca fiz isso, tem muito cara que gosta de fazer isso e jornalista que gosta de receber. Quando eu recebi crítica, porque eu recebi, quando eu recebi elogio, porque eu recebi. Então, aquilo que eu fiz, em tudo que está escrito na minha história foi por mim mesmo, foi por meu mérito. Se escreveram bem ou não escreveram é porque eu merecia ou não merecia. Eu tenho em casa várias coisas, não fui um craque, não fui um craque, mas eu fui um grande jogador, com certeza.
P/1 – Você trouxe algumas fotos, né, Vaguinho?
R – É.
P/1 – Você estava mostrando algumas personalidades com quem você conversou, que você foi entrevistado.
R – É, eu tive muitas entrevistas, mas não fui um cara que tive assim um sucesso grande, em termos de Seleção. Porque eu, com dois meses de Corinthians, quebrei a perna. Eu quebrei a perna, fiquei quatro meses parado, quando eu voltei, eu voltei com muita dificuldade, mas mesmo assim eu recuperei, eu venci. De 1972 a 1975 eu fui o artilheiro desses anos todos pelo Corinthians, o maior artilheiro dentro do Corinthians. E o que faltou para mim foi a Seleção Brasileira, mas eu me tirei da Seleção, eu tirei meus pés de dentro da Seleção – vou dizer por quê. Em 1972 teve a mini Copa no Brasil, o Zagallo era o treinador e eu tinha participado em 1971 da Copa Roca na Argentina, aquela toda coisa toda, a despedida do Pelé. E eu me destaquei muito, eu joguei muito bem nesse período. Quebrei a perna, a Seleção me chamou para eu fazer a recuperação no Rio e eu fui pro Rio fazer a recuperação lá com o Continho, com o Parreira, lá no centro do Exército na Urca. Mas como eu tinha o casamento marcado para 28 de dezembro, me deu um desespero, eu abandonei tudo, eu fui embora sem dar satisfação. Eu era menino, tinha vinte e um anos de idade. Me deu um desespero, eu fui embora, eu fui embora, eu não dei satisfação para eles. Aquilo marcou muito, marcou muito para eles que dirigiam a Seleção. Aí não fui convocado para essa Seleção de 1972, eu estava na Europa, o Corinthians foi para excursão para Europa. Eu tava jogando muita bola, que eu tava voltando com vontade de voltar para Seleção, eu fui artilheiro desse torneio, dessa excursão. Mas o Zagallo não me chamou para 1972, essa mini Copa. O Brasil ganhou aqui no Maracanã no jogo contra o México, com o Jairzinho, um a zero, era para eu jogar essa mini Copa. E depois o Corinthians, como era um time que não ganhava nada e tinha dois jogadores na Seleção, o Zé Maria e o Rivelino, não tinha motivo de chamar um terceiro, não justificava. Eu tinha que estar muito acima dos outros para ser convocado e o time do Corinthians – eu tinha capacidade, mas não abriu mais oportunidade. Eu fui duas vezes convocado e nesta segunda, nas duas vezes que eu fui convocado me pegaram justamente em contusão. Eu fui um cara que não nasci para jogar em Seleção. Chegava em época de Copa do Mundo, no ano da Copa do Mundo, eu tinha problema – eu tinha uma contusão, um estiramento, uma fratura – e eu perdi a vez da Copa do Mundo. Talvez se eu tivesse jogado Copa do Mundo, uma ou duas, aí sim, aí eu seria mais personalidade do que eu fui.
P/1 – Mas você me contou que você teve aí umas, passou por umas entrevistas.
R – É, eu participei de vários programas do Sílvio Santos.
P/1 – Interessantes.
R – Fui entrevistado por Sílvio nessa época, em dois ou três programas dele, eu estive no Programa do Chacrinha, fui homenageado no Programa do Chacrinha. Eu ia jogar pelo Atlético, ele dava o Troféu Chacrinha, os Melhores do Esporte. O Sílvio me deu os Melhores do Esporte também. Fiz alguns trechinhos com Jô Soares, no programa dele, humorístico. Muitas entrevistas na Rede Globo, na época, enfim, muita coisa aconteceu nesse período aí, entrevistas, bastante, né?
P/1 – Uhum. E qual que era a sensação de entrar num estádio? Eu sempre fico imaginando isso: como que um jogador se sente ao entrar num estádio e ver aquela torcida inteira assim?
R – Engraçado que você vai acostumando, você vai. Porque na época que eu joguei futebol, os estádios – eu tive a felicidade de jogar na geração Pelé, eu peguei a geração Pelé, dez anos de diferença, mas eu joguei na época dele – eu comecei a jogar em 1965 e o Pelé teve, na Copa de 1970 ele tava com trinta anos. Então eu peguei ele essa fase aí de, ele com vinte e sete, vinte e oito, até trinta e quatro ele jogou no Brasil, trinta e três, trinta e quatro. E foi uma época glória, começou com o Campeonato Brasileiro em 1971, muitos estádios no Brasil todo. Joguei com público de cento e vinte mil, cento e trinta mil, cento e quarenta mil, noventa mil, cento e setenta, então é muita gente. O Mineirão, na época eu jogava no Mineirão – que o Mineirão era um estádio novo, tinha sido inaugurado em 1965 – Atlético e Cruzeiro era acima de noventa. Naquela época tinha o Canal, você vai lembrar bem.
P/1 – Canal Cem?
R – Canal Cem, tem muita coisa minha no Canal Cem. Você ia no cinema para ver o Canal Cem, né, jogos no Maracanã, jogos no Mineirão, os clássicos. O Atlético, o Cruzeiro naquela época estava no auge, o Atlético vinha num crescendo muito grande. Então foi uma fase glória. E a gente vai, aquele acesso... Eu sempre tive medo de povo, de público, eu sempre tive medo, mas não jogando. No meio, no meio me dá fobia, eu tenho asco mesmo. Agora nunca preocupei, a primeira vez que eu fui no Maracanã jogar – porque o Maracanã era um campo difícil de jogar – achei que eu ia ter uma tremedeira, né, porque é um campo enorme, um campo fabuloso. Não aconteceu nada (risos), não aconteceu nada. Aí você vai tendo prazer, têm jogadores que têm medo. Eu nunca tive medo não, de jogar, não.
P/1 – Medo em que sentido?
R – É, não, medo do público, de entrar em campo sentir aquela coceirinha assim, sabe? Eu nunca tive de torcida nenhuma, não. Assim: “Nossa, que que é isso, que que foi?” Eu me desligo, eu me apagava, zero, eu zerava. Então, compenetrava ali, eu só começava a me acender a hora que eu ia começar a entrar em campo, aí que eu ia ligando no jogo, no jogo, no jogo. Eu nunca preocupei com marcador, com adversário, nunca estudei ninguém, o negócio é jogar futebol mesmo. E se não fosse esses problemas todos do Corinthians, o sucesso seria maior (risos).
P/1 – Mas mesmo assim você já teve, né? Quer dizer, isso de alguma forma subiu à tua cabeça?
R – Não.
P/1 – De alguma forma?
R – Não, não porque eu separei o Wagno do Vaguinho, o Vaguinho é uma coisa, o Wagno é outra. Eu não misturei, são vidas paralelas, são vidas paralelas, e eu consegui dividir isso aí.
P/1 – Como é que a sua família recebeu essa sua ascensão profissional?
R – Olha, a família minha, além de ser grande – nós somos nove filhos – da parte da minha mãe são mais catorze, quinze, por aí. É grande, muitos tios, muitos primos. Mas, engraçado, que quando a gente era pequeno, até quando eu jogava no Atlético Mineiro pela primeira vez a família era muito, eu estava sempre no meio dos meus primos, no meio das minhas tias, eu dormia na casa delas. Pequeno, eu lembro de pequeno tinha muitas festas, o meu tio fazia fogueira, o meu avô fazia fogueira, a família toda se reunia. As férias, a gente ia passar férias na casa do meu avô, aquela criançada toda, aquele povo todo, a gente sempre teve uma boa união e muito respeito. Agora, pelo fato da gente jogar e ter um pouquinho de condições melhores, obrigação – não é obrigação – ajudar a quem precisa, né? E eu procurei, na medida do possível, dar a mão para todo mundo. Daquilo que eu pude fazer, eu fiz, com certeza.
P/1 – E seus pais, a sua esposa quando você, enfim, recebia esse reconhecimento público, como que se sentiram?
R – Não, isso é pessoal, né, pessoal, porque chega num ponto – a minha mãe fala, às vezes fala até hoje – chega num ponto que começa a atrapalhar a parte familiar, porque a pessoa começa a ter curiosidades demais: como é que você vive, o que que você não vive, o que que você faz, que maneira que, o que que está acontecendo lá dentro da sua casa, comportamento. Então aquilo não tá dentro do convívio da gente, muitas vezes pode atrapalhar o relacionamento em casa, mesmo. E o que que você faz? Você se isola. Eu lembro que quando eu fui convocado para Seleção pela primeira vez eu tava no Atlético Mineiro, eu não pude ficar em Sete Lagoas, eu tive que sair para uma fazenda porque era repórter, eram pessoas, eram meus amigos que queriam vir em casa conversar comigo. Você passa a ser uma atração, né, uma atração. E muitas das vezes, não é todo dia que você tá com ânimo, com espírito, com humor daquele dia. E você tem que estar sempre sorrindo e não é toda hora que você quer sorrir, tem uma hora que o humor tá... isso é normal num ser humano. Então quando eu estava assim eu procurava cair fora (risos).
P/1 – E como jogador mesmo, como é que era o treino, como é que era o seu dia a dia?
R – Ah, sempre foi estressante. Você treinava dois períodos, sempre foram dois períodos, né, de manhã e à tarde. Muito pesado, treinamento pesado, principalmente para temporada, pré-temporada. Eu estava olhando nos meus arquivos esses dias lá era uma média de sessenta jogos por ano, chegamos a jogar oitenta e três, oitenta e quatro jogos num ano. Como joga hoje, eles falam que hoje joga mais, mas na nossa época era a mesma coisa. Só que naquela época nós não tínhamos os melhores aviões, os melhores hotéis, as melhores, o melhor material, a melhor chuteira, a melhor tudo. Você ficava em hotéis de terceira categoria, segunda categoria, a alimentação não é como de hoje, você não tinha nutricionista, você não tinha um fisiologista, você não tinha uma recuperação adequada como tem hoje. Muitas vezes um clube como o Corinthians, Palmeiras tinha um treinador, um preparador físico, um auxiliar, hoje não, hoje é uma parafernália enorme. Então, hoje tá mais fácil não só na parte de modernidade, na parte de conforto, de rapidez, de agilidade, como na parte financeira também, né, nem discute, não dá nem para discutir.
P/1 – Então você treinava, mas aí você ia para sua casa, quer dizer, era um trabalho comum?
R – É mais ou menos assim: segunda-feira era – se você jogava domingo – era a segunda-feira à tarde por volta de, entre duas às quatro horas, você ia pro Clube fazer uma massagem, uma sauna, aquele que estava machucado fazer um tratamento – até hoje é assim. Terça-feira, você ia jogar na quarta-feira, você já ia, fazia um treino de manhã, um treino à tarde e ia para concentração, aí concentrava. Jogava quarta-feira, aí tava liberado quarta-feira, na quinta-feira repetia a mesma rotina, à tarde ia lá e tal. Na sexta-feira fazia um treino de manhã e à tarde, dependendo do adversário você já ia para a concentração. Aí ficava sexta-feira, sábado e jogava domingo. Essa era a rotina.
P/1 – O que que acontece exatamente numa concentração, o que que você fazia numa concentração?
R – Olha, é muita ociosidade, para falar a verdade. São poucos que leem, que levam um livro para ler, que tem uma, naquela época, uma atividade útil. Jogava-se muito baralho, muito baralho – baralho, baralho, baralho, sinuca. Mas tinha um horário também, às vezes eles extrapolavam, né, às vezes extrapolavam. Dependendo do treinador extrapolava mesmo, né? Hoje, não, hoje o cara tem um computador, tem informação, tem o, como é que chama, tem o e-mail que ele vai responder, vai conversar o bate-papo no blog dele. Então hoje é diferente, você vai rever, a sala, na nossa época não tinha nem televisão para você assistir, ver um tape, ver um jogo. Hoje, não, o treinador vai lá na sala, com ar-condicionado e tudo: “Ó, vamos estudar o adversário.” Senta lá, põe uns jogos do adversário e pá, fulano está ali, e pá, pá, as informações, hoje tem muita informação. Na nossa época era no olhômetro mesmo: “Olha, o time assim, pá, pá e pega aqui, pá.”. Improvisação lá dentro, improvisação, né? Por isso que o futebol brasileiro, naquela época, tinha muitos craques, muito jogador versátil, porque improvisava muito, não tinha tempo de estudar como se estuda hoje. E a evolução do futebol, você vê o futebol europeu hoje é fabuloso, evoluiu mais do que o nosso porque eles têm, eles estão na frente da gente em tudo, muitos anos, muitos anos na frente. Era essa a rotina, basicamente.
P/1 – E depois você podia voltar e ficar com a sua família?
R – Tranquilo, tranquilo. Sábado, domingo, depois do jogo. É, jogo à tarde, você chegava em casa umas oito, nove horas, dependendo do adversário, do campo, do estádio para você sair. Geralmente, naquela época você saía do Morumbi ou Pacaembu, a gente deixava os carros lá no Parque São Jorge, até você chegar lá e voltar, você perdia aí três, quatro horas. Aí mais ou menos entre oito e meia, nove horas, nove e meia chegava em casa, o que que você vai fazer? Comer uma pizza com a família (risos), ia sair com a criançada, sair com a família, ir num restaurante.
P/1 – Você tinha energia para sair, ainda?
R – Com certeza, a energia, o atleta tem muita energia, dá para gastar muita energia.
P/1 – E a sua esposa, participava, assistia os jogos?
R – Não, não, muito pouco, muito pouco, porque o seguinte, o meu medo é o seguinte: quando é uma jornada boa, tudo legal, mas, no dia ruim? Você não sabe a reação do torcedor, como é que ele vai reagir. Tá lá minha esposa, meu sogro, meu cunhado, meus amigos, alguém conhece e a coisa não tá funcionando bem, vai começar a falar besteira aqui. Alguém responde, acontece uma coisa de ruim. Então para evitar, não vai. Ou vai, ou fica num lugar independente, num lugar que tenha condições de proteção. Hoje, eu acredito que as esposas, os parentes dos jogadores têm um lugar mais deles mesmo, mas quando a gente jogava não tinha essa comodidade. Muitas vezes, hoje o clube eu acho que cede, cede ingressos, um camarote ou aquela coisa toda, na nossa época não cedia nada. Além da esposa assistir, pagava para assistir, não tinha colher de chá, não, pagava para assistir.
P/1 – E como é que era a convivência assim com os jogadores?
R – Era muito seletivo, né, muito seletivo.
P/1 – É, no dia a dia?
R – Para unir um grupo não é fácil, porque é um jogo de vaidade, são jogos de vaidades e um querer superar o outro. Quando se tem um bom comando, quando se tem um boa organização, quando se tem uma boa compreensão – que tem que vir de hierarquia, de cima a baixo – você consegue, quando se fala a mesma língua aí você consegue um bom resultado. Mas quando tem dois ou três que já mudam os aspectos da maneira de agir, a maneira de comportar, você vê as vaidades de cada um. Aí começa a ter alguns problemas sérios de campo, de amizade mesmo, debate, às vezes você não fala com um, não fala com outro, o outro não gosta de você, uns têm preconceito disso, outros também têm preconceito daquilo. Então, geralmente, têm aqueles grupinhos, tem o grupinho. Felizes são aqueles que conseguem dissolver aquilo, aí faz um grupão, aí isso é resultado.
P/1 – E voltando um pouquinho, qual que foi o sentimento, a sensação que você teve quando você foi, quando você veio pro Corinthians, o que que isso significou para você?
R – Olha, foi difícil, viu? Eu não queria vir, eu não queria vir porque eu estava muito bem no Atlético Mineiro, era o time dos meus sonhos, era o time que eu sentia que ficando lá eu teria, pelo menos, disputado duas Copas do Mundo porque eu era o cara lá, eu era o cara, e seria mais porque eu tava com vinte e um anos no auge. Mas é o grande problema, o dinheiro foi muito para aquela época. Pagava-se muito, rodou muito dinheiro por fora também, por interesses pessoais e não teve jeito, não teve jeito. Então a opção foi vir mesmo, tanto que eu fiquei uns dois, três dias para me apresentar aqui, depois que eu voltei para a Seleção, eu fiquei uns dois, três dias pensando o que que eu ia fazer, de que forma que eu ia chegar aqui. E eu queria chegar bem, eu queria chegar sem receio, eu queria deixar meus fantasmas todos para trás, que era um novo Clube, uma nova vida. A transformação que eu tive que fazer na minha cabeça foi muito grande. Talvez se não tivesse a união de família, o conhecimento que eu tinha, a minha retaguarda lá do colégio, as pessoas, aquele ensinamento, a paciência que me deram, como pensar, como falar, eu talvez não tivesse o suporte para aguentar o Corinthians, não. Mas tudo isso deu para aguentar por causa do suporte que eu tive.
P/1 – Quando você fala aguentar, você diz o quê, a pressão?
R – É, pressão e tudo. Era um time que não ganhava nada, um time difícil, e tinha, um time de torcida, de massa, cada ano aumentava aquela torcida e o time mal, mal. E chegava num ponto que se tinha um plantel hoje, no outro ano já tinha dez, quinze caras diferentes, não tinha um grupo como tinha o Palmeiras, como tinha o Santos, como tinha o Cruzeiro, como tinha o Botafogo, como tinham outros times, que aquele grupo ficava quatro, cinco, seis anos juntos. O Corinthians montava o grupo, no dia seguinte todo mundo ia embora, então não se formava nada, né, não se formava nada. O desespero, aquele desespero dos diretores para ganhar campeonato, ganhar título, ganhar título, então aquilo incomodava muito. Para você ver, o maior jogador do Corinthians, que se chama Rivelino, que nunca teve uma felicidade de ganhar um título, saiu da porta do fundo porque perdeu um campeonato em 1964. E ídolo do Corinthians, o reizinho do Parque, aquela coisa toda, saiu pela porta dos fundos, pô. Você imagina o que era jogar nesse time, né?
P/1 – Mas você já teve a experiência de ganhar, você chegou a ter a experiência de ganhar?
R – Lógico. Mas o ganhar não quer dizer alegria, tá? O ganhar muitas vezes pode te dar até tristeza, dependendo da circunstância como você ganha. O ganhar tem que ser alegre, tem que ser com o coração aberto, com sorriso, com alegria e tudo o mais. Os dois títulos que eu ganhei no Corinthians foram dois títulos, para mim, sofridos, porque houve pressão de muitos lados, principalmente do treinador. Houve pressão de grupo, eu digo assim de grupo porque a gente não se batia muito, tinha um grupo que queria me afastar e eu aguentei essa barra por muitos anos. Chegou no ponto que em 1980, de dez anos, eu falei: “Agora eu entreguei, eu joguei, entreguei a bandeira mesmo. Agora pode, eu quero ir embora, eu não quero mais, não aguento mais.” Eu já estava com trinta e um anos de idade, dez anos naquele tormento, aquela, você sabendo que tinha que estar todo dia bem. E brigando com muita gente, provando toda hora que você tinha que estar ali. Não é fácil, não, não é fácil, não, não é brincadeira, não. E aquela alegria que eu tinha, no Corinthians eu não tive essa alegria total, eu joguei com mais pressão do que com espontaneidade.
P/1 – E depois então você saiu do Corinthians?
R – Voltei para trás (risos), eles me compraram de volta (risos). É, mais aí foi outra tristeza assim, em termos de, a minha família é daqui, né, a minha esposa, os meus filhos, tudo aqui de São Paulo. A minha esposa nunca teve a experiência de sair da capital, ela não queria ir pro Atlético, não queria morar lá, ela ficou, eu fui. Ela só foi dois, três meses depois. Então não foi legal para mim, não, não foi legal. E eu fui para disputar uma Libertadores, era isso que o Corinthians estava querendo e que o Atlético também queria. E nós perdemos de uma forma muito desagradável para o Flamengo no Serra Dourada, onde o juiz meteu a mão mesmo. E o objetivo do Atlético, quando nós saímos daqui, era para ganhar a Libertadores e nós chegamos bem na porta para ganhar. Quando perdemos aqui a Libertadores acabou, né, acabou. O que que vai fazer, era campeonato mineiro? Não tem mais significado de ficar. E a Ponte Preta, naquela época, que se interessou por mim, eu queria vir para São Paulo para a Ponte Preta, o Presidente não me liberou. Eu tinha mais sete meses de contrato para cumprir, aí eu falei: “Ah, não dá para ficar.” Aí eu encerrei a minha carreira, vim embora.
P/1 – Aí você voltou para São Paulo?
R – Voltei para São Paulo. Eu tinha negócio em São Paulo, tinha uma propriedade, tinha uma imobiliária, tinha uma fazenda em Botucatu. Então os negócios estavam todos vinculados aqui. “O quê que eu vou ficar fazendo?” E apesar dos meus pais, meus irmãos moravam lá, mas a minha família é aqui, aqui está a minha vida. Eu cheguei aqui com vinte e um, eu tinha dez anos de São Paulo, quase a metade da minha vida aqui, com meus filhos com projeção para o futuro e meus filhos querendo se projetar aqui, não justificava eu ficar em Belo Horizonte.
P/1 – Aí voltou e tocou os seus negócios?
R – Toquei os meus negócios e fui embora (risos).
P/1 – Agora desse período como jogador assim, tem alguma experiência que tenha sido muito marcante para você, uma boa lembrança que você tem, alguma história curiosa?
R – Não, história tem muita, têm coisas boas, lembranças boas. Em 1976 – essa foi uma lembrança maravilhosa – porque nós conseguimos montar um grupo em 1975 no Corinthians e esse grupo foi campeão em 1977. Ficou 1975, 1976, 1977 e em 1978 ele começou a ser dissolvido, então ficamos praticamente três anos juntos. E esse grupo ficou forte, ficou um grupo que era um se preocupando com o outro. Era um grupo que a gente poderia ir fazer um churrasco, ia todo mundo, participava quase todo mundo, ia fazer uma coisa, todo mundo se integrava, “Vamos brigar?”, vamos brigar todo mundo, “Vamos falar?”, vamos falar todo mundo. Aí já foi um momento de alegria mesmo porque você saber que um está brigando por você, um está preocupado. Depois nós tivemos uma recepção, no jogo do Fluminense no Maracanã, mais de setenta mil corintianos no Maracanã naquele jogo contra o Fluminense, aquilo para mim foi maravilhoso. Foi um ponto alto de alegria, de satisfação, foi em 1976 no Maracanã e o ano de 1976, mais do que eu tive em 1977, para mim, para mim.
P/1 – Por causa dessa torcida?
R – É, por causa da união do grupo.
P/1 – Tá.
R – Por causa da simplicidade das coisas, a torcida não era essa torcida que é hoje organizada, era uma torcida que transmitiu confiança para a gente, jogou junto com a gente, parece até que ela sentia os nossos problemas, então ficou legal, ficou bem legal.
P/1 – E você tinha contato assim com as pessoas da torcida, com os seus fãs?
R – É, não era essa redoma de hoje. Os repórteres, a gente terminava o treino, eles estavam lá dentro do campo entrevistando a gente. No alambrado o cara tava assistindo, você ia dar um autógrafo pro cara. Passava no corredor, passava no meio do povo. Não tinha essa preocupação do cara falar: “Pô, vou ser agredido”. Não tinha, não tinha, a coisa era mais pura, mais bonita. Hoje o jogador vive numa redoma, hoje ele é artista, hoje ninguém chega perto. Você vai chegar perto de um Neymar, como é que você vai chegar? Segurança por tudo quanto é lado. E por isso é que essas pessoas se tornam diferentes. Porque eles não têm contato com a vida, não tem contato com a vida. E do jeito, e não é culpa dele, é o próprio ambiente que faz isso, né? O cara não tem como, não tem como não sair desse ambiente, ele vive no ambiente, o ambiente tolhe ele de todas as coisas, infelizmente.
P/1 – Você falou que tem milhões de histórias assim, que outra história que você acha legal, uma história que você gosta de se lembrar?
R – Olha foram quase, no total da minha carreira, quase, mais de oitocentos jogos, foram quase vinte anos dentro desse meio, muitas viagens pro Brasil inteiro, América do Sul, Europa. O que eu posso falar mais? Muitas, muitos treinadores, convivi com muitos treinadores, com muitos diretores, com presidentes, repórteres, televisão, uma série de coisas. Então, se você for marcar isso, eu, por exemplo, lá no meu armário – e eu fui jogador simples – eu tenho, não vamos dizer uma tonelada, mas eu tenho quase uma tonelada de recordação lá de jornal, não sei o quê. É coisa demais. Revista francesa, revista que foi escrita à francesa, não sei o quê, têm coisas que eu fui juntando. Teve uma época eu cheguei a ser, eu fazia um ranking mundial, eu tava entre os cento e quarenta melhores jogadores do mundo. Quer dizer, para mim que não tinha chegado a uma Copa do Mundo estar perto dos cento e quarenta melhores jogadores do mundo! Isso foi na década entre 1972 e 1976, por aí, se não me engano, maravilha.
P/1 – E você continua assistindo futebol?
R – Às vezes. Quando é um grande jogo, por exemplo, esse de ontem do Corinthians e Vasco, vale a pena assistir. Mas eu gosto de assistir na minha casa, tranquilo. Não gosto de assistir com companhia, gosto de assistir sozinho. Geralmente assisto eu e a minha esposa. E, às vezes, o meu filho vai em casa para ver o jogo. Mas eu prefiro ficar na minha casa. Eu fui assistir às finais da Champions League da Europa, que saiu campeão o time inglês, um jogo maravilhoso de ver, ver o espetáculo, as coisas bonitas. Ontem eu fiquei muito contente de ver o jogo do Corinthians que não teve nenhuma confusão, não teve nenhuma briga, não teve problema nenhum, parece que houve um respeito com o adversário, o vascaíno perdeu, mas entendeu que perdeu jogando futebol. E tem que ser é isso, não pode ter briga, não pode. Eu fui uma vez levar meu filho, eu falei: “Nunca mais eu volto.” Fui assistir à Taça São Paulo Juvenil – se não me engano Corinthians e São Paulo – lá na Rua, no campo do Nacional. Saiu um quebra-pau lá que eu segurei meu filho, fiquei segurando, prendendo ele num pilar, e o pessoal correndo, pisoteando um ao outro. Enquanto aquilo não acabou eu não saí de lá. Então, se eu vou ver um espetáculo, se eu vou divertir, para ver essas coisas não vale a pena. Não vale a pena, infelizmente não vale a pena. O Brasil tem que modificar muita coisa, tem que reestruturar muita coisa. Você imagina o que que vai ser nessa Copa do Mundo, se esse povo continuar com essa mentalidade? Tem que pôr o Exército na rua, tem que pôr o Exército na rua.
P/1 – Você falou bastante dos seus filhos, né, o que que significou para você ser pai, Vaguinho?
R – Ah, é uma dádiva, né, nossa! Eu curti muito meus filhos e curto muito. Ah, eu entro, eu viro criança, eu entrei na… quando eles eram pequenos eu entrava junto com eles na lagoa, no barro, na brincadeira, fazia junto, e faço com o meu neto a mesma coisa (risos) também. É participar, né, pai tem que participar, tem que brincar. Tem que mostrar a vida pro filho. A hora de brincar, é, na hora de passear, sim, na hora disso... E eu sou um cara muito participativo. Hoje as minhas filhas me entendem, tenho três filhos, elas me adoram. Eu tô com elas a qualquer ponto, o que precisar de mim eu tô lá junto, e é recíproca a coisa, com certeza.
P/1 – E o que que você faz hoje?
R – Eu, basicamente, tô aposentado. Eu parei de fazer as coisas, eu, até pouco tempo, não por falta de vontade, mas por falta, talvez, de oportunidade, das pessoas acreditarem na gente. Eu tenho muito contato com político e tudo o mais, mas ninguém ajuda ninguém. Infelizmente, o brasileiro, a grande maioria – eu digo a grande maioria – cada um se preocupa consigo. O brasileiro é uma pessoa muito egoísta, infelizmente. Eu não vou me qualificar fora disso também porque eu vivo na minha redoma também, dentro do meu fechamento. É uma característica, principalmente do paulista que mora em apartamento, que mora na cidade grande. Mesmo os vizinhos, porta a porta, você passa dois, três anos sem ver o vizinho. Então, infelizmente, o ser humano está se afastando, isso não é muito agradável, não. E hoje, depois de muitos anos, eu tenho uma liberdade de vida, eu vou aonde eu quero, eu faço o que eu quero. Às vezes as pessoas me conhecem, que também é bom, mas eu prefiro que não me conheça porque eu tenho essa liberdade. Eu ando de metrô, eu ando de ônibus, eu ando à pé, isso é legal – você ter liberdade de viver. E na época que eu jogava futebol, eu não tinha essa liberdade, você tem, você vive muito escondido. Você vai num restaurante, um palmeirense – desculpa eu falar – um são-paulino mexe com você, o próprio corintiano, às vezes, não está satisfeito. E a tua família tá ali, pô, é um respeito. As pessoas têm que saber que você é tem que ser cobrado no seu campo de ação, no seu campo de trabalho, ali você tem que ser cobrado. Agora na hora do seu lazer, na hora da sua coisa não justifica, não justifica. Não to fazendo nada, por que que vai cobrar de mim ali? Cobra. Já tem jornalista que escreve, tem cara que, tem uns caras que fazem tudo, eles cobram, eles derrubam qualquer um. E você sabe que se você não fizer bem feito, você não fica, não justifica. Mas muitas vezes são pessoas que têm aquele, que são malditas mesmo, sabe, que gostam de azucrinar a vida dos outros (risos).
P/1 – Vaguinho, quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R – Ah, a minha família, minha casa, a minha mulher, meus filhos, primeiro, meus irmãos, minha mãe principalmente, eu vejo dessa maneira. E já to com, eu vou fazer sessenta e três anos, já não tenho mais trinta anos de vida, se tiver. O tempo tá cada vez mais encurtando, ta encurtando (risos). Então, tem que viver bem legal. Eu quero estar nesse mundo mais uns vinte anos ainda, eu quero ver os meus netos ainda um pouco crescidos. Mas do jeito que ta a vida, ela se melhorar um pouquinho só, do jeito que tá, tá bom. Agora, eu precisava de mais atividade, eu tentei ser treinador de futebol, eu tentei, eu trabalhei na Justiça, fui classista durante sete anos, trabalhei em mesa de conciliação, trabalhei no rádio, montei uma equipe de rádio durante quatro anos aí e fiquei, trabalhei numa firma de transportes. E fiz um pouquinho de tudo. Fui vendedor de ferro gusa numa representação, representei também cal de Minas Gerais, Sete Lagoas. Fiz um pouquinho de tudo, fiz de tudo. Fui fazendeiro, tinha gado, tinha uma fábrica de farinha em Botucatu, fiquei alguns anos lá, foi uma experiência boa. Plantei quase trezentos alqueires de mandioca, buscar o bóia fria para levar de madrugada no caminhão e dirigindo o caminhão, foi uma experiência muito legal essa aí, viu? A vida é tudo, a vida é tudo. Então, é só agradecer.
P/1 – E sonhos, quais são os seus sonhos?
TROCA DE FITA
R – No dia que ela ficou lá em casa – no dia, não, ela faz isso – ela pegou todos aqueles jornais, ela fez pasta ano por ano dos jornal, mas ainda tem um monte para fazer ainda.
P/1 – Que bom, né?
R – Ela, não, ela é brincadeira essa minha que é médica. Ela tem uma mão, você precisa ver ela cozinhar, faz uma comida, meu, ela é obreira. Ela mexe com encanamento, ela mexe com eletricidade.
P/1 – Nossa.
R – É, ela pinta parede. Se ela for querer fazer um artesanato ela faz, ela é do caramba. Ela ainda é do tipo da menina que se tá parada, tá fazendo alguma coisa.
P/1 – Puxa, que inveja! (risos)
R – Não, ela é, ela é, tem uma atividade.
P/1 – Legal, e vai.
R – E é nervosa.
P/1 – É?
R – É brava.
P/1 – (risos)
R – Nossa Senhora, ela também, aquela também que fala uma coisa, depois ela pensa, depois que ela falou que ela vai: “O que que eu falei? Meu Deus do céu.” (risos) Ela vai no fígado (risos).
P/1 – Bom, você tava falando das coisas que são importantes para você, daí eu ia te perguntar assim sobre os seus sonhos, quais são os seus sonhos?
R – Ah, eu já tive muitos sonhos (risos) para falar a verdade (risos). Meu sonho agora é criar meus netos. Eu acho – não é que a missão, minha missão terminou – a minha missão com meus filhos ela foi pronta, eles tão prontos pro mundo, ficaram prontos pro mundo e tão aí vivendo legal, batalhando dentro das suas possibilidades e bem. Assimilaram legal mesmo a vida, têm uma responsabilidade grande. Eu acho que eu dei mais trabalho para eles do que eles me deram trabalho (risos). E agora é o seguimento dos netos. Eu peço a Deus que os meus genros fiquem bastante tempo casados com elas, que tenham uma harmonia, essa é a preocupação. Então a gente agora está na supervisão, de longe, supervisionando os filhos, supervisionando os netos. Não tem mais grandes coisa para fazer, eu não vou trabalhar mais. Eu não vou atrás de grandes coisas para fazer. A não ser que surja aí – a gente nunca se sabe, né – alguma coisa que a gente possa fazer de útil para alguém de alguma forma, prestar uns serviços. Eu tive algumas experiências com trabalhar com pessoas, e foi muito legal. Eu trabalhei numa época para o Governo como monitor de escola de crianças, com futebol, tive próximo de seiscentas crianças comigo. E foi um acompanhamento muito legal, muitas crianças que nós encaminhamos, tratamos de crianças com algumas doenças, alguma coisa e tudo, escola, educação. E eles gostaram muito de mim e eu gostei muito deles. Infelizmente, depois do Governo Covas, eles acabaram com esse sonho dessas crianças, o Covas acabou. Isso me marcou muito, me doeu muito, me machucou muito, que era muita criança de toda a grande São Paulo que a gente dava uma assistência. E o que eu fiquei mais chateado com tudo isso foi que as pessoas que eram coordenadoras elas ficaram, foram para outros lugares. E as crianças, que foram mais prejudicadas? Que tinha bandido se recuperando, gente que, fizemos um trabalho legal, o trabalho de união de bairro, de comunidade, um conhecer o outro, porque conhecendo vai ter respeito. E a política dói, a política dói. Eu falei que eu nunca mais trabalharia com política porque aquilo me marcou muito. Eu tentei dar seguimento, mas não tinha recurso, não tinha recurso. Você trabalhar com criança tem que ter muita responsabilidade, você não pode vacilar, elas acreditam em você. Muitas vezes você se transforma em um pai, uma pessoa de que eles vão ter ali a confiança. E quando você está começando a plantar aquela sementinha, ela ta começando a aflorar, vem um político e acaba com tudo. Esse é o estilo Brasil. Então, hoje o meu sonho, realmente, é cuidar da minha família.
P/1 – Tá certo. Então, para encerrar, como foi aqui para você contar a sua história?
R – Legal. Muita coisa passa na cabeça da gente. Mas eu gosto do meu futuro, eu não gosto do passado, eu nunca gostei de olhar para trás, não. Para trás é viver, é ser um caranguejo e não vai fazer nada, você não vai recuperar nada. Como você falou, é lembrar das coisas boas. Mas eu, hoje, não tô lembrando de dez por cento daquilo que eu vivi. Às vezes eu nem gosto de voltar porque eu não consigo lembrar. Agora, como um papo desses, que vai forçando a mente, você lembra um pouquinho. Mas eu gosto de ver o futuro, olhar o futuro, o presente mais que o futuro. E qual é o meu futuro? Criar meus netos. Muito obrigado.
P/1 – Obrigada, foi um prazer conversar com você (risos).
R – Valeu (risos).
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