Projeto Memórias da Literatura Infanto-Juvenil
Depoimento de Mary França
Entrevistada por Thiago Majolo e Thiago Belotto
São Paulo, 10/06/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MLIJ_HV011
Transcrito por Patrícia Fonseca
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Então Mary, p...Continuar leitura
Projeto Memórias da Literatura Infanto-Juvenil
Depoimento de Mary França
Entrevistada por Thiago Majolo e Thiago Belotto
São Paulo, 10/06/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MLIJ_HV011
Transcrito por Patrícia Fonseca
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Então Mary, para começar eu queria que você falasse primeiro o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Eu nasci em Santos Dumont em 24 de agosto de 1948, me chamo Mary Jane Ferreira França, e as pessoas me conhecem normalmente como Mary França, que é o nome que eu assino em meus livros.
P/1 – Qual é o nome de seus pais?
R – Minha mãe se chama Elza Duarte Ferreira, e o meu pai, que não está mais conosco, Celso Ferreira.
P/1 – Conta um pouco o que seu pai fazia e o que sua mãe faz?
R – Minha mãe vive hoje num pequeno sítio perto de Juiz de Fora, é uma pessoa que tem completo 79 anos, mas muito ativa, muito ativa, ela faz de tudo, desde plantar sua própria couve, seu almeirãozinho, colher os ovos que tem lá no quintal num belo galinheiro, frutas, e ela passa o dia sempre ocupada; hora ela está fazendo bijuteria, hora ela está fazendo uma bolsa, ela está sempre inventando uma moda. Acabei de fazer uma viagem, agora pela Europa, e eu levei na última hora na hora da saída, ela me deu um presente, e eu fui ver o que era, era um colar de botões. E aí viajei, acabei fazendo uma viagem andando para todo lado com aquele colar. Olha, as pessoas sempre ficavam admiradas, as pessoas chagavam a falar comigo, chegavam a falar sobre o colar, com o tanto que ele é original, essa é minha mãe.
P/1 – Que ótimo! E o seu pai?
R – Meu pai trabalhou antigamente... Chamava Central do Brasil... Ferrovia. E meu pai era ferroviário, mas era também um bom negociante. Desde que eu me entendo por gente eu via meu pai fazer pequenas coisas, pequenos negócios. A gente viajava pra praia e, enquanto a gente estava se divertindo, brincando, ele estava lá vendendo alguma coisa pra poder tirar os custos da viagem. Acho que eu herdei um pouquinho disso dele. Penso que sim.
P/1– E tem irmãos?
R – No princípio minha mãe só teve mulheres; três filhas mulheres, e já depois dos quarenta, até no mesmo tempo que eu... Eu estava grávida da minha segunda filha, a Patrícia, e a minha mãe estava grávida e nessa ocasião nasceu um menino, que se chamou José Antonio e que viveu até os 26 anos.
P/1– E as suas irmãs, qual o nome delas?
R – Denise, minha irmã depois de mim. Eu fui filha única até oito anos de idade, depois é que nasceu Denise e mais tarde a Claudia. Hoje todas estão casadas, já tem seus filhos, enquanto eu já sou avó. Os meus filhos já têm filhos, e os meus sobrinhos ainda são um pouco mais que adolescentes, porque a diferença entre eu e a minha irmã Denise é bastante.
P/1 – Conta um pouco como é que era a sua casa em Santos Dumont?
R – Olha, eu vivi em Santos Dumont até os cinco anos de idade. E depois eu lembro muito de Santos Dumont, da família, da reunião da família, da reunião da família do meu pai, estava sempre todo mundo junto, meus avós eram portugueses. E na casa dos meus avós estavam sempre todos juntos... Meus tios. Aos cinco anos eu fui morar em Barra do Piraí, onde nasceram as minhas irmãs, fiquei lá até onze anos, depois fui pra Juiz de fora. Mas durante todo o tempo que eu morava em Barra do Piraí, a gente voltava em feriados, em férias para Santos Dumont. Santos Dumont é então bem mesmo o retrato, assim... Da minha infância, e esse retrato está ligado às reuniões de família, aos primos, aquela mesma casa onde eu voltava pra brincar, vinha com as primas de minha idade.
P/1 – E esses avós eram paternos, maternos?
R – Paternos. Os meus avós maternos já moravam próximo de Juiz de Fora, e também era a mesma coisa, sempre aquela coisa da família, dos tios, dos primos.
P/1 – Dessa primeira infância até os cinco anos antes de mudar, o que você lembra mais?
R – Eu lembro que na minha rua tinha uma fábrica de bonecas, isso é uma coisa que ficou muito marcada na minha memória. Aquele lugar porque, não é? Era uma fábrica de boneca, uma coisa bem mágica, e isso ser minha vizinha era uma coisa muito legal. Então eu lembro muito disso. Lembro do apelido da minha rua, que até hoje tem o nome de rua da biquinha, ela tem outro nome que eu não sei qual é, mas eu me lembro dela como rua da biquinha.
P/1 – Por quê? Sabe por quê?
R – Não sei. Não sei por quê. Lembro também de uma vizinha, que na casa tinha uma árvore enorme e ao redor dessa árvore a gente brincava de boneca, de fazer comidinha. Sempre gostei de fazer comida, desde que eu tinha cinco anos.
P/1 – E nessa fábrica de boneca você entrava? Como é que era? Uma fábrica pequena?
R – Não. Eu lembro só da fachada, da sala, da saleta, das bonecas já em mostruário... Do fazer das bonecas eu não tenho ideia como que era.
P/1 – Então, conta quem eram os amigos dessa primeira infância?
R – Eu me lembro de uma vizinha, mas que eu perdi completamente. Não sei quem é mais, se alguém me perguntar não saberia dizer. Mas me lembro porque era uma convivência, a família era grande, a família do meu pai, e como estávamos todos sempre juntos, sempre lembro daquela quantidade de primos, sabe? Lembro-me dos casamentos, porque eu era a mais nova praticamente, acho que depois de mim só uma prima, então era uma escadinha, tinha essa prima mais nova, depois eu, depois uma escada, e nós éramos todas sempre damas de honra nos casamentos. Então casava uma; as outras todas iam pra festa, e isso eu tenho muitos retratos, é uma coisa que eu lembro bastante. Então assim, minha memória está muito ligada às atividades da família do meu pai.
P/1 – Quais eram os nomes dos seus avós paternos?
R – Era José Antonio, que era o nome que veio a ser nome do meu irmão, e Adelaide nome da minha avó. E até quando minha irmã nasceu minha mãe para homenageá-la colocou Denise Adelaide, coisa que a minha irmã não gosta muito, ela acha que os dois nomes não combinavam. Eu também acho que não combina.
P/1 – E a comida portuguesa era muito forte em sua casa?
R – Era. Eu não tenho muito a lembrança da comida... Não. O que eu lembro mesmo é que na casa da irmã mais velha do meu pai tinha um grande quintal, apesar de ser no centro da cidade, e lá ela criava porcos, mas lá era de uma maneira muito chique. Assim, os porcos tinham cada um o seu próprio chuveiro, tinha um lugarzinho que a gente abria e vinha todos os porcos tomar banho, saía água de todo o lado. E nessa casa era costume matar o porco em uma determinada ocasião e fazer linguiça, e a linguiça corria pelo quintal, era aquela coisa comprida... E isso eu me lembro bem. Era uma coisa legal.
P/1 – Você lembra de ver matar o porco?
R – Não. De matar o porco não. Pouparam-me. Eu lembro mesmo é dessa “fazição” de linguiça.
P/1 – E o que mais você brincava antes de ter as irmãs? Com suas amigas?
R – Lembro de fogãozinho de fazer comida, e isso aí eu acompanho até hoje.
Adoro um fogãozinho pra fazer uma comidinha, assim... Bem à noite depois que você passeia bastante e chega em casa cansada, eu prefiro fazer uma comidinha. Até fora do Brasil tenho hábito de preferir os aluguéis de apartamentos pra pequenas temporadas, uma semana, assim... Onde eu possa pelo passeio comprar o que eu vejo de bonito e gostoso e levar pra casa para comer a noite.
P/1 – Mary, e como que foi essa mudança? Você lembra de seu pai falar “vamos mudar de cidade”? Como é que foi isso?
R – Ah, não foi nada traumático, foi legal. Porque quando eu saí de Santos Dumont eu ainda não estava sendo alfabetizada, eu estava onde a gente chama hoje de educação infantil, naquele tempo não tinha esse nome. E eu tenho até algumas coisas que tinha uns decalques assim, minha mãe colocava uns decalques nas folhas pra ficar bonito. Eu não sei se você se lembra, não sei se é do seu tempo, mas existe até hoje, mas não sei se é a mesma metodologia, vamos dizer assim... Que antigamente você colocava o decalque na água, e aí ele soltava e você colava no papel, hoje é tudo adesivo, não é? Mas minha mãe usava para colocar esses decalques assim nas folhas. Então tenho isso guardado, da minha primeira escola em Santos Dumont, quando eu tinha cinco anos. Quando eu me mudo para Barra do Piraí, aí eu vou para uma escola que se chama... Eu acho que esta escola ainda existe; Nossa Senhora Medianeira. Eu começo então já o período da alfabetização. Então isso era uma coisa importante, assim... Um momento importante. E foi bem legal. Eu voltava sempre pra Santos Dumont, quando a saudade apertava.
P/1 – É perto?
R – Não, não. E naquele tempo, hoje em dia não é longe, porque me parece que devem ser uns duzentos quilômetros... Duzentos e cinquenta quilômetros. Mas duzentos e cinquenta quilômetros em cinquenta e tal... Eram as estradas, eram estreitas, havia pedaços que você ainda passava pelo riozinho, então era assim uma coisa meio de aventura. Eu nem sempre ia de carro, meu pai tinha carro na época, mas nem sempre íamos de carro, íamos muito de trem. Viajávamos muito de trem.
P/1 – Então essa viagem era uma delícia?
R – Era uma delícia. Era uma delícia. Era uma coisa bem curiosa.
P/1 – Você gostava mais de ir de carro ou de trem? Você lembra de sua preferência?
R – Eu me lembro mais das viagens de carro, porque era uma coisa mais de aventura. Porque tinha a estrada, às vezes acabava e você tinha que fazer um desvio, então eu me lembro mais. Trem era uma coisa mais tranquila.
P/1 – Demorava quanto tempo? Sabe?
R – Ah, não me lembro. Deveria demorar horas e horas. Um dia.
P/1 – E a escola? Como foi o começo da escola?
R – Eu tenho uma lembrança sempre boa da escola, que eu sou aquela aluna que sempre tirava nota boa. Então era tudo assim... É, tenho boas lembranças, mas tudo tranquilo, nada traumático.
P/1 – Então começa a ler os primeiros livros. Você lembra qual foi o primeiro livrinho que pegou na mão?
R – Não. O que eu me lembro mais é que era uma escola de freiras. Então o que eu me lembro mais, nesse momento, era de uma imagem do menino Jesus que tinha na sala de aula. E esse menino Jesus ele nem sempre ficara na mesma sala, então esperar pela imagem, pelos dias que ele fosse ficar na nossa sala, era uma coisa assim... Fantástica. Isso é uma coisa que está bem vivo na minha memória.
P/1 – Ele ficava passando?
R – É. Ele ficava assim... Semanas lá numa sala, e depois ia pra outra sala, e a gente tinha que cuidar daquela imagem. Aquilo era uma coisa legal. E eu, mais do que os livros... Eu lembro dos disquinhos de histórias, que eu me lembro muito do meu pai colocar disquinhos de histórias... Mas eu tenho uma memória assim, de bem do início mais ligada à história, e principalmente a história de Peter Pan, que eu ouvia bastante.
P/1 – Tinha uma coisa especial nela então?
R – É. Ela ficou gravada como uma coisa especial.
P/1 – Esses eram aqueles discos que tinham vários volumes, tinham que trocar?
R – É. Eles eram até coloridos. Se eu não me engano o que eu tinha do Peter Pan era verdinho. Eu lembro que eles eram quase transparentes, eu me lembro bastante disso.
P/1 – E os amigos do colégio? Como é que eram os melhores amigos?
R – Os amigos dessa época se perderam com o tempo, a gente perdeu o contato, porque eu volto para Juiz de Fora quando eu tinha onze anos, fiquei seis anos. Então os meus amigos, que eu tenho contato até hoje... Que a gente se vê. E assim, os meus amigos que eu posso chamar de escola é a partir dos onze anos, que aqueles amigos lá, cada um seguiu o seu rumo, a gente já não se encontrou na adolescência. E eu acho que os amigos na adolescência são os amigos que mais ficam para o resto da vida. Então esses amigos são os que vieram a partir dos onze anos em Juiz de Fora e que são pessoas que eu tenho contato até hoje.
P/1 – E aí na escola muda um pouco as brincadeiras...
R – Oh, eu sempre fui muito séria, eu sempre fui muito do compromisso. Eu só acho que até é uma coisa que me atrapalha. Eu acho que se uma coisa precisa ser feita, então precisa ser feita, entende? Então eu lembro mais dos compromissos do que da própria brincadeira, eu lembro também que aos onze anos eu queria jogar vôlei. Eu cheguei a jogar um pouquinho, mais baixinha, e também não levava muito jeito, ia, eu lembro de campeonatos de ping-pong, uma coisa que eu jogava que gostava bastante. Mas é engraçado, porque a partir dessa data, a partir dos onze anos, quando eu volto pra Juiz de Fora e vou estudar no Colégio Santa Catarina, e aí eu estudo no Colégio Santa Catarina até eu me formar, eu tenho uma vida muito ligada... Eu começo a ter uma vida muito ligada à literatura, embora naquele momento eu não tivesse a menor ideia do que tivesse acontecendo. Mas assim, ah, precisa... Eu sempre era chamada na medida em que precisava de alguma coisa: “Ah, vai fazer uma adaptação de uma peça”; “Ah, pede a Mary que ela faça”; “Ah, precisa falar...”; “Fulano vai falar na festa”; “Pedi a Mary, que ela redige”. Então aquilo era uma coisa tão natural pra mim, que hoje eu vejo que aquilo tem uma importância na minha vida. Naquele momento eu não fazia a menor ideia e nem achava que era uma coisa representativa, aquilo era uma coisa natural. Então eu lembro dessas festas, desses teatros, dessas coisas que foram acontecendo ao longo do tempo.
P/1 – Isso a partir dos onze anos pra frente?
R – Exatamente. E também porque um dos irmãos do meu pai, ele também ajudava muitas pessoas no trabalho fazendo textos. Ah, fazia discursos. E eu me lembro de vê-lo fazer isso, então não sei se foi por isso que me influenciou, e aí eu fiz igual, ou se eu o ajudava ou ele me ajudava. Não me lembro. Eu me lembro muito de vê-lo fazer isso, então esta relação com o texto é uma coisa assim, que acabou sendo natural pra mim no decorrer do tempo. E eu tinha assim... Vontade de ser professora de matemática, e até hoje eu acho matemática fantástica, eu acho que tudo é matemática, acho que você não vive sem matemática, não respira, não se organiza, não faz nada na vida sem a matemática... Mas eu sempre tive uma paixão enorme pela matemática. Eu achava que a matemática que ia ser o meu caminho, e não cair na literatura.
P/1 – Voltando bem pouquinho, com oito anos nasce a sua primeira irmã, não é isso? Com oito ou nove anos, não é? A sua primeira irmã nasce?
R – Isso.
P/1 – E como foi esse evento pra você? Já era um pouco mais velha, não é?
R – É. Foi aí que me tornei adulta, comecei a exercer esta coisa de ser responsável, de fazer as coisas, não é? Porque eu penso que tenho um pequeno defeito, um pequeno grande, mas assim, se você coloca um problema pra mim, qualquer pessoa, eu imediatamente tenho um impulso de ajudar você a encontrar a solução. Então isto é uma coisa que eu tento controlar hoje, pois eu acho que isso não é qualidade, mas desde pequena eu já fazia isso. Eu com oito anos eu olhava minha irmã, eu trocava fralda, eu dava mamadeira, tanto que as minhas irmãs, embora eu seja oito anos e dez anos mais velha que as duas, elas me olham mais como se eu fosse mãe mesmo, existe uma postura diferente. Esses oito anos representam muita coisa, mas eu agia assim. Aos oito anos eu tomava conta, fazia, arrumava, tomava conta de tudo. E nessa época quando eu tinha oito, nove, dez anos meu pai que sempre gostava de negócio, ele tinha uma pequena loja de material de construção. E eu me lembro de tomar conta, até de vender coisas na loja. Lembro-me que ele saía e eu ficava tomando conta sozinha, então isso é uma coisa assim... Aguçando uma coisa de participar, de ser ativa. E me veio com essa mania. Você chega pra mim e conta o seu problema, eu quero logo achar a solução e às vezes eu acho que até posso fazer, coisa que a gente não deve pensar.
P/1 – Então essas irmãs não foram bem aquelas irmãs amigas de brincar, foi mais uma coisa de cuidado?
R – Não. É que essas irmãs eram as que eu olhava, quando elas foram alfabetizadas... Hoje eu penso que até não deveria ter feito isso, mas quando eu era adolescente e elas estavam começando a ser alfabetizadas, eu exigia delas, eu dava bronca nelas, até broncas que eu não dei em meus filhos, que a minha cabeça mudou. Eu achava que era importante cobrar delas muitas coisas.
P/1 – De lição?
R – É, isso...
P/1 – E aí então você muda pra Juiz de Fora com onze anos. E como é que era a sua casa em Juiz de Fora?
R – Ah, eu tenho uma lembrança muito boa da minha casa em Juiz de Fora, porque primeiro a gente morava na Barra do Piraí, numa casa que era grande, que tinha quintal, que tinha varandinha, aí a gente veio morar num apartamento, era um apartamento até pequeno pra família toda. Então assim... Até uns anos, até meu pai fazer novamente uma casa. Esse período não é um período que ficou muito... Eu lembro dele sempre com muito aperto, não tenho muita coisa para lembrar disso não.
P/1 – Mas Mary, o que ocasiona as duas mudanças? Primeiro com cinco anos, depois com oito anos.
R – Eu penso que é a ideia do motivo do meu pai melhorar, ganhar mais, fazer melhores negócios. Quando ele vem para Juiz de Fora, ele tinha um cargo de chefia, coisa que ele não tinha no bairro de Piraí, então ofereceram para ele a chefia, pra ele seria melhor. Então foi em função disso; problemas econômicos e também porque voltava para mais próximo da família, que a gente nunca deixou, a gente estava sempre voltando pra onde estava o pessoal e ali a gente acaba ficando toda a vida.
P/1 – Mas qual a primeira impressão de Juiz de Fora, que é a cidade que você escolheu para ficar?
R – A primeira impressão... Uma cidade que tinha trem, não é? Tinha bonde, quer dizer, era uma coisa bem melhor. A cidade de Juiz de Fora era mais bonita do que é hoje. Muito mais bonita. Naquela época, princípio de 1960, era um lugar bastante agradável. A escola de Santa Catarina até hoje é um lugar agradabilíssimo, com parques, muitas árvores, as Irmãs tem uma cabeça muito boa. Até pouquíssimo tempo eles fizeram uma homenagem pra mim, colocaram a biblioteca com meu nome; biblioteca infantil e fizeram uma festa, e foi uma festa linda, e tinha um coral maravilhoso. Eu fiquei encantada, porque se você andar pelas escolas brasileiras, como a gente anda... A gente vê muita coisa legal, a gente vê cada coisa, a gente vê as crianças na festa fazendo coreografia do Faustão, sabe? Imitando, como se aquilo fosse uma coisa importantíssima, e lá em Santa Catarina não, as crianças tinham um coral legal, sabe? Uma diferença grande de conceitos. Então eu fiquei muito emocionada em ver, o que realmente é importante, o jeito que as Irmãs trabalham, embora elas tenham basicamente se retirado do ensino, e entraram os profissionais professores, que não são Irmãs, pessoas da nossa sociedade mesmo, mas mantém ainda uma postura diferenciada, que eu acho bastante importante.
P/1 – Na sua época eram as próprias Irmãs que davam aula?
R – Havia professores naquela época, mas havia bastantes Irmãs; hoje é ao contrário, têm pouquíssimas.
P/1 – Então conta mais dessa aptidão de escrever, conta um pouco desse teatro, descreve pra gente?
R – Então, não havia nenhum propósito, nenhum desejo de escrever, de ser escritor, não. Aquilo era uma coisa do meu dia-a-dia, eram oportunidades, eu fazia aquilo naturalmente. As pessoas sabendo disso me pediam coisas e eu fazia, mas eu estava me preparando para ser uma boa professora de matemática, imaginava isso. Até que quando eu estava no curso de magistério, quando eu conheci o Eliardo, e ele com aquela intenção séria de ser ilustrador, ele na verdade ainda nem sabia que queria ser ilustrador, ele sabia desenhar, achava que no princípio podia fazer histórias em quadrinhos. Então, através dele é que alguém me disse: “Olha, você vive escrevendo, porque você não faz uma história?”. Então fiquei pensando no que poderia fazer e fiz uma pesquisa da história do folclore, escrevi algumas histórias e escrevi a história da infância de Santos do Dumont, que era da minha terra. Aqueles textos eles encontraram um caminho, eles foram aprovados pela editora. Eu comecei a receber para escrever e o incentivo que deveria fazer, e ali que eu descobri, eu juntei tudo; aquela mania de fazer coisas, aquela pesquisa é uma coisa que me desafia. Adoro fazer. Então ali eu podia estudar, pesquisar e escrever, então comecei assim. No princípio mesmo, eu não tinha muita noção que seria uma coisa profissional, que esse seria meu caminho, foi pouquinho, pouquinho, mas foi muito cedo. Eu estava terminando meu curso de magistério, aí houve uma oportunidade de eu fazer um trabalho para uma editora, aí nem pensei a professora de matemática desapareceu. Aí continuei a fazer as pesquisas, foi um texto atrás do outro e logo a coisa tomou uma dimensão profissional mesmo. E quando eu percebi que eu ia começar a fazer os textos de verdade, eu fiquei me perguntando, tive vontade de pesquisar pra saber o que as pessoas estavam fazendo, o que se fazia no Brasil. E fazia uma pesquisa, entrava na livraria mesmo, e a gente percebe na década de 1960... A gente percebe que no Brasil tem muita literatura importada e muitas traduções. Traduções que muitas vezes eram feitas sem nenhum cuidado especial, penso que as pessoas imaginavam que escrever para criança é escrever no diminutivo, ou por uma legenda na ilustração, e que a grande maioria dos livros eram todas as traduções dos contos nacionais, e muitas vezes “resumidíssimos”, muitas vezes passava longe. O pobre do Patinho Feio foi o que mais sofreu, porque muitas histórias do Patinho Feio passavam longe do Andersen e, percebendo isso e olhando a literatura para crianças e jovens fora do Brasil, mesmo de autores americanos e autores europeus, eu comecei a perceber que havia um cuidado que era uma outra coisa que não era aquilo que eu encontrei na livraria no primeiro momento. Então começamos a fazer uma grande pesquisa, adquirir livros de fora, pesquisar mesmo, não é? E procurar o meu caminho. Eu começo em um determinado momento... Como os meus textos davam certo, assim, eu via que o adulto gostava, crianças gostavam, ou o adulto trazia a notícia de que a criança tinha gostado, eu começo a perguntar o que eu estou fazendo que esteja dando certo. Uma das primeiras coisas que eu descubro é que eu tenho um poder de síntese, eu tenho uma linguagem muito direta, talvez pra diferenciar, não sei dizer bem diretamente, mas eu penso que em um determinado momento achei muito importante eliminar os adjetivos, não ficar dando voltas, eu fui procurando. E eu fui percebendo que aquilo ia direto ao interesse da criança. E eu continuo me perguntando o porquê, sempre querendo saber o que era. Aí foi que num determinado momento eu descubro as leituras dos diálogos do Piaget com as crianças, e aquilo pra mim foi uma coisa fantástica, achei a minha praia, como se pode dizer hoje, e os diálogos das crianças com Piaget, aquilo era um alimento pra mim, muitas histórias eu fiz a partir desses diálogos, levava a pensar a partir do como as crianças viam o sol, de como eles falam de sentimento, então isso foi me alimentando, vamos dizer assim, e eu fui aos poucos achando meu caminho.
P/1 – Então Mary, vamos voltar só um pouquinho. Tem algum livro que na sua adolescência ou na sua infância tenha te marcado? Você lembra dele com carinho?
R – Olha, me lembro que quando era criança eu era apaixonada por Casimiro de Abreu, adorava e gosto até hoje de livros de mistério, mas eu lembro que Casimiro de Abreu era uma grande paixão. Eu começo a ler coisas dos livros das crianças, literatura pra jovem e tudo aquilo, que na época exigiam na escola. E aí vou ler Monteiro Lobato evidentemente, Eça de Queirós, aqueles romances todos, José de Alencar e assim foi.
P/1 – O Lobato foi já mais velha, não é?
R – É, o Lobato foi mais com o olhar da pesquisa, pra entender, não é? Que é o nosso celeiro, o nosso Lobato. E procurar ler os contos originais dos contos tradicionais adaptados, daí você descobre que é um mundo inteiramente diferente. Andersen, que eu sou apaixonada... Depois que mais tarde tem aquela aventura pela Dinamarca, mas Andersen foi uma coisa bastante boa.
P/1 – Uma coisa que é até uma curiosidade engraçada, porque você não é a primeira pessoa que diz que leu Eça com muita convicção, acho que ele formou bastante gente dessa época, essa geração foi uma geração que pegou muito Eça de Queirós...
R – É. Creio que sim.
P/1 – Não sei se descrição, mas influenciou muitos escritores, quase todos eles comentam sobre Eça de Queirós...
R – Creio que sim.
P/1 – E aí então, quantos anos você tinha? Esse livro de Santos Dumont você tinha...?
R – Ah, esse livro do Santos Dumont eu devia ter uns dezessete ou dezoito anos. Eu me casei aos dezenove anos, então aos dezoito eu já tinha começado a minha vida profissional. Eu começo a escrever e a publicar antes do meu casamento.
P/1 – Ainda vou perguntar da sua visão muito mais pessoal do Eliardo, que depois ele vai falar de você também. Como você conhece esse momento de conhecer a pessoa, conta um pouco pra gente?
R – O Eliardo é uma pessoa muito determinada. O que ele desejava fazer, desenhar, e hoje desenhar e pintar sempre foram coisas muito claras pra ele. E ele foi ao encontro disso, mesmo tendo os pais dizendo que não, que ele tinha que fazer outra coisa, se formar em alguma coisa. E ele foi muito determinado nisso, isso foi uma coisa muito boa, porque talvez eu não fosse uma escritora se eu não tivesse o Eliardo naquele momento, que ele estava procurando um caminho profissional, não é? Porque eu escrevi as primeiras histórias até motivadas... Vamos dizer assim... Se ele estava fazendo isso, então por que não fazer também, não é? Foi uma coisa que aconteceu naquele momento, entende?
P/1 – Onde você o conhece?
R – Eu conheci Eliardo em Santos Dumont, porque em uma dessas voltas à Santos Dumont, eu voltava pra natal, por causa das férias, e voltei no carnaval, e num carnaval desses eu vi o Eliardo no fundo do salão. E a gente se encontrou. Eu estava em Juiz de Fora nessa época e ele estava estudando em Juiz de Fora também, a gente voltou a se encontrar em Juiz de Fora. E a gente está junto desde esse dia.
P/1 – Começa no carnaval?
R – Começou no carnaval. Embora ele não goste de falar que começou no carnaval, começou no carnaval. Eu acho que ele quer uma história mais intelectual, mas não foi, não, foi no carnaval.
P/1 – Que ótimo. Quando você faz o primeiro livro já consegue publicar de cara?
R – Logo, logo porque eu fiz várias histórias sobre o folclore, fiz pesquisa, mas quando eu fiz a de Santos Dumont essa foi imediatamente publicada, mas esse tempinho durou um ano, um ano e tempo, que eu ainda estava fazendo os textos e logo fiz Santos Dumont. E aconteceu uma coisa muito legal, que foi editado pela Editora Conquista no Rio de Janeiro. E na Editora Conquista eu aprendi tudo que eu sei sobre o livro, aí fui pra aprender a fazer textos, aprendi diagramação, projeto gráfico, aquela coisa que antigamente você colava letrinha por letrinha, não era como hoje, não é? Então a gente começou a pensar o livro como um todo; eu fazia o texto, daí eu já imaginava como ele poderia ficar diagraficamente, já passava essa ideia mais concreta para Eliardo, Eliardo já ilustrava. Então a gente começou uma parceria ali. Trabalhamos na Conquista durante um período para aprender sobre o livro, sobre o livro fisicamente. Isso foi uma coisa muito legal, porque hoje eu tenho minha editora, meus filhos trabalham também e tem gente nessa área. E tudo nasceu naquele momentinho lá, no princípio da década de 1960. E a Editora Conquista foi uma coisa muito importante para nós, porque foi a primeira que publicou meu livro, uma das primeiras que comprou e deu trabalho ao Eliardo como ilustrador. Ali eu fiquei durante um tempo. Eles não publicaram tudo que eu escrevi, porque era uma editora pequena, não tinha tanto fôlego, podia fazer poucos livros de cada vez. E eu escrevia muito, porque minha vida estava começando ali, então eu escrevia uma história, logo escrevia outra. Eles sempre acolhiam a minha história, mas como havia uma verba de produção pequena eles publicaram poucas coisas. Então na Conquista eles não publicavam todos os meus textos, e eles sempre nos diziam: “Olha, no Brasil ainda não se vende literatura infantil. O público vende-se pouco de cada vez”. E eu comecei a sentir a necessidade de não só escrever, mas fazer alguma coisa pra que o livro chegasse até a criança. Então eu começo a me aproximar da escola, do professor, a fazer pesquisa pra entender o porquê tudo aquilo estava acontecendo. Coisa que faço até hoje, palestras com os professores. Eu montei uma linha de pesquisa, isso que eu acho que tem uma influência muito grande no meu trabalho. Quando eu sento para escrever, eu tenho um objetivo, talvez até pela minha maneira de ser eu não consigo simplesmente escrever. Antes de escrever, tem uma coisa que eu dizer não é? Então, por exemplo, tem uma história da Coleção Gato e Rato que se chama A Casa Feia. Não sei se você conhece. Conhece?
Eu fiz uma viagem uma vez e desembarquei no Rio de Janeiro e achei tudo feio, as casas não eram cuidadas, pintadas. Aí fiz A Casa Feia. Eu não faço a coisa de uma maneira didática, eu fico remoendo aquela ideia até encontrar uma maneira de, através dos meus personagens de ficção, dizer aquilo que eu quero, entendeu? Então essa questão da pesquisa, de ler o Piaget da vida, de entender o processo de educação no Brasil, isso está ligado direto ou indiretamente aos meus textos.
P/1 – Mary, mas nessa época que você começa a publicar, você já tinha outro trabalho também?
R – Não. Nunca tive outro trabalho, todo o meu trabalho foi escrever história. Eu tinha um outro trabalho que era trabalhar quando a editora achava que... “Não dava uma paradinha aí”. Que você já fez muito texto, porque ela me remunerava, ela comprava meus textos. Nessa época você não recebia direito autoral, você vendia o seu texto, aí depois que no passar do tempo começamos a ganhar direito autoral, ser pago no Brasil. Houve uma época que no final dos anos 1960 e 1970 eram pouquíssimos autores que recebiam direitos autorais. Então, às vezes, quando eu escrevia muito ela me dava livros didáticos para diagramar, pra eu me ocupar, passava o tempo diagramando livros didáticos, sempre tive esse trabalho paralelo que não era escrever, mas estava ligada ao livro. Então minha vida toda foi fazendo livros ou escrevendo ou diagramando. E depois mais tarde comecei a fazer projeto gráfico, faço até hoje não só pra minha editora, mas para outras, e fui trabalhando nessa área e fui se envolvendo com isso. Hoje somos eu e Eliardo, temos quatro filhos, três estão na área de produção do papel de livro ou de publicidade... É coisa com papel, é texto, é imagem, é papel.
P/1 – Teve algum que você falou “eu vou trabalhar com livro infanto-juvenil e não com literatura de adulto” consciente disso?
R – Não. O momento foi porque alguém olhou para o desenho de Eliardo e falou: “Seu desenho é muito ligado, adequado para livro para criança”. Dizia-se assim na época, livro para criança, a gente não falava em literatura infantil ou infanto-juvenil. Então Eliardo começa a desenhar para criança, eu começo a escrever para criança. Então fui me apaixonando por isso e assim foi seguindo, entendeu? Se houve um momento, se houve uma escolha, essa escolha, acho que foi do destino.
P/1 – O Pedro Bandeira falou uma frase pra gente que é bom perguntar pra outros autores que diz que escrever pra criança é tirar um pouco de seu ego, tem coisas que você não pode falar, coisas que tem que amenizar, tem coisa que você quer dizer, mas não tem como dizer isso. O que você acha?
R – Não, não é o meu caso, porque eu escrevo pra falar com uma criança pequena, então é uma linguagem que eu consegui atingir, e a gente tem um diálogo, então dentro desse diálogo não vejo nenhuma... Eu preciso dizer daquela maneira pra que ela me ouça, para que ela tenha olhos e ouvidos pra mim. Então eu nem penso de outra forma, mas eu não me sinto cerceada, não vejo dessa maneira, eu penso diferente.
P/1 – Naquela época dos anos 1970 tinha algum tema... Até mesmo da ditadura... Tinha algum cuidado?
R – Não, porque eu começo a perceber que as crianças gostavam. Pra falar com o imaginário da criança através dos animais é muito importante, então é mais mesmo sobre a criança, não sobre o tempo, não tem nada a ver com o nosso tempo histórico. E eu tive a oportunidade de viver fora e de ver que a criança de lá chora, grita, esperneia, tem as emoções das nossas crianças, porque criança é criança no mundo inteiro. O importante é a relação da criança com o adulto, não é? Com os adultos que estão ao seu redor. Os adultos que estão ao seu redor são os problemas e as soluções, entendeu? É a criança. Então trabalhar o imaginário, falar de uma maneira que ela tenha interesse em te ouvir, entendeu? Então esse é o mundo: um universo. É nesse universo que eu habito.
P/1 – E na Conquista você fica até quando?
R – Na Conquista eu fico até 1976, mas antes de 1976... Em 1975, eu fui convidada pra fazer um... Acho que em 1974... Um texto para Editora Ática, e a editora Mariana que era a editora da Ática na época me disse: “Eu preciso de um texto pra criança pequena”. Até ela falou assim: “Eu acho que nossa língua portuguesa não permite a gente escrever pouco, eu tenho tentado vários autores, mas não consegui, queria fazer um livro para criança bem pequena”. Aí eu sentei e fiz. E esse foi o grande momento da minha carreira, porque foi aí que eu fiz um texto. Eu acho que eu me encontrei naquela maneira de escrever e de falar. No princípio foram quatro textos. Eu apresentei esses quatro textos, que foram imediatamente aceitos, o Eliardo fez a ilustração, e daí foi lançado a Coleção Gato e Rato, que foi publicada, não sei se foi em 1976 ou 1978. Comecei a fazer em 1974, a editora que tinha seis livros prontos pra depois lançar, agora está fazendo quarenta anos. E eu já tenho netos leitores pra Coleção Gato e Rato. E exatamente essa coleção, quando eu faço e vejo que isso começa a ter um retorno da escola, dos pais, aí eu começo a querer saber o por quê. Ali que começa tudo.
P/1 – Aí entra sua personalidade?
R – É. Aí logo depois eu volto em 1976, porque nós fomos morar no Rio entre 1970 e 1976, no período que nós estávamos na Conquista. Aí voltei pra Juiz de Fora, porque eu morava no Rio e trabalhava para São Paulo. Nessa época eu já tinha quatro filhos pequenos. E no sítio, lá na granja onde a gente mora, era melhor para eles do que em um apartamento, não é? Ou numa casa na cidade, então voltamos e ficamos sempre nessa ponte de Juiz de Fora e São Paulo.
P/1 – Me conta um pouco desse começo da Coleção Gato e Rato, conta um pouco dessa repercussão grande, como é que abrem pra você as portas?
R – Teve coisas bastante interessantes, porque como eu estou dizendo, eu não vi no fato de escrever pra criança, para um leitor pequenininho, nunca vi nenhuma cerca. E nem achava que eu não podia falar isso e nem aquilo. E tinha umas teorias... Eu tinha umas teorias, que é a questão da memória e da emoção. Então junto disso vem caminhando de 1970 pra cá, vem caminhando a teoria construtivista, cujas raízes estão lá no nosso Piaget. Nosso querido Piaget. Aí vem as teorias da Emilia Ferreiro sobre a alfabetização e tudo. E eu penso que a grande herança, a coisa mais importante que o Piaget fez, foi chamar a atenção para saber pensar. O importante é saber pensar. Tudo deve conduzir você a aprimorar a sua maneira de pensar e ao seu posicionamento. E eu creio nisso, e acho que em relação às crianças, a coisa da emoção é muito, muito importante e junto desse momento começa a se discutir o método de alfabetização da “silabação”, que é aquela decoreba. Decoreba tá com nada, já caiu, todo mundo já sabe, não é? Na época era uma novidade e havia uma preocupação em algumas pessoas em darem às crianças livros com palavras simples, sempre achei que isso era irrelevante. Eu fiz um livro que tinha palavras, vamos dizer assim, escritas para uma criança no primeiro momento de sua alfabetização; são palavras com dígrafos, “ch”, e mesmo assim eu coloquei um texto assim na Coleção Gato e Rato e teve certa resistência. Não, mas eu tinha a teoria de que essas palavras fossem do universo afetivo da criança, não teria o menor problema, porque o novo era o novo, a barreira está para a criança para aquilo que era novo, não era novo. Para ela não interessa se está ligada a relação de afeto dela, não interessa se escreve com “ch”, ela vai aceitar aquilo com a mesma facilidade que ela aprende simples como bola. Naquele momento, isso era um problema para alguns educadores, mas eu resolvi apostar e fazer os livros assim mesmo, e deram certo, e a minha teoria foi exatamente para isso. E depois até algumas pessoas vieram me dizer: “O primeiro livro que meu filho conseguiu ler era justo aquele que tinha sido em princípio rejeitado”. Então isso faz parte do caminhar do aprendizado, a gente vai anotando no caderninho.
P/1 – Sua função de escritora é muito mais de escrever...
R – É. Penso que no meu caso, por causa desse meu leitor, é a primeira leitura dele, não é? Então é isso.
P/1 – E como é a Coleção nesse caso de repercussão de sucesso, como que é isso pra vocês?
R – Ah, isso é importante, porque vai dizendo que você está num bom caminho, não é? E a gente vai conseguindo fazer outros livros, agora já passamos a marca dos trezentos. Trezentas histórias.
P/1 – Conta assim, alguns livros marcantes e porque, ou por um motivo afetivo de vocês ou por prêmios...?
R – O Rabo do Gato, bastante importante, porque foi um dos primeiros livros que recebeu prêmio fora do Brasil, O Rei de Quase-tudo é do Eliardo, mas eu falo como se fosse meu, porque é importante em nossa vida, muito importante. Os livros do Gato e Rato de uma maneira geral, não é? Difícil dizer. E depois vieram os personagens. A família de personagens dos Pingos, que eles também têm uma trajetória imensa. Você não imagina, quando a gente vai à feira de livro, o pessoal que tem hoje filho de dois, três anos de idade, eles vem nos procurar para dizer: “Olha, li, conheço, meu filho disse que é o Pingo e tal”. A gente conseguiu uma relação muito gostosa com nossos leitores, e depois com os Pingos. Os Pingos tem uma trajetória... Porque traz esse retorno, porque as pessoas se identificam com o personagem, e o Andersen, ter reescrito os originais em português, foi uma coisa muito importante. Foi um grande aprendizado conviver e ir para Dinamarca, conviver com as pessoas, que foram muito gentis conosco, porque fazíamos um grupo de leitura, eram pessoas que liam do dinamarquês. Então a gente aprendeu coisas assim, peculiaridades do Andersen, que nós não teríamos nunca sozinhos descobertos, não até com passagens interessantes, porque você, por exemplo, quando vocês crescem, vocês escrevem português, vocês tem algumas regrinhas; você procura não repetir a mesma palavra no mesmo período, no período próximo, você coloca sinônimos para o texto ficar mais rico, e o Andersen faz muito o contrário, ele fazia questão de usar exaustivamente determinada palavra que era intenção dele. Então alguns trechos dos meus textos o revisor me chamava: “Ah, vamos substituir aqui pra colocar um sinônimo e tal”. Não pode, não era assim que ele queria. Então isso é o mínimo; as coisas da vida dele, a relação da vida, o texto e a vida do Andersen, a gente só pode descobrir o porquê foi lá, não é? Conviver com o pessoal. E uma coisa interessante, é que a gente não sabe muito de Monteiro Lobato, não é? E se você chegar à Copenhague e perguntar, a um intelectual ou a um pipoqueiro, o pipoqueiro vai saber a mesma coisa que o intelectual sabe, que o Andersen é de fato o herói deles, não é? Isso falta um pouco na gente, mas somos jovens, ainda vamos aprender.
P/1 – Conta um pouco como surge a ideia de ir pra lá.
R – Uma vez que a Gato e Rato estava fazendo bastante sucesso, vendendo muitos livros, os nossos editores estavam bastante contentes. Então eles disseram: “O que vocês querem fazer de diferente? Vamos programar para o próximo ano alguma publicação, alguma coisa muito diferente que vocês possam fazer”, e a gente pensou que queria estudar Andersen, então fomos e ficamos um ano lá. Na verdade o projeto durou três ou dois anos, são muitas histórias, então foi um projeto bastante longo, mas foi muito legal.
P/1 – Conta um pouco da vida lá, do pessoal...
R – Do dinamarquês?
P/1– É...
R – Primeiro, o dinamarquês ele é muito, como é que eu vou dizer... Ele é muito consciente de seus valores, muito orgulhoso de si, do seu jeito de ser, não é? Nas mínimas coisas, nas coisas do dia-a-dia, no jeito como ele arruma a casa, e tem aquelas coisas que a gente não tem ainda. Todo dia no jantar uma florzinha na mesa, acender uma velinha. Então esses hábitos do dia-a-dia ficam imaginando que a gente corre, corre e corre e nem se importa de fazer um lanche em pé de qualquer maneira, eles não fazem isso. Eles vão fazer uma refeição, eles param com respeito para aquela refeição. Então pequenas coisas assim, você vai olhando pra nós, para o nosso jeito de ser, e vendo coisas que a gente não tinha percebido, mas que a gente precisa aprimorar, precisa melhorar na relação das pessoas, foi um grande aprendizado, foi muito legal.
P/1 – E quais as dificuldades de morar lá?
R – As dificuldades? Ah, o clima. No inverno amanhece às dez horas da manhã. Nós tínhamos amigos que trabalhavam em grandes empresas, que são tudo fechado, tudo lá dentro. Lá você tem refeição, área de lazer, mas ele entrava dentro, para o trabalho, às sete, oito horas da manhã, era noite, saía as cinco, era noite. Então eu só via a luz do dia no final de semana, isso deixa as pessoas agitadas, deprimidas. Para você ter uma ideia, havia um cartaz no ônibus que dizia assim: “Não se suicide aos dezesseis anos, porque você não tem direito ao seguro”. E é um país que assim, a saúde está toda resolvida. Se a rainha adoecer, está arriscado dela deitar no leito ao seu lado, que as coisas são iguais para todos. Se você furar um pneu, sai remunerado pela prefeitura. Então a parte social é muito bem resolvida, mas nem por isso as pessoas estão felizes.
P/1 – E havia facilidade de fazer amigos ou era mais difícil?
R – Tivemos. Mas na verdade tinha sempre um latino no meio do casal, ou ele ou ela, do Brasil ou da América Latina, e o outro dinamarquês. Então a gente já foi chegando e já foi recebido por um grupo de pessoas que conviviam e frequentavam a casa um do outro, pessoas que a gente não conhecia, mas o fato da gente chegar lá, já foi procurado. E eles já foram oferecendo os préstimos, oferecendo para arrumar as coisas, um pra ajudar a arrumar a casa, o outro para emprestar casaco, então a gente não teve esse problema assim, entende?
P/1 – O objetivo mesmo, além de estudar, era traduzir os textos?
R – É. Coisa que fizemos, escrever em português os textos integrais do Andersen. Então se você pegar a nossa publicação do Patinho Feio, lá está toda a história do Patinho Feio, sem adaptações.
P/1 – E qual a história que mais te motivava e mais te motiva ainda?
R– Olha, o Patinho Feio é uma história autobiográfica, reflete a vida dele mesmo, não é? Que ele se considerava feio, ele era feio, ele nunca permitiu que tirasse um retrato de frente. Se você for ao museu dele, você vê mil fotos, todas as pessoas sempre de frente e ele sempre ficava de lado. Então ele se considerava feio, mas ele foi, em vida... Ele conheceu a glória, ele era convidado dos nobres pra frequentar os palácios. Dizem que, na verdade, ele nunca teve uma casa dele, ele vivia não sei quanto tempo no castelo de um, depois de não sei quanto tempo no castelo de outro. E ele era de família pobre realmente e conheceu a glória não sei de que jeito, quer dizer, ele era o próprio Patinho Feio. Agora o que me encanta muito, até são trechos, que nem sempre uma só história, mas vários textos que existe uma passagem.
P/1 – Você lembra um pedacinho para falar?
R – Não lembro. Eu lembro no sentido da coisa... Assim, vários textos dele eram fantásticos, a construção do texto dele também. Um grande aprendizado, um grande aprendizado.
P/1 – Tendo aprofundado esse aprendizado no Andersen e tendo essa experiência sua há tanto tempo, qual a diferença dessa literatura que se fazia um tempo atrás e que se faz hoje? Me fale um panorama dessa diferença. Seria possível um Andersen hoje em dia?
R – Tem todo sentido, porque acho que o Andersen está vivo até hoje, a essência do texto do Andersen é a emoção, é sentimento, ele poderia até descrever outras coisas, que ele descreveu o tempo dele, não é? Mas hoje você pode descrever outras coisas, porque as coisas mudaram, mas na essência o sentimento, a emoção é a mesma, e nós ainda somos apesar da ciência, da tecnologia, a gente em termos de emoção... Nossa mãe... Ainda temos muito que aprender. Então eu penso que nesse sentido não mudou nada, não posso dizer que em cinquenta anos, quarenta anos, que não é nada na nossa história, no homem haja tanta diferença. Não é. Então, por exemplo, hoje há diferenças, até quando eu converso com os professores eu falo isso, você olhar, você pensa em um bebê que nasceu nos anos 1960 ou nos anos 1950, o bebê quando sai da maternidade, na sala de parto, ele saía durinho, parecia um pacote, enrolavam aquele manto nele, sai durinho, durinho, durinho, ficava aquela coisa durinha. Hoje como é que é? Já viu um bebê quando sai da sala do parto? Ele sai ou peladinho, normalmente pelado, geralmente não veste a roupinha, e ele sai sobre as mãos do médico ou da enfermeira esperneando, batendo a mão, chorando. Então essa é a grande diferença dos tempos, porque hoje ele já nasce tentando ocupar um espaço, ele já está em movimento, hoje já se permite que ele faça isso. Antigamente você tulia o bebê ali, naquela coisa. Então existe essa diferença de uma criança dos anos 1950, até em termos de raciocínio. A criança de um ano nos anos 1950, ela não demonstrava sua capacidade intelectual, porque ela não recebia estímulo para isso. A criança antigamente era colocada de lado, ela não era chamada a participar, hoje não. Hoje a criança de um ano, ela expressa o que ela percebe se está acontecendo, ela identifica o que você fala, e mesmo que ela não fale ela demonstra o que ela está compreendendo. Ela já participa. Isso é diferente. Mas isso não quer dizer que emocionalmente tenha acontecido uma grande mudança, então há necessidade de afeto, é a mesma ou a maior, que às vezes a modernidade não permite que a mãe ou o pai seja tão presente, pode até aumentar a necessidade de afeto. Então quando você fala de literatura você está falando disso, do intelectual, da emoção, e isso não mudou nada.
P/1 – Depois que vocês dois voltam, quais são os livros publicados, quais são os planos que começam a surgir? Você lembra?
R – Demos mais vida a esse grupo de personagens, os Pingos. E acho que não demorou muito pra que a gente começasse a nossa própria editora. Poucos anos depois a gente começa a publicar os nossos próprios livros. Aí, nesse momento, os nossos filhos já são adultos, já estão trabalhando na nossa área também, não é? E a gente começa a então partilhar com eles essa questão do livro. E aí criamos a nossa editora. E aí vêm novos personagens, porque agora tem a família do Rubi e da Esmeralda. E aumentou também essa questão da convivência com os professores, com a convivência com a escola. Essa necessidade, a mesma necessidade, que eu sentia lá nos anos 1960, quando eu estava na conquista de falar ao professor de que a leitura é fundamental. Eu tenho a mesma necessidade hoje, não é? De uma maneira diferente, naquele momento em 1960, eu sabia que a minha compreensão sobre isso era bem menor. Hoje é maior. Fiz mais pesquisas e os meios são diferentes, hoje usa-se datashow, não é? Hoje eu tenho mais coisa pra contar, mas essencialmente continuo dizendo a mesma coisa. Eu acho que ainda não chegou pra sociedade brasileira essa ideia clara de que a leitura é fundamental no seu desenvolvimento intelectual. Então a sociedade ainda não sabe isso, ela sabe que precisa fazer ginástica pra ficar magro, sabe como fazer pra não ficar doente, mas a questão de trabalhar a sua cabeça, o seu alimento intelectual, ela não sabe disso. E a gente vê hoje com tantos movimentos a favor da leitura, verbas que chegam às escolas, mas ainda não aprendemos a ter o livro ao nosso lado, na nossa casa, ainda não aprendemos a ter um lugar para o livro na nossa casa. São poucas as pessoas que tem sua pequena biblioteca e tudo mais.
P/1 – É verdade. Fala dessa interação com os leitores mirins, como é que é?
R – Ah, na verdade essa interação com os leitores é que me alimenta, que é desse encontro que eu trago novas ideias. Às vezes uma palavra que uma criança fala num determinado contexto, num contexto que a gente está vivenciando ali no momento, dali sai uma nova história. Então é muito legal isso. Isso alimenta o meu trabalho.
P/1 – E tem esse retorno? “Olha, eu li e gostei”. E quando cresce acompanha você? E manda carta? Como é que é?
R – Acompanham. E aí as pessoas quando tem filhos e começam a lidar com a leitura com seus próprios filhos, sempre fazem referência ou lembram da gente, ou levam os livros, mandam cartas, mandam e-mail hoje em dia ou nos encontros de feiras, Bienal. A gente tem sempre notícia disso.
P/1 – Você dá oficina também ou é mais contato de feira? Como é que funciona?
R – Funciona, que eu faço palestras com os professores. Com as crianças é mais um encontro para autógrafos, mas não simplesmente o autógrafo, não é? Eu converso, eles fazem perguntas, eu conto histórias, o Eliardo desenha. É um pequeno evento.
P/1 – Mas isso é muito constante?
R – Muito constante, muito constante. Assim, por exemplo, se uma escola ligar agora pra marcar, talvez eu não possa marcar mais esse ano, porque é agendado com antecedência e tem uma vasta programação. E mesmo porque a gente tem que controlar um pouco pra ficar um tempo em casa. Então, você tem que organizar diretinho.
P/1 – Você que funda a editora, como surge essa ideia? Por que fundar a própria editora?
R – Olha, a ideia surgiu do fato de ter tantos livros publicados, nós já seríamos uma editora sem ser editora, não é? Se nós tivéssemos todos os livros que publicamos em outras editoras conosco, já seria uma editora média. Então eu pensei que estava na hora de pensar nisso, mesmo porque a família está trabalhando com isso. Eu tenho um filho que é ilustrador e que agora é meu parceiro também, estou fazendo uma coleção com ele. Então eu acho que foi o momento, que as coisas foram caminhando pra isso.
P/1 – E essa editora tem essa vontade de achar pessoas também? Como é que funciona isso? É o trabalho especialmente de vocês?
R – Não. A gente tem muita vontade de ter outras pessoas e temos algumas já, mas ainda somos uma pequena editora. Então temos que caminhar passo a passo pra chegarmos lá. Vamos chegar.
P/1 – E como está sendo conciliar esse tanto de evento, mais o trabalho de escrever, mais o trabalho editorial agora?
R – É complicado, ficou complicado, mas somos uma equipe hoje, então dá para realizar. Eu, conforme eu te falei, eu já organizo tanto tempo pra fazer isso e tal, mas é complicado. Mas vamos lá.
P/1 – Mary, vocês lançaram também dos personagens dos Pingos um CD-ROM?
R – É.
P/1 – E essas novas mídias? Como é que vocês estão lidando com isso agora?
R – Então, nós estamos até nesse exato momento fazendo uma experiência. Nós estamos trabalhando os personagens em 3D. O Pingo ele foi construído assim de perfil, a gente ficou lutando um tempão para dar mobilidade pra ele. Ele até sofreu umas alteraçõezinhas agora. E agora já estamos terminando esse processo e a partir daí, da construção desses personagens em 3D, eu acho que vem muita coisa. Estamos pensando em jogos educativos, muda bastante coisa, não é? Eu fiz um projeto de alfabetização. E esse até que ganhou, ficou entre terceiro finalista do prêmio Jabuti, dois anos atrás. E eu tenho vontade de continuar fazendo livros para esse momento da alfabetização, porque eu sempre falo: alfabetizar é um processo que não tem dia, não tem hora marcada e nem ano marcado. Mas você diz assim: criança vai se alfabetizar aos seis anos; não é assim que acontece, ela se alfabetiza desde a hora que ela nasce até a hora que ela saiu lendo. É igual andar. Você não pode dizer: criança anda com um ano e dois meses. Não. Cada criança tem o seu momento, e alfabetização também é assim. É um processo que faz parte de uma série de atividades, então quando você senta e lê uma história pra sua criança que tem um, dois aninhos, você está trabalhando no processo de alfabetização dela, não é? E aí produzir coisas criativas pra esta criança, que está sendo alfabetizada, isso é uma coisa que me encanta. E eu quero reservar um bom tempo pra fazer isso.
P/1 – Mary, eu queria que você contasse a sua visão, porque depois o Eliardo irá contar a dele de trabalhar nessa parceria. Lógico que são marido e mulher, mas essa parceria profissional, como funciona isso?
R – Olha, o Eliardo e eu trabalhamos da seguinte maneira: a gente discute primeiro as ideias. Às vezes a ideia central do livro é ele que teve, ou eu tenho. Assim, depois de um tempo, a gente não sabe mais quem teve. A gente discute a ideia: “Ah, eu tenho essa ideia”; “Ah, seria para um personagem novo, seria para os Pingos”; “Não, essa ideia é boa pra essa outra coleção”. E assim, normalmente o fim da história que eu acho mais importante, como as coisas vão terminar, então a gente fica a procura das ideias. E aí depois que a história está formada, a gente faz algumas anotações e tal, e aí eu faço o texto, fazemos uma bonequinha e passo o texto para o Eliardo desenhar. Mas é sempre no meio do caminho, o Eliardo faz um desenho e... “Ah, não é por aí... Eu tinha pensado em outra coisa”, ou ao contrário, eu escrevo o texto e ele diz: “Não, aqui eu imaginei que ali fosse fazer isso”. Aí a gente vê quem tem razão, e toma. Então assim, o livro é uma parceria mesmo, as ideias dos livros, pra onde a história vai, o que vai acontecer e tal. Uma coisa legal de a gente trabalhar junto, e hoje em dia eu digo isso, porque fora eu trabalhar com o Eliardo eu trabalho com o Lucas, que é ilustrador também, trabalho com a Patrícia, que cuida da parte do projeto gráfico, a gente aprende que o que é legal é não ter competição. Quando você não tem competição no grupo as coisas andam, engrenam e andam, quando você aceita que a ideia do outro melhora a sua ideia. Quando você não precisa provar que sua ideia é melhor, quando você acaba isso. Porque quando a gente é mais jovem, eu acho que a gente tem um pouco essa vontade de proteger sua própria ideia. Aos poucos a gente vai aprendendo que não é assim que as coisas funcionam, não é? Que as pessoas se ajudam. Então quando você chega a esse ponto, aí fica tudo muito fácil, muito simples. Não tem competição. E é até engraçado, porque às vezes as crianças falam, as crianças visitam o ateliê do Eliardo, então lá com as pessoas que moram lá perto, às vezes telefonam, marcam: “A gente leu o livro, a gente desenhou, a gente pode levar os desenhos aí?”, ou: “Pode ir aí fazer uma entrevista?”. Aí chegam ao ateliê. Além dos desenhos, o Eliardo faz as pinturas, são normalmente grandes. Então o ateliê, aquele ambiente de muita pintura, e as crianças viram pra mim e falam: “Você não desenha nada?”, como eu tivesse que ficar triste pelo fato de não desenhar, entende? Assim, eu sempre digo, quando você está feliz com aquilo que você faz e está completamente consciente do que você não faz, e quando aquilo que você não faz não te incomoda, não é? Vai tudo bem, então a gente vai aprendendo. Nós somos uma boa equipe.
P/1 – Mary, quando criança tinha aquele sonho que não se concretiza de ser professora de matemática. E tem algum hoje, um sonho distante do que você faz?
R – Não poderia dizer, não. Eu sou uma pessoa assim, muito mais ligada no futuro do que no passado. E pra mim é sempre tudo que está perto, muito próximo, é tudo o que está acontecendo agora, não é? Então eu estou começando um livro novo. Acabei de voltar de uma viagem deliciosa, adoro reunir a família, meus netinhos. Quando eu ainda não era avó eu ficava: “Ah, eu estou doida pra ser avó”. Eu queria ser avó, agora eu já sou avó de cinco netos, então está tudo bem.
P/1 – O que você achou de ter participando desse projeto e de contar aqui pra gente?
R – Achei legal. Gostei. Estou muito feliz e espero ter correspondido à expectativa.
P/1 – Que bom. Obrigado pela entrevista.
R – Obrigada você.Recolher