Entrevista de Talita de Lira
Entrevistada por Gracielle Pellicel e Luiza Gallo
São Paulo, 24/05/2023
Projeto: Vidas Em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV11
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite. É um prazer te receber, e a gente sempre começa nossas entrevistas do básico, que é: qual seu nome completo, a sua data de nascimento e onde você nasceu?
R – Ok. É um prazer! (risos) Obrigada por esse convite. Bom, eu sou a Talita de Lira, nasci no dia 28 de junho de 1989, na cidade de São Paulo, na zona leste.
P/1 – Seus pais, sua família, contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Sim. (risos) Bom, eu sou a única menina, então eu tenho dois irmãos mais velhos e aí eu fui a última a nascer, sou a caçula. Então, eu fui uma gestação na qual eles não sabiam meu sexo, mas eles gostariam muito de ter uma menina e aí a minha mãe sonhou comigo, que ia ter uma menina e quando eu nasci meu pai e minha mãe ficaram superfelizes, porque era a última tentativa deles de ter um terceiro bebê, se viesse menino eles iam ‘fechar a fábrica’ (risos) e aí eu nasci. Então, foi uma felicidade imensa. E o mais interessante é que minha mãe e minha avó também são do mês de junho e elas nasceram no dia dez de junho, então o médico perguntou pra minha mãe se ela gostaria de marcar o meu nascimento pra dia dez, que ela tinha essa opção, e ela: “Não, deixa nascer (risos) do jeitinho que ela quiser”, o bebê, no caso, que não sabia que era uma menina. E aí foi isso: nasci no dia 28, no finalzinho do mês. Então, ela disse que foi um presente de aniversário pra ela quando eu nasci.
P/1 – E você sabe qual a origem do seu nome, Talita?
R – Sim. Meu nome é bíblico, é menina em hebraico, então quando Jesus disse, nas palavras bíblicas: “Menina, levante-se”, era “Talita, cumi”. Então, Talita é menina...
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Entrevistada por Gracielle Pellicel e Luiza Gallo
São Paulo, 24/05/2023
Projeto: Vidas Em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV11
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite. É um prazer te receber, e a gente sempre começa nossas entrevistas do básico, que é: qual seu nome completo, a sua data de nascimento e onde você nasceu?
R – Ok. É um prazer! (risos) Obrigada por esse convite. Bom, eu sou a Talita de Lira, nasci no dia 28 de junho de 1989, na cidade de São Paulo, na zona leste.
P/1 – Seus pais, sua família, contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Sim. (risos) Bom, eu sou a única menina, então eu tenho dois irmãos mais velhos e aí eu fui a última a nascer, sou a caçula. Então, eu fui uma gestação na qual eles não sabiam meu sexo, mas eles gostariam muito de ter uma menina e aí a minha mãe sonhou comigo, que ia ter uma menina e quando eu nasci meu pai e minha mãe ficaram superfelizes, porque era a última tentativa deles de ter um terceiro bebê, se viesse menino eles iam ‘fechar a fábrica’ (risos) e aí eu nasci. Então, foi uma felicidade imensa. E o mais interessante é que minha mãe e minha avó também são do mês de junho e elas nasceram no dia dez de junho, então o médico perguntou pra minha mãe se ela gostaria de marcar o meu nascimento pra dia dez, que ela tinha essa opção, e ela: “Não, deixa nascer (risos) do jeitinho que ela quiser”, o bebê, no caso, que não sabia que era uma menina. E aí foi isso: nasci no dia 28, no finalzinho do mês. Então, ela disse que foi um presente de aniversário pra ela quando eu nasci.
P/1 – E você sabe qual a origem do seu nome, Talita?
R – Sim. Meu nome é bíblico, é menina em hebraico, então quando Jesus disse, nas palavras bíblicas: “Menina, levante-se”, era “Talita, cumi”. Então, Talita é menina em hebraico. Minha mãe é religiosa, cristã e aí, por conta disso, ela deu o nome de Talita.
P/1 – E como foi pros seus irmãos ter uma irmãzinha? Que eram dois homens.
R – Olha, o irmão mais velho é mais tranquilo, o do meio sempre teve ciúmes, (risos) mas eles sempre me protegeram, de alguma forma. Nós somos unidos de uma maneira diferente, a gente não se fala sempre, não têm uma vivência tão próxima, mas quando acontece alguma coisa muito séria a gente se une como um ímã e resolve tudo. E o mais engraçado é que eles me escutam. Acho que por ser a única mulher também, então eu tenho uma voz ativa, por mais que eu seja nova. Então, isso é muito legal, é o que eu percebo hoje. Queria ter um pouco mais de contato, mas eu acabo tendo mais com meus sobrinhos, que eles também deixam super à vontade. Então, é isso: a gente… cada um é bem diferente um do outro.
P/1 – Você pode falar qual o nome da sua mãe e um pouco da parte dela na família, como é?
R – Sim. A minha mãe é Sandra Aparecida de Lira da Silva, por isso o nome artístico Talita de Lira, eu peguei o Lira dela, porque meu nome de nascimento não veio o Lira. (risos) Bom, a minha mãe é uma pessoa que nasceu pra cuidar da família, sempre cuidou muito da gente, sempre teve um casamento bastante difícil com meu pai, mas ela também cuidou muito bem dos meus avós e do meu tio, que tinha deficiência e faleceu tem uns dois anos, então ela é essa mãe que acolhe, cuida e que ela deixa muito de cuidar dela, pra cuidar dos outros, só que ela sempre trabalhou, sempre. Então, a minha criação foi muito disso: quando eu crescesse e trabalhasse, eu teria o meu dinheiro e minha independência. Então, isso sempre foi muito falado durante a minha criação. E a minha mãe é muito do manual: faz crochê, tricô, sempre costurou. Então, por exemplo: eu não sei quando eu comecei a costurar. Quando me perguntam eu não sei, eu sempre costurei à mão, sempre costurei na máquina, porque a gente tinha isso muito na vivência do dia a dia, em casa. Então, é isso. Tem um relato muito forte que eu estava lembrando durante essas semanas, antes de vocês entrarem em contato comigo, que é sobre a primeira violência doméstica que eu vi, quando minha mãe sofreu, eu me lembro que eu tinha cinco anos de idade e ela teve a cabeça dela jogada, atacada em cima de uma mesa e eu estava em uma visão reta, aí eu gritei bem histericamente, assustada e ela saiu correndo e eu saí correndo atrás dela e aí eu me lembro que a rua era muito longa, eu não consegui alcançá-la e ela foi embora, foi quando uma vizinha minha me pegou, me levou pra dentro da sala da casa dela, escura e me colocou escondidinha debaixo de uma mesa de costura e disse pra eu ficar ali, quietinha, porque eu ia ficar protegida e depois de um tempo que passasse ela ia me levar pra um outro lugar. E aí eu fiquei no escuro, debaixo da mesa da máquina de costura por um tempo, esperando passar e aí foi quando ela me levou na casa de uma outra vizinha, que é uma amiga de infância da minha mãe até hoje e aí eu dormi lá, até minha mãe chegar, no dia seguinte. Então, quando eu penso no meu trabalho com a moda, não foi algo que eu escolhi, foi a moda que me escolheu. E quando eu penso sobre essa corrida atrás da minha mãe é o que eu faço até hoje, com as mulheres, no Transmutações: eu continuo correndo atrás dessas mulheres que têm essas narrativas, de alguma forma pesada, angustiante.
P/1 – E você sabe por que não colocaram o sobrenome de Lira em você?
R – Sim. Quando a minha mãe nasceu, ela foi a segunda filha da minha avó, mas o primeiro filho faleceu assim que nasceu, então a minha avó ‘deu a luz’, meu avô enterrou o bebê e aí a minha avó fez uma promessa pra Aparecida, então ela disse pra Aparecida que, quando minha mãe nascesse, ela ia dar o sobrenome da minha mãe de Sandra Aparecida de Lira, que o Lira é do meu avô. E aí, quando eu nasci, a minha mãe achou que eu deveria carregar esse nome, por conta dessa promessa, então só eu e minha mãe temos o sobrenome de Aparecida, meus irmãos não têm, ninguém mais tem. Então, eu herdei e aí eu pretendo que pare em mim, mas por conta desse trio, dessa tríplice, que é eu, minha avó e minha mãe.
P/1 – Se você quiser falar, qual é o nome do seu pai? Você pode falar um pouco da parte dele, da família?
R – Posso sim. É José Albino da Silva. Meu pai é baiano, ele teve uma infância muito difícil, então ele veio muito novo pra São Paulo, com treze aninhos ele já estava em São Paulo, pra trabalhar, pra seguir a vida, e desde novo ele também sempre se viu muito sozinho. Então ele demorou muito tempo pra encontrar a minha mãe, eles têm uma diferença de idade de dez anos. Minha mãe, quando me teve, tinha trinta e meu pai já tinha quarenta. Então, eu acredito que ele ainda está nessa procura do feminino e dessa proteção. Ele se perdeu muito, mas ele sempre foi um pai pra mim, sempre acreditou na minha potência como pessoa, como mulher, apesar de ter bastante conflito com isso, também. Então, viver com meu pai, de certa forma, fez com que eu criasse uma ‘casca’, uma ‘raiz’, pra lidar com algumas questões da sociedade, do dia a dia. Então, com ele eu aprendi isso desde pequena, com o casamento dos dois, no caso. Então, eu acredito que fez ser quem eu sou. E eu sempre fui apaixonada pelo meu pai. Essa é a verdade. Minha mãe eu amo, meu pai eu sou apaixonada e eu não sei dizer por que, é uma coisa muito, muito forte, porque a gente é bem diferente um do outro, mas eu tenho muito dele em mim, muito, e de entender também algumas questões da vida dele. Meu pai, por mais que teve muitos problemas, soube educar eu e meus irmãos, nenhum dos três foi pro crime, fez mal a alguém, nós construímos famílias. A gente tem ainda algumas questões pra melhorar, mas é isso e os dois são casados, até hoje. (risos) Então, do jeito deles.
/1 – E você sabe exatamente como eles se conheceram?
R – Sim, na igreja. E foi uma coisa muito rápida, instantânea. Minha mãe se apaixonou, ele estava na igreja e aí ela simplesmente casou, teve filho em menos de um ano. Meu avós não eram a favor, eles já sentiam ali algum movimento, alguma coisa mais por questão de proteção, que a minha mãe era a única mulher, enfim, então eles tentaram proteger de alguma forma, mas foi essa a escolha dela, até o final da vida dela e o que ela protege até hoje.
P/1 – E em relação aos seus avós, como que é, ou era?
R – Olha, eu vivi com meus avós paternos... não, maternos, isso. Paternos eu não os conheci, somente por fotos e por presentes, porque como eles eram... meu avô, na verdade, pai do meu pai, já tinha falecido quando meus pais se casaram e a minha avó sabia de mim, era apaixonada por mim, só que a gente só trocava fotos e presentes quando meu pai viajava pra Bahia e voltava. Já os meus avós por parte de mãe eu lembro de tudo, então o meu avô faleceu quando eu tinha cinco aninhos, que quando teve em seguida esse relato que eu contei pra vocês eu lembro muito dele, ele fazia bolinho de chuva, me chamava pra comer, cuidava da gente, ele era lindo, ele era filho de índia, ele tinha os olhos claros e um cabelo, uma pele morena também, então ele era uma mistura de coisas. E já minha avó é filha de italiano com espanhola, então ela já era aquela pele rosada, branquinha, aquela voz potente, aquele cabelo lisinho. Eu convivi mais com ela, ela faleceu quando eu tinha dezessete anos e é isso: ela que ia no meu quarto, quando eu (risos) esquecia o ferro de passar ligado e ela ia lá desligar, me cobria quando eu já estava dormindo e sentia frio, ela ia lá, cuidava de mim, então eu tive muita, muita, muita vivência com a minha avó materna, ela foi muito importante pra quem eu sou hoje também, eu devo a esse cuidado dela, eu lembro de cada detalhe, do cheiro da pele, do talco que ela usava, do perfume, das vestimentas. Então, acredito que eu ‘puxei’ muito esse lado dela, ela era muito vaidosa e as irmãs dela também, minhas tias-avós, uma mais bela que a outra. Então eu convivi com elas de perto e foi muito bom essa relação de avós, bem gostoso.
P/1 – Você consegue descrever o cheiro dela, o estilo dela?
R – Ela cheirava aquele perfume Cristal, da Avon. Gente, que delícia! E aí o talco, tanto que a caixinha de aviamentos, agulhas, de dedais dela era uma caixa de talco que ela tirou a espuma e tinha uma tampinha, então ficava lá dentro as agulhas e os dedais, eu pegava isso, as linhas e ela passava talco e ela usava ‘pó de arroz’, naquela época. Não é pó compacto, base, igual a gente tem hoje, era ‘pó de arroz’. Esse era o cheiro dela, um cheiro de talco, ela sempre estava com esse cheiro. E a minha avó tinha o costume de comprar lingeries pra mim, tanto eu que eu amo lingerie até hoje, porque ela já tinha esse costume de comprar uma calcinha, um sutiãzinho, então, desde novinha e aí, quando eu fui ficando mais mocinha, ela: “Eu vou comprar um rouge pra você”. O vermelho dela era o rouge. E aí ela falava: “Eu vou passar um rouge no rosto”. Era blush. (risos) Eu ficava assim, porque ela tinha umas palavras que era do vocabulário dela e eu tentava entender isso, hoje eu entendo melhor e aí ela sempre se arrumava, ela amava tirar foto, então ela contratava fotógrafos, que iam com aquelas câmeras, que tinham aqueles ‘tec’, que fazia assim. (risos) Era muito incrível, montava toda uma estrutura. Ela tem umas fotos dela no quintal de casa, os vestidos que ela usava, tinha uns acetinados, uns tons verde-água, rosado, ela sempre estava com uma sandalinha, ela amava ir ao banco, receber a aposentadoria, que ela era apaixonada pelos seguranças do banco. Ai, gente, eu sempre acompanhava. E a bolsinha ela usava sempre a tiracolo, branca. E eram mais rígidas, de couro, brancas, eram as bolsas dela. E ela ia pra igreja também. Eu me lembro de acompanhá-la à igreja muitas vezes, que é a mesma igreja que a minha mãe ia. Então, ela era muito, muito vaidosa, muito cuidadosa e ela tinha dois guarda-roupas. Ai ela usava também uns xales. Ai, gente, eu vou ficar falando da avó, aqui? (risos) Era maravilhosa.
P/1 – Por que ela tinha dois guarda-roupas?
R – Amava roupa. E aí ela tinha um vestido até falecer, que era o vestido que tem uma foto dela e do meu avô quando eles eram muito novinhos, um vestido bordô, de laise, que é um tipo de tecido, tem uns buraquinhos e aí ela gostava de contar a história dela por meio das vestimentas também e usava muita saia, muito vestido, muito xale e a caixa de lenços que eu tenho é da minha avó, que eu herdei dela, então gostava muito de lenços também, então ela gostava de estar por perto das roupas dela.
P/1 – E tem alguma história marcante que ela te contou?
R – Tem. O meu avô a pediu em casamento e o meu bisa não queria deixar. Então, meu avô a sequestrou, a levou pra um quartinho e disse: “Fique aqui, que eu vou trabalhar pra gente ter uma vida muito digna” e ela ficava no quartinho, ela falava que fazia comidinha numa latinha, porque ela tinha saído fugida da casa dela, senão o pai ia matar o meu avô, o bisa. Aí, depois disso ele começou a comprar os terrenos, construir as casas, já tinha minha mãe, meu tio e tudo o mais, deu uma vida digna e quando meu bisavô morreu, antes de morrer, uns dias antes, pediu perdão pro meu avô, porque tinha desacreditado que ia cuidar bem dela. Então, foi mais uma questão de proteção, mas ele sequestrou a minha avó, (risos) de fato e a deixou longe da família, escondendo, por amor. Uma história de amor muito linda.
P/2 – Eu tenho uma pergunta, posso? Você chegou a experimentar algumas roupas da sua avó na infância? Você tem esse tipo de recordação? Lenços...
R – Sim, eu experimentei todas as roupas da avó, todos os guarda-roupas. Eu me enfiava dentro dos guarda-roupas da minha avó e da minha mãe. E minha mãe tinha um brechó também, então esses dias minha mãe estava falando: “Filha, lembra quando você pegava o sapatinho e saía andando no quintal do brechó da mamãe?” Então, eu vivia pegando as roupas delas, os xales, eu fazia igual elas: sentava no sofá, pegava aqueles xales escuros e vestia, eu queria ser elas a todo momento. Claro, tinha umas bronquinhas (risos) básicas: “Menina, tira essa roupa”, mas é isso: eu vivi dentro do guarda-roupa delas por anos e anos e anos, eu era apaixonada por isso. Era um lugar de magia, de mágica, de fantasia, era lúdico, muito gostoso. E o cheirinho delas também. Eu achava esplêndidas aquelas saias godês, minha mãe usa até hoje, então... (risos)
P/1 – Você pode falar um pouco sobre o brechó da sua mãe?
R – Sim. A minha mãe teve brechó durante a minha infância inteira e até hoje ela tem e aí foi uma forma... pergunta de novo?
P/1 – Você pode falar sobre o brechó da sua mãe?
R – Sim. A minha mãe teve brechó durante a minha infância inteira, até hoje ela tem, ela gosta muito e foi uma forma de renda na nossa família por muitos anos também. Então, ela sempre recebeu roupas de doação e revendia, porque na casa dela tem... a gente chama de salão, que era onde ficava a oficina do meu avô, quando ele faleceu minha mãe entrou com brechó. Então, foi uma forma também de substituir esse fazer dele. Esse salão nada mais é do que uma garagem, mas ele é frequentado pelo bairro inteiro, então todas as vizinhas vão lá tomar café com a minha mãe, sentam, escutam música e ficam no brechó, então é meio que uma ‘salvação’ (risos) também, pra vizinhança ter onde ir passear, conversar e é assim até hoje, sempre foi. E é isso: na minha infância eu pegava essas roupas, vestia, ficava andando pelo quintal, desfilando. Eu sempre, sempre tive roupas de brechó, minha mãe sempre vestiu a gente com roupas de brechó, de segunda mão, então sempre foi um lugar muito confortável, gostoso pra gente.
P/1 – E sua família tinha algum costume especial, comemoração que vocês faziam, ou se reuniam, um momento importante?
R – Olha, minha mãe nunca deixou de fazer pelo menos um bolinho no nosso aniversário, então ela sempre disse que comemorar aniversário é importante. Então ela se esforçava pra fazer nem que fosse um bolinho de fubá. Como meu aniversário era fim de mês, eu sempre escutava: “Ai, hoje a gente não tem presente, só um bolinho, mas quando virar o mês” – que era o pagamento – “a gente te dá o presente”. Nunca vi um presente. Já os meus irmãos fazem aniversário quase perto, setembro e agosto e é início de mês, então minha vó recebia o pagamento, a aposentadoria, eles tinham o maior bolo do mundo e eu ficava muito fula, eu falava: “Meu Deus do céu, eu queria esses bolões, essas festonas!” Às vezes chamava amigos e tal e eu nunca tinha isso. Quando foi na minha adolescência as minhas amigas se juntavam pra fazer festinha pra mim e aí eu percebi que, de fato, eu gosto de uma coisa mais íntima, uma coisa pequenininha e de bolo pequenininho, então eu sigo esse ritmo até hoje. Então, talvez festão não combinasse mesmo comigo. (risos) Mas eu sempre tive uma comemoração, de alguma forma. Então fim de ano também. Natal era sempre momento da gente ter roupas novas. Então no Natal eu e meus irmãos tínhamos aquelas roupas novas, as coisinhas, saía pra comprar todo mundo junto. E de ritual o jantar, a gente sempre jantou juntos. É o que eu, hoje, sinto falta, de sentar pra jantar, pra conversar. A gente sempre fez isso, no fim do dia sempre estava todo mundo em casa. Então, esses são os rituais que mais lembro.
P/1 – Tem algum outro parente que você era próxima, que você não contou?
R – Por conta da minha infância ter sido um pouco... eu fui muito feliz na minha infância, mas teve bastante momentos difíceis, que minha mãe tinha que trabalhar e ao mesmo tempo ela tinha que cuidar da gente. Meus irmãos eram um pouco mais velhos, então chegou um momento que eles já conseguiam se cuidar e aí eu era menina e eles tinham muito essa questão de eu ficar muito exposta. Então, eu tive a tia Laura, que não era minha tia de sangue, mas uma amiga da minha mãe, se conheceram na igreja e a tia Laura não tinha menina, só menino e ela cuidava de mim, me levava pra igreja, eu dormia na casa dela e ela me protegeu durante a infância inteira. Ela faleceu ano passado, foi uma perca que eu senti muito, muito mesmo, porque foi uma outra mulher que eu sou, porque eu a tive na minha vida. Vai saber o que teria sido de mim. E ela me educou e ela também era a mulher que dizia: “Você tem que crescer, fazer faculdade, estudar, ‘se vira’, você tem que ser alguém na vida”. Era uma mulher preta, que também teve uma vida muito difícil, mas criou bem os filhos dela e teve um casamento incrível, o meu tio Cabral está vivo e eles cuidavam muito bem de mim, e eles não eram meus parentes de sangue, então eu era a pupila e sou até hoje, tanto que ela foi perdendo a memória e quando eu cheguei na casa dela, quando ela já estava no leito, que foram os últimos dias de vida dela, ela me olhou… e ela me chamava de Tatá: “Tatá”. Aí chegou o momento que eu estava sozinha com ela e ela: “Não vai embora, não”. Já tinha minha vida, voltei e aí passaram-se umas semanas, eu voltei na casa dela e eu sentia que ela queria ‘partir’. E aí foi quando meu tio foi pegar uma água pra mim, eu encostei no ouvidinho dela e falei pra ela ir embora em paz. Aí dois dias ela faleceu e a hora que ela faleceu eu senti que foi o horário que eu liguei pro meu tio e ela tinha partido. Então, ela foi muito importante pra mim. (choro) Eu lembro muito dela. Às vezes eu estou no metrô, trabalhando, eu lembro dela. E eu estou dando aula pra uma senhorinha que tem o mesmo olhar que ela, que é a Bete. Ontem eu estava olhando pra Bete, eu ‘peguei’ o olhar dela e falei: “Nossa, igualzinho o da tia Laura”. Então também eu sei a pele, a unha dela. (choro) Ela me deu tanto carinho! Porque tinha dias que eu não podia ir pra casa e ela me protegia. Então eu, minha mãe, a minha avó, a gente a agradece muito por esse cuidado, por essa caridade. É isso. É uma das pessoas que eu mais amo. E é uma pessoa que me ensinou muito, muito mesmo. E ela não tinha estudo. Eu que a ensinei a escrever e a ler. Eu ia pra escola e quando eu saía da escola eu ia pra casa dela e a gente sentava. Ela tinha a letra mais linda do mundo! (risos) Uma caligrafia incrível! É isso. Esses dias o meu tio me deu umas fotos minhas que ela carregava na Bíblia e ela carregou sempre. Como filha dela ela me trançava. (risos) Lembro que eu sentava no chão... esses dias o meu tio me devolveu as fotos que ela carregava na Bíblia dela e ela sempre estava orando por mim, intercedendo por mim e, por conta da vida a gente acabou ficando meio distante, mas eu me lembro de, mesmo assim, até mesmo na pandemia, fazer algumas videochamadas e falar: “Tia, eu tempero o frango igual a senhora”. (risos) E foi lindo, de certa forma, eu poder ter tido esse contato com ela, nos últimos dias. E o último olhar dela, que eu lembro, é dela olhando pro meu tio, colocando comidinha na sonda dela e era o olhar mais lindo, de amor e do quanto ela o amava e amava muito. E era um olhar de despedida e de gratidão, então é isso: ela foi uma mulher muito, muito importante. Parte da garra que eu carrego tem muito a ver com o que ela me ensinou. Foi longa essa, né? É assim mesmo, o povo chora? Gente, estou até desmontada aqui. Assoar o nariz? Quero. (risos)
P/1 – Você comentou que você nasceu, foi criada em São Paulo. Em que bairro você foi criada?
R – Sim. O bairro se chama Jardim Coimbra. Ele fica próximo... na zona leste de São Paulo, entre Itaquera e Artur Alvim, que são as estações de metrô mais próximas. É periferia e quase extremo.
P/1 – E como era a casa da sua infância? Ela ainda existe?
R – Existe. É uma casa - o terreno é amplo – plana que a gente chama, é grande e era a casa dos meus avós na frente e a casa do fundo era nossa, que era dos meus pais e minha e dos meus irmãos. Hoje a minha mãe ocupa a casa da frente com meu pai e o meu irmão mais velho e o meu irmão mais novo, que é casado, ocupa a casa do fundo. É quintalzão, rua, ‘arinha’, garagem, essas coisas. Ela é estilo de desenho de casa americana. Naquela época o meu avô comprou um lote, era uma fazenda, então era isso a zona leste: morros e fazendas, chácaras, enfim. E aí ele comprou um lote e construiu a casa. Então, você comprava o terreno e construía a casa. Foi o que meu avô fez. É.
P/1 – E você brincava bastante na sua infância, na rua?
R – Muito, muito, muito, muito, muito. Eu sempre falo isso. Eu era cantora na infância, eu também tinha a minha parte de escritoriozinho, adorava, brincava muito de boneca, mas eu era mesmo apaixonada por ursos, então eu tinha ursinhos. (risos) Adorava. Eu tive que desfazer, porque eu comecei a fazer a faculdade, eu tive que dar meus ursos, porque tinha que entrar os livros. Ou era livro, ou era urso. Então... (risos) amava.
P/1 – Você e sua família tinham costume de ouvir rádio, assistir TV?
R – Sim, sempre. A gente sempre escutou rádio, vitrola a gente tinha, inclusive, discos, TV sempre teve em casa. Eu comecei a assistir TV depois de uma certa idade, porque meu pai não deixava eu assistir tanta TV assim e aí eu fui ter TV no meu quarto mesmo depois de muito tempo. Hoje eu opto por não ter, por exemplo, mas eu tinha curiosidade de ter a minha TV, porque eu demorei muito pra ter. Brinquei muito na rua também. A gente estava falando de infância, eu tenho amigas de infância, de brincar na rua, até hoje, tipo irmãs, porque eu não tive irmã de sangue, então elas são minhas irmãs. Então, a gente brincava na rua, de tudo. Ai, gente, carrinho de rolimã, bicicleta, patins, jogava bola, vôlei, então a gente foi uma das últimas gerações do bairro, de brincar na rua de fato e não ter essa questão de violência, por exemplo. Tinha toda essa problemática na época, mas não tanto quanto é hoje. Então, a gente vivia em grupinhos, em blocos e aí eu me lembro que eu tinha horário pra entrar em casa, o máximo era nove horas. Eu entrava, esperava meu pai dormir, eu já estava de banho tomado, eu pulava o portão pra poder encontrar meus amigos de novo, (risos) principalmente em período de férias. (risos) Então, tinha umas coisas que a gente lembra até hoje, quando a gente se encontra. A gente era muito feliz, muito, muito mesmo.
P/1 – Quando você lembra da sua infância tem alguma comida, aquela comida que a gente lembra com carinho, sabe?
R – Milho cozido. Eu fui esses dias na casa dos meus pais e eles tinham cozinhado milho e colocaram na cumbuca, eu comi todos. E esses dias meu pai me ligou e falou: “Filha, você vai vir de novo? Eu vou cozinhar mais milho pra você, porque a sua mãe falou que você comeu com tanto gosto!” Eu cheiro o milho, fico cheirando o milho. O que acontecia? Minha mãe pegava aquela panela de pressão enorme, colocava os milhos dentro, cozinhava, eu tirava aquele milho da água, colocava na cumbuca e levava pra laje, porque lá na casa da mãe tem uma laje e eu sempre fui lunar, eu sempre gostei da noite, de ver a lua e a lua batia na minha casa e refletia luz, então eu gostava de sentar em cima do telhado e comer milho ali. É isso. Ninguém sabia disso. (risos) Ninguém nunca soube disso. E aí o milho é uma das coisas que mais me faz lembrar da infância, que era muito gostoso. Ainda é, eu amo.
P/1 – E você ficava olhando pra lua enquanto comia milho?
R – Sim. Sempre fui da lua. Esses dias eu fui na casa da minha mãe à noite e percebi uma luz batendo bem no quintal, em frente ao portão. Eu falei: “Nossa, de onde é essa luz?” Quando eu olho, pum, a lua. Então ela é muito assim: “Oi, tudo bom?” Ela bate de um jeito ali, um céu muito aberto que tem ali, porque a maioria é casa. No Centro a gente tem muito prédio, acaba não tendo essa visão da natureza e o céu muito estrelado também, então a gente... eu, no caso, sempre fui muito mais da noite. Pra você ter ideia vai coruja lá e fica piscando assim, pra você. A coisa mais linda. Então, era isso: eu tinha a laje como refúgio. Então, tem um lado meu que é melancólico. Então, eu gosto de ficar sozinha, aí eu subia pra laje.
P/1 – Você tinha algum sonho de ser alguma coisa, quando crescesse?
R – Tinha, cantora. Tanto que eu fiz canto coral, teatro, dança e eu queria cantar, ter uma plateia. Hoje eu vejo que não era sobre isso, porque depois que eu fiz moda eu queria ensinar sobre moda. Então, hoje eu dou aula de moda. E dar aula tu tem que gritar, falar alto, ter uma comunicação num nível e aí eu vejo que essa é a minha comunicação de fato. Então, eu treinei bem cantando, (risos) no quintal de casa. Eu amo cantar, mas hoje eu não canto tanto assim, pras pessoas me escutarem. Antes eu cantava mais, agora eu canto... mas eu canto quase todo dia. (risos) Adoro.
P/1 – A sua primeira escola era perto da sua casa?
R – Não. Aliás, o prezinho era, descendo a rua de casa. Já na escola da primeira à quarta série foi muito longe, por quê? Porque quando eu terminei o prezinho, eu terminei adiantada, porque eu faço ano no meio do ano... faço aniversário no meio do ano, então quando eu terminei o prezinho a minha mãe foi numa escola perto de casa... minha mãe é muito incrível: ela foi numa escola e eles disseram: “Não, ela não vai entrar agora, porque ela está adiantada”. Minha mãe falou: “Ela não vai ficar parada, ela vai estudar” e ela foi numa escola muito longe, pra me aceitarem e ela me levava todos os dias pra essa escola e me buscava todos os dias, sem exceção. E naquela época não tinha perua escolar, foi começar a ter, mas também a gente não tinha dinheiro pra ficar bancando. Chegou um momento que minha avó até falou assim: “Ai, a vó pode pagar uma perua pra você”. Falei: “Não, vó, fica com seu dinheiro, a gente dá um jeito”. Eu fiquei quatro anos, da primeira à quarta série, indo a pé pra essa escola, voltando, com uma mesma professora também, a professora Edna, incrível e aí, depois, do ensino fundamental pro ensino médio, da quinta ao terceiro ano foi uma escola um pouco mais próxima de casa, que foi quando eu comecei a ir sozinha pra escola.
P/1 – E além da professora Edna, teve alguma outra professora que te marcou, nesse período escolar?
R – Tem a Cris, que é minha amiga até hoje, ela me deu aula no ensino médio, no primeiro ano e ela tinha um brechó. Aí eu grudei nela, falei: “Minha mãe tem brechó também”. Aí nós viramos amigas. Ela tem brechós hoje, uns dois brechós, que é o qual eu tenho collab com ela, a gente grava vídeo e faz outros trabalhos e aí a gente é amiga até hoje, então eu tinha quinze anos quando a gente fala que ela me adotou, fui trabalhar no brechó dela e aí foi quando, de fato, eu conheci a moda, no brechó dela, aprender sobre marca, via as revistas de moda, ficava vendo revista Vogue, que ela comprava, a gente fazia feiras, eventos, Mercado Mundo Mix, viajava e o brechó que foi me ensinando sobre moda e foi quando eu fui entrando e estudei, depois.
P/1 – E foi seu primeiro emprego?
R – Eu comecei a trabalhar com 12 anos. Eu fui numa confecçãozinha, embalar roupinhas de bebê que ia pros Estados Unidos, eu lembro, na época. A gente embalava e ia o lote pros Estados Unidos. Então, foi meu primeiro trabalho. Depois disso trabalhei em telemarketing, com vendas e aí, quando eu estava no ensino médio, foi quando eu perdi a minha avó e precisava pagar as contas de casa, então foi quando a Cris me chamou: “Vem trabalhar comigo”. Aí foi quando começou. Eu fiquei lá de uns três a quatro anos com ela, um tempão. Aí depois que eu fui trabalhar em outras coisas, em outras empresas.
P/1 – E foi isso que abriu sua mente pra pensar em moda?
R – Foi nesse momento, porque eu estava no brechó e eu me lembro que eu fui numa unidade do Senac pedir bolsa pra fazer um curso de idiomas, de inglês e aí a técnica, na época, foi muito olho clínico, olhou pra mim e falou: “Vem cá” e eu entrei na sala dela, ela falou: “Você não vai fazer um curso de idioma, você vai fazer um técnico”. Aí eu: “Ah”. Aí ela me mandou pro Senac, que tinha fotografia. Aí eu (risos) fui pro Senac, já estava tudo certo, aí eu falei: “Não quero, eu quero moda” “Moda não é aqui, você vai pra outra unidade”. (risos) Aí ficou me mandando, até que eu cheguei em uma das unidades que tinha moda e solicitei bolsa, então eu ganhei bolsa no curso técnico. Foi aí que deslanchou, aí eu comecei a trabalhar, fazer desfiles, bastante coisa, backstage e aí, depois de um tempo eu continuei, até que fiz a graduação, a pós, enfim.
P/1 – E você é a primeira pessoa da sua família a ter faculdade?
R – A única. Não, não, tem um primo da minha mãe que é engenheiro, se formou em engenharia, que é o João. Ele foi primeiro. E eu, por parte, no caso, da família da minha mãe. E aí do meu pai a única. E da minha a única.
P/1 – Como foi pros seus pais quando você se formou? O que eles sentiram? Porque sua mãe tem um brechó também.
R – A minha mãe me ajudava a fazer os trabalhos da faculdade, pra você ter uma ideia. Ela me pegava chorando várias vezes, ela: “Vem aqui, filha” e me ajudava, eu entregava o negócio maior lindo, (risos) era ela que tinha me ajudado a fazer, que eu tinha que trabalhar e estudar, então ela, nossa, aliviou muito o meu lado. E o meu pai, quando eu me formei, que teve a colação, teve um certo dia que ele falou que o maior orgulho dele foi porque eu me formei. Ele me chama como estilista. Ele sai falando pra todo mundo: “Minha filha é estilista”. Então, eles falam com boca cheia, têm muito orgulho, é muito incrível, mas de uma forma carinhosa, não ‘se sentindo’, não como um prêmio, mas uma coisa muito ‘uau’, com carinho.
P/1 – Assim que você saiu do brechó, ou seja, depois dele você foi trabalhar com quê?
R – Depois do brechó? Nossa, eu fiz tanta coisa! Eu trabalhei em empresa de tecido, em confecção, em biblioteca. Quando eu ganhei a bolsa da graduação, que foi pelo Prouni, eu estava em uma biblioteca e foi lá que eu consegui a maioria dos meus livros de moda, porque eu tinha desconto, então foi meio que um caminho que eu tive que percorrer. E foi aí que eu entendi sobre acervo de moda, porque quando você pensa em acervo tem toda uma questão de catalogação também, de registro, então essa parte dos livros me fez entender também esse contexto de acervo, no qual eu tenho especialização. Então, teve alguns percursos que eu tive que passar pra, de fato, chegar onde eu estou hoje e alguns não têm muito a ver, mas têm, com moda. Então, nossa, trabalhei em muitos lugares. Trabalhei até em farmácia, como atendente. (risos) Que era isso: tinha que pagar as contas, estudar, então eu ia meio que me movimentando, dessa forma, até chegar onde eu queria.
P/1 – E como você chegou até a Modateca?
R – Eu fazia faculdade no Senac e aí eu fui um certo dia na biblioteca e falei: “Quero trabalhar aqui”. Aí a ngela, na época, que era bibliotecária, falou: “‘Fia’, não tem vaga hoje” e eu estava em um semestre que não podia, fazendo estágio, era bem início de faculdade e eu já conhecia a Modateca e tinha me apaixonado, porque era isso: acervo e moda, então tinha muito a ver com brechó, museu, vestuário, era esse ‘mundo’. E aí, antes disso, eu fui trabalhar numa outra empresa, que era de fabricação têxtil mesmo, de tecido, aí foi quando eu fui aprender sobre tecidos e aí eu cheguei um dia na ngela de novo e falei: “Agora eu sei sobre tecidos também. E aí, não vai me pegar, não?” Aí ela: “Ainda não”. Aí teve um dia que ela me ligou e falou: “Chegou sua hora”, eu fui fazer estágio. Quando eu fui fazer estágio tinha uma outra menina trabalhando comigo como fixa do setor e ela falou: “Tali, eu estou saindo, você entra no meu lugar” “Como assim?” Foi quando eu passei de estagiária pra fixa, no setor. E aí uns anos se passaram, a ngela saiu e ela era responsável pela Modateca, ela era bibliotecária responsável, com especialização em têxtil. E eu fiquei e hoje eu sou a responsável, (risos) então foi meio que um caminho.
P/1 – E como é o dia a dia do seu trabalho?
R – Eu atendo bastante alunos, eu faço aulas técnicas, visitas técnicas, cuido do acervo, tenho demanda de pesquisa, vem pesquisadores, às vezes tem que fazer uma consultoria sobre o acervo. A Modateca é um dos lugares que tem os acervos mais incríveis de moda do Brasil. Ela não é um museu, mas ela é um setor especializado, institucional e educacional. Então, a gente tem acervo de figurinos do Ney Matogrosso; de estilistas nacionais, como Fernanda Yamamoto, Mario Queiroz, João Pimenta; do Ugo Castellana também, que faleceu recentemente. Ele é italiano, mas desenha uma moda brasileira. E aí eu fico intermediando esse espaço, o cuidar desse espaço, fazer o atendimento desse espaço pra instituição e aí, quando vem alguma demanda, eu que sigo com essas tratativas.
P/1 – Tem alguma história interessante enquanto você realizou esse trabalho?
R – Na Modateca? Nossa, sempre tem. Segunda-feira foi o desfile do João Pimenta, no Teatro Municipal, um dos estilistas, que é nosso diretor criativo do curso de moda do Senac e ele realizou um desfile no São Paulo Fashion Week, de vinte anos de carreira, que é o SP São Paulo Fashion Week Origens, dentro do teatro, porque ele tem muita essa familiaridade com figurino. Figurino e moda são diferentes e aí ele veio e quebrou isso de alguma forma, por meio do desfile. Eu não me lembro de ter visto um desfile de moda no Teatro Municipal e foi uma apresentação espetáculo, normalmente os desfiles têm uma duração menor, mas dessa vez foi um espetáculo mesmo, acredito que durou cerca de meia hora e era uma pianista que fez a trilha sonora. Então, quando ela deu a primeira nota caíram lágrimas, porque é nesse momento que você vê que tudo que passou na vida e pela profissão que escolheu, ou no caso que eu falo que a moda me escolheu, o quanto vale a pena, porque é nesse lugar, ambiente que você sente o coração batendo forte e sabe o quanto ama isso, então foi um presente e eu só tive esse presente por conta que eu trabalho no Senac e eu consigo ter esse acesso a esses estilistas e é uma delícia sentar com o João Pimenta e criar, com Jum Nakao, com aqueles que eu olhava e via como distância e agora consigo criar junto com eles, então é muito gratificante, eu me sinto muito, muito honrada por isso.
P/1 – E você também trabalha com desfile?
R – Sim.
P/1 – Como é o dia a dia de trabalhar com isso?
R – Olha, ontem, por exemplo, eu tive uma aula na Fábrica de Cultura, no Núcleo de Moda, pra poder passar pra eles como eles tinham que realizar um desfile que vai ser amanhã, que é o projeto final da disciplina que eu estou dando pra eles. A Fábrica de Cultura... eu falei Fábrica de Moda antes? Não sei, eu acho que eu errei.
P/1 – Você falou Fábrica de Moda.
R – É, eu estou ‘doidona’, já, gente. Voltando: tam tam tam tam. A Fábrica de Cultura criou o primeiro curso de moda na periferia, que se chama Núcleo de Moda. É como se fosse um curso técnico de moda gratuito, pra ‘galera’ que mora na periferia. Moda é um dos cursos mais caros que a gente tem no Brasil e talvez até no mundo. Então, eles terem acesso a tudo isso e eu ter sido escolhida pra ser uma das educadoras deles é muito gratificante. Então, ontem eu simplesmente cheguei na sala e falei: “Vocês vão criar um desfile e aí vocês precisam ter equipe de produção, equipe de style, hair stylist, maquiadora, casting, quem vai cuidar desse casting, quem vai fazer a direção do desfile, no caso da passarela, quem vai fazer a trilha e a arte, pra divulgação. Simples, ‘se virem’”. Eles me entregaram isso em três horas e vão fazer o desfile amanhã. Quando eu olho isso, eu penso: “Uau!” Uma porque como eu sei falar e passar toda essa informação? Eu sei porque eu vivi isso e eu vivi fazendo muito trabalho de graça, inclusive. E de ter a segurança de passar pra eles e de ir conduzindo-os nesse lugar. E o mais incrível é que eles conseguem me entregar. Eu tenho tudo em um grupo de trinta alunos: hair stylist profissional, DJ profissional, maquiadora profissional, modelos profissionais, inclusive, na favela. Então, eu fiquei, eu fico ‘babando’ neles, (risos) essa é a verdade. Ontem eu falei pra eles: “Eu ‘pago um pau’ pra vocês”. Eu sou apaixonada, porque eu fico admirada: eu jogo pra eles, eu não os deixo quietos um segundo e eles pegam muito rápido, eles vão ter que fazer por meio de desfile uma linha do tempo do que eles aprenderam na matéria. E está pronto, está lindo, me mandaram convite hoje. Quem vai fazer a arte? É uma tatuadora que está fazendo. Quem vai fazer a arte? É uma aluna que é tatuadora, então é muito incrível poder criar dessa forma, ir ‘costurando’ junto com essa ‘galera’ essa narrativa. Eu estou muito feliz, muito mesmo. Nem lembro qual é a pergunta, (risos) que eu fui falando.
P/1 – Era sobre a vivência mesmo na Fábrica de Cultura, como educadora, mas você respondeu.
P/2 – Você fala que a moda te escolheu. Eu queria saber o que te encanta na moda. O que te encantou, nessa linguagem, nesse jeito de se expressar?
R – A moda, pra mim, é uma espécie de proteção. Quando a gente fala de vestimenta, de adorno, de adornar-se pra ser é tão sobre o eu, sobre a gente, sobre a pessoa, o comportamental. É uma linguagem, expressão e aí eu fico lembrando dessas narrativas da minha vida, de eu sempre estar em contato com algo que traz esse conforto, desde uma cobertinha que me acolhe, que eu pego ali o tecidinho e sinto: “Ai, que delícia, que gostoso!” Desde esse quentinho, daquela roupa também muito firme, que traz uma segurança, de uma fluidez, de você passar um cachecol em volta do pescoço, da textura, do cabelo, tudo isso pra mim é muito apaixonante e esses dias um colega meu disse: “Você respira isso” e eu: “Verdade”, (risos) porque é tão natural, então eu acho que é muito nesse lugar do conforto, da segurança que ela me traz e do quanto é engraçado, porque ela sempre foi pregada como algo elitizado, às vezes algo fútil, eu não a vejo nesse lugar, assim. Eu a vejo como algo grande, como uma deusa e de diversos tipos de expressão, de diversas formas. Então, ela transita entre a gente. Eu brinco: “Ninguém sai pelado na rua” e mesmo que saísse a pele já é essa primeira vestimenta, esse primeiro tecido. Então, é nesse lugar, assim. Pra mim é uma poesia e viver essa poesia no dia a dia me traz um refúgio, um acalento, então é isso que é a moda, pra mim.
P/1 – Você comentou que moda é um curso elitista, porque é um dos mais caros, também.
R – Ele é.
P/1 – Mas você acha que as coisas estão mudando?
R – Estão. O Núcleo de Moda está aí pra dizer isso. Eu faço questão de escrever essa história com eles. Eu estou com ‘sangue nos olhos’. Essa ‘galera’, não está entendendo, eu os vejo longe, grandão e é o primeiro grupo escrevendo essa história. Então, eles têm ainda essa, digamos... como se diz? Eles têm que, não têm opção. E eu deixo isso muito claro pra eles: “Vocês têm que escrever muito bem essa história. Vocês já estão escrevendo, eu não estou nem aí, vocês vão ter que dar um jeito”. (risos) E eles estão superpreparados também, então é isso: a moda nasce, sempre nasceu na periferia. O que acontece é que tudo que é da periferia a elite se apropria, toma conta e quando volta pra periferia a gente já não tem mais esse direito. Então, a ideia é que esse grupo entenda isso, firme esse pacto e na hora que a elite vem se apropriar, eles falem: “Não, desse jeito não. Ou leva a gente junto, ou vai ficar aqui”. Então, é isso que eles estão fazendo agora e eles estão com a ‘bola toda’ na mão, pra ‘sacar’. O ‘saque’ é deles agora. Eu acho que ninguém vai conseguir chegar muito perto, que eles estão bem potentes. Antes a gente tinha uma certa vulnerabilidade de idealização, de intelecto. Isso a periferia não tem mais falta, porque eles sabem fazer isso muito bem. Então, a gente só vai observar e um dia a gente toma um café e conversa sobre. (risos)
P/1 – E o Projeto Transmutação, como surgiu na sua vida?
R – Olha, o Transmutações veio num momento meio de revolta minha. Estava na pós-graduação, tinha que fazer o TCC e aí: “Vamos fazer um trabalho de moda”. Eu falei: “Eu estou de ‘saco cheio’ de ficar fazendo monografia, escrever, faz pesquisa e depois guarda na gaveta. Eu vou fazer algo pro povo, pra dar algo pra alguém”. E aí eu já tinha feito uma promessa pra Deus, que caso eu ganhasse a bolsa na faculdade, eu faria um projeto social, agora como, não sei. Passaram-se anos, chegou a pós-graduação, eu falei: “Bom, aprendi sobre consultoria de moda, isso é sobre pessoas, acho que eu posso devolver isso pra sociedade. Qual o grupo que eu quero trabalhar? Mulheres, óbvio”. E aí, conversando, tentei entrar em contato com alguns grupos, na época eu pensei até em domésticas e tal, aí foi quando eu entrei numa página no Instagram e encontrei Treino na Laje, que é da Sophia Bisilliat, ela leva yoga pra mulheres que moram na periferia. Eu entrei em contato com ela e falei: “Eu tenho um projeto pra realizar, de consultoria de moda, com as suas meninas, você topa?” Ela: “Eu vou ver”. Assim, de primeira. (risos) Aí eu liguei pra Sophia Bissilliat e perguntei se ela deixaria eu realizar a consultoria de moda com as meninas, ela falou: “Eu vou ver com as meninas” e aí elas se apaixonaram, elas se chamavam de Meninas da Moda. Fui conhecê-las, porque a periferia é assim: você tem que pedir licença pra entrar. Também não é de qualquer jeito. E fui fazendo Transmutações, até que eu falei, elas me perguntaram: “Você vai fazer consultoria de moda e o que mais?” Eu falei: “Vou fazer editorial fotográfico com vocês, depois uma exposição”. Gente, eu não tinha dinheiro, (risos) não tinha nada, só tinha eu, só existia eu e aí a Vivi conheceu a Thais, que é a fotógrafa dos Transmutações, em um dia, no Treino na Laje. Perguntou pra Thais: “O que você faz?” “Eu tiro foto” “Eu vou te passar o contato da Talita e vocês conversam. Ela precisa de uma fotógrafa pro projeto”. (risos) E aí eu e a Thais nos encontramos, conversamos, a ideia ‘bateu’ na hora e a Tha começou a acompanhar comigo as consultorias de moda, fez todo o editorial fotográfico da primeira edição do Transmutações e a gente realizou uma exposição no final do projeto, que foi quando eu entreguei de fato minha monografia, eu não queria nem saber mais de entregar monografia, (risos) eu queria saber de lançar a exposição e de contar essa história. A gente ganhou uma matéria na revista TPM, na época, que foi um super presentão pra nós e aí, depois disso, o Transmutações continuou. Na segunda edição nós já conhecemos o Samuel, que ele começou também a tirar foto e tal e ele veio com a parte de audiovisual, então hoje a gente é um coletivo, Transmutações é um movimento e todo método do Transmutações, de fato, quem criou foram as meninas, porque hoje eu atendo as minhas clientes particulares, com o método que elas criaram, que a gente foi meio que fazendo, no Transmutações, muita coisa em grupo, muita coisa que não funcionava na metodologia antiga de consultoria de moda e aí eu fui redesenhando. Então, hoje, tudo que eu tenho veio do Transmutações e as clientes particulares se conectam com meu trabalho de consultora por conta do Transmutações, o que é mais incrível ainda. E a Fábrica me chamou por conta do Transmutações e (risos) vocês me encontraram por conta do Transmutações. Então, eu costumo dizer que é um movimento e é vivo, eu não tenho controle sobre nada do Transmutações. Eu só vou meio que direcionando com as minhas ideias e aí tem todo esse coletivo e a gente vai seguindo. Então, acredito que em breve a gente vai conseguir realizar mais coisas pro projeto.
P/2 – Como funcionam esses encontros? Se você puder contar um pouquinho pra gente.
R – Do Transmutações? Conto.
(01:05:40) P/2 – E também se teve alguma pessoa, alguma história que, de alguma forma, nessas duas edições, foi muito marcante pra você, que você carrega junto?
R – Nossa, todas, não tem uma pra escolher. Eu vou falar, então, de uma forma geral. O Transmutações a gente realiza os encontros de consultoria de moda no coletivo, com todas as mulheres juntas, porque desde o início do projeto eu percebi que nós, mulheres, temos dúvidas parecidas e quanto mais a gente troca, mais enriquece o diálogo e a aprendizagem. Então, a gente se encontrava numa casa, da Vivi, tomava um cafezinho e ficava ali. Só no final, que era a parte de revitalização do guarda-roupa, que eu tinha que ir na casa delas ver o guarda-roupa de cada uma e criar os looks, pro editorial, inclusive. O que é mais interessante no Transmutações, do ensaio fotográfico, que a gente já entra com essa parte de fotografia, que também não é um acesso simples pra quem mora na periferia: pagar um fotógrafo, fazer um ensaio e se ver na frente das câmeras e depois ali, na imagem, que a gente trabalha com fashion e sensual e o sensual a gente traz essa questão do corpo, da resistência e toda vez que eu falo: “Vou fazer um sensual” todas elas aceitam. São mulheres casadas, solteiras, viúvas, que já passaram por vários tipos de histórias, então é um dos momentos que eu mais considero, até mais que a consultoria de moda, importante pra elas. É ali que elas renascem, no ensaio fotográfico. E aí, de ter toda essa direção, da Thais, do Samuel, eu cuidando ali da parte do style, é um carinho com elas. Isso cura a gente de uma forma que a gente não consegue descrever. Toda vez, o que a gente tem de retorno é essa cura também que acontece com a gente, por se oferecer algo e oferecer nada mais que a nossa profissão como técnica e como pessoas. Então, as histórias são... nossa, tem meninas, por exemplo, que falam: “Eu voltei a estudar, agora eu quero fazer uma faculdade. Eu comecei a fazer faculdade. Estou fazendo um curso de...”. E aí tem meninas: “Eu comecei a fazer um curso, pra poder abrir um salão”, ou: “Eu não me despia na frente do marido, nem ele na minha frente, agora, depois de quinze anos de casamento, a gente consegue ter essa intimidade”. Então, os benefícios vão pra além delas: vai pra família; pros filhos; pro marido; pras amigas, elas dividem com as amigas; pras empresas que elas trabalham, as casas que elas trabalham; os lugares que elas vivem, convivem e o mais bacana: elas começam a olhar o lugar que elas moram, os espaços, as ruas, as vielas, os becos, os grafites de outra forma. Elas começam a ver as cores, as texturas, a olhar melhor pro céu, a ver a vida de uma outra forma, então a ‘lente’ muda. É o que nós temos de retorno sempre, quando a gente conversa com elas, então é muito, muito rico e aí, para além disso, existem consultoras que muitas vezes vêm falar comigo que se inspiram no meu projeto. Então, esses dias, uma das consultoras levou um projeto pra um encontro que ela teve no Fashion Revolution, pra poder falar, que ela inspira da maneira que ele acontece. Isso não tem preço, de você, de alguma forma, inspirar e ser útil pra alguém, seja intelectualmente, no dia a dia, enfim, então é muito nesse lugar, de ser gratificante. Quando eu estou a serviço dos Transmutações eu costumo dizer que eu mudo, (risos) eu brinco, na verdade, eu falo: “Eu acho que recebi uma entidade, não sei”, porque é muita história ‘pesada’. Muita, muita, muita. Eu não sei se é porque eu já vivi algumas coisas também, que quando elas contam eu não me emociono, eu também não me permito chorar, porque não é sobre a minha vida, é sobre a vida delas. Então, quando elas estão relatando alguma coisa pra mim eu só estou na escuta e aí eu tento imprimir aquilo de alguma forma, no trabalho que eu estou fazendo com elas. Então, é o momento delas. Então, eu sou como um instrumento pra elas, ser usada ali como um instrumento mesmo, pra elas conseguirem tirar alguma nota, algum som dali. Então, é nesse lugar, assim, e eu sinto isso também na Fábrica, é a mesma sensação. Eu sou de um jeito no meu dia a dia, que nem aqui, com vocês, eu estou Talita, (risos) entregue, mas quando eu estou a serviço do Transmutações ou da Fábrica eu crio como se fosse uma casca e vou, só miro e vou. Então, isso é muito interessante e eu andei percebendo, ao longo dos processos que vêm acontecendo, tanto no projeto, quando na Fábrica.
P/1 – E como funcionam essas consultorias? Assim, por exemplo: se você for explicar pra uma pessoa que não conhece muito bem.
R – A maioria não conhece, porque saber sobre si é muito difícil. A consultoria é um caminho de autoconhecimento. Então, quando as pessoas vêm procurar sobre a consultoria, seja por meio do Transmutações, ou uma cliente, pra fazer um serviço mais exclusivo, é: “Estou insegura, não consigo me encontrar e eu sei pra onde eu quero ir”. Então, sempre existe uma conversa antes, pra gente traçar juntas a consultoria de moda, ou seja: os encontros, os atendimentos pra analisar o estilo, fazer uma análise de coloração pessoal pra poder fazer a revitalização do guarda-roupa, pra poder se olhar no espelho, a maioria das pessoas não se olha no espelho, pra poder se reconhecer como pessoa, em qual lugar, em qual momento ela está. Então, com cada pessoa é diferente, mesmo fazendo no coletivo Transmutações, cada uma é um estilo, tem uma narrativa diferente, somos indivíduos. Então, é mais de captar isso, entender isso, dar a mão e andar junto. É o que eu costumo dizer. Elas que vão me falando, que me conduzem, na verdade. Eu entro com técnica, com auxílio, mas são elas que fazem tudo acontecer. Então, a consultoria de moda é muito nesse lugar de estar perdido, mas querer expressar alguma coisa e aprender essa linguagem de como vai comunicar. Então, é um caminho de autoconhecimento, mesmo, complexo, mas muito compensador. Quem se entrega pra isso, porque leva um tempo também, é sempre incrível.
P/1 – Pensando em tudo que você contou pra gente, você acha que houve muitas transformações na indústria da moda, do momento que você iniciou, até agora?
R – Você diz que eu iniciei a moda, ou Transmutações...
P/1 – Não, no geral, mesmo.
R – No geral? Muita. Não tinha livros direito, de moda, quando eu comecei a estudar. Hoje a gente tem mais livros, tem pessoas questionando, ‘batendo martelo’. Eu aprendi uma metodologia francesa. Hoje a gente já tem metodologia nacional. Então, mudou muita coisa. Eu vejo os grupos hoje muito mais diversificados. Quando eu entrei a gente tinha... eu não tinha, porque não tinha o que perder, mas tinha pessoas que tinham vergonha de falar que eram bolsistas, por exemplo. Hoje não, a ‘galera’ está falando na ‘lata’, tem descontão. Além dessa questão social, do próprio criar, de poder criar reutilizando materiais. Antes não, era vendido que você tinha que comprar material, tinha que ter o melhor trabalho se você tivesse os melhores materiais, os mais caros. Inclusive pra fazer um croqui tinha que ter um lápis mais caro. Hoje não tem mais isso, porque as pessoas começaram a questionar: “Não é nesse lugar”. Nós podemos ser criativos, fazer coisas incríveis com pouco e a criação com pouco é mais surpreendente.
P/1 – Você já realizou tanta coisa, que você contou hoje pra gente, mas você ainda tem sonhos pro futuro?
R – Tenho, bastante. Meu sonho de aposentadoria é abrir um café, um ateliê e deixar as amigas lá e a gente ficar tricotando, costurando, ‘jogando conversa fora’. Esse é o de aposentadoria, quando tiver bem rica, mas tenho um plano de fazer figurinos bacanas, assinar figurinos, publicar livros de moda dos projetos que eu realizo, inclusive o Transmutações, de ter um livro do Transmutações, de lançar um minidocumentário, de ganhar bastante edital. (risos) Tenho sonhos de viajar também e de ter a experiência de modas de outras culturas bem de pertinho, de poder registrar isso de alguma forma, contar essa história, de levar o Transmutações pra outros lugares, outros países, outras periferias, isso com a moda. Tenho, sim. Mas é tudo tão fluido. Eu falo tudo isso agora, tudo bem que normalmente elas acontecem, o que também é assustador. Eu não sei se vocês têm isso, mas tem coisa que eu falo e que passa anos e lá na frente eu estou realizando, eu fico assim: “Ahh, uau!” (risos) O universo tem esse poder, então é isso.
P/1 – E o que você mudaria na indústria da moda, se pudesse?
R – Olha, eu acho que pra ter uma mudança, a gente tem que ter guerra e revolução. Então, a gente viveu muitos anos de guerra e agora a gente está na revolução e aí daqui a pouco a gente está, de fato, escrevendo o que a gente quer. Principalmente no Brasil. A moda no Brasil ‘engatinha’, ainda é uma ‘bebezinha’. Mas eu acho que tem uma ‘galera’ vindo aí que já vai chegar em uma pré-adolescência, adolescente, jovem e que já está ‘tocando o terror’, porque eles não querem mais que escrevam histórias por eles, eles mesmos querem escrever, então eu acho que o Brasil está caminhando pra esse lugar, principalmente quando a gente fala de região, então a gente tem moda sendo escrita na Bahia, em Recife, em Pernambuco, Manaus, Acre e sair desses polos, São Paulo, Rio de Janeiro, por exemplo, que é muito a moda inspirada na moda ocidental européia, a gente está gritando que não quer mais isso, então acredito que daqui a pouco já está começando um movimento, aos pouquinhos, óbvio, mas é nisso que eu acredito: numa moda brasileira que tem, mas bem pouco, mas que vai começar a se mostrar e ela vai vir pela periferia.
P/2 – O que... eu estou te ouvindo contar do Transmutações e acho que, pra além dos encontros na Fábrica com os alunos, escuto você falando muito sobre trocas, de uma maneira geral, e está muito claro os benefícios e o que fica pra essas mulheres. E pra você, o que fica pra você, o que te marca, o que, a partir desses encontros, você passa a carregar?
R – Gente, eu vou contar da minha primeira aula na Fábrica: eu não estava nem um pouco insegura, nem um pouco com medo, nem um pouco com ansiedade. Eu estava tão animada que eu ia encontrá-los e aí eu me lembro que, quando eu entrei na sala e eles vão entrando aos poucos, por causa do horário, eu reparava, eles me cumprimentavam, tudo e eu ficava reparando nos estilos e eu ficava assim: “‘Meu’, povo bonito, estiloso” e cada um do seu jeito, e aí eu fiz uma apresentação muito corporativa, aquela apresentação: “Talita de Lira, formada nisso, especializada nisso, faz isso”. E pedi pra cada um deles se apresentar. Quando eles estavam se apresentando eu ia bem pertinho e ficava escutando. Aí eu ia, um por um. Imagina, trinta alunos! E depois disso eu voltei pro meu lugar de início, ficar na frente deles e disse pra eles: “Agora eu vou me apresentar pra vocês. Meu nome é Talita, nasci na periferia, já passei fome...” e fui falando, eles ficaram... e depois que terminou eles falaram: “Caraca, aqui é meu lugar. É a primeira vez que eu sinto que, realmente, a moda é meu lugar”. Eles não estavam com certeza disso na hora, até aquele momento. E aí eu fui contando pra eles dessas minhas narrativas, do que eu passei, o que eu faço. Então, quando eu digo de troca, é que quando eu saio de um lugar que não tinha nada pra me dar e eu fui atrás, ‘atravessei a ponte’, consegui chegar, estou ‘atravessando a ponte’ pra levar o que eu encontrei, Deus pode me levar hoje, (risos) que está tudo bem, (risos) eu me curo, que aí eu vejo o quanto vale a pena. Quando a gente está nesse lugar da moda, outras profissões também, é muito mais difícil a gente encontrar palavras de carinho, pessoas dando apoio. Quem a gente encontra a gente agarra com tanta força e não solta nunca mais e são poucas as pessoas. Por quê? Porque você não consegue andar em um lugar desse sozinho. E não é nada gostoso também andar num lugar desse sozinho. Então, essa troca, pra mim, vem no retorno de família, de aconchego, de segurança, de que ok, vai vir os desafios, mas você sempre vai conseguir o que você quer, porque é feito com amor. Então, eu sou uma pessoa muito, muito feliz, muito mesmo. Cansada, muito cansada, mas feliz, grata e honrada pela vida que Deus me deu, tanto com os desafios, sofrimentos, as dores que me fizeram mais forte ainda. Acredito que sem elas eu não conseguiria fazer um Transmutações, por exemplo, uma Fábrica de Cultura. Impossível. E me dá essa segurança que eu tenho e é isso que me faz criar também, eu crio muito mais sentindo dor, sentindo a melancolia ali, o ‘pesado’. Igual poeta, na hora que escreve aquela coisa, que você fala: “Meu Deus, de onde saiu?” Eu crio nesse lugar também. Não é na felicidade, não, mas a felicidade é essa recompensa de quando dá certo.
P/1 – Agora entendi porque você gosta de comer milho olhando pra lua.
R – (risos) Sim, sou canceriana.
P3 – Eu também.
R – Você também é assim?
P/3 - Hum-hum.
R – Eu só choro, gente.
P3 – Não, eu não choro, faz muito tempo que eu não choro.
R – Sério? Eu assisto filme pra chorar. Eu falo: “Hoje eu quero chorar”, aí eu coloco um filme pra chorar e fico ‘derretida’, aí passa, secam as lágrimas, no outro dia eu estou ‘uhuhuhu’, assim.
(01:25:14) P/2 – O que representa, pra você, qual a importância de você fazer parte dessa história, dessa revolução que, como você mesma disse, de poder não só oferecer, mas acreditar nessa forma de expressão, levar pra periferia e falar: “Aqui tem gente que faz, que pensa, que sabe se expressar dessa forma”, pensando nas mulheres, que eu acho que tem uma importância significativa na sua vida, carregando a sua tia, a sua avó, sua mãe, que sempre costuraram, bordaram e falaram da importância de ser uma mulher independente, de ter essa força, pensando em tudo que você contou e dividiu com a gente, o que representa estar nesse lugar hoje, você poder oferecer isso junto com outras mulheres e pessoas?
R – Tem um livro que eu estou lendo, que se chama O Caminho do Artista, que foi a Thais, a fotógrafa do Transmutações, que me indicou. Esse livro me ganhou por uma coisa: a autora diz que nós somos filhos do Criador, portanto o criar é a nossa essência. A gente nasce criativo e está aqui pra disseminar essa criação, de alguma forma. Então, eu acredito que Deus me escolheu pra algo, eu não sei o que, e aí eu tento contar essa história e criar coisas por meio da moda, pra ser útil pras pessoas, de alguma forma. Lá na frente talvez eu saiba desse significado, mas hoje eu não consigo saber, de fato, o que acontece, o porquê eu, porque eu sou assim, porque teve tudo isso acontecendo na minha vida e porque eu estou onde eu estou. Foram escolhas minhas? Também, claro, mas eu sinto que tem algo maior se movimentando em mim também, mas eu não consigo dizer do que, pra que, porque é uma mistura de coisas. Eu sou uma pessoa que cresci numa religião protestante, mas que eu sempre fui curiosa pra conhecer as outras religiões. Então, eu acredito nas deusas que me regem, nos meus ancestrais, nos anjos que me protegem, Deus que é muito forte em mim. Eu também acredito na minha existência como um indivíduo, então os meus gostos valem, os que eu sinto, o que eu quero, também valem. Então, eu estou a serviço. É o que eu sinto a todo tempo, que eu estou a serviço e que eu não posso parar e que eu só respiro se eu estiver em movimento. E é isso que acontece no dia a dia. Às vezes eu falo: “Ai, estou cansada, vou dar uma paradinha aqui” e aí, quando eu paro, é isso: é pra fazer um yoga e conversar com Deus; pra ler um livro e conversar com Deus, mais uma questão de nutrir essa minha espiritualidade, pra poder me manter no caminho, então tudo que eu faço é com muito amor, com muita simplicidade. Eu sofro muito por questão disso, as pessoas são muito preconceituosas com isso, mas eu não arredo pé, porque é isso que me mantém firme. Então, quando eu falo de periferia é de um lugar que eu me sinto muito à vontade. Falar com pessoas que passaram por coisas parecidas pelas que eu passei, ou que sabem a gíria que eu estou falando ali, no momento, entende, que sabe a minha linguagem, que eu não precise ficar falando de uma forma acadêmica, rígida, muito técnica e que entenda essa minha linguagem do que é criar com pouco, no escasso, na vulnerabilidade, com medo, estar exposta a todo tipo de violência. Então, é isso: a gente meio que cria uma teia, por essas narrativas, que muitas vezes são construídas com dores, mas que você sempre vê um sorriso no final, que é o da esperança. Então, a gente meio que se une e se conecta nessa questão e é muito mais espiritual, que eu sinto, do que de fato físico. O físico às vezes acontece, mas a gente vê que é uma coisa muito de dentro também e poucas pessoas se permitem isso hoje em dia, então são nesses lugares, no Transmutações, na Fábrica, com amigos meus que a gente se encontra nesse... é um presente do universo pra nós. Acredito que é isso. Eu respondi?
P/2 – Super.
R – Obrigada!
P/1 – Agora a gente vai passar pra finalização das perguntas: você tem algum relacionamento, é casada?
R – Eu tive um relacionamento de onze anos e me separei recentemente. Foi uma decisão muito difícil na minha vida, uma das mais difíceis. Eu ainda estou em transição, vivendo esse momento, tentando entender e eu só consegui me separar porque eu criei o Transmutações. Foi muito feliz meu casamento, é uma das dádivas de Deus pra mim, o meu ex-esposo, a nossa companhia, a nossa parceria, mas chegou um momento que eu quis viver sozinha, pra me curar de algumas feridas e aí eu cheguei nele e disse que eu queria me separar. Ele não entendeu muito bem, até hoje não entende muito, (risos) mas ele, no momento não compreendeu, mas respeitou e deixou eu seguir meu destino e algumas feridas já se curaram, depois que eu resolvi sair de casa, arrumar meu cantinho. Dá muito medo, principalmente de se manter financeiramente, mas um dos meus maiores medos era de me manter mentalmente e aí é um processo também, porque quando a gente sai da casa dos pais, casa e vai morar com uma pessoa e depois decide morar sozinha é tudo muito novo, muito assustador, mas Deus é tão incrível, que Ele coloca pessoas no nosso caminho, que vão meio que direcionando. E eu me lembro de ter tido também uma conversa com a Thais, do Transmutações, sobre quanto eu prego pras meninas - na época que eu estava querendo me separar – elas seguirem a vida, com as escolhas de acordo com a felicidade delas e eu estava fazendo ao contrário, eu não estava feliz no lugar que eu estava. Então, foi nesse momento que eu falei: “Ou você segue o que você prega, ou você está mentindo pra você e pra todo mundo”. Aí foi quando eu criei força, mas eu pedi direcionamento de Deus, então foi meio que: “Deus, agora eu saio do controle e está nas suas mãos” e aí fui sendo guiada. O Rodrigo, que é meu ex-marido, me ensinou muito, muito mesmo. E me ensinou também muito por meio da dor, do amor, do perdão, mas foi por meio dele também que eu decidi trabalhar minha intelectualidade. Quando a gente começou a namorar eu achava muito incrível a forma que ele dominava muitas linguagens e sabia de bastante temas e eu ainda era muito imatura, eu estava iniciando a faculdade de moda, inclusive e não sabia de muitos temas. E aí eu o via conversando com as pessoas e me inspirava naquilo, tanto que ele brinca que hoje eu ultrapassei e aí foi quando eu comecei a estudar mais, a entender mais, a pesquisar mais, a ser mais autodidata, que ele é uma pessoa muito inteligente e autodidata. Então, foi olhando-o também que eu aprendi muita coisa. Então, acredito que existem pessoas na nossa vida que vêm por um tempo, ficam, fazem a parte delas e depois a gente tem que saber também liberar. Então, eu sinto que foi mais ou menos isso nosso relacionamento, parceria. Terminou tranquilo, a gente tem um contato, uma amizade, eu terminei amando-o, ele também, e esse amor se transformou em carinho hoje, então é um lugar também que eu respeito e que eu cuido. Não tive muitos relacionamentos assim, (risos) mas eu tenho as paixões. (risos)
P/1 – Você se separou durante a pandemia?
R – Não, eu me separei depois, no ano passado, mas foi na pandemia que começou a ‘bater’ assim: “O que você quer? Como você quer? É isso que você quer?” e aí eu comecei a buscar isso de outras formas: “Vamos mudar de apartamento, vamos fazer isso, aquilo, viajar”. Eu queria buscar alguma forma porque, pra mim, não era opção sair do casamento, porque eu não tinha história ‘pesada’ pra contar. Não tinha violência, vício, abuso. Não tinha. Então, pra mim era muito perfeito, mas eu não estava feliz. Então, pra mim, essa justificativa de não estar feliz não era justificativa, até que eu tive que entender que era, me senti segura nesse lugar e na hora que eu decidi romper, qualquer pessoa que viesse perguntar: “O que aconteceu?” “Não estou feliz” “Mas...” Não tem mas, não existe mas. As mulheres podem sair de um casamento, se elas quiserem e não se sentirem satisfeitas e ponto. Assim como o homem também. Não tem que ter um drama por trás disso. Só é uma escolha. Então, eu também consegui quebrar esse paradigma entre os meus e aí, hoje em dia a ‘galera’ está bem mais tranquila de entender (risos) que eu só quis.
P/1 – E o que te fez entender que você podia sair de um relacionamento, mesmo aparentemente estando tudo ok?
R – As minhas amigas. Eu tive muito apoio de amigas me escutando e dizendo que eu podia sim, sair daquele lugar e que elas iam me dar as mãos. Então, sem elas eu não teria conseguido sair. Esse apartamento, a mudança dele foi feita por amigas, por mulheres. Cada uma foi me ajudando com uma coisinha, me apoiou: “Você quer isso? Então tá, a gente apoia”. (risos) Então, foi um coletivo de mulheres, de amigas mesmo, que eu posso contar no dedo quem são e que me ajudaram de pronto, sem perguntar muita coisa também, só: “Ah, é, tá bom, depois você me conta. Enquanto isso vamos fazendo. O que você quer?” Foi isso. Foi um dos momentos da minha vida que eu mais me senti vulnerável, que eu sempre fui o alicerce, a escuta, o apoio e aí eu precisei de apoio. Então, pra eu recuar foi muito difícil, pra eu ‘baixar a bola’ e deixar ‘ser carregada’ e aí eu senti que eu podia, então foi muito gostoso também e estou sendo até hoje, na verdade. (risos) Ainda não passou. (risos)
P/1 – Aproveitando que eu falei do Covid, nesse período que teve a pandemia e todo mundo ficou dentro de casa, como foram os aspectos profissionais na sua vida?
R – Eu trabalhei home office pelo Senac, mais a parte de acervo mesmo, sistema… e a gente começou a fazer eventos on-line, então eu conseguia, de alguma forma, entregar conteúdo e tudo mais. Mas foi o momento que eu mais trabalhei o meu estilo pessoal. Já tinha feito o Transmutações, em 2019, o Covid começou no início de 2020, em março e aí foi quando eu parei pra me olhar como pessoa e o meu estilo pessoal e o meu guarda-roupa inteiro mudou e ele não mudou porque eu saí pra comprar, ele mudou porque na minha cabeça pensei: “Eu quero um guarda-roupa assim”, que era um funcional. E aí começou a vir doações de roupa e eu comecei a fazer essa curadoria: “Essa peça entra, essa acho que eu quero, nã nã nã nã”. Então, meu guarda-roupa é praticamente brechó e doação. E aí eu comecei a fazer uns cursos, pra também entender o meu estilo e pra somar na metodologia da consultoria de moda que eu faço com as minhas clientes. Então, foi um momento de aprendizado nesse lugar de consultoria de moda mais incrível. Eu comecei a fazer uns movimentos também no Instagram, @talitadelira, com amigas, pedia pra tirar foto em casa, com o look que estava. Era look ‘quarenteners’, eu tenho essas postagens. Ia trabalhando e elas iam curtindo junto comigo, então eu tive muitos relatos do quanto essa ação fez bem pra elas também e eu estava ali, aprendendo e também me movimentando. Aí eu consegui chegar no estilo também que eu queria, Talita de Lira, assim. Então, foi muito legal nesse lugar. Porém teve essa questão, de como cuidar do corpo, por exemplo. Eu cheguei a adoecer, ter problemas na coluna, que aí foi quando eu fui forçada a começar a fazer um pilates, hoje eu amo, então eu tive que fazer algumas adaptações e eu sou daquelas que se o corpo não está bem, eu não consigo criar. Tem mais isso. Então, eu tenho que estar em movimento, fazendo alguma coisa: yoga, um pilates, pra eu, de fato, respirar e criar.
P/1 – A gente falou bastante de trabalho, mas além disso você tem algum hobby, alguma coisa que você gosta de fazer nas horas vagas?
R – Muitos. Tomar cafezinho com as amigas é um hobby pra mim. Ler, eu amo ler. Eu voltei a ler livro de romance. Ai, eu choro até com livro! Eu fico lendo, eu fico ‘ahhhhh’ em cima do livro, amo. Assistir filme, amo filmes anos noventa e 2000, adoro aquela fotografia sépia dos anos noventa, amo. Eu assisto o mesmo filme mil vezes, até enjoar. Escuto músicas todos os dias, desde rock, jazz, MPB, blues, rap, hip hop, pop, trilha sonora de filme. Eu tenho uma playlist Trilhas Sonoras de Filmes. Yoga entra nesse lugar de hobby também, pilates, mais de bem-estar, amo dormir, amo, meu hobby dormir, acho que é o primeiro e é isso. Gosto de caminhar na rua, andar, gosto de andar bastante. Natureza eu gosto de ficar reparando, então eu escuto os passarinhos, eu sei que horas os passarinhos acordam na rua, essas coisas. (risos)
P/1 – E o que você considera que são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R – A minha família é muito importante e eu só soube disso quando eu me separei, que eu fui, no Natal, almoçar em casa e o meu irmão, que a gente quase não se fala, não ‘se bica’, só veio e me deu a mão e disse: “Se precisar de qualquer coisa...” e saiu. Eu estava pintando a unha na hora e minha mãe do lado: "Brrrr Brrrr" e aquilo fez eu sentir o que é família, então qualquer coisa que acontecer eu sei que eles estão por mim. Eu tento não contar com isso, de não levar problema, isso eu nunca faço, mas eu sei que é um aconchego, que é um lugar confortável pra mim e que eu posso ser quem eu sou. Então, a minha família é o mais importante e isso também junto, não é separado, o meu grupo de amigas mesmo, que são ‘irmãs’, que morrem por mim e eu sei disso. Então, pra mim é o mais importante. E o meu lar. Ai, é tão gostoso ter o meu cantinho, poder abrir a porta e falar: “Oi, casa!” Eu amo, gente. Amo.
P/1 – E hoje qual você considera o seu maior sonho?
R – Meu maior sonho? Ficar rica. Ai, preciso! Nossa, sabe acordar sem preocupar de pagar boleto? (risos) Só que é isso: pra ficar rica vai ter que ter muito trabalho pela frente. Então, saúde em primeiro lugar está sendo um dos meus sonhos, porque eu percebo o quanto o corpo muda, vai passando e o corpo vai mudando muito, então eu só espero que ele fique bem, pra eu conseguir ficar rica e alcançar o segundo sonho. Então, saúde e riqueza.
P/1 – E como você acha que será, que vai ser o seu legado pras próximas gerações? O que você vai deixar pras próximas gerações?
R – Nossa, eu quero deixar muita coisa: livros não escritos, de lugares que ninguém olha, eu quero escrever a história da periferia de várias formas e usar como ferramenta a moda e ‘puxar esse gatilho’, pra deixar as pessoas bem à vontade, pra poder falar do lugar de pertencimento delas. Então, é isso. E não serão livros que são ‘control C, control V’, que é o que a gente mais vê. Eu sei disso porque eu leio bastante. Quando a gente pega os livros técnicos de moda é ‘control C, control V’. Um que pega uma pesquisa de outro, nã nã nã nã nã nã, dá o parecer lá e entrega. Não, eu quero um livro 100% feito de uma linguagem de periferia, por pessoas da periferia e aí deixar isso pra que eles se sintam à vontade pra escrever a história deles. A moda está gritando já faz muito tempo na periferia, então eu só quero dar uma ‘puxada’ de alguma forma nisso e que não seja esquecida. Eu acho que não vai ser, não. Eu acho que na hora que começar, hummm, vai ser bom.
P/1 – Você gostaria de acrescentar alguma coisa que a gente não tenha perguntado?
R – Ai, eu acho que eu falei tanta coisa, gente! Não sei. Teve uma história que eu contei pra Luiza, que quando eu me mudei, saí de casa com as minhas coisas. (risos) É legal falar disso. Quando eu me separei, que a Thais que me ajudou a fazer a mudança, a gente foi colocando as coisas que eu tenho, afetivas, no carro dela: meus móveis, as coisas que eu tinha, que eu não quis levar nada que eu construí com meu ex-marido e aí, na hora que a gente olhou era um ateliê, basicamente. Então, eram as máquinas de costura, os bustos, um móvel ou outro que foi da minha família e os livros. Era isso que eu tinha. E isso me trouxe tanto conforto! Eu não me senti sem nada. E eu levaria isso pra qualquer lugar. Então, é algo que também me trouxe uma segurança de tudo que eu construí, do que é essencial pra mim. Não era o que eu tinha de fato comprado pra mobiliar uma casa inteira. Então, eu sei o primeiro livro de moda que eu ganhei, eu sei a máquina de costura que a minha mãe comprou quando eu comecei a faculdade e parcelou, pra que eu conseguisse fazer os trabalhos da faculdade, eu a tenho até hoje. Eu sei de cada coisa que de fato eu escolhi pra andar comigo durante essa vida e também durante a transição e vai continuar. Então, esse busto aqui, por exemplo, eu fui fazer uma curadoria de um acervo da Glaucia Amaral, que ela trabalhou pro Sesc e pro Senac. A gente só tem entretenimento no Sesc por causa que ela criou e aí ela faleceu e a família pediu pra ir lá, pra poder olhar as peças dela, que eles queriam doar e eu fiquei no ateliê dela. Era um duplex e estava esse busto do meu lado, aí eu perguntei pro primo dela: “Você vai vender isso aqui também?” Ele estava se desfazendo de todos os móveis da Glaucia. Aí ele: “Vou”. Aí eu não tinha um busto de corpo, só um mini busto, o de corpo inteiro não e eu lembro que eu fiquei anos pra adquirir um busto, só que eu não adquiria, até por um que eu me apaixonasse, eu não queria comprar um feito, enfim, numa loja, por escala. Aí eu o trouxe comigo. Aí eu cuido dele pra ela. (risos) E aí é meio que isso também: eu acredito que assim como a moda me escolheu, os objetos também me escolhem, as roupas também me escolhem. Eu falo muito isso quando a gente está fazendo essa questão da análise do estilo pessoal: as roupas escolhem muito a gente. Então, é também de se deixar levar, sentir essa fluidez. Acho que é isso. Obrigada!
P/1 – A última pergunta: como foi contar um pouco da sua história pra gente, hoje?
R – Olha, foi emocionante, mexe em muito lugar que eu não costumo falar. Eu sou uma pessoa um pouco reservada com algumas narrativas de vida, mas eu acredito que é sempre o momento certo de contar, então aqui, hoje, eu contei bastante coisa que eu achei necessário pra compor essa história, mais uma vez eu estou muito grata, muito honrada, veio no momento certo, que eu estou me sentindo muito bem pra falar sobre tudo isso e eu sinto que é um movimento junto e misturado, então quando eu recebi o convite pra poder fazer essa entrevista eu fiquei assim: “Wow, o que está acontecendo?” Mas tudo bem, eu aceito, vamos lá”, porque pegou tudo junto, estou enviando os editais do Transmutações, fazendo a Fábrica de Cultura, tem muita coisa acontecendo no trabalho, no Senac também, na minha vida pessoal, então eu acho que sabe quando vira de uma vez? Então, eu acho que veio no momento certo e como está tudo muito fresquinho também, foi incrível poder responder, poder contar um pouco, poder ter me aberto. Às vezes é bom se abrir nesse lugar, porque é um lugar bem íntimo, meu. E eu respeito isso também. Então, é que como eu sempre estou a serviço, é mais pro outro do que, de fato, pra mim, então falar sobre mim nesse lugar também é muito especial. Obrigada!
P/1 – Obrigada a gente, foi um prazer falar com você! Deu pra entender bastante como você é. Coletivo é muito importante pra você, né?
R – Muito. Muito mesmo.
P/2 – Talita, obrigada por nos receber aqui!
R – Eu que agradeço.
P/2 – E obrigada por dividir sua história!
R – Gratidão, gente! Obrigada, mesmo! Espero que vocês tenham encontrado alguém aí pra compor (risos) essas histórias que vocês vão contar por meio desse tema aí, de alguma forma.
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