P1 - Judith Ferreira
P2 - Cláudia Leonor
R - Gilza Guerra de Figueiredo
P1 – Dona Gilza, a gente começa pedindo à senhora que, por favor, diga qual o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eu me chamo Gilza Guerra de Figueiredo - Guerra, de solteira; Figueiredo, depois de casada. Nasci no Rio de Janeiro, [até] então, Distrito Federal, em 5 de novembro de 1930. Cursei o curso primário no Rio de Janeiro, e vim pra São Paulo com quase 10 anos de idade - aos 9 anos de idade pra 10 anos de idade. Quando cheguei aqui, estava sendo feito o primeiro recenseamento [censo] em São Paulo, primeiro _________.
P1 – O nome do pai da senhora e da mãe da senhora.
R – Meu pai era Oswaldo Guerra e minha mãe Maria José da Cunha Guerra, todos os dois nascidos no Rio de Janeiro [e] brasileiros.
P1 – Queria que a senhora falasse um pouquinho sobre a família paterna da senhora [e] sobre a família materna.
R – A minha família paterna e materna foram muito misturadas, porque meu pai e minha mãe eram primos; eles tiveram até que pedir licença do bispo pra se casar, porque antigamente acho que precisava. Eram primos-irmãos. A minha avó paterna e meu avô materno eram irmãos, então com isso as famílias eram muito entrelaçadas, os primos... E era família-família, aquelas famílias que se reuniam pra fazer seresta; meu pai tinha uma voz muito linda, cantava muito bem. E meu avô era um homem... Meu avô era português, era o único português que... Ele veio pro Brasil, e ele não veio como imigrante, ele veio pra passear; tanto que minha avó tinha o robe da “roupazinha” dele escrito - que ele veio de navio e tudo mais -; tinha robe de dia, robe da noite, quer dizer, ele era, devia ser um homem muito refinado. Ele, inclusive, era amante de óperas, comprava récita de ópera, quando chegavam, pra minha avó... Porque minha avó era uma pessoa de nível bem modesto, mas ele era um homem muito...
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P2 - Cláudia Leonor
R - Gilza Guerra de Figueiredo
P1 – Dona Gilza, a gente começa pedindo à senhora que, por favor, diga qual o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eu me chamo Gilza Guerra de Figueiredo - Guerra, de solteira; Figueiredo, depois de casada. Nasci no Rio de Janeiro, [até] então, Distrito Federal, em 5 de novembro de 1930. Cursei o curso primário no Rio de Janeiro, e vim pra São Paulo com quase 10 anos de idade - aos 9 anos de idade pra 10 anos de idade. Quando cheguei aqui, estava sendo feito o primeiro recenseamento [censo] em São Paulo, primeiro _________.
P1 – O nome do pai da senhora e da mãe da senhora.
R – Meu pai era Oswaldo Guerra e minha mãe Maria José da Cunha Guerra, todos os dois nascidos no Rio de Janeiro [e] brasileiros.
P1 – Queria que a senhora falasse um pouquinho sobre a família paterna da senhora [e] sobre a família materna.
R – A minha família paterna e materna foram muito misturadas, porque meu pai e minha mãe eram primos; eles tiveram até que pedir licença do bispo pra se casar, porque antigamente acho que precisava. Eram primos-irmãos. A minha avó paterna e meu avô materno eram irmãos, então com isso as famílias eram muito entrelaçadas, os primos... E era família-família, aquelas famílias que se reuniam pra fazer seresta; meu pai tinha uma voz muito linda, cantava muito bem. E meu avô era um homem... Meu avô era português, era o único português que... Ele veio pro Brasil, e ele não veio como imigrante, ele veio pra passear; tanto que minha avó tinha o robe da “roupazinha” dele escrito - que ele veio de navio e tudo mais -; tinha robe de dia, robe da noite, quer dizer, ele era, devia ser um homem muito refinado. Ele, inclusive, era amante de óperas, comprava récita de ópera, quando chegavam, pra minha avó... Porque minha avó era uma pessoa de nível bem modesto, mas ele era um homem muito refinado. Inclusive, ele era sócio, entrou como sócio do Colombo, que era... Como é que era o nome dele? Abraão... Esqueci o nome dele... Lebrão [Manuel Lebrão], que era o dono da Colombo, que tem a Confeitaria Colombo. Só que eles, meu avô veio e tinha negócios, mas os negócios não estavam muito bem esclarecidos. Então, o que aconteceu: meu avô morreu de septicemia [tipo de infecção], por causa de um dente. Morreu com 42 anos, deixou 6 filhos, deixou – eu tô contando isso aqui porque é a minha história, né? Minha avó ficou com 37 anos, com 6 filhos, e a primeira coisa que o Lebrão fez foi pedir minha avó em casamento. Minha avó disse que não ia casar de novo, porque ela foi muito feliz no casamento, tinha muitos filhos e tal. Ele disse que os negócios do vovô estavam muito atrapalhados e que ela não tinha grande coisa a receber. Mas a minha avó foi, assim, uma mulher fantástica. Ela primeiro abriu uma pensão - tinha uma casa muito boa em Botafogo - para cavalheiros finos. Não deu certo. Aí ela costurava, montou um ateliê de costura, e chegou a ter um ateliê de costura no Rio de Janeiro com 30 moças costurando, e ela pôde criar todos os filhos, formar os filhos todos. Minhas tias todas eram professoras, o que naquela época [era] extraordinário. Inclusive, [se formaram] no Instituto de Educação, no Rio de Janeiro, que era dificílimo pra se entrar, e que eram [para] moças, geralmente, de nível econômico muito bom. Então minha avó sempre pôde, de ter... Então fui criada nesse meio, de professores, de pessoas bem esclarecidas, de uma família muito alegre, sem grandes problemas, que eram os problemas cotidianos. E assim foi minha vida, [era] uma criança, realmente, muito feliz.
P1 – Quantos irmãos?
R – Só tive uma irmã, só tenho uma irmã – só tive não, só tenho uma irmã -, dois anos mais velha do que eu. Mas papai ficou, teve uma vida muito itinerante, porque ele era funcionário do Ministério da Fazenda, e com isso ele percorreu, não chegou a ir pro Norte, mas ele fez o Triângulo Mineiro - que mais? -, São Paulo também... Primeiro... Eu nasci, até mamãe dizia que eu era (lama?) do Araxá, porque eu fui feita no Araxá, mas ela não quis que eu nascesse mineira, então ela foi pro Rio pra me ter lá, porque a família dela toda era de lá, né, então nasci no Rio de Janeiro. Mas eu voltei pra Minas, e pro Araxá, já com...
P1 – Com quantos anos?
R - Acho que [com] uns 9, 10 meses. Eu tenho, inclusive... Esqueci a fotografia que eu tenho de bebê, já tirada em Araxá.
P1 – A infância da senhora, então, o lugar onde a senhora morava, foi...
R – Eu não tenho muitas lembranças, viu? Porque, engraçado...
P1 – Foi em Araxá?
R – Foi em Araxá. Eu tenho, assim, pouquíssimas lembranças de Araxá. Acho até que eu fui uma criança muito burrinha, porque não me lembro, assim, de ter fixação nas coisas, sabe? Eu lembro que voltei...
P1 – Não lembra de brincadeiras...
R - ...Falando como mineira, porque eu fui descrever a Paixão de Jesus Cristo na procissão que teve lá em Minas, e eu falei que Jesus Cristo carregava uma cruz grande e um “trem” na cabeça. (risos) O trem na cabeça era a coroa de espinhos. Então, quer dizer, que eu vim como mineira [e] o pessoal caçoava de mim. Pequenininha e já botando “trem” na cabeça de Jesus.
P1 – (risos)
R – Então, e isso... Minha infância foi um pouco em Minas: um pouco em Formiga, em Araxá [e] em Lavras; porque o papai fazia o Triângulo Mineiro, e a mamãe fixava residência nos lugares em que ele vinha mais tempo. Depois voltamos pro Rio, papai ficou bastante tempo no Rio, eu fiquei no Rio até os 9 anos de idade, sendo... A minha infância na escola foi, assim, muito feliz, porque eu era arroz de festa da escola, era considerada uma menina muito inteligente, fazia problemas de quarta série estando no segundo. Então, fui eu que abri os primeiros testes de inteligência que foram feitos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, comparado com São Paulo, era primeiro mundo, realmente, tinha muito mais aquele requinte das coisas e tudo que São Paulo; São Paulo era muito província ainda. Os paulistas que me perdoem, eu sou muito mais paulista que carioca, mas realmente era; aquele negócio de vizinho, de fofoca. Rio de Janeiro não tinha nada disso. Não sei [se] era a casa da minha avó que era assim, mas não tinha esse ar, assim. Eu vim pra São Paulo, quando nós viemos pra São Paulo, viemos pra casa de um primo de papai, que era o professor Francisco Faria Neto, que foi delegado de ensino, foi o primeiro... Era diretor do recenseamento naquela época; um homem de uma integridade fantástica, imagine, porque tinha um carro pra fazer, pra levá-lo e buscá-lo - ele só andava a pé, não tinha dinheiro. Ele morava onde hoje é a Sears ali da Praça Oswaldo Cruz, naquela rua Santa Ernestina, e é uma casa, que tinha, de esquina; então era ali que ele morava. E ele... O centro do professorado paulista é na Liberdade, ele ia a pé [e] o carro ficava esperando; comia lá, jantava. Ele dizia: “Não vou gastar gasolina do estado, porque eu não preciso, vou a pé”. Era um homem de uma integridade, uma inteligência... Ele fez o primeiro livro escolar, que chamava-se, chamou-se “Pirulito”. Então continuei em casa de professores, aquela coisarada toda. E ele, então, chegando aqui, achou que nós tínhamos que frequentar o Caetano de Campos, que era o melhor colégio de São Paulo. E realmente; nós prestamos exame, eu e minha irmã, entramos para o Caetano. Entramos para o Caetano de Campos, e eu, no Caetano de Campos, fui muito feliz - apesar de caçoarem do meu sotaque. Falavam: “Como é, você tem dor onde?”. Pra eu dizer: “‘Nax coxtax’”. Então eles caçoavam de mim, eu ficava com uma raiva danada, né? E eu tinha uma raiva dos primos, porque aqui eles eram todos são-paulinos, e eu era Flamengo, então eu fui... E eles gostavam de me enfezar, porque eu era criança, né, então gostavam de falar ________ os jogadores todos, que eram os famosos, todos tinham pertencido ao Flamengo.
P1 – De brincadeira.
R – Então, tirando esses desacertos, esse meu primo, a gente chamava ele de Chico, porque como ele era primo da minha mãe e do meu pai – porque se eles eram primos, ele era primo dos dois -, ele tinha um carinho extraordinário pela gente. E ele era chamado pelo meu pai por Chico, era professor, e então eu também chamava de Chico. Ficou Chico. E a senhora dele, que era a Ester, era uma mulher, assim, fantástica, tocava piano muito bem, e ela escrevia novelas. Então tinha um tal Durán, Manoel Durán, aqui no rádio, parece que era rádio Record, e a Edith Moraes, que era irmã da Lucina, e ela fazia peças que eram radiofonizadas, e eram umas peças maravilhosas; eu adorava, porque eu ficava ouvindo aquelas histórias que ela escrevia, aquelas histórias todas. E ela foi, assim, uma escritora, uma precursora da fotonovela, das novelas de rádio, porque ela escrevia muito. As peças dela, pediam pra repetir - ela tinha público, aquela coisarada toda. E era uma pessoa, assim... Naquele tempo, que seria 1940, eu tinha contato com muita mulher feminista mesmo, porque você vê, né, gente que se sobressaía de dentro de casa, até dos seus próprios maridos; porque ele era professor, delegado de ensino, mas não tinha a popularidade que ela tinha - ela estava no rádio, tudo isso. Então tudo isso foi formando minha vivência.
P1 – E essa época era da infância da senhora?
R – É, da infância; 1940, [eu] ia fazer 10 anos.
P1 – 10 anos.
R – Daí foi toda, a Caetano de Campos. Depois o normal. Depois eu até prestei exame pra Roosevelt, porque eu queria fazer Direito, mas depois voltei, que eu achei que era um absurdo fazer Direito - essas bobagens de adolescente, cheia de coisas na cabeça, política, que depois ia defender criminoso, não sei o que -, então voltei pras minhas raízes de professora. Aí fiquei, fui sempre me aperfeiçoando, mas casei relativamente cedo, porque eu me casei com um vizinho. Eu devia ser uma menina, assim, muito charmosa, sei lá.
P1 – Brincava bastante, tinha brincadeiras? A senhora lembra de alguma brincadeira?
R – Ah, nossa, minha infância ali, eu moro na rua Pelotas, aquela rua era maravilhosa, porque a gente tinha rede de vôlei pra jogar vôlei, fazíamos festa de São João... Essa Ester e o Chico, que a gente chamava, eles mudaram de lá depois, compraram uma casa na rua Pelotas, numa vila, e ela fez ali uma comunidade. Aquela vila, um não gostava do outro, [e ela fez] ficou todo mundo muito amigo, fazia festas, assim, por exemplo, de São João, cada um fazia um prato, levava, e tinha aquelas brincadeiras de sentar na cadeira, de fazer sorte. Então, a rua, aquela rua era uma maravilha, limpíssima - hoje é uma sujeira. E era um reduto de alemães, o alemão é um povo muito civilizado, então as ruas, as calçadas, eram praticamente... Eram limpíssimas, arborizadas. E era uma rua deliciosa. Tinha um pé de pitanga numa ruinha, e um pé de amora, então a gente ia catar amora, enfim. E eu fui uma menina muito popular na minha rua, porque eu era muito alegre. Tinha essa prima que também era festeira... Então, a minha sogra tinha dois filhos homens, que eram meninos, né, não tinha... Ela me adorava, porque eu era menina [e] ela queria uma menina, ________ muito brava com ela, ela vivia... Então ela me levava pra passear até com a família dela, porque ela tinha parentes em Serra Negra, fui pra Serra Negra, tinham parentes em Araraquara, porque ela, o pai dela foi prefeito de Araraquara - ela foi até a primeira, minha sogra foi a primeira miss de Araraquara, sei lá eu. Então tudo isso, toda essa vivência, era uma vivência muito alegre. Eu comecei a ser bombardeada depois, porque até mais ou menos... E a minha vida de casada foi muito feliz, porque eu casei com um rapaz que dizia que a única coisa que ela queria na vida era casar comigo, tanto que ele dizia assim... Porque eu tive outros namorados, eu namorei... Se bem que os namorados, naquele tempo, não eram os namoros de hoje. Eu adorava dançar, então eu tinha um vizinho, que depois se tornou um dos maiores atores, foi a maior revelação de teatro, que foi o Jorge Fischer Júnior, que ele foi... Até ele queria, quando foi fazer o teste com o Pascoal Magno [Pascoal Carlos Magno], ele falou: “Gilza, vamos! Você vai junto comigo”. E eu falei: “Não, papai, se souber que eu fui fazer isso, fica doido. Não posso ir”. E não fui. Aí depois ele falou: “Olha, eu fiz teste com uma menina que é a sua cara”, que é a Eva Wilma; eu parecia muito com ela quando adolescente. Então ele... E ele foi uma revelação de teatro, porque ele ganhou todos os prêmios, _________ simpatia e tudo. E ele era o meu “partner” de dança, porque eu adorava dançar, então nós éramos, assim, os maiores dançarinos. Meu marido não gostava de dançar, que é que importava? Não importava; ele não era nem namorado ainda, era só, assim, de olho. E o mais engraçado é que todos esses meus namorados – até eu acho melhor até não publicar isso – ficaram homossexuais famosos. (risos) O meu marido dizia assim. Eu falei: “Olha, então eu devia ser mulher pra burro, porque comigo eles não eram homossexuais, eles eram namorados, (de querer?) pegar na mão, dar uns beijinhos.” Então comigo não funcionava isso. Meu marido, como ele estava com raiva, disse: “Você só teve bicha na sua vida, não sei o quê”. Uma vez eu vi a capa do Cruzeiro, ele saiu na capa do Cruzeiro como a Gilda, e acho que ele botou até o nome parecido com o meu, era o nome de guerra dele. Bom, sei lá. Eu sei que de qualquer maneira eu tive uma infância, uma adolescência, muito... Adorava cinema, fiz um curso de cinema no Diário de São Paulo, que era na rua Sete de Abril; eu fiz, tudo que era curso de cinema eu queria fazer, porque eu adorava. Cinema, eu sou catedrática daquele tempo, do meu tempo; porque quando foi 1952, que eu comecei, fiquei noiva, que meu marido já cortava tudo, como bom machista, então aí deixei de ir. Mas cinema, eu ficava que nem doida pra ir ao cinema; eu ficava esperando, chegava, fazia coisas na Caetano de Campos. Eu fui, assim, terrível, porque eu chegava [e] fazia o seguinte, contava pra professora: “Eu preciso ir na biblioteca fazer um trabalho, não sei o que”. Porque eu queria matar a Educação Física, e eu não podia matar mais Educação Física porque eu já estava estourando em falta. Geografia, história, nisso eu era ótima aluna, então eu chegava: “Eu vou fazer um trabalho, não sei o que, depois eu volto”. Porque eu queria voltar pra aula de Educação Física. “Ô Gilza, você tá com cara de quem tá enganando a gente”. “Não, não”. E tinha o Ipiranga, que custava 5 reais, lá em cima, porque tinha escada [e mais] escada, e eu lá ia. Eu tinha mais uma colega que era tão triste quanto eu, então a gente subia pra ir ao cinema. Então, cinema, eu sou... Eu vivenciei... O cinema, a minha geração foi uma geração que o que ela tinha mesmo era o cinema, pra gente fantasiar, ter aquela ilusão, se projetar; então aquilo foi maravilhoso, né?
P1 – O que mais marcou, nessa época? A lembrança [mais] marcante que a senhora tem.
R – Pra mim, pra falar a verdade foi o cinema mesmo, viu?
P1 – O cinema?
R – É, o cinema, porque eu gostava, estudava, entendia...
P2 – Quem que eram as divas dessa época?
R – Ah, naquela época, as divas eram a Rita Hayworth, que era um símbolo, Lana Turner... Agora, tinham as artistas... Por exemplo, a Greta Garbo já estava passando um pouquinho do meu tempo, mas ainda tinha a sua, ainda peguei alguns filmes dela. Alguns eu vi depois, porque, por exemplo, os filmes como “A Dama das Camélias”, “Madame Valeska”, isso tudo eu vi. Não tô dizendo assim não, até que passavam esses filmes, assim, clássicos, mas realmente, as artistas, mesmo, que eram mais glamourosas, eram realmente essas, né? Depois a Eva Gardner, também, que casou com o Mickey Rooney, muito cedo, de depois foi fazendo aquela vida toda, enfim... E os homens eram Gary Cooper, o Clark Gable – “E o vento levou era clássico”, né, coisa maravilhosa, com aquela cara de, sei lá. Eu vi “E o vento levou”, é um filme que não envelheceu, mas tem certas coisas que, nos filmes, envelhecem; certos olhares, certas coisas, que naquele tempo eram fulminantes. Hoje, sabe, mudou muito, a coisa mudou bastante. Mas ainda é... O Clark Gable, o Gary Cooper, o Gregory Peck; esses eram os mais famosos, né? E, enfim, cinema era cinema mesmo, a gente... Aliás, eu sou meio saudosista em matéria de cinema, porque você assiste hoje os filmes, são pouquíssimos os filmes que você assiste uma vez e quer assistir outra. Por exemplo, eu assisti o filme “O júri”; é um filme bom, é um filme que você vê e tal, mas se você assistir 3 vezes, você já não... No entanto, você pega, por exemplo... Eu tenho o multicanal, né, que passa aqueles filmes bem antigos, tem um lá que chama “clássico”, passa muita coisa que não é clássico coisa nenhuma, mas, por exemplo, eu estava assistindo “O bom pastor”, é um filme que, ainda hoje você vê, porque o filme é muito bom, é um filme que o personagem... Até eu digo, o francês tem uma frase que diz: “il n'avait pas le physique du rôle”, quer dizer, “ele não tem o físico pro papel”. Esse menino, por exemplo, o Leonardo DiCaprio, ele não tem físico, não teve físico do papel pra fazer o filme do “Titanic”, não teve, a mulher, a “partner” dele, parece mãe dele; ela é um mulheraço, e ele é um garoto. Ela é uma mulher pra 300 talheres e ele não é nem um pratinho de sobremesa. (risos) Então, você veja, tá tudo errado. E agora botaram ele novamente pra fazer o Howard Hughes que era um garanhão, traçou todas. E ele continua com aquele... Ele vai... Acho que quando ele tiver 50, talvez ele possa. Porque esse filme era pra um Kevin Costner, por exemplo, ou mesmo aquele outro de que eu gosto, também - como é que chama, que fez, que tá na moda, como é nome dele -, Mel Gibson; quer dizer, uns atores desse porte, né? Porque interpretar um personagem... Quer dizer... O francês diz isso muito bem: se você não tem o físico pro papel, você não pode colocar. Então hoje o cinema mudou muito.
P1 – E uma beleza de que a senhora lembre assim...
R – Beleza, o quê? Das artistas?
P1 – A senhora se recorda de alguém que admirava?
R – Bom, minha mãe é uma mulher lindíssima, parecia uma artista de cinema; vocês viram as fotos, né? Meu pai também; meu pai era um galã. Inclusive, tinha uma boa voz, era muito mulherengo, mas tinha cacife pra isso. Agora, minha mãe... E a minha mãe tinha um ciúme... Tanto que eu não sou uma pessoa ciumenta, porque eu fui vacinada de ver minha mãe. Lindíssima daquele jeito... Eu me lembro da mamãe, saía pro Cassino da Urca, papai gostava muito de vida noturna, aqueles vestidos lindos... Porque antigamente as roupas eram maravilhosas; aqueles drapeados nas costas, aquele brilho. Hoje em dia você vê, (ocupa?) 3 andares, uma roupa aqui [e] outra aqui; terrível, né? Hoje é a apologia do mau gosto, não é verdade? Você vê as meninas... Olha, eu fui a uma missa de formatura lá no Círculo Militar, que eu já sou até (remida?), e a missa era das debutantes. Antigamente, minha missa de 15 anos foi uma coisa linda, da minha filha também, e tudo, a gente só estreava a roupa na missa, Natal tinha uma roupa nova, Ano [Novo] bom tinha uma roupa nova, Páscoa tinha uma roupa nova. As mães, meu Deus do céu, coisa horrível, com bustiê; se somasse a saia e o coiso, não dava um metro de pano. Quer dizer... Uns tamancos desse tamanho. Eu tinha uma tia que tinha um defeito na perna, coitada, ela tinha um defeito, mandava fazer sapato, porque ela era vaidosa, dizia: “Meus sapatos são de aleijado”. A moda hoje tá (atrás?); já viu os sapatos? Tudo sapato de aleijado. (risos) Porque aqueles... Não é? É uma coisa horrível. Eu até tenho uma consciência, assim, que eu acho que como os grandes costureiros são bichas, e eles têm raiva das mulheres, então eles querem ver as mulheres bem feias, então eles botam tudo que é feio. (risos) Porque não é possível que eles criem umas coisas, né, cadê o glamour de antigamente? As coisas tinham... Você vê, roupas do Jacques Fath, quando veio aquela moda da minissaia, passou pra maxi-saia, eram aqueles vestidos enormes, lindos, com babados, com isso. Agora não tem mais nada, é uma coisa horrível. Ela lava a cabeça... Que os cabelos, você via os filmes de antigamente? Os penteados são lindíssimos; aquelas tranças, aqueles cabelos entrelaçados. Hoje não tem mais nada disso, acabou. Quanto mais (desgrenhado?), assim, o cabelo, melhor; se fizer o cabelo batidinho, é até “démodé”, né, não tem mais nada que justifique.
P1 – Dona Gilza, como é o nome do marido da senhora?
R – João Eduardo Barbosa Figueiredo.
P1 – Ele era vizinho, a senhora estava contando que a senhora casou com ele....
R – Vizinho. Só que nós tínhamos a dosagem certa pra o amor ficar muito aguçado, porque ele era interno do Coração de Jesus, enquanto eu estudava na Caetano de Campos. Nas férias eu zarpava pro Rio, que era a casa da minha avó, era Maria Elícia, cheia de primos e tudo, ali era uma festa. E eu tive muita sorte, porque, por exemplo, quando foi a... Eu até ia trazer pra vocês o dia da inauguração do Maracanã, o dia fatídico, em que a gente perdeu o jogo do Uruguai: tem uma foto minha, da minha irmã e da minha prima sentadas nas cadeiras cativas do Maracanã. Minha família tinha comprado camarote cativo, mas como a família era muito grande... E um primo meu era namorado da secretária do Mendes de Moraes, que era o prefeito daquela ocasião; então o que ela arranjava de ingresso pra ópera do municipal, temporada lírica do municipal, a gente ia com um “tailleurzinho” super, chegava lá, tinha ________ com aqueles brilhantes. E nós tínhamos o camarote do prefeito, porque ela... Todo mundo ficava olhando, eu com o tailleurzinho da missa, lá sentadas. Eu e minha irmã, adorando, porque tínhamos tudo. Tô me alongando muito, né?
P2 – Não, não. Sabe o que é que é...
[Pausa]
R – Então, voltando, eu e meu marido, nós tínhamos aquela coisa, porque durante o ano ele estudava no Coração de Jesus; era muito levado, às vezes nem... Meu sogro ia buscá-lo, ele estava até preso, porque não tinha, não podia sair porque tinha feito coisa errada. Ele me contou, depois, que ele e mais uns outros, fugiam por uma janela, e ali era zona do baixo meretrício, porque o Coração de Jesus fica ali perto da rua Aimorés, da rua das Tabocas, que aquilo lá era zona, chamada zona de São Paulo. E eles iam lá pra aquela zona, lá, se meter, depois voltavam pra escola. Então, imagina, interno, pro meu sogro, que achava que ele era levado, e ele então já tinha essa experiência. Agora, o meu marido era um homem, assim, que comigo, eu era assim aquela menininha que ele adorava, sabe? Então, por exemplo, todas essas coisas que de malandragem, ele não tinha comigo; pelo contrário, ele era um homem, assim, daquele homem que gosta, que assim, pra ele, eu era uma coisinha maravilhosa. Então, as minhas andanças – porque eu gostava de dançar, e tudo - eu disfarçava, porque eu achava ele um caretão; ou era disfarçado, [seja] lá o que seja. Papai e mamãe eram muito severos com esse negócio de, por exemplo, eu tinha que levar a minha irmã em todo lugar, mesmo pra dançar. Porque a gente ia dançar aonde? O Jorge era sócio do clube que tem ali na rua Nilo, que é o... Como é que chama? Ai meu Deus, é um clube bem de São Paulo... É aquele clube que fica ali, o clube... Tinha o Pinheiros, que também tinha matinê dançante, e tinha uns que eram sócios daquele, então a gente ia em matinê dançante, que era, a gente ia no domingo e no sábado. E eu era tão maluca pra dançar, que às vezes eu queria um sapato novo, minha mãe calçava um número menor que eu, então eu jogava o sapato por cima... Porque minha mãe não deixava que eu (usasse ?), era muito vaidosa, tinha as coisas... Eu adorava sair com a roupa da minha mãe. Você sabe que eu jogava minha roupa, tinha um murinho, assim, no jardim, trocava a roupa depressa, o sapato, e ia embora. Então eu dançava com o sapato apertado, chegava em casa, estava até inchado, mas eu dançava. Até hoje eu danço muito, gosto muito de dançar. Mas danço sozinha, porque eu tenho artrose nos pés, e o médico falou pra mim: “Melhor coisa, pra você andar...”. Se eu mostrar meus pés pra você, parecem dois aleijões, por isso que eu só posso andar com essa... Pra eu botar um sapato, eu tenho que vir de carro, ___________, tem que ser o sapato que eu mandei fazer, que pode pra uma ocasião, senão eu não ando. Porque isso aqui eu danço, pulo, faço, mas é porque é paninho, né? Eu sempre gostei muito de dançar. Então, quando eu ia pro Rio – isso que eu ia contar -, a gente não se via, porque nas férias ele ia pra Santos, porque o pai dele tinha a família dele em Santos, tinha apartamento em Santos; ia pra Santos e eu ia embora pro Rio. Quando voltava, ele já estava de novo no colégio, eu também estava estudando, então nós nos vimos pouquíssimas vezes, quer dizer, tem pouquíssimo... Quando a gente começou mesmo a se ver, foi quando começou. Ele acabou o ginásio todo, ainda fez o científico, parece que ele ainda fez o primeiro e o segundo anos [no] interno, e depois então é que ele passou pra, se eu não me engano, fez o Bandeirantes, que é até um colégio perto da gente. E ele era um homem tão bonito, que o apelido dele no Bandeirantes chamava-se, o nome dele era João Eduardo [e] todos os professores chamavam ele de João Bonito. Ele tinha uma raiva desse apelido, mas todo mundo... Não era vaidoso, era um homem completamente... Um homem, assim, de uma humildade fantástica; ele dizia que a linha que separa o policial do bandido é tão tênue que não se enxerga. Ele foi a pessoa mais frustrada na carreira dele, porque ele... Primeiro que ele era criminalista, os grandes crimes caíram na mão dele: foi da Maria Tereza de Santos, o Geraldo Junqueira... E quando ele sabia quem era, transferiam ele lá pra um lugar não sei das quantas, porque era gente já que não podia - já havia corrupção. Hoje, então, se ele fosse vivo, acho que ele estava ainda mais duro e preto. E ele dizia mesmo que os piores crimes são contra a própria polícia. E tinha também uma coisa que ele falava muito: “Quereis ver o vilão, dá-lhe o bastão”, porque ele disse que 80% da polícia vai pra polícia pra ter uma arma, pra poder ser, usar de violência e tudo mais. Porque se tivesse realmente um teste psicológico pra saber quem podia entrar na polícia, metade, tudo, estava barrada. Então, com isso tudo... E ele não, ele era um homem que gostava... Ele era um detetive, vamos dizer assim.
P1 – Ele era um delegado...
R – Depois passou. Ele, quando... Ele depois se aposentou, e eu acho até que meu marido morreu de câncer de garganta de tanto sapo que engoliu, porque ele, por exemplo, tinha que comprar uma briga. Às vezes, ele dizia: “Gilza, às vezes eu tenho que prender um cara porque é flagrante, que roubou uma gasolina. Esse cara roubou a gasolina porque ele tá com o filho passando fome, tem mulher, tá desempregado. Agora, ele vai direto pra cadeia, lá ele é estuprado... Porque os donos de terreno, eles fazem acordo até com chefe de polícia, lá eles fazem o que eles querem - isso, naquele tempo –; tem a droga, tem tudo que eles querem”. Então, quer dizer, ele era, assim, não subversivo, mas era um homem completamente descontente. Ele, quando fez escola de polícia, quando fez a formatura dele, ele veio tão frustrado no dia em que ele recebeu o diploma da escola de polícia, de detetive, de tudo que ele tinha que fazer... Ele... Não sei se isso pode ser publicado, mas ele veio tão desanimado, porque disse que quem foi entregar foi Ademar de Barros, que era o interventor, e tinha uma comissão lá, que já era de investigadores, de escrivães, de delegados, que vinham pedir aumento. Aí o Ademar de Barros falou: “Mas vocês vêm pedir aumento? Vocês têm a gazua”. Pegou, tinham botado o distintivo no meu marido, e ele justamente pegou do meu marido, falou: “Olha aqui, vocês têm a gazua, vocês não precisam de aumento”. Aquilo, pra ele, foi... Acabou. Porque: “Imagine, estão mandando a gente já roubar. Nem entrou...”. Quer dizer, gazua é que o ladrão entra pra arrombar porta, né? Então, quer dizer, ele foi frustrado acho que desde o primeiro dia que ele entrou pra polícia, que ele sentiu que era... Ele tinha um ótimo emprego, e trocou tudo pela polícia. Então foi uma coisa, assim, que ele ficou... Era um homem, assim, ele detestava a Natura. Quando eu comecei a trabalhar, que eu vi que nós estávamos brigando demais, e que eu queria dar umas coisas pra minha família, e ele achava que família era eu e ele, que o homem feliz pesca um peixe de manhã num sítio e come de noite, não tem mais nada. Ele era... Não tinha ambição. Não sei se (devia?) aquela miséria porque dizia que a polícia era a última fossa, o que é que era. Eu queria comprar apartamento, casa na praia, queria comprar sítio, queria comprar tudo isso; comprei, e já vendi tudo, perdi tudo. Então, quer dizer, eu acho, até hoje, que ele estava certo, mas agora é tarde, Inês é morta. Por isso que eu digo, que eu às vezes até penso que eu tenho remorso, sabe? Às vezes, eu fico falando: “Meu Deus do céu, será que eu fiz certo?”. Ele me chamava de Sara; eu recebia aqueles montes de cheque, talão de cheque, ele falava: “‘Tó’ seus ‘talonares’”. Ele tinha uma raiva... Ele falava assim: “Seu dinheiro; não quero saber disso”. Porque ele sempre foi aquele homem que tinha que ser paga a conta do gás, de luz, tudo do marido, né? E eu, por exemplo, dava presentes pras minhas filhas que ele não poderia dar... Foi um homem corretíssimo. Ele estragou, que eu achava que estragava natais, que eu fazia aquele natal, com tudo aquilo, com isso [e] aquilo [e ele] trazia umas 4 crianças da delegacia, que prenderam os pais: “Gilza, arruma uns brinquedinhos – que eu comprava aqueles brinquedos caríssimos -, não quer arrumar uns brinquedinhos baratos pra dar?”. Então, quer dizer... E era um negócio que eu não entendia; hoje eu entendo que ele estava certíssimo, mas agora... A gente só entende depois, quando chega depois dos 60 que a gente começa, né? Meu pai já dizia que o diabo, depois de velho, virou monge. Mas é mesmo, é um ditado certo.
P1 – Quantos filhos a senhora teve?
R – Eu tive 2 filhas.
P1 – 2 filhas?
R – É, duas meninas super inteligentes. Uma, até hoje, tem 18 títulos de doutoramento, é linguista - uma moça fora de série.
P1 – Como ela chama?
R – Deram bastante trabalho, mas realmente... Principalmente a caçula foi, assim, uma adolescente mesmo de deixar os cabelos da gente em pé, mas hoje, ela teve, assim, uma mudança totalmente... Ela hoje é uma pessoa muito religiosa, ela é catequista na Febem; é o trabalho dela, já formou 2 turmas de primeira comunhão. Ela tem, assim, um trabalho maravilhoso, ela diz que a presença de Jesus lá [é] tão presente... Eu nunca fui. Até não fui porque não deu pra ir, mas tem um padre que é nosso amigo que diz que é uma coisa maravilhosa. Até na última rebelião ela veio embora, porque os próprios meninos pediram para ela ir embora, têm medo que pudesse acontecer qualquer coisa com ela. Então ela... Eu, por exemplo, fico com muito medo, porque você vê: vai lá, são meninos, eles mesmo têm consciência do que eles já fizeram, né? E é muito triste. Mas, então, você vê, né? Graças a Deus, tenho muito orgulho hoje das minhas duas filhas.
P1 – Qual a idade delas, o nome delas?
R – A Maria José nasceu em 1954, mesmo, na época do Quarto Centenário, então [eu] estava na maternidade escutando os festejos, que eram as festas. Porque eu tive a Maria José na Maternidade Paulista, que era uma maternidade nova que tinha; hoje não é mais, é hospital. Ela era uma maternidade novinha, bem no Ibirapuera, no fim da Brigadeiro Luiz Antônio. Então ela nasceu num domingo, e foi o domingo em que todos os círculos de São Paulo iam fazer um passeio. Então eu tive a Maria José escutando banda de circo, a mais velha. E a segunda eu tive já na Pró-Matre, em 1958. Uma é...
P1 – Como chama a segunda?
R – Todas as duas são Marias: uma é Maria José, que o meu marido quis pôr, porque a mãe dele era Maria José e a minha mãe também, então ele achou que era uma homenagem mais do que justa ter o nome das duas avós; e a outra é Maria Lúcia.
P1 – Certo. A senhora já conversou um pouco sobre o início do estudo da senhora.
R – É, então, como eu disse, eu fiz o normal...
[Pausa]
P1 – Dona Gilza, a senhora conversou sobre os estudos. Como era a escola da senhora, em que a senhora estudou?
R – É, os meus estudos... A minha escola foi uma escola, assim, muito severa, porque a Dona Carolina Ribeiro, que era diretora da escola, era uma nazista, ela era terrível. A gente não podia andar do lado esquerdo do corredor, a meia tinha que ser 3/4 - se estivesse baixa, não entrava na aula -, e uma porção de coisas, assim, que a gente era cerceado. Mas todo adolescente, tudo, sempre dá o seu jeitinho, né? Como eu já disse a vocês, eu escapava até pra ir ao cinema e voltar. Mas enquanto muita gente não gostava da escola Caetano de Campos, eu tinha uma amiga minha que foi muito amiga - depois, essa moça até, ela não terminou o normal. Ela casou muito cedo, foi pra, casou, até viveu com o Paulo Emílio de Sales Gomes, ela foi ________, teve, assim, não sei quantos maridos, foi pra Itália. Ela, depois, fez curso de história da arte na Itália, dava cursos e tudo – ela odiava a Caetano de Campos [e] dizia: “Não sei porque você gosta do raio dessa escola”. E eu gostava da escola, eu sempre [gostei] de escola. Não sei se porque a minha formação de infância... E não era pra gostar, porque eu fui arroz de festa quando eu era criança na escola, era, assim, paparicada pelos professores. Pegava: “Ai, Gilza... Olha, ela conseguiu fazer um problema da terceira série, quarta série; como é que essa menina faz?”. Minhas composições de criança eram composições lidas e relidas; tinha um português muito bom, um vocabulário muito bom. Porque eu tinha convivência familiar, junto com umas criancinhas que não eram privilegiadas. Tanto é que eu ganhei, com 7 anos, estando... 7 anos. Eu ia pra... Primeiro com 5, segundo com 6, terceiro com 7... É, estava no terceiro ano, no fim do terceiro ano. Houve um concurso de leitura no Distrito Federal, eu derrotei a minha escola, que não foi grande vantagem. Inclusive, derrotei minha irmã, que tinha, [é] dois anos mais velha do que eu, e que era, assim, considerada também ótima aluna e tudo. Derrotei a minha escola, derrotei o distrito, e fui pra final, sendo que os colocados todos tinham mais de 10 anos; eu tinha 7 anos. Um dos jurados era o Villa Lobos [Heitor Villa-Lobos]. Eu li uma poesia do Castro Alves; minhas tias ficaram revoltadíssimas, porque enquanto os outros leram um texto, eu li a poesia. De qualquer maneira, eu tirei o terceiro lugar no Rio de Janeiro. Mas isso foi um fato fantástico, porque até o próprio Villa Lobos veio me cumprimentar, falou: “Ô pequenininha, você é forte mesmo, me comoveu”. Então quer dizer que eu tenho isso, tenho uma recordação muito grande disso tudo. Mas em compensação – você [vê] como eu era burrinha -, eu acreditava em Papai Noel com essa idade, porque eu era cercada de tanta coisa em casa. Eram essas histórias de Papai Noel; só achava Papai Noel uma figura terrível, porque os pobres nunca ganhavam presente. Em casa tinha uma senhora que costurou sempre pra minha avó, depois não teve onde morar, ela foi... Minha avó... Ela morava na casa da minha avó como se fosse uma pessoa da família; morreu com 104 anos, todos nós tratávamos com o maior respeito, nunca ninguém... Nunca fiquei sabendo que ela não tinha dinheiro nenhum, que a pessoa... Era uma pessoa que vivia por caridade na casa da minha avó. Mas, a gente... Ela tinha histórias maravilhosas, e ela contava aquelas histórias de Papai Noel, tudo, e eu ficava: “Ah vovó, por que será que ele não ganha presente?”, “Não, no fim ganha”. Então eu achava Papai Noel uma figura meio antipática, mas, de qualquer maneira, eu acreditava na ________. Quando eu ganhei um prêmio, foi uma caderneta da Caixa Econômica - primeiro, segundo e terceiro lugar -; eles tiraram minha ilusão, porque o _______, não sei quem, que era do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda – não lembro nem quem era, até um figura. Agora não me recordo o nome, mas é uma figura conhecida. Depois, quando foi negócio de... Que houve muita tortura no Rio de janeiro, muita pressão, foi uma coisa terrível. Filinto Muller e outras figuras que - tais, ele também parece que era uma figura dessas -, ele pegou e disse assim: “Agora você vai ser o seu próprio... Papai Noel da sua família. Você vai ter seu dinheiro, e no fim do ano você que vai ser o papai Noel dos seus pais”. Eu peguei na hora [e] matei a charada. Falei: “Então Papai Noel não existe, né, porque se eu vou ser o Papai Noel dos meus pais...”. Eu cheguei em casa, falei: “Escuta, mas Papai Noel não existe?”. Quer dizer, então todo mundo ficou bobo. Porque a ilusão, pra mim, eu fui uma criança que tinha um mundo fantástico na minha cabeça; por isso que eu gostava da escola, o que não era ruim, eles botavam de lado... Eu fui uma pessoa, assim, muito feliz, porque eu mesma fazia na minha cabeça as coisas de que eu não gostava. Porque eu me lembro que no dia seguinte: “Puxa, você não viu? Você não sabia as coisas? Eu já sabia. Imagina, há quanto tempo eu já abria todos os pacotes e sabia até o que é que eu ia ganhar”. Minha irmã era um (azorre?) pra saber as coisas erradas; e eu não, eu era... “Você era uma boboca, não sabia nada.” Porque eu não, minha cabeça não entrava pra ele lado. Você vê, eu rezava todos os dias o Pai Nosso e a Ave Maria, eu rezava, e custei pra matar a charada de que o bendito Jesus nasceu do ventre de Maria. Porque eu fazia as coisas sem... Eu não fixava meu pensamento, só naquilo que botavam na mão; se botassem uma coisa pra eu ler, interpretar e tudo aquilo, eu lia, mas as coisas, eu passava superficialmente por tudo, só vendo o que era bonito das coisas. Isso foi uma característica da minha personalidade de criança. Quando eu fui amadurecendo, a _________ foi com porrada mesmo, mas aí é que eu fui entendendo as coisas nesse nível; porque de resto, tudo eu dava um jeitinho, tudo era certo. Tanto que, quando eu fui pra Natura... Bom, isso eu vou deixar pra depois, né?
P1 – Qual é...
R – A minha formação, né?
P1 - ...a formação da senhora? E a lembrança desse período de escola, qual é a lembrança principal?
R – Bom, desse período, [tenho uma] lembrança maravilhosa, tudo bonito, minha formatura, tudo; todas essas coisas foram lindas, tudo com muito romantismo. E tudo isso... Eu tinha, vamos dizer, no baile, enquanto as moças ficavam esperando pra dançar, eu tinha uns 6; estava dançando com um, já estava piscando o olho pro outro, porque aquele dançava melhor que aquele... Quer dizer, então eu não tive essa coisa. E também não era convencida, nada; diziam que eu era isso, aquilo. Só eu achava, que se por um acaso... Tanto é que quando eu fui trabalhar na Aerovias Brasil... Bom, vamos começar. Aí eu terminei...
P1 – A senhora fez um curso superior...
R – Parei, depois parei. Não; aí, depois, mais ou menos... Fui trabalhar... Eu entrei pra Aliança Francesa e pra União Cultural Brasil-Estados Unidos. Então, quando eu estava já falando inglês... Hoje não falo mais, tenho que pensar em português pra falar inglês, porque a gente, tudo o que não faz mais a gente esquece. E meu marido, por exemplo, tinha raiva. Se eu falasse francês, ele falava: “Que esnobação, pelo amor de Deus! Se você quer mostrar que sabe as coisas, fica quieta”. Quer dizer, ele não gostava que eu aparecesse em nada, então eu fui deixando muitas coisas. Mas aí eu fui trabalhar na Aerovias Brasil, e ali eu tinha uma função de atender o público - porque eles tinham inaugurado a linha Brasil, Cuba e Miami. Tanto que aí eu fiquei sabendo... Hoje eu tenho muita admiração pelo Fidel, apesar de não ser comunista, porque ele realmente consertou Cuba. Porque quando eu trabalha lá, eu fiquei horrorizada. As minhas colegas que eram aeromoças... Antigamente, as aeromoças não tinham muito boa fama, mas como meu pai tinha uma confiança muito grande em mim, me botou lá na Aerovias sossegadinho que não... Embora eu tivesse convite todo dia, de comandante e tudo, pra ir... Tinha uma boate que era em São Paulo, Bate Bom Bum, todo mundo queria ir nessa boate, mas eu tinha... A mesma cabeça que eu tenho hoje, eu tinha naquele tempo. Eu sabia muito bem que se eu fizesse aquelas coisas, sair com comandante, aquela coisa toda, que era uma vida que eu não queria, que ia desgostar muito meu pai e minha mãe; e depois não tinha nem vontade, não era o que eu queria. Então eu tinha as minhas ambições, que não eram essas assim. Toda vida eu tive uma cabeça muito bem formada pra minha idade. Eu digo muito bem formada porque eu sou uma pessoa muito católica, hoje sou uma pessoa que tenho, assim, um modo de pensar muito diferente, fui me aprimorando; como eu digo, a gente vai se tornando como um vinho bom, que fica... Eu mesma, o meu espaço... Eu não tenho necessidade de estar com uma amiga, eu tenho o meu próprio espaço. Eu gosto muito da minha pessoa. Eu, pra falar a verdade, tenho meus defeitos, conheço, mas em compensação eu me acho, em certas coisas, muito bem; tem certas coisas em que eu acho que me aprimorei, e não preciso. Principalmente no meu amor pelo irmão. Tanto é que durante 2 anos dei sopa para os mendigos, fiz muita coisa dessa parte social, porque a gente tem necessidade, às vezes, de fazer certas coisas.
P1 – Esse... Desculpe, interrompi a senhora.
R – Então voltando, né? Aí eu conheci...
P1 – Esse foi o primeiro emprego?
R – O primeiro emprego foi Aerovias Brasil.
P1 – Com... Que idade a senhora tinha?
R – Nessa idade... Eu tinha 17 anos.
P1 – 17 anos.
R – Portanto foi em 1947, não é isso?
P1 – Certo.
R – 1947. Em 1947, eu fui pra Aerovias Brasil, fiquei [e] tive um outro conhecimento da vida, por exemplo, de que era aquelas pessoas que tinham uma outra... Inclusive – isso que eu ia contar -, uma vez, nós estávamos tomando um chá – porque ali era um ambiente muito alegre, sabe, aeroporto, viagem, dinheiro; é outra coisa -, aí eu fui pro aeroporto, porque faltou uma recepcionista no aeroporto, e como eu tinha, assim, um conhecimento de inglês, aquela coisa toda, o seu Armando Sander, que era o dono da Aerovias Brasil, pediu que eu fosse pra lá. Só que o seu Armando Sander, e aquele outro, que era o dono da Real - que era, que até tem o nome lá da avenida do aeroporto –, eles eram, a função dessa gente era só catar mulher. Hoje, esse negócio que a gente vê nessas novelas, de homens, sexualmente falando, são máquinas, eles eram máquinas nesse sentido. Era incrível; de manhã estava com uma, de tarde com outra. Ficava até boba, falava: “Mas Deus do céu, como é que será?”. E tinha, sempre tinha, me achava, assim, superior a tudo isso. Mas contando das meninas, elas um dia me falaram assim: “Gilza, você sabe que quando a gente chega com o avião em Cuba, tem uns caras falando assim: ‘Niña de cuatro, de cuatro. De três. De dos, de dos’”. Eu falei: “Ah, é criança”. Sabe o que é que era? Eram bebês pra prostituição em Cuba. Isso era a coisa que mais tinha. Então quando você... Porque Cuba era privada dos Estados Unidos. O conhecimento com que eu fiquei de ter essa, porque eu lia sobre Cuba, então, tudo isso. Havana, o que é que era? Havana era o centro...
[Pausa]
P1 – Então, nesse trabalho...
R – Nesse meu trabalho, eu tive...
P1 - ...lembranças dos chefes, dos colegas...
R - ...uma vivência... E até – isso que eu ia contar pra vocês, pra você ver o que é que era mesmo, ________ convencida, mas só pra vocês verem a minha mentalidade: tinha um rapaz que era dono da frota que fazia a locomoção das pessoas dos hotéis pro aeroporto – porque só tinha o aeroporto de Cumbica, né, ah, Congonhas -, e não tinha táxi, ele tinha o monopólio. Por exemplo, uma pessoa, suponhamos, estava no Hotel São Paulo, ela só tinha aquele táxi que era [o] dele, era monopólio, para levar no aeroporto. Então ele era - era filho de italianos - um metido a bonitão, sabe? Aí um dia ele chegou pra mim: “Escuta, você é muito bestinha, você me trata muito mal. Não sabe que eu sou bom partido?”. Eu falei: “Ah, meu caro, eu não tô atrás nem de um inteiro, que dirá de um partido. Você tá perdendo seu tempo comigo”. Então ele ficou com uma raiva danada porque eu não tinha essa coisa, sabe, de querer... Não, eu sabia... Pra mim já não servia. Quer dizer, porque eu achava... Primeiro que eu via a minha mãe com o meu pai, que tinha um ciúme danado dele, porque ele era um homem tão galante, tão viajado, viajava, ia pra Argentina, pra aqui, pra ali... E eu achava que aquilo era um mau negócio. Porque meu pai era um homem poeta, escritor, pintava maravilhosamente; um poeta maravilhoso. Só pra vocês verem a categoria do meu pai: quando a minha filha nasceu... Papai fazia assim: quando tinha uma pessoa que tinha um filho, ele dava um litro de água de colônia, que era pra dar o primeiro banho com água de colônia, porque ele adorava perfumes. Tanto que eu sou “connaisseur” de perfumes, não pela Natura; aprimorei, mas já conhecia bastante, porque papai era um homem que só usava Tabac Blond, que era um perfume famosíssimo do Caron. Então você sabe que... Aí papai dava esse banho de água de colônia, e fazia, dava um quadro, uma coisa assim, sabe, que ele pintava. Então, quando a minha filha nasceu, ele me deu um soneto; água de colônia, e um soneto tão bonito, chamava “Velha Raiz”. Esse soneto, ele diz assim – eu não sei inteiro, eu tenho, mas eu vou só falar um versinho -, ele diz assim – papai já estava velho e doente, que ele morreu de câncer no pulmão de tanto fumar: “Podes vir senhora de triste negro manto. Não poderás calar a chama do meu canto, porque dentre as suas velhas raízes outros ramos virão, verdes e felizes”. E justamente, sabe que a Maria José já tem um livro publicado, de poesia? A minha filha, essa que é linguista. Hoje ela não escreve mais poesia, mas ela faz poesia lindamente. São só muito tristes as poesias dela, mas ela é muito boa poetisa. Então, você vê, papai era um homem também muito romântico, né? Muito romântico. Então eu devia essas coisas todas, esse desajuste de personalidade... Uma mulher que é tão feijão, o outro marido que é tão ________, aquela coisa toda... Aí eu achei que era romântica demais e fui achando as coisas. Mas com... Tendo uma consciência da realidade dura da vida, né? Porque é aí que eu fui tendo conhecimento; eu era uma criatura, mesmo, deslumbrada, com tudo - com as artistas de cinema, com o glamour, com tudo aquilo. Aí quando eu casei, comecei a fazer cursos pra poder... Quando eu tinha um tempinho e tudo mais. Parei com o inglês, parei com o francês, tudo isso, porque meu marido achava que era uma besteira. A minha filha, quando a minha filha, aí já maiorzinha, ela entrou pro vocacional, teve um coral de professores, pais e mestres – esse coral, inclusive, viajou até pro exterior -, eu me inscrevi; e eu ia para os ensaios do coral, adorava cantar no coral e tudo mais, só que depois o meu marido começou a implicar tanto com o coral que... Ele não falava pra eu não ir, mas naquele dia ele estava lotado em Santos, ele vinha com peixe pra limpar, pra fazer um jantar, aquela coisarada toda, eu chegava do coral, ia limpar peixe, aí desisti; ele venceu pelo cansaço. Então eu desisti do coral, mas gosto muito de música, de ópera - fui acostumada, muito. Aqui em São Paulo, trabalhando na Aerovias Brasil, eu tive uma oportunidade fantástica, porque como era eu que assinava – você como era tudo, assim, tudo era feito, [era] brasileiro, eu fico até admirada como é que aqueles aviões não caíam -, eu assinava pra liberar excesso de peso, imenso. Então: “Ah, assina aí.” Eu assinava. Então “punha” no boleto. Entrava o avião do sul, entrava no hangar, porque estava com defeito aqui e ali, porque tinha escala... “Então sai esse outro avião.” Ia outro avião. Depois chegava o outro, vamos dizer assim, de Londrina... “Ai, preciso...” Sai aquele que entrou. Eu falo: “Mas escuta, tá sendo...”, “Cala a boca, ele não tá sendo _______”. Então acho que não caiam os aviões porque a aviação é muito séria, mesmo, é muito difícil cair avião. Porque eram pra cair vários. Quando eu trabalhei, só caiu um. Durante todo o tempo em que eu trabalhei, teve um desastre muito grande na Bahia; só foi esse, porque o resto... E eram aviões que estavam já com alguma coisinha, e mandavam sair, voltar e ir embora pra (trabalhar?). E, com isso, eu conheci um tal de (Biloro?), que era empresário - melhor empresário que tinha; de companhias italianas, de tudo -, e eu liberei um monte de bagagem - porque, imagina, cenários de óperas, como pesava tudo isso - eu liberava tudo aquilo pro homem. Então o homem me dava entrada pra tudo, e nos melhores lugares. Eu ia buscar e ele me dava, camarote de foyer... Então eu vi (Benemino Digre?), que veio aqui em São Paulo, vi o Serge Lifar, a (Toma Nova?). Quer dizer, tudo que tinha de bom, eu vi. Vi na Comédie-Française, vi o Jean Louis Murat no Hamlet... Então, todas essas coisas, assim, que eu nunca teria oportunidade de ver, eu vi. Vi porque ganhava as entradas; íamos lá eu e minha irmã, com aqueles tailleurzinhos mais bonitinhos. Daí íamos nós, o pessoal ficava até admirado: “Como é que essas duas durangas aqui...”. Aquele chiquê bárbaro, né? E nós lá porque ganhávamos a entrada. Então tudo isso eu tive. São oportunidades que eu tive que jamais teria tido. Então, eu tive realmente uma adolescência, uma mocidade cor de rosa, porque Deus me ajudou, porque senão não teria. Por exemplo, quando eu falo... Puxa, ver Jean Louis Murat, La Comédie-Française, ver o Hamlet, né? Coisas assim que eu nunca iria... Ingressos caríssimos, proibitivos, mesmo. E ele me dava: “Então toma. Fica aqui, não fala pra ninguém, tal”. E depois voltava: “Assina aí”. Eu “tac”, “tac”, assinava: “Vai embora”. Quer dizer, nessa troca de favores, eu tive, na Aerovias, um conhecimento muito grande dessa parte que eu não teria tido. Então todos os lugares em que eu tive, na realidade, eu tive sorte; porque eu tive as coisas que me amadureceram amargamente, mas, em compensação, tive muita coisa do glamour, que eu nunca poderia ter tido. Aí a Aerovias Brasil...
P1 – E como foi, desse período até a Natura?
R - ...pra Natura.
P1 – Como foi? Em que ano que foi que a senhora começou?
R – Aí eu tive um período de dona de casa, pra acertar mais meu casamento, que estava realmente balançando de tantas coisas na minha cabeça. Eu querendo fazer [cursos e] o marido cortando – como o coral, como outras coisas. Então aí eu fiquei na minha, dando aulas particulares em casa, tendo os meus horários, tendo aluno, assim, que eu tinha – se eu quisesse, dava aluno até as 11 horas da noite, porque eu era considerada, assim, Santo Antônio pra matemática; ________ naquele tempo em que o aluno precisava de meio ponto, precisava, vamos supor, de 9, de 10; tirava 9,5, a professora... Não prestava. Então diziam: “Ah não, com a senhora meu filho tira”. Então tinha aquela responsabilidade tremenda, mas eu gostava do meu trabalho; gostava dos meus alunos, gostava também de dar aula. Inclusive, uma tia minha que vinha de vez em quando passar as férias aqui, professora fantástica, daquelas professoras mesmo... Um dia eu estava dando aula de história pra um aluno, e ela estava na sala - tinha lá uma sala que era minha sala de visitas, eu fiz uma salinha de aula, e depois tinha, então, uma outra sala, que era de visitas e tudo lá -, titia estava sentada, lendo o jornal, e ficou ouvindo a aula. Quando ele saiu, ela falou: “Gilza, você não sabe: eu tô encantada com a aula que você deu”. Aquilo foi pra mim o maior elogio. “Eu vi, mas que boa professora você é; você é fantástica. Você sabe que essa aula de história, eu gostaria que você até repetisse pra mim mesma. Porque eu, apesar de estar com todos esses anos de magistério, de terem me considerado tão boa professora, depois diretora de colégio, eu nunca assisti a uma aula (como a sua?)”. Então aquilo pra mim foi um elogio maravilhoso. Quer dizer, eu gostava do meu trabalho, eu me dava com empenho, eu tinha sucesso, meus alunos passavam; eu era professora particular, ganhava bem, mas tinha que fazer o aluno passar, e nunca tive um caso de reprovação, nunca. Então, quer dizer, eu fui feliz também nisso. Mas aí começou, a minha família começou a ter problemas, meu pai muito doente, precisando de coisas [e] eu queria suprir, queria fazer, precisava arrumar dinheiro. Então eu falei: “Meu Deus, eu preciso”. E tinha essa vizinha, tinha uma vizinha que trabalhava na Rhodia. Então ela falou pra mim: “Olha, a Rhodia fechou, Gilza, porque você não imagina: eles fizeram uma carteirinha, que a gente tinha que ter aquela carteirinha. Com isso, uma consultora botou uma ação contra eles, que eles tinham que pagar para a gente”. Porque a Rhodia, como é esse sistema porta a porta, a gente não tem salário, não tem nada, é só comissão. Mas eles, com aquela carteirinha, eles eram funcionários da empresa, então eles levantaram uma... Então tem que pagar pra aquele mundo de gente, aquele mundo de gente; a Rhodia fechou.
P2 – A Rhodia, nessa época, vendia cosméticos?
R – É, foi, ela abriu a parte de cosméticos; além dos tecidos [e] aquela parte química que ela tinha, ela abriu a cosméticos. E diz que era muito boa. Eu nunca tinha entrado. Eu era daquela geração, que minha mãe tinha uma pele linda, dizia: “Eu nunca usei nada”. Porque aquilo era um cartão, assim, de superioridade. Dizer que: “Não, eu não uso nada. Ih, não uso nada dessas coisas”. E aconteceu que eu fui criada... Não vi as minhas tias... Só tinha uma tia que usava, como se diz, creme Rugol, era muito vaidosa; tia-avó.
P2 – Creme Rugol era famoso.
R – É, creme Rugol. Ela tinha uma parafernália que ela levava pra tomar banho; ela levava Odol, que era pras..., levava creme Rugol, levava sabão aristolino, que era pra lavar o cabelo. Enfim, levava todas aquelas coisas, levava aquilo numa cestinha, botava, e ficava um tempão no banheiro. Porque quando ela vinha pra São Paulo, nós só tínhamos um banheiro, e o banheiro de baixo, da emprega; então, quer dizer, ela ficava no banheiro, todo mundo falava: “Ai, (Dindinha?) tá no banho?”. Porque ela ficava 3 horas; era a única que levava aquela parafernália. Não fui criada com essas coisas. Aí quando a Eugênia, que era essa minha vizinha, ela disse pra mim assim: “Olha, Gilza, nós vamos... Você não quer assistir a uma aula? Vai uma supervisora que é da Rhodia, ela é fantástica. Ela tem um conhecimento e tudo. Ela é muito boa supervisora”. E ela me convidou. “Diz que tem uns produtos que são uma coisa fantástica. Você tem tanto jeito, Gilza.” Não sabia que eu era boa vendedora; mas hoje eu sei que não fui boa, fui ótima. Até sou meio convencida, porque eu acho que ninguém sabe vender, porque a gente vende... Primeiro que o espaço da gente... Depois, isso, eu vou falar como se vende.
P1 – Depois a gente chega lá.
R – Como é que eu vendo, pelo menos; não vou dizer que tem uma regra.
P1 – Claro.
R – Então ela convidou-me, e nós fomos assistir à palestra da Iara. Essa senhora chamava-se Iara; Iara Pricoli de Melo. A Iara fez essa palestra, e ela realmente era uma pessoa, assim... Sabe, que falava grosso, machona e tal. Começou a dar a palestra dela, só que ela começou a falar das tais ampolas, que eram umas ampolas placentárias. A cosmética, no Brasil, não existia, pra começo de conversa; tinha aparecido a Rhodia, tinha por exemplo a Max Factor, essas coisas que você comprava na Casa Sloper, ou comprava no Mappin, uma colônia, uma coisa assim; tratamento, coisa assim que a pessoa se convencesse de que tinha que usar, só aquelas que iam pra Europa e que traziam os cremes importados. Assim mesmo, às vezes mal adquiridos e tudo, mas era europeu, era maravilhoso, era francês, era isso, era aquilo, então elas traziam. Mas a brasileira mesmo, de jeito nenhum. Mesmo as brasileiras com poder aquisitivo, realmente, não tinham consciência do que era a cosmetologia, do que era isso; não tinham nada disso. Então, aí, eu fui assistir àquela palestra, eu fiquei fascinada. Primeiro porque ela disse que aquelas ampolas, o que faziam era fantástico; que eram umas ampolas placentárias, __________ numa renovação das células, e que, com isso... Tanto é que o importador dessas ampolas, que era o seu Giovani (Biberson?), coisa assim, que ele era um homem que ele fez um teste nele: ele tinha um lado da pele em que ele aplicou as ampolas, esse lado todo mundo podia ver que era todo lisinho, e o lado dele, que tinha aqueles vincos, aquela coisa toda. Que aquilo era, realmente, fantástico; tinha o tratamento, que eram primeiro 15 ampolas, depois mais isso, depois aquilo - tinha uma sequência, pá, pá, pá, pá. E eu vi aquilo tudo, falei: “Meu Deus, mas isso deve ser fantástico. Imagina, vou vender um negócio assim...”. Só que ela pregou a maior mentira do século. O homem tinha um tumor aqui no rosto, e era estufadinho por causa disso. Então a minha primeira investida foi terrível, porque eu fui falar uma coisa que era uma mentira. E eu... Meu marido era um homem que dizia que não existe meia-verdade - ele era meio espartano –, nem meia mentira; que uma pessoa era verdadeira ou era mentirosa. Eu, se tivesse mentido, já estava com o diabo me espetando com um garfo. E eu fui a maior mentirosa da paróquia. Porque aí, quando eu fiz o curso, aquela coisarada toda, aquela historiada toda, tinha um sabonetinho com que você lava a pele, que eram aqueles (badegas?), tipo, daquelas algas pra banho - que aquilo tira tudo, né? Então, eu primeiro lavei o rosto com aquilo, achei que a pele tinha até esticado. Ih, fiquei maravilhada com aquilo tudo. Então eu falei: “Bom. Pra quem que eu vou vender? Pra aluno? Não fica bem, vai dizer: puxa, agora a professora vendendo creme, tal e coisa”. Mas eu tinha uma aluna, que ela me contratou pra dar aula de... Uma aula pra mãe dela, porque ela era uma pessoa que tinha subido muito, socialmente falando, e ela queria que a mãe dela também frequentasse. Então ela queria que eu desse um curso, por exemplo, sobre tudo: sobre arte, o que é que eram os estilos de pintura... Enfim, o curso seria, assim, um curso variado. De português, pra falar certas coisas que não se dizem, certos modismos, qualquer coisa assim, o que era, o que não era. E ela me ofereceu pagar muito bem. E que a mãe dela estava ficando, ela achava que a mãe dela estava ficando esquecida, porque estava no ostracismo, e ela estava com uma vida social muito grande. E ela, não sei se o marido dela era do Itamaraty, sei lá o que é que era, só sei que ela tinha um apartamento maravilhoso na Higienópolis. Eu falei: “Ah, eu vou vender pra ela. Eu vou chegar e vou falar pra ela, ver se ela quer comprar pra mãe dela”. Cheguei lá, deitei toda a minha falação. Cheguei... Eu sempre achei, mesmo como professora, que o espaço pra mim era fundamental na vida. O espaço nosso, na casa da cliente, no momento em que nós íamos entrar, é um espaço muito delicado. A gente não podia fazer pergunta, não podia ir ao banheiro, quer dizer, tinha que ter aquela cerimônia, e fazer aquele papel. Fazer, como eu disse, vestir a vestimenta do papel de que era uma pessoa que entendia da coisa, que estava ali querendo proporcionar a ela uma melhora, que estava levando alguma coisa pra ela, e não tirando. No ponto em que ela sentisse que o que ela fosse gastar seria pequeno. Quer dizer, eu tinha que oferecer algo mais pra ela. Então que é que eu poderia oferecer, aquele algo mais, que eu estava entendendo? O rejuvenescimento, ter uma pele muito melhor, cuidar mais, sentir que aquela pele, tudo aquilo, tinha que ter um investimento, que seria como uma poupança. Que ela vai cuidando da pele, e quando ela chegasse numa certa idade, talvez ela não tivesse dinheiro, mas ela teria a pele... Esse retorno ela teria olhando-se no espelho. Que ela era o seu melhor quadro, ela tinha que se analisar, ver numa maquiagem quais eram os pontos que ela tinha que salientar, os que ela tinha que escurecer... Quer dizer, ela tinha que entender, num todo, o que era o auto cuidar-se. E que eram umas coisas que não eram um banho de Cleópatra, daquele dia entrar numa banheira, botar sais, botar isso. Não; eram pequeninos cuidados com a homeopatia que iam (somatizando-se?) até um efeito. E que eram coisas a que ela tinha que se submeter, sabendo que aquilo ela tinha que limpar todo dia, seguindo aquele ritual, limpando, tonificando, hidratando. Que ela tinha que passar alguma coisa no corpo, lavar o corpo pra tirar as células mortas com uma esponja, de preferência; não passar, entrar numa chuveirada aqui, sair por ali. Que ela tinha que se tocar, se sentir. Tinha mulheres, por exemplo, que diziam pra mim: “Eu não sei, a gente, como não é... Sabe que eu não me olho, não vejo nem meus pelos, nem nada?”, “Mas você não se olha? Você tem que se olhar, você tem que se tocar. A sua energia, que você tem, você tem que passar pra você. O seu banho tem que ser um ritual”. Então, quer dizer, dava tudo aquilo como uma aula, e a mulher se sentia, assim, empolgada. Porque eu entendia [que] eu também estava fazendo aquilo, achava que eu também, eu tinha que me cuidar. “Imagina, eu tô com uma ruguinha aqui, que horror. Meu Deus, meu cotovelo; não quero ter cotovelo...” Até hoje meu cotovelo é fininho, porque eu todo dia passo lá a esponjinha nele. Porque eu comecei a ver que eu podia ter alguma coisa. Aliás, vocês viram, eu tô com 74 anos [e] eu tô inteira; eu não uso sutiã, eu tô firminha aqui. Quer dizer, então, realmente... Não tô, ah, aquela Brastemp, mas pelo menos...
P1 – Tá muito bem.
R - ...tô me sentido muito melhor do que se eu estivesse como muita gente, que eu dou a mão, parece que é um calo só, né? O braço, parece um cachorro que tá aqui, você já viu? O cotovelo, tem mulheres cujo cotovelo fica desse tamanho, tudo pendurado, pregueado, coisa esquisita, né? Eu posso usar uma blusinha sem manga, posso botar um vestidinho só de alcinha, quer dizer... Como uma senhora, mas posso, né? Se eu sentir calor, posso ter uma roupinha decente e ainda decotada. Isso tudo eu consegui transformar; que a mulher sentisse, e que ela tinha que sentir aquilo porque ela estava investindo nela mesma. Que é que adiantava: todo mundo toca, todo mundo aperta, e ela mesmo... Eu falei pra uma mulher que tinha um fulano de que gostava, fazia isso... Eu falei: “Escute, me desculpe, não vou nem entrar nesses detalhes, mas pelo que eu vejo todo mundo tá lhe apertando, e a senhora mesmo não se aperta? A senhora que tem que se energizar. Se eu pudesse, eu até fazia assim: Oh, meu Deus, me dê luz, me dê forças. Porque as nossas mãos são um potencial de energia. Se a senhora não quer analisar isso tudo se cuidando, a senhora vai ter... Tem uma casa maravilhosa, sabão pra lavar cortina, removedor pro tapete, e a senhora quer comprar um sabonete no supermercado pra lavar tudo?”. Isso tá completamente errado. Quer dizer, vamos mudar esse conceito.
P1 – E a senhora vendia Rhodia?
R – Não, não vendi Rhodia.
P1 – Não vendeu Rhodia?
R - Não, não cheguei a vender.
P1 – Não chegou a vender.
R – Tô falando como é que eu entendi tudo, e fui, a primeira vez, levar o (Alghemarin?), que era um nome em alemão, eu fui levar pra essa senhora. Só que eu tinha uma sorte danada, embora eu tivesse queimado toda essa clientela. Porque eu fui lá dizendo que estufava aqui, que... Não pode dizer: com 15 ampolas ela ia ficar estufada? Quer dizer, se eu tivesse dito que aquilo não era, ia começar, mas a longo prazo... Mas eu queimei essa mulherada. Eu aprendi a corso, numa boa duma paulada. Porque eu cheguei lá, ela reuniu, numa reunião, a nata “de la créme” de São Paulo - inclusive, dona Maria do Carmo Sodré, que era primeira-dama de São Paulo -, e todo mundo ficou entusiasmado: “Nossa, mas a senhora é fantástica”. Porque eu dei uma aula, né, dei uma palestra, me empolguei toda: porque tinha que se cuidar, tinha... “Porque a limpeza tinha um papel fundamental; era, por exemplo, como a senhora ter um assoalho, a senhora primeiro... Que é que a senhora vai fazer? O assoalho tá feio. A senhora tem que passar uma palhinha de aço, limpar tudo, fazer aquela... Lixamento, vamos dizer assim, do assoalho. Aí depois o que é que a senhora faz? Depois [a] senhora tem que pegar um pano com removedor, tirar tudo aquilo, e depois então a senhora tem que... Com esse removedor, o que a senhora faz? A senhora limpa tudo, depois a senhora, com uma loção limpinha pro taco, pra tudo, a senhora passa, pra depois passar a cera pro brilho. A pele é a mesma coisa. A senhora primeiro tem que... Tá cheia de célula morta; a senhora primeiro tem que tirar, fazer uma descamaçãozinha, se ela estiver feito casca de laranja. Se não estiver, for uma pele fina, a senhora tem que passar um creme de limpeza pra limpá-la bem, em movimentozinhos rotativos. Depois, com uma esponjinha, retirar tudo. Aí, a senhora, que é que a senhora vai fazer: vai tirar com água, porque a limpeza, ela faz o papel do removedor, do sabão de cozinha, de tudo; ela limpa. Se a senhora limpar a parede com sabão de côco, depois a senhora tem que tirar aquele sabão de côco da parede, e é assim com o seu rosto; você tem que lavar, depois a senhora enxuga a pele, passa a loção tônica, porque a tônica - já chama tônica porque ela tem que devolver o tônus à pele. Ela tem que recompor o amolecimento, porque tudo que a senhora limpa provoca o amolecimento. A senhora lava roupa, amolece; a senhora limpa a parede, também tira... A pele também amolece; imperceptivelmente, mas ela vai sofrendo um (papel?) de amolecimento. Então, a senhora [precisa] devolver. Por isso que chama tônica; ela devolve o tônus, é importante”. Porque ela dizia assim: “Não, eu quero só limpeza, não quero tônico”, “Não, a senhora tem que comprar o tônico, porque o tônico, realmente, é indispensável. A senhora não pode, vai fazer uma receita, vai fazer um strogonoff, tem que pôr tudo que leva; se a senhora não puser o ketchup, ou não puser a carne, ou não puser... Faltou alguma coisa. A senhora tem a receita... Isso é uma receita. É como a homeopatia: a senhora não tem que, de meia em meia hora, tomar aquelas gotinhas? E não funciona? Funciona muito melhor até que a alopatia. Por quê? Porque estão (somatizando?) tudo aquilo. A senhora vai se cuidando, sentindo, e a senhora, sua própria melhora, vai ver que a senhora... Quando eu voltar aqui, se a senhora... Se eu der só pra senhora a limpeza e a tônica, a senhora vai usar uma semana. No fim da semana, vai me telefonar pra eu trazer o hidratante. A senhora vai se olhar no espelho, a senhora vai ver que sua pele tá mais clara, tem mais vida. Faça isso. Não precisa comprar o hidratante hoje”. E, realmente, eu era feito uma fada-madrinha, porque elas... E, graças a Deus, eu tenho clientes que já vendi pra avó, já vendi pra mãe, tô vendendo pra neta e daqui a pouco pra bisneta. Quer dizer, porque é a Gilza: “Gilza, eu comprei esse creme assim [e] assim. Você acha que é bom? Você que ___________ bem?”. Quer dizer, é porque confia. Sempre fiquei com aquela auréola. Não que eu não quisesse vender, lógico, mas às vezes... Eu fui, uma vez, quando eu fazia programa de televisão, indistintamente ________ a pessoa não tinha os dois dentes da frente. Ela me chamou pra ver, lá, as coisas, e disse assim pra mim: “Eu quero fazer tudo isso, porque eu preciso arranjar um marido rico pra minha filha”, “Eu vou falar uma coisa pra você: em primeiro lugar, você vai ter que ir a um bom dentista e colocar esses dois dentinhos. Porque depois que você tiver esses dois dentinhos, eu posso até ver aqui e não te cobrar nada, trazer umas amostrinhas pra você, e você vai se sentindo melhor e tudo. Por que você acha que um creme, alguma coisa... Não vão te suprir essa falha. O que eu faço não é um milagre; é despertar em você o valor de você se sentir mais importante. Você não tá se sentindo importante. Você ficou, até agora, disse que tá sem dinheiro, não sei o que, mas você sabe que isso aqui é primordial? Primordial. Você tem que sentir que você, num todo... Se faltar uma unhazinha, experimenta, tenta colocar essa unhazinha. Porque você é muito mais importante até que essa cosmética. Isso aqui é um acessório, mas vamos primeiro lutar pelo que você tem. Você é uma moça muito bonita. A hora que você puser esse dente...”. Quer dizer, então eu nunca tive, nunca me chamei (dinheiro?). Isso é fundamental. Se o vendedor chamar, quer vender em primeiro lugar, empurrar: não é vendedor. O vendedor, ele tem que colocar a filosofia dele na cabeça do cliente; tem que fazer o cliente acreditar que ele realmente tá levando uma solução pra ele, senão você não tá vendendo. E tem que conhecer muito bem aquilo que você faz. Isso que eu digo: que hoje em dia – não é uma crítica -, essas mulheres que vendem; se você perguntar do que é que é feito o produto deles, elas nem sabem. Elas sabem, sim, que tem que vender; quanto mais vende... Elas vendem. Mas não é assim. A coisa... Quer dizer, pode ser; mas você, pra plantar o tijolinho, pra fazer a coisa crescer como a Natura cresceu, é porque ela teve um bom alicerce.
P1 – Como foi a sua passagem da Algemarin pra Natura?
R – Então, aí, da Algemarin, eu comecei....
P1 – E o produto da Natura que marca a história da senhora?
R – É, deixa eu falar. Vendendo Algemarin, eu conheci uma colega que dizia assim: “Mas Gilza, você tem pra corpo?”. Eu falei: “Não”, “Olha, tem um lugar, tem uma lojinha na Oscar Freire, tem um fulano lá que vende um creme chamado (Maigrete?). Esse creme é bárbaro; ele tira, realmente, a celulite. Ele é muito bom. Ele é um creme emagrecedor - só tinha esse (Maigrete?) da linha profissional. Depois ele apareceu na linha de cliente. Foi o primeiro produto, assim, que eu entendi da Natura. - E você vai lá...” Aí eu fui lá, conheci o Luiz. Ele tinha loja, era um homem charmoso, a loja de muito bom gosto, e ele tinha uma coisa: ele era o próprio consultor. Esnobe, né? Quando ele viu que eu falava francês, ele ficou meio, assim, já meio balançado. Mas aí acontece que eu comprar, só, o (Maigrete?); só queria comprar o (Maigrete?). Mas eu fiquei por ali bobeando e vi ele atender uma cliente. Ele atendeu...
P2 – Já era Natura ou era...?
R – Já era Natura.
P2 – Ah, tá.
R – Já era Natura... Eu vou dizer porque, como é que começou. Aí, então, eu comprar esse determinado (Maigrete?), mas me interessou muito a figura do Luiz, porque ele foi o primeiro consultor. E eu achei que ele era o consultor de beleza. Ele pegava na pele da cliente, ali, tal, examinava... E tinha até uma cliente, que era minha cliente de Algemarin, e ela estava lá comprando. Chamava - sempre eu falo _________ dessa cliente -, o nome dela é um nome que não existe, acho outro, o nome dela é (Donatista? ). Então, essa (Donatista?), eu encontrei com ela lá. Ela disse: “Não, vim buscar”. Depois ela disse: “Ai não, Gilza, sabe o que acontece? Eu uso as suas ampolinhas – porque ela comprava pras filhas, as ampolas -, mas eu trato da pele com ele. Ah, ele sabe, ele entende”. Aí eu fui me interessando e tudo mais, e comecei a saber. O Luiz, ele tinha essa... Não, ele ainda não estava ali. Ele estava era na Consolação... Peraí, depois é que ele foi pra ali. Ele ainda tinha... Ele só tinha... Fábrica, o negócio era fabricado. Eu fui comprar esses (Maigretes?). Depois ele estava montando essa loja. Quando ele estava montando essa loja é que eu assisti a uma venda dele, que eu encontrei com a (Donatista?). Porque a Natura nasceu da seguinte maneira: ele, os produtos da, o Luiz, ele era vendedor da (Hamilton?), barbeador elétrico. Ele conheceu um rapaz, que era o Jean, que era filho de um senhor chamado seu Pierre, que tinha uma casa na rua Oscar Freire chamada Chez Pierre. Essa casa era, assim, uma estética que funcionava com duas coisas - que todo mundo já falava disso - que eram duas coisas fantásticas: que ele tinha solução pra celulite, e solução pra calvície. Só que esse seu Pierre, ele fazia uma espécie de terror. Pra calvície, eram umas ampolinhas que tinha que levar pro mês inteiro; tanto que um cliente meu, depois um dia me contou que foi viajar com aquelas ampolinhas, ficou três horas no coiso, porque pensaram que aquilo era droga, e não tinha nem bula nem nada pra saber, pra ele explicar que aquilo não era, que eram coisas que eram pra passar na careca; aí foi um Deus nos acuda. (Aterrorizaram?). Depois uma outra cliente minha, também, que fazia tratamento pra celulite, eram uns tirinhos que ele dava na pele, que era pra tirar o tecido gorduroso. Mas isso depois até foi proibido, porque junto com o tecido gorduroso tirava o tecido conjuntivo também. Então foi uma coisa que... Depois teve aquela Clínica Dr. (Sless?), tudo... Mas essas coisas, aquilo tudo foi uma coisa [que] não deu certo. Mas acontece que seu Pierre – isso até eu gostaria que não fosse publicado, só pra vocês entenderem -, o seu Pierre, ele arranjou uma caixa pra trabalhar na clínica dele, que era uma nortista, uma mocinha, e se encantou com ela. Aí ele virou o disco: a mãe, a senhora dele, que era uma grande esteticista em São Paulo, dona Caterine, uma senhora francesa – eles todos eram franceses... Ele virou o disco, transferiu todos os bens pra outra, e deixou os filhos e a mulher muito mal de situação. Ele ficou... O filho dele, o Jean, pegou umas fórmulas de algumas coisas dele, se juntou com o Luiz, que era barbeador, e se uniram pra fazer, então, a Natura, pra fazer alguns cremes. E eram, realmente, as fórmulas do tal do Pierre, deviam ser muito boas, porque essa linha que o Luiz começou, da Natura, era uma linha compacta, pequena, mas muito boa. As coisas que ele teve... Eu que estava começando com produtos importados, que era Algemarin, produtos alemães... Porque, você veja bem: você entrar com produto alemão, todo mundo tinha uma credibilidade. Dizia: “Alemão é muito bom. Alemão é uma coisa”. Os alemães... Entrar com produto brasileiro era arrasado em matéria de credibilidade. “Ah, brasileiro...” Depois [também], o produto não tinha bula. Ele não tinha, era super... Eram umas coisas muito primárias ainda. Pra falar a verdade, muito pobres, mas a coisa era boa.
P1 – E o alemão tinha bula?
R – Era um cosmético muito bom.
P1 – O produto alemão já era bem desenvolvido?
R – Ah, era... Esse tal de seu Giovani, que era o estufadinho, lá, ele trouxe esses produtos porque ele, realmente, teve um sucesso muito grande neles. Só que o brasileiro... Não sei, ele parece que fez uma “mandraqueragem”, que ele começou a trazer os produtos de contrabando pela América do Sul, e não botar o “know how” como tinha que botar, a fábrica parece que tirou o “know how” [e] aquilo tudo degringolou. Mas, mesmo quando a coisa não estava degringolando, eu comecei a vender os produtos da Natura. Comecei a vender os produtos da Natura, o tal (Magreti?), que era muito bom, e uma loção tônica que eles tinham, que chamava Loção Hiperhidratante, que era uma loção feita de azuleno, que era o caule da camomila. Como eu já tinha contato com dois grandes esteticistas de São Paulo, que eram o Zé ______ - depois morreu de AIDS -, e o outro, que também era o... Ele era maquiador da Tupi, como é que ele se chama? Esqueci o nome dele. Era o maquiador da Tupi. Os dois morreram tragicamente. Mas eles dois, eu consegui com que eles comprassem a Loção Hiperhidratante pra usar no dia a dia. E eles ficaram maravilhados porque a função da loção, é uma loção balsâmica; ao mesmo tempo em que ela devolve o tônus à pele, ela tem um efeito calmante, de dar, assim, a tranquilidade pra pele depois de uma limpeza. Depois... Entendeu? Ela... E se você usar somente a limpeza e uma tônica, você já tá tratando 80% da pele. E eles, numa limpeza de pele, um bom esteticista, ele faz bandagem com loção tônica e deixa a mulher ali descansando, porque ele dá um traumatismo; ele tira cravos, cutuca... Então, pra mulher não sair de lá vermelha que nem um pimentão e tudo, ele tem necessidade de depois fazer aquela parte, tudo. Porque eu fiz curso de estética no Senac: tem que fazer aquelas bandagens, tem que fazer aquelas aplicações, ir molhando com a própria tônica. E como era uma tônica muito boa, assim, que vendia pra chuchu. Até no meu livro eu falo que eu fui vender pra uma francesa e ela gostou tanto da tônica que ela me pediu de cara 3 dúzias. Eu falei: “3 dúzias?”, “É, que... Não, vou dar pras minhas amigas”, “Oh, ótimo”. Aí, sabe que só por causa dessa cliente, eu vendi num mês 350 loções tônicas?
P1 – Já era Natura?
R – Já era Natura. Então eu comecei a me encantar com os produtos da Natura, que apesar de simples, de não terem... E outra coisa: a Iara, que era da Algemarin, por isso... Ela passou com armas e bagagens para a Natura, porque ela viu que ali ela estava tendo um sucesso maior do que na Algemarin. Porque na Algemarin ela teve, também, mas aí ela criou, botou na cabeça do _______, que ao invés de terem aquela... Ela... Aliás, ela deu rasteira em um monte de gente pra fazer isso. Mas deu. Deu e fez. E ela foi um trator, sabe? Ela levantou a Natura, muito. Porque veja bem, ela pegou, o que é que ela fez? Ela botou uma distribuidora. Dessa distribuidora ela era a sócia majoritária, junto com o Luiz. Só que o Luiz e o Jean não deram nem uma bica nela _________ dos produtos Natura; só deixaram pra ela a distribuição da Natura. Então o que é que ela fez? Ela montou logo uma loja na Lorena, quase esquina da Augusta, uma loja muito bonitinha, começou a contratar supervisoras da Natura – porque só tinha vendedoras, eu, pelo menos, era uma vendedora, não tinha nenhuma. Chegava lá: “Quero 3 dúzias de (Maigrete?)”. Paga. “Eu quero 5 dúzias de loção tônica.” Tá, levava, pagava, tudo bem. Dava um cheque, tá, tá, tá, ia embora. Vendendo e vendendo, uma alta rotatividade. Quando eu fui pra lá, ela botou na minha cabeça que eu tinha que ser supervisora; foi a pior viagem que eu fiz. Porque eu vinha já vendendo muito, tanto é que na Algemarin eu ganhei um carro. Seu Giovani me deu um carro, me deu um fusca - porque eu não tinha carro, ele me deu logo um carro. Porque ele achou que era uma absurdo. Ah, porque ele – você veja só como é que eu vendia lá na Algemarin -, ele fez um concurso assim: na Algemarin tinha uma firma, vendedoras e supervisoras. Tinha 5 supervisoras, com 5 equipes; cada equipe dessas equipes tinha 30 consultoras. Então ele tinha 30X5... 3X5... Não, 5X....
P1 – 3X5, 15.
R – 250, né?
P1 – 150.
R – Não, tem 250. Tinha 25 e cada uma... Ela tinha... Se fossem 10, ele tinha... 250... Tinha esse bloco todo de vendedoras.
P1 – 265.
R – Isso. Essas 267, ele disse que cada equipe tinha, de 25 consultoras. 25... Não sei se eram 25., 30. De 30 consultoras, elas tinham que vender, cada uma, 50... Pelo menos, 2 caixas de ampolas. Cada caixa tinha 50 ampolas, então cada vendedora tinha que vender 50 ampolas. Só que, se nessa equipe, uma furasse, não entrava no concurso. Tinha que cada uma vender 100 ampolas pra que essa ampola fechasse. Aí ele ia dar um carro, um fusca, pra cada equipe que tivesse... Pra 30, tinha um carro. Só que nenhuma equipe fechou; nenhuma. Só fechou a minha, porque, por exemplo, se eu fizesse 200, eu fechava pra minha colega; se eu fechasse 400 ampolas, eu fechava pra minha segunda colega. Então eu vendi, nesse... Eu já vendia tanta ampola, pelo amor de Deus... Porque eu já sabia que a ampola fazia efeito, mas não eram 15; tinha que usar pelo menos 50. Então, aí, meu papo já era outro. Elas faziam efeito? Faziam. Essas ampolas placentárias realmente eram muito boas. Tanto que eu conheci, fiz o curso no Senac, o professor Amir, que era um grande professor de cosmética e de massagem facial - ele até dava aula no hospital das clínicas pra médicos que iam fazer transplante de queimados usando a pele, porque a pele precisa ser massagem tanto por quem recebia como quem doava -, e a primeira pessoa que ele me deu, ele me deu uma pessoa que aquele médico Raul (Noebi?) - que era médico plástico, fazia desastres, pelo amor de Deus... Ele fez um desastre na cara dessa... Quando eu cheguei... E a Iara tinha dado um papel pra gente, que a gente tinha: pele mista, pele oleosa, pele com acne; a gente tinha que enquadrar a pessoa naquele tipo de pele. Quando eu cheguei lá, meu Deus. Eu ficava com os papéis: “Mas como será que eu vou enquadrar essa mulher aqui?”. A pele dela era queimada de uma maneira que parecia pele de (tamborim?). Esticada, ______ manchas de queimadura, horríveis. E tinha acne, ainda. Então foi...
P2 – Vamos tomar uma água? Faltou a voz agora.
R – Faltou...
[Pausa]
P1 – Nós paramos...
R – Falando das ampolas, né?
P1 – Das ampolas, dos produtos.
R – Então, aí...
P1 – Só um minutinho, ele vai avisar.
R – A Iara, inteligentemente, ela viu; como ela vinha de uma firma com produtos importados, e que ela via que essa firma tinha toda uma estrutura de contratar supervisoras, de ter treinamentos especializados sobre os produtos, e a formação de uma equipe de consultoras, ela fez a mesma coisa. Então ela formou uma empresa que se chamou Pró-Estética. Essa empresa... Eu estou querendo um lencinho, desculpe interromper, mas onde está a minha bolsa?
P1 – Imagina, um minutinho...
[Pausa]
P1 – Ela trouxe, então, todo esse sistema, metodologia?
R – Tudo, toda essa estrutura, toda a metodologia de uma firma pra funcionar com uma equipe de supervisoras, treinamentos e tudo, ela fez. Primeiro que ela escolheu o local com muita felicidade mesmo, porque era na Augusta, que naquele tempo tinha todo aquele... Esquina com a Lorena, cercado das melhores lojas, das melhores boutiques e tudo mais, então, ali, o público passante, era um público, já, de outro nível e tudo mais; um público que já estava mais familiarizado com lojas de cosméticos e tudo isso. E aí ela começou a treinar. Ela era uma mulher de uma personalidade realmente muito agressiva, em tudo o que ela fazia, e principalmente uma agressividade até nos treinamentos. E, por incrível que pareça, na venda, a agressividade às vezes é muito necessária; a pessoa tem aquela.... Ela fazia a pessoa sentir aquilo como se fosse uma filosofia, que tinha, realmente, a pessoa, que o auto-cuidado era uma arma; que a gente ia com toda aquela capacidade, que a gente tinha.... Que a mulher estava sendo muito mais beneficiada com a compra [do] que nós pela venda. E ela tinha também uma didática muito boa na formação de consultoras. Então ela ia cercando, muito inteligentemente, ela começou a se cercar de privilégios pra essas consultoras: formando, começando a dar festas, premiações, premiações muito boas, lanches, jantares, e festas. Uma festa anual que era cercada, assim, de todo o glamour, de todo... As pessoas que ela arregimentou, primeiro, foram senhoras de um certo nível, e ali, algumas, várias foram se aproximando por vários motivos; umas que iam se profissionalizar, porque não tinham se profissionalizado até então, outras porque tinham, queriam mostrar aos maridos que também tinham capacidade pra ganhar algum dinheiro, outras ainda por vaidade, que sentiam que ali era um meio delas também poderem adquirir os produtos, e outras ainda por uma necessidade muito grande de ganhar dinheiro, como é meu caso - porque eu ____________ queria ganhar mais dinheiro. Mas era um grupo de senhoras que era um bando de senhoras com uma certa cultura, com um certo “know how” familiar, enfim, com uma estrutura que já as colocava num patamar bem diferenciado de qualquer vendedora. E isso aí foi... Ela se sentia muito valorizada dentro daquela empresa. Desde o momento em que ela botava os pés, aquilo era criado como se trabalhasse com a Natura, com os produtos da Natura, e principalmente - porque ela queria que a Pós-Estética tivesse um nome maior ainda que a própria Natura -, que trabalhar pra Pró-Estética – porque a Pró-Estética é que pagava os cursos, que dava as festas, dava os prêmios, enfim... Tudo isso, a pessoa falava, assim, mais da Pró-Estética que da própria Natura. Se bem que a Pró-Estética era como um robô, não tinha alma, porque a alma era a própria Natura; ela tinha toda uma estrutura, mas o produto, que realmente era fantástico, era da Natura. E ela fazia com que cada lançamento desse produto fosse uma coisa criada com uma atmosfera de expectativa, que aquilo era mais um ganho pra gente - porque vinha vindo uma coisa que ia nos abrir mais portas, entendeu? Era toda uma atmosfera que a gente vivenciava a cada produto. Cada produto que era lançado, você tinha aquela consciência; aquele produto era de, dissecado, mostrado, feito, que você tinha consciência de que você estava levando algo mais pra __________. E nessas técnicas de venda você ia se aprimorando, ia se sentindo cada vez mais consciente do seu papel, cada vez com mais personalidade [e] autoconfiança. Então você ia desenvolvendo todo o trabalho e a Natura crescia. Ela foi crescendo cada vez mais e ampliando. Quando chegou num ponto em que começou a entrar então a geração que eles chamaram da segunda geração de cosmética, que foram entrando as ampolas placentárias - já existiam no exterior -, os cremes com colágeno e elastina, que eram substâncias de que estava se falando naquela ocasião. E então, ela, inteligentemente, lançou uma linha chamada Perena, que essa linha além de muito boa, possui uma ótima limpeza, uma ótima tônica. Ela resolveu lançar com dois cremes: o creme hidratante diurno e o creme nutritivo, que era o creme noturno. E ela só vendia, só era permitido vender esse creme – olha a inteligência dela – aos pares. A mulher falava: “Não, não quero comprar o hidratante”, “Mas o hidratante só [sozinho] não vende, tem que vender o hidratante e o nutritivo”. Cada vez mais ampliando aquela somatização de produtos que vinham resultando num resultado cada vez melhor. E esses produtos, como tudo que a Natura lançou – é verdade que eu visto a roupa ________ da Natura, mas de qualquer maneira -, eram ótimos. A gente vendia, porque esse slogan “Natura, verdade em cosmética”, desde que ela colocou o primeiro creme, que eram aqueles cremes hiperhidratantes, cremes (nualva?), enfim, aqueles cremes que dão bastante nostalgia a gente lembrando – creme pro busto, que era ótimo, chamado creme (Tamas?), o creme (Véuveu?) pras mãos -, todo aquele passado de cremes que foi se envelhecendo, e foi adquirindo coisas novas - eram muito bons. Tanto que a gente, eu tinha...
P1 – Só um pouquinho, desculpe interromper. Só pra aproveitar esse gancho: esses cremes, essa linha Perena, por exemplo, a gente pode dizer que ela tinha a cara da Natura?
R – Tinha, é uma linha...
P1 – Qual era a que mais tinha a cara da Natura?
R – Era a mais.... A primeira cara é a verdade; um creme verdadeiro, um creme que realmente produzia um efeito, que ia transformar a mulher naquilo que a gente estava procurando. Era uma mulher que ela mesma tinha o autocuidado, ela mesma... Ela não ia precisar entregar a cara dela pra um instituto de beleza, pra um dia de maravilha, não; ela mesma, todo dia ela ia olhar no espelho notando o que é que era melhor, pequenas melhoras que iam chegar no fim... E tinha criaturas, por exemplos, que recomendavam pras amigas: “Não, estou usando o creme Perena, porque é fora de série”. E queriam aquele hidratante. Tanto que, veja bem, as coisas eram tão boas... Quando a Natura - que eu comecei com a Natura, nos idos anos de 69. Quando comecei na lojinha do Luiz, comprando os seus próprios cremes, nós tínhamos 2 shampoos: shampoo número 1 [e] número 2. Shampoo número 1 pra cabelo seco, shampoo número 2 pra cabelo oleoso. Esses shampoos eram [de] um conceito maravilhoso, porque eram shampoo e creme; a pessoa passava o shampoo no cabelo e depois lavava. Então era um conceito fantástico, porque já era shampoo, já era creme, já era condicionador. Era tudo. E eles eram muito bons. Eu tive uma dificuldade, depois, quando entrou linha de shampoos, pra depois dizer que tinha shampoo pra cabelo oleoso... “Não, não quero nada disso; eu quero meu shampoo número 1”. O Outro: “Eu quero meu shampoo número 2”. Eu tenho até hoje um cliente, que ele tá com 85 anos, ele fala: “Olha, a Natura cresceu, mas aquelas coisas que eram boas”. Um saudosismo tremendo, porque realmente deixava saudade.
P1 – Esses produtos, atualmente, alguns saíram de linha. E os substitutos? A senhora acha que são os mais vendidos, [que] eles continuam no top de linha?
R – Claro, lógico. Porque veja bem, nós estamos na quinta geração de cosmética; nós vínhamos da primeira, da segunda, da terceira, cada vez mais foram entrando elementos novos. Quando essa linha Perena saiu de linha, foi um Deus nos acuda. Eu um dia cheguei a falar com o Luiz, que eu disse – ele estava tirando a linha Perena -, eu falei: “Luiz, você tá tirando a linha Perena...”. Porque ele entrou com a linha Chronos, uma linha fantástica e tudo mais, mas tinha tanta gente que não queria nem ouvir falar em Chronos, que eu falei: “Luiz, não tô dizendo que você vai desestruturar a Natura, mas que você vai tirar um tijolinho de lá, você vai. Não tira a linha Perena.” Ele prolongou a linha Perena, a meu pedido, por mais um ano, para que a gente tivesse mais tempo de fazer a mulher se conduzir. Porque foi uma coisa que ________ Pá. Ela não queria, dizia: “Não, não quero. Eu quero a minha Perena, mas cadê a minha Perena? Eu não quero esse creme, Gilza, eu não quero; esse creme dá alergia”. Inventava até que tinha coisa que tinha dado, porque, veja bem: a Natura tinha, começamos a entrar, descobrimos o que eram radicais livres, que a gente nem conhecia, que no entanto são toxinas que destroem a pele, e que agora, hoje em dia, os cremes têm que ter os anti-radicais livres, que é pra suster esse envelhecimento da pele. Quer dizer, cada vez mais nós temos possibilidades, e essas possibilidades, você tem que abandonar. Por exemplo, a Natura, toda vida, tira batom pra botar batom; porque se ela tivesse desde o primeiro batom, você tinha que carregar um saco de batons quando fosse na cliente, maior que você. Já pensou? Do meu tempo de Natura pra hoje, batons que, se tivesse ainda do primeiro batom que eles lançaram na minha ________, eu hoje não tinha nem condição de carregar a sacola dos batons; precisava ter dois carregadores só pra carregar os batons. Então há uma mobilidade, e essa mobilidade é criada como? Hoje em dia, cada vez mais, isso tem sido aprofundado, com “showrooms”. Hoje em dia você tem oficina de... A Natura cresceu de tal maneira que tudo aquilo que tinha ficou com muito mais glamour, muito mais... Mas aqueles, o saudosismo daquela época ainda é grande, porque realmente, você vê: pra mulheres, donas de casa, uma senhora que não tinha se profissionalizado, a outra pra que o marido não dava importância, fazer uma festa de fim de ano com vestidos maravilhosos, em locais como o Buffet França, como o Torres, Buffet Torres, e outros buffets, restaurantes, jantares no O Profeta, restaurantes caríssimos, o Terraço Itália, lugares que elas, provavelmente, com muita dificuldade podiam frequentar, e ter aquela oportunidade de aparecer naquelas festas maravilhosas. Aquilo tudo [se] cercava de um mundo muito diferente daquele mundo do dia a dia. E a Iara, cada vez mais... Chegou um ponto na vida dela, e na vida da empresa, em que ela percebeu que a Pró-Estética tinha crescido, era uma firma imensa, tinha uma bruta de uma sede na avenida Brasil - já tinha passado por mais dois endereços, todos cada vez melhorando mais, cada vez casas mais bonitas, mais confortáveis e tudo mais. E ela chegou num ponto em que disse: “Bom, e se o Luiz tirar a distribuição minha, que é que eu faço? Que é que eu vou botar aqui? Todo mundo... Nem que eu bote o perfume das ‘mil maravilhas’; o pessoal vai querer a Natura. Botando a Natura ______”. Então ela resolveu criar, faltava no mercado, [então] tinha uma abertura de mercado pra linha de maquiagem. Então ela resolveu botar uma linha maquiagem da qual ela fosse dona; ela juntou-se com o químico, que era o Anísio, e o Guilherme, que era uma pessoa que tinha vindo... Até eu digo, o Gilherme é o tipo do “self-made man”, porque ele apareceu, uma pessoa sozinha, que tinha a distribuição da Natura, que era (Meridien?) em vários estados, mas ele, na Natura mesmo, tinha entrado assim, “tchum”, entrou já pela porta da frente, já com ações da Iga, que se chamou lá, ________. A fábrica chamava-se Iga, que era Iara, Guilherme e Anísio, eram os três. Então, esses três, ela montou uma fábrica na João Dias. Eu, nessa ocasião, eu vendia pra Deus e o mundo de São Paulo, eu tinha...
P1 – Aproveitando: a trajetória profissional da senhora estava dentro disso? Estava no auge... Então, a senhora estava no auge?
R – No auge.
P1 – Com quantos anos de Natura, nessa época?
R – Eu já tinha, nessa ocasião, espera um pouquinho.... Em 70, de 70 a 80... Em 80 eu já tinha 20 e poucos anos, né?
P1 – Tá. Já tinha passado pelos prêmios...
R – Nossa,...
P1 – ...tinha os broches...
R - ...eu era, assim... Ninguém nem queria concorrer; se eles tivessem me dado os carros que eu ganhei por merecimento, eu tinha 20 ou 25 carros. Só que eles resolveram nem me dar mais o carro [e] dar por sorteio, porque senão o pessoal nem... Tirava o estímulo: “Ah, não, a Gilza vai tirar isso aí já, longe, então nem vou concorrer”. Entendeu? Então...
P1 – A senhora disse que era a maior vendedora do Brasil?
R - ...me sentia até prejudicada. Eu era mesmo, sem falsa modéstia.
P1 – E já tinha essa pontuação?
R – Minha pontuação era....
P1 – Sempre teve?
R – Sempre teve. Inclusive, porque eu vendia pra Deus e o mundo, eu vendia... Olha, eu vendi pra todas [as] primeiras-damas: eu vendi pra dona Zilda, dona Maria do Carmo Sodré, foi sempre minha cliente - uma mulher fantástica, uma senhora mesmo, paulista, quatrocentona, daquelas com uma classe tremenda -, Zilda Natel, que mais?
P1 – Esposa do Laudo Natel?
R – Não, do Maluf não.
P1 – Do Laudo Natel?
R – Laudo Natel, depois foi... Quer ver quem mais... Teve também... Ah, vendi pra dona Iolanda Costa e Silva...
P1 – E qual era a estratégia de venda pra vender, assim, pra aquela nata, né?
R – Primeiro porque eu tive, eu fazia programas na televisão; tinha o programa da Maria Tereza Gregory, o programa da Clarice Amaral. No programa, eu sentava, da Clarice Amaral, eu mostrava a linha toda, começava falando de cada produto: “Esse é aquilo, esse é aquilo [e] aquilo outro”, falando no começo que...
P1 – A senhora fazia uma consultoria técnica ali, do produto?
R – Rapidamente.
P1 – Tá.
R – Pra que é que serviam, pra que é que eram. A Clarice Amaral perguntava: “Mas isso aqui, pra que é que é?”. Então eu dizia: “Ah, isso aqui é um creme de mãos excelente. Ele, por exemplo, se é um dentista, que lava a mão periodicamente, ele mexe com a camada lipídica da pele, [e] a pele sofre agressões, então a função desse creme é repor. Ele é um creme de Ph fisiológico, que não vai agredir...”.
P1 – E a senhora fazia isso enquanto esteticista...
R – Como esteticista, como uma pessoa que conhecia.
P1 - ... e como uma pessoa que conhecia o assunto?
R – Lógico.
P1 – A senhora era bem conhecida...
R – Claro.
P1 - ... e isso ajudava na estratégia de venda?
R – Na estratégia. É como você vê, tem fotografia minha aí com os grandes, hoje, de cosmética, quase todos eles, que foram meus colegas, [e] têm sua própria cosmética; eu sou a única que não tem. Aí surgiu, tinha surgido, inclusive, a Claude Begère, que era fábrica de cosmética, que estava arregimentando as vendedoras da Natura, que não tinham maquiagem, a buscar na Claude Begère. Então a Iara, inteligentemente, lançou uma cosmética. Só que lançou, também, com toda a garra; ela dava os prêmios, mas só... Ao invés de dar os prêmios pra quem fazia Natura, dava pra quem fazia Natura, mas tinha que vender La Caciel; senão podia ter uma venda fantástica de Natura, mas não vendia “X” de La Caciel, não ia. Então era obrigada, senão dizia: “Ai, meu Deus, tudo isso que eu vendi, e não tenho nada”. Então vendia Claude Begère. Deixou de vender Claude Begère pra vender Natura. Não vendia maquiagem, começou a ter que vender maquiagem na marra. Eu mesma; eu queria todos aqueles prêmios, então tinha que vender maquiagem. Mas pra mim foi fácil porque eu tinha uma clientela muito bem diversificada, então tinha uma abertura de mercado muito grande pra maquiagem. Nós tínhamos pó... Inclusive, a linha de maquiagem, que é a linha La Caciel, lançou um carro-chefe que até hoje é um dos produtos que mais se vende na Natura, que é o óleo Sève.
P1 – Ah, ela é que lançou o óleo Sève?
R – Lançou o óleo...
P1 – Que é um dos produtos mais... É o mais vendido agora, a gente pode dizer, um dos mais vendidos?
R – Não sei. Ah, mas é um dos mais vendidos; ainda vende horrores. Outro dia eu fui fazer uma acupuntura com uma senhora chinesa que é, assim, o top da acupuntura e tudo. Ela chegou e estava falando assim: “Tá sentindo esse cheirinho?”. Eu digo: “Tô sentindo”, “Ah, eu só uso óleo Sève. Inclusive, se a senhora vende, quando tiver promoção, eu compro bastante, porque eu só uso óleo Sève”. Quer dizer, ainda é um óleo... Eu tenho um outro cliente, que ele faz massagens para, ele é... Um método lá, de tratamento, específico. Ele faz massagens em pessoas que estão em coma, que estão numa vida meio vegetativa - uns totalmente vegetativos, outros não -, e ele faz massagens. Sempre fez com óleo Sève, porque diz que a fragrância ajuda a despertar. Então ele faz massagem [e] ele compra bastante óleo Sève.
P1 – Então a estratégia de venda da senhora nunca foi, nunca precisou procurar o cliente?
R – Não.
P1- A senhora é muito procurada, sempre foi?
R – Eu era muito procurada. Agora não, tem que procurar, porque o que tem de concorrência de gente vendendo. Eu, até, por exemplo, tem um cliente que é juiz, que falou: “A senhora tem que entrar com uma ação contra a Natura”. Eu falei: “Por quê?”, “Porque estão denegrindo o seu trabalho. Imagina, eu entro... A senhora tem um atendimento vip, a senhora, quando _______, deixa um cartãozinho, uma amostrinha, me liga e tudo mais. Eu tomo o elevador lá do fórum, saio com (colônia?) na mão. Mulheres... Ascensorista vendendo”. Eu falei: “Olha, doutor, acontece o seguinte: a Natura não pode mais querer fazer essa seleção [de] como o senhor é atendido, não. O senhor sabe, como é que a Natura pode saber, se ela tá vendendo pra uma vendedora, e a vendedora distribui pra camelô, pra isso, pra aquilo? Como é que ela vai saber? Ela comprou, ela tem a nota fiscal, pagou imposto, tá tudo certinho... A nota que tem é uma nota de ambulante; ela pode vender ou despachar pros outros”, “Ah, a senhora defende a Natura, mas eles estão errados”.
P1 – Mas isso acaba sendo uma tática que a senhora tem que ganha a confiança do cliente no final, né?
R – Bom, isso é a minha tática. Eu não digo que ela seja...
P1 – É um atendimento personalizado?
R – Eu gosto de fazer assim porque hoje não vendo...
P1 – A senhora acaba fazendo um atendimento personalizado?
R – Hoje a minha venda tá muito inexpressiva em comparação com pessoas que têm 200 consultoras e tudo mais. Eu tenho a minha venda.
P1 – Mas, ainda assim, a senhora tem uma carteira de clientes, de quantos...?
R – É, mas...
P1 – Amplia bastante?
R – É, mas também tem uma parte muito triste. Por exemplo, tem cliente que... Num dia só eu fui em 3 missas de sétimo dia de cliente. Me deu até... Fiquei melancólica, pensando: “Daqui a pouco sou eu”. Uma cliente que tinha 60 anos, hoje tem 90.
P1 – E ela se manteve... Durante esses anos todos, ela se manteve cliente?
R – Só perco quando elas ficam com mal de Alzheimer, que aí não dá para eu vender mais porque ela tá muito _________, ou então quando realmente bate as...
P1 – É uma clientela que ficou fiel durante esses anos todos?
R – Ah, sim. Eu tenho clientes, inclusive, que têm gente na família que vende Natura e não compra.
P1 – É?
R – É, porque tem aquela afinidade, aquela... Apesar de eu manter sempre o meu espaço dentro de (casa?), como eu expliquei. Porque lógico que, com a continuidade, tem clientes de que você vai se aproximando até com uma amizade maior, mas, mesmo assim, mantendo sempre aquela distância.
P1 – Distância que a senhora sempre teve como...
R – Porque a gente é uma pessoa, tal, diferente, é.
P1 – Certo. Em que região que a senhora atua?
R – Eu não tenho região em São Paulo. Já vendi pra São Paulo inteirinha e continuo. Eu tenho, ainda tenho clientes, por exemplo, em Alphaville. Ainda tenho cliente, por exemplo, que nem eu tinha falado, às vezes já nem vou mais lá; a gente marca um encontro no metrô, assim, quando vem e tal, porque ela não quer me perder [e] eu também não quero perdê-la. E se eu for, vou gastar de gasolina, nem compensa muito.
P1 – Ela acaba facilitando, então.
R – É, mas tenho clientes ainda... Eu vendi em São Paulo inteiro.
P1 – E quantos, por mês, mais ou menos, agora, a senhora...
R - Agora...
P1 - Assim, mais ou menos?
R – Agora não. Agora, assim mesmo, pelo menos umas duas clientes eu ainda atendo. Eu fico muito triste de não ter cliente, mas eu cheguei a atender 15 pessoas por dia, diariamente. 15, 20.
P1 – Mas a senhora ainda atende duas, no mínimo, por dia?
R – Mais ou menos isso.
P1 – É mesmo?
R – É.
P1 – E tem mais gente na família?
R – Não. Minhas filhas nunca venderam creme, nem a que trabalha na USP. A USP eu perdi até, porque tem lá uma vendedora que vende muito bem; podia ter vendido, né? Hoje em dia fazem grêmios; eu não faço nada disso. Agora eu só vendo no Círculo Militar; tem uma feirinha de cosmética... De cosmética não, uma feirinha artesanal, de cosmética, de tudo, e eu vou pra lá. Tem a feirinha um domingo sim, um domingo não. Então, no Círculo Militar, eu tenho, faço uma barraquinha, enfeito toda de flores. Mas minha barraquinha, também, até já é famosa, porque ela é muito bonitinha, eu ponho... Porque como lá, no sábado, tem aquelas festas maravilhosas, faraônicas, com flores que eles jogam tudo fora, eu chego cedinho, então arrumo minha barraquinha cheia de flores, e boto lá minha Natura.
P1 – E fica lá. E a senhora tem um perfil dos clientes da senhora, assim: homens, mulheres?
R – Claro, lógico. Eu tenho toda parte de clientela; eu tenho aquela que você precisa dar uma cutucadinha e falar, tem aquela que é carente, que às vezes até compra porque quer que a gente vá lá, que conversa, que quer atenção, tem aquela que é super apressada, que quer que deixe o cheque na portaria, não quer, se possível nem... E eu acho ótimo porque a gente também não tem tempo; então chega lá, já tá o cheque, tudo bem. Enfim... Tem aquela que quer que a gente explique tudo, liga até às 11 horas da noite pra ouvir o que tá careca de ouvir, de escutar e tudo; quer que fale mais o quê? Agora mesmo, que temos um creme Farma, né, que é um produto recomendado pelos médicos, que tem uma linha, mesmo, de tratamento; é um produto caro, mais caro, mas que tem uma certa explicação. Mas, pelo amor de Deus, toda vez que ela compra, eu tenho que explicar aquilo tudo, e [o] porquê que ela tem que usar... Tanto que eu fico admirada como é que tem gente que vende, assim, em 5 minutos: tá, tá, tá, tá, tá. Eu fico... Eu nem sei vender assim. Mas acontece que, também, o exagero, não; a pessoa ligar pra mim às 11 horas da noite pra dizer: “Escuta, Gilza, minha pele tá ficando com umas bolinhas, não sei [o] que, pá, pá, pá”, “Pode ser dermatite de contato, porque você tá passando em excesso”, Eu até explico muito aquela história, que por exemplo, eu falo muito pra cliente: que tem cliente que quer comprar o creme, quer ter uma melhora logo, se entope de creme, passa o creme, metade, põe tudo aquilo... Não, a pele, entre aspas, ela tem uma pequena absorção, mas essa pequena é enorme. Porque se você notar que [quando] faz o teste de alergia, por um milímetro da pele você passa aquilo, [e] se você for alérgico, logo logo você sente no seu lábio, no seu olho. Então você vê como é importante a absorção pela pele. Agora, imagine você, uma pessoa alérgica [que] entope a cara de creme; se for alérgica, vira um bicho.
P1 – Vai ficar doente.
R – Então a pessoa tem que fazer a coisa... Outra coisa: perto do olho. O olho é uma região muito delicada, que ela não gosta de gordura. Ela [a região] não tem, tem ausência de glândulas sebáceas. A gente só tem no olho a lágrima, que é totalmente aquosa. Então, se cair um creme dentro do olho, vai arder, vai incomodar, vai ficar vermelho. Então você tem que ou usar o creme apropriado pro olho, que tem já uma formulação mais delicada, ou então você vai aproximando com, devagarzinho nessa região, pra que a pele vá se acostumando. Não é logo no primeiro dia já tacar o creme, tacar dentro do olho [e] fazer tudo. Então eu sempre explico: é como um bebê. Vamos supor que você tem um bebezinho prematuro. Esse bebezinho tem um peso X, tudo direitinho, o médico pega e fala: “Olha, dá o peito pouco tempo ou então, se não tem peito, tem mamadeirinha. Você faz o seguinte: dá 20 gramas de mamadeirinha, não dá mais que isso; dá só...”.
P1 – Tem que ir aos pouquinhos.
R – Aos pouquinhos. Aí você pega, [ultrapassa] e dá 40. Que é que faz? Ele vomita as 20, não vomita? Toma um pouco, depois vomita o resto. A pele é a mesma coisa: se você entupir a pele, começam a aparecer pontinhos vermelhos; isso chama-se dermatite de contato. Esse excesso de creme pode provocar uma reação que não é do creme; é do excesso do creme. Uma pessoa que nunca usou nada, por exemplo: no primeiro dia, raspa a pele, lixa, põe... Também... As coisas têm que ter toda uma sequência, não é bem assim. Tudo e por tudo você tem que... A mulher tem que entender que cosmética não é chegar num balcão perfumado duma "magazine", e chegar, leva isso, leva aquilo, com uma futilidade danada - não sabe se aquilo serve, se não serve; não é isso. Tem que ser uma venda consciente, de quem vende, e principalmente de quem compra.
P1 – Pra quem vende, tá...
R – Ela precisa saber se vai usar. Às vezes põe tudo [que tá] na prateleira; não usa nada. Por exemplo: “Ai, Jesus, nem sei, não tá fazendo melhora”. Você vai lá, a pessoa não usou nada. “Ah, mas que horas que eu vou usar?” Nem sabe. “Mas eu não expliquei pra senhora?” Ou então compram milhares de coisas: máscara, creme, creme pra isso, creme pro cabelo, e não usam coisíssima nenhuma. É preferível você... “A senhora vai... Vamos fazer o seguinte: agora a senhora começa com a pele, e começa só com um bom shampoo pro corpo e pro cabelo. Depois a senhora vai introduzindo o tratamento do corpo, vamos vendo direitinho...” Não precisa a mulher fazer aquela compra. Depois ela não compra mais, até some. Você... “Não, não, ainda tenho tudo; não preciso de nada, não.” Lógico, ela tá entupida de coisa e não usou nada.
P1 – E a senhora tem pronta entrega?
R - Pronta entrega.
P1 – Sempre teve, então?
R – Sempre teve.
P1 – Sempre teve. Nesses anos todos, já...
R – Já vou com o arsenal.
P1 – Já...
R – Ah, já aproveito tudo.
P1 - Já tem tudo o que quiser?
R – Certinho.
P1 – Uma história interessante, marcante, assim, um causo mais curto, que fosse engraçado, que aconteceu?
R – Ai, eu tenho várias. Olha, eu até queria, mas você sabe que eu tô ficando um pouco cansada? Te juro.
P1 – Tá, então...
R – Mas, peraí, deixa eu contar alguma coisinha engraçada. Olha, tem uma coisa super... Que eu vi, que a televisão e o perigo que é a televisão. Eu ia pra televisão, fazia um programa, nessa ocasião, na Clarice Amaral, e eu me inflamava muito. Eu sempre sou uma pessoa, que quando eu estou... Na aula, por exemplo, eu me empolgava. Os alunos ficavam todos encantados comigo, porque eu tinha, dava aquela aula - como eu disse a você, que minha tia ficou fascinada [quando] eu estava dando uma aula de história. Então, quer dizer, tinha aquela... Porque a gente, na realidade, não sabe nada, a gente repassa os conhecimentos. Agora, quando você teve um bom professor, aquilo brota em você: tem vontade de repassar aquilo com mais ênfase, com mais detalhes, e com mais coisa. Eu me lembro que eu era menina, ia ao cinema, depois chegava em casa e contava os filmes pro papai; e, às vezes, eu fazia uma encenação tão grande que eu chorava, até contando, porque eu encarnava aquele personagem, contava... Uma vez eu fui assistir a um filme argentino da Libertad Lamarque, chamava "Puerta Cerrada", e eu fui contar pro papai. No fim, eu tive uma crise de choro que papai começou a chorar também. Então... Aí mamãe falou: “Mas que absurdo, essa menina vai ao cinema [e] ao invés de se distrair, vem pra chorar". Então, pra você ver que a gente vive [e] aquilo entra na pessoa, a pessoa... É como se fosse mesmo um ator que está tentando passar tudo aquilo. E eu, na televisão, me empolguei, falei o que é que era, que era um mundo maravilhoso em que a gente entrava, que era esse mundo da cosmética, um mundo cheio de "glamour", um mundo cheio disso, que a gente podia começar a notar se a casa estava mais bonita, você estava mais elegante... Tudo aquilo era um conjunto. Bom, passou; fiz o programa. E dava um retorno fantástico. Telefonema [era] um atrás do outro, pararã [e] pararã. Meu marido tinha tanta raiva, porque uma vez fiz um programa - acho que é melhor não contar nem isso -, eu fui tomar banho, falei: “Eduardo, atende o telefone [e] marca pra mim o telefone, por favor”. E eu fui fazer... A Natura tinha lançado um tratamento que chamava (Uptatif?); eram umas ampolas, tinha dois tipos de ampolas e tal. Aí eu falei que era um tratamento de choque, porque realmente... Me empolguei toda. Aí, quando cheguei, eu falei: “Eduardo, você tomou nota?”. Ele falou: “Não, não tomei”. Eu falei: “Eduardo, mas o telefone tocou 3 vezes! Eu ouvi, enquanto eu tomei banho”. Ele falou: “Não, uma senhora, falou que depois ligava, não sei quê... E uma queria um tratamento de choque, mandei ela ligar a cara na tomada”. (risos) Quer dizer, ele fazia tudo pra caçoar, pra fazer tudo. Ele trabalhava contra, mas apesar dele, eu tinha sucesso.
P1 – O que mudou na vida familiar da senhora a Natura? Mudou muito?
R – Ah, mudou terrivelmente. Não estou dizendo pra você que eu não gostei, não; é bom. Pelo amor de Deus, não gosto nem de pensar. Mas então, deixa eu... Voltando, né? Estamos falando do que mesmo?
P1 – Da história engraçada da TV.
R – Ah, da história. Aí eu fiz - bem, mais ou menos...Tem muitas engraçadas que estão no livro, por isso que eu não conto; as melhores estão no livro, então, se quiserem comprar o livro, depois vocês leem. Aí – mas essa aí eu acho que até está no livro, também -, eu peguei e falei assim... Não, eu fiz... Depois vim pra casa, fiz as malas e tal. Já eram mais ou menos umas 10 e meia, 11 horas da noite, e eu tinha, nessa ocasião, a Lucinha era adolescente, e ela me dava um pouco de trabalho. Eu já morava na rua que tinha a Rita Lee, ela era super amiga da Rita Lee, e tinha aqueles tocadores e tudo, eu ficava apavorada. E eles adoravam a Lucinha, porque ela cantava, isso e aquilo, e tinha o Milton Nascimento... Eu ficava apavorada com aquilo. E ela, às vezes, chegava tarde e trazia uma coleginha pra dormir; e eu preferia que ela trouxesse pra dormir do que ela dormir fora de casa, porque eu não queria que dormisse. Então, minha casa, até hoje, ela tem um terracinho em cima, assim, uma sacada. Tocou a campainha, eu olhei e vi que tinham duas pessoas, pensei que fosse a Lucinha, e falei: “Já vou descer”. Sabe, porque eu estava tomando banho, nem olhei, assim: “Já vou descer”. Desci, abri a porta, tinha uma moça com uma mala e uma outra, e elas foram praticamente entrando pelo corredor. Eu falei: “O que é que é?”, “Não, não; trouxe minha irmã”, “Mas o que é que é?”, “Não, dá licença”, “Mas...”. Elas entraram porta adentro; porque eu, geralmente... Eu abri a porta toda pensando que era a Lucinha com mais alguém. Vi uma mala – lá de cima, eu vi uma mala -, eu pensei que era a Maria Lúcia com uma colega ________ trazer. Aí entrou, elas entraram, sentaram [e] falaram: “A senhora dá licença?”. Sentou uma num lugar, a outra sentou no outro, falou: “Sabe o que é que é? Eu quis trazer a minha irmã, porque ela quis por toda (lei?) vir sozinha pra morar com a senhora; ela trouxe até a mala”. Eu falei: “Como?”, “É, não, ela assistiu o programa da senhora... Ela trouxe até uma carta; a senhora não quer ler a carta?”. Eu falei: “Não, você pode dizer o que é que é?”. Depois até ela deixou a carta _______ uma novela; que ela morava numa casa que não tinha alegria, que morava com o cunhado, cunhada, que ela se sentia cada vez pior, e que ela, assistindo meu programa de televisão e vendo aquilo, que ela me achou uma pessoa tão fantástica, tão maravilhosa, que ela só queria uma coisa: ir morar comigo, pra adquirir todas aquelas coisas, ter aquela vida, pararã [e] pararã, ter esse mundo maravilhoso... Eu falei: “Olha, pera um pouquinho: você não entendeu nada. Em primeiro lugar, a minha casa, como você vê, é uma casa, tipo, de classe média, não tem nada de maravilhoso; não tem espelhos deslumbrantes, não tem coisa, nada disso. Eu acho que eu não passei nada disso. O que eu falei pra você é que você pode se tornar uma pessoa melhor, mais satisfeita com você mesmo, que você mesma não tá satisfeita com nada. Mas a última coisa do mundo é que você vai poder vir morar comigo”, “Não, mas eu faço qualquer coisa. Eu venho, depois a senhora me dá uma experiência, eu vou atender junto com a senhora, porque não sei quê. Eu não vou voltar pra minha casa”. Eu falei: “Não, mas você tem que voltar”. E elas pareciam atarraxadas uma em cada cadeira. Aí eu peguei e disse: “Não, vocês não podem”. Aí uma falou: “Não, ela vai, trouxe até a roupa dela. Então eu venho buscar ela amanhã”, “De jeito nenhum; ela não vai nem entrar agora. Eu vou telefonar – eu tinha um chofer de táxi que trabalhava pra mim às vezes, e o ponto dele era na esquina; eu falei: meu Deus, vai ver que ele esteja lá”. Até o apelido dele – até hoje ele ainda é chofer - é Passarinho. Eu liguei, falei: “Passarinho, você tá ocupado? Você pode vir aqui buscar uma pessoa?”. Falei assim: “Você vai levar ela pra casa dela". E ela não queria ir de qualquer jeito, foi um custo. Você sabe que depois que ela saiu, eu fiquei, falei: “Meu deus”. Fiquei com medo: “Será que eu dou uma impressão tão errônea? Será que esse entusiasmo todo é errado?”. Sabe que eu fiquei com uma crise...
P1 – Na verdade, ela é que entendeu, né?
R – É, porque ela entendeu que aquilo... Então eu vi que eu passava um negócio tão grande, tão bom, tão fantástico, que a mulher saiu com mala e cuia pra sentar na minha casa e não queria mais ir embora.
P1 – Quase que a senhora tinha que...
R – E olha, foi um custo. Ele falou: “Não, eu levo”, “Não, porque eu moro...”. Ela morava pra lá da Aclimação, sei lá onde é que era. Eu falei: “Não, é perto. Vocês vão [e] você vai levar, depois eu acerto com você. Leva as duas”. E a irmã: “Mas ela não vai ficar mais lá em casa”. Eu falei: “Problema de vocês, porque aqui ela não pode ficar”.
P1 – A senhora que ia resolver o problema?
R – Eu ia. Ia resolver o problema. Porque ela ia me ajudar, porque ela ia ficar, ela precisava, era tudo que ela queria, que ela queria entrar nesse mundo da cosmética, que era isso, que aquilo... Aí eu falei pra ela: “Olha, você vai, eu posso ver depois pra você fazer um curso,l. Posso até, depois, te dar uma clientezinha pra você ir desenvolvendo”. Mas ela nunca mais apareceu. Falei: “Mas aqui, não”, _______embora. Falei: “Vamos embora, vamos”. Porque senão... Mas ela estava atarraxada. Uma, então, sentou, cruzou a perna, e ficou: “Não, porque eu não vou”. Fiquei apavorada.
P1 – Bom, eu vou tentar abreviar um pouquinho, até porque, a senhora está cansada.
R – Bastante.
P1 – Vamos lá. Vou meio mais rápido...
R – Acho que ninguém falou tanto, né?
P1 – Não, é que... Mas tá ótimo, tem muita informação.
R – Ainda tem assunto, aqui.
P1 – Um desafio e um sonho alcançado: qual foi o maior desafio, e qual o maior sonho?
R – Olha, o desafio agora é meu livro; eu gostaria de realizar esse sonho, de pôr o meu livro, com a história da empresa, e é um livro que eu acho que está bonito, porque é uma parte da minha vida muito bonita. Não falo nada da minha vida particular, porque minha particular daria não um romance, daria 5, mas de qualquer maneira, de tantas coisas que aconteceram durante a minha vida... Porque eu acompanhei esse desenvolvimento do século de uma maneira fantástica; vendo os melhores programas, os melhores artistas, tanto no futebol como nas artes. Como em todo lugar, eu tive um acompanhamento... Na política...
P1 – A senhora realizou vários sonhos, né?
R – Vários sonhos dentro da minha ___________, né?
P1 – Das possibilidades.
R – Às vezes eu olho pra trás, contemplo a minha existência: nossa, coisas fantásticas; pessoas que eu conheci, pessoas que eu nunca pensava em ter, mesmo, oportunidade de ter conhecido, que se tornaram até minhas amigas, que me deram valor, quer dizer, coisas, assim, muito bonitas, realmente. Mas no meu livro não; meu livro tá sintetizado, histórias dentro da empresa, coisas engraçadas que aconteceram, coisas tristes, coisas maravilhosas de pessoas que eu trouxe pra empresa, que se realizaram de uma forma muito bonita. Porque na realidade, a Natura é um meio de realização pra muita gente. Hoje em dia, é uma empresa de maior sucesso; tem formado e tem trazido inúmeras famílias. Então, quer dizer, isso tudo é um passado muito (regado?) que está comigo, vivenciando cada produto, vivenciando todas as transformações por que ela foi passando, e tendo conhecimento. E cada, por exemplo, gerente, cada coisa que às vezes sai da empresa... Quando eu encontro eles, parece que estão encontrando uma pessoa que é uma celebridade. Quer dizer, eu, na minha insignificância, até pra várias pessoas eu tenho importância. Me dão o devido valor, né?
P1 – Não, é importante. Tem um produto, hoje, que faz, que seja, assim, mais popular?
R – Bom, a Natura, hoje, o carro-chefe dela é o Chronos, né?
P1 – É o Chronos, mesmo?
R – É o Chronos, porque é um programa que tem uma promessa. Tudo que tem uma promessa e tem uma realização realmente é fantástico. Agora, tem a linha Faces, tem as linhas de corpo... E agora – isso eu não falei, vou deixar pra falar pra tudo –, a maior importância da empresa, que até agora eu não falei, é a parte social. Pra ver, uma parte de que eu faço parte...
P1 – Eu ia perguntar uma outra coisa disso...
R – Mas isso é importantíssimo; eu não posso deixar de falar. Porque eu sou uma pessoa que o irmão, pra mim... Como eu sou católica e observo muito os mandamentos, o mais importante deles é o primeiro e o segundo; o primeiro, que é “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. E você só ama ao próximo quando você realmente convive com ele e (sente?). A Natura, nesse projeto “Crer para ver”... Tanto é que quando apareceu o projeto “Crer para ver”, eu vendi tanto, tanto, que teve uma... Eu fui logo a pessoa que vendeu mais, eu fui... Hoje não, hoje eu até vendo muito pouco, porque tem muita gente vendendo. Agora eu nem me sinto, mas eu vou numa fábrica, faço a venda [e] depois tem um funcionário lá que vende, aí fala: “Ah, dona Gilza, a senhora já tem seu nome. Eu preciso por causa da pontuação”. Eu fiquei meio triste, vendo, claro, tem as clientes que querem, eu faço a venda, mas acontece que eu não tenho mais, aquela, assim, aquela voragem de venda do “Crer para ver” que devia ter, eu não tenho. Mas eu, olhe... A Natura, em primeiro lugar, além do projeto “Crer para ver”, de toda essa parte, que ela tem, social - porque tem vários projetos, inúmeros, que ela já teve, outros que ela continua tendo, e tudo mais -, a Natura teve sorte, como um bebê que nasce... Uma ocasião eu fiz um programa na Clarice Amaral, e tinha uma grafóloga lá, e estava o Pelé. E ela tinha feito lá a grafologia do Pelé, sei lá. Então ela disse pra mim – o Pelé estava entrando em cena, e eu ainda estava esperando pra entrar; o Pelé não era o Pelé tão famoso, mas já era bem famoso -, aí ela disse assim: “Olha, o Pelé, pra quem acredita em astrologia, ele é uma pessoa que se tivesse nascido na sarjeta, naquela ocasião, de uma mãe bêbada, de um pai assassino, e ele tivesse nascido na sarjeta, ele chegaria onde foi. Porque na hora em que nasceu, todos os astros, todas as coisas... E vou dizer mais: se ele se candidatar a presidente da república, ele chega até presidente da república”. Isso foi o que ela me disse, uma grafóloga. A Natura também. Só o nome dela, Natura, já canalizou; Natura, natureza, coisa natural. Com a descoberta da linha Ekos, quando ela lançou a linha Ekos, uma linha...
P1 – Então, eu queria saber do refil. Dentro dessa preocupação toda, o que é que a senhora acha do refil? Facilitou a venda?
R – _______ falar da linha Ekos. Primeiro eu preciso dizer pra você que a linha Ekos, ela abriu toda uma economia pra uma região que estava praticamente, ainda, engatinhando, e isso desabrochou fantasticamente. Hoje nós estamos com uma loja em Paris, e quais são os carros-chefes? Hoje em dia o mundo tá voltado pra ecologia, o mundo tá voltado pra preservação da natureza, e tudo isso tem na linha Ekos. A linha Ekos tem, por exemplo, tem... Cada produto é um folclore, cada produto é uma maravilha, cada produto... Por exemplo, andiroba é uma árvore imensa; a natureza é tão maravilhosa que, quando fica madura, ela é muito alta, então seria impossível catar, mas quando chega na época, o fruto se abre e ela cai. Então, através de canoas, em igarapés, eles vão colhendo tudo aquilo. Tudo isso sofre um processo que ainda tem muito de romântico, muito de folclórico. E toda essa economia gera pra quê? Gera, primeiro, o problema da sustentabilidade, que é um problema enorme. Porque antigamente, matérias-primas, por exemplo, o pau-rosa: o pau-rosa, lá, o Chanel nº 5 acabou com o pau-rosa, mas quando não tiver mais pau-rosa, vai ter o Chanel nº 8, sei lá, porque é matéria em extinção. Mas o único remédio do glaucoma era tirado do pau-rosa. E quanta matéria-prima nós tivemos que já acabou, que é matéria-prima em extinção, que são irrecuperáveis, que a gente nem sabia pra que servia. Então, você veja, agora, com todo o aproveitamento... E o nativo, você vê um filme, um vídeo daqueles, fica encantado. Você vê como o nativo já fala com uma consciência de que aquilo é dele hoje, que amanhã é do filho, depois é do neto. O que aquilo cria pra ele... Hoje já tem cooperativa, [é] ele mesmo, já não tem atravessador. Ele próprio, através de uma cooperativa, já exporta o produto. A Natura tem desenvolvido, em regiões do Brasil, cada vez mais tá implantando reservas extrativistas, e com isso toda uma economia gerando, fantástica. Você vê, a linha Ekos, hoje, vende incrivelmente. Esses óleos trifásicos, outro dia eu fui num lugarzinho lá - onde que eu fui, meu Deus do céu? Fui atrás de um remédio que... Onde que eu fui, meu Deus do céu? Onde é que era? Pra lá de Santana, um lugar longe, Vila Cachoeirinha, sei lá das quantas, tinha um homem com uma barraquinha, e uma senhora vendendo Natura, e tinha uma senhora falando: “Ah, eu quero óleo trifásico”. Quer dizer, já tem um conhecimento, já sabe o que é o óleo trifásico. Quer dizer, até a população mais carente, a população menos culta, vamos dizer assim, com pouca, baixa escolaridade, já conhece Natura, já sabe da Natura, já sabe que é bom, que é isso, que é bom, já conhece as colônias da Natura. Quer dizer, tudo isso é uma economia fantástica. E, justamente, dentro dessa linha, eles aproveitaram todo um material reciclado pra fazer refil, que torna o produto mais barato. Muita coisa foi criada nessa filosofia da ecologia; o papel reciclado, que fazem o refil, o produto mais barato...
P1 – A gente vê que tem essa (“8 maneiras de ajudar o mundo”?), que é essa campanha que tá sendo feita de participar...
R – Ah, sim, claro. Você vê, há muito tempo a Natura, o Luiz, lançou. Quando lançou o primeiro desodorante Sr N, que não tinha nem ainda esse "design" daquela caixa fantástica, que é um negócio muito bonito e original, que ainda era em vidro, ele já foi o primeiro desodorante com formação ecológica, porque ele já não tinha... Era gás propulsor, não tinha... Era só propulsão mecânica, já não tinha nem (freômono?), gás carbônico, que são toxinas que formam a camada de ozônio. Então a Natura se preocupa primeiro com isso, com a reciclagem, com a pouca possibilidade de aumentar a camada de ozônio, com a canalização disso na parte econômica do país.
P1 – A Natura alterou a visão de mundo da senhora?
R – Alterou, alterou. Completamente. Alterou sim, porque a cosmética, além de ser...
[Pausa]
R – Cada vez mais se descobre cada coisa que pode pertencer também àquela linha...
P1 – Agora nós vamos já encaminhando pro final. A senhora colocou bastante claro que os aprendizados todos desses anos de Natura... 35 anos, dona Gilza?
R – É. Hoje eu posso dizer que eu tenho um conhecimento de estética muito grande, apesar de a gente saber que em matéria de pele a gente nunca sabe nada, porque a pele tem vários fatores que contribuem. Por exemplo, a primeira coisa que se forma no feto é a pele e o sistema nervoso central. Com isso, eles estão intimamente ligados, então tem fatores como o emocional, o ambiental, tudo isso, também, faz alterações na pele, mas, apesar de tudo isso, a gente tem, cada vez mais, o domínio de algumas coisas. A gente, cada vez que aprende, vê que sabe pouco, mas pelo menos um conhecimento... A gente sempre tem essa consciência de que a tem que estar sempre se renovando. Por isso eu não falto a nenhuma demonstração, mesmo que às vezes eu vá e discorde de alguma coisa, eu vou, mas a gente sempre aprende alguma coisa. E tem necessidade dessa reciclagem, de ver. Porque hoje em dia mudou muito, até a estratégia de vendas; hoje tem "showrooms", tem... Como se diz? Seminários, tem oficinas, oficina de perfume...
P1 – Então a senhora aconselharia pra uma futura consultora... Essa é uma das dicas, ter conhecimento, adquirir conhecimento? Qual é a dica pra ela, aprendizagem?
R – Ah, sim; aprendizagem é fundamental. Primeiro é vontade de aprender. Vontade de aprender, muita alegria... Porque é uma coisa que ela tem que fazer com muita satisfação, porque esse bem-estar e estar bem, que é uma filosofia da empresa. Você, pra isso, primeiro precisa estar bem; pra você proporcionar bem-estar, você precisa estar bem. Então você não pode ser uma pessoa conflitada, ou que está amargurada; isso você tem que deixar sempre fora, porque, realmente, você tem que passar, além de conhecimento, além do amor que você tem ao produto, o amor pelo ser humano. Você entrar na casa de uma cliente não pra fazer uma venda, pra você contribuir com alguma coisinha pra ela; seja sugerindo um corte de cabelo, mandando ela usar um pó mais adequado, uma base mais adequada, enfim, uma postura melhor. Qualquer conselho que você dá, que você vá dar, é com consciência de que está fazendo aquilo, porque só a sua vontade de projetar nela uma coisa melhor, você já está ajudando.
P1 – Tá certo. Se a senhora fosse fazer um autorretrato da senhora, dona Gilza, como seria esse autorretrato?
R – Olha, eu sou uma pessoa convencida comigo mesma, eu gosto muito de mim mesma. Eu me acho uma pessoa agitada, isso é uma coisa que eu gostaria até de modificar um pouco... Nada, até meu gato, coitado, ele é agitadíssimo, tinha que dar um calmante pra ele, porque ele, de conviver comigo, quando eu chego ele já fica se movimentando demais, coitadinho, ele fica agitado também.
P1 – Mas é uma pessoa animada, né?
R – É, mas sou uma pessoa animada, sou uma pessoa que, graças a Deus, tenho, como já disse várias vezes, tenho muito amor pelo meu irmão, sinto, sempre, a possibilidade que eu tenho de ajudá-lo – isso é muito importante -, e poder contemplar a minha família com a satisfação de que dei sempre uma boa educação. Eu tenho um neto que eu crio desde pequenininho, ele todo mundo diz que é um "lord", que é um "gentleman", né? Ele tem tudo: é bonito, é alto, é simpático, educadíssimo, e todas as pessoas... Inclusive, o pai, eu agradeço imensamente, porque ele é uma pessoa extremamente bem educada; já foi eleito funcionário do ano na firma em que ele trabalha, quer dizer... Então, tudo isso são aquisições que, pela minha pobre pessoa, eu consegui. Mesmo na própria empresa, eu sinto sempre como se fosse móveis e utensílios da casa. Mas isso foi adquirido com muito amor e carinho, que eu espero que seja recíproco.
P1 – Claro.
R – Porque a mulher que ama sozinha é uma infeliz, né? Eu não pretendo ser.
P1 – Escute, nós estamos quase no final, uma última questão: o que a senhora achou de ter participado dessa entrevista, ter dado essa entrevista pra gente?
R – Olha, eu achei bom, é muito interessante. Pra mim, sempre, estar em evidência, não vou dizer que não seja uma coisa boa, se bem que eu já ando um pouquinho cansada...
P1 – Também, depois de tanta história, né?
R - ...depois de todo esse tempo, de contar tanta história. Mas, de qualquer maneira, é muito válido. Eu espero que vocês ponham o meu telefone, espero que isso contribua pra aumentar a minha clientela...
P1 – Com certeza. (risos)
R – ...espero que seja bem positivo, que tenha, no mínimo... Pelo menos eu triplique a minha clientela, que tá precisando de sangue novo, e tudo isso...
P1 – A senhora vai gostar do trabalho, com certeza.
R - ... sempre com muita emoção, sempre com muita... Vocês podem ver que eu me emocionei várias vezes, que eu não sou uma pessoa apática, pelo contrário, eu me envolvo muito com toda essa parte da minha vida, e eu me sinto...
P1 – A gente se emociona, também.
R - Apesar de estar já com a saúde... Não aquela Brastemp, mas, de qualquer maneira, eu me sinto muito realizada, porque eu constituí uma família, eu tenho 4 netos maravilhosos, 2 filhas maravilhosas, uma irmã que é fantástica, e minha família, embora pequena, ela ainda é uma família da qual eu muito me orgulho.
P1 – Construiu uma história bonita, né?
R – É.
P1 – Então, em nome da Natura e do Museu da Pessoa, a gente quer agradecer muitíssimo esse seu esforço de vir e [dar] sua entrevista.
R – Pois não.
[Fim do depoimento]
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