Projeto: ADC – Eletropaulo
Entrevistado por: Luis André do Prado e Liliana Schnaider
Depoimento de: Arnaldo Jubelini Jr.
Local: São Paulo
Data: 19/09/1994
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: ADC_HV004
Revisado por: Raquel de Lima
P- Começar pelo começo… Identificação: por favor o nome, data de nascimento e local.
R- Arnaldo Jubelini Jr., nasci em 10 de junho de 1956, em São Paulo.
P- Fala pra gente, Arnaldo, dos seus pais, o nome, e identifique a origem deles. O que você conhece a respeito da ascendência da sua família?
R- Meu pai é Arnaldo Jubelini, minha mãe é Ralpha Baesa Jubelini. Meu pai é um “lightiano”, né, encanador. Trabalhou como encanador no Cambuci, durante mais de 35 anos, 40 anos. As recordações que tenho do meu pai... até hoje, é uma pessoa que trabalha muito, mesmo aposentado ele continua trabalhando e trabalhando de forma desmedida até. Eu lembro que na Light, ele levantava às 4 da manhã pra ir pra Light, ele acendia a caldeira do restaurante, e então, o restaurante ficava no ponto. Ele ia lá às 4 da manhã e voltava às 6 da noite e ainda fazia biscate fora, ia trabalhar. Trabalhava das 4 da manhã às 9 da noite, seguindo os passos do meu avô, o pai dele, o senhor João Jubelini, que também era da Light. Seu João era ferreiro, fazia mola de bonde, inclusive, ele perdeu a vista na forja. De tanto trabalhar na forja, ele perdeu a vista. O meu avô trabalhou mais de 40 anos na Light. Então, eu sou a terceira geração de “lightianos”, né, entrei em 1977 na empresa. A recordação que tenho de meu pai é de um trabalhador emérito. Eu costumo dizer que eu tenho mais de 50 anos de empresa justamente por causa disso, porque eu cresci ouvindo falar da Light, né, do passado da Light, participo do presente, há 18 anos eu participo do presente... meio assim, quero dizer, há 18 anos que eu estou na empresa, não participando, mas fazendo o presente dela e imaginando o futuro, certo? E na...
Continuar leituraProjeto: ADC – Eletropaulo
Entrevistado por: Luis André do Prado e Liliana Schnaider
Depoimento de: Arnaldo Jubelini Jr.
Local: São Paulo
Data: 19/09/1994
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: ADC_HV004
Revisado por: Raquel de Lima
P- Começar pelo começo… Identificação: por favor o nome, data de nascimento e local.
R- Arnaldo Jubelini Jr., nasci em 10 de junho de 1956, em São Paulo.
P- Fala pra gente, Arnaldo, dos seus pais, o nome, e identifique a origem deles. O que você conhece a respeito da ascendência da sua família?
R- Meu pai é Arnaldo Jubelini, minha mãe é Ralpha Baesa Jubelini. Meu pai é um “lightiano”, né, encanador. Trabalhou como encanador no Cambuci, durante mais de 35 anos, 40 anos. As recordações que tenho do meu pai... até hoje, é uma pessoa que trabalha muito, mesmo aposentado ele continua trabalhando e trabalhando de forma desmedida até. Eu lembro que na Light, ele levantava às 4 da manhã pra ir pra Light, ele acendia a caldeira do restaurante, e então, o restaurante ficava no ponto. Ele ia lá às 4 da manhã e voltava às 6 da noite e ainda fazia biscate fora, ia trabalhar. Trabalhava das 4 da manhã às 9 da noite, seguindo os passos do meu avô, o pai dele, o senhor João Jubelini, que também era da Light. Seu João era ferreiro, fazia mola de bonde, inclusive, ele perdeu a vista na forja. De tanto trabalhar na forja, ele perdeu a vista. O meu avô trabalhou mais de 40 anos na Light. Então, eu sou a terceira geração de “lightianos”, né, entrei em 1977 na empresa. A recordação que tenho de meu pai é de um trabalhador emérito. Eu costumo dizer que eu tenho mais de 50 anos de empresa justamente por causa disso, porque eu cresci ouvindo falar da Light, né, do passado da Light, participo do presente, há 18 anos eu participo do presente... meio assim, quero dizer, há 18 anos que eu estou na empresa, não participando, mas fazendo o presente dela e imaginando o futuro, certo? E na Eletropaulo hoje, eu não sinto que eu trabalho sozinho, não. É como se eu estivesse fazendo mola de bonde ainda, né, como se eu estivesse fazendo encanamento, como fizeram meu avô e meu pai. Minha mãe... eu até tive algum problema aí, quando a Liana perguntou qual que era a profissão da minha mãe, né? A minha mãe, ela... não saiu de casa. Ela cuidava dos filhos. Mas essa não era a profissão, de fato, da minha mãe... ou de direito. A profissão de fato, era do lar. Agora a profissão de direito, nunca foi do lar. Minha mãe era uma artista, uma artista formidável. Ela na infância e na adolescência sapateava, encenava, participava de teatro, né, era uma pessoa extremamente talentosa. Naquela época as coisas eram muito mais difíceis, a pressão artística, ainda mais para uma mulher. Era muito pesada. E ela casou, teve seus filhos, meio até que transferiu seus ideais pros filhos. Mas, minha mãe, eu prefiro não classificar, qualificar como artista. Dona Ralpha Baesa.
P- Sobre as origens da família, as ascendências, de onde vieram seus avós?
R- Por parte de pai, italianos, né? Tem o Seu João Jubelini, que era meu avô. Eu falei que era ferreiro no Cambuci, e a mãe do meu pai, minha avó paterna é Maria Bortolotti, também italiana. Eu morei com eles a vida inteira, morava nos fundos, na casa B. Então, era Seu João e Dona Maria na casa da frente, com os filhos todos. Meu pai, que era o mais velho da família, com a família dele na parte de trás, na casa B. Convivi com os italianos durante muito tempo, o que eu chamo de avós italianos, né, Seu João e a Dona Maria. Por parte de mãe, a minha avó era italiana, ou melhor, descendente de italiano, descendente direta de italiano. E meu avô era espanhol, espanhol de Gibraltar, uma região sob a influência inglesa. Acho que até hoje sob a influência inglesa, né? E é bastante curiosa a diferença dos meus dois avôs, o italiano e o espanhol. O espanhol era um trovador, era um... uma pessoa extremamente passional. Ele era barbeiro e, dizem na família, ele era capaz de fazer brotar fogo nos cantos. Não sei se era verdade, se fosse, eu gostaria de aprender o truque, né? Acho que ele era uma pessoa extremamente apaixonada. E ele dava vexame. Era uma pessoa que punha a cara pra bater, um espanhol da Espanha. Já o italiano, era uma pessoa extremamente disciplinada, né? Ele fazia mola de bonde. Ele perdeu a vista, tiraram ele de fazer mola de bonde, coisa que ele não podia fazer cego, e colocaram ele pra colocar porca em parafuso, na Light. Ele não se indignava com nada. E ele era... ele colocava mais de mil porcas em parafusos todos os dias. Onde você pusesse, ele ficava. Ele me conta uma história: quando morreu uma das filhas dele, do Seu João, ele foi comprar o caixão da menina de 5 anos. E ele falou pra mim, o caixão...ele comprava perto, ele comprou perto da Mesbla, perto do Cambuci, na Av. do Estado. Ele foi, pegou o bonde, e foi comprar o caixão pra sepultar a filha. Ele comprou, e depois, ele falou pra mim: "É, eu não podia entrar no bonde com o caixão". Então, ele voltou a pé lá da Mesbla até a casa onde ele morava. Ele voltou a pé mais de 10 quilômetros, carregando o caixão da filha nas costas. E quando ele contava isso, ele não oscilava a voz. Era uma pessoa absolutamente... não digo indiferente, era uma pessoa que não se espantava com nada. Era como se as emoções fossem dignas de seres primitivos, pra ele. Já o espanhol era um primitivo nato. Então, havia uma diferença, assim, muito grande de personalidades. Até hoje me pergunto qual seria o mais forte. E eu não consigo responder. Então, acho que no fundo as mais fortes eram as mulheres, né? Tanto a Dona Maria quanto a Dona Catarina que agüentavam os dois e morreram bem depois, sendo que a Dona Maria ainda está viva. Morreram bem depois deles.
P- Arnaldo, lembra um pouco pra gente, a casa, como era o convívio nessa casa que tinha um avô na frente, a casa da sua infância. Como era o entorno, a vizinhança, a cidade, na época... na fase da sua infância.
R- A vizinhança era coalhada de espanhóis, portugueses e italianos, lá na [Rua] Costa Aguiar. Eu morava nos fundos, e no fundo dos fundos, tinha um barracão com bigorna, com balcão, uma bancada enorme, sabe? Parafuso de tudo quanto é espécie, ferramentas de tudo quanto é espécie, madeira, então, eu meio que cresci naquele barracão, onde tanto o meu avô quanto o meu pai trabalhavam. Quando faziam biscate fora, eles trabalhavam lá. Agora, a vizinhança era muito poderosa. Eu lembro que o vizinho de cima, o Seu Domingos, era ferreiro, mas não é bem ferreiro, ele era um artesão que trabalhava com ferro, né? Então, ele fazia obras, assim... sacras, né, de igreja, e eu lembro que tinha um subsolo na casa dele onde ele ficava fazendo uns crucifixos, Cristo no crucifixo. Ele era um homem muito aguerrido, muito forte, né? Também não tinha papas na língua, não. Ele gritava, e a mulher dele, a Dona Anita: "Você não teme a Deus, você não teme a Deus". E e ele: “Má que Deus, que eu marreto ele na bigorna todo o dia". Ele fazia as imagens, né? Mais acima, tinha um outro, um tal de Seu Roque, também italiano, que também fazia esculturas religiosas. Ele fez as esculturas de mármore da Igreja da Sé. Da Igreja da Sé. E esse Seu Roque era pugilista, então ele tinha as lutas, ele era boxeur. Então, eu imaginava: “Como é que alguém que faz esculturas pra igreja, pode lutar boxe?” Eu perguntava na época. Hoje eu sei porque, não é? Então, só pra citar dois exemplos. A mão de obra dos homens ali da vizinhança, da Costa Aguiar, era uma mão de obra extremamente especializada, como era a mão de obra da Light daquela época do Cambuci, daquela época, né? Eu não sei se pela guerra, muitos europeus que vieram pro Brasil eram mão de obra altamente qualificada. E as mulheres, apesar de não terem a profissão em si, eram mulheres, todas elas, de personalidade extremamente forte. Não me lembro de nenhuma que não mandasse na casa. Nenhuma. E mais, não mandasse na gente, né? Porque você não tinha uma mãe, naquela época, certo? Todo o quarteirão era a sua mãe. O que você fizesse, caía na boca e nos ouvidos da sua mãe, todo o mundo participava da sua educação. Não é que nem hoje, que se você sai de casa, entra na outra, você não sabe quem é o vizinho. Na época não, né, na década de 60, toda a vizinhança, todas as mulheres eram responsáveis por todas as crianças.
P- Você foi alguma vez dedurado, assim, por alguma coisa que você fez?
R- Nossa, sempre!
P- O quê? Conta uma história.
R- Eu nem pensava e já era dedurado. Uma história, assim, em princípio, não tenho. Eu lembro das atitudes da minha mãe. As atitudes da minha mãe eram... sempre que brigavam na rua, antes da Ralpha saber o motivo da briga, o culpado era eu, sabe? Pro meu pai, também, o culpado sempre era eu. Eu não tinha, assim...
P- Sem chance.
R- Sem chance. Então, principalmente, minha mãe exigia muito de mim. Ela sempre quis mais, certo? E algumas vezes eu fui culpado, mas muitas outras vezes, eu não fui culpado, né?
P- Vocês eram quantos irmãos?
R- Dois.
P- Dois?
R- Tinha minha irmã, tenho uma irmã, a Sônia, que era mais velha que eu. A Sônia tinha 4 anos quando eu nasci. Então, era uma outra mãe também. Estava cercado, né?
P- E seus pais eram autoritários, rigorosos na educação?
R- Não, não. O meu pai nunca me bateu, por exemplo. Agora, quando ele levantava a mão, aí era bom você sair de baixo, né? Onde ele batia, não nascia cabelo. Minha mãe dizia que não sabia bater. Ela não se incomodava que ele batesse em mim ou não. Coisa que ele nunca fez, aliás, diga-se de passagem. Ela achava que tinha que ter uma toalha molhada [risos]. Porque o Nardão, meu pai, ele adorava Telecatch, luta livre, né? Então, na hora que ele ficava nervoso, acho que ele se imaginava o Hércules, o Fantomas, o Luchetti, o Gatica, se imaginava um Achiles, um matador, não é? Ele batia onde viesse na telha, onde pegasse, e essa era a preocupação da minha mãe. A minha mãe não era autoritária, mas ela era uma artista, e ela sabia muito bem criar clima. Ela era a rainha do clima, sabe? Ela era capaz de fazer você se sentir culpado ou não, né? Estou dando um traço, vamos dizer, da culpa. Ela era capaz de em um olhar, assim, te deixar se sentindo culpado e carregando um fardo durante muito... até, até onde ela quisesse, né? Então, ela era cheia dos truques, cheia dos truques. Mas não havia rigidez de tratamento, não, pelo contrário. Eu acho que, especialmente minha mãe, sempre fez questão e sempre fez muita força pra que a gente progredisse, pra que a gente se formasse. Exigia muito nesse sentido, né, de evolução. E meu pai dava as condições pra isso.
P- Fala um pouco da escola, da fase de formação. Onde você estudou, como é que foi a sua relação com a escola, desde o primário até o secundário...
R- Ah, eu comecei... 63, no Sesi. O Sesi [Serviço Social da Indústria], que era patrocinado pela Light. Aliás eu abro um parêntesis, pra dizer que em uma das crônicas que eu escrevi pro Eletro Jornal, eu disse que o Copérnico tava errado. Que o mundo, não... a Terra não girava em torno do Sol, girava em torno da Eletropaulo. Girava em torno da Light, porque é impressionante. Aonde você vai, pelo menos neste século, você tem a marca da Light. Você vê, estudei numa escola no Sesi que era patrocinada pela Light. Eu tô lendo agora um livro, Chatô, o Rei do Brasil, do Assis Chateaubriand, que nós, como jornalistas, conhecemos muito bem, principalmente o lado lírico do Assis Chateaubriand. E o Chatô, que é de Chateaubriand, agora o rei do Brasil, é do Alexander Mackenzie, que era o presidente da Light, certo? A Light fez o Assis Chateaubriand. A Light deu o dinheiro pra ele comprar o primeiro jornal. E agora, eu volto [risos]. Tiro o parêntesis, e volto. Então, eu comecei a estudar numa escola que era do Sesi, que era patrocinada pela Light. Lembro de uma vez que eu briguei com minha professora do primeiro ano... eu não briguei, acho que ela brigou comigo. Ela era uma... se chamava Maria José. Eu chorava muito, sabe. Entrava na escola, e eu tinha uma verdadeira saudade de casa. Eu não queria ir pra escola, não. Não que eu não fosse apaixonado pela Dona Maria José. Eu era, né? Não houve problema de falta de amor pela primeira professora. Mas ela tinha métodos pouco aconselháveis de educação, né? Então, como eu chorava, ela me pôs o apelido de Bebê Chorão, por exemplo [risos]. Na época não era escola particular, que você fazia e acontecia. Na época você tinha... eram 50, 60 meninos, 60 crianças dentro de uma sala de aula. E no segundo ano, daquelas 60 tinham sobrado 30. No terceiro, daquelas 30, caía pra 20. Chegando no ginásio, só tinha uns 5. E na faculdade então, se chegasse meio... Eu cheguei na faculdade, ou melhor, meio Arnaldo chegou na faculdade porque não tinha condição, né? Então, ela era assim uma pessoa muito brava, muito severa. E se você chorasse por algum motivo, algum erro de conta, alguma coisa, ela te colocava lá na frente, pra você chorar na frente de todo o mundo.
P- Tinha que ajoelhar no milho também, essas coisas todas?
R- Não, não chegou a isso, né? Não chegou a isso. Eu lembro que no meio de uma crise nervosa que eu tive, falei: “Meu pai trabalha na Light [risos], ele vai dar um jeito na senhora”. Ela falou: "Ele que venha, que venha tudo". Ainda vou te pegar, Dona Maria José [risos]. Ainda vou te pegar. A Light não te pega mais. Mas a Eletropaulo um dia vai na tua casa, vão cortar tua luz [risos] em homenagem a minha infância, né? Fiz o primário no Sesi, depois eu fui pro ginásio, na época era ginásio, não tinha esse primeiro e segundo, como é agora.
P- Primeiro e segundo grau.
R- É, na época era primário, ginásio e colegial. Fui pro Ginásio Alexandre Gusmão, onde fiz o ginásio e o colégio. O Alexandre Gusmão tinha professores antológicos, sabe? Quer dizer, os professores de antigamente eram antológicos, né? Não tinha um que fosse são. Outro dia contei a história do Bueno. Esse Bueno era um professor de história. Só que ele não ensinava a história do Brasil, ou a história da Europa, a história da Idade Média, ou a história da Pré-história, né, ele ensinava a história da tua família. É meio o que o Museu da Pessoa faz. Então, a gente era obrigado a trazer o nome do avô, o nome da avó, onde eles nasceram, ele queria certidão de nascimento deles, queria a certidão de nascimento do bisavô, do trisavô. A história que ele fazia, isso no ginásio, isso no segundo ano ginasial, era uma história da tua família, da tua árvore genealógica. Não tinha a história do mundo, não é? Eu nunca vi professor de história ser assim. A Karen, aqui do Museu da Pessoa... contei a história pra ela e ela achou fantástico: "Nossa, que professor soberbo, que visão de futuro". Hoje eu também acho isso. Mas na época, né? Então, o que caía na prova... Quando é que começou a Idade Média? Não. Quando é que nasceu seu tataravô [risos]. Coisa assim. E uma coisa que tinha naquela época era o sadismo dos professores, né? Tinha o Olegário, por exemplo, era um professor de Português. Ele entrava na sala, sempre do mesmo jeito, calvo, assim, oclinhos, aquele avental, ele entrava com o diário debaixo do braço. Antes dele entrar, ficava aquela guerra de giz, todo mundo chutando todo mundo e a gente deixava um cara espiando: “Olha o Olegário!” Ahhhh... todo mundo parava, né, ficava em silêncio e ele entrava. Ele não olhava pra classe. Ele não se dignava a olhar pra classe. Ele sentava, abria o diário, sem olhar pra classe. Aquele diário fininho, né, pegava a caneta, todo o mundo num silêncio mortal, aí ele fazia a pergunta. Mas, era sempre a mesma coisa, todo o dia. "Atenção, quem não fez o seu dever de casa, tenha a bondade de se levantar". Aí ele olhava pra classe. Pela primeira vez. Fazia a pergunta, aí olhava... Ele olhava e dizia: "Sempre os mesmos. Eu me divirto sem ir ao circo... ruídos, risadas, vozes…”. Eu era um bom aluno."Você, menino. Por que você não fez o seu dever de casa?” "Ah, sabe, professor, eu tinha que fazer feira pra minha tia", aqueles papos. Ele: "Ah, é, sei, sei, sei", e metia um xizinho. "Não tem problema, continuamos amigos, não é?”, e tcha-tcha-tcha. Então, era assim. De um sadismo... todos os professores daquela época… É violento. Acho que hoje não tem mais isso, não. Hoje tem todo um tratamento, toda uma psicologia, toda uma filosofia de... Eu não me lembro de ter tido um professor são. E eu acho que não sou só eu. Acho que ninguém teve. Na minha geração, em nenhuma escola, houve um professor que batesse bem. Hoje eles também não devem bater, mas por outros motivos, né, [risos] falta de dinheiro.
P- Arnaldo, como é que você se descreveria nesse período de formação, como estudante e como... como garoto, mesmo? Como é que você vê, hoje, à distância, seu comportamento como criança e adolescente?
R- (Pausa) Olha. Eu era extremamente introvertido, né? A única hora que havia uma extroversão é quando jogava bola, que eu adorava. Mas, na adolescência, principalmente, eu vivia muito sozinho, muito tempo sozinho. Eu caminhava sozinho, eu não tinha relacionamento, com as pessoas, né, eu vivia muito sozinho, era muito contido, sabe? E talvez até por influência dos dois avôs, né. Ficava no meio, né, um espanhol, um italiano, os dois eram fortes, e principalmente, da minha mãe também. Então, eu não era uma pessoa que ia ao cinema, que ia aos bailes, que saía junto com os outros rapazes. Eu ficava sozinho. Eu andava sozinho. E fiquei assim, sozinho, por muito tempo. E, ao mesmo tempo, eu lia de tudo. Eu procurava saber falar sobre tudo, né? O meu sonho, e sonho de minha mãe também, era entrar numa roda onde estivessem falando sobre qualquer coisa e eu entrasse e saísse sem ter tido problema intelectual. Falar de todos os assuntos, da melhor forma e da melhor maneira possível. Pra isso, eu lia muito, né? Eu passei estudando, andando sozinho e estudando, essa parte toda. Minha adolescência, acho que estou vivendo mais hoje do que na época que eu vivi, viu? Eu fui eremita na adolescência, e agora estou começando a ser adolescente aos 38. Agora que eu estou mais saidinho. O Oscar Wilde tem uma poesia lindíssima, Balada do Cárcere, ele fez quando ele estava preso. E nessa poesia, ele conta a história... ele estava na prisão, e ele conta a história de um prisioneiro que vai morrer. Ele foi condenado à morte. Ele fica olhando o prisioneiro, ele fica descrevendo as ações do prisioneiro, e aí num ponto da poesia, ele vira e fala: "Mas, que ouçam todos, todo mundo mata o que mais ama. Uns com palavras de lisonja, os covardes, né, com palavras de lisonja e os bravos, com um punhal". Então, eu acho que eu fui criado pra ser um covarde, certo? Pra falar sobre absolutamente tudo, ou escrever sobre absolutamente tudo, cheio de lisonjas, né? Já o bravo, mata com o punhal, ele decide [risos] a coisa na hora. Veja, não vejo covarde como pejorativo e bravo como a vanglória, não. Eu vejo estilos de pessoas diferentes. Eu fui pra lisonja, não pro punhal, né? Acho que deu mais ou menos pra entender.
P- Aproveitando esse gancho poético, a gente vai dar uma pausinha porque está dando...
R- Estou suando como louco.
P- A gente descansa e volta, tá? 30 minutos, está exatamente no meio...
[PAUSA]
R- Pra mim mesmo, eu era office boy, e nos ônibus, eu ia lendo. Então, o que eu lia: Jean Paul Sartre, eu lia Oscar Wilde, eu lembro de A importância de ser Prudente, eu lia Helena Blavatski. Então, o nome Sol contra Sol, é uma frase dita na peça O Diabo e o Bom Deus, do Jean Paul Sartre, né? E a música, eu tinha muitos discos e tinha poucos amigos, mas amigos que gostavam de música também. Então, nós formamos uma banda, formamos um grupo, e foi através da música que eu consegui libertar o meu lado mais criativo. Aí eu parei, durante um bom tempo, parei por uns 12 anos, e voltei, praticamente com o mesmo time, a partir dos 31 ou 32 anos. Aí já mudou o nome. Saiu de Sol contra Sol e foi pra El Muertos. E hoje a banda tem dois nomes. Antes da meia noite, é Dr. Roquete e seus Pintos. E depois da meia noite é El Muertos. E aí, eu voltei através da música, a ter um processo criativo intenso. Nós fizemos mais de 300 rocks nesse tempo todo. Rocks, blues, baladas, né, que é a formação da minha geração. Beatles, Stones, né, principalmente The Who, ______________(?), _____________(?) [Jimmy] Hendrix foram a formação da minha geração. E, através da música, eu procurava me expandir, participar mais socialmente da vida. Isso na adolescência, agora não, agora a gente faz mais por hobby, mais por curtição mesmo, né? É uma banda que raramente sai da garagem, mas quando sai, demonstra a que veio.
P- Você toca?
R- Toco guitarra e canto.
P- Canta?
R- E faço letras...
P- Letra e música?
R- As letras, sempre, de todas, e 50% das músicas são compostas por mim. O El Muertos é um grupo que... eu diria que ele tem um trabalho soberbo. Só que não sabe executar esse trabalho, certo? [risos] O grupo... nós temos um baixista, por exemplo, que revolucionou o instrumento. Eu sempre achei que ele era ruim [risos], o Bubinho. A gente chama ele de Bubinho. Eu sempre achei que ele era ruim. Até que me chamaram a atenção que ele era um... atonal [risos]. Ele não se contenta assim com dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. Ele quer encontrar outras notas, sabe? Então ele toca muito em k bemol, né, e ele não... o som dele não comporta partitura. E eu achava que aquilo era ignorância, certo? Até que me chamaram a atenção que não, que ele é um revolucionário do instrumento. Esse Muller, que veio aí, é discípulo dele [risos], do Buba. Eu achava que por causa do Buba a gente não conseguia arredondar o som, né. A gente tem que sair atrás dele [risos]. Mas não. Me disseram, grandes críticos me disseram que ele é um gênio, né? E aquela música do Moreira, né, Kid Morengueira: “Pintei, pintei triângulos redondos”, né, que fez o maior sucesso com a arte moderna. Mas é uma diversão muito grande, um hobby muito grande, e acima de tudo é um processo de criação muito atraente pra mim.
P- Você compõe músicas sobre o quê?
R- Olha, as músicas... Não é à toa que o grupo chama El Muertos, né? Elas têm um quê litúrgico, um quê mortiço [risos], diríamos mortiço, né, o tema da morte está sempre muito presente, certo? Mas a gente contrapõe com músicas extremamente bem humoradas, também. A própria morte é tratada de forma bem humorada, né, então nós temos música, A Abelha Diabética, por exemplo, que é um rock, tipo rock, irreverente, né. O Dick, o Cão Galã… Aliás, deixo um testemunho aqui. Eu sempre quis que o Magri cantasse o Dick, o Cão Galã [risos]. O Magri me antecedeu aqui, no testemunho, né? O Dick, o Cão Galã... uma vez eu estava andando lá nas ruas das... próximas aos escritórios da Xavier, e nós passamos naqueles cinemas, do... do... bafond (?), né, que se chama? Esses filmes, que ninguém entra. Estava estrelando lá, tinha um filme pesado, né, estrelava Dick, o cão galã. Dick, o cão galã, fazia parte do letreiro. Aí, fiquei imaginando. Estava o Audálio Dantas, nesse dia. Imaginando como é que seria esse Dick. Você sabe que todo o galã anda de perfil. Você pode notar. Eles escolhem o melhor perfil, e eles sempre... o Clark Gable, eles sempre tem um perfil que eles usam. O Clark Gable, na escada com a Scarlet O'Hara, ele tá com o perfilzão esquerdo, assim. Eles não olham de frente. Então imaginei que o Dick, o cão galã, andasse de lado, sabe? Vai, pode ver, o Magri anda de lado [risos]. E a letra diz que: "Dick, o cão galã, desossa frangas pela manhã” [risos]. “Dick, o cão galã, enxagüa anáguas até da irmã. De que, de que, de que, de que vale tudo isso, se você não sabe disso", que é uma rima riquíssima. Então, a gente faz, trabalha assim, bem-humorado, na praia do rock’n roll. E um trabalho mais profundo, né, por exemplo, trabalhos como da música do Nirvana, que fala do complexo de Verônica, que é um complexo que Freud não registrou, certo? Verônica você sabe, é aquela que quando Cristo estava no calvário, colocou um lenço no rosto de Cristo e ficou a marca do rosto de Cristo no pano. Então aquilo é o cúmulo da autocompaixão, né? Então, o complexo de Verônica toda a mulher tem. É o complexo da autocompaixão e da compaixão. Se você chegar tarde em casa, né, você chegou às 4 da manhã, 5 da manhã e tua mulher está te esperando, né? Se você tiver bem, você está ferrado [risos]. Agora se você entrar mal, esfolado, rasgado, tal, ela vai dizer: "Nossa, o que aconteceu?" Vai cuidar de você, vai te dar chá, vai te dar tudo isso. Entendeu? Você nunca pode estar tão bem com uma mulher. Porque ela tem o complexo de Verônica, né. Então, por exemplo, eu ando com uma muleta no carro. Quando as coisas ficam muito ruins, eu já saio de muleta [risos]. Porque aí você desperta o sentido de autocompaixão, auto não, o sentido de compaixão delas e elas veem: "Espera aí, ele não tá bem". Mas a hora que elas descobrem que é tudo truque, aí você está ferrado [risos]. Então, é um tema do El Muertos, o complexo de Verônica. E tem tantos outros. É bom pra você exercitar a criatividade, né?
P- Ô Arnaldo, vamos passar pro lado do trabalho, e lembrar um pouco da sua entrada na Eletropaulo. Como é que foi antes da Eletropaulo? Você trabalhou em outros lugares, como foi o início da sua carreira profissional?
R- Eu comecei como office boy de uns advogados. Era o Élcio Silva, o Lobão, que era um exímio advogado, o Edgar Grosso e o Zé Antônio. Fiquei um ano e meio lá. Depois fui servir o exército, acabei não servindo, depois trabalhei na Prodel, e depois trabalhei na PUC [Pontifícia Universidade Católica], na secretaria da PUC, da Matemática. Aí fiquei um bom tempinho, não muito, desempregado, e fui tentar na Light, não era Eletropaulo na época. Fui tentar na Light, né? E aí fiz testes, tudo, na Light, e meu pai era da Light, estava se aposentando, meu avô tinha sido, e eu acabei entrando pro setor de Relações Públicas da Light.
P- Em que ano?
R- Em 77, né? A Light, ela... é gozado. Muita empresa multinacional não emprega parente. A Light tinha preferência por parentes. Eu costumo dizer que a Light não é uma empresa e a Eletropaulo, por consequência, não é uma empresa, é um incesto, sabe? Você olha para uma menina lá, sai com ela, e de repente ela é tua irmã, cara! Que é tanta família lá dentro, tudo é terceira, quarta geração, o bisavô trabalhou lá, o avô trabalhou lá. Então, é um perigo danado. E eu sou terceira geração. Aí comecei a trabalhar lá, na Relações Públicas, não tinha assessoria de imprensa, os canadenses não precisavam disso, né, tinha um setor de relações públicas fortíssimo. Eles jogavam muito com relações públicas. E fui fazer o jornal da Light. E fui me especializando em jornalismo empresarial. Entrei pra ADC [Associação Desportiva Cultural], que era a Acel [Associação Cultural e Esportiva da Ligth] (contei a história pra ela), na época, a convite do Takeo. Onde eu desenvolvi mesmo minha carreira de jornalista, foi na Acel, na ADC, junto com o Takeo. Porque o Takeo não me coibia. Ele não me proibia de pensar, ele não me proibia de criar. Eu lembro que eu fui diretor de comunicação da ADC, da Acel, eu fazia cartazes, os cartazes mais díspares possíveis, e o Takeo aceitava. Eu lembro de um que eu coloquei o mister, não, o Tio Sam e em cima assim: "Seus piores temores foram confirmados: a Acel quer você como sócio". E ele aceitou [risos], porque era difícil, a gente estava começando, ninguém queria ser sócio do clube. Então, eu falei: "Pô, a Acel quer você como sócio. E agora?” Eu lembro de um outro cartaz que nós fizemos, o “Guerra pra Napoleão”, né. Pusemos o Napoleão... era um campeonato de jogos de salão, pusemos a figura do Napoleão. Era um exercício interessante, né, de criatividade. Eu lembro do primeiro baile. Nós fizemos um cartaz, colocamos dois pares de sapatos dançando, um masculino e um feminino, sob um holofote, os dois assim meio que entrelaçados, e o título Gaste a Sola, sabe, no Baile da ADC. Isso em 78. As pessoas olhavam para o quadro e viam dois sapatos, não entendiam muito, não. E o Takeo dava essa liberdade. Até jornalisticamente, o texto ficou mais arejado, nós tínhamos um panfletinho, era um duplo ofício, dobrado no meio, chamado Saiba Que. Até pensei nesse nome, Saiba Que, porque eu achava ele meio oriental, o som oriental, Saiba Que parece coisa de bonzai. Era um boletim extremamente irreverente. Eu acho que o Saiba Que mudou a linguagem da comunicação da Eletropaulo, porque a empresa era sempre muito sisuda. Eu lembro de uma vez, que nós pusemos um Saiba Que, isso foi 14 de julho, que é o data da Queda da Bastilha... quando é que é? Por favor, não me deixem errar a Queda da Bastilha [risos]. E nesse dia, 14 de julho, se deu a abertura dos Jogos Olímpicos da ADC. Aí nós fomos, não tínhamos ideia nenhuma pra pôr...Pus na capa que duas grandes datas poderiam ser comemoradas em 14 de julho. Uma delas era a Queda da Bastilha, era a Revolução Francesa. A outra, os jogos da ADC, e que naquele informativo nós tínhamos virtudes e defeitos. O defeito: nós não falávamos uma linha sequer da Queda da Bastilha [risos]. A virtude: a gente falava tudo dos jogos da ADC. E nessa época a empresa estava em polvorosa, era direita, esquerda, centro, sabe, eram correntes. Ouvi dizer que tem mais de 15 milhões de cores, né, 15 milhões de cores no mundo, que o computador consegue. Ali também tinha 15 milhões de versões partidárias. E alguns não gostavam muito de brincadeira, não. E a gente passou a ironizar, passou a achar uma nova forma de comunicação, e o Saiba Que... devemos até tê-los arquivados. O Takeo era bom nisso, porque ele não podava a criatividade, né? Ele é uma pessoa que sabe montar equipe, ele é um líder, não um líder, assim, carismático, pessoal. Não, ele sabe montar grupo. Ele sabe escolher as pessoas certas. E curiosamente, eu não sei o que ele tem, mas as pessoas são fiéis, extremamente fiéis a ele. Eu sei porque, pelo menos da minha parte. Porque ele nunca me podou, né? Eu tinha as ideias mais dantescas possíveis, e ele bancava essas idéias. Eu queria vestir uma torre da Eletropaulo com uma camisa da ADC, e ele dizia, "Mas como é que vocês vão fazer isso? Não dá. A camisa teria que ser enorme". "Não, nós vamos montar fotograficamente e tal". E ele topava. E topa até hoje. Como o multimídia, por exemplo. Eu senti, em determinado momento... eu fazia o jornal da Proporsom, que é uma loja de instrumentos musicais. E eu fazia esse jornal com a M2A, certo, que era no mesmo lugar do Museu da Pessoa, né. Aí, eu vi o trabalho do Museu da Pessoa, participei de alguma... fui convidado pelo pessoal pro Almanaque da Terceira Idade... Não pra trabalhar, mas pro lançamento. E essa questão do multimídia me marcou, essa questão de você resgatar coisas me marcou. Eu tenho um cérebro muito latente. Um cérebro assim, fellinesco, né? Não que eu viva no passado, mas acho que o passado é muito importante. Então, eu achei que a empresa, a Eletropaulo, chegou num ponto em que ela estava perdendo o caldo cultural. Quer dizer, em 79, a Light canadense foi vendida pro governo brasileiro. De 79 a 81, ficou Light Eletrobrás. Em 81, ela passou pro governo do Estado, que comprou o subsistema Light. Então de 81 prá cá, os funcionários que entraram são, vamos dizer, “eletropaulitanos”. E antes disso, “lightianos”. E eu tava passando no... fui na recepção do setor de RH [Recursos Humanos] da empresa, de um colega que se aposentou, e eu perguntei: “Escuta, qual é a margem, qual a porcentagem de gente que entrou na Light e de gente que entrou na Eletropaulo?" Ele falou: "Olha, tá 30 a 70". Então nós temos 30% de “lightianos” e 70% de pessoas que entraram na Eletropaulo. O perfil é diferente. E eu não tenho receio nenhum de deixar isso registrado. Porque na Light, o eletricitário da Light tinha que ter, forçosamente, uma noção de categoria. Já o da Eletropaulo, não. A Eletropaulo, como em toda empresa de governo, e não só no Brasil, não só em São Paulo, no Brasil, no mundo inteiro, há ingerência política. Não é especificamente na Eletropaulo, não. Então, as pessoas que entraram, salvo raras exceções, entraram por indicação. Agora, sem senso de categoria. Portanto, se fecha o tempo, se tem uma greve, essas pessoas não procuram o sindicato, seja lá quem está no sindicato. Elas procuram o fulano que as colocou lá: o deputado, o vereador. E torno a repetir, não é uma questão da Eletropaulo. É uma questão de Brasil, não só de Brasil, mas de outros países também. Então, eu percebi o quê? Que o caldo cultural da empresa, o caldo cultural que eu conheço bem, porque sou neto de “lightiano”, filho de “lightiano”, estava se perdendo, estava acabando. A empresa, também mudando, certo? A Light, diferente da Eletropaulo... eu não estou dizendo que a Light era melhor ou pior que a Eletropaulo, não. Eu gosto das duas igualzinho. Mas, eu não podia deixar, de resgatar o caldo cultural de toda uma geração, ou melhor, de várias gerações que passaram na empresa. E também não poderia deixar de preparar a ADC Eletropaulo, que é a coisa que eu mais gosto, tanto na Light, quanto na Eletropaulo, pro futuro. Pra comunicação do futuro, pra comunicação de ponta. E eu falei isso pro Takeo. Quer dizer, você pode dizer: ‘É uma loucura”. Semelhante ao Tio Sam: "Seus piores temores foram confirmados, a ADC quer você como sócio". Fazer um multimídia na ADC. E o Takeo bancou. Falou: "Não, vamos fazer. É caro, isso? A gente acha, arranja". Temos que fazer, temos que registrar. Temos que preparar, temos que dizer como é que foi, temos que legar pras pessoas o que era, como foi difícil juntar tijolo por tijolo num desenho lógico, como diria o Chico, né? E temos que preparar, modernizar os métodos de comunicação da própria empresa e da ADC pro terceiro milênio. Aí eu procurei o Museu da Pessoa por quê? Porque o Museu da Pessoa, além de desenvolver o multimídia que outras empresas podem desenvolver também, ele tem o aspecto de resgate de memória, a parte histórica que me interessa, certo? O Museu da Pessoa descobriu que em 1916, tivemos um clube de motorneiros. Uma empresa comum que fosse fazer um multimídia, talvez não descobrisse isso. Quer dizer, eu precisaria de um... de uma entidade específica que cuidasse da memória, quer dizer, era como se eu fosse, eu tivesse sido doutrinado, forjado no Cambuci, como uma mola de bonde, pelo meu avô, como uma rosca de cano, pelo meu pai, quer dizer: "Olha, meu filho, a você vai caber a missão de contar o que foi a nossa história". Sabe? "Só você, porque você, filho de operário, mas você, não sei porque cargas d'água, acabou dando certo, estudou e conseguiu passar, chutou o C e deu C, você se formou, cara". Quer dizer, daqueles 60, torno a repetir, que estavam na escola de primeiro ano comigo, meio se salvou. Fui eu, que não me salvei por inteiro [risos]. O resto ficou, e não tinha como sair, né, então, é como... Se eu vou no Cambuci e vou a vários setores clássicos da empresa, como o Departamento Médico, como o restaurante, que estão em outros setores, outros... imobiliários, né, vou naquela Xavier, quer dizer, os fantasmas da empresa me perseguem, dizendo: "Olha, alguém precisa registrar”, né, a história social e interna. Porque veja, nós temos um patrimônio histórico muito bom. Nós temos um acervo fotográfico belíssimo, com mais de 60 mil negativos de vidro, temos a revista Memória, nós a... veja, ela lida com a área social que foi gerada com a participação da Eletropaulo, mas o externo, né, ela fala do Mário de Andrade, não fala dos nossos Mário de Andrade, né? Não fala dos nossos grandes artesãos, dos nossos grandes encanadores, dos nossos grandes ferreiros, dos nossos grandes engenheiros, quer dizer, da obra de engenharia, dos técnicos da Eletropaulo, da Light, que são pessoas com uma formação brilhante. É meio isso que a gente tá tentando fazer com o multimídia, contando obviamente a história sob o ponto de vista do lazer, né. Até se chegar... e obviamente ela vai continuar, né, não vai ser somente ouvir depoimento, tudo vai ser... gente vai fazendo mais, tudo vai sendo... tá sendo o ponto de partida pra se registrar a história de todo um século numa linguagem de ponta de comunicação, né, e o Takeo [risos] você vê, ele apostou. Ele chegou e falou: "Arnaldo, vai lá" e eu fui. Aí eu trouxe ele. E foi indo, foi indo, indo, que dizer, é uma pessoa que até pode não entender muito o que é um multimídia. Mas ele sente no ar quando a coisa precisa ser. Então, ele é uma liderança diferente...
P- Quais são, Arnaldo, os grandes momentos que você viveu na história da ADC que você acha que devem, merecem, entrar pra memória da ADC. Os grandes momentos de história, de articulações, de....
R- Olha, um grande momento que eu gostaria de destacar, foi... um deles, a disputa eleitoral. A disputa eleitoral entre duas chapas diversas, né? Isso deve ter sido lá pra 1982, ou 1984, não estou bem certo agora. Eram chapas opostas, certo? Não digo com linhas ideológicas diferentes, não. Porque eu sempre tive uma visão muito pessoal da ideologia. Eu sempre achei que não havia direita, esquerda ou centro. Pra mim, o que existiam, e continuam existindo e vão sempre existir, são os sete pecados capitais [risos]. O resto é invenção, certo? Até os dez mandamentos, eu já acho que são invenção. São os sete pecados capitais, e todo o mundo está sujeito a esses sete pecados capitais. Eu tenho uma abordagem literária, certo? Do bem e do mal. Agora o que mais me emociona nessa disputa de chapas, que eu gostaria de deixar registrado, é que nenhuma das duas chapas ou melhor, as duas chapas tinham a mesma filosofia. E essa filosofia era básica. A ADC Eletropaulo era do funcionário. As duas chapas eram contra a empresa açambarcar a ADC Eletropaulo como mais um de seus setores. As duas chapas lutaram pra que a ADC Eletropaulo permanecesse com o funcionário, sendo a diretoria eleita pelos funcionários. Uma das chapas ganhou por um voto. A outra, depois, ganhou por um voto [risos]. Então, acho que o equilíbrio, foi a coisa que mais me marcou, e principalmente, o interesse das duas chapas em manter a ADC na mão do funcionário, né? Me marcou a compra do terreno em Mogi, muita gente não entendeu porque se comprou um terreno em Mogi, de 170 mil m2, mas lá em Mogi. Ora, simples! Quando a Eletropaulo entrou, o governo de São Paulo entrou, eles queriam açambarcar a ADC como açambarcaram outros setores da empresa, setores que eram dos empregados. A gente tinha que evitar, e um forma de evitar, era comprar alguma coisa. Porque se você tem imóvel, já fica mais difícil de tirarem as coisas das suas mãos. Então, o patrimônio de Mogi das Cruzes foi muito importante, porque ele é que manteve a ADC Eletropaulo com os funcionários. A empresa não podia entrar legalmente. Era mais difícil. A Praia do Sol, me lembro bem quando saiu o comodato da Praia do Sol, governo Montoro, governo do PMDB. Na época, foi uma grande conquista, as áreas de lazer local que se expandiram pela empresa toda, hoje a maior parte dos imóveis da empresa tem uma sala pras pessoas se divertirem.
P- São esses?
R- Não são só esses, tem muitos outros... tem muitos outros, né, mas o que mais me emocionou foi justamente a disposição das duas chapas de manter o clube na mão do funcionário. E eu espero que isso continue no terceiro milênio.
P- Voltando um pouco pra sua vida pessoal, eu queria que você falasse um pouco sobre o seu casamento, filhos, né, quando você se casou, como é que foi...
R- Algo que eu almejo, né, é meu filho trabalhar na Eletropaulo.
P- Eu tinha essa pergunta mesmo.
R- Sabe? Eu gostaria que meu filho trabalhasse na Eletropaulo. Minha filha também.
P Eles estão com que idade hoje?
R- O Rafael está com 9 anos, a Giulia está com 5, e, eu acho que o Ra seria um excelente funcionário. Se a empresa quiser contratar, eu estou vendendo o passe [risos]. Por enquanto um milhão de dólares, mas na hora que ele tiver prontinho, vai ser mais caro. Acho bom vocês contratarem já [risos].
P- Bom, eu acho que a gente... Você teria alguma coisa a acrescentar de especial ... ou a gente pode partir pro encerramento?
R- Partir pro encerramento, né.
P- Bom, então vou te fazer uma única pergunta pra fechar. Qual o seu maior sonho?
R- Meu maior sonho, pessoal?
P- Você é que sabe. Em qualquer sentido.
R- Olha, o meu maior sonho é, em termos de Eletropaulo, que os funcionários tenham o clube que merecem, né? Um clube que represente tanto quanto a Eletropaulo representa. Tanto quanto a Light representou. Coisa que eles não tem. E não foi por falta de briga, não. Foi, muitas vezes, por falta de vontade política das pessoas que dirigiam a empresa. Cada uma pôs um tijolo. Mas acho que poderiam ter posto muitos mais. Então, meu grande sonho, em termos de Eletropaulo, é esse clube, né? E esse avanço em termos de comunicação que eu acho que a gente está conseguindo fazer com esse multimídia. Esse é meu grande sonho. E meu sonho pessoal é ter paz. Certo?
P- E rock’n roll.
R- Ah, eu gostaria de rachar o palco com os Stones, sabe? [risos] Porque eles vivem dizendo por aí que são a maior banda de rock do mundo, e eu desafio eles a provarem isso na nossa cara.
P- Bom, eles estão chegando por aí.
R- Eles estão chegando por aí e, inclusive, eu tenho informação que eles tão sem baixista [risos] e eles vieram cantar o nosso baixista, o Bubinha pra fazer parte do grupo, sabe? O Bubinha até andou meio sumido, porque ofereceram muita grana pra ele, certo? Bubinha era pra tocar na turnê deles e nós acabamos podando, né? Mas a gente gostaria de medir forças com os Stones no palco. Eu acho que aquele bocudinho lá, o que falta pros Stones, é um vocal de macho, né? [risos] Então, esse é um grande sonho, rachar lá, e quem perder, abre show pro outro, certo? Eu não tenho problema para abrir show pra eles e acho que eles também não teriam... apesar da Brenda lá ser minha... né, meio... nervosinha, acho que ela não teria problema de abrir pra gente, medir forças com eles ali, pau a pau, tarracha a tarracha [risos]. Isso aí é bom. É um sonho, sonhar é bom.
P- “I can't get no satisfaction” (recita o entrevistador)
R- É.
P- Obrigado, Arnaldo.
R- All right.
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