P/1- Eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R- Meu nome é Sueli Câmara Marques, eu nasci em São Paulo na capital e minha data de nascimento é 24 de março de 76.
P/1- E Sueli, quais são os nomes dos seus pais?
R- Francisco da Cama e Alta Maria da Conceição Câmara.
P/1- Você sabe um pouco da história deles, como se conheceram?
R- Uhum, sei. Meu pai… na verdade o casamento dos meus pais é o segundo casamento dos dois. Eu não sei muito como eles se conheceram, eu sei que minha mãe morava sozinha, com uma irmã minha, que ela tinha adotado e então ela conheceu meu pai e ele veio morar com ela depois. Aí depois, quando já estava com uns catorze anos, ou dezesseis, foi que eles se casaram realmente no civil. Mas ficou esse tempo todo ali tramitando os documentos de divórcio, então acabaram se casando só depois mesmo. E aí construíram a casa onde a gente mora, minha mãe disse que morava em um barraquinho e depois, quando meu pai veio, ele começou a construir lá e levantar as paredes para construir uma casa grande para gente.
P/1- E sua mãe, no primeiro casamento ela teve algum filho? Você tem uma irmã adotada, né?
R- Eu tenho essa irmã adotiva, que era de uma colega dela, que morava com ela, que ela falou assim: “Eu crio a criança”, e aí ela pegou, porque sentia a ausência de dois filhos que ela tinha deixado em Recife. Ela é de Recife, ela teve um problema de saúde mental muito sério e ela ficou ruim e deixou para a sogra dela em Recife cuidar das duas crianças, porque ela não tinha condições. Então ela veio para o Paraná morar com o meu tio, que ficou cuidando dela, e depois vieram para São Paulo. Então tem a Gerusa e o Genildo. Na verdade, o nome dela é Genilda, mas a gente só conhece como Gerusa (risos). Então eu tenho dois irmãos por parte de mãe e tenho mais seis por parte de pai. Meu pai é filho de português e gostava de fazer filho. (risos) Uma já faleceu, eram sete, então no total nós éramos em doze; dá para entrar na história do livro “Éramos doze”. (risos)
P/1- Então Sueli, você estava contando que seus pais se conheceram. Seu pai era de família portuguesa, não é isso?
R- Isso.
P/1- Eu queria saber se eles se conheceram no Paraná.
R- Não, aqui em São Paulo. Porque minha mãe morou um tempo no Paraná e veio um tempo depois para São Paulo. Então se conheceram aqui.
P/1- Entendi. E aí ele veio com os filhos? Como que é? Seu pai já estava em São Paulo?
R- Não, ele nasceu aqui. Meus avós eram portugueses, vieram para cá, interior de São Paulo, criaram lá e depois ele veio para capital, eu não sei muito, porque como era já filha de segundo casamento, os pais são mais velhos e já não conversam tanto com os filhos. Então eu sabia de uma ou outra coisa que ele falava, que a avó, a mãe dele era muito rígida, que era muito brava. Então já sei de onde veio, né? (risos) Então era assim. Ele falava dela, que ela não deixava nem abrir a geladeira, que tinha que pedir permissão… essas coisas. Coisas que a gente em casa já não tinha mais isso: está com vontade de comer alguma coisa, abre a geladeira, vai lá, procura, então eram coisas assim que eu ficava sabendo dela, uma ou outra vez.
P/1- Você chegou a conhecer a sua avó?
R- Não, só por foto. Quando eu nasci ela era falecida já.
P/1- E os seus irmãos por parte de mãe, você tem contato?
R- Tenho contato. Um morou com a gente por um bom tempo, porque português faz aquelas casas assim: povo fala que vai construir e não constrói, depois vai fazendo uns… vai levantando, aumentando né? (risos). Então meu pai construiu a casa toda bonitinha, depois foi aumentando a casa toda: um quartinho aqui, um quartinho lá, dividindo faz dois… (risos) E aí um dos meus irmãos veio morar, ficou morando com a gente no mesmo quintal, bastante tempo. E depois que ele foi para… depois de velho ele foi para Recife de novo. Está morando lá, se estabilizou lá. Porque ele ficou quatro anos lá, quatro anos aqui; agora que está morando lá, se estabilizou (risos). Minha irmã também mora lá e ela veio para cá esse tempo, ajudou a gente a cuidar da minha mãe, mas morou um tempo também em São Paulo. Teve uma vez que eles estavam em dificuldade lá, então veio a família toda. Morou junto com a gente um tempo também, ela com o esposo, os filhos… então a gente abriu mais espaço dentro de casa para caber mais gente (risos). Então era uma época engraçada e legal, porque eu sou paulista, mas de tanto ouvir o sotaque deles, eu comecei a pegar e falar igual eles também quando eu era criança (risos). Então era divertido. E para gente era diferente, então acaba copiando.
P/1- E do segundo casamento você é filha única?
R- Não, eu tenho um irmão, tem mais um irmão, ele nasceu dois anos depois que eu.
P/1- Então cresceu todo mundo junto? Todos os irmãos…
R- As minhas irmãs por parte de pai, uma morou no quintal com a gente também, na casa dos fundos. A outra precisou vir morar com a gente, com a filha, separada do esposo. Depois outra também precisou morar com a gente, ficou com a gente… então sempre tivemos contato com todos os irmãos. Só tem o mais velho do meu pai que a gente não tem muito contato, o Josué. Já era casado, tinha a vida dele, mas a gente não tinha contato, era pouco. As irmãs a gente teve mais contato. E também ele tinha problemas de relacionamento com meu pai, então não se aproximava muito. Ai só mais as meninas mesmo, as filhas.
P/1- E o que você lembra da sua casa? Como ela era?
R- Eu lembro que era simples, mas... aí tinha o meu quarto, com um dos meu irmãos e o quarto dos meus pais, que era do lado um do outro. Eu lembro que a casa antes só tinha fumaça, que era dividida entre sala, cozinha e depois meu pai resolveu fazer uma reforma, aumentar e a gente teve que ajudar, carregar entulho e tudo, para poder levantar uma parede, subir a outra, levantar uma e subir outra, quebrar outra… e tudo para abrir um pouco mais, ficar um pouco maior tudo. E lembro também quando era criança que tinha… sempre lembro disso, que a gente ia dormir e meu pai ficava fazendo: "Shh! Vai dormir” E aí a gente começou a brincar. E ficava eu e meus irmãos: “Piu”. “Fica quieta Sueli!” Aí depois: “Piu”, "Sérgio, fica quieto”. E a gente ficava nessa brincadeira (risos). Era porque eles dormiam muito cedo naquela época, mesmo com televisão, tinha que desligar tudo e ir dormir. E eu não gostava de dormir cedo. E eu lembro que mesmo com as luzes todas apagadas, eu dormia em beliche, vinha luz de fora e eu ficava lendo com a luz da janela. Eram coisas assim que eu lembro. E meu pai tinha também na época um ferro-velho. Naquela época era um comércio que tinha bastante. Meu tio tinha um e meu pai tinha outro, e aí a gente brincava lá e eu achava legal ir no ferro-velho do meu tio, que era maior, tinha mais coisas, eu gostava de correr lá, brincar lá. Tinha muita coisa interessante, porque tudo que as pessoas não queriam, mandavam para o ferro-velho. Então achava interessante ir lá e brincar lá. Gostava bastante. Então é mais ou menos isso que lembro. Era simples a casa, mas tínhamos o necessário que precisávamos. Festas de aniversário quando éramos crianças, não tivemos quase. Minha mãe fazia um bolo para gente só de casa cantar parabéns. Ela nunca deixava de fazer um bolinho simples, ela recheava do jeito dela, fazia cobertura de chocolate com chocolate granulado, que era para cantar parabéns pra não deixar passar em branco. Mais festa como os meus amiguinhos da rua tinham, tudo enfeitado, com bexiga e convidar os amigos, a gente não teve. Eu lembro, mas lembro que a gente comemorava do mesmo jeito.
P/1- E você comentou que seu pai trabalhava em ferro-velho. E o que sua mãe fazia?
R- Minha mãe sempre foi do lar. Minha mãe se aposentou cedo, por causa do problema de saúde mental dela. Ela se aposentou um pouco antes de eu nascer, acho que com uns 38 anos, por aí. Então ela só cuidava da gente mesmo. Cuidava da casa e cuidava da gente. E ela sempre teve um pouco de depressão, eu lembro sempre que às vezes ela fazia comida, lavava louça e as outras coisas nós tínhamos que fazer. Varrer a casa, limpar a casa… era sempre a gente. Final de semana tinha aquela história que sábado era dia de limpeza da casa, então a gente tinha que fazer a limpeza. E era muito engraçado porque eu e minha irmã a fazia assim: “Você limpa os dois quartos e eu a sala e a cozinha”. E ela sempre terminava primeiro, e queria que eu terminasse junto com ela. Mas é que eu tinha sete anos, era mais nova que ela. E ela: “Você demora muito, você é lerda!”, mas é porque eu estava na fase ainda de me divertir, então eu começava a fazer as coisas e me distraia com a boneca, com outras coisas… esquecia. Ai falava assim: “Então vamos trocar”. Há uma semana eu limpava a sala e cozinha e ela dos dois quartos. Do mesmo jeito eu me distraí e ela ficava brava comigo (risos). E minha irmã… como minha mãe teve esse problema, minha irmã sempre foi mais mãezona. Sempre de mandar, de querer que a gente faça as coisas, de cuidar da gente também, então ela era brava e às vezes queria bater na gente, mas eu não deixava. Eu era bravinha também e não deixava (risos).
P/1- E como era essa relação com os seus pais?
R- Era boa. Meu pai me lembro que era calado. Quando trabalhava... quando eu era bem pequenininha, ele tinha um ferro-velho, depois ele começou a um bom tempo trabalhar como pedreiro. Então ele chegava em casa cansado e jantava, tomava banho, jantava, assistia televisão e depois ia dormir. Eu não lembro de muita conversa, de muita coisa. Mas às vezes eles gostavam de levar a gente para passear, para visitar um parente que morava longe. Eu lembro que gostava de ir lá para Interlagos, meus primos moravam lá, então era tudo barro lá, nessa época, mas já tinha o SESC. Então a gente ia par lá para brincar, nos divertimos, ia visitar meus tios também, ia muito na casa deles… E nós fazemos também, como a gente ia pra igreja, final de semana, e tínhamos umas viagens missionárias, para o interior, para outras cidades para fazer o trabalho missionário. Então eu ia com ele. Ele sempre: “Vamos filha?” e eu ia com ele. Então me lembro dele com relação a isso. Ia me levar sempre para a igreja e para esses trabalhos que a gente ia por outras cidades, eu ia junto com ele também, que eram trabalhos voluntários e eu gostava de ir, então sempre ia. Minha mãe sempre foi muito calada, muito quieta. Eu lembro de algumas vezes a gente na cama brincando com ela, conversando com ela, mas não lembro de muita coisa. E às vezes eu ficava… quando comecei a ficar adolescente, eu ficava brava porque às vezes pedia para ela sair e ela falava: “Fala com o seu pai” e ele falava “Fala com sua mãe''. Eu ficava muito brava com isso. Nenhum dos dois queria deixar… ela tinha medo de deixar e depois ele falar: “A culpa é sua, você deixou”. Os dois ficavam jogando um para o outro e eu ficava brava por causa disso. E depois de tanto que eu falava na cabeça da minha mãe, ela me deixava ir e sair. Tinha os amiguinhos da rua que queriam andar, tinha uma vizinha que nós brincávamos muito juntas e ai ela conheceu amiguinhos de outro bairro e me levava junto. Ou quando ela queria sair, como a mãe dela não deixava, porque ela era muito espoleta, e a mãe dela colocava um horário para ela e ela não respeitava os horários, a outra vez que ela queria sair, ela me usava pra pedir pra mãe dela para sair. Então ela sempre pedia: “Vai lá, pede para minha mãe. Porque se você pedir ela deixa. Se eu pedir ela não vai deixar. Se você falar que eu vou com você, ela deixa”. Então a gente ia, mas dava o horário de voltar, minha mãe falava assim: “Você vai, mas dez horas eu quero você em casa”. E eu: “Ta bem mãe”. A gente ia. Quando estava chegando perto das dez horas: “Vamos embora Samanta”. “Só mais um pouquinho”. “Vamos embora Samanta, já ta no horário”. “Não, só mais um pouquinho”. “Vamos embora Samanta. Ó, então tchau, você fica e eu vou embora. Não quero nem saber, se sua mãe perguntar…”. “Nem fala que você chegou então”. Eu fiquei quieta, mas a mãe dela via que estava demorando para chegar e ia ver se eu já tinha chegado ou se ela estava na minha casa. E eu falava: “Eu vim embora, ela não quis vir embora e eu vim”. Aí depois ela apanhava porque ela não respeitou o horário. Naquela época a gente entrava no couro, como o povo diz. Eu lembro dessas coisas assim. Então eram mais esses eventos. Mais ir à igreja, quando a gente ia junto com meus pais… em casa assistindo jornal, tinha que ficar quietinho para meu pai assistir o jornal. Não podia falar que ele queria ouvir as notícias. Então tinha que ficar calado. E também quando acabava o jornal e ele ficava mudando. Não era controlado na época, ele tinha que ficar toda hora pem, pem pem. Me dava nervoso aquilo, ele não deixava em um canal (risos). Ai adolescente que eu lembro mais coisas de conversar e tudo, então mais discutir coisas da igreja e ponto de vista diferente que tinha no meu pai. Batia muito na tecla com ele. Mas coisas assim que eu lembro, que eu recordo.
P/1- E Sueli, você comentou da Samanta que era uma amiga.
R- Isso.
P/1- Em que bairro vocês moravam?
R- No mesmo bairro que eu moro hoje.
P/1- E qual que é?
R- No Jaçanã. Agora… quando eu era criança, era Jardim Modelo, mudou para Jaçanã, agora mudou o CEP de novo e é Jardim Brasil, mas eu só falo que é Jaçanã, porque Jaçanã é mais bonito.
P/1- E como vocês se divertiam?
R- A gente brincava de pega-pega, porque a rua era sem saída, era rua de terra. Então brincava de pega-pega, brincava de esconde-esconde, tinha também umas outras amigas minhas que moram no quintal também: a Lucilene e a Luciléia. A gente brincava bastante. Eu lembro que só tinha assim: a Samanta veio depois, primeiro tinha a Luciléia e a Lucilene. E só tinha nós três de meninas. Sempre só tinha pouca menina e muito menino Então a gente sempre brincava no meio dos meninos e meu pai não gostava, ficava chamando para dentro de casa, porque não gostava que estivesse brincando com os meninos. Eu lembro que brincava de bolinha de gude, meu pai não gostava… então quando ele chegava, parava tudo., fazia de conta que não estava brincando de bolinha de gude. Tinha um parquinho perto de casa que eu ia brincar de pega-pega, esconde-esconde, escorregador, balanço… tudo a gente passava lá, brincando depois do horário de escola. E eu lembro que tinha dias que a gente passava do horário e aí meu pai gostava de chegar e a gente dentro de casa. Eu lembro de uma vez que a gente viu ele chegando e a gente no parquinho ainda. Eu falei: “Meu Deus, agora a gente vai tomar uma surra. E agora?”. Só que tinham duas entradas para minha rua, tinha por aqui, onde ele entrava de frente para o parquinho e tinha para o outro lado, que era uma vielazinha, que era beirando o rio; então ali era passagem também. A gente pegou e deu a volta, fomos pelo lugar mais longe, demos a volta, saímos correndo, chegamos em casa, tomamos banho, nos trocamos, ficamos bonitinhos… e o pai que não chegava? Eu falei: "Cadê ele? Ele estava lá e a gente ficou esperando. Ele parou, ficou falando com os amigos, batendo papo e a gente com medo. Deu tempo de jantar, deu tempo de ficar bonitinha e fazer de conta que a gente estava lá, santinho, dentro de casa quietinho. Eram essas as brincadeiras. Tinha também empinar pipa, porque meu irmão depois cresceu, começou a empinar pipa, e não tinha outra brincadeira, eu queria empinar pipa também. Eu fazia minhas pipas também empinarem, e quando eu não tinha, eu queria a dele, aí eu sempre: “Deixa eu. Só um pouquinho”, aí pegava e acabava deixando eu perder a pipa. “Mãe, olha lá" Fez eu perder minha pipa!”. (risos) Era legal. E tinha um terreno na frente. Hoje tem uma empresa construindo ali, mas tinha um terreno na frente, baldio, a gente brincava naquele terreno, corria para lá e pra cá, empinava pipa… então era muito gostosa a infância, a gente brincou bastante, se divertiu bastante na rua com os amigos, era muito gostoso. A gente vai crescendo, são várias fases e vou lembrando aos poucos de uma ou outra fase que a gente vai passando. Adolescência a gente vai para casa dos amiguinhos assistir filme, tinha outro colega que tinha uma mesa de pebolim; eu fui aprender a jogar pebolim… pebolim e, tênis de mesa… aí fui aprendendo. Sabia nada, chegava lá só dava uma raquetada e saia. Fui aprendendo, fui aprendendo… foi muito legal. Fora os passeios depois, com dezessete, dezesseis anos, a gente fazia passeio com os adolescentes da igreja também, ia para o parque e ia para pizzaria, ia para o shopping, para sorveteria juntos… tinha um clube que a gente gostava de ir juntos também. Enchia o carro, um fusquinha lotado, e íamos para o clube para se divertir e era muito bom. Era muito gostoso.
P/1- E esses seus amigos do bairro, continuam no bairro? Você ainda tem contato?
R- Não. Todos já casaram e foram para outros lugares, a mãe da Samanta ainda mora lá. A Samanta até pouco tempo tinha casado e voltou a morar, lá comprou uma casa lá e voltou a morar lá. Mas acabou terminando com o esposo e mudou de local. Ela ficou um tempo ainda, mas aí depois eles fizeram a divisão, ficou com ele a casa e ela mudou para outro bairro. Ela sempre vem lá no bairro, vem visitar a mãe, a gente sempre se vê, conversa, mas agora a Lucilene e a Luciléia, faz tempo, muitos anos que não as vejo. Ainda vi depois, quando estava com uns vinte, vinte e poucos anos fui visitá-las em Osasco e depois perdi o contato, não tenho mais contato. E aí tem esse que a gente jogava tênis de mesa, faleceu, ele era segurança de uma local e foi proteger uma senhora do estabelecimento vizinho, que não era onde trabalhava, tomou um tiro e depois acabou falecendo. Mas a maioria a gente vê, às vezes, quando aparece na rua, vem visitar a mãe, vem visitar a irmã… a gente se vê, ou se fala no Face[book].
P/1- E quando você era pequena, você pensava em ser alguma coisa, em trabalhar com alguma coisa?
R- Eu lembro que eu brincava escrevendo… não sei se escrevia... eu acho que era na parede, porque não tinha lousa; eu ficava escrevendo que eu falava que seria professora, e meu pai falava que era para eu ser professora. Eu ficava lá escrevendo que eu ia ser professora. Mas depois eu cresci e esqueci esse negócio de ser professora, aí depois era chique ser secretária executiva, bilíngue… então queria ser secretária executiva bilíngue. Mas foi nessa época dos dezessete anos que eu senti um chamado especial para poder trabalhar com pessoas nesse trabalho missionário. Então eu conversei como pastor da minha igreja, depois falei com a minha família… ai a estava com… não, não era dezessete anos não, eu já tinha dezoito… dezessete para dezoito, era quase dezoito já, acho que já tinha quase dezoito, completando dezoito, porque eu fui para lá e eu já estava quase fazendo dezenove já. Aí fui morar no Rio de Janeiro para estudar, fiquei lá quatro anos em um seminário, estudando lá e depois eu retornei para São Paulo de novo. É disso que eu lembro.
P/1- E voltando um pouquinho, eu queria saber qual a sua primeira lembrança da escola.
R- Da escola? Primeira lembrança… eu tenho algumas lembranças assim, uma que era traumática (risos). Eu lembro de uma vez que minha irmã ia me levar para escola, eu estava de recuperação e não queria ir, eu ia chorando pelo meio do caminho e ela ia me levar. Eu lembro disso, uma das primeiras vezes eu acho que eu estava… porque eu não fiz pré, eu entrei na primeira série direto, então eu não lembro direito, mas eu lembro de uma vez ela indo me levar e eu chorando pelo caminho porque eu não queria ir. Lembro, acho que na segunda série, um amiguinho querendo me ensinar, me ajudando na matéria e ele me mostrava um cubo e ficava perguntando o que era aquilo e eu falava: “É um quadrado”. “Não é um quadrado, olha bem, o que é isso?”. “É uma caixa”. (risos) A resposta certa era cubo, mas eu não sabia, eu não conhecia, então eu falava tudo menos o cubo. Ele: “É um cubo Sueli”. “Ah, isso é um cubo. Tá bom” (risos). Aí eu aprendi a desenhar o cubo. E uma professora, como eu falava muito, gostava de conversar, sempre gostei de falar - você está vendo - tinha um amiguinho meu, eu sempre virava para trás para ficar conversando com ele, na terceira série. Então eu conversava bastante, aí a professora, para não conversarmos muito, mandava a gente copiar… “Você quer conversar? Você quer falar? Então vai copiar cinco vezes essa matéria”, ai tinha que copiar cinco vezes no caderno aquele qual que ela tinha passado, tudinho na lousa. “Mas eu já terminei professora”, “Mas não é para conversar”, aí copiava tudinho. Às vezes eram cinco, às vezes eram oito vezes, às vezes levava para casa para trazer na próxima aula e mostrar para ela a cópia no caderno tudinho de novo, que era para não conversar. Naquela época a gente tinha que ficar quietinha, silêncio em sala de aula. Então eu lembro dessas coisas. Eu lembro também brincando com os amigos da escola, mas eu lembro que eu era quietinha. No recreio o pessoal ficava correndo e eu não corria. Eu lembro disso. O Pessoal: “Vamos brincar!”, eu: “Não pode correr na hora do recreio. O inspetor não deixa correr, não é para correr”. Eu era disciplinadinha, era boazinha. Eu falo que eu não era muito arteira quando era criança, era distraída, mas arteira não era muito não.
P/1- E você comentou dessa professora, tiverem outros que te marcaram?
R- Teve na quinta série. A professora… não lembro se era… não, era da quarta série; era minha xará Sueli. Eu gostava muito daquela professora, ela ensinava o português, eu gostava muito da matéria de português e eu lembro que eu tirei nota alta nos três primeiros bimestres e depois eu falei assim: "Eu já fechei a matéria e nem preciso tirar uma nota na última prova”. Aí na última prova eu relaxei e tirei um D, aí ela falou: “Você vai ficar de recuperação”. “Mas porque professora, eu já fechei a matéria!", "Mas você estava com um B e agora tirou um D, então você decaiu”, “Não professora, então me dá outro trabalho, para eu não ficar de recuperação”. Mas eu tinha na minha cabecinha, já tirei as notas, já fechei no terceiro bimestre, qualquer nota que eu tirasse era vantagem. Não, não podia, porque era uma progressão, então não podia tirar nota baixa. Mas eu gostei muito dessa professora, ela ensinou bastante e daí eu comecei a gostar muito de português, acho que dele eu comecei a amar o português, porque ela ensinava muito bem. Eu lembro de uma professora, que eu estava na quarta série e essa professora era da quinta, dava aula de literatura e eu estava louca para chegar na quinta série para aprender literatura, porque eram umas aulas fantásticas, umas coisas legais, que todo mundo sai falando e eu queria aprender também, eu queria chegar naquela série para aprender. Só que quando eu cheguei não era mais aquela professora, a aula não foi como eu esperava e sonhava que era. Eu fiquei louca pra ter aquelas aulas, para participar daquelas aulas e daí eu comecei a gostar bastante de português, por causa disso.
P/1- E a sua escola era no seu bairro?
R- Era no meu bairro.
P/1- E você ia andando?
R- Ia andando. Quando eu era pequenininha minha irmã levava, mas depois que eu cresci, eu ia sozinha. Eu lembro que da terceira, da quarta série, eu já ia sozinha para escola. Era pertinho, não era longe. Ah, tinha um detalhe… lembrei. Era legal demais quando a gente saía da escola. (risos) Porque assim, tinha um trajeto normal para a gente descer a rua, como naquela época a maior parte das ruas eram de terra, né… então tinha assim, uma passagem que tinha o rio; e tinha por cima a ponte para passar, mas a ponte era meio perigosa, porque a ponte estava com algumas tábuas quebradas. E tinha por baixo também que dava para pular as pedrinhas e atravessar. Uma vez a gente ia por cima, pela ponte, desafiando e a outra vez por baixo, pulando as pedrinhas. Era a coisa mais gostosa do mundo fazer aquilo (risos). Era uma aventura, era muito gostoso (risos). E de dia, aí sim a gente voltava e quando a gente passava daí, nessa rua… era uma rua mais bonita, todo mundo tinha campainha; na minha rua ninguém tinha campainha, nessa rua tinha. Aí os amiguinhos tocavam e a gente saia correndo. Aí então: “Vai, toca Sueli”, eu lembro que eu toquei… nessa eu fiz arte. Acabei tocando algumas vezes porque os amiguinhos estavam todos brincando e era divertido a gente tocar e sair correndo. Mas eu receava mais, eu tinha medo, era meio medrosa de ficar fazendo arte. Era divertido essa época. Quando a gente voltava da escola, lembro que a gente tinha sempre uns dois, três que voltavam juntos, não lembro quem são agora, mas que fazíamos essa arte.
P/1- E você ficou nessa mesma escola até se formar, ou você mudou de escola?
R- Não, fiquei até formar. Até o Ensino Médio lá. Depois ela mudou algumas coisas na educação e lá passou a ser o Ensino Fundamental, e aí foi a época que separaram as escolas só de Fundamental e só de Ensino Médio. Mas eu peguei essa época que a escola até o final… eu fiquei no ensino médio na mesma escola. E eu gostava muito da minha escola, amava aquela escola.
P/1- E você comentou que já na adolescência você fazia trabalho missionário.
R- Isso.
P/1- Esse foi o seu primeiro trabalho?
R- A gente fazia muitas viagens para o interior de São Paulo para esse trabalho missionário e eu lembro já com doze anos, treze anos, eu já fazia esse trabalho, que eu ia nas casas, batia na porta das pessoas, chamava: “Sou da igreja tal, trouxe para você esse folhetinho com a palavra de Deus para você ler e meditar… e a gente vai ter uma programação especial, vai passar um filme no sábado. Estamos chamando todo mundo para vir, se você puder estar com a gente...” Eu lembro que fazia isso. E tinha que parar e ficar ensinando a bíblia mesmo para as pessoas, falando tudo, explicando e depois de adulta vou lembrar e falar: “Nossa, eu era tão pequenininha, que pessoa ousada. Ficava lá ensinando os adultos” e eu acho que as pessoas iam e gostavam, porque ficavam emocionadas e tocadas de ver uma criança ensinando a bíblia. Então as pessoas acabavam indo também. Era muito gostoso. Então a gente ia um final de semana, saia uma sexta-feira à noite, ou às vezes um sábado de manhã e volta no sábado à noite, ou no domingo à noite; a gente dormia lá na igreja mesmo, então era muito gostoso. E em uma dessas viagens para Vargem Grande do Sul, eu fiz amizade com uma menina filha do pastor, que sou amigas até hoje. Eu era alguns anos mais velha que ela e ficou como ela sendo minha irmãzinha menor, eu sendo a irmã dela maior... ela só tinha um irmão, então eu era irmã dela e a gente ficou muito apegada: a gente se correspondia muito por carta, quando fui para o seminário ela escrevia muito para mim… por carta, porque naquela época não tinha celular, não tinha nada disso., então a gente se comunicava muito por carta, sempre tinha uma carta para ela e uma para mim. Todo mês a gente se comunicava assim. E quando podia a gente ligava, porque não tinha telefone em casa, o cartão ia rápido… então ligava. Ela já tinha telefone em casa, então eu conseguia ligar para ela, conversar com ela… Depois eu fui madrinha no casamento dela, depois ela foi madrinha no meu casamento. A gente ainda continua se comunicando até hoje e tem essa amizade até hoje.
P/1- E seus irmãos faziam esse trabalho com vocês, ou você fazia sozinha?
R- Quem?
P/1- Os seus irmãos.
R- Não. Como o meu irmão era mais novo, ele não ia. E sempre eu que gostava de ir e a minha irmã eu creio que já estava casada, porque eu com treze… minha irmã casou eu tinha treze anos. Então era sempre eu que ia e fazia essas viagens com meu pai, eu gostava muito. Depois eu passei a ir e fazer sozinha, sem o meu pai. Então sempre que tinha, eu ia junto e gostava muito. Depois eu comecei a namorar e ia com namorado... então era muito bom e a igreja toda alugava um ônibus e a gente ia, ou às vezes ia nós chamarmos a associação: são várias igrejas do mesmo bairro, então quando… a gente se reúne e faz um projeto junto. Eu fiz bastante projeto assim, junto com a associação de igrejas do bairro. Então era muito gostoso, era muito bom. E daí eu creio que deve ter começado a surgir esse amor por missões e tínhamos também um estudo na igreja, tínhamos um grupo chamado Mensageiras do Rei e esse grupo estudava a vida de missionário. Então gostava muito de estudar a bíblia de missionários e sempre a igreja convida missionários. Tem campanhas, épocas de missões mundiais, nacionais… trazia os missionários para igreja, para poder contar o testemunho deles, a história deles e eu sempre ficava maravilhada com a história deles, como testemunho deles: “Ai que lindo! Eu queria viver como missionária. É linda a vida do missionário. Queria viver assim, pela fé, como missionário". E eu não sabia como eu estava falando antes. Eu não sabia como era difícil viver pela fé. Porque quando eu tive que viver pela fé, aí sim eu vi como era difícil (risos). Porque você tem um sustento necessário para suas coisas, mas você não tem luxos, então… e muitas vezes, está chegando alguma conta, alguma coisas, você está esperando o dinheiro chegar para ia… sempre chegava uma oferta para alguém, que mandava, tudo… aí comecei a ver isso na minha vida. Mas eu falava assim: quando eu era criança, eu não tinha noção do que era viver pela fé, de depender de Deus totalmente mesmo, de esperar que ele mandasse as coisas para gente. Mas era muito gostoso. E depois eu fui para o seminário, me formei, saí, voltei para São Paulo, fiquei esses quatro anos lá no Rio de Janeiro; os primeiros anos foram muito difíceis para ficar longe da família. Estar com pessoas que você não conhece, com culturas diferentes, porque no meu quarto tinha paulista, tinha maranhense, mineira, sul mato-grossense… então era muito difícil lidar com várias pessoas de personalidades diferentes, cultura e costumes diferentes, mesmo estando no nosso país. Então foi bem difícil os meus primeiros anos de adaptação, de tudo, mas fui vencendo. Tinham dias que davam vontade de voltar e aí: “Não, você não vai voltar. Você vai ficar ai. O que depender de mim, você vai ficar aí. Você só volta se se formar”. No segundo ano meu pai faleceu, aí foi muito difícil… Minha mãe teve uma crise psiquiátrica, eu tive que voltar em meio a provas, deixar tudo lá para vir ajudar meus irmãos, cuidar da minha mãe, porque meu pai já havia falecido e eles não sabiam cuidar dela. Ninguém sabia, na verdade, a gente começou a aprender naquela época, então a gente teve que aprender sozinhos. A mais forte era eu: o meu irmão era mais novo, a minha irmã estava casada, a minha irmã via minha mãe assim e queria chorar, ai minha mãe não podia ver a cara de choro dela porque, segundo os médicos, a cara de choro é como se ela visse um monstro, então ela queria bater… (risos). Aí eu tinha que ser forte. E tivemos que interná-la em um hospital psiquiátrico, tivemos que chamar médico em casa, tiveram que vir enfermeiros para por camisa de força e dar injeção nela… isso para nós foi muito traumático, foi uma época muito traumática para gente. E meu pai faleceu no dia quinze de julho, no dia dezesseis meu irmão estava completando dezoito anos. Então era bem difícil, mesmo assim no dia dezesseis a gente fez um bolo para ele, cantamos parabéns para ele e meu irmão mais velho ficou revoltado que ele não entendia como o pai faleceu no dia anterior e vocês estão fazendo festa no dia seguinte? Mas a gente tem uma fé de que ele está no céu, está com Deus, está bem e meu irmão está aqui, está vivo, precisa continuar vivendo e precisamos celebrar isso também, porque é uma data importante para um menino de dezoito anos. Então a gente fez… momentos difíceis que a gente passou, mas conseguimos sobreviver, vencer e levar a frente. Depois eu voltei do Rio de Janeiro para São Paulo de novo; eu não quis continuar lá, quis voltar para cá e continuar em São Paulo. Voltei e minha igreja tinha aberto uma nova congregação em um bairro novo, carente e eu fui para lá continuar o trabalho nessa congregação. Comecei o trabalho com as crianças, visitar as famílias e lembro que era tudo de barro, eu caia muito lá (risos). Estava chovendo, aí sujava toda a roupa, ia para a casa de uma irmã da igreja e pegava uma toalha molhada, passava e limpava tudo e continuava a visitar. Então era muito gostoso. Fazia trabalho com as crianças, sempre gostei muito de trabalhar com elas. Quando eu era adolescente, dava aula para as crianças na igreja; eu lembro que com doze anos eu já cuidava de criança, cuidava dos filhos de minha vizinha… teve uma bebezinha de uma inquilina que ia trabalhar e eu cuidava da bebezinha.; uma das minhas irmãs, a bebezinha ficou doente, foi lá para casa eu cuidava, então eu fazia tudo: trocava fralda, dava mamadeira, dava banho… fazia tudo. Desde pequenininha eu tinha esses trabalhos com crianças e nesse bairro, no Jardim Fontalis, que é lá para cima para o Jaçanã, eu comecei o trabalho com as crianças e com os adultos também, de discipulado, de ir, ensinar a bíblia para as pessoas, então ia nas casas fazer esse trabalho; orar com as pessoas. Então era muito gostoso. E lembro de uma vez que fui e uma senhora estava… o esposo acho que estava trabalhando, algo assim, e o bebê tinha ficado doente e ela falou assim: “Justamente, ia sair e levar o bebe no médico. Ele está com dor de ouvido”. E eu falei: "Ah, você deixa eu orar por ele?” Ela falou assim: Ah, deixo! Mas ele está dormindo”. Eu falei: "Não tem problema não, eu oro com ele dormindo mesmo. Cadê? Me deixa ir lá vê-lo”. Ai eu fui, coloquei a mão no ouvidinho dele e orei por ele, pedi para Deus curasse e fui embora. Aí depois falei assim: “Deus, agora você precisa fazer o trabalho, porque eu orei para curar Deus”. (risos) E a gente às vezes parece que é meio sem fé, que Deus pode fazer as coisas, porque a gente pensa que o poder está na gente, mas não está, o poder é de Deus. Aí orei pelo menininho e fui embora e na outra semana eu voltei para visitá-la e falou: “Sueli, aquele dia nem precisei levar o meu filho ao médico. A dor de ouvido dele passou, curou. Graças a Deus, você passou e curou”. Ai falei: “Ai Deus, obrigada”. Porque a gente faz as coisas em nome de Deus e a gente fica preocupado, mas não é a gente, é ele que faz. A gente está fazendo em nome dele e Ele vai completar e vai fazer a obra. Então Ele fez e eu fiquei feliz de ter sido instrumento, de ter orado pela criança e ter ficado bem. Então fiquei feliz por isso. Então era um dos trabalhos que a gente fazia. Fazíamos coral com as crianças, não sei muito de música, não canto bem, mas eu conseguia fazer o coralzinho com as crianças, para elas cantarem, colocar a beca… Então eu fazia esse tipo de atividade com eles, então era muito gostoso.
P/1 - E Sueli, antes da gente entrar mais na parte do seminário que você fez no Rio de Janeiro, eu queria saber, nos seus tempos de adolescência você fazia trabalhos na igreja, mas que outras coisas você fazia? Como você se divertia na época?
R- Eu trabalhava… de manhã eu arrumava a casa, à tarde eu trabalhava, porque comecei a trabalhar com catorze anos. Então eu ia para o trabalho, arrumava a casa e depois ia para o trabalho e depois voltava do trabalho correndo, engolia a comida e voltava para ir para a escola. E final de semana eu ia para casa das meninas da igreja, das minhas amigas da igreja. A gente ia para casa delas e como nós não tínhamos alguns recursos que ela já tinha… ela tinha computador na casa dela e a gente não tinha nada disso. A gente tinha televisão e eles tinham DVD… DVD não, era videocassete, para poder assistir, então a gente ia para lá, assistia filme, reunia toda galera, às vezes na casa de um deles, ia todo mundo para lá para assistir filme, para comer, para se divertir… Então, às vezes, eu passava todo o final de semana indo pra casa dela. Eu já estava hóspede todo final de semana ali. Então ia às vezes sábado e voltava só domingo à noite. Às vezes ia até na sexta-feira e só voltava domingo à noite; ou ia sábado de manhãzinha e a gente ficava... Ia pra igreja, voltava, almoçava na casa dela, tomava banho, se trocava, ia para igreja à tarde de novo e à noite voltava para casa. Essa diversão era junto sempre com os adolescentes da igreja. Às vezes a gente se reunia para ir para pizzaria, para ir para o clube… Então era essa nossa diversão. A sempre estava junto, tínhamos um grupo que estava sempre junto se divertindo. Quando não, resolvemos visitar outra igreja longe. Aí já tinha um grupo de amigas; eu lembro que eu era a menorzinha e tinha as outras que eram todas mais velhas que eu e falavam que eu era a mascote do grupo (risos). Então sempre ia com elas visitar outras igrejas e passar, essa era a nossa diversão. E quando não, shopping, sorveteria, pizzaria, ou sessão de cinema em casa, colocava o filme, ficava aquela galera toda para assistir o filme, para brincar. E tinham brincadeiras também. Não lembro muitas, mas a gente brincava. A gente tinha na época Banco Imobiliário, era um show daquele brinquedo. Então era bem divertido. Ludu… tudo… ficava a galera ali brincando, então era muito gostoso. Como a casa dela era grande, espaçosa, e uma sala grande… nossa aí, ficava todo mundo lá, sentava no chão, sofá, na almofada e ficava assistindo filme. Era muito bom.
P/1- E esse shopping e a sorveteria eram na zona norte?
R- Na zona norte, no Shopping Center Norte. O nosso point de encontro era o Center Norte.
P/1- E Sueli, você falou que começou a trabalhar com catorze anos, esse trabalho já era relacionado a igreja, ou você fazia outras coisas também?
R- Não, era uma clínica da igreja batista, feita pelos batistas, mas era trabalho normal, uma policlínica, então tinha clinico, psiquiatra, pediatra… e eu era recepcionista. Eu trabalhava das treze às dezoito horas. E sábado, das oito ao meio dia. Para mim o pior dia e aos sábado, tinha que ir no sábado que estava muito parado. Mas o psicólogo e o pediatra atendiam no sábado, então eu tinha que ir para lá, então ficava lá. E era gostoso e lembro que como era adolescente e não tinha telefone em casa, e tinha no trabalho, então ficava ligando para as amiguinhas para conversar e ficar muito tempo. E a outra moça que trabalhava comigo no período da manhã falava assim: “Sueli, para de ficar no telefone. O pessoal liga para cá para marcar as consultas e o telefone fica ocupado. O povo fica reclamando que não consegue falar na clínica, porque o telefone está ocupado direto”. “Tá bom Irone” (risos). Ela que me ensinava as coisas. Lembro que uma vez… de vez em quando me dava sono e estava parado, o médico só ia chegar quatro horas da tarde, então o telefone não tocava, então deitava no sofá que tinha lá e cochilava e como ela morava nos fundos da clínica, ela passava e eu estava dormindo: “Sueli, acorda Sueli, não é pra você dormir, é para você ficar lá.” (risos) “Mas não tem ninguém aqui, não tem uma viva alma”. "Mas se chega você não pode estar dormindo, você tem que estar sentada na mesa para reservar”. “Tá bom”. Então como era muito novinha, eu lembro dessas coisas no trabalho, mas aprendi muito ali com ela, com meu chefe, a gente falava mais por telefone, me deu muitas oportunidades de aprender coisas novas, então aprendi bastante ali e acabei e desenvolvendo ali e aprendi muita coisa com os psicólogos, com o psiquiatra… as pessoa que iam lá, eu conversava bastante... então eu aprendi bastante.
P/1- E nesse trabalho você recebia salário?
R- Recebia salário, era registrado em carteira. Nos primeiros foi engraçado, porque assim, eu entrei e nos primeiros meses eles não me registravam e eu sempre fui muito assim, de gostar das coisas certas, justa. E falava assim: "Não é porque sou adolescente e menor que vocês não vão me registrar não, viu? Podem me registrar do dia em que eu entrei. Eu quero meu registro”. “Então tão bom, mês que vem; o mês que vem...”. E aí foi passando, quatro meses, cinco meses… e eu cobrando… Quando chegou no sétimo para o oitavo mês eu falei assim: “Você fala para o João que ele tem até semana que vem para poder me registrar, porque senão eu vou no Ministério do Trabalho denunciar vocês, que não me registraram. Vocês tinham que me registrar no dia que entrei. Não vai adiantar registrar agora não, eu quero registro da data que eu entrei: dia primeiro de março. Eu não quero oito meses depois não, que eu não vou perder oito meses de trabalho não”. Eu gostava muito de estudar, eu lia, porque eu tinha medo das pessoas me enganarem por eu ser adolescente, se aproveitar… Então eu aprendi tudo. Ele mandou chamar meu pai, conversou com meu pai, me registrou da data que eu entrei, tudo bonitinho. Tiveram que pagar multa e tudo, mas me registraram da data que entrei, tudo bonitinho. Como era menor, meu pai foi para lá para assinar e tenho registro em carteira. Eu trouxe minha carteira de trabalho, que tem ali meu registro do meu primeiro trabalho com catorze anos. E eu fiquei lá bastante tempo, até quase completar dezoito anos, então fiquei uns quatro anos trabalhando lá, então me aguentam bastante (risos).
P/1- E Sueli, você foi para o Rio de Janeiro fazer o seminário depois de formada na escola?
R- Isso, terminei o Ensino Médio, porque era o seminário… exige Ensino Médio completo, como uma faculdade, mas não era reconhecida pelo MEC, mas é uma faculdade. Eu fui e lá tinha o pensionato para as meninas que iam lá estudar e no mesmo… era muito grande lá, então tinha o prédio do pensionato e atrás o prédio de aulas. A gente acordava cedinho, cafe-da-manha eram seis da manhã, até às seis e meia; quem perdesse o café perdia. Então como dormia tarde, nunca acordava para tomar café. Acordava, vestia a roupa e ia para sala de aula; catava o material, lavava o rosto e ia para sala de aula. Às vezes acordava quinze para às sete, a aula era às sete… e saia correndo. E eles eram muito exigentes, era assim: cinco minutos já era atraso. Você podia ter três atrasos, se você tivesse mais de três, contava como uma falta, por isso que não podia… tinha que me policiar para não chegar atrasada, porque eles eram muito rígidos com a questão de horário. Então quando chegava três vezes atrasada, uma falta. Tinha que me policiar pra chegar um pouco antes, para não me atrasar e ganhar a falta, porque nosso boletim também ia para igreja. Ela ajudava a pagar o seminário, então o boletim ia para igreja e ela via nossas notas. Então tinha que se esmerar para fazer o melhor, porque falava assim: “Você não está fazendo nada, só está estudando. Tempo integral para estudar, então tem que fazer o melhor”. Então as notas tinham que ser bem qualificadas para mostrar que estava valendo a pena. Metade dos meus pais pagavam, mas metade, a igreja. Mas uma boa parte foi a igreja que pagou, aí depois meu pai faleceu, minha mãe vendia kibe, coxinha, risole na rua e depois me mandava o dinheiro para ajudar a pagar e me sustentar. Depois eu consegui outra igreja, que a gente fazia estágio nas igrejas. Aí fui para outra igreja e essa igreja começou a me ajudar a pagar o seminário também. Então a igreja aqui de São Paulo pagava uma parte e a igreja de lá dava outra parte. Eu fui concluindo os estudos até terminar. Aí nesse estágio… antes eu saia do centro do Rio, morava na Tijuca, e ia lá para Baixada Fluminense, para Nilópolis, era longe que só... Então a gente ia domingo cedinho, passava o dia todo e domingo à noite voltava, para segunda-feira ir para as aulas. E aí tinha uma família lá que me acolhia que ficava na casa deles, dormia lá, às vezes ia no sábado: “Vem no sábado Sueli, que é melhor”, ficava do sábado para domingo lá, essa família me acolhia. Depois fui para mais perto, fui para o Catete. De lá dava para eu ir, passar o dia todo na igreja e voltar a noite. Ai Nilópolis era mais tranquilo o trabalho, mas ali no Catete a gente ia para o morro, para fazer o trabalho com as crianças. Então tinha dia que estava tranquilo, mas tinha dia que mandavam avisar que não era para subir, porque estava tendo conflito. Então a gente não podia subir, aquele domingo não tinha programação com as crianças. As crianças eram muito agitadas mesmo, pelo contexto delas, pela vivência delas; por ver tudo aquilo o tempo todo, porque vira e mexe tinha conflito no morro, tiroteio. Você entrava no morro tinha adolescentes com metralhadoras aqui no braço, que eles eram os olheiros, então faziam a vigilância do morro, para ver quem entrasse; não ia entrar gente estranha… Os primeiros meses que comecei a subir, comecei a ir com outro senhor, outro irmão da igreja, porque já fazia o trabalho lá há muito tempo, para o pessoal me conhecer e aí depois pude subir sozinha, mas fiquei bastante tempo indo com ele, porque ele era conhecido para me apresentar lá para o pessoal me conhecer, e para depois eu começar a conseguir subir sozinha. Eu fazia esse trabalho com crianças lá no morro da Vila Santana, lá no Catete; e era gostoso também esse trabalho com as crianças e uma coisa para mim, que eu guardei muito, é que uma vez eu estava contando a história e achei que as crianças não estavam prestando atenção, porque elas eram agitadas. Eu estava contando a história e eles estavam brincando e brincando e se agitavam, corriam, batia no outro e sentava e tomava o desenho do outro… Eu falei: “Essas crianças não estão prestando atenção”. Aí comecei a fazer perguntas da história, e eles responderam. Eu falei assim: “Ah, então tranquilo. Eu posso contar uma história tranquila. Eles podem se mexer, brigar, ir para um lado e para o outro, porque eles vão continuar prestando atenção. Eu sei que eles estão ouvindo”. Depois daquele dia eu não me importei mais se eles fizessem tanta bagunça. Porque a gente chega no outro bairro, com uma criança que não tem esse tipo de vivência, a criança senta e fica assim… prestando atenção, mas eles não, eles não paravam um segundo. E eu achei que eles não estavam prestando atenção e eles estavam. Falei assim: “Então eles estão aprendendo”. Aí depois comecei a trazer crianças do morro para igreja, comecei a fazer atividades com eles lá na igreja, porque tinha um espaço muito grande, muito maior. Fiz um café-da-manhã para eles lá na igreja, com tudo que tinha direito, um café top com uma mesa bem bonita, com queijo, presunto, suco, iogurte, pão, pão doce, bolo… tudo bem gostoso, que era para eles tomarem aquele cafe-da-manha, que talvez eles nunca tiveram. A gente fez e eles ficaram muito felizes, comeram à vontade, se divertiram, depois nós fizemos brincadeiras com eles, atividades lúdicas… e foi muito gostoso, foi muito bom. Fiquei lá os meus… acho que os dois anos e meio lá nesse local, fazendo trabalho com eles.
P/1- E Sueli, quando você voltou para São Paulo, você começou a fazer trabalhos… Está me ouvindo?
R- Estou.
P/1- ... Discipulados. Então começou a trabalhar com crianças, com adultos… como foi esse momento?
R- Foi nesse momento que eu fui para aquele bairro que falei para você, no puxadinho, Fontalis. Primeiro eu voltei e a igreja não sabia muito o que fazer e me senti meio deslocada: "O que eu vou fazer agora?” e eu comecei a trabalhar em supermercado, foi ser degustadora, demonstradora… Ai meu padre passou e falou: “Sueli, o que está fazendo?”, eu falei: “Eu voltei, não tenho onde trabalhar na igreja. Eu preciso me sustentar que eu preciso comer, vestir e calçar. Eu tenho que me sustentar, não posso ficar mais dependendo da minha mãe. Então preciso de algum tipo de sustento.” “Então vamos fazer assim, você vai lá trabalhar nessa congregação da igreja, eu vou falar com os irmãos, a gente vai fazer um carnê missionário e cada irmão vai contribuir com pouco e vamos dar um sustento para você”. Naquela época eram uns trezentos reais. “Tá bom?”. Eu falei: “Ta, da para viver, está bom para as necessidades básicas”. E eles iam pagar o transporte, aí fui e comecei a fazer o trabalho lá. Só que depois o tempo foi passando e o pessoal via esquecendo de contribuir, vai ficando mais difícil, tinha meses que não chegava… No dia quinze chegava uma parte, no dia cinco do outro mês chegava outra parte… e assim ia. Até que meu pastor falou assim: “O lar batista de crianças está precisando de monitora para trabalhar. Minha filha já está trabalhando lá. Vai lá fazer uma entrevista”. E eu de teimosa não queria ir, queria continuar fazendo aquele trabalho que estava fazendo. Aí ele depois me ligou outro dia: “Sueli, você já foi lá?", “Não pastor, não fui”. “Sueli, eu não mandei você ir lá? É para você ir lá. Eu estou mandando você ir lá. Está escutando? Porque você precisa ter sustento e aí você não tem o sustento que precisa aí. A igreja não vai ter condições. Você vai para lá”. "Tá bom pastor”. Ai eu fui, fiz a entrevista, fui aprovada e fiquei trabalhando lá com as crianças. Passei a morar no abrigo com as crianças, então a gente tinha o quarto das educadoras e tinha o quarto das crianças. A gente tinha que acordar cedo, dar café-da-manhã para as crianças, lavar a roupa, escovar o dentinho, pegar a mochila e mandar para escola. Tinha uns que iam de transporte, tinha a kombi que levava e tinha outros que tínhamos que levar, então os da Emei nós levávamos, os que iam muito longe iam e tinha uma escola perto… os da escola perto, nos acompanhávamos até a escola. O educador fazia café-da-manhã, trocava e o outro educador acompanhava até a escola, depois o outro ia buscar.. .Então a gente alternava… depois voltava, tinha que dar almoço, escovar dentre, fazer a tarefa de casa e ficar cuidando deles. Então nós éramos mães sociais das crianças. Eu falo que já tive de cara, quarenta filhos. Com vinte e dois anos eu tinha quarenta filhos. A gente tinha que fazer todo cuidado de mãe, todo o trabalho de mãe. E o difícil era por todas essas crianças para dormir, elas não queriam dormir, queriam ficar acordadas e a gente mandava pra cama e elas ficavam brincando, bagunçando e quando a gente tirava do quarto para ver se ela acalma… porque às vezes uma gritava o quarto inteiro, então a gente tirava do quarto, e aí ficava fingindo que estava chorando. Deus eterno, aguentar aquela criança, meia hora, quarenta minutos ... e não sai uma lagrima do rosto (risos). Mas a gente tinha que suportar até ela cansar e dar sono para ele dormir, para deixar os outros dormirem. Porque senão eles não levantavam seis da manhã para ir à escola, era difícil. Então era bem puxado o trabalho. Eu fiquei um ano como monitora e fui falar com o… conheci a missionária que trabalhava lá no abrigo e fui falar com o presidente da instituição. Falei: “Sou formada em educação cristã, eu fiz isso… Queria trabalhar nessa área, queria poder ensinar a bíblia, poder fazer outras atividades com as crianças”. Ele falou assim: “Você então vai fazer um tempo de estágio, de prática. Você vai ficar um tempo fazendo o trabalho que está fazendo, mas você também ajuda a missionária a fazer o trabalho dela. Então quando tiver os eventos, as programações, você fica em contato com ela e vai fazendo com ela”. Fiquei fazendo o trabalho com ela. Aí depois voltei, depois de três meses e falei: “E aí? Já passaram três meses”. “Então tá bom, a partir de amanhã você tira todas suas coisas de lá, volta para sua casa e a partir de agora você vai passar a ser capelã”. Aí eu passei a ser capelã do lar batista. A gente fazia atividades de aconselhamento com as crianças, a gente conversava, fazia atividade lúdica, contava história, ouvia as crianças, as histórias delas… orava com elas, coisa para confortar o coração delas… Aí nas creches e o EGJ, na época, a gente fazia atividades, levava eles… a gente fazia muita loucura. A gente pegava duzentas crianças e ia para um clube, tinha um clube que era das igrejas, e levava para lá. O clube que eu ia na adolescência, a gente levava para a piscina, para brincar, para comer… Elas se divertiam, passavam o dia, um final de semana lá: ia no sábado, na sexta à noite e voltava no domingo. Era o final de semana mais esperado deles, do ano. Eles amavam. A gente fazia isso. Eu fazia outras loucuras, eu queria que as crianças tivessem outro tipo de cultura, que eles conhecessem outras coisas fora da realidade que elas viveram. Eu consegui… eu ligava no teatro para poder conseguir ingresso para eles, para levá-los no teatro. Ali na Vergueiro tem um… não é um Museu… tem uma casa de cultura, esqueci o nome agora. Eu ia com vinte, trinta, quarenta crianças, caminhando até lá. Era na Aclimação, então íamos subindo as ruas; não tinha transporte, não dava para enfiar essas crianças todas dentro de um ônibus para levar para lá, então íamos caminhar. Ia educador na frente, um no meio e uma atrás e “Vamos lá. Em filinha”. E todo mundo na rua ia olhando aquele bando de criança passando e a gente levando quarenta de criança. A gente ia em atividades culturais, para as crianças aprenderem, para ver teatro, ver filme, para ir para biblioteca… Às vezes eu ia só com os adolescentes para biblioteca, para pegar livro emprestado, fazer o cadastro deles na biblioteca. Tudo isso para que tivessem conhecimento de outra realidade e que pudessem sonhar coisas mais altas. Então eu fazia esse tipo de atividade com eles, era maluquinha (risos).
P/1- E você ficou trabalhando assim até… por quanto tempo?
R- Eu fiquei lá cinco anos, no Lar Batista (risos). Fiquei bastante tempo. Fiquei um ano como monitora, aí depois fiquei mais três anos e pouco como capelã. Então fazíamos essas atividades sempre. Em julho sempre fazíamos uma atividade especial para eles, a semana de educação cristã especial. Então a gente fazia cada coisa… teve uma época que a gente fez e tinha a música, história, teatro… tudo para eles. A gente fez um cenário para poder contar as histórias, e os adolescentes do EGJ nos ajudavam a montar todo um cenário, desenhar, fazer tudo, era muito lindo. Eu trouxe as fotos também, mas eu falei assim: “É muita foto, se eu for levar tudo... é muita foto”. Aí fazíamos todo cenário e aí fazia as peças teatrais… relâmpago para entrar, depois no que a gente ia falar depois, a mensagem que a gente ia trazer depois. Então os adolescentes que ensinavam... a gente ensaiava, ficava lá uma semana dormindo no abrigo, que era para ensaiar todos os dias à noite com eles, para passar as vozes. Era muito legal. Então tinha um dia que um cenário era só mesa, cadeira… No outro dia era sofá, televisão… Então todos os dias a gente mudava o cenário. “Sueli, você inventa demais. Você é maluca. Vai dar um trabalhão isso”. “Dá, mas não tem problema. Os adolescentes gostam, eles se envolvem e é delicioso. Para eles é uma experiência única”. Então eles amavam fazer tudo aquilo, participar de tudo aquilo. Eles se envolviam e se desenvolviam também, aprendiam. Então era muito gostoso. Eu fiquei três anos e meio fazendo isso, depois fui para a captação de recursos. Ligar para os locais para conseguir doação… Eu falei assim: “Eu até gosto de fazer isso…” Fiz eventos neste local em que a gente sempre levava as crianças, que é o CEBETEL; ali a gente fazia muitos eventos. Tinha uma vez por ano, tem evento lá em outubro, onde todas as igrejas vão para lá para visitar e conhecer as atividades do lar, e faz tipo uma feira grande para levantar recursos para instituição. Então as igrejas vão tudo… a gente monta tudo junto com as mulheres das igrejas e o pessoal vai para visitar, se divertir, comprar, comer e poder beneficiar o Lar Batista. Aí eu organizava os eventos, festas culturais, tudo isso para poder levantar recursos. Mas depois eu falei assim: “Ficar atrás de uma mesa, no telefone não é comigo. Eu preciso de gente, preciso estar em contato com gente. Isso não dá, para mim isso é muito abstrato. Não dá. Eu estou falando com a pessoa e não estou vendo a pessoa. Não gosto”. E pediu para sair; e estava no quinto ano da faculdade e aí peguei e falei… no quinto ano não, estava no quinto semestre. Eram oito semestres, eu estava no quinto. Pedi demissão, pedi para me mandarem embora, eles me mandaram embora. E aí sai e resolvi ir para o interior de São Paulo e começar a fazer um trabalho lá. Eu fui para o interior. Eu me mudei para Leme e fui para lá começar um trabalho novo. Tentei transferência para um trabalho lá e não consegui. Eu falei: "Não posso ficar parada, sem estudar”. Eu já tinha feito enfermagem aqui, quando eu entrei no Lar Batista, que estava como monitora, de manhã fazia enfermagem e a tarde que trabalhava. Então depois, quando fui para o interior, eu fui fazer o técnico de enfermagem. Lá eu fazia o técnico e também fazia meu trabalho, porque não podia parar de estudar. Eu tinha essas coisas que não podia parar de estudar; agora que estou mais relapsa com isso. Mas sempre tive isso, porque sempre tinha que estar me aprimorando e tinha que estar tendo ferramentas que iriam me ajudar. Porque imaginava assim: era bem nova e pensava assim: “Se não trabalhar no Brasil, pode ser que eu vá trabalhar fora do país. Então tenho que levar ferramentas para poder trabalhar fora do país. Porque dependendo, chegando lá, eu vou ter que fazer algum outro trabalho para me sustentar, ou para me ajudar a me estabilizar no país, para poder fazer”. E dependendo do país em que você está, você precisa também ajudar o povo de onde você está. Então a enfermagem ajudava, a pedagogia ajudava… então com tudo isso eu ia colaborar com o povo com que eu ia trabalhar. Então sempre tive essa noção. Fiz o técnico de enfermagem, depois saí de Leme e fui para Corumbataí. No Leme eu não estudava, comecei a estudar quando fui para Corumbataí, que fui fazer o técnico de enfermagem. Fiquei um ano em Leme e fiquei mais dois anos em Corumbataí, uma cidade desse tamanhozinho assim. Mas o mais difícil para mim não foi sair de São Paulo e depois ir para Corumbataí, que era desse tamanho; foi mais difícil ir pra Leme, que era um pouco maior, mas como estava acostumada com tudo em São Paulo muito grande, tudo que buscava, eu achava… eu queria literatura para as crianças, eu ia nas livrarias, eu ia e encontrava; eu queria jogar, eu ia e encontrava. Lá eu tive que aprender a me movimentar pela cidade, andar, os horários dos ônibus, me acostumar com os horários dos ônibus para ir para cidade e depois voltar para minha casa de novo… Então pra mim foi mais difícil me adaptar lá. Quando fui para Corumbataí, acho que já estava melhor, eu me adaptei mais… era menorzinha a cidade, não tinha nada, não tinha nem livraria na cidade, mas eu me adaptei melhor; eu amei aquela cidade. Mil e setecentas pessoas moravam na cidade e duas mil moravam nas fazendas ao redor. Então tinha muito contato, às vezes eu ia visitar as pessoas nos sítios, nas fazendas… Até cheguei a ganhar um cavalo, uma época, para poder ir. Mas o cavalo estava em Santo André e para levar para Corumbataí ficava caro demais e acabei nem vendo esse cavalo. Mas foi uma época muito boa que eu fiz bastante trabalho, tanto com adultos, fazendo discipulado nas residências e também com as crianças. Tinha um trabalho forte com as crianças, reunia eles na minha casa e dava história bíblica, cantava, dava atividade manual para eles pintarem, ou alguma outra atividade para fazer, estimular. Joguinhos, sempre gostei muito de dar joguinhos para as crianças desenvolverem a concentração. Eu sempre gostei muito disso, sempre gostei muito da área da educação. E lembra que meu pai falou para eu ser professora? Quando cheguei na adolescência, que queria ser secretária executiva, eu falei: "Não vou ser professora, Deus me livre de ser professora”. Quando eu estava no seminário, o que eu mais precisei era… “Se eu tivesse escutado meu pai e estudado para professora, eu teria agora mais facilidade de desenvolver meu trabalho”. Porque minhas colegas sabiam fazer cartazes bonitos. A gente ia fazer… Naquela época não tinha projetor. Os cânticos para as crianças cantarem, tínhamos que fazer tudo naqueles cartazes e elas sabiam fazer uns bem bonitos, colar desenhinho… Eu tive que aprender com elas a fazer, porque elas fizeram magistério e acabaram me ensinando para eu fazer o meu material para as crianças. Então eu falava assim: "Tá vendo? Não quis escutar meu pai. Meu pai falava que em terra de cego, quem tem um olho só, é rei”. Era o ditado ele. Porque eu sendo professora, para qualquer lugar que eu fosse do Brasil, dependendo do lugar... e tinha muita carência de professores naquela época, eu ia me dar muito bem em qualquer lugar que eu fosse. Mas não, eu queria ser secretária executiva. Acabou que quando eu saí do seminário, saí do Lar Batista, fui para o interior… quando sai não, quando estava no Lar Batista; eu comecei a estudar e comecei a fazer o quê? Pedagogia (risos). E falei assim… Tanto que eu fugi, que não queria fazer. “Ser professora como o meu pai disse, e agora eu estou...” E o interessante é que em Leme eu não era professora, eu era missionária. Mas sempre estava com meus cadernos, com meus negócios na mão, pegava ônibus lotado… os cobradores achavam que eu era professora. “E a sua carteira de estudante de transporte?“ “Que carteirinha de estudante?”. “ A senhora não é professora?”. Aí eu falei assim: "Não sou, não". “Ah, mas a senhora parece professora” (risos). Aí falei assim: “Acho que já estava escrito aqui”. Era muito gostoso, eu fazia isso e lembro que em Leme eu fazia um trabalho nas creches, eu ia contar história para crianças na creche, então tinha um dia na semana que eu ia na creche… a creche era ligada com a Emei, então eu ia. Eu tinha um tema. O tema que eu aprendi, que eu trabalhei no Lar Batista, eu trabalhei com as crianças, que era um livro que a gente usou: “Aprenda a Compartilhar um Amor que Valha a Pena”. O tema é baseado em Primeira Coríntios Treze: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e não tivesse amor, nada seria. E ai o amor, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, não é invejoso. Então não soberbe-se”. Então a gente pegava o tema justiça, amor, bondade… a gente trabalhava… esse mês vamos trabalhar com bondade, vamos ensinar o que é bondade, vamos ensinar o que é fidelidade. Aí trabalhava o mês todo de fidelidade. Vamos trabalhar justiça, então só histórias que falem sobre justiça, sobre inveja, todo mês sobre isso. Então a gente trabalhava valores com as crianças e aí eu ia e contava, desde do pequenino, tanto do Lar Batista até lá, do berçário, até o… era o nível quatro; aí a gente contava história. E era interessante, porque a gente chegava para contar história, as crianças já sabiam que estava chegando e já corriam pela sala para falar que eu cheguei, para poder ouvir história. Tanto no Lar Batista, quanto lá, as crianças já sentavam em círculo para a gente contar história, ouvir história, ou cantar… eu orava com eles, os pequenininhos ficavam assim… e eu: “Meu Deus, essas crianças não estão entendendo nada que eu estou falando. Será que elas estão escutando Deus? Será que elas estão entendendo o que eu estou falando?” E aí, na época do Lar Batista, uma das mães chegou perguntando quem era a professora Cheli. “Cheli? Não tem professora Cheli aqui. Cheila? Chirlei? Não tem essa professora. Porque não?". “Porque meu filho estava em casa cantando uma musiquinha. E eu perguntei para ele quem ensinou a música pra ele e disse que foi a professora Cheli”. E a criança só tinha dois anos. Então eu falei assim: "Está vendo, eles estão aprendendo, eles podem não cantar junto comigo enquanto estou cantando, enquanto estou ensinando, mas eles estão só prestando atenção”. Quando eles chegavam em casa eles começavam a lembrar e começavam a cantar. Eu falei assim: “Então estão aprendendo. Os pequenininhos aprendem muito”. E na creche em Leme eu ia fazer esse trabalho também, e eu lembro que a semana eu vinha para São Paulo para visitar minha família, eu não ia pra creche e para a Emei contar a história. A diretoria falava: “Sueli, pelo amor de Deus, quando você não puder dar...”, porque eu ia na quinta-feira, adianta. Faz outro dia, avisa antes. “Você não pode ficar sem ir à escola, você não pode ficar sem contar história para as crianças. Porque na semana que você não vem as crianças ficam muito agitadas. As professoras quase não suportam, porque elas ficam muito desobedientes e agitadas. E na semana que vem, elas ficam tranquilas, elas ficam calmas”. Eu falei: "Tá bom então”. Quando eu ia viajar eu antecipava: “Tal dia do mês eu ia viajar, então a gente marcou para essa terça-feira e não na quinta-feira”. Ai eu marcava e fazia antes para poder ir. Era muito prazeroso fazer esse trabalho e ver que realmente dava resultado. Quando fui para Corumbataí, eu não fazia nas creches, mas eu tinha uma escola de frente para minha casa. A escola… achei interessante que aqui em São Paulo eu não tinha visto, mas o mesmo prédio de manhã funcionava o estado e de noite era a prefeitura; então de manhã era uma escola estadual e de noite era uma escola municipal. Eu achava isso super interessante porque aqui a gente não tinha visto isso: no mesmo prédio funcionavam as duas escolas. Aí eu comecei a fazer aconselhamento com os adolescentes na escola estadual; fazia de manhã… não, fazia a tarde e à noite. O secretário de educação falou assim: “Eu permiti que você viesse fazer o trabalho, mas você só está… - e ele era diretor da municipal - mas você só está vindo para a estadual. Você não está fazendo trabalho na minha escola. Você tem que vir na minha escola também”. Então eu tinha que fazer de manhã, à tarde e à noite. Então os professores me davam licença-professora… me deu essa autonomia de ir, tirar o aluno de sala de aula, levar para conversar e eu avisava a professora e o aluno não ficava com falta. Então eu conversava com os alunos e depois levava de volta pra sala de aula, para não ficar perambulando e perder a aula. E deu resultado porque as crianças, as adolescentes que eram do fundão, que faziam muita bagunça, que respondiam muito, elas começaram a mudar de comportamento, a melhorar em sala de aula, melhoraram as notas… Então o pessoal viu que deu resultado e queria que eu fizesse mais. E a semana que eu não ia, era a mesma coisa: “Você não pode ficar sem vir na escola” (risos). Então era muito legal. Quando um aluno tinha problemas eles falavam assim: “Sueli, queria que você falasse com tal aluno, porque o aluno está apresentando dificuldades. Eu queria que conversasse com eles”. Então conversava de tudo, conversava sobre problemas deles; sobre a família, como era o relacionamento com os pais; eu conversava que eles tinham que aprender a respeitar os pais e a ouvir os pais, a obedecê-los… “Mas o meu pai e minha mãe não conversam comigo”. E eu falava assim: “É assim mesmo, porque é outra geração, eles não entendem muito… Mas a gente tem que ter paciência e relevar e conversar aos pouquinhos. E a gente também tem que ser aberto com os pais”. E fui conversando com eles e então foram dando respostas depois… Eles melhoram tanto em casa, na escola… E melhoraram as notas, o que é muito importante também e isso era muito gratificante, muito mesmo. Muito gostoso.
P/1- Sueli, você não sabe quantas perguntas eu tenho... mas eu acho que a gente vai ter que começar a dar uma acelerada, porque a gente vai ter uma entrevista daqui a um tempinho.
R- Então vai.
P/1- Deixa eu te fazer uma pergunta, você chegou a terminar a faculdade de psicologia?
R- Não, de pedagogia.
P/1- Pedagogia. Isso, desculpa.
R- Pedagogia. Quando eu voltei para São Paulo depois, eu voltei para faculdade de novo. Depois minha mãe teve o problema de saúde de novo, psiquiátrico, e eu tive que parar de novo. Ai só faltava três matérias para terminar, depois eu voltei de novo, terminei essas três matérias. Mas eu não consegui entregar o meu TCC. Falta o meu TCC. Eu voltei, pedi reinserção no ano retrasado, voltei, mas não consegui, porque não consegui encontrar a professora para poder fazer as orientações. Aí tranquei para voltar depois, não tive condições financeiras de voltar e estou esperando para ver se eu volto de novo, faço meu TCC e tenho o meu diploma. Porque preciso do meu diploma, porque senão faculdade concluída, mas sem o diploma, não sinto.
P/1- Eu acredito que a faculdade tenha te influenciado bastante esse seu trabalho como missionária, né? Te levou a muitos lugares...
R- Sim, me ajudou muito. Porque eu queria, na verdade, fazer Faculdade de Enfermagem, eu não queria fazer Faculdade de Pedagogia; mas a de Enfermagem eu não podia pagar e era tempo integral, então eu escolhi… eu tive que escolher entre Psicologia e Pedagogia. Eu falei assim: “Acho que Pedagogia tem muito a ver com meu trabalho. Vai me ajudar muito com meu trabalho. Então fiz Pedagogia e amei. Me apaixonei completamente, era isso mesmo, meu pai tinha razão que eu tinha que ser professora. Porque realmente é muito gostoso, é maravilhoso. Ensinar é muito gostoso.
P/1- E me conta uma coisa. Vou dar um salto, tá? Eu queria saber como foi essa experiência no Projeto “1000 Mulheres” no SEBRAE.
R- Ah, sim.
P/1- E em que época, mais ou menos, da vida você estava? Com quantos anos…
R- Aí eu já estava com… faz pouco tempo, faz uns dois anos. Eu estava com quarenta anos, já passou bastante tempo, do tempo que eu trabalhei no Lar Batista, que fui pro interior e voltei, eu voltei para São Paulo e tive oportunidade de começar a trabalhar com imigrantes, porque no meu último ano de seminário eu fui pra Bolívia e fiz meu estágio missionário na Bolívia, e daí nasceu o meu amor por trabalhar com imigrantes. E eu queria voltar para a Bolívia, porque eu queria trabalhar lá. Só que Deus não me deixou ir para lá; eu falo que ele sempre foi me colocando aqui e aí os bolivianos começaram a chegar em São Paulo. Eu falei: “Então Deus trouxe a Bolívia para mim.”. Então comecei a trabalhar com bolivianos e fazer esse trabalho, já não mais com brasileiros, mas mais direcionado para os bolivianos. Então trabalhei ali no Brás, eu visitava as oficinas de costura, eu tinha liberdade para entrar nelas, trabalhei com as crianças, fizemos projeto educacional para as crianças… Começamos o PEP [Projeto de Educação Profissional], que é um projeto social educacional, que a maior parte das crianças são bolivianas. As crianças têm dificuldade de entrar na creche, então começamos o projeto. As crianças chegavam falando só o espanhol e aprendiam o português, para depois entrar na escola mais preparados. E até hoje tem o projeto lá e continua o trabalho com as crianças. Convidei outra professora, uma boliviana, que tinha vindo para cá; casou com um moço brasileiro dos intercâmbios que fizemos e então eu convidei para fazer o treinamento para ser professora também. Então eu deixei ela e continuei o meu outro trabalho, fazendo discipulado para as famílias, projetos… Aí fazia projetos culturais, de esporte, de família… Na igreja, trazia para igreja a família toda, para fazer trabalho com eles, com as crianças, histórias, brinquedos infláveis. Eu conseguia empréstimos… A gente fazia coisas muito gostosas lá. Depois eu saí do Brás; fiquei um tempo na Vila Medeiros e depois fui para a Vila Salete e lá eu comecei a fazer trabalho com as venezuelanas. Quando a gente começa em um emprego novo, a gente ainda não sabe onde encontrar as pessoas, e o meu trabalho era só com imigrantes hispânicos. E eu fui procurar ao redor do bairro e procurar onde haviam os imigrantes. E então eu achei uma casa da mulher imigrante, que elas moravam. Elas foram de Roraima para cá, passavam, ficavam naquela casa um tempo e depois de oito meses elas conseguiam trabalho, alugavam casas e seguiam a vida delas. Então achei aquele local e comecei a me aproximar das mulheres e a visitá-las. Chamava no portão, conversava com elas… Fiz projeto na igreja social de atendimento medico, psicológico, oftalmo… Aí trouxe pra lá, convidei elas para virem a participar, artesanato… Elas passaram o dia lá, se maravilharam, porque conversaram com podólogo, cortaram o cabelo, fizeram escova e fomos no oftalmologista e massagista… Elas ficaram maravilhadas e continuamos tendo aula de artesanato, que as mulheres têm toda quinta-feira, eu convidava, elas vinham para participar do artesanato e eu fui fazendo amizade. Sempre chegava uma mulher nova, recente de lá. “Ai não tenho roupa…”. Eu falava: “Você precisa de roupa?” Eu dava doação de roupa, calçado... e sempre que chegava uma nova, falava assim: “Vai lá na igreja, conversa com a Sueli, ela te doa roupa”. Elas vinham, doavam roupa… e comecei a acompanhar essas mulheres, ajudar a fazer currículo. Porque o imigrante vem e ele não sabe nada da nossa cultura, ele não sabe onde procurar emprego, ele não sabe o português, é muita coisa que ele precisa conhecer. Aí comecei a ajudá-las nisso. Já fazia isso no Brás e falou que no Brás eu era assistente social, advogada, enfermeira, médica, psicóloga, tudo. Tudo o que você pensava eu fazia. Porque eu acompanhei os médicos, ia nas consultas médicas com as mulheres, eu acompanhava. “Tenho exame para fazer em tal lugar. Eu não sei aonde ir”. Eu tinha um “poisézinho”, um carro que eu ganhei, que eu ia com elas para todo quanto é lugar e acompanhava. E com as venezuelanas continuei fazendo esse trabalho. E surgiu a oportunidade de ter esse… eu conheci uma venezuelana que era recuperada das drogas, que estava em uma das casas que a gente tem, que é a Casa Rosa, da Cristalândia, e eu fiz muita amizade com ela e ia lá visitar. Ela falou: “Sueli, tem um projeto assim, assim, assim com as mulheres, que vão fazer aqui e eu indiquei você. Eu dei o seu nome para você fazer com as venezuelanas ai”. "Tá bom Denise, muito obrigada”. Então o pessoal entrou em contato comigo e eu fiz tudo que consegui para que essas meninas participassem deste projeto, que ia ser na Casa Rosa. Fomos para uma igreja tentar fazer naquele espaço, não conseguimos. Eu falei assim: "Se não for lá…", “Mas tem que ser para ontem. A gente precisa do espaço para ontem”. E até ia ter no CEU Jaçanã, “Sueli, já tenho lá, tudo organizado, você quer entrar lá também? Mas tem que ser uma instituição da Zona Norte”. Ai falei: “E agora? A gente está lá no leste. Como vou conseguir entrar no norte”. Consegui uma amiga que tem uma instituição no norte, é novinha. “Ah, você me dá o nome para eu conseguir fazer no Instituto Zabdiel, porque assim, o instituto fica conhecido e a gente já começa a fazer trabalho com imigrante também”. Então a gente escreveu pelo instituto Zabdiel e as meninas participaram e eu peguei o maior desafio da minha vida. (risos) Outro desafio da minha vida, de tantos que tiveram. Porque eu tinha que transportar as meninas da zona leste para cá, para a zona norte, pro CEU. E aí eu consegui uma kombi da igreja emprestada para trazer as meninas. Entrei em contato, solicitei e eles emprestaram. Mas falaram: “Precisa de motorista”. O motorista era o meu irmão, porque meu irmão era dessa igreja. Então meu irmão, no primeiro dia, foi com a kombi; foi lá, buscou as mulheres, trouxe e deixou. Na volta meu irmão tinha que trabalhar, então falou assim: “Sueli, agora você vai com a kombi”. “Eu nunca dirigi kombi. Pelo amor de Deus. Eu nunca dirigi kombi” (risos) E ia pegar a Fernão Dias. "Não, pelo amor de Deus”, dizem que tem que controlar porque o volante da kombi é meio… tem uma folga… “Eu não vou saber dirigir, eu não sei estacionar isso”. Ele: “Não, você consegue dirigir isso. Você é motorista, você consegue”. Então eu peguei e fui com a kombi. Fui dirigindo e levei. Fui devagarzinho. Ele falou: "Não tem problema. Vai a cinquenta por hora; o povo buzinando, deixa eles passarem; você vai tranquilamente”. E eu fui. Aí nisso eu fui e voltei a semana inteira e já fiquei craque de motorista de kombi, levando as meninas e trazendo todos os dias. E tinha os pequenininhos, os bebês. “E como vamos fazer com os bebês? Leva os bebês e lá a gente ajuda a cuidar dos bebês”, enquanto eles prestavam atenção nas aulas, participavam, a gente cuidava para que as venezuelanas participassem também. Eu fui para acompanhá-las, para assistir com elas, traduzir o que não entendessem.”Eu posso me inscrever também?", já que ia estar lá. “Pode”. Então eu fiz junto com elas o curso, participando… Depois tive oportunidade de começar a fazer pela AD São Paulo também um curso para poder fazer o seu projeto. Depois de fazer esse, aí surge oportunidade desse. Mas não consegui participar de tudo, só a metade. “Mas você precisa escrever um projeto”. Eu falei: “Que projeto eu vou fazer agora, meu Deus?”. Eu falei: “Queria ter um brechó, então vou começar”. Do nada mesmo, eu comecei a escrever o projeto e como seria o brechó. A ideia era o seguinte, que o brechó fosse missionário, que era para eu vender as roupas do brechó e com o dinheiro do brechó eu poderia ajudar os venezuelanos. Porque quando as mulheres completaram os oito meses na casa, que tinha um que alugar a casa, elas juntavam dinheiro para dar depósito no aluguel. Mas quando muda para casa, o que tinham? Absolutamente nada. Então eu ia conseguir doação de móveis para elas, de colchão, cobertor, cama, fogão, geladeira, de tudo, para elas poderem começar a vida nova delas. Eu tinha interesse em fazer isso. De ter esse brechó para poder ajudá-las. Então comecei a fazer isso. Eu não tinha espaço para fazer. Tinha um quarto na minha casa que era alugado. Eu pedi… como minha mãe toma conta da minha irmã agora, eu pedi para alugar aquele quarto e comecei a montar lá. E uma igreja que me doava as roupas eu pedi assim: “Eu posso fazer brechó com essas roupas?”. “Pode Sueli, não tem problema”. "Então tá bom”. Aí comecei a montar, arrumar as roupas, passar, lavar, comprar arara, instalar arara na parede… Arara não, esqueci o nome da coisa. Mas fui fazendo as prateleiras, tudo bonitinho. Meu esposo ajudou; “Eu preciso que você faça isso”. E ele foi comprar, foi fazendo tudo: comprando cabide… e foi comprando e montei meu brechó bonitinho. Falei: “Agora preciso divulgar”. Timidamente comecei a divulgar… Vende para uma ou duas pessoas, mas naquele quarto ainda era muito pequenininho, muito fechado e minha irmã: “Você tem que pagar o aluguel”. Eu tirava do bolso e pagava o aluguel. Depois uma pessoa mudou; uma venezuelana morava lá no quintal, que trouxe ela para morar lá; e ela mudou e eu disse: “Deixa eu ficar no outro, que é maior, mais espaçoso''. Aí mudei para o da frente. Aí a ideia ficou mais forte. Organizei tudo bonitinho, mudei tudo bonitinho; o banheiro ficou de estoque e ainda estou tentando levar para frente, divulgando no Google, fiz lá no Facebook a divulgação. Aí vendo os meus tapplewares também. Fiz o meu WhatsApp Business… Aí tive muito contato com... Fiquei, nesses tempos de pandemia, assistindo todas as lives que tinha do Sebrae. Assisti tudo que tinha de negócio e empreendedorismo. Aí vim agora para fazer a frente da casa, porque depois que anunciei no Google; tá lá, fiz o nome, domínio: SuelWess Thrift Store [Missionary], bonitinha; quando fui olhar no Google, aparecia à frente da minha casa para o brechó. Eu falei: “Ah não, essa frente da casa tá deprimente gente, isso não pode. Ninguém vai querer vir no brechó com uma frente dessa. Não é possível”. Agora estamos em outra etapa de fazer a frente da casa, colocar uma placa bem bonitinha. Tinha colocado uma, feito só um cartaz grande e colocação… mandei fazer na gráfica, bonitinho e estava lá, mas agora quero uma coisa que destaque mais, bem bonita; tem o meu logo, fiz meu logo, tudo bonitinho… E estou caminhando com isso. E a organização missionária em que trabalhava, sai de lá. Eles estavam cortando alguns projetos, estavam com dificuldade de sustentar todos os missionários, então eu fui um dos projetos que foi cortado. Mas eu falei: “Vou continuar fazendo meu trabalho, não importa”. Continuo trabalhando na minha igreja com os venezuelanos; com meu brechó, fazendo ele ir para frente para dar certo. Falei assim: "Agora vai ser missionário mesmo”, porque além de ajudar o pessoal, ainda tem que me dar um sustento, para continuar fazendo o trabalho com eles. Então estou aí nessa de fazer esse brechó ir para frente e dar certo; já anunciei, já recebi bastante ligação e continuo fazendo. E as minhas tupperwares também e tenho feito de tudo para vendê-las. E engraçado que eu tinha bastante estoque de tupperware e na pandemia comecei a vender mais. Anunciei bastante no Mercado Livre e aí e quando começou, uma surpresa… “Você tem que postar amanha”. “Ah, vendi!”. Aí começou a vender e vender, o que foi me ajudando, graças a Deus eu vendi e continuo vendendo, e comprei mais… Eu coloco no Facebook e divulgo lá no MarketPlace. Vendo as coisas tudo e vou fazendo; e falei para a venezuelana agora: “Mandei as fotos das peças para você. Posta aí e o que você vender você ganha comissão para ganhar seu dinherinho ai”. “Ah, pode mandar!”. Eu mandei para ela poder postar e ajudá-la também, para poder ter um sustento, que enquanto isso... ela não conseguiu um emprego ainda, vai ajudando ela. Esse ai, que foi o contato que surgiu no “1000 Mulheres”.
P/2- Sueli eu queria saber, pelo que você fala então, foi meio que uma coisa do acaso você participar. A princípio você ia como acompanhante das mulheres, imigrantes venezuelanas, né?
R- Isso.
P/2- Então como foi esse momento de você, a princípio acompanhado, para se tornar uma participante efetiva e aprender também, adquirir conhecimento, e entre várias ideias possíveis, o porquê de um brechó missionário?
R- Porque assim, quando estava tendo o curso, eu achei muito… eu gostei muito da forma como elas colocavam que você tem que colocar tudo no papel, tem que planejar tudo que você vai ter de gasto, o que entra, o que sai; ter um caixa, isso tudo… Eu falei: “Poxa, então um negócio é muito mais coisas. Tem que saber mais”. E eu queria aprender para depois também ensinar às meninas, para ensiná-las. Eu falo meninas, mas são mulheres, né? E aí o brechó, é porque assim: como eu recebia muita doação de roupa para doar para elas e acabava ficando com uma quantidade de roupa grande em casa, às vezes fazíamos bazar na igreja com essas roupas. Aí falou assim: “Sueli, não pode ficar guardando essas roupas aqui. Tem que dispensar essas roupas logo. Essa roupa não pode ficar aqui”. E o bazar a gente fazia uma vez a cada dois meses, ou uma vez por semestre. E eu falei: "Não posso”. Então é uma forma de ter a roupa para poder doar para elas e também ter algum recurso para ajudá-las. Porque às vezes iam procurar emprego e não tinha crédito no Bilhete Único, então colocava crédito no bilhete para procurar emprego. “Eu tenho consulta médica, não tenho como ir”, então às vezes colocava crédito no Bilhete Único ou então ia com elas. Quando meu carro quebrou, ai comecei a ver o Uber para poder ajudá-las, para ir, pagar, voltar… Então tinha que ter um recurso a mais, para poder fazer esse trabalho. Então o brechó era uma maneira, um recurso disponível que eu tinha, que pode tanto servir para elas, quanto render lucro para poder ajudá-las também. Então essa foi a ideia inicial. Mais alguma coisa?
P/1 - Sueli, quais são os maiores desafios desse seu brechó?
R- Hoje está sendo a divulgação. Porque assim, onde eu moro é uma rua sem saída, então eu tenho que divulgar muito para ele ficar conhecido e eu tinha pensado em montar, alugar um espaço… procurei bastante locais para poder alugar. Mas como tinha saído da organização missionária, eu não teria mais um sustento para contar para pagar um aluguel. E eu fiquei com medo de já começar e não dar certo e alugar um espaço e depois não ter como pagar. Então fiquei esperando receber, que eu tinha um fundo missionário, que é como um fundo de garantia, e esse valor eu ia aplicar nisso. Só que aí passou fevereiro, isso ai final de fevereiro… Aí passou março e logo começou a pandemia e eu fui receber esse dinheiro só em junho, ai montar um negócio, alugar um local para montar um negócio, ai estava inviável mesmo. Então eu tinha que fazer acontecer ali, então era lá no meu quintal que tinha que acontecer. E aí eu comecei a fazer lá e falei: “Agora tem que reformar a frente dessa casa para ficar bonitinha e por um cartaz bonito; e aí vi um grafiteiro, que ia fazer a frente também, pintar os desenhinhos tudo bonitinho, para dar um destaque; todo mundo vê os desenhos ali na frente e chama a atenção: “O que isso? Ah, é um brechó”. E colocar na esquina ali também, fazer um cartaz ou ele desenhar lá também, colocando um redirecionando que o bicho está ali. Pedi permissão à vizinha se podia usar o muro dela para fazer. Ela me deu permissão e tudo… Então está tudo aí. Mas aí fui esperando o dinheiro e agora as coisas começarem a acontecer e aos pouquinhos a gente está fazendo: Já compramos a tinta, meu esposo já raspou a frente da casa. Aí ele ficou desempregado também, aí outro desafio, porque agora vai começar… recebemos a primeira parcela do seguro desemprego dele e aí ele começar a trabalhar em outro local e enquanto isso a gente tem que fazer os tupperwares e vender no brechó, para a gente ter um sustento ai.
P/1- É recente o brechó?
R- É recente. Eu comecei ele timidamente em outubro de 2019, comecei aos pouquinhos, naquele quartinho pequenininho, agora depois da pandemia, que eu mudei ele para um local maior, ai minha irmã sabendo da situação da pandemia me deixou uns meses sem pagar aluguel: “Então você fica sem pagar aluguel esses meses, até julho”. “Beleza”. Aí chegou julho: "Cadê o dinheiro do aluguel?”. "Não tenho ainda, tenho que fazer a frente da casa”. Como ela trabalha em vidraçaria, ela falou assim “Então faz assim, o Wesley vai trabalhar junto com o Paulo, ajudando ele algumas vezes. E aí eu vou pagar com ele como ajudante e esse valor fica o valor do aluguel”. “Beleza, tá ótimo”. Então fizemos assim. E no outro mês eu falei: “Ainda está difícil. Então vamos fazer o seguinte...” Aí ela falou: “Como você vai pagar o aluguel?” e eu falei: “Com tupperwares". Aí ela aceitou. (risos) Então eu dei os tupperwares para ela (risos). É assim que a gente está fazendo, aí esse é o desafio: conseguir manter o local, a divulgação, para ele poder descansar, para depois mais tarde podermos alugar um lugar em um local mais visível e fazer com que esse brechó ande mais para frente. Então tenho um sonho que ele seja muito grande, que eu tenha, talvez, imigrantes trabalhando ali dentro, dando oportunidade de trabalho para imigrantes, de renda para eles; de estar contribuindo, ajudando eles também nas dificuldades, quando precisar com documentação… E Deus é quem sabe o que pode ser mais feito através disso. Então eu tive a ideia, pesquisei também a ideia, vi que nos Estados Unidos também tem muito isso e falei: “Se lá dá certo, aqui também vai dar certo. Eu quero um igual esses aqui”. Então eu comecei com essa ideia.
P/2- E Sueli, entre esses muitos desafios e planos que está fazendo, eu queria saber como que é conciliar o trabalho missionário com essa atividade, que tem também um fim econômico e também precisa ter um sustento, para ter a sua autonomia. Como é esse trabalho missionário, articulação junto com essas mulheres imigrantes venezuelanas e fazer com que o negócio seja sustentável?
R- Então, nessa pandemia o trabalho missionário ficou mais parado, eu fiquei fazendo um trabalho mais online. Eu tenho um grupo de WhatsApp, em que eu converso sempre com elas, estando textos bíblicos motivacionais para elas; na nossa igreja está tendo cultos online, então mandava os links dos cultos para assistirem online; a gente conversa muito, aconselha por telefone; e às vezes elas fazem algumas coisas, um bolo para os filhos, que é aniversário, para não deixar passar em branco e me convida, que é para contar história. Aí eu vou participar, contar a historinha ali para eles, então estamos falando mais a distância. Agora que a gente vai começar a voltar de novo às reuniões presenciais. Agora estou vendo para esse mês de setembro, da gente começar as reuniões. Então é um trabalho em que eu posso fazer o trabalho do brechó de manhã à tarde, até umas duas, três horas da tarde; e depois ir para lá, para Vila Salete, para vesti-las, fazer discipulado, até umas nove, dez horas da noite e depois eu volto par acasa. Então vai ser puxado, mas essa é a minha ideia de conciliar essas coisas. E no sábado o brechó tem que funcionar só até a uma hora da tarde, senão eu deixo meu esposo, alguém lá cuidando, e eu vou fazer... porque a gente tem muitos projetos sábado e domingos, então é um dia bom também para fazer, porque todo mundo está livre, não esta trabalhando, então dá para fazer outras atividades com eles.
P/1- E Sueli, como está sendo essa experiência de ser empreendedora, na Zona Norte, na região em que você nasceu e cresceu… Ainda mais na sua casa?
R- Está sendo muito prazeroso, muito gostoso ter que elaborar tudo isso, fazer… e cada passo que a gente vai aprendendo, que a gente tem que fazer e o pessoal ainda fala assim: “Eu quero ir la no seu brechó, mas eu não sei em que dia está aberto”. Então é por isso que quero o cartaz. Eu comprei as manequins, eu falei: “Vou começar a colocar as manequins lá fora. Porque eu boto lá fora e o povo sabe que está aberto”. A pessoa: "Não vai roubar sua manequim? Os meninos não vão chutar a bola nela?” Eu falei: "Não, acho que não. Eu vou ficar com o portão lá… e como é residencial também, tem que ficar lá no portão para poder ver, se alguém chega”. Mas aí algumas vizinhas souberam e a minha vizinha gosta bastante de vestido, aí já foi lá, comprou alguns vestidos, algumas coisas para ela, então vira e mexe ela fala: "Já tem coisa nova?”. E o desafio de brechó: tem sempre que ter coisa nova, porque o pessoal vem, olha e fala: “Eu já vi tudo que tem aqui”. Tem que ter coisa nova para a pessoa voltar. “Tem isso novo. Chegou mais vestido, chegou mais aquilo”. Então tem sempre que repor. Graças a Deus até agora não precisei comprar nada, tudo tem vindo de doação; até a minha outra vizinha da frente veio e me trouxe um monte de sacola cheia de coisa. Quando eu divulguei no Google, teve uma mulher que me ligou: “Você vende coisas para crianças também?”. Eu falei: "Também”. Porque ela falou: “Eu tinha uma doação do bazar aqui; fechei e tal…” ai peguei, pedi para meu irmão ir buscar meu irmão foi lá… achei que ia ter umas três, quatro sacolas… vieram um monte de sacola, estamos lavando as roupas ainda. Tem que lavar roupas, eu quero deixar cheirosinha, e passada; comprei água para passar, para ela ficar bem cheirosa, para ter aquele ambiente, aquele cheiro característico. Sabe quando você entra numa loja? Aquela loja tem aquele cheiro característico daquela loja? Eu quero que o brechó tenha isso também. Eu falei: “Eu quero que seja bonito, chique, que não seja as coisas espalhadas para tudo, que seja um lugar, mas que tenha as coisas com qualidade”. Eu até falei assim: "Será que minhas roupas são boas mesmo? Não são? São de qualidade? Porque visitei outro brechó… "Não, minhas roupas são tudo de qualidade, não tem bolinha, pelinho…” Eu falei: “Nossa, então tem que fazer muita coisa mesmo para meu brechó ficar assim”. (risos) Aí você vai vendo as coisas, vai ficando mais exigente. Aí falei: "Será que vou conseguir nesse nível? Será que as roupas que estou vendendo…” Aí a prima do meu esposo falou: “vou lá ver seu brechó, Sueli”. "Vem que você me ajuda a tirar fotos das roupas para postar, e das tupperwares…" Elas foram para lá, ficaram dois dias comigo, tirando fotos e a filha dela ficou encantada, viu as roupas e falou: “Essas roupas estão muito baratas”. Eu falei: “É?”. "É, isso que vale mais. Porque eu procurei isso na coisa, vi em outros brechós, isso é super caro”. Aí falei: “Nossa, então meus negócios estão muito baratos”. “Não, e são muito boas”. Falei “Ai que bom” Porque é uma menina adolescente e adolescente é exigente, fica pesquisando tudo. Aí falei: "Tá bom e obrigada por me dar esse ânimo e esse feedback, que eu posso ver”. Aí fiquei mais animada ainda. Você fala assim: "Será que esse brechó vai ou não vai? Será que é bom ou não é? Ai dá um up, te anima, e fiquei mais animada ainda, que meu brechó é de qualidade, é bom… Só precisa de uma frente bonita para chamar o povo para vir para meu brechó (risos).
P/1- E Sueli, como essa pandemia afetou seus negócios e como você está conseguindo empreender?
R- Afetou porque ia ser aberto ao público e, de repente, não podia mais abrir ao público. As pessoas não podiam vir, então tive que me virar para começar a ver tudo online, tudo digital. Aí foi que fui fazer os outros cursos do Sebrae; eles ficaram cinco dias lá tudo digital. Eu participei para aprender. Umas aprendi sozinho, outras eles me ensinaram, como tirar foto, como postar… Então tudo isso eu fui fazendo para apreender. Não sabia como abrir o meu site, aprendi. Que você tinha que ter um domínio, que se você tem o seu domínio, você tem que ter seu e-mail com o domínio da loja, é melhor, as pessoas valorizam mais. Tudo isso fui aprendendo e colocando em prática. Fiz meu ensaio de lá do SuelWess, então aos pouquinhos fui fazendo e colocando. Fui colocando no MarketPlace, fui colocando no meu WhatsApp Business, fui colocando no meu status, para as pessoas verem e se interessarem e ir vendendo. A minha sogra vem e compra um monte de coisa para os netos e leva. Então aos pouquinhos está indo. Está devagar ainda, mas de pouquinho em pouquinho estou indo. Então estou fazendo os dois: estou investindo tanto nas tupperwares, quanto no brechó. Não sai de um lado, entra do outro. Então vai indo, vem de um, vem de outro. Então dá. Porque eu digo que qualquer coisinha que entra, já ajuda. Graças a Deus. E às vezes eu recebo doações de móveis, trago para minha casa para depois distribuir para os venezuelanos. Peço ajuda, tenho uma ação de colaboradores, motoristas com carro próprio para isso, vem buscar e vai entregar para mim os móveis para elas. Tem dia que o brechó está cheio de coisa que não é do brechó e falo: “Tem que tirar logo isso aqui, senão vai ficar feio meu brecho”. (risos) “A pessoa vem me visitar e tem móveis aqui dentro. Tem que tirar”. (risos) Então está assim.
P/1- E como é seu dia-a-dia?
R- Agora eu levanto cedo, não muito cedo, porque como durmo tarde, eu não tenho sono cedo; agora que estou conseguindo dormir meia-noite, uma hora da manhã… porque meus horários de dormir eram três, quatro da manhã, mas eu estou trabalhando com isso e vi que ir para o psicólogo, o psiquiatra para tirar um pouco dessa ansiedade; eu descobri que tenho transtorno de ansiedade. Eu tenho que tomar uma fluoxetina para me acalmar e ela aumentou de uma para duas, então agora estou começando a conseguir dormir meia-noite, uma hora da manhã. Eu não dormia oito horas por noite, eu dormia quatro, cinco horas por noite. Meu marido no meu pé o tempo todo, que eu preciso dormir, que preciso descansar, porque estou esquecendo das coisas, porque não descanso direito, porque não durmo direito… E ele brinca comigo, zoa comigo, porque qualquer dia eu vou chegar no mercado, no estabelecimento e vou falar assim: “Olha fulano, você tem…” (risos) Fazendo gesto, porque às vezes esqueço o nome das coisas. Esqueço mesmo. Quando eu falo para você… O que estava falando aqui, lembro o nome da arara e não lembro o nome das coisas, é porque não lembro mesmo. Apagou da minha memória. Hoje eu estava querendo falar… foi ontem, eu estava querendo falar para ele assim: “Qual o nome daquele negócio ali? Não é micro-ondas. Qual o nome daquilo?” “O DVD?”. “Isso! O DVD!”. Então a mente está nesse estado. Então estou precisando me organizar com horário de sono, então comecei a cuidar mais do sono, tentar dormir sete, oito horas por noite. Eu acordo tarde, acordo nove, dez horas da manhã, tomo meu café, vou arrumar a casa, vou ver roupa do brechó que tem que lavar, passar, tirar mancha… Lavo uma vez, não tirou a mancha, lavo de novo, ponho os produtos, vejo se tá bom… Ai tem que fazer comida… Eu não gosto muito de fazer comida, não pelo prazer de fazer, mas toma muito tempo fazer comida. Acho que fazer comida toma muito tempo, quando você vê já foram duas, três horas, só fazendo comida, comendo e lavando a louça do almoço. Eu fico doida com isso (risos). Para mim é perda de tempo. Então não me alimentava direito, porque queria fazer muita coisa ao mesmo tempo, e rápido. Então fazer comida, parar para comer, para depois arrumar a cozinha, era tempo gasto que eu não tinha, então ficava comendo besteira. Agora eu estou equilibrando mais a minha alimentação, eu tenho problema de rinite, sinusite, bronquite… me deu uma crise que… estava com suspeita de Covid, mas foi só bronquite que atacou. Então eu preciso tomar cuidado, porque senão eu tenho que tomar corticoide e ele me faz inchar. Aí vou ficando cada vez mais gordinha e eu quero diminuir, então tenho que tomar muito cuidado com isso. Tomei corticoide agora sem querer e engordei quatro quilos. É uma coisa assim, eu estava com 78, 79 quilos… tem uma balança perto de casa que diz que estou com 82 e meio, tem outra que está dizendo que estou com 84 e meio. Então chegou a pesar e dar 86 quilos e eu fiquei desesperada. Então eu preciso diminuir isso aí, porque tenho que controlar alimentação para não tomar friagem, para não mexer com produto químico… nada disso para não debilitar minha saúde e conseguir fazer as coisas. Aí dedico tempo a isso, passo as roupas, coloco lá, organizo, limpo. Gasto bastante tempo nas mídias sociais, divulgando, pegando foto, selecionando foto, pegando roupa, colocando lá, pendurando, colocando no manequim; ou colocando no… tem um cabide que é o corpo do manequim, aí ponho lá em casa, arrumo bonitinho o espaço, tiro foto, arrumo a foto bonitinha no Photoshop do celular para postar. O site tem que ficar colocando foto toda semana, então fico sempre vendo novas fotos para subir no site e tem que tirar novas fotos. Isso gasta muito tempo, você tirar foto, postar, ver um jeito… a luz para tirar a foto bonitinha e para colocar lá, colocar os preços. As tupperwares também dão muito trabalho para tirar as fotos; tem que tirar do saquinho, colocar no espaço bonitinho, tirar a foto, depois colocar no saquinho de novo para não arranhar… Estocar lá, conseguir enfiar dentro de um espaço no guarda-roupa todas as tupperwares que eu tenho, para ficar organizada, para não ficar no meio da casa. E tem outra coisa que de vez em quando eu faço: perfume. Eu aprendi a fazer perfume, aí compro as essências que eles compram de perfume importado, faço e vendo. Então isso também me dá uma ajudinha. Eu faço uns pequenininhos, faço uns grandes. Uma amiga falou: “Eu quero quinhentas ml”. Eu falei: “Meu Deus, eu tenho que fazer três receitas pra te fazer quinhentas ml de perfume (risos). Eu vou te fazer um de 120 ml, vou mandar, você vê se gosta e depois, se fala que está ok, eu te mando mais. Tá bom?" “Então está bom”. Então vou fazendo, dando um jeitinho ou outro. Às vezes vou ao aniversário, dou um perfume de presente, já divulgo os outros. Então vou empreendendo de qualquer maneira e comecei esse negócio dos perfumes quando fui casar, porque precisava de uma renda a mais para ajudar com as coisas do casamento e comecei a fazer perfume para poder vender. Comecei com aromatizante e depois vi os perfumes e depois comecei a fazê-los; ficaram bons e aí continuei. E os perfumes vendem mais do que o aromatizante. O aromatizante é bonitinho, mas nem todo mundo compra para pôr em casa, mas os perfumes todo mundo gosta, então vendo bem os perfumes.
P/1- Que correria! Mas Sueli deixa eu fazer uma pergunta: para você, o que é ser uma mulher empreendedora?
R- Acho que tem que ter determinação. Para ser mulher empreendedora tem que ter determinação, foco, persistência e muita vontade de vencer. Muita vontade de não desistir quando vem os desafios, quando as pessoas fazem: “Você é louca. Para de fazer maluquice. Você só inventa coisa”. Então você tem que persistir naquilo que você acredita, que você sonha. Começou uma coisinha bem pequenininha, uma ideia bem pequenininha e depois falei assim: “Vou desistir porque acho que não vai dar certo. Aí mudei para um local maior e achei mais legal. Ai de novo, começou… Vamos fazer agora o cartaz, a placa bonitinha. Queria essa de loja, mas é muito caro: oito mil reais não dá. Então vamos fazer mais barato; oitocentos reais, essa dá. Pintar a frente da casa, fazer os desenhos: “Seiscentos reais, esse dá.” Aí a gente vai (risos). Persistência. É foco, coragem para fazer as coisas. Porque você não sabe se aquilo vai dar certo ou não, você está testando, está começando. Então tem que ter coragem para fazer aquilo, para investir seu dinheiro naquilo, para depois começar a ter retorno daquilo que você investiu.
P/1- E Sueli, você falou já que um dos seus sonhos é fazer venezuelanas trabalharem no seu brechó, aumentar ele… Você tem outros sonhos?
R- Eu tenho sonhos com relação ao meu trabalho que eu realizo. Eu queria mesmo era poder abrir uma instituição, uma ONG, uma organização social, para poder oferecer mais coisas. Talvez depois do brechó, me possibilita isso. É um sonho que tenho, que está aí e está nascendo pequenininho. Eu já fui participar em outra organização no início para ver como era. Estou estudando, aprendendo para ver como se faz, perguntando. Estou pensando até se faço serviço social ou não, para poder me ajudar nisso. Eu quero fazer pós-graduação na área de educação e na área de missões. Então eu queria um dos outros… que pé quando eu estava no seminário, que eu queria fazer Antropologia. Ainda não saiu isso do meu coração, porque para você aprender a lidar com outros povos, para você aprender é muito importante. Então quero continuar estudando. Eu fiquei esse tempo, eu trabalhei dez anos só como missionária, me tomou muito tempo mesmo; eu não tive quase tempo para estudar nesse tempo, porque desgasta muito emocionalmente, fisicamente, cognitivamente. Você tem que pensar muita coisa, elaborar muita coisa e fazer muita coisa e cuidar de pessoas, não é uma coisa fácil; e às vezes eu tento não me envolver, mas às vezes acabo me envolvendo, porque são pessoas; elas precisam de você, do seu abraço, do seu carinho, da sua atenção e da sua confiança. Uma das coisas que eu tenho com eles, é confiança na minha pessoa. Então esses dias… essa semana uma boliviana me ligou, que tinha que receber um dinheiro do trabalho dela, que tinha três meses que não recebia, mas não vinha uma conta bancária para receber esse dinheiro. Então queria saber se eu não podia emprestar a conta para ela receber o dinheiro. Eu falei assim: “Fico emprestando a conta e depois chega o fim do ano, Imposto de Renda, vai achar que eu sou rica, que eu tenho muita plata (risos) e eu não tenho. Eu falei: “Vou mandar destinar para o do meu esposo”. Ai depositou, quando foi sábado foi lá em casa, eu fui com meu esposo lá no mercado, em um local que era mais restrito para sacar o dinheiro com cuidado, sem ninguém ver. Colocou na minha bolsa, fui para o banheiro; pedi a mochila dela, coloquei na mochila dela e falei: “Agora conta direitinho”. Depois pedi um Uber para sair de lá e ir direto para casa. Meu irmão é taxista, conseguiu que ele fosse buscar e levá-los em casa, para não ter risco de serem assaltados, porque são muito visados para assalto. Todo esse cuidado. E ela falou para mim: “Hermana, muchas gracias!”, porque eu fiquei buscando uma pessoa, que eu vou… Porque faz tempo que não a vejo, não falo com ela há muito tempo. Para você ter uma ideia, eu trabalhava com a filha dela, quando a filha tinha treze, quatorze anos. A filha está na Bolívia estudando, tem vinte anos. Então fazia tempo. Ela foi para a Bolívia, voltou agora e a pessoa que em quem ela podia confiar, que podia fazer isso para ela, era eu. De ter a confiança de depositar três mil reais na minha conta, para eu devolver o dinheiro para ela. Isso para mim é gostoso, é bom, é prazeroso, é edificante, é gratificante, de saber que tem pessoas que confiam em mim neste ponto de poder fazer isso. Então quero sempre estar disponível para isso, de poder ajudá-las; ser uma pessoa confiável nesse mundo, em que acontecem tantas coisas… Em que a pessoa recebe um Auxílio Emergencial e a pessoa se aproveita para roubar o auxílio, que é pouquinho, de outra pessoa. Eu ajudei muitos deles a fazer, a preencher o auxílio emergencial para receber. Tanto é que depois eu fui fazer outro no meu celular e falou assim: “Você já tem muito CPF neste numero”. (risos) Então falei: “Hermano, não posso mais. Eu já preencho tudo bonitinho, já fiz tudo. Agora você abre no seu celular para poder ver, para transferir para sua conta, ou para poder sacar; porque no meu celular não posso mais, porque já fiz pra muita gente. Senão o governo vai achar depois que estou roubando, vai vir atrás de mim porque estou roubando auxílio emergencial do povo”. E tem meninas venezuelanas ainda que não conseguem tirar do caixa, tem demora, manda para meu mercado pago; do meu mercado pago eu transfiro para conta delas; ou se não da para transferir para a conta, eu transfiro para a minha e saco, para dar para elas. Então é coisa de confiança, coisa que a pessoa só pode fazer se ela tiver confiança em você. Então fico feliz de estar aqui para poder fazer isso, que eles tenham essa confiança para buscar um apoio, uma ajuda, quando precisarem, que eles vão ter e não serão ludibriados, enganados, e passar por tantas situações como já vi passarem. Fiquei indignada, fiquei brava. Tentei ajudar de todas as maneiras e muitas vezes acompanhei eles na Federal. Em todos os lugares só pessoal pergunta: “Você é advogada dela?” Eu falo: “Não sou, não”. (risos) “Eu sou só missionária da igreja, mas vim acompanhá-la para ajudar”. Vai ao médico: “Você é o que dela?”. “Eu sou missionária da igreja, eu vim acompanhá-la”. Esse é o trabalho que tenho feito e fico muito feliz. Eu quero continuar fazendo esse trabalho e eu amo fazer esse trabalho. No meu coração está isso. Então pensar em não fazer isso, acho que tira o meu chão, me desestrutura. O brechó é só uma maneira de poder me dar um sustento, me dar condições para eu continuar fazendo esse trabalho que faço e poder abençoar outras vidas e poder fazer com que outras pessoas tenham novas oportunidades.
P/1- Que lindo! Sueli, eu te agradeço muito por ter compartilhado a sua história e eu quero te fazer um convite. A gente teve que comprimir e eu tenho certeza que tem muita coisa ainda, e eu tenho interesse em saber. Então eu te convido um dia a participar de um projeto do Museu, que se chama Conte a sua História. É de maneira online, então eu e você vamos estar remotamente e você vai me contar a sua história inteira e eu vou ter um prazer enorme em ouvir.
R- Tá bom, está certo.
P/1- Tá bom? Oba. Te agradeço muito. Muito obrigada por dividir esse trabalho incrível. Tenho certeza que Maurício também agradece muito e toda a equipe do Museu. Muito obrigada.
R- Eu que agradeço. Estou honrada de estar aqui e fiquei muito feliz. Fiquei nervosa, falei: “Nossa, vou lá contar a minha história, que legal” E assim, quando eu mandei para a minha história, eu falei assim: “A minha história é tão insignificante. Tem muitas histórias muito mais legais, muito mais interessantes”. E eu vi outras pessoas sendo chamadas e eu falei assim: “Acho que eu não”. E foi uma surpresa para mim. Foi muito gostoso, eu fiquei muito surpresa. Fiquei muito feliz. Então para mim é muito gratificante e eu realmente estou muito feliz de poder estar aqui, de compartilhar isso com todos vocês. Eu sonhava de quando ficar velhinha, ter a minha história contada de algum lugar; então está se realizando e antes de eu ficar velhinha (risos). Eu pensava que fosse acontecer depois que eu falecesse, depois que estivesse velhinha, mas é gostoso ver isso acontecer e a gente fica muito feliz. Eu agradeço muito. Eu estou muito grata a vocês por essa oportunidade.
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