Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Mudança do Clima e Protocolo de Kyoto
Entrevista de Marcelo de Camargo Furtado
Entrevistado por Carolina Ruy e Thiago Majolo
São Paulo, 27 de abril de 2006
Depoimento BIO_HV018
Transcrito por Raquel Martins Reis
Revisado por Thiago Majolo e Teresa de Carvalho Magalhães
P/2 – Então para começar eu queria que o senhor dissesse o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – É Marcelo de Camargo Furtado, nasci em Nova York em 15 de novembro de 1963.
P/2 – Marcelo, qual era o nome dos seus pais?
R – João, ainda é, tão vivos, João Salvador Furtado e Iara de Camargo Furtado.
P/2 – E seus avós, você se lembra?
R – Lembro. Por parte de mãe é Joaquim e Priscila, minha vó tem 99 anos e tá viva ainda, e por parte do pai é Olívia e César.
P/2 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai é biólogo, professor aposentado, professor universitário aposentado e minha mãe era técnica de laboratório.
P/2 – Esse nome Furtado, qual é a origem dele, o senhor sabe?
R – A minha família tem origem portuguesa por um lado e italiana por outro. A família Furtado vem dessa linha, tem um outro sobrenome chamado Cordar que é parte da família, vem de uma cidadezinha chamada Bórgia na Calábria. A história e grande, nem sei se vale a pena contar, mas eu voltei para lá 70 anos depois e a família lá nem sabia que tinha uma família no Brasil, porque são dois irmãos que brigaram, tinham um moinho de farinha, brigaram, o mais velho ficou com o moinho, o mais novo sem. Ele soube que o Brasil estava recrutando ajuda por causa da ferrugem no café e ele foi para embaixada brasileira, disse que era técnico agrícola, o que é verdade. Ele trabalhava com trigo. E disse que era especializado com café, o que é mentira. Ganhou emprego no Brasil, veio para cá, formou família e assim começou a história da minha...
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Entrevista de Marcelo de Camargo Furtado
Entrevistado por Carolina Ruy e Thiago Majolo
São Paulo, 27 de abril de 2006
Depoimento BIO_HV018
Transcrito por Raquel Martins Reis
Revisado por Thiago Majolo e Teresa de Carvalho Magalhães
P/2 – Então para começar eu queria que o senhor dissesse o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – É Marcelo de Camargo Furtado, nasci em Nova York em 15 de novembro de 1963.
P/2 – Marcelo, qual era o nome dos seus pais?
R – João, ainda é, tão vivos, João Salvador Furtado e Iara de Camargo Furtado.
P/2 – E seus avós, você se lembra?
R – Lembro. Por parte de mãe é Joaquim e Priscila, minha vó tem 99 anos e tá viva ainda, e por parte do pai é Olívia e César.
P/2 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai é biólogo, professor aposentado, professor universitário aposentado e minha mãe era técnica de laboratório.
P/2 – Esse nome Furtado, qual é a origem dele, o senhor sabe?
R – A minha família tem origem portuguesa por um lado e italiana por outro. A família Furtado vem dessa linha, tem um outro sobrenome chamado Cordar que é parte da família, vem de uma cidadezinha chamada Bórgia na Calábria. A história e grande, nem sei se vale a pena contar, mas eu voltei para lá 70 anos depois e a família lá nem sabia que tinha uma família no Brasil, porque são dois irmãos que brigaram, tinham um moinho de farinha, brigaram, o mais velho ficou com o moinho, o mais novo sem. Ele soube que o Brasil estava recrutando ajuda por causa da ferrugem no café e ele foi para embaixada brasileira, disse que era técnico agrícola, o que é verdade. Ele trabalhava com trigo. E disse que era especializado com café, o que é mentira. Ganhou emprego no Brasil, veio para cá, formou família e assim começou a história da minha família aqui.
P/2 – O senhor tem irmãos?
R – Duas irmãs.
P/2 – O que é que elas fazem?
R – Uma é pedagoga e a outra é cientista, bióloga, tá fazendo pesquisa de... não lembro o nome da doença mas é alguma coisa tipo Alzheimer, alguma coisa assim.
P/2 – Lembrando a sua infância, o senhor consegue descrever a rua e o bairro onde morava?
R – Bom, eu morei no bairro do Jabaquara muitos anos, uma rua típica de bairro onde todos se conheciam, brincava na rua, depois chegaram as obras do Metrô em São Paulo, aí teve toda aquela farra de brincar no buraco do metrô e depois passei quase toda a minha infância lá.
P/2 – E quando o senhor começou os estudos, o colégio? Conta um pouco dessa época.
R – Bom, minha primeira experiência de educação foi na escola pública do bairro, no bairro chamado Cidade Vargas, junto ao bairro do Jabaquara. Logo no começo eu tive uma experiência um pouco ruim, eu tive uma pequena desavença na sala de aula, isso no primeiro ano primário e um coleguinha meu pegou um canivete e enfiou o canivete na minha mão. Atravessou, assim, a minha mão com o canivete. Aí eu cheguei em casa com a mão sangrando e tal e os meus pais acharam que era um pouco de violência descabida pro propósito de uma criança do primeiro ano e após uma discussão na escola e tal, a gente resolveu mudar de escola, eu fui para uma escolinha particular pequena, um pouco fora do bairro, depois fiz várias, várias outras escolas, ginásio num outro lugar, colegial num outro lugar, acabei fazendo faculdade de engenharia...
P/2 – Esse período escolar, né, já na escola particular que foi que mais, o senhor consegue imaginar alguma influência para questão ambiental nesse período? Alguma coisa que tenha te marcado, que pensou a levar...
R – Olha, na escola o que eu consigo lembrar que era uma coisa que me norteava muito não era tanto a questão ambiental, mas sim era uma questão sobre justiça. Essa questão de ter o acesso, de garantir o acesso a todos, e a democracia dentro da sala de aula, então eu fui representante da classe, fui... Por quê? Porque isso era uma coisa que me pautava muito, mesmo quando eu fiz a faculdade de engenharia, né, a Faculdade de Engenharia Mauá, que era uma escola, dentro das escolas de engenharia, uma escola de elite, porque é uma escola muito cara, uma escola... A gente tinha um jornal em que a gente publicava artigos sobre os problemas que a gente via na escola, as coisas que a gente queria, organizamos uma greve numa época que a gente achou que tinha uma cobrança de mensalidade descabida, houve uma ameaça de cortar bolsa dos alunos bolsistas, a gente fez também uma movimentação. Você pode imaginar, se eu tivesse falando sobre um outro ambiente universitário muito mais politizado e tal, isso é comum, mas dentro de uma faculdade de engenharia, onde a característica do estudante é um estudante que não tem muito essa iniciativa, isso é muito significativo. Quando eu me formei… Talvez uma história para mostrar assim o “x” da questão. Quando eu me formei, houve uma decisão de que os alunos teriam que pagar conjuntamente a festa de formatura e o baile de formatura, e obviamente haviam muitos alunos que não tinham condições financeiras de fazer isso, então a nossa sugestão era de que fosse descompatibilizado, quem quisesse fazer apenas um e não o outro, poderia fazer. Você poderia ter aquela formatura no Anhembi tradicional, sem ter que pagar o baile e tal, e foi decidido que não, era ou tudo ou nada, então eu me revoltei com essa decisão. Inicialmente eu tinha o apoio de toda a turma da engenharia química, eventualmente eu perdi esse apoio, mas ainda sim eu continuei, não fiz a formatura. No dia da formatura no Anhembi eu fui e sentei na platéia. Quando o orador lá na coisa falou: “Agora eu queria pedir aos alunos para que se levantem para fazer o juramento.” Obviamente eu já tinha feito o juramento formal na escola com... aquele juramento era uma mera cena pros pais e tal. Eles pedem para levantar e fazer o juramento e eu levantei na platéia, e ele pede para levantar, esticar a mão para fazer o juramento e eu levantei e estiquei a mão olhando para minha turma com 300 engenheiros olhando para mim sentado na platéia sozinho levantando, esticando a mão, fazendo meu juramento da platéia. Obviamente para mim, a questão principal não era, eu eventualmente teria condições de pagar essa formatura, era uma questão de princípios e eu fiz a formatura de lá. Então, eu resolvi isso porque, depois eu fiquei sabendo que isso se chamava Ação Direta. Eu não conhecia esse conceito de Ação Direta, estava fazendo isso mobilizado por um ímpeto de injustiça. Durante a faculdade, aí sim teve uma influência forte a questão ambiental, era uma faculdade que tinha já um curso de Engenharia Sanitária, você já tinha um começo de uma discussão sobre a questão, especialmente ligada à questão de resíduos de poluição, então você já tinha toda uma entrada sobre isso, os amigos na faculdade brincavam que eu era o eco-engenheiro, que eu estava sempre trazendo a questão ambiental dentro da faculdade e tal, mas nunca pensei que eu iria trabalhar com isso, tanto que o meu emprego após a faculdade foi numa indústria química.
P/2 – Só retomando, o que foi que levou a cursar engenharia? Qual foi a...
R – Eu, na verdade, eu era fascinado por muitas coisas, eu fazia iluminação de show, trabalhava com computação, vendia computadores, software, durante os períodos que eu não estava estudando… Mas eu era fascinado pela engenharia no sentido de entender processos produtivos, de entender as cadeias, sistemas, então eu achei bacana. Eu me sentia num meio engraçado, porque de um lado eu gostava de fazer engenharia e de pensar a engenharia, por outro lado eu achava a escola de engenharia, o pensamento do engenheiro muito bitolado, então eu vivi isso. Mas como eu tinha esses outros… Essas outras atividades que me deixavam muito feliz, fotografia, iluminação de show, isso eu não tinha problema nenhum, isso eu fiz até quando já tava na vida profissional, então eu colocava um paletó e gravata, ia trabalhar para a indústria química, chegava 8, 10 horas da noite, eu tava num teatro tirando a gravata, tirando um paletó, fazia iluminação de show da Olívia Byington ou da Suzana Salles ou da Ná Ozzetti e para os músicos acho que era muito esquisito quando entrava um cara de paletó e gravata e sentava na platéia e eles falavam: “Quem será esse cara?”, e eu tava assistindo o show para entender qual era o show, para saber que luz eu ia fazer mais tarde, então era uma coisa engraçada às vezes.
P/1 – Com essa trajetória profissional que o senhor teve, como que o senhor começou a trabalhar...
R – Pode ser você, sim?
P/1 – Tá. (risos) Como que você começou a trabalhar no Greenpeace?
R – A minha entrada, na verdade, no Greenpeace é bastante acidental. Eu saí do mundo corporativo da indústria química porque eu não tava me sentindo à vontade nessa função, eu tinha uma perspectiva de um outro trabalho fora do Brasil, resolvi viajar antes de começar essa nova atividade. Nessa viagem que foi para a Europa eu fiquei conhecendo um pouco melhor a questão do ambientalismo e tal, e em particular numa noite eu tava numa casa com amigos na Alemanha e eles estavam reunidos para discutir o que o Greenpeace tinha feito naquele ano, se tava bom, se não tava, quanto eles iam dar de doação esse ano e fiquei conhecendo um pouco mais sobre o Greenpeace porque a memória que eu tinha era simplesmente aquelas imagens que a gente via na televisão do afundamento do Rainbow Warrior em 1985 que deu no Jornal Nacional e tal. Quando eu resolvi estudar e fazer uma pós-graduação eu fui pros Estados Unidos para tentar uma bolsa para entrar numa pós-graduação lá e tendo ouvido falar do Greenpeace e ter achado isso bastante interessante, eu comecei a trabalhar meio período pro Greenpeace para ganhar dinheiro para pagar aluguel e tal. E ao mesmo tempo em que eu tava me preparando pros estudos e para bolsa de estudo, que eu precisava competir para uma bolsa de estudos para conseguir e no final dessa trajetória eu acabei abrindo mão de fazer minha pós-graduação, na época, para entrar no Greenpeace. Hoje, 16 anos depois eu voltei a fazer minha pós-graduação, então tô lá na USP fazendo uma pós-graduação. Mas o Greenpeace foi uma mudança em que eu entrei acidentalmente, eu diria como uma coisa que eu fosse fazer enquanto eu não voltasse a estudar e passei o resto da minha vida profissional lá.
P/1 – Hoje você é diretor de projetos do Greenpeace?
R – Hoje eu faço a direção de campanhas do Greenpeace no Brasil, né, quer dizer, significa coordenar os projetos que a gente tem aqui na área de floresta, na área de transgênico, de energia, clima, mas eu já fiz várias outras funções dentro da organização. Já coordenei projetos internacionais, especialmente na área de poluição industrial, já trabalhei na área de políticas públicas, então… Obviamente 16 anos num lugar é bastante, você ficar fazendo a mesma coisa acho que é insuportável, então é legal fazer uma rotação, eu já fiz bastante coisa lá.
P/1 – Quais são os temas mais recorrentes, assim, que o Greenpeace desenvolve?
R – Nós temos várias linhas de atuação. Internacionalmente seria a área nuclear, a área que a gente chama de campanha de tóxicos que é poluição, área de oceanos, área de clima e energia e área de florestas. Tem uma área que adormeceu por um período, logo após guerra fria, que foi a questão de desarmamento, mas agora voltou em função até da situação global. No meu caso, eu sempre fiquei muito ligado historicamente a essa área de poluição industrial, tanto que quando a gente abriu os escritórios na China, na Índia, eu ajudei a fazer essa implementação porque até o caminho pelo qual a gente montou a organização nesses países começou por esse caminho, pela campanha contra a poluição industrial.
P/1 – Agora falando mais da Rio 92, sobre esse assunto específico, qual avaliação que o senhor faz, que você faz sobre os resultados desse encontro, desse evento?
R – Bom, faz tempo, né, então a gente sempre tem hoje uma visão muito diferente do que a gente tinha quando o negócio acabou. E é sempre muito importante a gente lembrar como é que tava o mundo naquela hora, né, quer dizer, a Rio 92 acontece num momento muito especial do mundo, você tem o fim da Guerra Fria, você começa a sentir os primeiros pulsos da globalização, o Brasil se projeta como um país com novas perspectivas, você sente que em função de um governo civil, eleições diretas, né, quer dizer, você tem todo um... Eu passei os anos 1980 da minha vida brigando por eleições diretas e sacramentar o fim da ditadura. Uma coisa esquisita, porque não era geração dos anos 1970, que realmente fez a briga contra a ditadura, a gente pegou meio que aquele rescaldo para garantir o espaço para essas pessoas novas. E aí uma coisa engraçada dos anos 1980 foi que quando você tem a anistia e a volta de muitos dos exilados, eles não voltaram como, necessariamente, atores políticos, alguns sim, né, os grandes nomes, mas a grande maioria voltou para trabalhar na área de computação, voltou para trabalhar na área de ensino, por quê? Porque eles foram para o exterior, ganharam novos conhecimentos e quando eles voltaram eram conhecimentos importantes. E porque de uma certa maneira eles estavam inseguros sobre se iam reassumir uma ação política ou não, o que iam fazer e o movimento ambientalista, que neste momento está crescendo, né, no final dos anos 1980, começo dos anos 1990, ele então tenta pegar essas pessoas para ajudar a formar um ativismo dentro da área ambiental com esse conhecimento que tinha da área política, da área de sindicalismo e tal. Então, quando a Rio 92 acontece, a gente tem na verdade, o grande encontro dessas massas e talvez uma coisa muito importante que aconteceu na Rio 92 é que ela não é mais uma reunião do gueto ambientalista, ela é uma reunião do que a gente chama da sociedade civil, onde você tem a representação ambiental, você tem a representação sindical, você tem a igreja, você tem os movimentos sociais, todos chegando junto. Eu diria que os encontros das chamadas ONGs, né, na época, o encontro da sociedade civil, ele foi, na verdade, tão importante ou mais em termos informativos do que a reunião governamental foi. Então, se você me pergunta o resultado, eu separaria o que é o resultado da reunião governamental, do resultado do que foi a reunião da sociedade civil, porque eu acho que para a sociedade civil brasileira e para a sociedade civil mundial a Rio 92 foi um grande marco, foi um marco de poder e responsabilidade. Poder no sentido de você poder mostrar que existe um poder nas mãos da sociedade. Nessa discussão sobre globalização que começa a ter ali você tem que ter alguém para contrabalançar isso e num momento que você está vendo que a instituição pública começa a perder um pouco o seu poder, você tem que ter mecanismos de checagem e monitoramento. E não vai ser o órgão ambiental que vai fiscalizar, vai ser o cidadão, só que essa fiscalização só vai funcionar se esse cidadão tiver a cidadania para poder pegar o telefone, escrever uma carta. Quase não existia e-mail nessa época ainda, poucos de nós tínhamos um computador e um e-mail, então esse ativismo tinha que ser construído e essa era a nossa responsabilidade e a gente se deu conta disso na Rio 92 e a gente se deu conta de que isso era possível, como sociedade brasileira a gente tinha maturidade e experiência na mão para fazer isso e a gente se deu conta de que o meio ambiente não era uma discussão local ou nacional, era uma discussão internacional, então você vê pessoas do mundo todo. Eu acho que na época a gente teve tantos países representados na sociedade civil quanto na área governamental, o que é fantástico, porque significa que o ativista africano teve condições de vir pro Rio de Janeiro para falar como era fazer campanha em Moçambique, no Senegal, na África do Sul e nós falando como era fazer no Brasil e o sudeste asiático também aqui, com gente falando como era na Indonésia, como que era nas Filipinas e isso foi uma bola que energizou o movimento. Obviamente a gente tinha uma situação no Brasil da Amazônia sendo muito contestada, o Brasil precisando mostrar serviço, na época o professor Goldemberg tinha acabado de fechar o buraco da Serra do Cachimbo colocando os militares com uma sinalização muito clara de que o governo civil não iria aceitar projetos de bomba nuclear com segredos militares, um novo Brasil. Então, a gente entra com muita expectativa, com muita esperança e com muita responsabilidade. Então se me falar assim, os resultados concretos, acho que teve. Convenção da Desertificação, acho que teve um resultado concreto muito importante, Convenção da Biodiversidade foi um resultado concreto muito importante, a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas na época era uma coisa que meia dúzia de pessoas sabia do que a gente tava falando; era uma coisa muito complexa sendo extremamente questionada ainda dentro da comunidade científica com alguns dizendo: “Como pode as Nações Unidas avançar num troço que metade dos cientistas que é o grupo dos americanos tá dizendo que isso é uma mentira.”, então uma contestação, um jogo muito forte acontecendo e eu diria na época, com uma omissão ou uma falta de acesso muito grande dos países em desenvolvimento. Então, essa reunião acontecendo no Brasil dá aos países em desenvolvimento, particularmente ao Brasil, uma oportunidade de liderança. Se a gente olhar a Convenção de Biodiversidade e a Convenção de Mudanças Climáticas em particular, você vai ver que nos anos seguintes, o Brasil tem aí uma posição de liderança fundamental, tanto que o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi uma criação brasileira que nasce nesse bojo, que nasce nesse contexto, então tem essa efervescência muito importante, eu sou menos preocupado com os resultados concretos, do que saiu no papel porque aquele não era o momento na minha opinião, em que a gente ia ter esses resultados concretos, porque você ainda precisava juntar a vontade política, os recursos e a pressão popular. Então naquele momento a gente viu vontade política, a gente tava esperando aparecerem os compromissos de recursos e a gente tava com nosso papel mobilizando a sociedade civil para dizer: “Ok! Povo, temos um instrumento que a gente pode utilizar para melhorar as condições sócio-ambientais do planeta.” Se fosse só assim seria ótimo. Você poderia dizer que a história teve um final feliz, mas a gente tem que lembrar que nessa convenção também foi desperta a discussão da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável, e nisso entra também um papel importante que é o setor privado e a indústria. E a indústria entra num primeiro momento, na minha opinião, de uma maneira muito cínica. Ela entra nessa discussão sabendo que esse papo de desenvolvimento sustentável poderia ter uma implicação para os seus negócios muito sério e especialmente para a utilização de tecnologias que estão considerando mais e mais na Europa. Os Estados Unidos usa tecnologias sujas e o que fazer com isso? Porque o caminho de jogar essa tecnologia para ser usada em países em desenvolvimento começaria rapidamente a fechar a porta, porque se eu sou sociedade civil no Brasil e eu converso com meu colega na Europa, nos Estados Unidos e eu sei que essa tecnologia tem problema, eu não vou permitir que um troço que foi considerado um lixo na Europa venha pro meu país, assim como eu não vou permitir que lixo que seja gerado na Europa venha pro meu país e meu país seja usado como uma lata de lixo dos caras, que era o trabalho que a gente começou a fazer na Rio 92, com a chamada Convenção de Basiléia, onde a gente falava: “Gente, vocês têm noção do volume de lixo tóxico que é gerado na Europa, nos Estados Unidos e porque lá a legislação ficou muito complicada agora os caras estão exportando, mandando para África, América Latina, Sudeste Asiático, pagando os países para abrir um buraco, jogar isso lá dentro e ganhar uma grana?”. Então, esse foi o momento que separou o trigo do joio, fazendo com que nos anos seguintes aparecesse um termo que foi cunhado por um colega meu inclusive, o Kenny Bruno, na Rio 92, chamado “Maquiagem Verde”, Green wash, onde você dava uma pincelada de ambientalismo na empresa para justificar a ação dela que ainda era em detrimento do meio-ambiente. Só que algumas empresas foram olhando isso e falando assim: “Olha, isso é um jogo que não tem vida longa. Ou a gente realmente incorpora questões de sustentabilidade pro nosso negócio ou mais tempo, menos tempo nós vamos quebrar a cara.”, então começa nesse tempo também uma discussão dentro do setor privado para separar o trigo do joio, então a Rio 92, nesse sentido, eu acho que ela foi emblemática e teve uma importância que não foi superada por nenhum dos grandes encontros. Não foi superada em Joanesburgo, ou seja, foi um momento realmente muito especial.
P/1 – O senhor falou da omissão dos países em desenvolvimento, né? E falando, assim, de um país desenvolvido, qual a importância dos Estados Unidos não ter assinado a Convenção da Diversidade Biológica?
R – Bom, na verdade essa é apenas uma das milhares que os Estados Unidos não assinou, portanto tem uma história recorrente aí. Você tem um problema que lá no Rio de Janeiro, devido ao clima de forte cobrança da sociedade civil, forte cobrança do público geral, os governos prometeram um monte, especialmente os governos ricos que prometeram pôr dinheiro na mesa para implementar aquele sonho que a gente criou. No dia seguinte, depois que tomaram várias caipirinhas e reafirmaram seu compromisso, na segunda-feira seguinte, o dinheiro sumiu, no ano seguinte sumiu, na década seguinte sumiu, duas décadas depois continua desaparecido. Então o primeiro grande problema que a gente tem pós Rio 92, que não é os Estados Unidos, é o fato dos países ricos e aí envolve um monte de países europeus e outros, não colocaram dinheiro na mesa. Nesse momento, os Estados Unidos em particular, olham esse desenvolvimento e falam assim: “Bom, que parte dessa discussão ambiental me interessa, que parte não me interessa. A parte que me interessa que me faz abrir oportunidades de negócio eu vou promover. A parte que não me interessa, eu vou tentar empurrar com a barriga, ou destruir”, que era outra tática. Então, todas essas Convenções: Biodiversidade, das Climáticas, Poluentes Orgânicos Persistentes, Lixo Tóxico Basiléia, todas elas sofreram uma forte pressão dos Estados Unidos na sua construção para serem destruídas, ou caso não pudessem ser destruídas, que sejam flexibilizadas ao ponto de se transformarem num papel que não significa nada. Num momento em que os Estados Unidos no final da Guerra Fria têm um papel político muito importante, porque você está construindo uma nova malha de relações intergovernamentais e num passo, que eu diria, de muita esperteza, os Estados Unidos olham por um novo fórum para discutir o multilateralismo fora das Nações Unidas, onde você tem uma coisa muito chata, você tem voto, você tem país pequenininho que não tem dinheiro nenhum que não tem direito a voto, enquanto eu que tenho um monte de dinheiro e tenho um monte de influência também só tenho um voto, então nós precisamos criar um outro caminho, esse caminho foi a discussão de fortalecer a Organização Mundial do Comércio que vinha vindo num processo chamado processo GATT que já estava envolvendo uma discussão muito calorosa, mas que os Estados Unidos e outros países enxergaram como um novo caminho para a gente conseguir, porque o que a gente tem que pensar é, se as Nações Unidas começou a levar a sério esse negócio de meio-ambiente, de direitos humanos, onde é que nós vamos parar com esse negócio? Então precisou criar um fórum onde a gente pode falar com pragmatismo sobre a vida como ela é, e como ela é é o seguinte, conta de padaria, você recebe um tanto por mês, gasta um tanto por mês, você tem que viver dentro desse gasto e outra realidade: tem gente que vive melhor, tem gente que vive pior, quem é rico é rico, quem é pobre, é pobre e esse negócio de pobre querer ficar rico e rico querer dividir a sua riqueza é bom para filme, para livro, não é bom para nós, e nós geramos muito lixo tóxico, nós consumimos muita energia, nós dependemos muito de matéria-prima e não queremos isso em risco. Então a posição do governo americano, e eu acho que isso é muito importante que seja entendido, que é uma posição governamental, a posição do governo americano era de barrar, de truncar todo o avanço ambiental, porque o avanço ambiental não era só o avanço ambiental, era um avanço de mudança de paradigma, um paradigma especialmente que incomoda o governo americano, um paradigma de consumo, porque você não tem como discutir sustentabilidade sem você questionar padrão de consumo. Como é que você vai tornar o planeta sustentável se você tem uma iniquidade de consumo tão estressante como a situação icônica dos Estados Unidos. Bom, qual é nossa grande sorte? Nossa grande sorte é que dentro dos Estados Unidos existe uma coisa chamada sociedade civil americana. A sociedade civil americana é, neste momento dos anos 1990, uma sociedade extremamente ativa, extremamente bem preparada, extremamente combativa e tinha um governo pela frente que oferecia todas as razões para você brigar, que era o Governo Reagan, então você tem uma conjunção que te dá esperança inclusive. No decorrer do tempo, quando entra a era Clinton e você acha que as coisas vão melhorar, depois não melhora, mas ainda sim você vê essa maturidade do que foi a ascensão da sociedade civil americana. Isso teve uma ação muito importante, os europeus estão consolidando esse bloco chamado União Europeia, que é uma nova maneira de fazer governo. A gente conhecia Estados e de repente aparece um bloco com 16 países que falam junto, que fala várias línguas e você tem que botar a realidade espanhola junto com a alemã. E agora você tem um problema sério, porque o alemão tem uma lei que está aqui em cima, o espanhol uma lei que tá aqui em baixo e a lei resultante vai ser uma lei no meio do caminho, então, na verdade, em muitos aspectos a sociedade civil ela se põe a falar: “Nós estamos perdendo espaço com isso. E vocês lá fora precisam ajudar a gente a bater nisso porque se nós, europeus, temos sido até agora, a ponta de lança, que o movimento ambientalista usa para apontar as soluções dando certo e tal, vocês têm que ajudar a gente.” E nós da América Latina e Ásia trazendo essa questão nova para muitos, que era falar que o movimento ambientalista não era só um ambiente, uma discussão ambiental, é uma discussão socioambiental, por quê? Porque entravam ascensões sociais junto. Não é só uma discussão de quem vive na sujeira por causa da contaminação, mas por que essa pessoa vive na sujeira. Não é só uma discussão de floresta e árvore porque você tem gente que vive na floresta. Qual é a alternativa de desenvolvimento que a gente dá para população amazônica? Então, o movimento ambientalista é também chocado com esse desafio de ter que responder essas perguntas difíceis e isso começa a transformar. Uma transformação que já havia acontecendo em vários países, especialmente os Estados Unidos, com a questão de Justiça Ambiental, quando um estudo famoso da época olha onde é que estão as áreas mais poluídas do país, os incineradores, as indústrias sujas e você vê que estão nas áreas de maior pobreza e de maior mistura racial com comunidade negra, comunidade asiática, ou seja, o sujeito branco rico americano em geral não estava rodeado por uma atividade suja, a comunidade sem dinheiro com mistura racial estava. Esse estudo começa a fazer um questionamento que era típico para nós aqui no Brasil ou na Ásia, de mostrar que a sujeira segue o caminho da menor resistência e a menor resistência vem de quem não tem emprego, de quem não tem o que comer, porque você aceita isso em função de conseguir dar um passo para amanhã quem sabe pedir ar limpo, água limpa, terra. E a gente entrou num momento que a gente tava questionando isso e dizendo que isso é inaceitável. Isso era inaceitável aqui, nos Estados Unidos ou na Europa, e a Europa lidando com o Leste Europeu, caiu o muro você descobre um monte de sujeira, um monte de contaminação e a responsabilidade de fazer, de ajudar esse lado a levantar e a se limpar é dos seus colegas ricos que estão ali do lado, até porque também na comunidade científica a gente começa a ver, do ponto de vista científico, que estamos todos integrados na sujeira, ou seja, não é só uma questão de mudança climática em que você vê a temperatura que afeta a todos, mas também era uma questão de substâncias químicas tóxicas. Se você tem uma fábrica de DDT na Índia que continua produzindo DDT, essa substância tóxica que foi proibida na Holanda já há 15 anos vai continuar aparecendo no leite materno da mulher que alimenta um bebê na Holanda, por quê? Porque ele volatiliza e precipita, ele é um semi-volátil, ele pula como se fosse um gafanhoto tóxico das áreas mais quentes paras áreas mais frias, então os cientistas começam a ir no Pólo Norte e olhar urso polar e olhar índia inuit lá, tirar amostra de leite materno e gordura e ver que os caras têm DDT, PCBs e o mundo começa a entender que a única solução pro desafio ambiental era uma solução global e agora junta a dificuldade de começo de globalização, necessidade de soluções globais e o papel do Estado sendo chacoalhado com a Organização Mundial do Comércio se formando para ser o ponto de decisão e vários países se juntando em bloco reconhecendo que o papel do Estado individual pode estar virando uma coisa do passado, então é muito complicado isso! Nós da sociedade civil, nós do movimento ambientalista, que muitos vinham de uma luta de ativismo, também somos confrontados com o fato de que não bastava mais a gente ter espírito de liderança, cabeça estratégica, carisma, você tinha que ter informação e formação, então também começa a entrar uma nova figura no movimento ambientalista que é a figura da formação, é a figura do técnico, porque antigamente como é que era? Ambientalista era aquele maluco que aparecia, que chacoalhava as coisas, mas quem tinha mesmo informação era o professor doutor não-sei-quem, o advogado não-sei-que-lá e na Rio 92 a gente começou a ver uma conformação de que existia advogado-ambientalista, engenheiro-ambientalista, médico-ambientalista, ou seja, você começa a ver que as pessoas com as formações técnicas começam a olhar o movimento ambientalista como um celeiro para a geração de soluções. Soluções que não vão aparecer de outro lugar e mesmo que a indústria, que na época dizia e continua dizendo: “Bom, nós vamos gerar essa solução porque afinal de contas esse é o nosso negócio”, normalmente a indústria resiste a fazer essa indústria, a fazer essa mudança até o último momento, porque você quer ter um lucro maior possível dentro do seu investimento inicial, que antes de gastar com um novo investimento, a não ser que você seja uma dessas indústrias que traz a nova tecnologia. Isso aí confronta o ambientalista já no começo dos anos 90 a também entender que você não podia ser contra a indústria, o negócio em geral porque tinha coisa aí dentro que era legal. Vou te dar um exemplo: a indústria da agricultura orgânica. Puxa! Quer dizer que é possível fazer agricultura de uma maneira sustentável e ganhar dinheiro? É possível. A indústria da energia alternativa. Puxa, é possível descentralizar a energia, gerar energia de outra maneira? É possível. E a Convenção da Biodiversidade nesse sentido acho que foi muito importante, porque na verdade ela chacoalhou essa discussão de uma maneira maior do que muitas outras, por quê? Porque ela começou a mostrando a questão da perda de ecossistema, mostrando que a gente já tinha perdido um monte de floresta, que todos nós dependíamos dessa biodiversidade, mas ela começa a apontar que a gente precisa achar soluções de desenvolvimento e ela, na verdade, é uma das primeiras convenções que traz, então, essa discussão de como resolver o problema, de como andar para frente criando um caminho de discussão, que não andou muito, mas hoje a gente sabe: aquele caminho naquele momento foi muito importante.
P/1 – E falando, assim, dessas convenções, hoje ocorreu agora a COP VIII em março, né? Você acha que essas conferências das partes têm cumprido esse papel de manter esse debate, de manter o debate acerca da biodiversidade, de mudanças climáticas, desertificação?
R – Olha, acho que no decorrer dos anos os governos estão perdendo cada vez mais poder e espaço político, o que é uma pena, porque nós da sociedade civil, a sociedade civil não quer ser poder, a sociedade civil não quer ser governo, a sociedade civil quer governo que funcione para todos, esse é o nosso papel. Todas as oportunidades em que você viu a sociedade civil querer ser outra coisa que sociedade civil, ou não deu certo, ou os próprios membros da sociedade civil foram os controladores desse sistema. O que eu quero dizer com isso? Vamos olhar o fenômeno do Fórum Social Mundial. Que que é o Fórum Social Mundial? É um ambiente de reflexão, não é governo, não é um centro de poder, é um centro de reflexão de onde saem coisas que mobilizam e que transformam. Eu to dando a volta pro Fórum para responder a sua pergunta inicial, porque eu acho que é muito complexa a pergunta. A pergunta diz: Se você olhar, se você se colocar em 1992 e olha o mundo, eu acredito no governo e acho que com vontade política a gente consegue as coisas. Se eu faço a mesma reflexão hoje, eu sei que vontade política apenas não basta. Você precisa de vontade política, você precisa trazer os famosos Stakeholders na mesa, os tomadores, os formadores de massa crítica para que aquela coisa aconteça, você precisa trazer os recursos para mesa. Cada vez mais o Estado não tem nem os recursos nem a condição de trazer todos os jogadores para a mesa. Por quê? Porque o estado perdeu a capacidade de diálogo, porque o Estado diminuiu, ele não tem a interlocução, porque o Estado priorizou certos caminhos do que outros, ou porque o Estado privatizou o papel do Estado e hoje quem faz aquela função é uma indústria privada. Então você pega alguns setores como setor de saneamento, água em vários países em que as pessoas olhavam e falavam assim: “Eu gostaria de ter direito a água”, “Por favor, fale com a empresa francesa tal que nós vamos ver se isso pode ser atendido”. Então, essa diminuição do papel do Estado e do que é a presença do Poder Público cria na sociedade um problema muito sério, porque você tem que pensar agora em termos de expectativa versus realidade, então, qual é a nossa análise da COP VIII que aconteceu agora na Convenção de Biodiversidade? É o fracasso. A reunião foi um fracasso. A reunião teve migalhas que a gente pode pegar que eu acho que são muito importantes: a discussão sobre Acesso à Repartição dos Benefícios foi enquadrada numa nova ótica; a questão dos Terminators, das Sementes Suicidas, uma tecnologia que foi barrada; a questão de áreas protegidas que foi configurado que realmente este é um mecanismo eficiente de proteção ambiental, mas falta dinheiro e vontade política para fazer, a questão, no caso da MOP na Convenção de Biossegurança sobre contém ou não contém transgênicos na rotulagem que é o direito do consumidor que protege o meio-ambiente, que houve uma mudança da posição brasileira em particular fenomenal, 180 graus; tudo isso, ainda assim são migalhas. Por quê? Porque o jogo, o grande jogo, nós estamos perdendo. Se você olhar o relatório das Nações Unidas que é o acesso do milênio, mais de 250 cientistas participaram e deram um panorama de como é que está a situação no mundo, você vê que a situação do mundo está tão crítica e as necessidades de ação são tão urgentes que o resultado da Comissão em Curitiba foi pífio frente a esse desafio, e aí você fala: “Bom, de quem é a culpa?”, bom, alguns países são os campeões de sempre: Estados Unidos, Austrália… Por isso que eu falei, essa posição americana de não estar querendo avanço, querer destruir, parar tudo, ela é milenar. Mas tem uma pergunta mais importante para fazer que é a pergunta que nós fizemos em Joanesburgo em 2002. Não sei se vocês lembram em Joanesburgo em 2002, quando foi começar a reunião, a grande expectativa era: os Estados Unidos vêm ou não vêm para reunião? Porque a delegação americana estava dizendo que não ia, que ia boicotar a reunião, e eu me lembro um dia numa conferência de imprensa falei em nome da sociedade civil, uma área que tinham não sei quantos, 400, 500 jornalistas e a pergunta que eu fiz foi: “Um país não vem, seremos todos reféns dessa decisão? Significa então que neste momento nós estamos abdicando a nossa responsabilidade e o nosso poder? Significa que o resto do mundo acha que não tem o que fazer pelo meio-ambiente sem a participação dos Estados Unidos? Tá claro que fica mais difícil, tá claro que os resultados serão menos expressivos, a pergunta é: Não fazemos nada? Então para quem está ficando conveniente essa situação? Pros Estados Unidos que não quer avanço nenhum ou para outros governos que em função dos Estados Unidos ser o ícone que não aparece, também não quer fazer nada. Num momento que a gente tem que lembrar que especialmente os grandes países emergentes que são China, Brasil, Índia, África do Sul, começam a se preocupar no que realmente significa avançar a agenda ambiental e qual o impedimento que isso tem para área do desenvolvimento econômico do nosso país”. Hoje, se você conversa com o governo brasileiro, o governo brasileiro morre de medo de colocar meta de desmatamento porque eles têm medo de com isso estejam reduzindo a sua capacidade de desenvolver dizendo: “Eu prefiro emitir e crescer, caso do efeito estufa, do que eu me comprometer a não emitir e comprometer o meu desenvolvimento”, então, onde está o nosso verdadeiro credo ambiental? Lembrando que quando a gente fala que a gente aceita emitir, a gente não tá só falando sobre a contribuição que a gente tá fazendo para a poluição e o aquecimento global do mundo todo, nós estamos falando fundamentalmente de um paradigma brasileiro. Significa que nós estamos fazendo opções também muito negativas para os nossos cidadãos de empregos insustentáveis e de uma situação insustentável no futuro. Então, o resultado dessas Convenções estão se tornando cada vez menos importantes, porque os governos estão colocando cada vez menos vontade política, os governos estão colocando cada vez menos recursos, porque os governos estão, na verdade, fazendo um jogo de transferir a discussão ambiental do Fórum Ambiental para o Fórum Econômico. Se você hoje quiser discutir Acesso à Repartição dos Benefícios na Convenção de Biodiversidade, você vai ficar numa sala com a discussão travada. O que é que os governos preferem? Discutir isso na OMC – Organização Mundial do Comércio para falar sobre patentes, para falar sobre acesso à recursos genéticos. Você poderia dizer: “Puxa, mas que jogo pesado esse dos países ricos”, bom, lembremos que são os mesmos governos. Os mesmos governos que estão numa reunião estão na outra. Apenas a pergunta é: quem é que tá formando a vontade política? E o papel, e a liderança política que um Ministro de Meio Ambiente tinha na década de 1990 hoje é reduzido, hoje um Ministro de Meio Ambiente tem menos influência em geral, acho que existem situações diferentes, acho que a brasileira é atípica, onde você tem uma Ministra que tem uma trajetória ímpar e um relacionamento pessoal com o presidente, é diferente, mas em geral o cenário que você tem é de que os Ministros de Meio Ambiente têm menos poder, os Ministros de Economia têm mais poder, porque o mundo está indo para esse paradigma de globalização econômica. Eu acho que é uma visão reduzida da coisa você olhar para ela só do aspecto ambiental, quando a gente olha isso, tem que olhar do ponto de vista de saúde, de educação, porque essas opções impactam nisso mesmo. Se você me falar qual é o impacto do Brasil construir Angra III, um impacto óbvio é o ambiental, lixo nuclear, mas e a questão de que você vai estar colocando bilhões e bilhões de reais numa usina desnecessária num país que você precisa de hospital e escola, num país em que o IBAMA não tem dinheiro para colocar gasolina numa caminhonete para fazer apreensão de madeira na Amazônia, num país onde o IBAMA não tem um helicóptero para voar na área, então, essa integração da questão sócio-ambiental da política geral do governo é um desafio fundamental para todos eles, não só para o brasileiro. Em particular eu acho que pro Brasil, em função da grande biodiversidade que a gente tem, a gente acaba virando um pequeno ícone dessa discussão, porque se você olhar na questão de floresta apenas, o que é que a gente tem de floresta que resta no mundo, 30% das últimas áreas intactas de floresta do mundo estão no Brasil e por isso a gente vira um lugar que as pessoas olham mesmo o que ta acontecendo e é nossa responsabilidade, é nossa floresta e é nossa responsabilidade cuidar dela, cuidar dela para nós e para todo mundo.
P/1 – Como que você vê a questão ambiental daqui há 10 ou 15 anos, pensando no futuro?
R – Eu acho que vai haver uma forte integração de várias, hoje questões que estão ainda um pouco isoladas que é a questão segurança, questão econômica, elas vão rapidamente se convergir. Por quê? Porque se hoje o mundo discute que a avaliação de poder é em função de quanto ouro ou quanto armamento nuclear você tem, no futuro vai ser, e quanto petróleo você tem, no futuro vai ser quanta água você tem e quanta energia renovável você tem, dado que esse petróleo vai acabar e dado que você não vai conseguir bombear muito mais carbono para a atmosfera sem condenar o planeta a sua extinção. Então, eu acho que vai haver um novo alinhamento e o que vai ser considerado um recurso precioso também vai mudar. A questão sócio-ambiental certamente é uma questão que vai voltar a ter um espaço importante porque essa situação de iniquidade que a gente vive que já é insustentável, ela vai ficar mais aparente e, portanto mais complexa. E para você lidar com essa tensão, você vai ter que olhar essa questão e lidar com ela no sentido de minimizar e mitigar os problemas. Então eu não vejo outra solução do que os países começarem a incorporar isso nas suas políticas de desenvolvimento. Mas ainda há muita resistência, ora porque você tem governos que não acreditam nisso, ora porque você tem governos que acreditam que isso custa muito dinheiro e é um investimento que você não tem certeza do retorno, então você não faz ele, mas é inevitável porque o problema final que a gente tem é um problema de balanço de massa, é um problema que a gente chama Pegada Ecológica. Para esse planeta aqui dar certo, você vai ter que ter essa discussão, aliás, a gente já vem tendo essa discussão, mas ela precisa subir para um nível de chefe de Estado, você precisa começar a ter reunião de presidente séria sobre a questão ambiental e não um presidente que vai numa reunião da Rio 92 depois aparece numa reunião em Joanesburgo, depois aparece numa reunião, mas isso tem que ser uma questão de chefe de Estado que permeia o ano do chefe de Estado, que permeia as eleições do chefe de Estado como eu to vendo que está acontecendo, por exemplo, com a mudança climática e biodiversidade, porque o impacto, por exemplo, de mudança climática é acabar peixe, é acabar a agricultura, é acabar a energia, é acabar floresta, então isso tem um impacto muito forte na população. Aqui no Brasil, por exemplo, muita gente acha que quando escuta no rádio: “Frente fria na Argentina, vai chover aqui em São Paulo” que a água vem da Argentina da chuva e não sabe que a água que cai na região centro-sul do nosso país vem da Amazônia e se você tem queimada e desmatamento na Amazônia e falta formação de nuvens de chuva lá falta água aqui. Faltar água aqui significa que reservatório de hidrelétrica não enche, significa que a lavoura não cresce, então, até que a gente consiga explicar para as pessoas essas questões e mostrar para elas como isso tudo está interligado, como essa biodiversidade interligada é tão importante, você ainda não consegue pressionar os tomadores de decisão e eu acho que a gente tá rapidamente conseguindo isso. Hoje se você pega um táxi e conversa com o motorista do táxi, conversa na barbearia, conversa no boteco, conversa na escola, todo mundo discute essas questões. Como é que a gente não tá conseguindo traduzir isso numa pressão política para ter atuação na área ambiental? E um dos desafios que a gente tá tendo sério para isso é essa cortina da miséria. A cortina da miséria faz com que a gente tenha dificuldade para avançar como se a discussão ambiental fosse separada da discussão social e não é, nem da econômica, mas os gestores vêem as coisas separadas, vêem tão separadas que as reuniões de gabinete que são feitas pelos governos sempre têm os Ministros-chave de Agricultura, Energia, Desenvolvimento e não têm o Ministro de Meio Ambiente. Agora, quando tem uma crise e vai sair o índice de desmatamento da Amazônia, põe lá o coitado do Ministro que tiver na hora para falar por que é que continua desmatando. Ninguém conversa que a razão pela qual aquilo aconteceu é porque o Ministro de Desenvolvimento fortaleceu a indústria da madeira ou da soja, da agricultura também, porque faltou gestão, porque faltou dinheiro, porque o Ministro da Fazenda não deu para fazer a fiscalização, então esse jogo é um jogo que tá fadado a dar errado e nossa responsabilidade como sociedade civil é de fazer com que a sociedade tenha informação e competência para exigir mudança. Agora, tem uma coisa que você precisa fazer com a sociedade civil, que é o que a gente luta muito aqui no Brasil e no mundo para fazer que é fazer as pessoas se desacomodarem, né, ou seja, ora você fala: “A situação tá tão ruim, o que é que eu posso fazer?”, ou se fala assim: “A minha situação até que não tá tão ruim, então não vou mexer em nada, porque eu não quero mude nada, porque não está ideal mas não tá tão ruim, tem muita gente pior do que eu, então vou ficar quietinho, vou fingir que não tá acontecendo nada, ta bom?”. Ambas atitudes são terríveis pro meio-ambiente, então eu diria que a pior coisa que tem pro meio-ambiente, pior do que a indústria poluente ou o governo irresponsável, é a apatia do cidadão, e a apatia do cidadão existe ora porque ele não sabe que ele tem poder, ora porque ele sabendo que tem poder ele não usa esse poder. Então qual é a nosso papel? O nosso papel é romper essa apatia, o nosso papel é mobilizar esse cidadão, o nosso papel é dar tesão nas pessoas para ser cidadão, para querer gritar, para querer escrever e-mail, para querer telefonar, para querer se levantar no lugar e dizer: “Não! Eu não acho isso certo.” Porque se um faz, outro faz, outro faz e outro faz, você junta uma corrente e às vezes você não precisa de muita gente. O Brasil é grande, tem uma população enorme, o mundo é grande, tem uma população enorme, você diria que você precisa de muita gente para poder mudar as coisas, mas eu lembraria a famosa imagem na China quando uma pessoa ficou na frente de um tanque, uma pessoa que teve coragem de ficar na frente de um tanque. Essa imagem passou para muitas pessoas, galvanizou as pessoas e você emocionou, contagiou as pessoas para dizer: “Puxa, se uma pessoa pode fazer isso eu também posso”, o que é que eu vou ficar na frente, o que é que eu vou me posicionar contra. Se você pensar na marcha contra a guerra do Iraque, a gente tava numa reunião do Fórum Social, umas 60 pessoas quando a idéia veio, a data foi firmada, algumas pessoas da reunião falaram: “Ah, vai ser mais uma dessas manifestações que a gente vai tentar fazer uma manifestação global e vamos ver o que é que a gente consegue”. Dia 16 de fevereiro, você abriu o jornal em São Paulo, em Madrid, em Nova Iorque, em Bancoc, primeira página. Milhares de lugares, milhões de pessoas foram às ruas. Nós paramos a guerra? Não paramos a guerra. A gente agiu tarde, mas o fato é: você pegou gente que normalmente teria levantado, tomado café, ido trabalhar, ido para escola, ido fazer compras, ido fazer qualquer coisa, mas esse dia a pessoa resolveu: “Hoje eu vou ser cidadão, hoje eu vou dizer que eu não aceito.” E essa energia contagiou muita gente, falou: “Puxa, eu ainda acredito que o cidadão, o indivíduo pode mudar” então eu acho que o que não mudou de 92 até hoje é que a gente ainda tem esse fogo, a gente ainda tem esse espírito, essa oportunidade, o mundo tá mais complicado, as questões tão mais complexas, os desafios pros países tão muito difíceis porque a questão da globalização está dando muito certo para muito poucos e muitos estão saindo perdendo. Então a nossa resposta como movimento ambientalista também tem que ser muito mais complexa e essa tal palavra “pragmatismo” pegou! Não basta você ter uma visão, você tem que ter uma visão, mas você tem que ter solução e esse é o grande dilema, como compatibilizar solução com visão, porque solução sem visão não leva a gente a lugar nenhum também. Quando a Irmã Dorothy foi assassinada há um ano atrás, a ministra Marina Silva estava num evento em um Porto de Mós inaugurando uma reserva extrativista, que a gente tinha lutando muito, então a gente tava lá. Ficamos sabendo, ela decidiu ir para Anapu, nós fomos para Anapu trabalhar em cima disso, desse caso, foi um desenrolar de uma, duas semanas até que a gente conseguisse verdadeira ação política e justiça nesse caso, todo mundo morrendo de medo, porque a polícia estadual do Pará é notoriamente uma polícia com uma agenda, as pessoas com medo de falar e morrer num período que a Irmã Dorothy foi assassinada e a gente conseguiu a primeira prisão tiveram de seis a oito outras mortes de pessoas menos famosas. Um chamava Zé, a outra chamava Maria, não era a Irmã Dorothy, então ninguém ficou sabendo! E a questão que ficou paras pessoas foi: vale a pena dessa vez eu falar? E algumas pessoas falaram, deram depoimentos acreditando que a justiça viria. A gente conseguiu 8 milhões de hectares de áreas protegidas em função do assassinato da Irmã Dorothy. Dois mil indivíduos do exército apareceram na Amazônia trazendo governança. O índice de desmatamento neste ano com o exército mais duas ações do IBAMA caiu 40%, mostrando que quando o Estado se faz presente você tem ganho ambiental, ou seja, muitas vezes a solução ambiental não é uma nova tecnologia, não é uma... É o Estado se fazer presente, são as pessoas verem que é possível ser sociedade. Então, eu acho que a discussão ambiental dos anos 90 para hoje, o que ela mudou é que ela virou de uma discussão ambiental para uma discussão de verdadeiramente desenvolvimento, desenvolvimento sustentável, com as diferentes visões do que é que é sustentabilidade. Virou uma discussão muito complexa que você não pode mais pensar só no seu país, você tem que pensar no planeta, mas você não pode esquecer não só o seu país como a sua vila porque na verdade é aqui que você implementa essa mudança. Então, na verdade a gente tá fazendo um monte de trabalho agora, olhando a esfera municipal, porque a esfera onde verdadeiramente as pessoas fazem e sentem os resultados. E eu acho que o movimento ambientalista brasileiro ensinou muito o mundo, o fato da gente ter feito a Rio 92 como a sociedade brasileira foi fenomenal. Quando a sociedade brasileira, a sociedade civil brasileira foi para Johanesburgo, o fato dela ter levado consigo uma agência de notícias própria, por quê? Porque a gente sabia que ou a mídia ia contar a história do “jeito” oficial, que as Nações Unidas iria divulgar, ou com o seu próprio, com a sua própria influência em função das pressões que sofrem de anunciantes e tal, então nós falamos: “Vamos ter a nossa própria mídia, vamos garantir um canal de acesso para garantir para a população que quiser saber o que realmente está acontecendo tenha um caminho” e a sociedade civil brasileira fez isso, tinha jornalista, tinha vídeo, tinha site, então eu acho que a gente tá vendo uma evolução muito importante que ta acontecendo, e essa evolução tem esses ícones, essas pessoas super importantes que vocês estão entrevistando que não sou eu, mas são as outras famosas e tem gente nova vindo que são essas novas lideranças maravilhosas que você quer que estejam presentes porque a hora que você tiver numa cadeira com 70, 80 anos de idade falando: “É, porque no meu tempo a gente fazia assim, ia lá e botava, fazia demonstração na rua e não sei o quê.” Você tem uma geração nova que entrou e se adornou dessa responsabilidade que eu acho que é fundamental, portanto, eu acho que um dos papéis mais importantes que a gente tem que fazer agora nesses anos 2000 é explicar paras pessoas e continuar mostrando paras pessoas que apesar de ter ficado mais complicado como resolver as questões, você continua com um mundo cheio de oportunidades e que as pessoas que tão chegando no movimento também são pessoas que chegam muito mais preparadas, muito mais inteligentes do que eu, cheias de idéias novas, cheia de energia, com indignação e que isso vai ser fundamental. E que é fundamental porque essas pessoas vindo de vários lugares diferentes do mundo, de vários lugares diferentes do Brasil, de várias histórias diferentes, elas vão trazer isso consigo e vão fazer parte dessa mudança. Agora, vai ter que ralar. Na minha época, quando a gente começou você não precisava falar inglês para ser ambientalista no Brasil, hoje em dia você precisa, por quê? Porque o Brasil com essa atuação importante que tem, com muitos países, que vai definir o futuro ambiental do planeta junto com a China e com a Índia, a gente precisa falar lá fora, gente! Então precisa falar inglês. Aí você pega ambientalista velho, muitos não falam porque vêm de outra geração. Os novos todos já sacaram isso e falam espanhol super bem, já tão interligados com a América Latina toda, falam inglês, falam francês, já foram fazer treinamento na África, conhecem a sociedade civil africana e essa, eu diria, é o lado positivo da globalização: é a globalização da resistência, é a globalização da luta pela justiça ambiental que eu acho que é fundamental.
P/1 – Agora só para finalizar, uma última questão...
R – Nem sei se eu respondi, né, tua pergunta... (risos)
P/1 – Respondeu sim, ta ótimo! Que é que você acha de ter participado desse projeto de memória, memória da Convenção?
R – Eu acho super interessante, porque eu quando arrumei o tempo para vir aqui, eu não sabia exatamente o que ia ser. Acho meio esquisito essa parte de falar da sua história pessoal porque a gente não tá acostumado a falar da história pessoal. A gente tá acostumado a ser um elemento de uma luta, né? Você tá lá para ser porta-voz de uma vontade, de uma idéia, de uma visão, então é meio esquisito essa parte de falar de onde você vem e tal, mas é uma experiência muito legal de fazer essa reflexão, né? Porque essa é uma conversa, ironicamente, que a gente nunca tem tempo para ter com os colegas e mesmo em situações de Fórum Mundial, onde você faz grandes discussões, você às vezes tem tanta gente para falar em tão pouco tempo que você fala um pouquinho, você escuta um pouquinho, mas você não tem tempo para voltar e falar: “Cândido, mas por que você falou isso, isso e isso?”, né? o Cândido Librowisky, ou Oded ou o Tarcísio que agora ganhou o Golden Award e tal, cara super legal que tava outro dia pregando cruz com a gente no aniversário de um ano de morte da Irmã Dorothy, então eu acho que é muito bacana o fato de você poder coletar isso e depois assistir e ver as diferentes visões e ver aonde elas estão cruzando. Infelizmente eu acho que por causa do tamanho do desafio e de que somos poucos, você acaba não tendo muito esse espaço. A outra coisa que eu acho interessante é porque a gente fica morrendo de vontade de que tenha essa geração nova que venha assumir o nosso papel e fazer o que a gente faz e melhor, mais competente, em mais números, mas a gente, muitas vezes, não dedica muito tempo para fazer isso, né? Quer dizer, quantas vezes você se lembra de alguém que você assistiu quando você era estudante, quando você era... e foi uma pessoa que você olhou aquilo e falou: “Nossa! Que legal! Eu quero ser que nem essa pessoa quando eu crescer” ou... Eu me lembro de uma experiência quando a Marina ainda era senadora e eu trabalhava no Greenpeace e a gente foi brifar lá sobre um problema com a Petrobrás e tal, eu entrei e sentei com ela 13 minutos, é tudo que ela tinha antes de ir para lá. Brifei ela no problema, quando eu vi essa mulher falando sobre o problema eu falei: “Gente! Eu não acredito! Eu falei 13 minutos com essa mulher!”. Ela pegou a informação, tratou a informação, deu um jeito na informação que foi fascinante. Tem uma coisinha só, eu sei que vocês estão sem tempo, mas só para contar que eu acho super legal: a história da iniciativa brasileira de energia renovável. A gente tinha uma idéia e a gente queria, queria que queria que as energias renováveis fosse um dos ícones da Rio +10, por quê? Porque a discussão ambiental tem um grande paradigma que é o que é que vai acontecer com a situação de mudanças climáticas. Tudo depende dessa discussão: biodiversidade, vida na Terra, indústria, tudo depende disso. Então, dos desafios que a gente tem, se não é o maior, é um dos maiores desafios que a gente tem e você não pode dizer pros países: “Pare imediatamente de lançar todos os gases do efeito estufa, congele tudo, ninguém desenvolve.” Porque na verdade, mesmo que você fizesse isso a gente ainda vai ter um efeito de aquecimento global pelos próximos 25, 30 anos, então a gente tem que ter uma solução e a única solução que a gente tem é começar a gerar energia de maneira sustentável. E o Brasil está numa posição ímpar para isso, né? Quer dizer, tem uma matriz energética extremamente limpa, tem um potencial para sustentabilidade incrível com biomassa, vento, hidrelétrica, mas tem que fazer uma lição de casa porque não é qualquer hidroelétrica, não é qualquer tipo de biomassa de qualquer jeito, não é qualquer lugar que você põe uma eólica e ter a capacidade de botar essa indústria aqui e começar a vender essa tecnologia, quer dizer, então é uma história maravilhosa. Aí a gente pegou e falou: “Puxa, como é que a gente poderia fazer? Precisamos de um país que se adorne disso.” E a gente pensou: “Puxa, o Brasil foi a sede da Rio 92, a situação ambiental não tá legal, se a coisa for pro buraco todo o esforço do Brasil vai pro buraco, então vamos conversar com o Brasil.” E aí a gente pegou e fez uma conversa, na época o Fábio tinha sido apontado pelo Fernando Henrique como o embaixador da Rio + 10, então a gente chamou e falou: “Fábio, a gente queria conversar contigo, porque a gente acha que tem uma grande oportunidade aqui, tal, tal...” aí o Fábio pegou e falou assim: “Não, espera aí, acho ótima a idéia, vamos falar com o Goldemberg, para ele escrever essa plataforma porque ele é um expert na área, ele vai gostar, eu tento vender esse peixe pro presidente e a gente emplaca isso na Rio +10.” Isso foi uma conversa num quarto de hotel. Saí dali, eu conversei com o Professor Goldemberg, ele já tinha conversado com o Fábio, em uma semana ele prepara já uma plataforma, essa plataforma entra na discussão dos ministros de meio ambiente, é aprovada na reunião de ministros, eu sei que a gente chega em Joanesburgo com uma plataforma brasileira de 10% de energia renovável até 2010, totalmente cientificamente comprovada e tal, cheia de países felizes que alguém tava fazendo isso, o Brasil puxando o negócio, aí a discussão começa a pegar em Joanesburgo e os petroleiros da Arábia Saudita, Estados Unidos tentando destruir o negócio, chega uma hora eu falei: “Acho que a gente vai perder! Eu acho que a gente vai perder, estamos no risco de perder.” Na época estava o Ministro José Carlos Carvalho lá, aí eu vou num orelhão, telefono para o Fábio no Brasil: “Fábio, eu to ficando desesperado. Eu sou um cara otimista e que é difícil ficar desesperado e eu to ficando desesperado aqui. Tá acontecendo isso, isso e isso.” o Fábio falou: “Não, peraí, vou tentar falar com o presidente.” ele conversa com o presidente, o presidente telefona para Joanesburgo e fala: “Eu quero essa iniciativa em pé. Se ela for morrer, ela vai morrer depois que eu tiver aí, não antes.” e então uma nova injeção entra na delegação brasileira, a discussão continua, realmente a gente não conseguiu esse alvo em Joanesburgo, mas a gente consegue com que um grande grupo de países que defenderam essa iniciativa criem um fórum paralelo e depois vem uma reunião em Bonn na Alemanha, depois vem uma reunião na China, qual o fato concreto? O fato concreto é que hoje a questão de energia renovável tá muito mais desenvolvida do que tava em 2002 em Joanesburgo, a iniciativa de colocar uma meta, de promover isso em Joanesburgo mudou a história da discussão de energias renováveis no mundo, a China vai se apresentar agora como a próxima grande potência das energias renováveis, a Índia e nós vamos ver verdadeiramente uma oportunidade da gente ter soluções para a substituição da produção de energia do petróleo por renováveis, aí você vai dizer: “Puxa, no Brasil podia ter ido melhor, né? PROINFA mandou, né, e tal.”. Realmente, dentro do Brasil a coisa não andou bem, mas se não tivesse sido essa ação em Joanesburgo nós poderíamos não estar. Eu não posso te dizer que essa ação é o que culminou no que está, mas o que eu posso te dizer é que não teria existido Bonn se não tivesse tido essa iniciativa, não teria acontecido essa reunião em Beijing, o assunto energia renovável provavelmente hoje seria mais um assunto que os ambientalistas tocam mas não seria um ícone tão importante juntado com a discussão de mudanças climáticas como é. Agora, por que é que a gente conseguiu isso? A gente conseguiu isso porque conseguiu mobilizar pessoas que tinham não só faro político, pensamento estratégico, mas que tinham tesão pela questão ambiental. Se não fosse o fato de que o Fábio e o Goldemberg realmente acreditassem, quisessem isso, ia ser mais uma situação de ambientalista pedindo para alguém perto do poder fazer alguma coisa e não conseguindo, que é o cúmulo. Então no fundo, o que acontece é que quando a gente tem essas vitórias, tem muito de estratégia, tem muito de tudo, tem muito de pensamento político, mas tem que ter a ação individual e eu vi isso agora em Curitiba nessa discussão do contém, talvez contenha, de rotulagem de transgênico, por exemplo, quando a gente nitidamente viu que a Ministra Marina Silva assumiu isso pessoalmente. Ela assumiu o negócio, e aí eu acho que faz toda a diferença, quando a pessoa assume não como uma instituição, não como representante de governo, representante de ONG, representante do que for, mas você assume como indivíduo. Então a transposição entre você representar alguma coisa e você ser alguma coisa, você ser verdadeiramente um ativista, você ser um ativista é o que faz a grande diferença e talvez por isso que a gente veja que a indústria tenta tanto convencer os consumidores muitas vezes de que eles fazem as coisas certas e não conseguem é porque no final das contas ou você é ou você não é. E quando você e as pessoas acreditam, porque você passa isso por outros caminhos que não seja só o documento que você escreveu ou a conversa que você falou no microfone. Então, talvez uma coisa bacana desse documento que vocês estão fazendo é que vocês talvez estejam mostrando um pouco melhor como que essas pessoas que são foram formadas e foram motivadas a continuar porque obviamente eu acho que ser um ativista no Brasil e em geral no mundo é um exercício difícil porque você sabe que você está sempre jogando contra forças maiores do que você, mais poderosas do que você, mais ricas que você, mas quer saber? Como a gente tá acostumado com isso, a gente não se importa, e aí a gente pega algumas vitórias que a gente tem para conseguir buscar energia, mobilizar outras pessoas e conseguir novas vitórias. E eu acho que no geral a gente vai conseguindo caminhar. Tem muito o que fazer, precisamos de mais gente, e precisamos de gente muito melhor do que nós mesmos, então eu espero que outra coisa que esse material faça, que essa iniciativa faça, é seduzir novas pessoas, que ao invés de optar por um caminho mais confortável, opte por esse caminho, o caminho do ativismo porque eu acho que o mundo tá precisando muito dele.
P/1 – Tá bom então, obrigado.
R – Obrigado. (risos)
[Fim da entrevista]
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