Psch_hv751_carlos_papa
Entrevista de Carlos Papá
Entrevistado por Jonas Samauma
São paulo, 18 de abril de 2019
Projeto afinadores de ouvido
Entrevista número cinco
Integra também o projeto ___________ [00:20] memória indígena
Entrevista número pcsh 751
Transcrito por selma paiva
P/1 – Papa, bem-vindo ao Museu! Eu gostaria, primeiro, que você falasse, assim, o seu nome, o local que você nasceu e a sua etnia.
R – Bom dia! Meu nome é Carlos Papa, eu nasci em Boiçucanga, numa aldeia Boiçucanga, que hoje não existe mais a aldeia, é somente cidade hoje, sou de 70. Eu nasci 13 de agosto de 1970.
P/1 – E você poderia contar um pouco a história dos seus avós e dos seus pais?
R – Eu vou contar quando eu conheci meus avós, né? Quando eu comecei a andar, conhecer o mundo, o lugar, assim, eu conheci meus avós e meus pais, minha mãe, através de um encontro, de uma reunião grande, né, somente o sábio espiritual, líder espiritual, que estavam se reunindo para fazer o primeiro encontro. Na época estavam pensando montar uma organização que chamava-se, na época, Aguaí. Parece que, se não me engano, era Ação Guarani, é uma ONG que eles estavam montando e então, na época, meu avô, meus pais, minha mãe não sabiam ler e escrever e então estavam pensando em montar e não sabiam como montar, então eles se reuniram no local que era, na época, se reuniram na Água do Bento, numa aldeia e lá que conheci os meus avós, porque meus avós moravam, na época, ali na Serrinha, uma aldeia. Só que hoje não é mais Serrinha, hoje chama-se Juquehy, essa aldeia. Praia de Juquehy. Lá que eu conheci pela primeira vez meus avós. Então foi muito interessante porque, na época, se reunia só os mais velhos e as mais velhas, pra poder discutir de forma política, né? Porque Aguaí é uma entidade que ia abranger todo o estado de São Paulo, pra discutir e defender o interesse Guarani Mbya. Eu sou do povo Guarani Mbya. E então, a primeira reunião que aconteceu foi em 1977 ou 78, por aí, que eu estava meio que ainda, não sabia muito direito, tem coisas que eu não me lembrava e então só essa cena que ficou muito forte. Meus avós me pegaram no colo, acho que talvez isso marcou muito, né? Então, ficou essa história, assim, como eu conheci meus avós, através desse encontro, que foi em uma aldeia chamada Água do Bento.
P/1 – Na sua infância, assim, como é que era a sua vida? Você vivia com seus avós também, no mesmo lugar?
R – Na minha infância eu vejo assim que eu vivia mais com a minha mãe, né? Porque meu pai não parava muito. Ele viajava muito. Porque, na época, meu pai era cacique e, ao mesmo tempo, líder espiritual. Então, meu pai, pra defender o local, a aldeia que, quando a gente foi expulso da aldeia Boiçucanga, a gente foi parar na aldeia chamada Água do Bento. Então, a partir de Água do Bento, com essa história do Aguaí, começaram a perceber que não adianta mais fugir, tem que defender. Então, com isso, meu pai viajava muito, mas na época não tinha ônibus que fazia ligação entre praia de Boraceia até São Paulo. Então, era muito difícil, porque não tinha estrada, só tinha estrada pela praia. Então, de vez em quando que tinha ônibus ou à tarde ou às vezes não tinha horário certo por causa da maré e, quando está chovendo, era complicado na época. Então, meu pai vinha pra Santos, de Santos ia para o Rio de Janeiro e, do Rio de Janeiro, ia direto pra Brasília. Então, não tinha, na época era muito difícil, então, às vezes eles iam pra Brasília de trem, não iam de ônibus, porque era muito caro e complicado. Então, eles iam de trem pra Brasília, pra pedir as reivindicações dos interesses da comunidade. Então, de lá ele ia pra Brasília, de Brasília voltava para o Rio de Janeiro e do Rio de Janeiro pegava trem até uma certa... não me lembro qual. Não sei se talvez pegava trem até... não me lembro que estação, pra fazer baldeação. De lá ele passava pelo litoral, não passava por São Sebastião, vinha direto pra Santos. E de Santos pegava ônibus até Bertioga. E de Bertioga pegava aquele ônibuzinho que, às vezes, acontecia que o ônibus não pode sair por causa da maré, então, às vezes, andava a pé. E assim por diante. Eu vi meu pai assim, de vez em quando eu falava: “E meu pai, quando vai chegar?” Minha mãe falava assim: “Não sei, porque foi pra Brasília e é muito longe. E conforme Ñanderú ajudar, ele vai aparecer, a qualquer momento, mas a gente não sabe quando vai chegar”.
P/1 – E a sua vida na aldeia? Era na aldeia que você morava?
R – Sim.
P/1 – Como é que era? Quais que são as suas primeiras lembranças dentro da aldeia? O que você brincava?
R – Na minha aldeia cotidiana, quando criança, eu pescava muito, gostava de nadar, mergulhar, gostava muito de andar pelas florestas, entender a floresta, ouvir o canto de passarinhos, cada canto de passarinho, ter que decifrar qual passarinho que era e porquê estão cantando, se estão felizes ou porque é mau tempo que está chegando ou é frio ou algo disso. Porque, pra ser do povo Guarani Mbya, tem que entender o código da floresta. Então, andava pelas florestas, pra poder decifrar os códigos, porque cada dia, quando se passa na mesma floresta, mesmo que for lugar que você já passou, já mudou. Nesse lugar não tinha formiga, onde você passou, aí, no outro dia, você passa por lá e tem formigas, ou besouro. Então, você tem que analisar... As paisagens mudam, né? Por exemplo: você faz um quadro, você pinta uma árvore, aí você pensa assim: “Acho que faltou uma lagarta na folha. Acho que vou fazer uma lagarta na folha. Só que aí só vou fazer amanhã, hoje não vai dar, porque eu estou cansado ou com sono, aí eu vou fazer amanhã a lagarta. Ou uma borboleta voando”. Mas você deixa tudo pra amanhã. E aí é a mesma coisa a natureza. Quando você está no lugar, está em silêncio ou talvez não tem pássaro, água escorrendo, aí você olha, fixa bem, marca bem o jeito que era, depois volta. Aí você volta pra casa, no dia seguinte ou três ou quatro dias depois você volta, para no mesmo lugar de novo, analisa tudo, está diferente, porque talvez choveu ou tem um pássaro, tem um tucano ou tem um grilo ou talvez uma borboleta voando, borboleta sem estar. Então mudou a paisagem, não é a mesma coisa. Então, eu fazia essa leitura, porquê mudou. E a luz do sol que bateu, nesse dia que estava vendo essa luz que bateu, estava clara, depois de três dias ou no outro dia for, a luz não está a mesma coisa, porque o sol estava meio escondido, as nuvens estavam baixas. Então as coisas mudam. E aí você vê o grilo ali namorando ou o grilo ali, você olha para o grilo e fixa aquele tempo daquele jeito. Aí, no outro dia, você volta lá de novo, o grilo não está mais lá, e o tempo está maravilhoso, tempo bom. Só que o grilo não está mais lá. Então, eu comecei a perceber os códigos das coisas que estão ali. Então, quer dizer que se você vê um tempo ruim, o grilo está ali de forma ao contrário, oposta, assim ou assim ou na sua direção, são os códigos que você tem que perceber que o tempo amanhã vai mudar, vai continuar, se vai fazer frio ou vai chover. Então, parece uma bússola que, indicando, tem uma indicação... Então, você vai guardar isso na memória, que quando o grilo está assim, é porque no dia seguinte vai estar o tempo bom. Então, o grilo está se preparando pra ir pra cima, porque amanhã haverá um tempo bom e é o jeito dele comer uma folha nova. Então, ele está indo. Agora, se está assim, é porque está indo, no dia seguinte vai fazer muito frio e está indo prum lugar que nem é no chão e nem pra cima, está no lugar que tem menos corrente de ar frio. Então, ele está procurando lugar pra se esconder, pra ter menos corrente de ar, porque em cima é muita corrente de ar frio e embaixo também, porque embaixo o chão é muito frio. Então, fica meio que no meio, pra que não tenha uma corrente de ar frio. Então, tudo isso a gente tem que estar percebendo.
P/1 – E esse conhecimento que é, realmente, impressionante, como é que você aprendia?
R – É que os nossos pais ou avó ou avô começam a explicar, chama-se estudar o entendimento de forma como a natureza rege. O nome ( palavra guarani) (17:24). Quer dizer: aprender, compreender como a natureza rege, pra que a gente compreenda, pra que a gente seja compreendido. Então, a natureza ensina, mas que também a gente tem que fazer uma força pra que a natureza entendesse. Então, você, junto com a natureza, vocês são parceiros. A natureza ensina e você também dá uma força pra entender como a natureza é o professor. Então, pra nós a natureza é tudo, professor e dá tudo que você precisar. Mas precisa compreender.
P/1 – E como foi, desses momentos todos, da infância, que você teve muito contato com a natureza, teve algum especial, que te marcou muito, que você lembre? Foi o vento, foi a água, foi a o rio, algo que realmente mexeu muito contigo?
R – Uma coisa que me marcou muito, até hoje eu me lembro, quando alguns guerreiros me levaram num lugar pra se compreender e pra ser guerreiro, na época. Pra sobreviver, um teste de sobrevivência na selva. Eles me vendaram o meu olho e me levaram num lugar na selva. E falaram pra mim que só poderia tirar eu mesmo tipo: bastante tempo. Então, eles colocaram uma água no bambu, cortado, na taquara, fizeram um furinho e essa água começou a pingar: tu, tu, tu e deixaram eu sentar e essa água começou a pingar no meu joelho, assim... Então, eu tinha direito de limpar, mas a água tem que sempre pingar. Então, umas vezes eu sentia, né, mosquito, assim. Eu posso fazer, mas eu não posso tirar. Então, eu só tiraria a vedação do meu olho depois que parou de pingar. Depois que parou tudo de pingar eu tirava e cadê o pessoal? Foi embora. E também não sei de onde vim. (risos) Então, eu fiquei desesperado e eu comecei a chorar e gritar pra todo mundo, se alguém está me ouvindo. E comecei a gritar: “E agora? O que eu faço?” Claro que talvez alguns... eu não sei até hoje, né? Não sei até hoje se tinha alguém, caso tiver algum perigo, alguém viria pra me acudir, não sei, não faço ideia. E aí eu comecei a chorar e comecei a gritar, mas ninguém, né? Mas aí eu percebi que estava entardecendo, já. Aí eu ouvi a cigarra: diooooooooooooooo, cantando, pássaro e aí comecei a gritar, gritar, gritar, gritar, gritar e de repente eu vejo uma onça caminhando, assim, pra cima. Eu falei: “Nossa, agora eu vou ter que parar de gritar”. Aí eu fiquei quieto, né? Eu fiquei ali e eu não tinha nada na minha mão. Nada... Então, eu comecei a ouvir o barulho de água: chuuuuuuuuu, aí eu pensei comigo: “Bom, eu vou pra água, né? Eu não vou ficar aqui”. E aí eu comecei a descer devagarzinho com a água, morrendo de medo, falei: “Nossa, e agora? Vou ser comido aqui”. Aí comecei a pensar: “Nossa, eu achava que minha mãe, meu pai, minha família, gostavam de mim. Eles me odeiam, então. Vão me deixar aqui pra quê? A onça me comer”. (risos) Aí eu comecei a pensar mil coisas: “Nossa, eles me odeiam, então, mas eu vou sobreviver”. (risos) Aí eu comecei a descer. Aí cheguei no rio, tinha uma pedra, falei assim: “Bom, eu vou ficar por aqui, porque aqui dá pra ver se a onça passar, se a onça vier, eu consigo ver”. E aí eu estava com uma pedra, qualquer coisa vou jogar na onça e tentar assustar, enfim. Então, eu ouvi a onça urrar: roooooooooo rooooooooooooo roooooooooo. E começava a me arrepiar o corpo inteiro. Aí eu comecei a pensar: “Eu vou descer o rio porque, descendo o rio, eu vou chegar em algum lugar”. Eu comecei a descer, aos poucos, pelo rio, aí eu pensei também: “A onça só vai atrás pelo cheiro, pela pegada. Então, se eu descer pelo rio, o cheiro não vai ficar”. Então comecei a andar pelo rio, somente pelo rio, descer. Aí, quando fui ver, estava perto da minha aldeia. Aí eu acabo chegando de novo à aldeia, tipo umas dez horas da noite, assim, eu chego de novo. Aí, quando eu chego na aldeia, todo mundo reunido lá, fumando cachimbo, rezando, tudo, conversando, chego lá todo molhado, todos eles: “Parabéns! Seja bem-vindo, guerreiro!” Começou, assim, me receber com maior carinho, eu fiquei muito bravo, pra caramba, falei: ‘Não quero nem papo com vocês”. (risos) Aí minha mãe pegou uma roupa que estava lá, colocou assim: “Sobreviveu, né?” “É, sobrevivi, mas a hora que eu crescer, eu vou embora daqui, vocês me odeiam. Agora eu sei que vocês me odeiam”. Eles ouviram, só e passou por isso mesmo. Isso marcou muito, quando eu tinha dez anos.
P/1 – Esse tempo da água foi quanto tempo que ficou a água pingando ali?
R – Eu não faço ideia, acho que umas duas ou três horas, assim, porque a água... era uma taboca cheia de água, mas a água tem que estar... tem um furinho e tem que ficar pingando devagar. E aquela água tem que acabar. A hora que acabar, você tira. Então, mais ou menos duas. Não sei quantas horas eu fiquei.
P1 – Mas aí você ficou com esse sentimento de querer embora, mesmo, depois disso? Ou você perdoou?
R – Não. Depois de muito tempo eu fui entender. Porque é uma coragem também, em primeiro lugar, você tem que saber controlar o medo e controlar você mesmo de forma a você não se apavorar. Você tem que saber lidar com as situações... Então, eu aprendi isso: lidar, segurar o fôlego, ter uma capacidade de sobrevivência na selva. Aí, depois, muito tempo, eu comecei a entender isso porque os mais velhos falavam assim: “Se, de repente, o homem branco chegar lá?” Porque, na época, era pré democracia que nasceu, porque até então era perigoso, por isso que a gente era expulso, né? Na época da ditadura militar chegava: “Aqui é fulano que vai morar, aqui é nossa área, vocês têm que procurar outro lugar”. Não tinha diálogo. Eles falavam: “Se um dia os brancos chegarem e matar todos nós, se sobrar só você, só, como você se viraria?” Então, preparava o jovem, na época, já pensando nisso, né?
P/1 - Então, essa preparação, por exemplo, é para a coisa dos brancos, mesmo?
R – Isso.
P/1 – Uma coisa que o guarani desenvolveu pra sobreviver aos brancos?
R – Isso. Exatamente.
P/1 – E como é que era esse contato? Você tinha muito contato com os brancos ou você vivia mais só entre os guaranis?
R – Durante muito tempo, acho que até dez anos, eu não falava português. Depois que eu comecei a falar, a desenvolver um pouco, porque eu conheci uns garotos da minha idade, que eram filhos dos caiçaras, né? Então, com eles que eu comecei a me comunicar, eles me ensinaram algumas palavras, eu também ensinava algumas palavras e assim por diante. A gente teve essa comunicação. Interessante que também tinha o Guarani Mbya da minha aldeia que também sabia ler e escrever um pouco. Então, ensinava a escrever. Falava: “Você tem que aprender isso, esse é o código”. Não falava ‘escrita’, eles falavam código. São os códigos que homem branco tem pra se comunicar. Então, é uma escrita, digamos assim, tipo quando está escrito aqui, você olha assim, são códigos. Não é uma escrita. Então, você tem que saber decifrar o código.
P/1 – Como assim?
R – É o código. Por exemplo: meu nome é Carlos. Coloca o Carlos. Carlos está escrito lá, mas é o C, são começos do código, são códigos, entendeu?
P/1 – Tem uma escrita guarani?
R – Escrita guarani nunca teve, mas só teve o gesto. Gestos são códigos. O olho, a expressão. São coisas deixadas no chão ou você, quando anda na selva, se pegar um galho e torcer pra sua frente e quebrar e deixar pra sua frente, é um sinal que você foi e estará... pode seguir. Pode me seguir, digamos. Agora, você torcer pra trás é um sinal que não me segue. Estou indo sozinho e não me segue. Então, a pessoa que já sabe: “Não é pra você ir. Não pode”. Ou então você fechar, é um sinal que você foi caçar sozinho e está fechado, não pode seguir, pode atrapalhar a caça. Agora, você torcer pra cá, pode seguir que eu vou estar esperando lá na frente. Então, são os códigos (risos) que os Guarani Mbya tiveram muitos anos. Se colocar um galho cortado desse jeito, pra cá, fala assim: “Não segue pra lá, porque tem perigo. Há um homem branco lá na frente ou tem acampamento de homem branco”. Quando se torce assim é um acampamento. Cruzado, assim, tem um acampamento por ali, então melhor voltar.
P/1 – E como eram ensinados esses códigos pra vocês?
R – São os mais velhos que ensinam como sobreviver. Então, quando é amarrado, um cipó, pendurado um cipó na forma de um X, é sinal de que, na frente ou naquela região tem bastante caça. Pode entrar, que ali você pode caçar. E, se tiver só um cipó amarrado, aí também está escasso pra caça, não pode. Então, não adianta ali, porque por lá está escassa a caça, não pode. E quando o cipó é feito como um filtro do sonho, mas não tem nada de teia, só o círculo amarrado, significa que o tempo de caça acabou. Não pode mais caçar. Então, tudo isso a gente sabia.
P/1 – Como é que você diferenciava, por exemplo, nos galhos, quando era alguém que tinha feito ou era a própria natureza, o vento, que cruzou, assim? Como é que dá pra perceber a diferença?
R – Dos códigos?
P/1 – É.
R – Depende porque, assim, é por isso que você tem que viver dentro na selva, pra você compreender, porque na teoria parece que é tudo fácil, mas não. Você tem que viver e compreender isso, pra sentir. E, a partir do momento que você vive com aquilo, se torna fácil, se torna sua casa, o ambiente onde você vive se torna compreensível. Você vai pegando e juntando e se torna... não é mais segredo. Se torna fácil dentro de uma natureza. É complicado falar: “O código é assim”, né? Mas é interessante que tem que viver pra compreender na prática.
P/1 – Você ouvia muitas histórias quando você era pequeno?
R – Eu ouvia muitas histórias sobre o sol e a lua, eu ouvi muito sobre os pássaros, tatu, os animais e também como são os deuses, como deuses criadores da Terra, do mundo, nasceram. Então, tem várias histórias que são interessantes, assim, na época. Hoje o jovem não consegue mais parar e ouvir porque tem celulares, tem computadores, televisão e, na televisão, passam jornais ou futebol ou novela, várias coisas. Então, o jovem não tem mais tempo pra ouvir as histórias, né?
P/1 – Mas na época, lá, não tinha?
R – Não tinha televisão, não tinha nada de tecnologia. Só tinha, de tecnologia, na época, na minha infância, radinho de pilha pequenininho.
P1 – E qual foi a primeira vez que você lembra de ouvir uma história? Onde ela aconteceu? Acontecia na casa de pedra, no fogo? Tenta lembrar, descrever mesmo como é que acontecia.
R – É que as histórias, às vezes, é engraçado, porque não são contadas exatamente só pelo mais velho. São contadas também com crianças da minha infância, porque ouviam muitas histórias e então a gente se reunia e falava assim: “Dessa vez a gente vai na casa do fulano pra ouvir as histórias, porque um amigo lá, Juninho, vai contar”. Então reunia todo mundo e ia na casa dos outros e ficava lá. E aí era interessante que, às vezes, pra ficar lá todo mundo junto, só as criançadas, né, os mais velhos ficavam contando as histórias. Meu pai ou minha mãe ou meu avô contam história do grilo, por exemplo: “O grilo não sabia cantar, não sei o que”, vai falar como que o grilo chegou a aprender a cantar. Então, a história do grilo que não sabia cantar. Então, todas as crianças se reuniam e a própria criança contava a história e a gente ficava prestando atenção do amiguinho contar. Aí, depois, terminou, fala: “Alguém sabe contar?” Aí o outro fala: “Eu sei contar”. Aí vai falar do macaco. “Alguém mais?” “Eu sei contar, porque meu pai, minha mãe contou uma história de um jacaré”. Aí vai contar da história do jacaré. E, quando vai ver, todo mundo já dormiu, todo mundo já amanheceu e assim em diante. Aí acaba a história e todo mundo vai embora pra casa.
P/1 – E ela acontecia, tinha alguma ligação com o fogo?
R – Tinha. Tem que ter um fogo em volta. Então, a gente ficava em volta, ouvindo as histórias.
P/1 – Você lembra de você contar também?
R – Lembro. Eu era mais que contava histórias. (risos) Eu não queria perder, não. Ele sabe, eu também sei. Então, tinha esse duelo: quem sabia, mais, contar história entre jovens, né? Porque, na época, saber contar história dos mais velhos e contar bem, era um sinônimo de um menino inteligente. (risos) De um menino que está se preparando pra ser guerreiro. O menino que está ali, levando a sério, ou menino que tem um bom comportamento. Então, a gente tinha esse duelo, né, de que tem que saber contar, saber ter o domínio das pessoas que estão em volta. Fazer as pessoas ou crianças que estão em volta ouvirem e prestarem atenção. Sentir que você, através da sua história, hipnotiza as pessoas, deixa as pessoas prestando atenção. Então, você sentia, não sei, à toa: “Nossa, eu consegui prender todo mundo com a minha história”, né? As pessoas que estavam em volta prestaram muita atenção... Quer dizer: eu tenho uma boa lábia”. (risos) Então, a gente levar essas considerações.
P1 – Você lembra algum aprendizado que você teve pra vida, né, ali na aldeia, que uma história que ensinou?
R – Aprendizado você tem que se contentar com poucas coisas. Isso eu aprendi de forma, assim, quando, pela primeira vez, fui fazer armadilha. E eu fiz uma armadilha pra pegar uma paca. E com muita dificuldade porque, pra pegar a paca, você tem que trazer uma madeira pesada e então eu tinha o quê? Catorze anos, mas eu não tinha muita força ainda, aquela força de homem adulto pegar uma árvore, uma tora e preparar armadilha, fazer um mondéu, por exemplo. E com muita dificuldade, levei três dias pra fazer, com muita dificuldade, sozinho e também não queria pedir ajuda pra ninguém, queria eu fazer. Então eu fiz essa armadilha com muita dificuldade, levei três dias, coisa que um homem adulto faria em um dia. Nem um dia. Umas três, quatro horas, faz. Então, eu levei três dias. Consegui fazer, aí coloquei umas pedras em cima da madeira pra ficar pesado, mesmo. Levei 15 dias pra pegar uma paca. Levei 15 dias. E aí, depois que eu peguei uma paca dentro da armadilha, pra tirar de novo a armadilha, tive que tirar as pedras, uma por uma, depois pegar a madeira e erguer, com muita dificuldade. Aí, não conseguia erguer, o que eu fiz? Desmanchei toda a armadilha pra pegar de novo essa paca que estava, dentro, presa, já morta, porque a madeira que cai em cima prende e não consegue ter o ar, né? Então, prende à compressão. Então, a paca já estava morta. Então, eu destruí a armadilha, peguei a paca, levei onde eu morava, cheguei lá, a família toda feliz: “Legal, hoje a gente vai comer paca! Que legal!” Minha mãe falando: “Foi meu filho que pegou”. E eu ficava todo orgulhoso, né? “Foi meu filho que pegou”. Minhas irmãs: “Meu irmão pegou a paca”. Então, reuniu toda aquela tribo, toda a comunidade dali, pra comer a carne que eu peguei. Então, fizeram preparação, cozinharam, trouxe banana verde, aquela coisa. Eu falei: “Nossa, hoje eu vou comer até dizer chega”, né? Tá. Chegou o momento do banquete. Eles não me deram. Aí eu fiquei olhando: “E eu?” “Não, você não pode”. “Como não? Foi eu que cacei”. “Não, você não pode”. Eu fiquei morrendo de vontade e agora eu vou sentar e vou... não, não pode. Aí eu fiquei olhando as pessoas comendo, felizes e eu lá me corroendo, né? (risos) Aí eu falei prum mais velho lá, quietinho, comendo, com muita dificuldade, aí eu falei pra ele: “Por que vocês não me deram? Por que não pode eu comer? Que mal tem? Eu só ia comer um pedacinho só, também não ia pegar bastante carne pra eu comer, ia pegar um pedacinho só”. Aí o mais velho, com muita dificuldade, falou assim: “Você é guerreiro, você pegou essa caça pela primeira vez e quando um guerreiro que pega uma caça pela primeira vez, não pode comer. Você tem que mostrar que o guerreiro vai caçar pra sustentar as aldeias. E o guerreiro tem que se preocupar com as pessoas primeiro, servir o banquete primeiro. E aí você vai esperar agora o próximo guerreiro que pegar e você vai se deliciar com o banquete do outro. Mas no seu banquete não pode. Isso vai acontecer três vezes, depois de três vezes, aí você pode comer o seu próprio banquete”. Eu fiquei muito tempo sem entender porquê que é isso. Então, existe regra, né? A pessoa que pegou primeiro não pode comer. Pode comprar. Não, tem que servir os outros primeiro. Ele pode comer outra coisa, mas não as coisas que ele trouxe. Essa é a nossa cultura. Então, ficou isso muito forte em mim. Porque com muita dificuldade eu fiz, ainda com muita honra eu trouxe: “Agora eu vou mostrar pra galera, quer dizer, para os meninos, eu vou mostrar pra aldeia inteira, virei adulto. Virei guerreiro de verdade. Consegui, né?” Então, é uma forma também de quebrar a vaidade. Uma forma de quebrar esse dizer: “Eu sou bom”. Então, eu entendi isso. Isso é uma educação: então você tem que ser humilde. Seria uma forma de ser humilde que você trouxe a caça e serviu as pessoas, você não comeu. Então, é uma educação que você vai levar isso pelo resto da vida. Então, não é uma forma assim: “Eu consegui. Eu consigo, tá vendo? Só eu consigo e vocês não conseguem”. Não é isso. É pra quebrar isso. (risos) Isso é uma lição tremenda de vida que eu consegui compreender.
P/1 – Eu queria te perguntar: essa, pelo que você conta, é uma iniciação já, de conhecimento, mas você teve alguma primeira iniciação, mesmo, como se fosse algum batismo, alguma coisa?
R – Pra ter conhecimento espiritual, tem que ser já de jovem começar a praticar. Então, quando tinha 14 anos, eu comecei a praticar fumar o cachimbo. Mas somente na casa de reza. Então ia, sentava e buscava algum sinal. Digamos, algum vulto espiritual. Mas eu nunca conseguia. E aí, um dia, meus avós falando dentro da casa de reza, que o espírito conversa, o espírito dá o sinal, o espírito... falou várias coisas, como o espírito se aproxima das pessoas. Então, eu começava a buscar esse lado de como era sentir o espírito e eu nunca consegui sentir nada. Eu ia na casa de reza, procurar como faz a cura, ficava analisando, mas ele sempre falava: “A pessoa tem que ter dom, mas todas as pessoas têm uma capacidade de ser líder espiritual, desde que busque”. E aí eu buscava, né? Eu quero ser líder espiritual também, pra poder materializar doença, conhecer as plantas, enfim. Mas eu nunca consegui. Então, isso durou quase a minha vida inteira, assim. E eles sempre falaram: “Se você buscar, vai haver tempo, vai haver um dia. Menos espera, você vai estar nesse caminho. Não precisa desesperar, vai chegar”. Aí eu percebi que, pra mim, meio que não estou sentindo nada e falei: “Não consigo compreender esse mundo espiritual”. Então, a partir dali, eu comecei a buscar até os 20 anos esse mundo espiritual, mas também, claro, eu estudava, escrevia. Falei: “Será que é por causa que eu estou na escola? Será por causa disso que não estou conseguido ter esse contato espiritual forte?” Bom, nada, não tive resposta. Aí comecei a vir pra cidade, fiquei oito anos aqui na cidade e, mesmo assim, buscava, toda noite, tinha um cachimbinho pequenininho, ficava fumando, nada. E aí o meu pai chega a falecer. Minha mãe também. Eu fiquei só. Meu vô foi embora antes, pra outra dimensão. E aí chegou o dia do batismo e tinha uma casa de reza que meu pai deixou e aí eu fiquei desesperado. E agora? Todo mundo vai chegar e todo mundo me olhando: “E aí? Você não vai fazer nada? Você é o filho do grande pajé. O que você vai fazer?” E aí eu falei assim: “Bom, eu acho que eu vou chamar o meu tio, que é o Zé Fernandes, pra fazer o batismo. Não pode passar em vão, todo ano meu pai sempre fazia e todo ano enchia a casa de reza. E eu vou chamar o meu tio pra fazer a passagem de batismo, dar o nome, reconhecimento, nome espiritual pras crianças”. Eu vim, conversei com ele: “Vai ter o batismo, meu pai foi embora, não vai ter mais. Então, a casa de reza está lá, eu queria tanto que você fosse lá dar um nome pras crianças, que precisam receber o nome”. E meu tio topou: “Tá, vamos lá!” Chegou o dia da cerimônia, meu tio chegou, fez a cerimônia, eu fiquei muito feliz. Bom, finalmente eu consegui que meu tio viesse fazer o reconhecimento do nome espiritual e uma cerimônia foi a noite inteira. Ótimo. Tá. Aí chegou o outro ano de novo, eu falei: “Vou ter que ir lá de novo falar com meu tio, vir de novo”. Aí meu tio veio de novo. Mas só que toda noite eu ia lá fumar meu cachimbinho, ficava lá, aí, nesse dia, meu tio falou assim: “Como que você está? Está se preparando pra o seu dia chegar? Porque vai chegar o momento que eu não vou poder mais vir. E quem vai tocar é você. Está se preparando pra isso?” Eu falei: “Não. Na verdade, tem bastante pajé que estão iniciando. Tem bastante pessoas aqui”. Aí ele falou assim: “Não. O problema é que é seu pai. Você tem que seguir a linhagem do seu pai. Os outros são os outros. Você é você”. Aí eu falei assim: “Mas eu não estou recebendo nada. Nenhum espírito vem conversar comigo”. Aí ele falou assim: “É que você está preocupado com coisas que podem vir a conversar com você. Você não está aberto. Você tem que estar aberto”. Tá, eu ouvi aquele ‘estar aberto’, tá bom, tá, ótimo. Aí, passando de novo, quase chegando de novo o dia da cerimônia, eu comecei a pensar de novo: “Quem pode vir agora? Porque meu tio falou que vai chegar o momento de que não vai poder vir mais. Eu acho que eu vou ter que procurar outros pajés pra vir aqui em casa, pra fazer cerimônia de reconhecimento de nome. Mas primeiro vou ligar pra ele”. Aí eu liguei: “Então, dessa vez pode vir de novo?” Aí ele falou assim: “Então, infelizmente dessa vez não vou poder ir porque você tem que procurar outros pajés. Eu tenho que fazer uma cerimônia na outra aldeia e lá não tem pajé. Então, eles estão me convidando pra ir lá. Então não vai dar tempo de eu voltar e fazer cerimônia aí na sua casa de reza”. Aí fiquei desesperado. E agora? E todo mundo me ligando: “Vai ter o batismo?” Eu falei: “Vai ter”, né? (risos) Aí eu comecei a chamar outros pajés pra vir fazer o batismo. E, nesse dia, por incrível que pareça, não apareceu ninguém. E a casa lotada. E aí eu fiquei muito desesperado. Falei: “Nossa, e agora?” Não aparecia nenhum pajé. E aí a Cristine fala assim: “Papa, tenha força. Agora é sua vez”. Eu falei: “Minha vez? Como assim minha vez?” “Não, se concentra, vai. Se concentra que vai dar tudo certo”. E aí eu entrei na casa de reza e aí apareceu o pajé dali mesmo, que é o Gino. Aí eu vi assim o Gino sentado ali, falei: “Pajé Gino, você veio! Que bom!” Eu fiquei tão feliz, né? “Então é você que vai dirigir a cerimônia”. Aí ele falou assim: “Não. Eu vim na sua cerimônia. Quem vai fazer a cerimônia é você. Eu vim aqui só pra te dar apoio”. Então, eu comecei, falei assim: “Bom, já que é assim, eu vou ter que fazer força”. Aí comecei a fumar o cachimbo, fiquei lá, fiquei, fiquei, fiquei, fiquei, não me levantei pra nada e falei: “Bom, o espírito vai me guiar. Agoira ele que vai saber, porque eu não sei”. Chegou meia noite, quando eu fui ver, eu estava com o olho fechado, fumando e aí a Cris falou assim no meu ouvido: “É meia noite”. A Cris falou pra mim, bateu no meu ombro, assim: “Meia noite. Está na hora. Vai começar”. Aí, quando eu olho assim, está cheio de vela feita de cera acesa, já. Tudo preparado. Aí eu olho assim e aí eu chamo a Cris e falo: “É meia noite, mesmo?” Aí a Cris: “Não sei. Acho que vou ver a hora”. Foi lá, voltou: “Já é meia noite”. “Ué, mas não foi você que veio falar comigo?” “Não. Eu estou aqui. Todo mundo está esperando o momento”. Aí que eu percebi que não era nada de Cris que veio falar comigo é algo que veio. Aí me deu um arrepio, eu falei: “Nossa!” (risos) Aí eu levantei, chamei as pessoas pra se posicionarem, aí fiz uma reza. Nesse dia a primeira vez que eu falo uma reza. Comecei a reza, quando comecei a rezar, aí veio tudo: milhares de pessoas eu vi, pássaro voando chuuuuu, cachoeira raaaaaa. É um filme passando na minha cabeça, assim, no meu cérebro, passando tudo, um monte de águia, eeeeeeeeeeeeeeeeaaaaaa, cigarra, cachoeira, vento, tudo. Aldeias e aldeias, os mais velhos, vi meu pai, minha mãe, meu avô, tudo, assim. Aí, quando fui ver, já estava fazendo, dando nome, já. Foi assim que aconteceu. Então, quer dizer: foi assim automática, eu estava preparado, mas eu não sabia, com essa coisa de não acreditar em mim: “Sou apenas eu, não tenho condições, eu não vou fazer porque não estou apto pra isso”, sabe? Só negando eu mesmo. Eu já estava pronto há muito tempo, mas a negação minha era tão forte, que eu não enxergava isso. E a partir daí que nasceu de encontrar o mundo espiritual.
P/1 – O que você viu, nessa visão?
R – Eu vi muitos pássaros voando, vi muita gente como você entrar no 3D. Então, a partir dali... quando você vê, você está todo suado, todo molhado. Aquela temperatura intensa e você vendo isso e você não está ligado, você não se liga que você está molhado, está suado, pegando fogo. Você está ali, concentrado numa coisa que você está vendo. Você ouve tudo: pássaro cantando, águia voando, gente falando. É muita coisa, assim. E nessa hora você vê as crianças se apresentar: “Meu nome... eu vim de Poente, eu vim de Dort. Um monte de gente falando, as crianças se apresentando, o nome: “Meu nome tal. Eu fazia antes isso, isso e isso. Por isso que meu nome é tal”. Então, o espírito da criança se apresenta como tal. E aí, quando você vai ver, já está na frente de uma criança e já está dando nome: “Seu nome, você veio de tal lugar, você pertencia a esse tal lugar e seu nome é tal”. Então você vai passando para o outro e aí você já sabe tudo, porque o espírito já falou, já se apresentou. Então, você só está passando as informações. Só isso. Uma coisa, assim, inexplicável. Eu não consigo imaginar como eu cheguei a esse momento.
P/1 – Vamos fechar com essa. Ia falar só com você, que você é poeta, se você quer improvisar alguma coisa, uma poesia, pra gente fechar.
R – Primeiro quero falar uma prece que eu faço na minha língua. Quando eu acordo sempre falo isso. E quando é entardecer, quando eu vou dormir, também falo. Eu digo assim:
R - “O dia me fez acordar. Desse esforço de pupila que eu levanto pra ver o dia amanhecer, se tornará de forma sagrada e essa sagrada se torna para todos. Se eu acordar agora, eu vou sentir os meus passos fazendo barulho e que isso se repita por muito e muito tempo, pra continuar encontrar meus amigos e minhas amigas vento, floresta, água, tudo que está em volta é responsável de ouvir o som dos meus passos e, através do som dos meus passos, eu vou encontrando meus amigos, minhas amigas, preparado pra se expressar e conseguir roubar o seu sorriso. Esse sorriso se tornará pra que coisas boas se repetem durante os meus passos e esses passos também vão servir para o outro. E assim esse dia se tornará maravilhoso, porque o dia maravilhoso depende da minha fala e do meu sorriso. E esse sorriso também vai depender desse tempo bom e o tempo bom se torna mais fácil e mais suave e assim vou caminhando. Que esse caminhar me traga a sabedoria e o sentimento e o amor no coração. E você, que é tempo, que me rege, que me leva, até mesmo no caminho pra me envelhecer, esse tempo é responsável da minha vida e você, senhor do tempo, com certeza vai me oferecer todo dia um bom caminho, pra me saciar todo dia, pra me envelhecer feliz”.
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