P/1 - Consuelo Montero
P/2 - Débora Querido
R - Nivaldo Feliciano dos Santos
P/1 – Nivaldo, nós vamos começar com umas perguntinhas... Em primeiro lugar, o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Nivaldo Feliciano dos Santos. Minha data de nascimento: 08 de setembro de 1949, no município de Rio Largo, Estado de Alagoas.
P/1 – Você poderia me dizer o nome dos seus pais?
R – Minha mãe chama-se Maria José Feliciano dos Santos e meu pai, José Viana dos Santos.
P/1 – E o dos avós?
R – O meu avô por parte de pai chamava-se Antônio Viana dos Santos e a minha avó, Filomena Viana dos Santos. Meu avô por parte de mãe se chamava Miguel Feliciano e o nome da minha avó por parte de mãe, Venância Feliciano.
P/1 – Onde você foi criado?
R – Eu saí do Estado de Alagoas com três anos de idade. Meu pai tinha como profissão torneiro mecânico; aí ele foi pra Recife, ficou dois anos em Recife... Eu cheguei no Rio de Janeiro com cinco anos de idade.
P/1 – E veio só pai, mãe e filho? Irmãos?
R – Eu sou o único filho, sou filho único.
P/1 – Não tem irmãos nem irmãs?
R – Nem irmãos, nem irmãs.
P/1 – E a sua mãe, tinha alguma atividade profissional?
R – Não, minha mãe sempre foi doméstica.
P/1 – Doméstica... Você foi paparicado?
R – É, (risos) fui paparicado.
P/1 – E o ambiente que você morava, então, aos três anos - você não vai lembrar muita coisa. Veio pro Rio, então...
R – É, vim pro Rio. Vim pro centro do Rio, no bairro chamado Osvaldo Cruz. Faz parte do grande Rio, né? Aí morei parece que uns dois anos, depois meu pai comprou um terreno no município chamado Nova Iguaçu, que é mais afastado do centro. Meus pais estão lá até hoje. Eu passei toda a minha infância e parte de juventude nesse município, até os 23 anos, quando eu casei. Aí eu me...
Continuar leituraP/1 - Consuelo Montero
P/2 - Débora Querido
R - Nivaldo Feliciano dos Santos
P/1 – Nivaldo, nós vamos começar com umas perguntinhas... Em primeiro lugar, o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Nivaldo Feliciano dos Santos. Minha data de nascimento: 08 de setembro de 1949, no município de Rio Largo, Estado de Alagoas.
P/1 – Você poderia me dizer o nome dos seus pais?
R – Minha mãe chama-se Maria José Feliciano dos Santos e meu pai, José Viana dos Santos.
P/1 – E o dos avós?
R – O meu avô por parte de pai chamava-se Antônio Viana dos Santos e a minha avó, Filomena Viana dos Santos. Meu avô por parte de mãe se chamava Miguel Feliciano e o nome da minha avó por parte de mãe, Venância Feliciano.
P/1 – Onde você foi criado?
R – Eu saí do Estado de Alagoas com três anos de idade. Meu pai tinha como profissão torneiro mecânico; aí ele foi pra Recife, ficou dois anos em Recife... Eu cheguei no Rio de Janeiro com cinco anos de idade.
P/1 – E veio só pai, mãe e filho? Irmãos?
R – Eu sou o único filho, sou filho único.
P/1 – Não tem irmãos nem irmãs?
R – Nem irmãos, nem irmãs.
P/1 – E a sua mãe, tinha alguma atividade profissional?
R – Não, minha mãe sempre foi doméstica.
P/1 – Doméstica... Você foi paparicado?
R – É, (risos) fui paparicado.
P/1 – E o ambiente que você morava, então, aos três anos - você não vai lembrar muita coisa. Veio pro Rio, então...
R – É, vim pro Rio. Vim pro centro do Rio, no bairro chamado Osvaldo Cruz. Faz parte do grande Rio, né? Aí morei parece que uns dois anos, depois meu pai comprou um terreno no município chamado Nova Iguaçu, que é mais afastado do centro. Meus pais estão lá até hoje. Eu passei toda a minha infância e parte de juventude nesse município, até os 23 anos, quando eu casei. Aí eu me mudei pro Méier, pra esse endereço, na Rua Almirante Calheiros da Graça, 53, onde eu estou.
P/1 – Como é que era o ambiente da sua infância, algum fato marcante? Você, filho único...
R – Olha, eu mesmo sendo filho único, tive uma infância muito levada, né? Eu me lembro que a minha mãe... Vira e mexe, chegavam pessoas reclamando no portão que eu era muito levado - eu dava muito trabalho. Isso eu me lembro, realmente, né? Mas, sempre, em termo de estudo eu nunca tive problema, assim, no colégio, em termo de ficar dependendo de nota pra passar, né? Tinha essa questão do meu comportamento bem extrovertido; eu sempre era considerado, não um bom aluno, mas um aluno regular.
P/1 – E era meio período, a escola?
R – Era meio período. Eu sempre estudei em escola pública. O meu pai, quando ele veio do Nordeste, no caso, veio de Recife pro Rio, ele não conseguiu emprego de torneiro – ele foi trabalhar com um primo numa fábrica de chaves, aqui no centro da cidade, na Rua do Carmo. Então nós tínhamos uma vida; eu me lembro que a gente tinha uma vida não tão sacrificada, mas era uma vida que era bem controlada. Eu não via meu pai sair e chegar, também. Então isso me marcava muito. E eu já com 14, 15 anos, queria trabalhar [e] meu pai falava que não: “Você tem que estudar, tem que estudar...”.
P/1 – Ele tinha alguma preferência? Ele já tinha algum interesse, imaginava um futuro pra você?
R – É... Ele queria muito que eu fizesse uma carreira militar, né? Aí eu me lembro que eu com uns 17 anos de idade, já tava iniciando o Segundo Grau, né? Eu fiz prova pra Aeronáutica, pra Cadete do Ar, aí passei em todas as provas, mas, não sei porque cargas d’água, eu fui eliminado num setor médico. Falaram que eu tinha um desvio na coluna e aquilo me deixou muito decepcionado. Meu pai como não tinha recurso, na época, conhecimento pra recorrer a um advogado ou coisa parecida; então, aquilo me marcou muito, né? Que era uma coisa que eu gostava, de ver avião passando... E eu tinha em mente que um dia eu ia pilotar um avião daqueles. Aí, eles marcaram pra eu pegar o certificado de reservista, da segunda categoria, que chamam, né, quando a gente não serve, e eu não fui buscar... E, quando tava na véspera de fazer 18 anos, eu me inscrevi sem nem os meus pais saberem, na, [para ser] Paraquedista. Aí eu fiz todas as provas de novo... Mas o Paraquedista era um setor normal, igual servir ao exército, igual servir à Aeronáutica, sem cargo nenhum, né? É um soldado realmente. Mas tinha todas as provas. Fiz na Aeronáutica, a Cadete... Tinha um exame rigoroso, também, porque tinha que ser um paraquedista, tinha que ter o corpo inteiro, um físico perfeito. E eu passei em todas as provas. Aí eu cheguei pra minha, falei assim: “Oh, mãe, eu vou ser paraquedista”. Aí a minha mãe quase morre. Falou: “Meu filho, você vai saltar do avião, não sei o quê”. E eu servi na, [fui] Paraquedista durante o tempo que tem que servir: um ano. Depois me convidaram pra continuar, mas a vida de soldado não era aquilo que eu queria. Aí eu saí da, [parei de ser] Paraquedista e concluí um curso técnico.
P/1 – Técnico? O curso?
R – Técnico Mecânico. Aí eu fui pra indústria.
P/1 – Mas a gente vai voltar um pouco mais pra infância, ainda. Vamos explorar um pouquinho mais. Você era levado? Desenha um pouco esse menino levado pra gente.
R – Desenhar um pouco o menino levado...
P/1 – Quebrava a vidraça do vizinho?
R – Não, fazia isso não. Eu gostava muito de madrugada vir desligando a luz das casas de todo mundo. A gente chegava assim no relógio e vinha desligando, deixava o bairro todo na escura.
P/1 – Dava pra desligar?
R – É, o relógio fica assim... A gente vinha desligando. Até que um dia um cara ficou com um vizinho lá, ficou acordado, disse: “Eu vou descobrir quem é que faz isso”. Não deu outra. Claro que ia descobrir.
P/1 – E era um bando de gente ou você fazia as coisas sozinho?
R – Não, não... Normalmente, era eu mais umas duas ou três. A gente vinha de baile - eu gostava muito de baile, né? Eram as coisas que eu fazia, assim...
P/1 – Você se sentia seguro? Era uma cidadezinha...
R – Era... Era onde eu fui criado. Hoje as coisas mudaram bastante, né? Mas eu me sentia seguro. Eu saía de madrugada, chegava de madrugada, nunca tive problema de; sem o risco de assalto, de nada disso.
P/1 – E na vida escolar, você teve algum fato marcante, algum professor que te plantou uma sementinha pro futuro?
R – Se eu for contar as inúmeras vezes que eu fui colocado pra fora de aula, as inúmeras vezes que meu pai ou minha mãe tiveram que ir lá pedir pra renovar a matrícula, porque era na escola pública, né? Eu vou ficar contando o dia todo aqui.
P/1 – E os professores?
R – Eu era bem extrovertido. Então, eu fazia as minhas; como todo adolescente.
P/1 – Não teve nenhum professor que já te conduziu? Algum livro que você tenha lido? Ou alguma conversa que você tenha tido com pessoas mais velhas que já te conduzissem pra uma carreira, um modo de vida?
R – Não, eu me lembro que tinha um inspetor – eu já tava no Ginásio –, e esse inspetor me acompanhava desde o Primário. Naquela época, era o Primário, agora nem sei como é ele se chama - muda tanto.
P/2 – Fundamental.
R – E ele me falava: “Ô, você tem que tomar um rumo na tua vida! Você só vive aqui, na sala, na secretaria, de punição. Você já tá com 14 anos de idade, tem que tomar um rumo, rapaz. Eu tô cansado de chamar teus pais aqui”. E aquilo entrou na minha mente. A educação, no caso, há 40, 50 anos atrás – eu já tô com 62 anos de idade – era muito mais difícil do que hoje. Antigamente, os colégios públicos eram muito concorridos. Os colégios particulares eram muito caros. Hoje são caros também, mas hoje você tem muito colégio público, em relação à minha época. Então, eu tinha uma grande preocupação, que eu não podia perder aquela oportunidade de estar no colégio público, porque o meu pai, naquela época, não podia pagar um colégio particular pra mim. Então eu botei isso na cabeça e consegui terminar o Ginásio, consegui terminar o Primário, o Ginásio, consegui fazer um curso Técnico. Sempre em escolas públicas. Não consegui chegar a um nível superior, mas tive a felicidade de escolher uma carreira que me (pausa) deixa relativamente cômodo, assim, financeiramente. Não que eu tenha uma vida regada, mas ficava ali na média.
P/1 – E, como é que foi entrar nesse curso técnico? Foi um modo de vida muito diferente?
R – Foi muito concorrido. Foi diferente, uma disputa muito grande. Muito grande mesmo.
P/1 – E quais eram as disciplinas, as matérias?
R – Eram Matemática, Física, Química, História, Geografia. Tinha tudo.
P/1 – Mas, como é técnico, era conduzido pra uma profissão?
R – Pra profissão de Mecânica, pra Área de Mecânica.
P/1 – E aí você concluiu o curso técnico...
R – Fiz o curso técnico, aí depois eu fiz um curso especializado em ferramentas – que é a minha área hoje, que é engenharia de manufatura. Agora eu trabalho num setor voltado pra ferramenta, pra desenvolvimento, pra facilidade de processo de fabricação.
P/1 – E aí, é como é que você vislumbrava o início de carreira profissional? Isso já...
R – É, quando eu me formei, eu fui trabalhar numa firma pequena, próxima a casa dos meus pais. Eu era solteiro ainda. Na primeira, eu trabalhei num banco – meu primeiro emprego foi um banco. Eu fazia um curso técnico e trabalhava no banco.
P/1 – Meio período?
R – Não, eu fazia o curso técnico à noite.
P/1 – Ah, você fazia o técnico à noite. E lá mesmo, onde você foi criado? Ou você teve que...
R – Isso. Eu trabalhava no banco, saía correndo pro colégio. E, depois apareceu uma oportunidade pra eu trabalhar numa indústria metalúrgica, lá perto de casa mesmo, e eu trabalhei de 70 a 73 nessa indústria.
P/1 – Como é que a White Martins apareceu na sua vida, assim?
R – A White Martins apareceu na minha vida; é muito engraçado, a White Martins, como ela apareceu. Nós tínhamos já três anos nessa fábrica, nessa indústria, em Nova Iguaçu, e nós não estávamos satisfeitos com salário. Eu já era desenhista, na época, e eram mais seis desenhistas. Tinham uns três projetistas, tinha um engenheiro-chefe - que era um austríaco, nosso engenheiro... Nós não estávamos satisfeitos com os salários, e reclamávamos do salário. O salário nunca aumentava, aí nós fizemos um trato entre nós, que nós, já para a próxima semana... "Vamos fazer o seguinte, vamos sortear – quem tirar a bolinha, quem sair na bolinha, vai procurar emprego segunda-feira." O jornal, vai sair os anúncios, e eu fui o primeiro a ser sorteado. “Então, Nivaldo, segunda-feira você não vem, você vai procurar emprego, vai procurar uma coisa melhor e vai chegar aqui dizendo que achou uma coisa melhor”. No domingo, eu comprei o jornal e separei três anúncios. Nesses três anúncios tinham: White Martins, tinha uma fábrica chamada Firestone, uma fábrica de pneus, em Nova Iguaçu, e uma fábrica de caixas d’água chamada Sano, que ficava no caminho da White Martins. Bom, aí eu falei assim: “Eu vou primeiro pra Firestone que é aqui em Nova Iguaçu, depois eu vou pra Sano, depois eu vou pra White Martins. Aí eu fui em casa, tomei um banho, tal... Então, a Firestone, que era próxima a minha casa, em Nova Iguaçu, o ponto do ônibus era muito longe, um sol quente, falei assim: “Puxa, não vou pra Firestone, não. Vou pegar logo um ônibus que tá aqui em frente, que vai pra Sano, [e] depois eu vou pra White Martins”. Aí eu entrei nesse ônibus, pra soltar na Sano... A Sano fica na Dutra e a White Martins fica no final da Dutra, praticamente. Só que eu dormi no ônibus, aí quando eu acordei, já tinha passado da Sano. Eu tava próximo da White Martins.
P/1 – É o destino.
R – É o destino. (risos) Tô lá até hoje. Aí eu saltei; e a White Martins, naquela época, já era uma fábrica que todo mundo falava assim: “Puxa, White Martins, gente!” e "Fulano trabalha na White Martins”. Já era um nome conceituado no mercado. Naquela época, nós já éramos absolutos na distribuição de gás, dessas coisas todas. Aí eu saltei na White Martins, na portaria, e me assustei com a quantidade de pessoas que tavam na portaria, por essa vaga - que era uma vaga só. Tinha mais de 100 pessoas. Eu falei: “Meu Deus do céu, vou sair daqui só na outra segunda-feira”. Aí vem, troca de currículos, documentação, essas coisas. Esqueci o nome da pessoa do departamento pessoal, na época. Aí, ele pegando as documentações, já começou a eliminar muita coisa: “Você não tá com o documento todo, você não tá com o certificado todo, você não tá com o diploma todo”. Aí, houve uma eliminação ali, rápido. Aí, as pessoas que restaram, nós fomos fazer... Aquela coisa que hoje não acontece: nenhuma grande indústria hoje anuncia no jornal. Hoje você envia um currículo... As coisas mudaram, né? Você imagina, a própria White Martins, se for anunciar no jornal hoje, vai fica uma multidão na portaria da fábrica. Então, a gente prefere enviar currículo, indicação, essas coisas todas. Aí eu fui pra uma sala, onde tive que fazer prova, naquela época, de Matemática, interpretação de desenho, fiz uma prova de Física, e depois tive que fazer um Psicotécnico. Eu disse: “Agora é que vão pegar mesmo, vão descobrir que eu sou doido”. Fiquei, passei em tudo. Aí, pediram pra eu aguardar, porque não podia dar resposta na hora, pois tinham outros candidatos que também foram bem sucedidos... E eu voltei pra essa firma que eu tava trabalhando e falei: “Olha, eu fiz prova na White Martins e tô aguardando a resposta”. Aí todo mundo: “White Martins? Puxa, aquilo ali é muito bom! Será que tu vai ser chamado?”. Aí eu fiquei naquela ansiedade, né, até que chegou um telegrama na minha casa.
P/1 – Telegrama, né? Naquela época...
R – Era telegrama. Na época, não tinha telefone na minha residência. Já existia telefone, mas não tínhamos telefone. Aí chegou um telegrama e eu corri direto pra White, de novo.
P/1 – O que é que fazia com que a White fosse aquela imagem que tinha de uma grande empresa, e boa pra trabalhar? Você era jovem? Que imagem era essa que você tinha de uma grande empresa, com a tua idade?
R – Era o que a gente via passar lá nas estradas, os equipamentos dela, os tanques, né? Eu tinha um vizinho que já trabalhava nela – que era caldeireiro, Walter. Era caldeireiro já na White Martins e ele era um dos amigos meus de infância, então ele me contava a história dele e falava sobre a estrutura da White Martins. Ele contava isso tudo pra mim. E tinha feito Senai, entrou lá como profissional, treinado, e eu escutava isso do Walter – ele hoje é falecido. Tinha a mesma idade minha. E aquilo foi na minha cabeça.
P/1 – E eles te chamaram?
R- Aí eles me chamaram. Eu tive que fazer uma outra prova, de que eu ia ser admitido como desenhista mecânico... Aí eu tive que fazer uma outra prova de desenho, lá na hora. Depois que eu fiz a prova o engenheiro... Pode dizer nome? Ou eu não preciso dizer nome, não, da pessoa?
P/1 – Fica à vontade.
R – Hoje eu me lembro... O supervisor da Engenharia, o Sérgio Uzêda, ele me chamou, falou assim: “Olha, você foi bem nas provas anteriores, mas nessa prova aqui, final, de interpretação de desenho, você errou”. E eu, no momento, falei assim: “Eu quero ver o erro”. Naquela época, se chamava de Doutor Sérgio. “Eu posso ver o meu erro?”, ele mostrou. Eu falei assim: “Doutor Sérgio, eu acho que o senhor tá equivocado, eu não errei não”. Aí ele disse: “Você errou sim!”. Eu disse: “Eu não errei”. Aí ele chamou um outro engenheiro, chamado Roberto Sicadi. O Roberto levantou da sala dele e veio, olhou e falou assim: “Ô, Uzêda, tu não sabe bem de desenho, não? Tu não sabe que o rapaz acertou?”, aí os dois ficaram discutindo. Eu falei: “Ah, meu Deus do céu, onde é que eu vim parar? Arrumei uma guerra”. Ficaram discutindo: “Ele errou”, “Ele não errou”. E eu sentado olhando, né? Falei: “Meu Deus do céu, o que é que vai sair disso?”. Aí, consegui, realmente. Chegaram à conclusão de que eu estava certo e o Uzêda seria o meu supervisor - como foi o meu supervisor. Então, essa é minha história de ingressar na White, no dia 16 de maio de 1973.
P/1 – Como é que foi o seu primeiro dia trabalho?
R – Meu primeiro dia de trabalho foi muito bom porque a White tem um método, até hoje... No primeiro dia de trabalho, você praticamente não faz nada. Você é apresentado ao setor, a todos os setores, à fábrica. Você passa o dia conhecendo, sendo apresentado: “Esse aqui é o Nivaldo, vai trabalhar no setor tal”. Aí que eu fui ver a estrutura da empresa, né? Aquilo me chamou atenção. Tinha um setor médico enorme, tinha um setor social – assistente social –, que eu botei na minha cabeça: jamais vou lhe dar trabalho. Uma assistente social que tinha lá... Não vou ser levado aqui de jeito nenhum.
P/1 – O que você pensou que você ia...? (risos) Parar lá.
R – Eu fiquei deslumbrado com a estrutura da empresa. Muito deslumbrado com o plano médico - uma coisa que a outra empresa dependia do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Eu fui pra White e tinha plano médico particular, tinha uma clínica particular, tinha um hospital particular, né? Então, fiquei encantado com aquilo tudo.
P/1 – E como é que era o cotidiano do seu trabalho? Dá pra você descrever um pouquinho o cotidiano?
R – É, quando eu cheguei na White, em 73, a White já fazia vaso de pressão, fazia tanques até seis mil galões - que a gente chamava TM - e ela tava iniciando o projeto de fazer essas carretas que transportam gás aí pela estrada. E eu fui contratado pra desenvolver todo o ferramental dessas carretas. Aí, um engenheiro de qualidade, chamado Manoel Santos falou: “Nivaldo, você veio pro setor de ferramentas, mas você tem o curso de ferramentas?”. Eu falei: “Eu não tenho”. Ele disse assim: “Vai ter uma prova do Senai agora; 15 vagas. Nós gostaríamos que você fizesse esse curso. Nós gostaríamos, inclusive, que você passasse”. Aí, lá fui eu me inscrever pra prova do Senai. Era um curso de um ano. E, quando eu cheguei no Senai, era muita gente pra fazer essa prova. Falei: “Meu Deus do céu, e agora?”. Aí eu tive a felicidade de fazer a prova e passar, e ser um dos 15 alunos da segunda turma de ferramentas que o Senai formou, naquele ano. Me formei em projetista de ferramentas. Me formei pelo Senai também, um curso de um ano, só específico de ferramentas. Todos os dias, de sete às dez. Eu saía de Benfica; eu chegava em casa quase meia-noite, porque eu morava em Nova Iguaçu e o Senai ficava ali perto da Mangueira.
P/1 – Você pôde ver já os resultados do curso?
R – Aí eu pude ver os resultados do curso na minha atividade, até hoje.
P/1 – Até hoje?
R – Até hoje. Porque eu tenho 38 anos de empresa, sempre atuando na área de engenharia de manufatura, que é a que envolve ferramentas. Eu comecei desenhista, depois passei pra desenhista projetista, projetista, projetista especial, e hoje exerço o cargo de Técnico Especializado em Projeto, que é um cargo do patamar máximo na área técnica na empresa.
P/1 – E você conseguia vislumbrar uma relação entre a White Martins como empresa e a comunidade? Você tinha que sair muito da empresa pra ver onde ela iria se instalar ou era um trabalho mais interno, intelectual...?
R – No início, era um trabalho mais interno. Depois, de uns 20 anos pra cá, eu passei a fazer parte da equipe de manutenção das plantas de oxigênio que existem nesse Brasil afora, que são mais de 30 plantas.
P/1 – E aí, você vai até o local?
R – Eu vou até o local. Eu também faço muitas visitas a outras firmas, também; prestadoras de serviço da White - que hoje a indústria não depende só dela. Hoje a White terceiriza parte do serviço dela, de algumas coisas que a gente monta na nossa fábrica, vai vir de fora. Então, você tem que acompanhar, tem que qualificar a pessoa... Não querendo puxar a sardinha pra White Martins, mas você vê muita diferença. A empresa White Martins tem uma preocupação muito grande, que a gente tem que tirar o chapéu: que é a segurança. A segurança na White Martins é um negócio impressionante.
P/1 – É? Me dá um exemplo. Um caso onde você percebeu a importância desse quesito como conceito importante pra uma empresa funcionar.
R – Um exemplo de um caso... Você, de maneira nenhuma, na White Martins, entra dentro do galpão sem estar com os EPIs (Equipamento de Proteção Individual) completos.
P/1 – Significa?
R – Significa: a porta, o capacete, o protetor auricular, os óculos... Você não entra. Você é chamado atenção por qualquer funcionário. E, quando sai pra um ambiente externo, você não vê isso tudo. Aí você se sente mal. Embora, quando eu saía pra um ambiente externo, eu levava todos os meus EPIs, mas aí, quando eu tô lá com os EPIs completos, que eu tô conversando com o pessoal – que não é da White, é da outra empresa – que não tá com aquele EPI, tá um ruído danado [e] ele tá sem o protetor, aí eu chego a falar: “Rapaz, você não tem pena do seu ouvido, não?”. Mas é cultura, né? Então, a White, pra vocês terem uma ideia, um simples arranhão num dedo, já é o bastante pra se parar uma seção e se discutir porque aquele funcionário arranhou o dedo. Um arranhão que não levou ponto, que não levou nada.
P/1 – Então, quando você diz segurança, é segurança de trabalho?
R – De trabalho.
P/1 – Porque tem várias maneiras de se encarar segurança. Por exemplo, segurança no funcionamento de um equipamento...
R – Que tá voltada à segurança do trabalho.
P/1 – Ah, tá, tem essa relação. E quando você faz a manutenção de uma ferramenta?
R – Quando eu vou fazer uma manutenção numa área que eu não conheço, a primeira coisa que a gente faz é fazer o reconhecimento da área. Como? Chama-se o Gerente da Área, pra nos mostrar os pontos de fuga, os pontos de encontro, onde está o extintor de incêndio, onde tem tudo. Essa é a primeira coisa que a White faz, pra depois nós termos noção do nosso trabalho, abrirmos um documento, discutirmos o trabalho e iniciar o trabalho.
P/1 – Me diz uma coisa: e o gás? Você tinha noção da abrangência da cadeia produtiva do gás?
R – Não, quando eu entrei na White, não.
P/1 – No processo de industrialização, no Brasil? E qual o impacto dessa cadeia produtiva na vida de cada um? Quando é que foi esse momento que você teve essa consciência? Nossa, o gás, o oxigênio, o argônio!
R – Me lembro que quando eu cheguei na White, o meu setor fazia máquina de solda, maçarico, tinha máquina de soldagem, e tinha a FEC - que é o setor que eu trabalho até hoje -, Fabrica de Equipamentos Criogênicos. Então, nós fazemos um tanque de capacidade de até seis mil galões, que é o TM6000. E, naquela época, nós, funcionários, já tínhamos orgulho de dizer a todo mundo que a White era absoluta no mercado. Houve um investimento, aí começaram uma obra no galpão do lado pra começar a fazer coluna de oxigênio, que antes nós trazíamos essas colunas de fora. Colunas criogênicas. E são essas colunas, hoje, que são o patamar forte da White Martins. A maioria das siderúrgicas do Brasil tem uma planta oxigênio da White Martins. Que eles chamam de "cold box". Então, aí que eu fui ver a importância da White Martins na área de gases, né? Porque ela investiu muito rápido no galpão e ela investe até hoje nesse tipo de equipamento, na FEC. Tivemos que expandir, tivemos que crescer, embora nossa área seja muito restrita, porque nós somos cercados por uma comunidade, né? A White tem um outro lado muito positivo, que é o lado social – depois a gente volta a falar do gás. Por exemplo, a nossa empresa é circundada por uma rua chamada Aricambu, mas essa rua praticamente não existe porque a comunidade invadiu essa rua. Mas a gente procura respeitar, procura ouvir. Tem um galpão lá que eu não trabalho à noite, porque eu não posso fazer ruído nenhum à noite, porque já me falaram: “Você não tá me deixando dormir”. Nós podíamos falar: “Mas foi você quem invadiu isso aí”. Não, a gente para, respeita - não trabalha à noite. Então, trouxemos a comunidade pra nós através de palestras, através de cursos. Nós temos uma escolinha de informática dentro da nossa fábrica que atende a comunidade. E, uma área de caldeiraria é uma área que você faz de tudo e faz muito barulho, então a gente conseguiu adaptar em outros galpões a dar continuidade ao nosso trabalho. Em termos de turno, né, porque hoje eu tenho uma demanda do mercado, tenho três turnos na fábrica. Eu começo às seis horas da manhã, num dia, e vou até às seis horas da manhã do outro dia, em três turnos.
P/1 – Vamos voltar a falar, então, das colunas. São colunas de separação de ar?
R – São colunas de separação de ar. Essas colunas, o que é que elas produzem? O oxigênio, o nitrogênio e o argônio.
P/1 – Então, voltando a falar de você, como indivíduo, se deparando com esse universo que não fazia parte do seu universo até então. Isso, nós estamos em que ano?
R – Isso deve ser início de 75, de 74 pra 75.
P/1 – O Milagre Econômico... Vamos tentar botar um pouco do Brasil aí, como é que isso impactava, esse processo de industrialização, Milagre Econômico. E aí vocês, como empresa, estavam num processo de crescimento.
R – De crescimento, né? Deixamos de importar o equipamento e fabricar aqui.
P/1 – Você sentia isso como...
R – Eu sentia isso como uma coisa altamente positiva. Profissionalmente, eu vibrava com aquilo. Me lembro que a primeira planta que nós tiramos do nosso galpão – esse galpão novo que foi construído, uma planta que foi pra Cabo, em Recife –, foi uma alegria total.
P/1 – Fala um pouquinho sobre esse projeto, o nome dele, o ano...
R – O ano era 1975, uma T60. T60 é que gera 60 toneladas de gás por dia. Hoje é uma planta pequena, não se faz hoje. Hoje, quando a gente fala em planta, a gente fala em planta de 900 toneladas, 500 toneladas. Mas foi a primeira planta que nós fabricamos totalmente na nossa fábrica. Claro que tivemos assistência de... Tivemos pessoas que foram pros Estados Unidos, alguns engenheiros foram pros Estados Unidos fazer curso. É uma tecnologia totalmente diferente daquilo que nós estávamos fazendo, que eram tanques e carretas, e aquilo foi se multiplicando.
P/1 – Porque a gente sabe aqui que em 1975 houve o início da produção de gases esterilizantes e gases especiais. Isso teve algum impacto sobre a sua atividade?
R – Não. Isso de gases especiais é uma unidade em Osasco. Não tínhamos terminado...
P/1 – Então, tua área era mais a siderurgia mesmo, né?
R – Isso. A minha área, veja bem, eu não produzo o gás, eu produzo equipamentos que vai armazenar o gás e o equipamento que vai gerar o gás. No nosso setor, nós fabricamos os equipamentos, que são os tanques, as carretas...
P/2 – Eu queria fazer uma perguntinha sobre a carreta: você tinha comentado que, em 70, elas começaram a desenvolver esse ferramental, né? Isso foi em...
R – Isso foi em 73.
P/2 – Que você tinha acabado, então, o curso do Senai. Conta um pouquinho desse processo, do teu desenvolvimento dentro [da] unidade de Cordovil, com as produções das carretas. Porque hoje, acho que quando a gente pensa em White Martins, pensa sempre em ver aquelas carretas nas estradas. E você entrou nesse período, então...
R – É, entrei nesse período. Entrei exatamente pra fazer o primeiro caminhão, que é o ST450. Hoje, a gente já pensa num equipamento que se transporte muito mais gás do que o 450. Hoje, geralmente, é só carreta mesmo. Os caminhões pequenos quase não são mais fabricados. E foi tudo diferente pra mim, porque é uma tecnologia diferente, né, uma tecnologia que você não aprende, assim, externamente; só no dia a dia mesmo, com treinamento, palestra [e] cursos internos, né?
P/2 – E você participou desses?
R – Eu participei desses treinamentos todos.
P/2 – E os seus colegas, como era essa relação com os colegas da unidade? Eles também estavam desenvolvendo?
R – Também desenvolvendo... O treinamento era geral, né? Todos focados naquilo ali. Era a primeira carreta, tinha que passar no teste, tinha que aprovar, aí gerava aquele... Tinha aquela tensão de dar certo, né, tensão dela ficar bonita, de ter um visual, sair bonita na foto - porque ia tirar foto, essas coisas todas. E, é uma pena que eu não achei essa foto, mas quando nós fizemos o primeiro caminhão, que nós testamos ele na fábrica, que funcionou, foi como se fosse uma festa, foi como se fosse liberar um navio no cais, só faltou quebrar um champanhe no casco do navio. Foi muito vibrante.
P/2 – Conta um pouquinho do dia desse lançamento.
R – É, o dia que nós terminamos o caminhão, né, aí ele foi pra um teste. Qual é o teste? De vazamento, de armazenamento – a gente põe um pouco de líquido dentro dele -, testa ele direitinho, roda com ele, vê se tem algum problema. Você recebe uma liberação dos órgãos do Estado, essa coisa toda, aí ele volta, bota etiqueta, bota tudo, pintadinho... Aí, o gerente reuniu e falou: “Olha, gente, fizemos o primeiro, dentro do cronograma, tivemos sucesso. Só tenho que agradecer a vocês que são os...”. Que é uma equipe, né, uma engenharia: são os soldadores, os caldeireiros, os cortadores, é o pintor, é o jatista - é muita gente trabalhando num equipamento só –, envolve muita gente. Nos reunimos em volta desse equipamento, tiramos foto, mas isso foi há trinta e alguns anos e eu não consegui achar essa foto.
P/2 – Essa teria sido a primeira conquista?
R – Essa foi a primeira conquista. Esse foi o primeiro desafio.
P/1 – E você lembra qual foi o primeiro cliente?
R – Não, porque o caminhão é nosso. A carreta é da White, ela só vende o gás pro cliente. Normalmente, os caminhões pequenos, por facilidade de deslocamento, abastecem os hospitais, os pequenos hospitais, e as carretas abastecem as siderúrgicas. Então, a gente não sabe qual é o cliente.
P/1 – E pra construção dessas carretas vocês dependiam do mercado de produção de aço?
R – Dependia da demanda do mercado. Exatamente.
P/1 – Como é que era essa relação?
R – Não, aí eu não tinha contato, porque isso aí já é o setor da Área de Marketing. Por exemplo, já chegamos a fabricar quase 100 tanques num ano, de vários tamanhos, mas aquele sai e a gente não sabe pra qual cliente que foi. Eles simplesmente saem da nossa fábrica, já é um produto de linha... O único cliente que a gente sabe pra onde vai são as colunas, porque aí são projetos mais demorados. As colunas de oxigênio, os "cold box", que geram gás, a gente sabe pra onde vai. Já fizemos coluna até pra China.
P/1 – E você lembra dos períodos mais difíceis, enquanto você esteve na White Martins? Quais seriam eles?
R – Nós tivemos na década de 90 uma recessão bem forte, né? É isso que você quer falar?
P/1 – Pode ser. Como é que isso teve impacto na sua vida profissional? O que você pensou?
R – Você teve que reduzir quadro, né, na década de 90, em 92, 93, por aí. Não me lembro, mas foi na década de 90. O impacto maior de crise, uma crise que tomou conta do Brasil mesmo. Foi uma crise pontual, né? Eu fiquei assustado, realmente, porque muitos profissionais foram demitidos, e eram profissionais que... A área de criogenia é uma que você não acha tão fácil no mercado. É uma área muito pequena. Muitas pessoas tiveram que ser mandadas embora... Eu fiquei, mas com o coração partido, porque muitos amigos meus, que estavam juntos comigo ali há anos e anos, né? Alguns voltaram depois, por sorte, eles estão até hoje lá com a gente. Mas, foi uma época ruim. Um período bem difícil pra minha carreira.
P/1 – E mais do que a década de 80, que teve uma forte recessão também, né? O pessoal chama de década perdida...
R – Não. Não me afetou, não.
P/1 – Foi 90, então? E você sentiu que isso poderia estar afetando, também, toda a White Martins, em conjunto?
R – Na década de 80, eu não percebi isso não.
P/1 – Então, enxugou a máquina, as suas responsabilidades aumentaram?
R – Aumentaram, né? O serviço era o mesmo, a fábrica não podia parar.
P/1 – E você percebeu alguma outra mudança; houve alguma mudança importante, nesse período que você teve lá?
R – A White Martins tá sempre em mudança. É uma firma muito dinâmica.
P/1 – Na sua área, como é que seria o antes e o agora?
R – Ah, bem diferente, porque eu comecei com prancheta, hoje é computador. Eu comecei fazendo recado de papelzinho, hoje é "notes", (risos) e-mail, né? Então, se for fazer essa comparação, o negócio... Eu falo com a turma que chega hoje, pros estagiários, pros profissionais que chegam hoje pra engenharia e falo assim: “Agora é moleza, é tudo computador. Quero ver desenhar na régua T, com lápis, borracha, não ter ar condicionado", hoje é tudo ar condicionado central. Eles ficam rindo, né?
P/1 – E você sente necessidade de continuar estudando? Fazer cursos?
R – Olha, eu me arrependo de não ter feito um curso superior. Isso é discutível, né? Por que não fiz? Primeiro, por questão até financeira, também; depois, eu casei muito cedo, vieram os filhos – aí eu tinha que optar entre ter um... Sei lá, é uma... O Ensino Superior, hoje, no Brasil, não é só no Rio de Janeiro; ele é muito caro, se for fazer particular. Ele é muito caro mesmo.
P/1 – Qual você faria?
R – Engenharia Mecânica. Mas, eu tive a felicidade de estar sempre no topo da linha da minha profissão na White Martins. Então, graças a Deus, nunca deixei de atender um pedido de um filho, um passeio de um filho, por questões financeiras. Sempre tive essa felicidade. Sempre, nas férias, viajei. Como era de Alagoas, ia pra Alagoas todos os anos. Ia pra Maceió, aquela terra santa, que aquilo é um lugar bonito, né? É isso...
P/1 – Você tem quantos filhos?
R – Eu tenho dois filhos. Eu tenho um filho que é jornalista – esses eu formei mesmo –, e tenho um filho que é formado em administração de empresas.
P/1 – Os dois filhos conseguiram concluir o Ensino Superior?
R – Conseguiram. O mais novo deu um trabalho danado, mas eu empurrei - só faltei ir pra faculdade estudar pra ele. Aí foi...
P/1 – Um é jornalista e o outro...
R – O outro é administrador de empresas. Um trabalha na assessoria da Unimed, o que é jornalista – assessor de imprensa da Unimed –, e o outro trabalha no Banco Itaú, o meu caçula. O meu caçula tá com 32 anos, mas eu chamo de caçula.
P/1 – Qual é o que tem neto?
R – Na realidade, os netos não são dos meus dois filhos. É que eu sou viúvo do primeiro casamento. A minha esposa era cirurgiã dentista, ela me incentivou muito a estudar, mas eu também não sei porque não segui o incentivo dela... O meu primeiro filho, o filho mais velho, fez prova pra Odontologia, Fábio, passou pra UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), aqui no Rio. Aí foi aquela vibração: “Puxa, dentista!”. Aí, fomos comprar roupa: calça branca, camisa branca, cinto branco, sapato branco. Parecia uma festa. Aí, com três meses, ele chegou pra mim e falou assim: “Pai, não é o que eu quero, não”. Eu falei: “Rapaz, fala pra tua mãe, não fala pra mim não E você quer o quê?”, “Quero Jornalismo, pai”. Já tava três meses na faculdade. “É o seguinte, não vou nem falar com a sua mãe, vai lá você e fala.” Aí, ele se formou em Jornalismo, fez um curso preparatório, aí passou, se formou no Fundão, né, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aí, hoje ele exerce a função de jornalista e é casado também com uma jornalista. A minha esposa veio a falecer há 17 anos – ela infartou –, e eu, dois anos depois, (pausa) casei com uma menina; foi a minha primeira namorada, que morava lá no bairro de Nova Iguaçu. E ela foi a minha primeira namorada, mas só que eu não consegui; o pai dela me expulsou: “Oh, não quero você aqui no portão, não. Pode sumir daqui", aí, destino, né? E ela também tinha ficado viúva, ela tem três filhos. Desses três filhos, tem o Cauã e o Lucas – Lucas de sete anos e Cauã vai fazer cinco anos –, que eles me chamam de avô. E eu, realmente, fico feliz da vida por isso. Pra mim, são meus netos mesmo. Aonde eu vou, eles vão atrás. Avô é avô, né? Então, bora. Vamos gastar dinheiro: bala pra cá, bala pra lá, sorvete, vamos embora. (risos) Então, na realidade, os filhos meus verdadeiros não querem saber de filhos, não.
P/2 – Quatorze anos...
R – É, eu tô há quatorze anos com ela.
P/2 – Vocês moram no Méier, mesmo?
R – Não, eu fiz uma casa em Nova Iguaçu. Aí eu fico em Nova Iguaçu.
P/1 – Você poderia dizer, então, quais foram as suas maiores conquistas ao longo de todo esse período de vida sua, tanto profissional, quanto pessoal? Olhando um pouco pra trás, fazendo um retrato do que você já percorreu.
R – Uma das maiores conquistas minha, profissionalmente, é: eu sempre fui reconhecido profissionalmente dentro da empresa. Eu tenho 38 anos e quatro meses – eu mandei um e-mail aí, alguma coisa assim –, nunca tive uma briga na White Martins, nunca tive uma discussão, nenhum desentendimento com ninguém. Eu sempre fui considerado uma pessoa alegre. Isso pra mim é uma conquista. Eu falo que: “Por mais difícil que seja a vida, você tem que sorrir, se não aquilo vai lhe fazer mal”. Eu não li isso em lugar nenhum, é uma concepção minha. Posso tá numa dificuldade, angústia, mas eu tenho que achar um momento pra sorrir, pra pelo menos aliviar o estresse, né? Porque não existe estresse maior do que uma perda, que eu tive, da minha esposa, né? Ela enfartou, tava dormindo... Você se considera um impotente, de não poder fazer nada. O meu caçula não era pequeno, mas o primeiro sono era com a mãe. Daí, eu que enxotava ele: “Opa, agora vá pra sua cama”. Daí eu tive que acompanhar muito ele. Ele ficou um bom tempo com acompanhamento psicológico. E, ele estudava no Pedro II, que é um colégio de linha no Rio de Janeiro. Aquilo que me deixou triste, porque a minha esposa faleceu em julho e ele, [que] era um bom aluno, repetiu. Ele não teve cabeça pra fazer o restante do período, então ele não passou de ano. E o Pedro II me chamou e falou: “Ó, o seu filho não passou de ano”. O Pedro II é um colégio muito rígido nisso aí. Eu estava com a psicóloga, ela que tava falando comigo. Aí, eu me lembro disso até hoje, falei assim: “Mas doutora, a senhora sabe o que foi que aconteceu com meu filho?”, ela falou que não. “A direção do colégio não passou pra senhora, isso?”, “Não”, “Meu filho, Gustavo, perdeu a mãe dele no dia 10 de julho. O que é que a senhora acha disso?”, ela ficou me olhando.
P/1 – E aí, a White, tendo que trabalhar, deixar tudo arrumado...
R - Aí ele ficou com vergonha de continuar no Pedro II, porque a turminha dele foi pra frente e ele ficou.
P/2 – Ele foi retido mesmo?
R – Foi, foi. Aí eu tirei ele do Pedro II. “Tirei você do Pedro II, boto num colégio particular e você acaba teus estudos.” Isso traumatizou muito ele, me deu muito trabalho. Mas, graças a Deus, hoje em dia ele fala da mãe... Assim, quando a gente lembra dos momentos que nós tínhamos, tranquilo. Ele conseguiu superar isso, mas foi uma guerra que eu tive com ele.
P/1 – E o trabalho?
R – E eu tive acompanhamento da White. Eu tinha que sair, que socorrê-lo, qualquer hora...
P/1 – Deve ter sido duro mesmo.
R – Eu tive esse apoio da chefia também. Isso não é em toda empresa que acontece.
P/1 – Nivaldo, o que significa a White Martins, pra você, completar 100 anos? Conta um pouco pra gente o que, pra você, significa isso: 100 anos da White.
R – É... 100 anos de White, num mercado competitivo, como é hoje, é uma coisa muito legal. Significa muito pra gente. Pra todos os funcionários, com certeza significa muito.
P/1 – Qual é o legado que você acha que a White Martins deixou pro Brasil?
R – Qual o legado que ela deixou? Ela deixou o legado de... Primeira coisa: vamos encaixar aqui a postura da White Martins, uma coisa de seriedade, de honestidade... A White é uma empresa muito íntegra, né? É uma empresa que a gente pode dizer assim: não existe falcatrua na White Martins. Isso aí, todo funcionário sabe disso. Ela é muito positiva naquilo que ela...
P/1 – Nós vamos ter que interromper um pouquinho aqui, por causa da fita, Nivaldo.
[Pausa]
P/1 – Então, Nivaldo, conta pra gente um pouco como é que foi a instalação mais desafiante que você teve que enfrentar, de equipamentos.
R – Foi no ano de 96 ou 97, uma planta criogênica, uma T2100, em Volta Redonda, na siderúrgica. É um equipamento gigantesco. Nós levamos quase que a fábrica toda pra fazer essa montagem. Quer dizer, fabricamos no Rio uma parte, fabricamos em Volta Redonda, em outra firma, parte. Porque eram equipamentos enormes que não passavam por baixo de viadutos. E depois nós tivemos que montar esse equipamento, como fazemos até hoje – fabricamos e montamos. Só que a tecnologia muda muito, então, no ano de 96 pra 97, você não tinha os guindastes que tem hoje. As coisas mudam rápido. A tecnologia, de uma hora pra outra... É igual carro: você compra um carro hoje, um ano depois ele já tá totalmente diferente, né? Então, foi uma coisa muito legal. Ver uma planta ir subindo do chão, crescendo e chegar a 70 metros de altura, né?
P/1 – Quanto tempo demorou?
R – Demorou oito meses pra ser montada.
P/1 – É nesses equipamentos que tem o alpinista industrial, que ele precisa fazer a inertização? É nesse processo?
R – É isso que eu tô falando: as coisas vão mudando. Naquela época, nós tínhamos todo o aparato de segurança, mas não tínhamos ainda os alpinistas industriais. O alpinista industrial, hoje, ele faz parte só da segurança. Ele é um socorrista, caso você tenha um mal súbito dentro de um equipamento. Embora você esteja todo preso com cinto de segurança, não tem como cair, mas pode ter um mal súbito e ficar pendurado no cinto lá; e quem é que vai lhe buscar? Embora, toda essa equipe que faz essa montagem, a White Martins também investe nesse tipo de treinamento, de alpinismo industrial. Eu tenho esse treinamento. Eu já desci paredão de caixa d’água, por fora... Nós fazemos esse treinamento, fazemos isso. Mas, mesmo assim, nós contratamos profissionais particulares, empresas particulares, porque são pessoas que só fazem isso. Então fica muito mais fácil. Você se sente muito mais seguro. A empresa, hoje, terceiriza esse tipo de serviço.
P/1 – É um serviço periódico, não precisa nem mandar chamar pra ir lá fazer? Cada tanto, manda-se uma equipe pra manutenção...
R – Hoje, uma planta criogênica, pra você ter ideia, a mais baixa – uma planta pequena, aqui no Brasil – ela tem 40 metros. Não é tão pequena. 40 metros equivalem a um edifício de três andares. Então a gente já chega, já tem o resgatista – eles chamam de resgatista, que é o alpinista -, com todo seu aparato, com todo o seu equipamento. E, nós chegamos e fazemos o trabalho.
P/1 – Você já chegou a subir numa ou descer numa de 40 metros?
R – Já, várias vezes.
P/1 – E qual foi a sensação? Como foi a primeira vez?
R – Medo. Quem falar que na primeira vez não tem medo...
P/1 – Quanto elas têm de diâmetro?
R – Quatro metros.
P/1 – E você é alçado com um guindaste?
R – Não, você escala ela por dentro com escada, ou você vai por fora com escada.
P/1 – Ah, escada mesmo?
R – Escada. Você detecta onde tem que fazer a manutenção ou o tipo de vazamento... Porque aquilo é uma caixa cheia de tubos, cheia de trocadores de calor, aí você detecta onde tem o vazamento. Ou você vai por fora e acessa algumas janelas que têm por fora, ou vai por dentro. Sempre acompanhado pelo resgatista, que tá lá no alto, com corda, com tudo. Você nunca entra no equipamento sozinho. Isso é norma.
P/1 – E esses tanques existem hoje, você já conhece eles em todo Brasil? Acompanhou a montagem deles no Brasil todo?
R – Todo.
P/1 – O mais importante tá aonde? A planta maior.
R – Volta Redonda.
P/1 – E a demanda, como é que vai ser? Você acha que é esse processo mesmo que no futuro vai continuar existindo?
R – Com certeza. Vai continuar investindo.
P/1 – Você acha que é assim mesmo? Que vai fazer a separação do ar, durante ainda muito tempo?
R – Muito tempo. Não tem como acabar, o processo vai ser eternamente esse. A única coisa que pode melhorar é você ter uma produtividade maior, com custo menor. Claro, é o que todo empresário foca, né? Hoje, o grande vilão da White Martins chama-se energia. Você, hoje, pra fazer uma planta dessas, gerar duas mil e 100 toneladas de gás por dia, aciona uns compressores gigantescos – que são importados -, máquinas rotativas gigantescas que têm um consumo de energia enorme.
P/1 – Eles são importados, da onde?
R – Os primeiros eram da Suécia. Hoje nós importamos dos Estados Unidos e do Japão.
P/1 – Pra manter tudo funcionando, então, tem que ter esse aparato em todo o Brasil? Em todas as plantas?
R – Em todo Brasil. Em todas as plantas.
P/1 – Pra que o sistema de separação de ar funcione.
R – A todo vapor.
P/1 – Então, a demanda principal, que você diria, é a energia?
R – O vilão é a energia. O produto principal, não tem jeito, é o gás. A siderúrgica quer o gás. Ela precisa do gás. Eu não sou um especialista em marketing da empresa, mas eu acho que funciona dessa maneira: o pessoal detecta a necessidade de um equipamento numa siderúrgica, pra gerar mais gás - porque ela tá produzindo mais, ela tá gerando mais produto no mercado -, então nós instalamos esse equipamento em função da capacidade da siderúrgica, e temos que manter aquele consumo, né? Aí, por que a White Martins é uma firma muito dinâmica? Porque, vocês não fazem ideia o que é uma planta dessa parada. Uma planta dessas na manutenção, o que ela deixa de fazer. Ela deixa de gerar o gás pra siderúrgica, mas a siderúrgica precisa continuar trabalhando. Ela tá comprando o gás da gente, ele não teve culpa que a nossa planta parou. Aí, é que tem um corre-corre de deslocamento do nosso pessoal de manutenção, da fábrica, pra chegar nesse equipamento, consertá-lo no menor prazo possível, dentro de uma segurança, pra que esse equipamento volte a produzir pra siderúrgica. Enquanto isso, o que ocorre? Essas carretas, que vocês veem rodando aí, elas ficam igual loucas. Eu trago gás de Recife, de São Paulo, de Jacareí, pra abastecer essa siderúrgica de gás, porque aquela planta tá parada.
P/1 – Então, na verdade, a distribuição também é uma das atribuições?
R – Não. A logística não tem nada a ver com a gente.
P/1 – Não. Você só detecta o ponto e avisa que tá acontecendo isso?
R – Isso, exatamente. A logística é um outro setor que tem a responsabilidade desse trabalho horroroso.
P/1 – Posso imaginar.
P/2 – E que critérios pra escolher os locais?
R – Aí é com o marketing.
P/1 – São as demandas do mercado.
R – Demanda do mercado. Aí o marketing é quem chega pra gente...
P/2 – Mas a maioria das plantas está aqui, então, no Sudeste? Ou não?
R – Estão. Está dividido entre e região... É, tá no Sudeste.
P/1 – E se você imaginasse assim: “Como que eu poderia minimizar esses gargalos que acontecem...”, que você, aos 30 anos de carreira, já sabe, por repetição, o que realmente acontece mais. Que você teria que, talvez, imaginar um futuro que esse tipo de coisa pudesse ser minimizado. Quando eu perguntei o futuro da White Martins, eu também...
R – O que ocorre hoje? A tecnologia não para, o desenvolvimento tecnológico não para, então, eu tenho planta importada – que são de fabricação japonesa - e tenho plantas nacionais. Quer dizer, quando eu cheguei na White Martins, a maioria das siderúrgicas que tão aí no país já existiam, com plantas importadas, com plantas antigas.
P/1 – Quando você diz “importadas”, você tá se referindo a plantas antigas? Não acontece mais hoje?
R – Antigas. Não, hoje não.
P/1 – Não se importam mais plantas, né?
R – Pelo menos pro Brasil, não.
P/1 – Então, isso foi uma consequência também do desenvolvimento industrial do Brasil, no sentido também das metas do governo, plano de desenvolvimento, essas coisas que aconteciam? Foi possível, então...
R – A expansão da empresa. Construímos vários galpões pra se fazer esse tipo de equipamento, de treinamento, uma série de coisas... Então, hoje, por exemplo, as plantas novas já apresentam bem menos problemas de manutenção do que as plantas antigas, porque têm equipamentos diferentes.
P/1 – Entendi. Então isso é um marco, né, na verdade?
R – É um marco. E vocês podem até falar assim: “E por que vocês não fazem isso com a planta velha, não trocam?”, porque ainda tem um problema de logística, de local, de "layout" - problema de tudo. Não tem como trocar. Aí você tem que correr com aquilo e fazer internamente [a] manutenção.
P/1 – A manutenção dos antigos não vem de fora? Vocês têm que se adaptar, e saber como é que funcionava; e vocês mesmos fazem as antigas também?
R – Também, também. Nunca vem mão de obra de fora, só mão de obra nacional. Vem toda a mão de obra da FEC. Só quem faz manutenção nas plantas criogênicas, no Brasil e parte da América do Sul, é a FEC.
P/1 – Existe um centro de pesquisa só pra esse assunto?
R – Existe.
P/1 – Fica imaginando equipamentos cada vez melhores...
R – Fica nos Estados Unidos.
P/1 – E você chegou a ir pra lá alguma vez?
R – Não.
P/1 – Gostaria?
R – Fica na Praxair. Gostaria de conhecer, sim.
P/1 – Ele é um centro de pesquisa na Praxair que...
R – Desenvolve, passa pra gente as informações. Tem sempre americanos aqui, conosco, na fábrica. Temos dois, hoje, que vão ficar quase um ano lá conosco, passando essas informações. A tecnologia desses equipamentos é uma tecnologia americana. A White Martins é uma firma americana. Nós somos funcionários da Praxair. Antes era uma firma que tinha capital, né, era Sociedade Anônima, hoje ela é Limitada. Então, tem um presidente no Brasil, que é o Domingos Bulus, e tem o nosso presidente geral que está nos Estados Unidos.
P/1 – Como é esse contato com os americanos? Você, pessoalmente, dizendo, tem contato direto com eles?
R – Não, o único contato que eu tenho, quando ele vem no Brasil – sempre que ele pode, vai na fábrica – é com o Vice-Presidente da Praxair. Acho que é o segundo na hierarquia, que é o Ricardo Malfitano, que foi estagiário nosso lá.
P/1 – Ele foi estagiário no seu... Você tava lá quando ele foi estagiário? Que ano foi isso mesmo? A gente não pesquisou, mas não faz mal a gente descobrir. Ele foi estagiário?
R – Foi estagiário. Foi engenheiro metalúrgico, formado pela PUC. Ele estagiou lá conosco, chegou a Gerente de Supervisão, Gerente de Produção, gerente de vários setores, depois ele foi pra Área de Marketing, se não me falha a memória, diretoria, depois pros Estados Unidos. Tá nos Estados Unidos até hoje. Mas ele foi estagiário lá com a gente, jogava sueca na hora do almoço com a gente.
P/1 – Sueca? Que é que é isso, gente?
R – É um jogo de baralho.
P/1 – Vocês jogam quando esse baralho, na hora do almoço?
R – Jogamos até hoje. “A sueca não pode acabar”.
P/1 – Ah, é na hora do almoço, então? Fazem um joguinho?
R – Na hora do almoço.
P/1 – Esporte, não? Tem algum campinho de esporte lá na unidade?
R – Temos uma área de lazer lá na fábrica. Tínhamos uma área de futebol de salão, mas por questão do terreno ser muito pequeno, nós tivemos que crescer e acabamos com essa área de futebol de salão que tinha lá. Tivemos que fazer um depósito de chapa. Aí, hoje, o nosso lazer são [as] mesas de dominó, temos... E a sueca. A sueca, em tudo que é canto tem gente jogando na hora do almoço.
P/1 – Nas mesas do almoço mesmo, será? Nas mesas, depois que almoçam?
R – Não, tem um salão de lazer.
P/2 – Quantas pessoas trabalham na fábrica?
R – Na fábrica, hoje temos mais de 400 trabalhadores.
P/2 – E a maioria é daquela região?
R – Isso, daquela região. A gente chama a maioria da Baixada Fluminense. A grande maioria é da Baixada Fluminense. Nós temos duas fábricas, né? Nós temos uma fábrica em Cordovil e uma [outra] que fica ali atrás, Reduc, do lado da Petrobras, onde fazem as carretas. É a mesma gerência, é a mesma engenharia de manufatura – uma hora eu pego o carro e vou lá em Caxias dar uma assistência...
P/1 – Você lidera uma equipe de quantas pessoas?
R – Somos, na engenharia de manufatura, quatro pessoas – quatro técnicos. Quatro técnicos e um gerente, o engenheiro.
P/1 – E as relações são fluídas?
R – Fluídas. Tem que ser fluída, né, porque se não a coisa não anda. O trabalho de manutenção de uma planta é um trabalho extremamente desgastante, de 12 horas, de segunda a segunda. Eu já fiquei 33 dias sem vir em casa.
P/1 – Nossa! Você fica lá mesmo, sem vir pra casa?
R – Sem vir pra casa.
P/1 – Varando noites?
R – De segunda a segunda... Não, aí trabalha 12 horas. A White Martins não permite que você dobre.
P/1- Que momento que aconteceu isso? O que tava acontecendo nesse momento, que você precisou ficar lá?
R – Foi uma planta que apresentou um problema sério, uma planta da siderúrgica, na Usiminas, em Ipatinga... Esqueci o ano: 2000 e pouco. Não me lembro agora; 2002, 2003. E essa planta era uma planta-mãe que gerava muito gás pra siderúrgica. E ela apresentou um defeito muito sério nela, houve uma danificação muito grande, internamente. E, na época, o nosso diretor, Eduardo D’Ávila, foi até lá - porque o negócio era feio mesmo, era muita coisa. Ele nos reuniu e falou da necessidade de nós fazermos o mais rápido possível aquela planta. Mas, sempre quando ele fala mais rápido possível, a palavra segurança vem na frente – mais rápido, mas com segurança. Nunca ninguém iria machucar. E, falou assim: “Olha, é política da empresa nós ficarmos 14 dias no trabalho e três dias em casa, mas ele pediu, disse: “Não tem como ir pra casa, vocês vão ter que ficar”.
P/1 – E aí, dormia no hotel?
R – Hotel. Em termos de acomodação, a White alugava hotel...
P/1 – Ah, tá. Tinha lugar pra ficar?
R – Acomodação: 100%. Aí, falou: “Gente, a coisa é séria, a gente tá com um problema muito grande, não vai ser uma manutenção de pouco tempo", realmente. E ele tem uma visão incrível, Eduardo tem um lado, assim, de logística, impressionante. Nós do operacional, nós temos muita liberdade com ele, embora ele seja diretor, né? Aí, eu não sei quem falou: “Eduardo, e se nós fizermos o que nós vamos ganhar?”. Aí, ele parou, olhou, falou assim: “É, né, vocês querem ganhar? Se vocês fizerem tantos dias, eu dou um salário pra vocês; se vocês fizerem tantos dias, eu dou 75%; se vocês fizerem tantos dias, eu dou 50; se passar desse dia aqui, eu não pago nada”.
P/1 – Foi prontamente, a resposta?
R – “Vocês topam?”. Aí, a gente falou: “Topamos”, “Mas eu não quero acidente, se tiver um acidente – mesmo que me entreguem no prazo –, eu não pago nada. Agora, eu gostaria que vocês não fossem pra casa”.
P/1 – A partir daquele dia mesmo, você já teve que ficar lá?
R – Aí, foi um corre-corre. “Vamos ganhar um salário." Trinta e três dias. Um prazo que ele determinou que ele pagava um salário, foi uma festa só, né? Foi uma gritaria na última hora que içou o último equipamento...
P/1 – Vocês têm fotos desse período?
R – Temos fotos. O Eduardo é Fluminense doente, o d’Ávila, mas, aí o último equipamento que tava sendo içado, foi com a bandeira do Flamengo, rival do Fluminense.
P/1 – E tem a foto do equipamento com a bandeira? Ah, essa é importantíssima. Traz pra gente.
R – Vou ver se eu acho.
P/1 – Tá contigo?
R – Não, mas tá guardada com alguém lá. Eu vou caçar isso.
P/1 – Por favor, porque seria muito importante pra gente. Por que foi um marco, né?
R – Foi um marco. A gente ficou muito feliz ali. Nós saímos dali, não teve acidente nenhum, a planta voltou a rodar, voltou a produzir... Porque o negócio não é você consertar, é a planta voltar a produzir dentro da qualidade que ela fornecia, né? Tem que sair o oxigênio altamente puro, 99% de pureza, essas coisas todas, atingindo todos esses índices.
P/2 – Enquanto ela tava em manutenção, como que fazia esse trabalho?
R – Aí, você começa a trazer carretas de tudo quanto é lugar. Você traz carreta até de Recife... É uma logística doida, né? Vinha da Bahia, vinha de Recife, vinha de São Paulo, tá entendendo? Tinha que trazer a carreta pra cobrir aquela pane. Isso é sempre assim, pra cobrir as necessidades. A frota da White Martins, hoje, são quase 700 carretas. Hoje, aqui no Brasil.
P/2 – Que são produzidas lá em Caxias?
R – São produzidas lá em Caxias.
P/2 – Essa eu tive a oportunidade de conhecer. Eu ia até perguntar um pouco sobre Caxias... Ali tem muitas indústrias ao redor, né? Como que foi, ali, o crescimento, a diferença do cenário - a planta de Caxias já é antiga ali, né?
R – A fábrica. Era uma fábrica que ficava na beira da Washington Luiz, antes. Nós chegamos na beira da Washington Luiz com a fábrica de carretas, isso em 82, 84. Era uma área deserta, totalmente industrial... Aí, a comunidade começou a ficar em volta dessa fábrica, começou a reclamar do barulho. Aí, a White, dentro daquela preocupação social que ela sempre teve, nós saímos de lá, tivemos que ir pra um outro lugar, que agora é uma área totalmente industrial mesmo. Agora, onde estamos, é a gente e a Petrobrás. Tudo murado pra não deixar ninguém invadir, pra não fazer barraco, pra não ter problema de novo. Mas, era uma fábrica muito bem montada, na Washington Luiz. Até a logística pra sair era mais fácil, mas saímos de lá também, por causa de barulho. Aí, fomos pra uma fábrica atrás da Reduc.
P/1 – Nivaldo, mais alguma coisa que você queira nos contar, de marcos, futuras conquistas, visões?
R – Olha, visão... A visão, hoje, que eu tenho – não sou um "expert" em muita coisa, mas... Hoje existe uma coisa que me preocupa muito – eu já tô aposentado, continuo na empresa, a empresa me fez o convite pra continuar. Eu fico muito feliz por isso, mas eu falo sempre pras pessoas que trabalham comigo: “O meu medo hoje chama-se China”.
P/1 – Conta um pouquinho pra nós, sobre esse medo.
R – Eu não sei como é que o Chinês consegue tudo tão barato, né? E isso incomoda qualquer indústria. Nós, hoje, chegamos a fazer três ou quatro plantas pra China, chegamos a ir à China – eu não fui, mas o pessoal do meu setor foi – montar na China. E a China, hoje, já fabrica plantas, pra ela e pro mundo todo também. Inclusive, pro Brasil. Tem uma planta menor que tá numa siderúrgica em Cubatão, que veio da China, junto com outra nossa que foi agora, pra produzir pra usina de Usiminas.
P/1 – Mas eu precisava entender uma coisa: eu tinha entendido que vocês chamavam de plantas antigas as plantas importadas, agora você tá me dizendo que existe uma planta da China, portanto, importada...
R – Que deixamos de fabricar por questões de espaço nosso. Nós não temos mais pra onde crescer, no nosso parque. Então, o que é que a Praxair fez? Ela chegou na China, com a tecnologia Praxair, arrendou uma fábrica lá e falou assim: “Se eu precisar de você, eu vou comprar de você”. Então, hoje, eu tenho um concorrente... Quer dizer, enquanto eu faço uma planta criogênica, independente do tamanho, o meu concorrente na China faz oito.
P/1 – Você diz por motivos meramente geográficos? De espaço físico?
R – De espaço físico.
P/1 – Quando você diz: “Não podemos mais...”, você se refere ao espaço físico?
R – Ao espaço físico. Não que eu não tenha condições de fazer...
P/1 – Claro, é espaço físico do território.
R – Na minha região ali, na FEC. Se você me dissesse: “Nivaldo, qual o seu sonho de consumo, hoje?”, “Eu ver a FEC ir pra uma área maior e fabricando igual o chinês. Ah, ele faz oito, eu também vou fazer oito”. É o meu sonho de consumo.
P/1 – Não existe mais espaço no Brasil, então?
R – No Brasil, tem. Tem espaço. Agora, existe a questão de empresa, a questão de logística, de investimento. Aí eu não sou especialista nisso tudo, né? Mas, eu, como empregado, como fabricante, como empregado de uma unidade que fabrica "cold box", fico com água na boca quando eu sei que o meu concorrente faz oito vezes mais do que eu. Seria uma hipocrisia minha eu falar: “Ah, não fico com água na boca não”, porque eu fico.
P/1 – Existe uma região no Brasil que ainda teria, talvez, possível?
R – No Rio de Janeiro, também, é possível fazer. Já sondamos isso, fizemos um projeto, mas isso é investimento.
P/1 – E se a gente fosse fazer uma ponte entre o gás e a vida prática das pessoas, como é que você imagina isso?
R – Fazer uma ponte, o quê?
P/1 – No teu caso, são grandes investimentos mais, né?
R – É.
P/1 – Entre o gás mesmo e a vida prática das pessoas, porque a gente sabe que a White Martins tá na nossa vida direto.
R – Direto. Se não for a White Martins é outro concorrente... Tudo que nós fazemos hoje, respiramos, né? Na nossa atmosfera, você tá respirando parte de nitrogênio, parte do oxigênio e parte de argônio, né? Se você vai num hospital, você tá lá com o oxigênio. Tá tudo lá. Tudo na vida, hoje, é movido a gás.
P/1 – Tem alguma pergunta, Débora?
P/2 – Não.
P/1 – Então, vamos falar mais do futuro dos 100 anos. Então, a gente poderia dizer que o futuro seria... Daqui a 100 anos, se fosse fazer uma projeção da White Martins... Você falou em território físico. Quer dizer, se você fosse imaginar pra onde a White Martins iria no futuro, como poderia desenhar isso pra gente? (pausa) Em qualquer aspecto que nesses 30 anos que você tem de empresa, né?
R – Projeção vai ter sempre, né? Não tem como parar mais, não tem como parar. Uma firma como a White Martins, não tem como... Não existe a menor possibilidade de retroceder em nada, ela vai sempre continuar crescendo, né? Vai sempre querer estar no topo da linha.
P/1 – Nivaldo, diz uma coisa: o que você achou de participar dessa entrevista?
R – Eu achei legal. Achei bom.
P/1 – Então, a gente tem muito a agradecer, sua presença aqui, a sua contribuição. E ficamos muito satisfeitos. Obrigada.
R – Tá legal. (risos) Ok.
[Fim do depoimento]
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