Histórias Que Iluminam
Depoimento de Regis Gund
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 3 de dezembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV04_Regis Gund
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Primeiro, bom dia, obrigado Regis pela sua presença, seu tempo. Você pode falar pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento, Regis?
R – Meu nome é Regis Gund, eu nasci em 30 de janeiro de 1973 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
P/1 – E qual que é o nome do seu pai?
R – Meu pai chama Helmet Gund.
P/1 – Ele nasceu onde?
R – Ele nasceu em Porto Alegre também, ele é filho de imigrantes alemães, primeira geração aqui no Brasil, nasceu em 1957, no Hospital Lazzarotto, em Porto Alegre.
P/1 – E sabe qual que é a… a sua família é da Alemanha, mas por que eles vieram para cá? Quando?
R – Na verdade, meus avós vieram fugidos da Guerra. Eles moravam numa região limite com a Polônia, que estava em guerra muito antes da guerra realmente estourar no continente e eles decidiram vir porque já tinham pessoas no Brasil há alguns anos. Então, meu avô Guilherme e minha avó Natália saíram da Alemanha, pegaram um navio até a Argentina e depois, vieram em caravana com outros imigrantes da Argentina para o Brasil. Levaram, acho que, dois anos para conseguir vir da Argentina até o Brasil e depois, se colocaram no Brasil, meu avô já como um eletrotécnico, um especialista em eletro-hidráulica e minha avó como dona de casa. Só que infelizmente, ele se envolveu com álcool que em função de ter perdido grande parte do dinheiro que eles tinham trazido da Alemanha, quando chegaram aqui, a moeda não valia nada e acabou abandonando a minha avó, minha avó criou os cinco filhos e fez uma família excelente aqui com os filhos, todos, graças a Deus, tiveram uma história bonita de vida. Foram cinco filhos homens.
P/1 – E o seu avô te contou mais ou menos como é que foi essa viagem, além dos detalhes que você falou?
R – Não, eu não conheci o meu avô paterno. Quando eu nasci, ele já não tinha… ele abandonou a família e perdeu a ligação com a família, nós fomos só localizar ele muitos anos depois, já falecido, mas não tive contato com ele. Minha avó faleceu eu era bastante pequeno, ela faleceu em 1981, ela é de 1900, minha avó, então, já tinha 81 anos, mas ela contava… a minha avó não deixou nenhum dos netos aprender alemão, porque ela dizia que alemão não é bom, nós éramos brasileiros e tínhamos que nos orgulhar disso. Então, ela sempre foi muito… ela sempre teve muita mágoa com a Alemanha em função de tudo que ela passou lá. Ela nunca falou muito com detalhes sobre o que aconteceu lá ou o que levou eles a saírem. Mas eu sei que foi grave, foi… magoou bastante.
P/1 – A sua avó, o que ela foi fazer depois que o seu avô abandonou? Como é que ela sustentou todos esses filhos?
R – Limpando a casa, principalmente, dos parentes, ela foi trabalhar de faxineira com os parentes, ela passou a cozinhar. Depois de uns anos, daí os meus tios começaram a trabalhar e juntos, compararam uma casinha e ela junto com o meu tio Reinaldo, que era o segundo irmão mais velho, abriram… não, desculpe, era o irmão mais velho, mesmo, abriram um bar e daí, aqueles bares de comida caseira e tal. Daí, foram se virando. Mas basicamente, quem ajudou muito foram os cinco irmãos, meu pai vendia laranja, ele descia… minha avó fazia salgados, ele descia até o porto de Porto Alegre, que ficava mais ou menos, uns oito, dez quilômetros de casa, vendendo os salgados. Quando ele chegava no porto, ele comprava frutas e voltava vendendo frutas. Os outros irmãos, o tio Reinaldo trabalhou com lapidação de vidro, então, ele pegava restos de vidros e fazia lapidação, então vendia para tentar ajudar. Tio Edmundo era mecânico, então, fazia vários bicos para ajudar a família. O Valter que chamava de Di, o Valter, ele foi morar com um tio e daí, trabalhar em táxi, trabalhar em carro de praça, ajudava, foi motorista. Então, todos os irmãos ajudando muito e o tio Fredo, que era o mais novo, que é o único vivo hoje, ele já tinha alguns problemas de saúde, então, ele era o que todo mundo cuidava também, mas eles se sustentavam como uma família, quer dizer, todo mundo botando um pouquinho, todo mundo apertando um pouquinho para que as coisas acontecessem.
P/1 – E o seu pai contou alguma história especifica desse tempo que ele cresceu com os seus tios, que você se lembra, assim?
R – Cara, tem tanta história (risos).
P/1 – Com o tempo que a gente tem, você pode contar…
R – Eles eram muito legais, assim, o tio Edmundo era um cara grandão, um cara com mais de um metro e noventa de altura e assim como era uma pessoa doce na vivência do dia a dia, era como todo cara grandão, metido a briguento e tudo mais. Tem histórias muito legais que ele… por exemplo, eles foram para um baile que eles mesmos organizavam os bailes, existia um clube no local, eles moravam no bairro Petrópolis, um bairro basicamente judeu, eles abriram um clube de bolão, que era uma espécie de boliche, então, eles tinham vários times de bolão e organizavam festas nesse local. E depois de uma festa dessas, o meu tio brigou e foi preso, levado para a delegacia, precisaram de sete homens para prender ele, para conseguir colocar na cela. No outro dia de manhã, o delegado mandou um policial na casa da minha avó, buscou minha avó e a minha vó veio buscar o tio Edmundo. Ah, um detalhe, quando ele foi preso, ele arrancou… tinha um corrimão daqueles de madeira que subia a escada, ele arrancou o corrimão da escada. Ele foi algemado no corrimão, ele arrancou o corrimão para bater nos policiais, ele fez realmente um estrago na delegacia. A minha avó, com um metro e quarenta e cinco, magrinha, ela entrou na cela, pegou ele pela orelha… fez ele se abaixar, pegou ele pela orelha e levou ele até em casa, um homem de um metro e noventa e quatro de altura (risos). Isso era a minha avó, entende, eles se sacaneavam entre eles, o que chegava primeiro em casa, ia lá e botava balde, ou botava vasilhas de água na janela, porque eles sabiam que eles não podiam entrar pela porta, porque a avó não deixava eles saírem de noite, então, eles entravam pela janela, eles preparavam armadilhas uns para os outros para fazer… para sacanear quando eles chegavam. Apesar da pobreza, eles tiveram uma infância, uma juventude muito legal, porque eles não estavam nem aí para o ter ou não ter, eles tinham a amizade, eles eram um grupo, eles tinham muitos amigos, eles tinham o Zé Dedão, que perdeu o dedo numa pescaria, tinha o Bica que foi amigo da família até… inclusive, foi quem nos levou para Praia de Fora, que é um lugar que acho que foi o melhor lugar na minha vida. Nós tínhamos outros milhares de amigos que eles fizeram nesse ciclo de amizade, o meu pai acabou conhecendo a minha mãe, eles foram amigos durante muitos anos lá na… minha mãe era amiga dos meus tios, minha mãe conhecia a minha avó, só que a minha mãe era judia, minha mãe era de outro nível da sociedade, existia ainda muito preconceito com isso, então, a minha mãe era uma amiga e ponto. Depois de muitos anos falando, depois de muitos anos um arranjando namorada para outra e vice-versa, fazendo, eles acabaram sei lá, acabou vendo que era mais que amizade e eles enfrentaram tudo para casar, com o apoio dos meus tios. Então, meus tios sempre foram muito… e o interessante é que antes da minha mãe casar, antes do meu pai e da minha mãe casarem, o tio Edmundo faleceu. Ele faleceu num acidente de ônibus, ele estava indo de Porto Alegre para Canoas, são dois municípios vizinhos para cobrar um aluguel de uma casa que ele tinha e quando um trem bateu no ônibus, ele acabou falecendo, então, aí mostrou o outro lado de ser irmão, porque o meu pai passou a ser pai da minha prima, do meu primo e teve sempre muito presente, a Lenira e o Jorge e o Line, que são até hoje assim, como filhos para o meu pai, foram a vida toda. Então, eles eram assim, depois, o tio Edmundo também faleceu bastante jovem com câncer acho que foi pâncreas, não tenho certeza, mas a cumplicidade dos irmãos sempre permaneceu. Anos depois, meu pai, quando casou, comprou uma casa do lado do irmão Valter, que eu chamo de Didi, e eles nunca brigaram, eles assim, eram aqueles irmãos e a minha mãe e a minha tia viviam brigando, é aquela coisa assim, de mulher, né, vivia aquela briga e tal e era muito interessante que às vezes, brigavam e aí, a família tinha que ficar afastada, então ficava o meu tio… eles já aposentados os dois, meu tio de um lado do muro, sentado lendo jornal e meu pai do outro lado do muro, sentado lendo jornal. Aí, como eles não queriam conversar porque as famílias estavam brigadas, um lia a notícia no jornal alto e o outro lia também, comentando a notícia como se tivesse falando para ninguém (risos), era muito interessante, eles foram amigos até o meu tio falecer e sempre foi uma história muito legal, sabe? Eu, infelizmente, na época em que o meu tio faleceu, eu estava bastante afastado dele, por problemas familiares, mas eles eram os opostos que realmente se atraíam, era realmente interessante, meu pai era de cabelo preto, olho bem claro e alto, com mais de um metro e oitenta, meu tio era cabelo loiro, olho escuro, baixinho. Meu pai nasceu no dia 12 de junho, desculpe, meu pai nasceu no dia 6 de dezembro e o meu tio nasceu no dia 12 de junho. Então era muito legal. E realmente, meu pai era um cara extrovertido, falastrão, gostava de contar história e tudo e o meu tio, não, meu tio era quietão, era aquela pessoa mais séria, mais comedida, mas foi uma amizade linda até o final. Eles sempre se respeitaram muito, sempre assim, sempre se amaram os dois, sempre tiveram aquela relação familiar sadia.
P/1 – Seu pai contou muita história para vocês, você falou, né?
R – Meu pai contava muito história.
P/1 – Mas de quem que ele contava?
R – De tudo. meu pai era… sabe o mentiroso sadio também, ele não mentia, mas ele aumentava um pouquinho, né? (risos) Cara, é tanta coisa… meu pai era um cara muito… ele preferia contar a história, alegrar o ambiente porque ele dizia: “É contando histórias que a gente exercita a vida”, ele ia muito para obras, ele ficou muito tempo viajando, apesar dele não estar tão presente na minha juventude, e da minha infância por causa disso, ele se fazia presente nos momentos em que ele estava lá. Ele contava histórias como quando ele foi fazer um posteamento, ele trabalhava com redes elétricas, já botou no meu DNA a questão da eletricidade, e ele foi fazer um posteamento numa cidade chamava Guaíba, também próxima ao Rio Grande do Sul, próxima a Porto Alegre e nessa cidade, ele começou a abrir os buracos e colocar os postes. Eles iam embora, era próximo a Porto Alegre, no outro dia de manhã, chegavam, os postes tinham sumido. Ele: “Pô, pessoal está roubando os postes”, os postes eram de uma madeira boa e tal, né, e assim foram dois dias, eles botavam os postes e aí, até que ele voltou ao local e decidiu fazer uma investigação melhor. Aí, eles botaram o poste e ficaram lá olhando para o poste. Aí quando começou a anoitecer, o poste começou a vibrar com o movimento maior de carros na via lá, daqui a pouco, o poste… aí, ele conta que chega no buraco lá do poste, larga uma pedrinha assim e ele ficou ouvindo, ele contou mais ou menos um minuto assim, daí caiu lá embaixo, poft (risos). Por causa do buraco. Aí, eles tiveram que fazer toda uma contenção. Obviamente, aconteceu alguma coisa parecida com isso, mas eu não sei exatamente o que foi. Uma outra história que era legal que ele contava era que ele em Pinheiro Machado, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, onde ele estava fazendo uma rede bastante grande e lá é um campo que tem muita lebre e ele trazia lebres para nós, de caça, nós sempre comemos muita carne de caça, aí ele contava que para caçar lebre, ele pegava um pedaço de metal, botava no para-choque, ele tinha aquela caminhonete Rural, ainda, com caçamba atrás. Ele botava um pedaço de metal e andava pelo campo com o farol aceso à noite, as lebres paravam, quando o metal batia na lebre, atirava a lebre dentro da caçamba da caminhonete, ele disse que caçava assim (risos). Esse era o meu pai, ele sempre alegrava a gente, ele sempre tinha uma história para contar quando a gente estava junto, ele tinha isso muito legal.
P/1 – Ele começou a trabalhar com energia desde sempre assim, ou por causa do seu avô, será?
R – Não, não. A história do pai é bem interessante, ele… meu pai começou trabalhando na tecelagem Renner sendo tecelão, não se adaptou, meus tios também trabalhavam lá, não se adaptou a isso. Aí, ele foi trabalhar de motorista para uma pessoa que na época era diretor do Hospital das Clinicas de Porto Alegre, é o Milton Dias. Seu Dias tinha um amigo que era engenheiro eletricista e decidiram abrir uma empresa que veio a se chamar Bojunga Dias e contrataram o pai para ser o motorista da empresa. Quando o pai foi fazer a primeira rede, aí eles compraram o caminhão Munk, que era uma novidade na época e treinaram o pai, que era uma pessoa de confiança para operar o caminhão Munk. E eles foram fazer a primeira rede lá em Pinheiro Machado e nessa obra, chegou um ponto em que o encarregado da obra disse que ia embora e que não queria ficar. Aí, a pessoa que era responsável pela obra na época, doutor Willian, foi lá e disse pro pai: “Tu tem condições de continuar a obra?”, ele disse: “Eu tenho”, e dali, ele virou supervisor de elétrica. Meu pai nunca foi eletricista, ele foi de motorista para supervisor de elétrica, mas daí ele seguiu nisso e a vida inteira, ele seguiu dentro da elétrica e me ensinou. O sonho dele era que eu fosse técnico em eletrônica e que eu seguisse para área mais de eletrônica, que ele achava que era o futuro. Cheguei a fazer o curso técnico de eletrônica, mas eu sou eletricista, eu sou… (risos), não tem jeito. Não sai do DNA.
P/1 – Você acha que é uma coisa assim, que vem de linhagem, talvez, né? O que é? Uma sedução pela questão da energia? O que acontece?
R – Eu não posso dizer que venha… eu acho que vem do tipo de convivência que tu tem, né, na minha infância, os amigos do meu pai eram todos da área, quer dizer, eu fui uma criança muito ativa, então muito novo ainda, eu estava dentro da fábrica que o meu pai tinha de material elétrico, eu estava trabalhando com ele nas obras. Eu lembro quando montou a adutora Rio Grande, Rio Grande não tem água, é uma cidade que não tem captação de água, não tem nenhum rio chegando nela, então tem uma adutora que leva água de Rio Grande para Pelotas e eu era pequenininho, eu tinha o quê? Cinco, seis anos, eu estava lá na obra com o pai, acho que não é uma questão assim, é uma questão de convivência, mesmo, do meio, mas é uma questão de gosto também, os meus filhos, por exemplo, não seguiram esse caminho, nenhum dos dois, eles têm visões diferentes. O mais velho está indo mais para o lado administrativo, o mais novo já tem ideia mais de trabalhar com animais e coisas desse tipo. Mas pelo mesmo tempo, assim, quando tu começa a lidar com eletricidade, tu começa a se apaixonar, sabe, não tem jeito, a eletricidade é mágica, a eletricidade está botando uma luz aqui em cima da gente, a gente não está vendo o que ela está fazendo, mas os efeitos, as possibilidades envolvidas com a eletricidade são muito grandes. E o meio elétrico é um meio muito amplo, então, como eu sou uma pessoa que não tenho… não consigo ficar muito tempo no mesmo tipo de atividade, na mesma coisa, a eletricidade me dá a possibilidade de ir para todos os lados, ao mesmo tempo.
P/1 – Por causa do trabalho?
R – Por causa do trabalho, tudo tem eletricidade. Eu trabalhei em siderurgia, eu trabalhei em indústria de alumínio, eu trabalhei em construção mecânica, trabalhei em Petrobras, entende? Toda empresa tem que ter pelo menos um eletricista, vocês aqui, devem ter o eletricista, essa câmera não funciona sem eletricidade. Quando tu faz um filme, tu tem um eletricista lá para fazer, então, tudo tem que ter. Se hoje eu disser: “Eu não quero mais trabalhar em hospital, eu quero trabalhar na área de cinema”, eu vou ter uma colocação lá. Essa é a maravilha da eletricidade, entende, que eu acho que poucas outras profissões têm isso tão abertamente, assim, tão claramente.
P/1 – Você acha que a eletricidade te levou para muitos lugares, então?
R – Sim, eu conheci o Brasil todo em função da eletricidade, né? Sem dúvida, eu não posso dizer que… a eletricidade é uma herança que eu tenho do meu pai, é uma coisa que ele me fez… o meu pai sempre foi muito orgulhoso do que ele fez e me fez ter esse orgulho e hoje, eu me orgulho de tudo que eu fiz. Hoje, eu tenho o legado do que eu consegui realizar até hoje, então, é esse o grande mérito, chegar e tu poder ter uma historinha para contar, não olhar para trás e ter um vazio, né, eu acho que esse é o referencial. E eu acho que o meu legado está dentro da eletricidade, meu legado está dentro do que eu fiz até hoje, nos lugares que eu passei até hoje. Meu pai tinha essa mesma visão. É o que eu fiz, se eu instalei uma tomada aqui nessa sala, isso faz parte do meu legado, faz parte da minha história e tem que estar registrado lá.
P/1 – A gente vai chegar ainda nessa parte profissional, mas antes eu queria perguntar para você como é que estavam os seus pais quando você nasceu, onde é que eles estavam e você tem irmãos? Como é que foi?
R – Sim, meus pais moravam no município de Canoas, lá de Porto Alegre e minha mãe tinha 34 anos, meu pai tinha 37 anos quando eu nasci. Minha mãe dona de casa, ela tinha parado de trabalhar em função do casamento com o meu pai, minha mãe é como eu falei, de origem judaica e ela tem culturalmente, a mulher judia, ela trabalha mais, ela tem mais liberdade dentro da sociedade, e o meu pai é aquele alemão mais conservador e pediu para a minha mãe parar de trabalhar, então, nós ficávamos em casa e nós morávamos do lado da casa dos meus tios. E foi sei lá, assim, eu nasci com muitos defeitos congênitos, eu nasci com os pés virados para dentro, nasci com um problema de visão bastante acentuado, estrabismo bastante acentuado e ali, foi um momento de bastante luta dos meus pais, eles se uniram muito para conseguir fazer com que eu tivesse todos os tratamentos adequados para que eu fosse uma pessoa normal. Eu tinha todo o direcionamento do mundo para ser um deficiente físico e hoje, sei lá, estou aí (risos). Isso graças aos meus pais, então, eles… cara assim, eu acho que o que sintetiza o meu pai e a minha mãe é que depois de anos de casados, depois de uma vida de muitos desafios, principalmente, com a minha irmã, eu só tenho uma irmã, muitos desafios, a minha irmã foi uma pessoa que incomodou muito, graças a Deus, hoje, é uma pessoa quieta, na dela, mas ela incomodou muito, ela aprontou muito, ela engravidou muito cedo, ela foi usuária de drogas, ela teve bastante coisa, bastante desafios na vida dela, que ela, graças a Deus, veio a superar. Mas os meus pais, eles simplesmente, se amavam. Eu acho que se existe um exemplo de amor é isso, é um casal que aos quase 40 e poucos anos casados, sentavam um do lado do outro e iam conversar, trocavam beijo, é uma coisa assim, que a gente não vê o carinho que eles tinham um pelo outro, sabe? É uma coisa que a gente não vê no dia a dia, né? Realmente, difícil a gente conseguir visualizar pessoas com esse carinho depois de tanto tempo junto.
P/1 – Agora, desculpas, eu não perguntei, qual que é o nome completo da sua mãe e onde ela nasceu?
R – Minha mãe, o nome de nascença dela é Miriam Saranudom, ela nasceu em Cruz Alta, veio ainda cedo para Porto Alegre, Cruz Alta é um município do interior do Rio Grande do Sul também, veio ainda jovem para Porto Alegre para morar com os avós. Ela foi criada pela avó materna dela e pelos tios. Minha mãe também teve… apesar de não ser de família pobre, minha bisavó não era nem de longe uma pessoa pobre, ela tinha uma fábrica de colchões, eles trabalhavam com móveis, também, mas a minha mãe teve uma vida humilde, quer dizer, era uma questão de filosofia de vida das pessoas. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo, com nove, dez anos, ela já ajudava a avó na fábrica com o serviço administrativo da fábrica e ela trabalhou até o dia em que o pai fez ela parar (risos). Meu bisavô é um religioso judeu e meus avós sempre seguiram a religião também, então, foi um choque muito forte para a família minha mãe casando com um alemão e tanto que o meu avô não entrou na igreja quando foi feita a cerimônia de casamento deles, houve bastante… mas depois de tudo, quando os meus avós já eram bem velhinhos lá, já estavam… eles… o amor deles pelo pai e pela mãe era uma coisa excepcional, sabe? Meu avô dizia que ele ganhou um filho e ele ganhou um filho que ele mais gostava (risos), então o meu avô, quando precisou de cuidados, ele só queria estar na casa do meu pai, porque ele respeitava muito o meu pai, ele tinha um grande amor pelo velho. Então, é interessante, a minha família foi uma quebra de preconceito, eu não vejo como eu posso ser preconceituoso, eu tenho uma tia negra, eu tenho minha mãe judia e o meu pai alemão, nós temos, acho que de tudo na nossa família, então ser preconceituoso seria uma coisa totalmente leviana da minha parte. Muita gente diz assim: “Mas tu é neto de alemães, tu tem a descendência europeia”, isso aí é besteira, nós somos todos brasileiros e o bonito de ser brasileiro é isso, é ter tudo dentro da tua família, você poder integrar tudo no mesmo cenário, isso é o legal da nossa vida.
P/1 – Agora, quando você nasceu, foi em que ano? Desculpa você repetir e os seus pais estavam morando onde?
R – 1973, eles estavam morando em Canoas.
P/1 – Canoas.
R – É, município ao lado de Porto Alegre.
P/1 – Sim, mas você nasceu em Porto Alegre?
R – Eu nasci em Porto Alegre, eu nasci em um hospital em Porto Alegre, fui registrado em Porto Alegre, como natural de Porto Alegre, nós moramos até os meus dez anos em Canoas e nos mudamos para Porto Alegre.
P/1 – E em Canoas, você morava onde? Era uma casa?
R – Era uma casa. Eu sempre morei em casa, eu fui morar em apartamento depois de casado um tempo, mas eu sempre morei em casa.
P/1 – E como é que era essa casa de Canoas?
R – Cara, era uma casa… o meu pai, na verdade, ele não tinha muito dinheiro para construir, ele construiu uma garagem que era mais barato para regularizar na prefeitura (risos). Então, ele construiu uma garagem, com assoalho de madeira e tal, mas assim, com estilo garagem, depois ele foi aumentando a casa, a casa só tinha um quarto quando eu nasci, depois ele fez um adendo do lado da casa para fazer mais três quartos, mas era um lugar muito legal, era um lugar como é que eu posso dizer assim? Era afastado do centro da cidade e próximo a refinaria da Petrobras, que estava em construção na época, na Alberto Pasqualini e era um lugar onde a gente ficava solto, a gente ficava livre. Quando eu retornei para Canoas, que a gente… eu me lembrava que assim, época de férias, a gente saía de manhã de casa e retornava à noite. A gente almoçava na casa do amigo que estava mais perto (risos). Era uma coisa assim, era uma vida diferente do que a gente vive hoje, do que os meus filhos vivem hoje, né? A gente tinha aquela turma, dez, 15 meninos, tudo da mesma faixa etária e fazendo cada coisa impossível, né?
P/1 – Vocês aprontavam muito?
R – A gente aprontava muito. A gente morava numa região que tinha muito terrenos de várias alturas, então, a gente uma vez cavou um túnel, tinha um campo de futebol que ficava na parte mais alta, então para subir lá, a gente queria ter um túnel que nem tinha no estádio de futebol. Então, a gente foi lá e começou a cavar, quando os nossos pais vieram, a gente já tinha cavado uns dez metros para dentro da terra sem escoramento nenhum, sem nada, aquilo tudo caísse na gente. A gente pegava as bicicletas e tinham as escavações que o pessoal fazia para tirar argila para fazer o aterro da Petrobras, da refinaria que estava construindo. A gente botava rampa, pulava de bicicleta dentro desses… formavam lagos, né, dentro desses lagos. A gente saía para caçar, a gente aprontava para caramba, não tinha limite para o que a gente podia fazer. Meu pai tinha uns motores, como a gente ficava na Praia de Fora no verão, na Praia de Fora não tinha eletricidade, então, o meu pai tinha um motor que ele botava um carregador de bateria, um alternador de carro, carregava a bateria e tudo funcionava à bateria lá, né? E a gente pegou esse motor e inventou de fazer um carrinho, mas o nosso conceito de mecânica era ligar o motor na roda e andar, né? Então, o carrinho não tinha freio, o carrinho não tinha embreagem (risos), nessa, que gente quase se matou, né? A gente pegava emprestado a mobilete… tinha um vizinho rico na frente, o Leandro, então o pai dele comprava as coisas, o pai dele trabalhava numa concessionaria da Mercedes e aí, ele comprou aquelas mobiletes da Agrale, lindas pra caramba. E ele comprava e aquilo ficava parado lá, a gente ia lá, roubava ou pedia emprestado e saía para descer… o local onde eu morava era na beira da BR-116, então, tinham as ladeiras que desciam e na ponta da ladeira, era a BR-116 passando e a gente descia aquelas ladeiras a toda de mobilete ou de carrinho de… lá no sul chama carrinho de lomba, não sei como chama aqui.
P/1 – Carrinho de rolimã.
R – Isso. A gente montava os carrinhos, descia essas ladeiras e quando a gente batia lá na BR, a gente… ficava um olhando só para ver se não estava vindo nem caminhão, nem carro na hora. A gente tinha essa… a gente não parava, a gente não tinha paradeira, era uma coisa de estar sempre em movimento, sempre construindo coisas, sempre inventando… a gente era muito criativo, a turma era muito criativa.
P/1 – Vocês criavam muitos brinquedos?
R – Sim, a gente criava tudo. A gente fazia carrinho, a gente botava lâmpada nos carrinhos para andar, a gente fazia… pegava explosivo, bombinha pra botar dentro de tubo para fazer canhão, a gente fazia pipa, a gente fazia de tudo, fazia trabuco para tirar mamona um no outro, estava sempre envolvido construindo alguma coisa ou destruindo outra (risos).
P/1 – Você mexia um pouquinho com eletricidade nessa época, já, quando criança?
R – Já. Eu comecei muito cedo assim, eu me lembro que eu era pirralho assim, com cinco, seis anos, eu já mexia com furadeira e coisa assim, começava a montar as coisas. Eu descolava dinheiro consertando o carro dos meus amigos, fazendo modificação na parte elétrica dos carros porque aquela coisa de moda, né, tem que fazer assim, botar sinaleira daqui pra lá, tem que fazer… nesse tempo eu já fazia. Eu com 14 anos, eu comecei o meu curso técnico de eletrônica, então também, ajudou bastante, também fui para o Senai, então foi bem legal.
P/1 – Mas nessa época, como é que era a questão da energia, todo mundo tinha energia?
R – Na região onde eu morava, já todo mundo tinha energia, dificilmente tinha alguma casa que não tivesse, mas existia ainda uma coisa que hoje a gente não vê, ou não vê tanto, que ainda existe por exemplo um pouco. Alguns locais ainda dentro da cidade que não tinham energia, então tinha geração própria através de sistemas, motores a gasolina, o uso da energia era mais limitado, então as pessoas tinham bombas de água manuais, a própria iluminação, hoje a gente vê os ambientes muito iluminados, eu me lembro assim, que a gente tinha muito mais penumbra, a sala, no máximo tinha uma lampadazinha de 60 watts no meio lá, com aquela luz amarela, tenta fazer isso hoje, né? (risos) Então, eu diria assim, que talvez, dos anos 80 para cá, que é onde eu posso assim, traçar um caminho, não mudou tanto assim, o acesso, o que mudou foi o uso, o acesso dentro da cidade, ele já existia bastante. No interior era mais difícil, mas a questão é que tu tinha eletricidade para iluminar a tua casa, ver televisão e ter uma geladeira e era isso que tu precisava. Então hoje, se falta luz, tu não cozinha, se falta luz, você não faz… tu não tem a internet, tu não tem nada, né? Então, o que mudou assim, realmente, hoje a gente é muito mais dependente de energia elétrica. Eu me lembro quando eu era pequeno de faltar luz por dois dias e o máximo que o pai fazia era abrir um isopor com gelo, botar gelo dentro para não estragar as carnes, né? E era assim, a gente não dependia tanto dela. Mas era outro mundo, outras tecnologias, era bem diferente.
P/1 – E quando criança, você brincava com a sua irmã, também? Quantos anos ela tinha?
R – A minha irmã tem três anos a menos que eu, então, eu brincava até com a minha irmã, mas como eu te disse, a gente morava num lugar com muito… a molecada toda, então, tinham as meninas também, então, a gente não fazia tanta coisa juntos. Quando a gente começou a ir para festas e coisas assim que aí começamos mais a ter um convívio maior, mas a minha irmã tinha a turminha dela, tinha as amigas dela, era mais… a gente sempre foi muito amigo, mas não de brincar junto, de estar junto em tudo.
P/1 – Sei. E que brincadeira vocês faziam na época?
R – Cara, a gente jogava taco, que não sei como é que chama aqui em São Paulo, mas é uma bolinha, uma latinha de azeite e os tacos para fazer… a gente jogava, obviamente, futebol, não tem quem não tenha jogado futebol. A gente pegava pneu, pegava um pedaço de madeira para rolar pneu pela rua, aí a gente brincava muito de carrinho, a gente pegava carrinhos de plástico, enchia de pedra para ir andando e batendo um contra os outros carrinhos. A gente fazia jogo de pega, de esconder, tinha tanta coisa, era tanta brincadeira, era tanta… a gente criava. Eu sou da geração que chegou a ver o videogame chegar, quer dizer, eu tive o Atari, a gente jogava Atari, mas era uma coisa assim, tu não passava o dia no videogame, sabe, você não passava o dia na frente da televisão, tu ia lá, o videogame era um jogo para quando estava chovendo (risos), “Ah, está chovendo, não dá para sair na rua, então, vamos jogar videogame”. Sabe? Era uma coisa assim, mas não tinha essa vontade hoje que as crianças têm de estar sempre dentro de casa, a gente criava muito jogo, muito carrinho de rolimã, a gente mesmo que fabricava, empinar pipa, a gente fabricava pipa, a gente ia lá buscar o… a gente fazia as fundas que é o estilingue, a gente ia na farmácia comprar borracha de soro para fazer o estilingue, para poder fazer… pra poder caçar passarinho, sabe? A gente caçava passarinho, ia lá, depenava, a gente mesmo assava, a gente era muito mais independente, né?
P/1 – E vocês iam para a Igreja também? Você tinha uma religião em casa?
R – Sim, meu pai era luterano, né? Nós íamos… a gente nunca foi assim, muito de ir na Igreja todo domingo e tal. Eu me lembro assim, que a época que a gente ficou mais dentro da igreja, foi mais na igreja foi quando chegou a época de fazer confirmação, né, que seria o equivalente na igreja católica a Primeira Comunhão e Crisma, eles compactam num só evento, que acontece aos 13 anos e então ali, a gente ficou mais próximo da igreja e tal. A gente tinha bastante… o colégio que a gente estudava era luterano também, então tinha bastante proximidade no colégio, mas nunca fomos assim, muito religiosos, até porque a minha mãe vinha de uma outra formação, então, a coisa ficou mais…
P/1 – Complicada.
R – É, assim, não seguia tanto a questão de ter uma religião. Agora, religiosidade, a gente sempre teve. A gente sempre acreditou muito em Deus, sempre fazia oração e tal, mas tudo em casa.
P/1 – E você, nessa época, vocês acompanhavam muito rádio, muita TV? Você gostava de assistir ou não?
R – Eu gostava de assistir, mas não era tanto assim, né? O que a gente acompanhava era assim, chegava na hora do “Jornal Nacional”, pai sentava na sala, ligava a TV no “Jornal Nacional”, todo mundo sentadinho na sala, mesma coisa, chegava na hora da janta, cada um saía da sua toca, ia para a mesa, onde o pai ia contar as histórias, o que aconteceu no dia a dia de trabalho dele, a gente ia contar as nossas histórias do dia de aula ou das brincadeiras e daí, depois da janta, a gente ia assistir o “Jornal Nacional”, daí depois, a mãe ficava na novela e cada um ia para o seu canto de novo, né? Mas não tinha assim, essa dependência de TV que gente tem hoje.
P/1 – Você acha que as pessoas assistem bem mais TV hoje?
R – Eu acho que sim. Eu acho que já assistiram mais, eu acho que a TV já foi mais um centro maior de atenção do que é hoje, acho que a internet e os outros meios de comunicação, a mídia de redes sociais e tal, ela também hoje tem o seu espaço dentro do dia a dia da família, né? Mas a gente briga muito, na minha casa, a gente briga muito para que não nos afastem, porque acontece o momento de estar todo mundo no celular, todo mundo vendo alguma coisa e tal. Então, a gente tenta ir contra isso, mas isso ocupou um espaço que a TV ocupava antes, né? Mas na minha época assim, a TV não era tão importante assim, a TV estragava, ela ficava estragada um mês e ninguém dava bola (risos).
P/1 – E na sua escola, como é que você… quando é que você começou a ir para a escola e qual escola foi, você se lembra?
R – Lembro. Eu comecei bastante cedo, eu fui para o jardim da infância com cinco anos e no colégio Ivo Corseuil, colégio era um colégio estadual e então, eu fui fazer, começar no jardim da infância, ficava em Porto Alegre, perto da casa da minha avó. E era um colégio diferente do que a gente tem hoje, porque a gente tinha tudo, a gente tinha desde o dentista, a gente fazia merenda lá dentro, a gente tinha as coisas todas… todo o apoio necessário, eu tinha problema de coordenação motora, eu não conseguia escrever, eu tinha uma pessoa que me atendia lá dentro, como eu era de uma religião diferente, eu tinha uma aula de religião para luteranos, era uma escola de verdade, na época. Aí com seis anos, eu passei para a primeira série e depois, quando nós voltamos para Canoas, eu estava na terceira série, aí eu fui estudar numa escola chamada São Marcos, que é uma escola da igreja luterana, que hoje é do grupo Ulbra, do Rio Grande do Sul e eu estudei nessa rede de escolas até me formar no segundo grau e depois, quando eu comecei a faculdade, também fui para a Universidade Luterana do Brasil, que é da Ulbra também.
P/1 – Entendi, mas desculpas, você morou em Canoas até os dez anos, é isso?
R – Não, desculpe. Eu acabei me confundindo na hora em que falei. Eu morei em Canoas até os três anos, aí aos dez anos, eu retornei para Canoas.
P/1 – Entendi.
R – Dos três aos dez anos, eu morei em Porto Alegre.
P/1 – Entendi. E em Porto Alegre, você estudou nessa escola, né?
R – Isso. Em Porto Alegre, eu estudei no Ivo Corseuil depois, quando eu fui para Canoas, eu fui para a São Marcos e depois, para o Colégio Cristo Redentor, que era da mesma rede, né, que São Marcos só tinha primeiro grau e depois, o Cristo Redentor que era o segundo grau e depois, a Universidade Luterana do Brasil, que era a faculdade.
P/1 – Então, você morou mais em Canoas do que…
R – É, eu morei a maior parte da minha vida em Canoas.
P/1 – Do que Porto Alegre, né?
R – É.
P/1 – Agora, como é que era Porto Alegre e Canoas quando você cresceu? Como é que era a cidade? Mudou? Elas mudaram, não?
R – Cara assim, primeiro, dividir Porto Alegre e Canoas seria o equivalente sei lá, tentar dividir São Paulo e Guarulhos, não tem como, Guarulhos faz parte de São Paulo, não tem jeito e lá é a mesma coisa. É bem semelhante, entende? Canoas está dentro de Porto Alegre, mas Canoas era uma cidade basicamente industrial, uma cidade onde está a maior parte das indústrias da volta de porto Alegre, lá tem Massey Ferguson, lá tem a Springer Carrier, a Refinaria Alberto Pasqualini, entre outras indústrias. Mas é uma cidade assim, marginal a BR, então tu tem uma BR cortando ela todinha e todo mundo mora na beira da BR, então, dependendo dela, então, é difícil de falar de Canoas, Canoas não tinha muito também o que falar, tinha um cinema, uma cidade pequena, uma cidade sem muito o que fazer. Quando a gente queria fazer alguma coisa, a gente ia a Porto Alegre, então, muito próximo. Agora Porto Alegre é minha paixão, Porto Alegre é uma cidade… mudou? Mudou, cresceu, expandiu, é mais moderna, hoje ela está cortada por perimetrais por tudo quando é lado, mas a Porto Alegre que eu conheço é uma Porto Alegre que é uma cidade boemia, uma cidade que a gente podia sair e ouvir o que a gente queria, podia ouvir rock, eu vi nascer Engenheiros do Havaí, eu vi nascer Cascaveltetes, TNT, uma cidade onde eu vi Legião Urbana tocando em clubezinho de terceira. Porto Alegre é uma cidade cultural por si só, ela favorece a leitura, uma das maiores feiras de livro que existem no mundo está lá e a gente vai na feira do livro conhecer o autor, foi onde eu aprendi a ler, onde eu aprendi ter um pouquinho de cultura e entender que saber um pouco da nossa história só faz com que a gente se eleve, seja maior, né? É uma cidade que tem tudo, sabe, é uma cidade linda, uma cidade que te dá tudo e não te pede nada em troca, uma cidade que tu tem aquela possibilidade de ser o artista vagabundo ou ser o gênio inventor e tu é aceito por ela de qualquer maneira. Eu não vejo isso… apesar da gente dizer que São Paulo é a cidade mais… é um polo do tudo, quer dizer, tudo acontece em São Paulo, eu ainda acho que Porto Alegre é mais criativa que São Paulo, sabe? Desculpe até, mas eu acho que Porto Alegre é mais criativa, porque ela englobou tanta coisa, ela tem a cultura portuguesa muito arraigada, porque ela é uma cidade fundada por portugueses, mas ela tem o judaísmo como um grande polo, muita coisa lá de judeu, muito… ela tem a imigração alemã bastante recente, dos anos 40, 50, quer dizer, que colocou lá uma pitada do europeu dentro da cidade, ela tem a imigração italiana também que ocorreu mais ou menos na mesma época, né, um pouquinho antes, nos anos 20 e também que trouxe o vinho, que trouxe a cultura da massa, da pasta pra lá. Então, Porto Alegre é único em tudo. Tu vai comer um cheese aqui, ele não tem nada a ver com o cheese de Porto Alegre. O cheese de Porto Alegre é um prato desse tamanho, é um lanche totalmente diferente, ele é prensado, ele… sabe? Tu vai numa galeteria, a galeteria daqui, tu vai lá comer um pedaço de frango. Uma galeteria de Porto Alegre é uma casa de massas italianas completa e com rodizio e tudo, sabe? Pizzaria rodizio aqui tem algumas, lá, todas as pizzarias são rodizio. Churrascaria é diferente. Então assim, ser portoalegrense é um mantra, uma coisa assim que entra no seu ser, não tem como explicar, sou realmente apaixonado pela cidade (risos).
P/1 – E como é que eram essas escolas, primeiro, a Ivo Corseuil, você se lembra de alguma coisa, dos professores, alguma história que você passou?
R – Cara, sinceramente assim…
P/1 – Você é muito novo, né?
R – É e eu sempre fui muito assim, nesse meio, não era o meu meio de conforto, então eu era um aluno mediano, eu nunca fiquei em recuperação, nunca tive uma segunda chamada, mas sempre nunca fui o aluno nota dez, né, minha média era oito, vamos dizer assim. Mas não… eu sinceramente, da escola, eu não tenho muita lembrança assim. Eu acho que eu me fiz fora da escola, entende? Tanto escola, como faculdade, como o segundo grau, eu me fiz fora dela, a minha formação não é uma formação teórica, ela é uma formação prática tanto na vida como na profissão. Eu sou um engenheiro que foi forjado na obra, não dentro de uma sala de aula.
P/1 – Mas mesmo assim, você fez amigos nas escolas em que você passou?
R – Fiz, fiz. Mas eu sou muito seletivo na questão de amizade e vamos dizer assim, os amigos que eu fiz fora, alguns eu ainda tenho. Os amigos da escola, hoje, nem mais estão próximos.
P/1 – Entendi.
R – Entende? Eu tinha a minha turma na escola, eu conheci a minha esposa na escola, se eu posso contar uma história da escola assim, é que já no segundo grau, já nos últimos anos do segundo grau, eu estava fazendo técnico em Eletrônica, eu trabalhava, eu trabalho desde os 14 anos e eu vinha num desânimo com aquilo, não achava que era o que eu queria realmente. Então, eu matava aula e ia para a biblioteca, onde eu conheci a Denise, que a Denise era a bibliotecária do colégio e ela falava: “Tu quer ficar aqui? Tu vai ter que ler. Tu não vai ficar parado aqui sem fazer nada, tu vai ter que ler”, aí ela me apresentou… o primeiro livro assim que eu me lembro de ter lido foi “O Homem que Calculava”, e depois, aí eu comecei a ler, aí a primeira série mais pesada assim foi “O Cavalo de Troia”, e daí, eu comecei a ler e viciei e daí, eu ia para a biblioteca e ficava lendo. E lá, um dia, veio uma amiga que pegava o ônibus junto comigo para ir embora e essa minha amiga que chamava Karen: “Tenho que fazer um trabalho, vem umas colegas minhas aqui”, e tal, e chegou a Luciane e me apresentou, a gente começou a conversar. Foi interessante, uma conversa que rolou legal e tal, e a gente numa brincadeirinha assim, conversando só eu e ela, ela disse assim: “Eu não tenho ninguém que goste de mim”, e eu disse pra ela: “Então, faz que nem eu, compra um ursinho de pelúcia que tu vai ter alguém que gosta de ti” “Não tenho dinheiro” “Então pode deixar que no Natal, eu vou te dar o urso de pelúcia”, realmente eu acabei dando no Natal o urso de pelúcia para ela, porque a gente já estava namorando, o urso existe até hoje., Por uma coincidência do destino, existe uma fábrica na Alemanha de urso de pelúcia que se chama Gund e eu comprei um ursinho Gund para ela, ela tem o Gund até hoje, um ciúmes do Gund, que ninguém pode chegar, o bichinho já tem 20 e poucos anos e a gente acabou ficando, era para ser um namorico e a coisa já tem uma história aí bastante longa. Então, se a escola me deixou uma coisa realmente boa, foi isso. Aprontei muito na escola. Para ficar com a Luciane, primeiro beijo que eu dei na Luciane, ela era muito CDF, então, ela não matava aula de jeito nenhum e eu tinha que arranjar um jeito de ficar com ela, que chegava na hora do intervalo, ela estava com os colegas e eu não conseguia tirar ela dos colegas. Aí, eu entrei na sala de aula e virei todas as classes de cabeça pra baixo, aí quando chegou, não tinha sala de aula, eles tiveram que mandar primeiro arrumar as cadeiras, aí deu tempo da gente ficar, acabar dando o primeiro beijo, né? Mas assim, como eu disse, eu tinha a turma lá, aprontava na escola como todo mundo, mas não são histórias que ficaram gravadas. Não são histórias que ficaram tão fortes, assim.
P/1 – E você falou que você e a sua família viajavam um pouco. Vocês iam pra onde?
R – Na Verdade, a gente viajava pelo Rio Grande do Sul, meu pai pegava obras em todo interior, então, quando ele tinha uma obra que a gente podia ir junto, a gente ia. A gente ia para Rio Grande, a gente esteve em Pelotas, a gente esteve em alguns municípios assim, do Rio Grande do Sul viajando com o pai, sempre acompanhando ele nas obras.
P/1 – E a Lagoa dos Patos está nesse contexto, ou não?
R – Não. A Lagoa dos Patos foi assim, o Bica que era um grande amigo do meu pai, ele tinha uma casa numa fazenda, chamada Fazenda Boa Vista, que ficava, praticamente, dentro de Porto Alegre. Essa casa era uma concessão que ele tinha do pai, vamos dizer, do fazendeiro original lá. Aí, essa fazenda foi… o senhor morreu, ficou para o filho dele e o filho dele não tinha interesse que a gente tivesse aquela casa lá, então acabou que a gente ficou um tempo lá e a gente sempre ia para esse local, até que um dia, a casa apareceu queimada. Aí, o Bica começou a procurar um outro lugar e achou esse lugar que eles estavam loteando terrenos, então tu ia lá, pegava o terreno, não tinha custo, era só… eles te diziam: “Aqui é teu terreno”, e fazendo um balneário, vamos dizer assim. Era uma reserva ecológica, mas ninguém cuidava, então a gente foi para lá. Então, a gente construiu uma casinha. A casinha tinha cinco e cinquenta por cinco e cinquenta. Chegou a dormir 20 pessoas dentro dessa casinha (risos). E na Praia de Fora então, a gente ia todo verão, a gente ia… chegava dezembro, acabava as aulas, a gente ia para lá, o pai ficava trabalhando em casa e no final de semana, ele ia para Praia de Fora e quando tirava férias, ficava um tempo lá com a gente. Então, tinha a nossa casa, a casa do Bica e tinham os outros amigos, mas a gente levava tipo assim, a gente tinha casa, mas a gente levava a família toda para lá, né, e por parte de mãe, eu tenho… assim, toda a convivência com os meus primos foi muito mais por parte de mãe, né? Então, meus primos que hoje moram em Israel, o Ario, o Amiel, iam com a gente, o Maurício também e o Ismael também, o pai ia e levava todos os primos junto. Aí, a gente ficava todo mundo lá e o pessoal vinha no final de semana para fazer as coisas. Lá não tinha luz, não tinha água encanada, não tinha nada, né? Imagina assim, eram morros fechados de florestas e a Lagoa dos Patos do outro lado e aquela parte de praia. E a gente ali, a gente aprendeu a viver dentro do mato, a não ter medo de cobra, subir em tudo que era lugar, eu aprendi a nadar. Então, era um lugar interessante. Depois de uns anos, eles acabaram fechando o local, o Ibama decidiu recuperar o local para voltar a ser uma reserva ecológica, e hoje, está sob o cuidado dele. Mas era um lugar de divertimento, era o balneário do final de semana, eram as férias de verão, tudo lá.
P/1 – Sei. Você tem algumas histórias que você passou por lá que você se lembra? Que te marcaram?
R – A gente gostava muito de sair para caçar, e a gente era tudo moleque e a gente saía com as arminhas de chumbo para caçar e os nossos pais diziam: “Vão sair para caçar e não pegar nada”, a gente saiu um dia, a gente já estava cansado deles dizerem que a gente não pegava nada. Aí, a gente foi lá e tem uma ave que é muito comum naquela região que chama quero-quero, mas é uma carne ruim, uma carne dura. E nós matamos dois quero-quero, limpamos antes para chegar lá e tentar enganar os velhos dizendo que era uma came melhor. E a gente limpou, chegou lá, eles olharam: “Isso aí…”, não me lembro o nome da ave que a gente dizia que era, e eles chegaram e: “Então está, então, vocês vão fazer e vão comer”, e a gente comeu aquele negócio era ruim, cara. A gente comeu. A gente saía pra caçar rã também, saía com a lanterna e caçava rã, daí a gente limpava a rã, deixava prontinho e aí botar na frigideira e a minha mãe e a esposa do Bica iam fazer, elas diziam: “Vocês têm que cortar os tendões para não ter problema”, daí a gente não cortava o tendão da rã, quando botava na frigideira, ela começava a nadar. Minha mãe e a esposa do nosso amigo saíam correndo bravas com a gente, que aquele bicho estava vivo, que aquele bicho não sei o que… era legal. A gente subia o morro… uma vez, a gente subiu o morro e aí, a gente começou a ouvir os gritos dos bugios, aí os mais velhos sempre avisavam: “Não cheguem perto, porque eles atacam”, e a gente chegou… menino, né, a gente chegou bem pertinho, quando a gente chegou pertinho, eles começaram… eles faziam as fezes na mão e atiravam na gente, aquele negócio queima, cara, quando bate no corpo, queima, a gente saiu correndo desesperados.
P/1 – Mas o que é um bugio? É um macaco?
R – Bugio é um macaco. É o maior primata que a gente tem na América do Sul.
P/1 – Ele é muito grande?
R – Cara, ele deve ter uns 40 centímetros de altura, 50 centímetros de altura, não é grande, mas imagina um bicho que acho que de pé, chega a um metro e pouquinho, né? Mas é um animal bravo, tem uns dentes grandes assim. Lá tinha onça também, era muito legal, cara. Era um negócio muito divertido. A gente fazia cada coisa lá que… a gente brincava… a gente ia para Água Negra que era do outro lado para ir atrás dos jacarés. Era muito legal.
P/1 – Você se machucou alguma vez na infância, adolescência com isso?
R – Cara, eu tenho tanta marca assim, eu jogando futebol, tinha uma menininha que eu gostava, chamava Monique e o irmão dela estava jogando com a gente e ela chegou e começou a falar e tal e eu olhando para ela, quando eu vi, eu estava em cima do menino, eu pulei o menino, dei de cara numa arvore e levei oito pontos aqui no supercílio. Depois, um dia eu estava também ajeitando as bicicletas pra gente poder andar e tal e eu tinha as peças de bicicleta todas penduradas, eu batendo na bancada para tentar tirar a peça da bicicleta, caiu a peça na minha cabeça. Eu tinha uns 15 anos, mas eu já dirigia, que o meu pai às vezes, passava mal, que ele tinha problema cardíaco, aí o meu pai foi me levar no hospital, aquilo aberto assim, não doía, não tinha… não estava chorando e nem nada, mas eu estava com uma toalha assim, ensopada de sangue, chegou no hospital, o médico deu ponto, tudo, fechou, tudo certinho e me mandou pra casa anestesiado. Eu não enxergo do olho esquerdo de um problema de nascença. Eu estava com o lado direito todo anestesiado, quando eu cheguei na metade do caminho, meu pai passa mal, eu tenho pegar o carro e dirigi até em casa, ainda (risos), mas eu tenho assim, eu sou cheio de cicatrizes de andar de bicicleta, de cair de bicicleta, falta um pedaço da canela, falta um pedaço do joelho, tem ponto na cabeça para tudo que é lado, tem ponto na mão… eu nunca quebrei nada na infância, eu fui quebrar o braço já com quase 30 anos trabalhando, mas na infância nunca quebrei nada, mas me cortei de tudo quanto é jeito que você pode imaginar. A gente se machucava bastante, cara. Era violenta a coisa.
P/1 – Agora, você falou pra mim que você começou a trabalhar cedo?
R – É, com 14 anos, na nossa turma, tinha uma turma mais velha e então, eu andava mais com esse pessoal mais velho, que era em torno de dois, três anos mais velhos do que eu e nessa época, a gente… a gente podia fazer carteira de trabalho com 14 anos, né? Então, aos 14 anos, eu fiz a minha carteira de trabalho e fui atrás de um emprego, contra a vontade do meu pai, fui trabalhar numa empresa chamada Icro, que era uma empresa de componentes elétricos para carro. Aí, comecei a trabalhar ali, pra quê? Porque eu queria ter o meu dinheiro para sair, eu queria ter o meu dinheiro porque os meus colegas tinham, e aí, comecei a trabalhar ali e nunca mais parei, né? Depois, eu fui para o Senai, daí eu curti a história do Senai, então eu trabalhava… eu ficava meio turno no Senai e o restante eu ficava na empresa, e foi quando o meu pai teve um infarto e eu estava com 16 anos nessa época e o meu pai teve um infarto e eu voltei… quando eu voltei do hospital, eu conversei com o gerente da empresa e disse: “Olha, eu quero um emprego de verdade, porque eu preciso ajudar em casa”, aí ele conseguiu um emprego de auxiliar de manutenção, eu fiquei ali dentro, a empresa chamava Bojunda Dias, que era a empresa que o meu pai trabalhava e eu fiquei trabalhando na oficina durante um tempo, depois, um supervisor me chamou: “Vamos para obra? Aqui, você não tem futuro, vamos para obra”, e eu fui para a obra e me apaixonei. Fiquei. Daí, eu fiquei até a empresa falir, a empresa faliu em 94, eu estava recém-casado, estava com meses de casado, então imagina, aí eu fui trabalhar numa outra empresa chamada Tecnogera e foi quando eu comecei a viajar. Aí, eu fui para o Espírito Santo, eu fiz um ano de casado, eu estava viajando, estava no Espirito Santo, fiquei alguns meses lá e aí, os colegas da empresa, da Bojunga Dias se uniram para abrir uma empresa para começar a fazer alguma coisa, porque todo mundo desempregado, tinham algumas obras que a Bojunga Dias tinha começado e não tinha terminado, então, a gente abriu a RGM, na época e fomos para dentro da Gerdau terminar um serviço que a Bojunga Dias não tinha terminado. Aí, eu fiquei 12 anos… eu entrei para a Gerdau, fiquei 12 anos lá dentro, passei de terceiro para funcionário, cuidando da parte de fornos, cuidando da parte… e ali que eu comecei a fazer o que é a minha especialidade hoje que é eletricidade de potência, que é alta tensão, alta potência. E comecei a fazer trabalhos em subestações de 230 mil volts, subestações de 23 mil volts e comecei a me desenvolver, desenvolvi bastante, a Gerdau me contratou para eu continuar fazendo o serviço lá, depois de uns anos, eu me desentendi com um engenheiro que trabalhava comigo, acabei saindo da empresa em seguida disso e daí, comecei a virar o mundo aí com testes de equipamentos, que se chama comissionamento. Então, eu fui… mas eu sempre fui muito novo para a experiência que eu tenho. Hoje, quando eu falo que eu tenho 42 anos, as pessoas: “Poxa, mas ainda é novo”, mas eu estou desde os 14 na… eu estou com quase 30 anos de profissão. Então, é bem significativa a experiência que eu criei nesses anos.
P/1 – Agora, eu vou seguir. Tudo isso começou no Senai nesse emprego, lá?
R – Isso. Tudo começou na Icro, antes do Senai, na Icro, montando regulador de voltagem para carro.
P/1 – Agora, o que vocês faziam nessa época para se divertir, para sair? Na juventude?
R – A gente ia para festas. Cara, era muito diferente, tinha reunião dançante. Reunião dançante, a gente ia para a casa do colega, montava lá umas lâmpadas, botava uns discos e ficava tocando música à noite toda e dançando na casa de alguém.
P/1 – Era mais em casa, então?
R – A gente ia para clube também, a gente ia para o CSSGAPA, que era o Cassino dos Oficiais da Aeronáutica, tinha o Aliança de Esteio também, que era uma casa noturna, mas não era tão casa noturna como hoje, entende? Eram clubes que promoviam festas, não tinha aquela coisa assim, de ter… É uma casa especifica disso, não, era um clube que fazia festas nos finais de semana. Então, sexta, sábado e domingo tinha festa. Durante a semana, era mais barzinho, era o que a gente chama no sul de Cheese, que são lanchonetes, a gente ia para as lanchonetes com os carros e muito baseado no carro, né, carro preparado para corrida, fazendo racha, muito baseado nos carros. Eu comecei a dirigir com 11 anos, comecei a dirigir porque o meu pai tinha medo dele passar mal, minha mãe não dirigia, comecei a ser um apoio para o pai. Depois disso, eu fui… com 13 anos, o pai comprou um segundo carro, então, eu tinha uma Brasília azul e com essa Brasília azul, eu rodava por tudo, mesmo sendo menor de idade, sem carteira, a gente rodava tudo de carro, eu preparava, eu mexia nela, eu fazia mecânica, eu fazia elétrica, eu fazia tudo para fazer ela funcionar e também tinha um dinheirinho já, né, quer dizer, com 14 anos, eu já estava recebendo, já podia pagar a gasolina, já podia fazer as coisas pra poder sair.
P/1 – Você gosta de carro? Você tem alguma história que você passou dentro de um carro ou…?
R – Eu acho que o carro, por si só, é uma história, né? Eu gosto, adoro carro. Eu tenho hoje uma Variant 72, está lá no sul ainda guardada, está na casa do meu sogro e eu sempre achei assim, que o carro, ele representa muito a época, né? Hoje, a nossa época é representada por vários carros que estão aqui. Se eu pegar um carro dos anos 70, ele representa bem a época dos anos 70, a simplicidade, o carro não tem ar condicionado, ele não tem nada, ele não tem vidro elétrico, entende? Representa a realidade do momento no país, no local onde tu está. Então, eu realmente sou apaixonado por carro, fiz cada coisa, rodei, quase bati, bati duas vezes na traseira… eu tinha imã por traseira de Mercedes 608, bati duas vezes na traseira de uma Mercedes 608 com uma Brasília que eu tinha azul. Mas eu não tenho… eu acho que carro, o legal dele é que ele mostra na construção dele, ele representa bem os anos 80, os anos 70. Se tu pegar uma DKV, tu vai lembrar dos anos 60, se tu pegar um Simca Chambord, você vai lembrar do final dos anos 50, anos 60, quer dizer, ele tem na confecção dele, a representatividade daquilo, então por isso que eu acho que carro é tão legal assim.
P/1 – E você, nesse período, você estava namorando com a sua esposa, mas vocês casaram logo em seguida, foi isso?
R – Nós começamos a namorar nós dois tínhamos 17 anos, nós temos exatamente a mesma idade, ela é de 73 também, ela é de abril, eu sou de janeiro. A gente começou a namorar com 17 anos no colégio, como eu contei e com 20 anos, a gente casou. Foi bastante rápido assim, mas também, eu trabalhava, ela trabalhava, a gente… eu com 16 anos, eu comecei a pagar um apartamento que o meu pai tinha para ficar para mim, eu dava o dinheiro para ele pra ele… para poder ficar com o apartamento. Então, para casar, teve uma prima minha que casou e se separou e ficou com os móveis, então eu comprei os móveis dela e eu pagava por prestação semanal, eu recebia por semana, toda semana eu ia lá e pagava a prestação direitinho pra ficar com os móveis. Então, quando chegou com 20 anos, a gente tinha tudo, a gente tinha móvel para dentro de casa, a gente tinha o nosso carrinho que era Brasília velha, mas funcionava e tinha o apartamento, então, a gente: “Vamos ficar junto”, na época também, a minha casa era bem complicada por causa da minha irmã incomodando bastante, aí eu me livrava um pouco disso também, a gente acabou casando, mas foi bem rápido.
P/1 – Sei. E você contou um pouquinho pra mim como que foi o casamento, mas você pode contar de novo como é que foi o dia?
R – Aquele dia foi legal, cara. A gente casou… o casamento foi no dia 19 de junho, era um dia frio no Rio Grande do Sul, bastante frio. E assim, no dia anterior… a gente pegou a casa na quinta-feira, a gente alugou a casa e na quinta-feira, a gente pegou, botou os móveis que tinham dentro e na sexta-feira, eu dormi na casa, de sexta para sábado, casamento era no sábado à noite, a gente dormiu… eu dormi na casa e de manhã, acordei pra ir comprar o colchão, que a gente não tinha colchão ainda (risos), sai, comprei o colchão, com o colchão em cima do carro, eu parei no cartório para fazer o casamento civil, a gente casou no civil pra noite fazer a… eu larguei o colchão em casa e fui para o salão começar a decoração. Eu já tinha ido no salão antes, às oito horas da manhã, retornei para o salão, então lá, a gente arrumou as mesas, fez todas as decorações, as decorações que também foram para a igreja, fui comprar carne que foi um churrasco, né, então para o assador, com o assador comprar carne, passei o dia envolvido. Quando era mais ou menos, sete da noite, eu me lembro… era seis e meia mais ou menos da noite, eu me lembrei: “Pô, tenho que me arrumar”, eu não tinha cortado o cabelo, eu não tinha feito a barba, eu corri pra casa, do lado da minha casa tinha a Sônia que era uma das madrinhas, eu cheguei na Sônia: “Sônia, faz alguma coisa no meu cabelo, pelo menos, para não ficar tão ruim”, a Sônia me ajudou e eu me preparei, eu cheguei na igreja, eu não tinha comido nada o dia inteiro, eu quase desmaiei, eu quase cai no… quando eu comecei a ficar parado pra… quase que eu desmaio, cara, foi um negócio muito interessante, porque eu comecei a tontear e eu não sabia o que fazer, porque eu era magro pra caramba, mas eu era assim, grande ainda, e eu pensei: “Pô, eu vou cair aqui e vou fazer o maior fiasco”, e tem na filmagem do casamento, tem eu assim, sabe, balançando assim, quase caindo. Aí, foi feito o casamento, quando eu estou saindo na porta da igreja, uns amigos que a gente não tinha convidado, só tinham 130 lugares, exatamente, 130 lugares, tinha louça para 130 pessoas, mesa para 130 pessoas, cadeira para 130 pessoas. Eu tinha 130 pessoas convidadas e pelo o que eu via na igreja, todo mundo estava lá, ninguém tinha faltado. Aí chegam dez amigos, eu olhei: “não, vocês vão para a festa também” “Não…” “Não, vocês vão para a festa também”, botei no meu carro, arranjamos carro, fizemos tudo, chega lá, todo mundo fazendo a festa e eu lá no ginásio, tirei o paletó, todo mundo ajudando, catando umas tabuas e uns cavaletes para fazer mesa e cadeira para caber os amigos para todo mundo ficar junto na festa. No fim, a festa foi sensacional assim, aí chegou uma e pouco da manhã, eu disse pra Luciane: “Vamos embora. Eu não aguento mais, estou com fome, estou cansado”, porque eu não comi nada na festa também, porque tu fica aquela movimentação… aí, ela: “Não, vamos embora”. Quando eu sai, o guarda do salão diz assim: “Olha, já passou da hora, tem que terminar a festa, o senhor tem que ir lá e encerrar”, eu disse: “Cara, se tu quiser encerrar, tu encerra, tá lá, o pessoal tá lá, entra lá e tenta…”, conta o pessoal, claro, a gente foi embora, né, conta o pessoal que quando ele foi lá tentar encerrar, daí sentaram ele numa mesa, deram churrasco para ele, ele ficou lá, acabou ficando lá até o final da festa (risos), que foi em torno das quatro horas da manhã. Aí, terminou, a gente foi dormir, a gente não fez lua de mel, não tínhamos condições financeiras para isso, nós fomos dormir, quando chegou sete horas da manhã, eu ouço uma buzinada e começaram a bater na janela, quando eu abro a janela, está o meu pai, meu tio, eles vieram com o carro do meu tio, um Fiat 147 azul pararam na frente da janela do nosso quarto, pegaram uma mesa dessas de abrir de bar, botaram ali, botaram uma caixa de cerveja, os dois tomando cerveja para ver se o casamento tinha sido consumado (risos). Minha esposa até hoje é brava com eles, porque eles não saíram de lá até o meio-dia (risos), enquanto não acabou aquela caixa de cerveja, eles não foram embora (risos). Foi um dia muito legal. Um dia memorável! A família toda estava lá, foi um dia de integração, sabe, acho que foi a última festa que a principalmente a família do meu pai teve com todo mundo. Depois, a família foi se afastando e aos poucos, foi terminando aquela integração que existia.
P/1 – E depois, vocês foram morar no apartamento que vocês estavam lá em Porto Alegre, mesmo?
R – A gente morou um ano numa casa alugada lá em Canoas, mesmo, depois a gente… depois de um ano, a gente entrou na justiça, conseguiu tirar o inquilino e fomos morar no apartamento. Eu me lembro assim, que quando a gente entrou no edifício, era um edifício muito simples, era um condomínio, né, minha esposa chorava que ela dizia que o lugar era ruim e tal, mas a gente deu tanta sorte que a gente chegou lá e começou uma reforma tudo, todo mundo se ajudando, a gente fez um mutirão e ficou muito lindo o condomínio, o condomínio foi… e foi acho o que firmou a gente como família, porque era longe da onde minha sogra, meus pais moravam, então a gente se firmou como família, foi muito legal. Lá, nasceu o Felipe, Felipe nasceu nesse apartamento ainda e daí, quando estava para nascer o nosso segundo filho, a gente se mudou, voltou para Canoas para ficar mais fácil da minha esposa cuidar da criança e tal, cuidar das crianças, só que daí, a gente perdeu esse nenê e a gente não sabe ao certo se foi por causa da mudança, o que houve, a gente acabou perdendo e depois, aí deu aquele desespero e tal, era para esperar um ano para engravidar de novo, a gente engravidou com seis meses, daí nasceu o Lucas, né? Que é o preto e o branco, o Lucas é moreno de olho escuro e o Felipe é loiro de olho claro (risos). Mas a gente viveu bastante ali, essa parte de Porto Alegre foi bem interessante, foi um aprendizado bom para…
P/1 – A sua esposa, ela fazia o quê? O que ela faz?
R – Minha esposa era técnica de enfermagem, hoje ela é fisioterapeuta, né, mas ela era técnica de enfermagem na época. Na verdade, quando eu conheci ela, ela estava se preparando para um concurso na base aérea para ser auxiliar de enfermagem da base aérea, aí eu não deixei ela ir, porque se ela fosse, ela viajaria o Brasil pela base aérea e a gente ia se afastar. No fim, ela acabou ficando parada no lugar e quem começou a viajar fui eu (risos).
P/1 – E como é que foram os trabalhos que você fez? Em relação a eletricidade, você passou por que áreas?
R – Cara, eu comecei na área de montagem industrial, onde eu trabalhei em várias pequenas indústrias montando pela Bojunga Dias, mas a minha história começou mesmo na Gerdau. Eu cheguei na Gerdau um eletricista ainda, começando e lá, eu conheci um engenheiro chamado Carlos Maia, uma pessoa bastante difícil de lidar, mas que me ensinou muito e ali, eu comecei a me apaixonar pela alta e média tensão. Então, na Gerdau, eu montei todo o sistema… a gente tinha um sistema de 50, 60 anos funcionando, um sistema elétrico, a gente bolou todo novo sistema, a gente… eram várias subestações, vários equipamentos dentro de uma área em funcionamento e ali, eu comecei a me apaixonar por isso, então, eu montei o sistema Gerdau, eu montei o sistema depois da Araçariguama, uma planta que tem aqui em São Paulo e dentro da Gerdau, eu desenvolvi vários trabalhos junto com o Jobson Modena, por exemplo, que é hoje um dos grandes papas da parte de proteção de sistemas atmosféricos, proteção contra raio e tal e a gente desenvolveu muita coisa lá em termos de tecnologia para poder atender a área da siderurgia. Depois disso, depois de 12 anos lá dentro, eu saí e fui trabalhar numa empresa chamada PID que hoje, atualmente, ela faz parte do grupo SGS e onde eu passei a fazer comissionamento, que são testes finais de equipamentos. Dentro disso, a gente desenvolveu a sistemática de testes de equipamento, onde a gente comissionou dentro da Petrobras, comissionamos plantas dentro da Bardella, fabricação de equipamentos, as maiores pontes rolantes hoje instaladas no Brasil são equipamentos de movimentação de carga industrial, elas iam ser feitas na Alemanha, porque diziam que o Brasil não teria capacidade para fazer isso e a Bardella topou o desafio e nós topamos junto e fizemos e está lá funcionando na ThyssenKrupp, uma ponte de 300 toneladas, está lá funcionando perfeitamente com totalmente mão-de-obra e tecnologia brasileira. Então assim, a minha história dentro da elétrica foi sempre tentar inovar, sempre tentar trazer o que a gente aprende de um lado para o outro e assim por diante. Depois de ficar alguns anos na Bardella prestando serviços para esse tipo de equipamentos, pintou um desafio para a gente ir para o Maranhão, comissionar uma planta que estava sendo montada dentro de uma planta existente, uma planta de beneficiamento de alumínio, eram 26 subestações e a gente foi para lá e fez de novo, desenvolveu toda uma sistemática para conseguir interligar aquilo de uma forma real, que funcionasse e principalmente, fazer com que o sistema, acho que um dos grandes feitos, fazer com que o sistema elétrico equalizasse com o sistema de geração que eles tinham, porque o sistema de geração era compatível, ele era menor do que o consumo deles de energia. O sistema de geração tinha capacidade de 70 megawatts, enquanto que eles chegavam a consumir 80, 90 megawatts na refinaria, refinaria de alumínio. Então, lá existia um projeto americano da Rockwell americana para um sistema que não funcionava. Nós entramos lá e desenvolvemos um projeto em que eu entrei de cabeça, foi um projeto que foi um fio de verdade para fazer com que caso faltasse energia da concessionária, dentro de 200 milissegundos, quer dizer ¼ de segundo, menos de ¼ de segundo, o sistema conseguisse reagir e desligasse parte dos equipamentos para que a potência gerada fosse suficiente para manter a planta operando. Isso funcionou super bem, hoje é referência no mundo aí nessa linha. Eu fiquei anos nesse desafio, claro que eu estou resumindo bastante, passei nesse meio tempo, passei pelo meio da Floresta Amazônica, montando sistemas no meio da Floresta Amazônica, eu passei por refinarias de petróleo, eu passei por plataformas de petróleo, mas eu acho que o grande significado é no momento em que eu amadureci suficientemente para começar a importar um pouco mais, a trazer a diferença para o sistema. Depois desse trabalho lá no Maranhão, o Jorge que é o diretor hoje de Engenharia e Manutenção do Einstein, ele tinha um desafio bastante grande aqui no Einstein de estabilizar o sistema elétrico, porque existiram alguns incidentes envolvendo paradas de fornecimento de energia dentro do hospital de até 15 minutos, que é bastante crítico num hospital e eles têm uma equipe de manutenção excelente, mas eles queriam trazer algo novo. Então, eu entrei e nesse um ano dentro do hospital, a gente desenvolveu uma nova filosofia de funcionamento do sistema elétrico do hospital. Nós já investimos no último ano, algo em torno de 35 milhões de reais para levar o sistema elétrico do hospital para um novo patamar, entende? Então, hoje, o meu dia a dia é desenvolver soluções para que a gente possa ampliar o sistema elétrico, dar mais segurança sem espaço, com limitação, eu não posso desligar o sistema para ligar o outro, sabe? Hoje, o meu desafio é muito legal. Hoje, é um desafio sensacional, porque imagina tu trocar o pneu de um carro com o carro andando, é o que eu faço, é o meu dia a dia.
P/1 – Sei. Eu vou chegar ainda no Einstein de novo. Mas na Gerdau, o que aconteceu? Você disse que tinha um engenheiro que ele era difícil de lidar com ele, mas também era um desafio novo que era com média e alta tensão, não era?
R – É que o Maier era um gênio, era o diferencial, o Maier era o cara que realmente fazia a diferença, só que a parte pessoal dele era bem complicada, ele achava que todo mundo tinha que ter a velocidade de raciocínio que ele tinha, entende? Mas por outro lado, eu comecei a trabalhar com ele desenvolvendo as soluções para que a gente pudesse seguir o funcionamento da Gerdau, porque ela tinha uma subestação que já tinha 30 anos e essa subestação incendiou, ela teve um incidente em que um transformador na área acabou sendo levada para a subestação através dos cabos e daí quando chegou o problema na subestação, ele não ficou aparente. Aí nós fomos chamados, nós fomos até a subestação, eu fui manobrar o disjuntor para fazer o religamento da subestação, quando nós fizemos isso, o disjuntor explodiu e quando ele explodiu, ele colocou fogo praticamente na subestação inteira. Então, nós fizemos um trabalho de recomposição e a partir dali, nós começamos a fazer um… a bolar um novo sistema, quer dizer, bolar a virada da subestação. E o Maier sempre foi… apesar dessa dificuldade, de relacionamento difícil, de uma pessoa que gritava facilmente e tal, tinha um outro lado, ele conhecia muito e trouxe muito para nós, então, a gente desenvolveu novos sistemas, foi a primeira subestação automatizada de uma siderúrgica no Brasil, a gente trouxe novas tecnologias para dentro e ali, eu aprendi a olhar fora da caixinha, ali eu aprendi a olhar a solução e não o problema, quer dizer, hoje o pessoal costuma discutir muito o problema, e ali, o que o Maier me ensinou, o que o Maier me trouxe na vida foi: “Não escuta o problema, escuta a solução”, o problema já existe, a solução não, então vamos trabalhar na solução. Ele foi um grande professor, um grande mestre nesse sentido, só que depois de uns anos, se torna inviável quando a pessoa é muito difícil de trabalhar, se torna inviável, o nível de estresse é tanto, que tu não consegue mais seguir. E daí, o momento que a gente teve… teve uma série de, vamos dizer assim, diferenças, só que chegou um ponto em que a diferença era tão grande que não era mais possível trabalhar junto. E nesse momento também, com a entrada de um novo gerente na Engenharia, que também tinha umas ideias que não fechavam, acabei saindo da empresa, mas sem mágoas, sem problemas, continuo com amigos lá, mas foi a grande escola. A gente desenvolveu muita coisa legal lá dentro.
P/1 – Agora, da Gerdau até antes do Einstein, você trabalhou mais ou menos, numa… pelo o que eu entendi, numa escala mexendo no âmbito da energia grande, né, de questões macro, né?
R – Isso. Na verdade, o Einstein, em termos de capacidade instalada, é o menor lugar que eu trabalho, mas é um desafio grande, mas por exemplo, lá na Alumar, ela tem alguma coisa na faixa dos 400 megawatts instalados, são transformadores muito grandes, um grande consumidor que recebe direto, tem uma subestação da Eletronorte para atender a Alumar. A Alumar em pleno funcionamento, hoje ela não está em pleno funcionamento, mas em pleno funcionamento, ela consome quase duas vezes o que o estado do Maranhão consome, entende? Antes disso, a própria Gerdau é uma grande consumidora, a indústria siderúrgica também… quando a gente coloca 100 megawatts, coisa assim, poxa, um megawatt é um milhão de watts, um watt o que vai dar? É um volt e um ampere, uma lâmpada nossa hoje dessas normais, ela está na faixa dos 15 watts, dez a 15 watts, então para ter uma ideia do tamanho da coisa, né? Então, sempre trabalhei com esses grandes equipamentos. Mas o Einstein não é diferente, ele pode não ser um grande equipamento, o Einstein hoje consome em termos de seis megawatts por hora e isso, se a gente pensa, não é tão grande em relação ao que era, mas se a gente considerar em comparação a uma casa, são milhões de casas, entende? Então, ainda é grande, porque assim, é muito mais complexo, porque hoje, eu não posso desligar a hora que eu quero, eu tenho sempre gente dentro do hospital, então, eu não posso fechar um hospital e dizer: “Vai ficar dois dias fechado para reforma”, não tem como, entende? Então, o desafio é maior, o desafio é bem maior.
P/1 – Agora, nesses projetos que são macro assim, quais que eram as dificuldades, eram parecidas as dificuldades entre um projeto e outro? Lidar com um projeto dessa escala era complicado?
R – Sabe que a grande dificuldade hoje de projetos no Brasil são as pessoas. o Brasil tem acesso aos melhores equipamentos no mundo, nós temos acesso às maiores tecnologias do mundo, mas nós não temos ainda a mão-de-obra necessária para que isso se consolide. Então, o grande desafio hoje de qualquer projeto grande são pessoas e aí, que eu acho que está ao mesmo tempo, o grande desafio, mas o grande prazer, tu desenvolver pessoas para isso. Acho que o que mais me dá prazer é que em cada lugar que eu tenho passado, eu tenho desenvolvido pessoas, eu tenho deixado um legado de pessoas com capacidade melhor direcionada, porque ninguém… eu tenho uma teoria que ninguém aprende, todo mundo se direciona melhor ou pior, quer dizer, a gente já tem dentro da gente o conhecimento básico para poder aprender qualquer coisa, a questão é a direção que tu dá para isso e a gente. Vou falar um pouco de um projeto menor, mas eu acho que foi muito legal, é a Mineradora Taboca, uma mineradora que fica em Presidente Figueiredo, uma cidade a uns 300 quilômetros de Manaus e na verdade, é um município daqueles mega municípios do Amazonas, e a mineradora fica dentro de uma reserva ecológica chamada Waimiri-Atroari, então tu coloca pessoas num local totalmente deserto, um local que é uma vila de uma mineradora, tem 600 casas lá dentro e tu precisa fazer as coisas acontecerem dentro desse ambiente inóspito, e ali que tu conhece as pessoas, ali eu tive profissionais que eram de minha inteira confiança e quando chegaram lá, não serviram para nada e ali, eu tive pessoas que ninguém imaginava que seriam bons profissionais e que fizeram a diferença porque a pessoa reage diferente em cada ambiente. E toda vez que tu confina as pessoas, tu mostra o que há de melhor e o que há de pior nas pessoas. Então, dentro da obra, como aconteceu lá, o que a gente precisou fazer lá era não administrar uma obra, mas sim, administrar o ânimo das pessoas, a gente tinha que buscar divertimento, a gente tinha que buscar entretenimento para as pessoas para que elas não desanimassem e conseguissem continuar tocando a obra. Isso é um desafio legal, isso é o grande lance, o equipamento, como eu disse, o equipamento está aí, a tecnologia existe, a gente pode até modificar um pouco e tal, mas o lidar com pessoas, o tu pegar um cara que era teu ajudante e cinco anos depois, ver que ele é um técnico formado, que está dando muito de si, isso é a diferença, ou tu pegar um profissional que entrou lá desistindo, dizendo: “Olha, eu estou aqui só pelo salário”, e depois tu vê ele virando 12, 15 horas para resolver um problema porque ele sabe que aquele problema é importante para o todo do funcionamento, isso faz a diferença. É isso que te faz sentir um profissional bem sucedido.
P/1 – E você tem algumas histórias que você se lembra de situações que você passou, boas ou ruins, mas que te marcaram da obra, histórias que te contaram? Imagino que você tenha passado por muita coisa em obra.
R – Difícil é contar isso. Difícil é escolher, é saber…
P/1 – O que escolher, né?
R – É, porque a obra é uma coisa tão… ela é tão marcante dentro da gente, quando está na obra, a tua família está lá, né, então acontecem coisas assim, que a gente não espera, a gente vê colegas que ficaram doentes, que a gente luta e faz tudo junto para tentar vender, mas é tão difícil de contar, são coisas assim… são vivências que tu tem dentro da cabeça, que tu tem dentro do teu coração, mas que tu não consegue externar com facilidade, né?
P/1 – Mas são coisas traumáticas ou coisas…?
R – Não. São coisas boas e coisas ruins, a obra te deixa marcas de todas as maneiras. Eu dou um exemplo assim, eu tinha um colega chamado Celso, eu entrei na Gerdau ainda pela LGN, a gente contatou ele, um eletricista excelente, um cara super dinâmico, trabalhador, tal, uma pessoa muito legal de lidar. Fazendo um serviço, o Celso levou um choque na cabeça e esse choque acabou criando um tumor, começou a ter dor de cabeça, desmaios e tal e o que é interessante? Eu acho que se ele tivesse no que a gente chama de mundo normal, provavelmente, a empresa afastaria ele, deixaria ele de lado e ele faria o tratamento e seria assim. A gente fez diferente, ele ficou na obra até praticamente um mês antes do tratamento, mesmo com as dificuldades e tudo, ele estava lá, ele se sentia útil e aquilo mantinha ele com a gente, mantinha ele animado o suficiente para… aí, a gente bolou todo um esquema porque se ele entrasse no hospital para fazer a cirurgia como uma coisa eletiva, ele entrava numa fila. Então, o que nós fizemos? Nós simulamos um acidente de trabalho, nós em acordo com a direção da empresa, nós simulamos um acidente de trabalho e levamos ele para dentro da Santa Casa de Misericórdia como um acidente de trabalho. Ele entrou como acidentado e foi para a cirurgia imediatamente. Ele foi para a cirurgia, tirou o tumor e ele voltou para a obra. Voltou mais devagar, mais… mas voltou. E cara, contando, parece que não tem a importância que tem, mas se tu passasse por cada momento que isso trouxe, entende? Aquele momento da gente simulando, colocando ele num carro, aí a gente entrando lá no hospital como se ele tivesse se acidentado, como se ele tivesse se machucado naquele momento, a gente contando a história, inventando uma história para o médico sobre… dizendo que a gente não sabia o que tinha acontecido, que ele estava desmaiando e coisas assim e depois, o dia que ele voltou para a obra, sabe, acho que foram seis meses depois, mais ou menos, ele voltou para a obra, cabeça raspada, falando mais devagar, mais lento, mas ele estava lá, ele era o Celso, que a gente tinha conseguido trazer de volta para a obra, entende? É uma família, é diferente, é uma vida que a gente, mesmo não querendo, a gente vira amigo, né? Os inimigos dentro da obra existem, mas eles acabam… num momento de dificuldade, eles acabam se juntando, né? Mas a gente tem outras histórias assim, engraçadas, por exemplo, a gente foi ligar uma bomba e a bomba não funcionava. Uma bomba d’água não muito grande e a bomba não funcionava, não funcionava, isso dentro da Gerdau, e passamos horas lá, desmontava isso, desmontava aquilo, tudo ok, né? Daqui a pouco, chegamos no painel da bomba, abrimos para ver o que estava acontecendo e porquê que ela ficava desarmando toda hora. Cara, o ratinho bonitinho foi lá, fez o ninho dele bonitinho, nasceram os filhotinhos e um dos filhotinhos, ele entrou para dentro de uma parte móvel do equipamento de controle e cresceu lá dentro (risos) e travou o equipamento. Aí, para tu explicar uma coisa dessa, é uma coisa que não tem… quando tu olha aquilo e o legal é que quando desmontamos o equipamento, o bichinho saiu vivo lá de dentro, a gente não matou o bichinho. Outra é que foi uma piscina de influentes que entupiu e ninguém sabia o que era e era um jacaré que entrou para dentro do tubo de saída e influentes e ficou entupindo o tubo (risos). Então, essas são as histórias que a gente sempre tem, mas nessa hora assim, é muito difícil de buscar, a gente fica pensando em tudo que vai contar, mas é muito difícil de contar tudo, né?
P/1 – Agora, você também falou que teve esse acidente. Trabalhar com energia é uma coisa perigosa, todo mundo sabe. Você passou por algumas coisas também?
R – Cara, eu graças a Deus, eu tenho o orgulho de dizer que eu nunca perdi um funcionário por choque elétrico, eu tive acidentes graves, teve um funcionário meu que ele foi mexer numa ponte rolante e explodiu, fechou um arco e queimou as mãos gravemente. Mas assim, a eletricidade não perdoa, às vezes, Deus está ali para te puxar para fora, mas a eletricidade não perdoa. Eu perdi um colega que estava sentado numa latinha de tinta, mexendo numa tomadinha na parede, uma tomadinha 110 volts, ele levou um choquezinho, não um choque… e teve uma parada cardíaca e faleceu ali mesmo. Então, o nosso meio tem muitas histórias de coisas assim. Equipamentos que falham e que acabam matando pessoas, só que a gente tem que pensar que não é isso que nos move. A segurança do trabalho, hoje, é uma coisa bem consolidada, mas nem sempre foi assim. A segurança do trabalho é o que hoje evita que muitas pessoas morram porque a eletricidade não é visível, tu não consegue sentir ela, tu não consegue olhar para um fio e saber se ali dentro tem ou não eletricidade. Mas não podemos ter a falsa impressão que todo mundo que está lá está arriscado a morrer a qualquer momento, não é assim. Eu vi poucas mortes, poucos acidentes graves ao longo dos tempos e normalmente, normalmente não, praticamente todos os que eu vi, eles foram gerados por um defeito grave nosso, que é o excesso de confiança. A pessoa que acha que sabe tudo, entende? Então, o grande segredo para estar dentro de um ambiente de risco com eletricidade e não sofrer nenhum acidente é respeito. Eu nunca sei tudo, eu nunca tenho certeza, eu sempre vou checar duas vezes antes de prosseguir. Então, eu poderia contar aquelas histórias horríveis aqui, mas eu acho que não cabe, não é o nosso objetivo assustar as pessoas, a eletricidade não é tão perigosa assim, ela nos traz mais benefícios do que riscos. A gente só tem que respeitar, se tu vir um fio caído na rua, não passa por cima dele, ponto, não te arrisca, só isso. Se está chovendo, não vai para a beira da praia, porque o raio vai cair, o raio vai chegar lá. Então, se tu tiver um pouquinho de respeito, eu tenho certeza que muito menos acidentes aconteceriam, né?
P/1 – E agora, no Einstein, você pode detalhar um pouco o seu trabalho? E o desafio de agora? Você falou um pouco, mas como é que foi, como é que está sendo isso daí?
R – O Einstein, acho que primeiro, tem que contextualizar o Einstein, né? O Einstein é uma sociedade beneficente, muito contrário do que todo mundo pensa, hoje o Einstein faz muito mais atendimentos gratuitos do que atendimentos pagos. O grande volume do Einstein é a parte beneficente, só que o que baseia a parte beneficente é a tomada de lucro, quer dizer, a tomada de verba para poder fazer o restante e o que traz o grande… a grande receita para o Einstein é a unidade Morumbi, que todo mundo conhece, que é o Hospital Albert Einstein, unidade Morumbi. Ali, o que foi o desafio que foi me dado? Me chamaram dizendo o seguinte: “Nós tivemos vários eventos onde a eletricidade é desligada por algum motivo e alguma parte ou todo o hospital fica sem energia e isso é um risco alto, já houve casos do paciente estar em cirurgia, o médico está com o coração do paciente na mão e faltar energia”. Então, o meu desafio é trazer segurança, mais segurança, porque o sistema já é muito seguro, mas trazer mais segurança ao Einstein, de que forma? Trazendo todo o conceito que a gente tem fora para dentro. Então, eu cheguei no Einstein há um ano e pouco atrás, um ano e quatro meses atrás com um desafio bastante duro: pegar um sistema já em funcionamento, pegar um sistema já consolidado e trazer a segurança para dentro desse sistema. Então, entrei numa equipe de manutenção muito competente, só que com o objetivo da gente melhorar o que já é bom, entende? Esse é o difícil, quando tu tem a visão clara do problema e quando tu tem alguma coisa ruim, é fácil de melhorar, mas quando tu já tem o bom, é o difícil e é o que acontece lá. O desafio é melhorar o que já é bom. Então, nós montamos um plano, é um plano de cinco anos, onde a gente está reformulando aos poucos todo o sistema elétrico do Einstein com duas fontes de alimentação para tudo com sistemas de geração de emergência setorizados em cada prédio, que atenda 100% do prédio, porque a legislação nacional diz que um sistema de emergência tem que atender pelo menos 30% do prédio, mas ele não diz que 100%. E o Einstein hoje, quando a gente terminar o investimento que já está aberto agora, que é do bloco A1, a gente vai completar 100% do Einstein com geração de emergência, quer dizer, falta energia, 15 segundos depois, vai ter energia de novo sem problema nenhum. Então, o grande foco hoje é confiabilidade do paciente, é a gente ter que o paciente não perceba o que está acontecendo fora. Nosso objetivo é que se houver um problema sério a nível de fornecimento de energia dentro do país, a gente possa funcionar por vários dias, até por várias semanas sem depender do sistema elétrico como um todo e a gente está conseguindo chegar nisso em um tempo mais curto do que a gente esperava, muito em função do que eu coloquei, que eu tenho uma base muito bem montada.
P/1 – E agora, eu queria perguntar para você uma questão mais geral, já que você até começou a falar, na questão de fornecimento de energia no país, né, muito tempo atrás, a gente entrevistou um senhor que trabalhava na Eletropaulo, ele falava que é uma questão muito complicada, mesmo, no país a questão de geração de energia. Como é que está o panorama?
R – O problema é o seguinte, o Brasil, pelo tamanho e pela condição geográfica de onde ele está, ele exige investimento continuo de valores muito altos e em alguns anos, esse investimento já não vem acontecendo. Então, o que acontece hoje no Brasil é que o Brasil tem a melhor e a pior forma de geração que existe, quer dizer, é a forma mais sustentável, que é o sistema hidráulico, sistema hidrelétrico, mas ao mesmo tempo, é o sistema mais dependente do ambiente. Se não tem chuva, não tem água, se não tem água, a gente para. E o sistema termelétrico que nos apoia, hoje, ele é ínfimo em relação à capacidade hidrelétrica. Hoje, a gente não tem capacidade no Brasil de operar sem hidrelétrica, não existe essa possibilidade. Com isso, além disso, nós temos a questão que o sistema interligado nacional que foi o grande avanço, hoje é um dos sistemas… para um país do nosso tamanho, é um dos sistemas mais completos que existe no mundo, ele também trouxe outros desafios, porque ele trouxe muita coisa para o centro, hoje nós temos um consumo centralizado de energia e esses ramais estão todos carregados. Então hoje, ainda a gente tem uma posição que está chegando num limite, a gente tem uma capacidade de produção bastante limitada. Então, o grande problema do cenário atual é que nós estamos num momento de crise do país, a nossa capacidade industrial está lá embaixo, nós estamos com produção industrial muito baixa e mesmo assim, a energia disponível é pouca. Se o cenário do país mudar rapidamente e nós tivermos um aquecimento industrial rápido, nós entramos em crise já nos próximos anos, a gente não tem… não existe capacidade de construção de novas usinas no Brasil que atendam ao aumento de demanda necessária para atender o que nós já temos de industrias, não o crescimento, entende, a nossa planta instalada, ela excede muito a nossa capacidade. Esse é o grande problema, o cenário… fica muito difícil para nós, para mim que sou técnico prever um cenário econômico, mas se o cenário econômico ajudar a nossa sequência… reativar as fábricas que hoje estão instaladas, a gente entra em crise energética, não tem jeito. Isso, independente dos nichos…
P/1 – E quais são as… pergunta agora, quais são as áreas que mais consomem energia? indústria, cidade, consumo urbano?
R – Na verdade, assim, o consumo industrial é o maior consumo do país, o consumo industrial está dividido, principalmente, o grande consumo é a área metamecânica e a área siderúrgica, que são os grandes… onde o insumo principal é a eletricidade, dentro da área siderúrgica está a área do alumínio e a área do aço, né, que é onde está o grande vilão da história. A questão é que o consumo privado, o consumo das residências, ele vem crescendo ano a ano e não vem se tomando uma real medida quanto a isso, porque a disponibilização da energia para consumidores que antes não tinham essa condição, ela não foi avaliada em termos de impacto num todo. Então hoje, se a gente olhar um gráfico de crescimento de consumo do ano de 2013, 14 e 15, o que nós vamos ver é assim, um consumo industrial decaindo mês a mês e um consumo residencial aumentando mês a mês. E isso só não gerou a crise por causa do decréscimo industrial, se o industrial tivesse se mantido estável, hoje, o nosso consumo residencial, ele está se aproximando cada vez mais do consumo industrial e tem um grande problema, porque o consumo industrial numa crise, tu para a indústria, no consumo residencial, como é que tu para uma casa? Vai desligar a casa e vai deixar o cara no escuro? Esse é o nosso tendão de Aquiles hoje, o consumo industrial, ele é regulável, a gente consegue ajustar ele através de medidas governamentais, a gente consegue ajustar ele através de incentivo da produção própria de energia, quando a crise hídrica chegou, mais ou menos, no limite do ano passado, chegou a ser editada uma proposta de lei em que os consumidores maiores receberiam do governo para reproduzir energia para si próprio, quer dizer, o governo pagaria pela geração dessa energia, o que daria uma vantagem bastante grande e isso é um meio de ajudar muito o consumo, só que no meio residencial, não tem como tu pagar para ter um gerador na tua casa, né, não tem essa opção. Então, respondendo até mais assim, o consumo industrial ainda é maior, mas o mais preocupante é o consumo residencial.
P/1 – O outro entrevistado também falou um pouco sobre as questões de outros geradores de energia, como o sol e o vento e isso está começando no Brasil de certa maneira? Você acha que dá para trabalhar com isso?
R – Dá, mas hoje a questão é que hoje, é um movimento mais político do que um movimento técnico, vamos dizer assim. A dificuldade que nós temos…
P/1 – O outro entrevistado que a gente foi fazer, não sei se você conhece, José Sidnei Martini? Que foi presidente da Eletropaulo?
R – Sim.
P/1 – Ele que falou dessa questão da…
R – Das energia renováveis, né?
P/1 – É.
R – A questão das energias renováveis, o grande problema é a aplicação dela, porque como eu te disse, um dos gargalos do Brasil é a transmissão, então, o grande foco hoje para os principais meios da energia renovável que é a fotovoltaica e a eólica, eles estão concentrados no Nordeste do Brasil, onde a gente tem o índice de sazonalidade de sol e vento menores, quer dizer, a gente consegue ter um vento mais contínuo e um sol também, mais contínuo. O que acontece? A gente produz lá e como e que ele chega aqui? Quer dizer, o investimento em infraestrutura, hoje no Brasil, ele atrapalha a utilização de fontes alternativas, vamos dizer assim. Dentro de São Paulo, por exemplo, para você viabilizar um sistema… tanto faz, eólico ou fotovoltaico é muito complicado. O Einstein mesmo, vem procurando isso já há vários anos, tentando buscar uma forma de aproveitar uma dessas fontes, a gente já viu a inviabilidade de uma fonte, por exemplo, de usar fachadas com células fotovoltaicas, a gente já tentou também cobrir o teto do hospital todo com… e a gente vê primeiro, o retorno do investimento na faixa dos 30, 40 anos, que é mais do que a duração do equipamento, então, inviável e a gente vê uma sazonalidade muito alta. Então, tu perde… tu consegue utilizar essa fonte durante períodos curtos do ano e isso, também, impacta negativamente na opção por esse tipo de fonte. Mas assim, por outro lado, a gente tem que investir muito, quando a gente fala em fontes alternativas, a gente tem que olhar o outro lado da questão, o foco não é aumentar a capacidade, o foco é diminuir consumo, o foco não é… buscar a energia do solo é interessante, mas e se eu não precisar buscar essa energia? Eu acho que o grande foco hoje tem que ser repensar na nossa forma de utilizar a energia, porque as energias renováveis ainda são de acesso limitado e energias muito caras. Nós temos hoje parque eólicos enormes no Nordeste e no sul do país, mas que operam 10% do tempo. E armazenar energia, apesar de existir tecnologia para isso, ainda é extremamente caro, que seria a forma de viabilizar esse sistema, armazenar energia para transmitir no momento de necessidade, mas ainda é um processo muito caro e muito agressivo em função do uso de baterias, porque um grande ponto que a maior parte das pessoas não olham, é dizer assim: “Vou botar um sistema que não usa diesel por causa das pegadas de carbono que o sistema de diesel causa”. Agora, eu uso alumínio nesse sistema, eu uso silício, eu uso o plástico, eu uso uma série de materiais que deixaram a pegada enorme lá atrás, entende? Então, não importa a pegada que tu vai deixar, importa a pegada que já existe, também. E esse eu acho que é o foco pra gente conseguir estabilizar o sistema para frente, quer dizer, não é só dizer: “Não vou mais usar diesel porque deixa uma pegada enorme”, é dizer: “Olha, se você usar diesel de uma forma moderada, a pegada ainda é menor do que fabricar um equipamento que usa um processo como o silício, por exemplo, que é um processo que tem um desperdício de energia enorme durante a fase de fabricação. Então, espera aí, fazer essa comparação, essa comparação que ainda hoje não está sendo feita, entende? Eu ainda acho que o nosso futuro está muito mais na forma de utilização do que na forma de geração, a gente não vai conseguir fugir muito da palavra geração, mas a gente vai conseguir usar de forma mais eficiente a nossa eletricidade.
P/1 – E agora, eu queria voltar um pouco para a parte da sua vida pessoal, de novo. Você está casado com a sua esposa e vocês tiveram filhos, certo? Em que ano você teve os seus filhos, quem eles são?
R – O Felipe, ele está com 18 anos agora, ele é de 98. Felipe hoje já trabalha por opção própria, trabalha numa empresa como auxiliar administrativo, mas é músico, toca baixo e é uma pessoa extremamente inventiva, ele gosta… tem fortes vocações para o cinema, está fazendo, faz de vez em quando… tem alguma coisinha lá no YouTube que ele está montando, principalmente, na linha trash que eles gostam muito, roqueiro por natureza, gosta de metal pesado e eu tenho o Lucas, que é de 2001, tem 15 anos. O Lucas é também roqueiro, toca bateria, mas é o cara mais desligado que eu conheço na face da terra…
P/1 – Ah é? O que ele faz?
R – Ele está estudando ainda, mas ele é um cara assim, se ele senta no sofá, se ele estiver olhando para o nada, ele fica lá olhando para o nada, sabe? (risos) Ele gosta muito de cozinhar, ele curte cozinha, ele curte, principalmente, quando tem desafios, inventar alguma coisa nova, ele tem a Massa a lá Lucas, ele tem as coisas que ele já bolou, mas ele é aquele tipo, carrinho de fricção, se a gente não empurrar, ele não vai andar, depois que você empurra, ele vai embora, mas se não empurrar, ele não vai andar, mas são filhos maravilhosos. Cara, eu tenho uma família maravilhosa, eu tenho uma família que me apoia muito, que está sempre do meu lado, sabe, eles são o motivo pra gente continuar, eu tenho muito orgulho de tudo que eles fazem. Eu passei um período na minha vida, quando eu estava na P&D que eu viajava muito, né, o Brasil todo, às vezes, ficando dois, três meses fora e eu tive bastante distante deles nessa fase da infância, enquanto eles estavam com seis até dez anos aí e depois que a gente foi para o Maranhão, a gente se uniu mais e hoje, a gente está junto em tudo. Então assim, eu sempre gostei de rock, mas não gostava de rock metal, acabei aprendendo a gostar do metal com eles, né? Então, eu posso começar a entrevista do zero e começar falar tudo deles, porque eles são imaginativos, eles são inteligentes pra caramba. O Felipe é um cara extremamente crítico, aquele cara que tem personalidade, ele tem o cabelo comprido porque ele quer ter cabelo comprido, não é porque fulano tem, não é porque sicrano tem, não, não, é minha forma de ser, ele é o que ele é. Ele veio pra mim essa semana dizendo que vai fazer uma tatuagem, aí vai fazer num braço o olho de providência e no outro braço, ele vai fazer o escudo americano. Aí, eu disse: “Pô cara, tu é antiamericano” “Não tem nada a ver com isso, pai, vou fazer porque são símbolos maçônicos, com toda uma questão mística por trás e tal, então não tem nada a ver com…”, aí tu começa a conversar com ele, tu vê a cultura, um cara que lê cinco, seis livros toda semana, um cara que está sempre ligado nessas questões de estar aprendendo, de estar se reciclando, né? O Lucas é um pouquinho mais desligado, mas também vai muito… também é impressionante o nível de cultura dele para a idade, o que ele gosta para a idade dele, não está ligado em TV, não está ligado em nada de assim, daquela massa consumista, não é aquele cara que quer ter um Nike tal, não: “Pai, eu quero um tênis” “Que tênis tu quer?” “Eu quero um tênis que seja confortável” (risos), e ponto, sabe? Eu tenho muito orgulho dos meus filhos e minha esposa é uma pessoa rígida, é uma pessoa que ela quer fazer as coisas do lado certo, quando o Felipe disse que queria ser músico, ela chorou, porque ela dizia: “Não, meu filho tem que ser…”, mas só que é uma pessoa que… ela é o grude da coisa toda, entende, ela que mantem aquele bando de loucos juntos (risos), porque eu também sou… sei lá, eu sou meio mutante, então, ela tem que manter aquele pessoal todo mundo se conversando e ela é isso, ela é muito… ela está sempre disposta a estar junto, ela está sempre disposta a incentivar um próximo passo e isso que é legal.
P/1 – Você se lembra do dia que eles nasceram?
R – Claro, com certeza.
P/1 – Como é que foi?
R – O Felipe, a gente foi para o hospital de tarde, ainda não tinha plano de saúde, a gente foi para o hospital público, para o HC de Porto Alegre e aí, o médico mandou voltar para a casa e disse assim: “Olha, quando a contração estiver de três em três minutos, você volta para cá”. E nós fomos para casa. Eu me lembro que a minha esposa estava no quarto… fomos para a casa do meu sogro e a minha esposa estava no quarto e eu ficava contando as contrações. Via ela dar aquele (suspiro) e eu contando, aí ela dizia: “Já está”, e eu dizia: “Não está”, até que nós fomos para o médico. E foi sensacional, a gente voltou lá para o Hospital das Clinicas, não queriam deixar a gente entrar, aí a gente: “O médico disse que era pra gente voltar”, aí deixaram a gente entrar, ela entrou e o Felipe já foi nascer, teve algumas complicações, não teve dilatação, então acabou tendo que fazer cesariana e foi um dia muito marcante, porque foi de uma sexta para um sábado, no sábado, eu passei o dia com ele, aquele meninão, quatro quilos e 800, com 55 centímetros, um baita de um alemão, era maior do que tudo que tinha no berçário, aquele baita alemão, gordão e eu passei com ele… sábado de manhã, sai correndo para uma loja para comprar uma filmadora para filmar, sabe? Fizemos… aí chegou no domingo, eu tinha uma parada na Gerdau para fazer, uma intervenção que eu faria normalmente em… de alta tensão, foi a primeira vez na minha vida que eu tive medo, que eu tinha alguém que dependia de mim, entende? Eu tenho cada minuto daquela noite esperando na sala de espera, quando eu vi ele lá no berçário, que eu peguei ele no colo a primeira vez, assim, tenho aquilo tudo na minha mente. Depois, o Lucas já foi diferente, porque o Lucas, a gente já estava melhor posicionado e tal, ele nasceu num hospital particular, só que ele nasceu com um problema respiratório e a pediatra que nos acompanhava às vezes com o Felipe, ela foi e ele foi para UTI, eu fui junto e fiquei sentado do lado dele na UTI, acompanhando o Lucas, o Lucas magrinho, ele nasceu um pouquinho antes do tempo, então, ele nasceu muito magrinho, mas o legal é… ele nasceu pequenininho e foi interessante que eu estou do lado aqui da incubadora, e a pediatra que nos acompanhava, ela era consultora daquela UTI, então, ela é grandona, Denise, uma pessoa excepcional, mas cobra, cobra forte e eu estou lá sentado lá na incubadora, pegando a mão dele e tal, daqui a pouco chega a médica: “Não se preocupa, nós tiramos o RX, é normal a criança quebrar um dedinho, uma coisa assim quando nasce, mas isso aí… assim como quebra, recupera cedo e tal”, ela me mostrou a mãozinha dele, o dedinho torto, o dedinho mindinho torto, aí eu olhei para ela e só fiz assim… “Pode ter certeza que não quebrou”, (risos) ele tinha os dedinhos que nem eu assim, isso é de nascença. Daí, o Lucas ficou na UTI de um dia para o outro, depois foi para o quarto, graças a Deus, foi rápido, depois o Lucas me deu mais um susto. Ele com um aninho e um mês, ele estava na beira da piscina na casa do meu sogro, o meu sogro ficou com medo que a tampa da casa de máquinas da piscina era de madeira, ele ficou com medo e botou uma chapa de aço inox em cima e aquilo pegando sol o dia todo, 40 graus, o Lucas saiu da piscina e foi em cima daquela chapa e fez queimaduras de segundo e terceiro graus na base dos dois pés inteiros, ficou uma semana… ficou 15 dias internado fazendo depredação, tirando toda a pele do pé, hoje não tem uma marca no pé, engraçado que eu olho o pé dele, não tem uma cicatriz, é lisinho, mas porque foi bem atendido e tudo. Depois, ele teve um problema cardíaco, a gente descobriu com um choro dele que ele tinha um… o coração dele disparava. A gente correu bastante com o Lucas, mas hoje ele está lá, aquele ogro, 90 quilos, um metro e noventa (risos), 15 anos, calca 45, mas é legal pra caramba.
P/1 – E qual que foi a história do seu pai, que ele foi para o Maranhão, que você me contou ali fora, mas…
R – O meu pai, assim, ele teve uma história de vida muito bonita, ele sempre se deu para os outros, né? A minha irmã casou com um cara que acabou sendo preso por tráfico de drogas, a minha irmã acabou se envolvendo, também foi presa, ficou anos presa, ficou um ano e pouco presa e o pai sempre foi o forte da família e sempre ficando lá. Quando eu mudei para o Maranhão, de vez em quando, ele levava a minha mãe para lá, mas o pai nunca queria ir. Depois de muita insistência, o pai já estava bem ruim, ele já não conseguia mais quase caminhar, o pericárdio dele estava começando a colar no coração, então, ele tinha dificuldade de… o coração dele tinha dificuldade de bater e coisa e tal, ele tinha bastante dificuldade de andar, de fazer força. Eu comecei a insistir com ele para ele ir para lá. E depois acho que de vários meses, tentando, ele decidiu: “Eu vou te visitar”, aí ele foi, nunca tinha andado de avião, eu tinha medo que ele tivesse medo, ele nunca tinha andado de avião, daí foi e ele chegou lá, parecia uma criança. Ele nunca tinha saído do Rio Grande do Sul, não sabia… olhava para as arvores, frutas que ele nunca viu, sabe, um caju no pé, ele disse que nunca tinha visto um caju no pé, sabe, ele nunca tinha visto uma ata, uma cupuaçu, bacuri e tantas outras frutas que tem lá, sabe, a questão do mar é totalmente diferente, ele nunca tinha visto… apesar dele morar na beira da praia no Rio Grande do Sul, o mar é diferente, né, é tudo muito… então, era como tu estar com uma criança, ele passou três meses lá, vivendo isso intensamente. Aí, chegou a hora de voltar, quando chegou a hora de voltar, ele começou a ficar mais triste e tal, aí ele decidiu fazer um doce, um guedert, um doce judeu junto com a minha mãe e quando ele estava fazendo esse doce, ele acabou tendo mais um infarto e não resistiu. A gente cremou ele, dispôs as cinzas, parte lá no Maranhão, que foi um lugar que ele esteve tão feliz, tão alegre, a gente não via ele sorrindo há muitos anos e parte dele está no litoral do Rio Grande do Sul, onde a minha irmã mora. E a gente terminou… o guedert ficou por terminar lá e em respeito a ele, a gente não botou fora a massa, não, a gente terminou, a gente fez o doce, a gente comeu o doce, mas meu pai, ele foi um cara assim, muito importante na minha formação, que ele foi um cara que ele podia ter todos os defeitos do mundo, mas ele sempre teve caráter, ele sempre se mostrou liso e reto, ele queria que as coisas funcionassem da forma certa, só que infelizmente, ele não soube deixar, principalmente, a filha aprender com os próprios sofrimentos. Minha irmã, hoje, ela se desenvolveu em pouco tempo, muito mais do que na vida todo enquanto meu pai estava do lado, meu pai não deixava ela absorver o que ela passava, entende? Ele protegia ela de coisas que a gente não deve proteger as pessoas. Então, mas o velho faz falta, ele vai fazer… ele faria aniversário agora, domingo, dia 6 de dezembro, sinceramente, é um momento que está bem sensível para mim, porque eu sinto falta dele pra caramba, ele é um cara que quando eu tinha um problema, eu ligava para ele, ele não sabia nada do problema, mas ele sabia o que dizer para que eu resolvesse o problema, né, era uma coisa assim, do pai mesmo, do pai de verdade.
P/1 – Agora, quais são os seus sonhos para o futuro?
R – Cara, eu quero parar. Eu quero continuar fazendo meu trabalho no Einstein, agora, bem, quero poder deixar os meus filhos aqui, mais tranquilos para eles poderem seguir as carreiras. Acho que São Paulo é legal pra isso, que eles podem ter esse desenvolvimento e daqui uns anos, pegar minha velhinha, eu e ela ir para uma praia e terminar a vida numa boa, tranquilos, sabe? Não tenho muita aspiração de… eu acho que eu gosto muito do meu trabalho, mas eu quero… eu acho que a gente tem que saber a hora de parar também. Eu quero daqui uns anos, dar uma parada e aproveitar um pouquinho do que resta da vida pra sei lá, viajar com a minha esposa, fazer alguma coisa interessante da vida, talvez escrever um livro, talvez… sei lá, plantar uma arvore, subir montanha, não tenho muita vontade disso, não (risos).
P/1 – Tá certo. Como é que foi contar a sua história? Um pouco da sua história, né?
R – É interessante, cara, é interessante, a gente pensa muito nesse momento e começa a ver o que tem para trás e o que vai ter para a frente e a história… contar essa história, a gente está abrindo a famosa janela da alma, quer dizer, a gente está compartilhando um pouquinho, deixar isso registrado é legal, é legal para mim, de repente, se uma frase que eu falei possa mudar um pouquinho a vida de uma outra pessoa, possa dar uma direção ou qualquer coisa assim, a gente está exercitando a corrente do bem. Eu tenho o Jorge Ebert que é o diretor hoje do Einstein, ele é uma pessoa muito legal, sabe, e ele exercita com uma destreza que eu nunca tinha visto alguém exercitar essa questão da corrente do bem, ajuda que tu vai ser ajudado, quer dizer… eu acho assim, que eu poder falar um pouquinho sobre si próprio, às vezes, também é um pouco exercitar isso, botar pra fora um pouco do conhecimento, do que tem, do que tu adquiriu durante os anos e se alguém perdeu o tempo pra ir lá olhar, pra ouvir um pouquinho isso aí, a gente está exercitando essa corrente do bem, que é importante pra caramba, né?
P/1 – Tá certo, Regis, obrigado, viu? Foi ótimo.
R – Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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