Meu nome é Maria Tereza Montenegro. Meu pai eu não sei quem é. A minha mãe nunca falou e no meu registro não tem o nome dele. Minha mãe é Elenice Montenegro. Ela nasceu na Bahia. Eu não tenho tio, nem tia, nem nada, só é eu e minha mãe. E ela me deu para uma família quando eu estava com um ano e meio de idade. Então tenho meus pais de criação. A minha mãe conheceu eles e me deu porque ela tinha que trabalhar e não tinha ninguém pra cuidar de mim. Ela pagava uma quantia e depois minha mãe sumiu e nunca mais voltou, me deixou lá nessa casa, no Capão Redondo. Minha mãe adotiva foi a Eunice, e o meu pai Jackson. Eles me criaram e ficaram comigo até por volta dos 18 anos. Com 18 anos eu saí de casa e fui morar sozinha. A gente brincava muito, éramos muito levados, mas a gente começou a trabalhar todo mundo muito cedo porque no total somos nove filhos. Meu pai colocava a gente na casa dos familiares que tinham um pouco mais de dinheiro, pra poder servir de empregada doméstica; eu comecei a trabalhar com nove anos. E também a gente ia pra feira fazer carreto pro pessoal. E nisso a gente ficava brincando de jogar um tomate no outro, a gente brincava de roda, de esconde-esconde, pular corda. Realmente nós tivemos vida e vida com abundância. Brincava no cipó no meio das árvores que tinha perto de casa, de bolinha de gude, pipa, essas coisas todas, era muito gostoso. Eu tive infância. Na adolescência a gente ouvia já umas musiquinhas, pegava aquelas fitas cassete, colocava no gravador lá e ouvia, a gente inventava também de cantar no microfone e depois ficava ouvindo a tristeza que a gente tinha gravado. Ficava curtindo uma fosse porque já estava paquerando os molequinhos. E as outras irmãs pegavam namorado seu (risos). Eu estudei no colégio Mario Rangel. Eu fiz da primeira série até a oitava série lá. Lá era muito gostoso. Mas eu sempre fui terrível, aprontava demais, batia nos meninos, batia nas meninas, arrumava confusão. Fui...
Continuar leituraMeu nome é Maria Tereza Montenegro. Meu pai eu não sei quem é. A minha mãe nunca falou e no meu registro não tem o nome dele. Minha mãe é Elenice Montenegro. Ela nasceu na Bahia. Eu não tenho tio, nem tia, nem nada, só é eu e minha mãe. E ela me deu para uma família quando eu estava com um ano e meio de idade. Então tenho meus pais de criação. A minha mãe conheceu eles e me deu porque ela tinha que trabalhar e não tinha ninguém pra cuidar de mim. Ela pagava uma quantia e depois minha mãe sumiu e nunca mais voltou, me deixou lá nessa casa, no Capão Redondo. Minha mãe adotiva foi a Eunice, e o meu pai Jackson. Eles me criaram e ficaram comigo até por volta dos 18 anos. Com 18 anos eu saí de casa e fui morar sozinha. A gente brincava muito, éramos muito levados, mas a gente começou a trabalhar todo mundo muito cedo porque no total somos nove filhos. Meu pai colocava a gente na casa dos familiares que tinham um pouco mais de dinheiro, pra poder servir de empregada doméstica; eu comecei a trabalhar com nove anos. E também a gente ia pra feira fazer carreto pro pessoal. E nisso a gente ficava brincando de jogar um tomate no outro, a gente brincava de roda, de esconde-esconde, pular corda. Realmente nós tivemos vida e vida com abundância. Brincava no cipó no meio das árvores que tinha perto de casa, de bolinha de gude, pipa, essas coisas todas, era muito gostoso. Eu tive infância. Na adolescência a gente ouvia já umas musiquinhas, pegava aquelas fitas cassete, colocava no gravador lá e ouvia, a gente inventava também de cantar no microfone e depois ficava ouvindo a tristeza que a gente tinha gravado. Ficava curtindo uma fosse porque já estava paquerando os molequinhos. E as outras irmãs pegavam namorado seu (risos). Eu estudei no colégio Mario Rangel. Eu fiz da primeira série até a oitava série lá. Lá era muito gostoso. Mas eu sempre fui terrível, aprontava demais, batia nos meninos, batia nas meninas, arrumava confusão. Fui expulsa da escola, mas aí não tinha como me mandar embora de uma vez porque a minha mãe foi lá na casa de meus pais, me deixou lá e tudo, mas não deixou meus documentos. Ela fez a matrícula na escola, então minha mãe de criação ia lá e ficava chorando, pedindo pelo amor de Deus pra ficarem comigo senão eu iria perder aula porque não ia poder estudar porque não tinha o documento pra poder fazer a matrícula. E aí a coitada da diretora tinha que me aguentar mais um pouco.
Aí eu fui trabalhar numa firmazinha de um primo da gente em terceiro grau. Ele tinha aquelas geleias reais. Você colocava na caixinha que tem os buraquinhos parecendo casa de abelha e você vai colocando a caixinha, e ele tinha uma equipe pra vender. A gente trabalhava embalando isso daí. Aí depois disso ele abriu uma empresa de brinquedos didáticos e também a gente fazia a mesma coisa, montagem, embalava e aí tinha uma equipe que vendia nas escolas. Eu fiquei trabalhando com ele mais ou menos até os meus 15 anos, perto dos 16 já. Ah, com o meu primeiro salário eu comprei uma bicicleta. Ah, eu sonhava em ter uma bicicleta! Eu ia trabalhar direto com a bicicleta. Eu tenho um irmão que não vale nada, ele ficava só esperando, espreitando pra andar na minha bicicleta. Aí um dia eu cheguei em casa e a minha bicicleta tinha virado um oito. Meu irmão entrou na frente do ônibus com a bicicleta. Eu chorei demais. Eu comecei a namorar lá pelos meus 16 anos, dava uns beijinhos nos meninos, era mais animadinha. A gente já colocava os moleques que a gente queria dar uns beijinhos, aí quando estava lá com o olho tampado a amiga dava um cutucadinha no olho, aí você já sabia que era o menininho que você queria abraçar. Era beijo, abraço, aperto de mão e uma voltinha na praça. Tinha os bailinhos e tudo. E eu como já nasci numa família adventista, a gente não podia frequentar baile. Então era escondido que a gente ia. A gente escutava muito Tim Maia, Jimmy Bo Horne, samba rock. Samba também tinha bastante, Fundo de Quintal também tinha naquela época, nos anos 1980.
Eu fiz o segundo grau técnico, aí eu fiz voltado pra Computação. Fiz os três anos de Processamento de Dados. Nessa época nunca nem ouvi falar de reciclagem. Eu lembro que eu já vi pessoas quando eu era menor, coletando papelão e latinha. E também passava, quando eu não tinha nem os meus nove anos ainda, uma carroça que trocava panela por pintinho e rapadura pro povo. Eu tomei muito cacete da minha mãe, pegava as panelas dela e trocava por pintinho, quando ela chegava em casa estava todo mundo lá brincando com um monte de pintinho. Na época a gente não tinha tanta embalagem. A gente ia comprar feijão e pegava aquele papel marrom, colocava no peso aí, fechava o pacotinho. Hoje eu acho que a gente tem mais condição de compra, tanto que até frango pra você comer só no Natal, você só comia pé, pescoço e carcaça. Carne, nossa senhora! Só quando aparecia o décimo terceiro. As coisas aí cada vez estão mais modernizadas e cada modernidade põe-se uma embalagem.
Depois do ensino médio eu estava trabalhando num laboratório de análises clínicas, eu examinava sangue, fezes, urina. Teve uma época em que eu ainda pensei, eu sempre tive loucura pra correr de moto, sempre quis ser corredora de moto. Desde pequena já ficava andando com umas mobiletezinhas velhas, montava e ficava acabando com o juízo dos vizinhos tudinho que a bicha fazia só barulho e não andava. Eu consegui com muito custo depois da bicicleta, eu trabalhei e comprei uma mobilete. Até hoje, eu subo na moto, o coração bate, dispara, eu amo, amo, amo esse negócio. Só não continuei porque tive um acidente de moto, tive traumatismo craniano aí eu parei. Nessa época eu já estava morando sozinha. A minha mãe sumiu por um bom tempo e aí quando eu tive esse acidente de moto, por eu ficar no hospital, eles não encontraram documento meu, e eu tinha um namorado que levou meu RG e aí viram o sobrenome da minha mãe e foram atrás dela pra encontrar. Ligaram pra ela, aí a minha mãe falou: “Ah, não tenho nenhuma filha com esse nome, não”. E ela trabalhava em casa de família. E eu peguei e fui parar lá na casa dela. Estava com a cabeça toda enfaixada, parei na porta da casa dela e falei com ela: “Mateus que pariu que balance, se vira. Até hoje não te incomodei, não precisei, mas agora eu preciso”. Aí ela falou com a patroa dela e eu fiquei morando com eles lá. No período do acidente eu estava com 20 anos. Eu estava na Omni, uma financeira. Trabalhava com a parte de TI, em análise de computação.
A minha mãe de criação sempre foi do candomblé, então ela ia na sessão macumba lá perto de casa (risos). Aí cheguei lá, tinha um negão bonitão, vistoso, que ele era lutador de boxe. Eu falei: “Ôpa, não tenho nada pra fazer, ele também não”. Chamei ele pra ir no cinema, ele concordou, aí começamos a dar uns beijinhos. E num dos beijinhos já fizemos até filho e tudo. Eu casei em 1989. E fiz um filho em três meses, o Caio. Quando ele nasceu eu estava morando onde hoje eu moro. Nós moramos na Vila Madalena. Um ano e quatro meses depois eu tive o Ygor. Ele nasceu prematuro com 800 gramas. Com cinco meses e meio ele nasceu. Quando eles estavam com uns dez anos eu trabalhava na parte de atendimento ao cliente da Gradiente e eu fazia a parte jurídica, tinha que defender a Gradiente em juizado de pequenas causas. Eu fiquei até 2003. Eu saí de lá porque a empresa foi à falência. Aí foi quando eu comecei a mexer com reciclagem. Eu tenho uma amiga que tem uma ONG, a Cida. E ela cuidava de crianças que não tinham o contexto de ir pra escola e depois não tinha lugar onde ficar depois da escola. E ela começou a fazer uns trabalhos artesanais com produtos recicláveis e ter conhecimento disso também. Foi quando a Marta [Suplicy] abriu a oportunidade de sociedade fazer uma parceria com a prefeitura, abrindo cooperativas de reciclagem, onde as pessoas já trabalhavam ali, vendendo o material delas com muita dificuldade. Uma amiga me falou: “Tereza, logo que você não está fazendo nada, fica aí chateada porque saiu do serviço, vamos fazer algum serviço social”. E aí comecei e hoje vai pra 13 anos. Na época, as pessoas praticamente trabalhavam só pra poder se alimentar. A gente quando ia pedir alguma ajuda pras pessoas a gente não pedia ajuda de maquinário, nem nada, era cesta básica, o que comer pro pessoal. Eu tinha saído da empresa na época e tinha recebido a minha rescisão. E o pessoal chegava sem dinheiro de condução pra ir trabalhar, sem comida porque não tinha comida em casa, aí eu comprava uma marmita, dividia pra dois, três. E ali foi a minha rescisão todinha. Fazer o quê. Até o carro que eu tinha eu vendi na época também. E ali foi.
Nós fundamos a Cooper Viva Bem em 2004. E nós ficávamos ali onde tem hoje a Praça Victor Civita, em Pinheiros. O Roberto Civita, o filho do homem lá, quando passava de helicóptero lá em cima ficava xingando a gente porque era a mendigaiada do lado da Abril Cultural. Eu fiz até a proposta pra ele poder abraçar aquela cooperativa como uma parte social pra eles e colocasse lá o nome da empresa dele e tudo o mais. Mas não. Fez que fez que fez até tirarmos nós de lá. Agora aqui nós não vamos sair mais porque aqui foi feito um acordo, nós temos uma concessão. E esse terreno saiu no Diário Oficial e tudo, que é destinado à Cooper Viva Bem. O que impera aqui, que são os mais volumosos, é ferro, papelão, papel branco, isopor e vidro, esses são os materiais volumosos, que a quantidade maior ou de peso ou de volume. E depois o restante, todos os outros materiais, que é PET, PP, PAD, PVC e o alumínio. Nós estamos aí com uma proposta muito grande de crescimento que a gente pensa em dobrar, até triplicar. Nós temos agora uma intervenção da prefeitura junto com o dinheiro do BNDES que vai fazer uma reforma aqui todinha. Eu vou acompanhar a mudança toda que vai ser feita. Porque hoje eu tenho uma outra cooperativa também, dentro do CD na Anhanguera. Lá eu fico dentro de um complexo e o material que eu pego é só desse complexo, então não é porta a porta nem nada. Lá, hoje os cooperados meus, se eu for pegar, o primeiro mês que foi mês passado que nós trabalhamos 14 dias, deu um ganho de mais ou menos mil e 500 reais pra cada um. Se eu fechasse o mês vai dar em torno de uns 2 mil e 500 reais pra cada um. E eu quero chegar nisso aqui também. E lá ainda eu pago pela locação do local, pago pelo uso do maquinário, pago um ônibus fretado pra levar o pessoal, que não é baixo. Então pra você ver, o negócio é bom? É. A conta fecha? Desde quando você tenha alguém pra te ajudar. E lá teve um grupo que apostou na gente e a gente está ali, estamos com as nossas dificuldades dentro de uma empresa, você sabe que as pessoas não querem se adequar, mas a gente vai se adequar. E aqui também a mesma coisa, a gente vai ter um maquinário de ponta, que já faz uma pré-seleção do material e a gente vai caminhar também.
Eu acho que o preconceito maior é de quem trabalha mesmo com esse material, porque as pessoas de fora estão muito abertas a abraçar os catadores, eles não sabem o quanto eles são queridos e quanto as pessoas de fora têm essa visão deles. As pessoas são muito agradecidas a essas pessoas, as pessoas já têm consciência que se essas pessoas não existissem. Hoje prefeitura fez um estudo que a gente está chegando a mais ou menos, vamos dizer, a 5% da reciclagem. Não, nós já temos um estudo garantido que nós já estamos em torno de 12%. Por conta do quê? Os carroceiros não passam na documentação que entra pra prefeitura, ela só está fazendo das cooperativas credenciadas. Todo mundo sabe que se essas formiguinhas, esses carinhas que pegam com a carrocinha, outros que a gente chama de morcego, que passa com caminhão, com carrinho velho, com fusca aberto, a perua zoada, esses aí pararem e a gente parar, pronto, gente, eu falo assim, com conhecimento de causa: se eles pararem e a gente parar por três dias você já vai ver o caos nessa cidade. Porque é MUITO material. A gente tem uma demanda muito grande, as pessoas já sabem da necessidade porque os meios de comunicação têm ventilado o tempo todo, novelas têm falado. E eu acho que as pessoas que trabalham aqui dentro só precisam saber dessa importância dela no ecossistema.
Recolher