Projeto Vale Memória
Depoimento de: Antonio Silvestre do Nascimento
Entrevistado por: Eliane Barroso e José Carlos
Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV126
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Bruna Ghirardello
P/1 – Bom dia seu Antônio.
R – Bom dia.
P/1 – A gente pede sempre a todas as pessoas que vêm aqui que digam o seu nome, local e data de nascimento.
R – Eu me chamo Antônio Silvestre do Nascimento. Nasci em 25 de dezembro de 1928.
P/2 - Aonde o senhor nasceu?
R – Ana de Matos, município de Antônio Dias. Cidade de Antônio Dias. Eu sou filho de um velho ferroviário que aposentou-se com 40 anos de serviço, aposentou-se em 1960. De formas que meu pai era feitor de turma de conserva. Na beira da linha nós tínhamos abarracamentos na beira da linha, então eu nasci em uma casa de turma que se chamava, na beirinha da linha, distância de 10 metros assim. Eu nasci ali, já nasci ferroviário, porque vendo os trens passar, barulho do trem etc. Meu pai, como eu já disse, ele era feitor de turma e a gente via todo aquele métier, como é que era, né? Então eu fui tomando conhecimento daquilo, fui crescendo e vendo aquilo no tempo da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Embora eu tenha sido admitido na Vale do Rio Doce em 1942, comecei a praticar, a estudar na estação de Ana de Matos desde 1941, fui até 1943 quando fui admitido. Fui admitido na Vale como praticante gratuito, dois anos eu trabalhei de graça, aprendendo o serviço, aprendendo o telégrafo. E fui admitido na Vale do Rio Doce em 9 de junho de 1943. Tão logo admitido, eu fui designado para a estação de Pedra Corrida como Auxiliar de Estação, trabalhar em Pedra Corrida. Naquele tempo o forte aqui na Vale do Rio Doce era o telégrafo. Todo o funcionário de estação, auxiliar de estação tinha que conhecer o alfabeto Morse, que o meio de comunicação da Vale todo era através do Morse. As ordens...
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Depoimento de: Antonio Silvestre do Nascimento
Entrevistado por: Eliane Barroso e José Carlos
Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV126
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Bruna Ghirardello
P/1 – Bom dia seu Antônio.
R – Bom dia.
P/1 – A gente pede sempre a todas as pessoas que vêm aqui que digam o seu nome, local e data de nascimento.
R – Eu me chamo Antônio Silvestre do Nascimento. Nasci em 25 de dezembro de 1928.
P/2 - Aonde o senhor nasceu?
R – Ana de Matos, município de Antônio Dias. Cidade de Antônio Dias. Eu sou filho de um velho ferroviário que aposentou-se com 40 anos de serviço, aposentou-se em 1960. De formas que meu pai era feitor de turma de conserva. Na beira da linha nós tínhamos abarracamentos na beira da linha, então eu nasci em uma casa de turma que se chamava, na beirinha da linha, distância de 10 metros assim. Eu nasci ali, já nasci ferroviário, porque vendo os trens passar, barulho do trem etc. Meu pai, como eu já disse, ele era feitor de turma e a gente via todo aquele métier, como é que era, né? Então eu fui tomando conhecimento daquilo, fui crescendo e vendo aquilo no tempo da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Embora eu tenha sido admitido na Vale do Rio Doce em 1942, comecei a praticar, a estudar na estação de Ana de Matos desde 1941, fui até 1943 quando fui admitido. Fui admitido na Vale como praticante gratuito, dois anos eu trabalhei de graça, aprendendo o serviço, aprendendo o telégrafo. E fui admitido na Vale do Rio Doce em 9 de junho de 1943. Tão logo admitido, eu fui designado para a estação de Pedra Corrida como Auxiliar de Estação, trabalhar em Pedra Corrida. Naquele tempo o forte aqui na Vale do Rio Doce era o telégrafo. Todo o funcionário de estação, auxiliar de estação tinha que conhecer o alfabeto Morse, que o meio de comunicação da Vale todo era através do Morse. As ordens de serviço, a gente recebia todas era através de mensagens pelo aparelho, do telégrafo. E existiam os grandes telegrafistas nas estações assim de mais movimento como Figueira do Rio Doce, aliás, Governador Valadares, Desembargador Drummond, Conselheiro Pena, Aimorés, Colatina, enfim, Pedro Nolasco, que era o centro das comunicações. Então a gente já com a continuação, fomos aprendendo, diz a gíria ferroviária: “Afiando o ouvido.” e as mensagens que eram transmitidas nós escrevíamos. Pelo barulho do telégrafo a gente ia escrevendo, decorava as letras e juntava e formava as frases, esse era o bom telegrafista. Fora isso, alguns que não tinham essa aptidão liam na fita. Ler na fita era uma fita assim, espécie de serpentina, então ali saíam as letras Morse, o alfabeto. E a pessoa ia pegando aquilo, juntando as letras e formava as frases, aquele que não lia de ouvido. De formas que a gente sofreu muito nessas, nessa situação aí mas todo mundo trabalhava satisfeito. Não sei se é porque a gente não conhecia o melhor, o conforto, mas a gente trabalhava nessas estações. Aí ao longo da linha, não tinha nada, não tinha água canalizada, não tinha sanitário, não tinha nada. Mesmo porque de Valadares acima até Coronel Fabriciano a linha era mata, era aos lados, aos lados da linha era tudo mata, mata virgem, mas mata assim como existe no Amazonas, existia onças, bicho atravessava na linha assim para beber água no lado de baixo no rio Doce. Então eu me lembro que o meu pai, e eu era menino ainda, mas meu pai ele saiu para fazer a ronda, rondar a linha, isso era no tempo da Estrada de Ferro Vitória-Minas, saiam armado com espingarda, tinha ordem da chefia para andar armado. Por quê? Nesse trecho da mata, tinha onça mesmo, a onça atravessava assim, ora corria deles assim, na frente deles. Muita caça. Nós moramos, meu pai como feitor, nós moramos quase, pode se dizer, quase no centro do trecho que era mata virgem, moramos em Ipaba, aquilo ali era uma coisa horrorosa. Tanto era bicho, onça, e toda qualidade de bicho tinha. Cobras bravas, porque era mata assim de um lado e do outro da linha, tinha muito, muita caça. Praticamente a carne que nós comíamos era carne de caça e muito peixe no rio Doce, que hoje já não tem mais, está secando lamentavelmente, mas existia muito peixe. Mas como eu ia dizendo: então o pessoal que rondava o trecho – rondar é o homem que saía observando a linha para ver se não tinha barreira, porque chovia muito naquela época e costumava cair barreira então ele fazia as rondas, fazia a noite e todos os dias de manhã também, ele rondava para examinar se tinha algum defeito na linha, se tinha barreira, qualquer coisa. Esse é o que andava armado, porque ele podia de repente encontrar com uma onça e daí? Como meu pai muitas vezes cansou de falar para nós que ele viu a onça. “Ah, eu vi a onça em tal lugar assim, assim. Ela atravessou na minha frente. Outra hora me acompanhou. Eu na linha e ela margeando a linha.” Meu pai matou muita caça na linha assim, capivara, veado, mas tinha muita caça. Então a gente vivia muito, vivia em função de caça, a carne nossa era essa, mesmo porque não tinha recurso.
P/1 – Você tem quantos irmãos?
R – Irmão eu tenho um. Eu tenho um irmão que é ferroviário aposentado, mora em Coronel Fabriciano, chama-se José Casimiro.
P/1 - E qual o nome do seu pai e da sua mãe?
R – O nome do meu pai era Francisco Silvestre, faleceu em 1971, já aposentado. E da minha mãe era Raimunda Maria das Neves, já falecida em 1981. Meu pai morreu com 70 anos e a minha mãe morreu com 83 anos.
P/2 - O senhor sabe como o seu pai foi trabalhar na ferrovia?
R – É, meu pai entrou na ferrovia, na Estrada de Ferro Vitória-Minas em 1920 e se aposentou em 1960. Durante todo esse tempo foi na Estrada de Ferro Vitória-Minas e na Vale do Rio Doce. Bem como eu, me aposentei com 36 anos e todo esse tempo só na Vale do Rio Doce. Só na Vale do Rio Doce. Fui admitido em 1943 e me aposentei em 1979. Então...
P/2 - O seu pai era nascido aonde, seu Antonio?
R – Meu pai era, meu pai é nascido em Diamantina, era conterrâneo de Juscelino Kubitschek. Esteve na escola com o Juscelino Kubitschek, ele falava sempre. E a mãe de Juscelino Kubitschek era a professora deles. Eles diziam, naquela época, mestra, “A minha mestra!”, que era mãe do Juscelino. Papai falava isso sempre e a gente ficava: “É.” Ele, José Maria Alckmin, e outros estudaram tudo junto em Diamantina. Quando na inauguração, o assentamento da pedra fundamental da Usiminas, meu pai era mestre de linha, Juscelino veio, pra felicidade do meu pai, ele reconheceu o meu pai, ficou meio assim em dúvida e tal. Teve um engenheiro aí que falou: “Ô doutor, o senhor conhece esse moço aqui?” Ele ficou assim, olhou, olhou e falou: “Ele não me é estranho não.” Mas para confirmar: “Faça o favor de tirar o sapato.” Aí meu pai tirou o sapato, pisou. Ele falou: “Você é o Chiquinho.” Que eles foram colega de escola, brincavam muito e o meu pai tinha o pé chato assim, sem cova, né? E ele identificou logo. Tirou o sapato, ele olhou e falou: “Não, esse é o Chiquinho.” Meu pai tinha apelido de Chiquinho, né? E aí bateram um papo longo. Ele ofereceu os préstimos ao meu pai mas meu pai falou: “Não doutor, eu estou aposentado. Eu vou, eu estou me aposentando aqui na Vale do Rio Doce e aqui é o seguinte: aposentar e esperar o dia que Deus chamar.” Mas todos na época do meu pai, em Diamantina quando ele estudava, todos cresceram: Juscelino, José Maria Alckmin, não é? E muitos outros que papai falou, que eu até já me esqueci. Mas...
P/1 – Sua mãe também é de Diamantina?
R – Não. A minha mãe é de Antônio Dias. Eu também sou de Antônio Dias. Nasci em Ana de Matos, mas no município de Antônio Dias. Cursei o quarto ano primário em Antônio Dias, porque eu estudei na escola do mato, que eles falava, naquela época. Mas para fazer o quarto ano teria que ser na cidade. Então lá eu cursei o quarto ano e fiquei no quarto ano. Não estudei mais. Não tinha recurso para estudo. Primeiro não existia meios e, segundo, comecei trabalhar muito novo. Comecei a trabalhar não tinha 15 anos, 14 anos e 6 meses. Então o serviço não dava tempo da gente estudar, mesmo que a gente quisesse e o que tivesse meio de estudar. Nós trabalhávamos nas estação, isso que eu queria falar para vocês, nós trabalhávamos 12, 14 horas todos os dias. E ganhava oito, porque a lei facultava isso. Só depois de 14 horas é que a gente descontava aquilo em folga. Quando podia. Quando não podia, perdia, porque a Vale tinha muita deficiência de pessoal naquela época. Mas como eu já disse a vocês a gente trabalhava mais era por amor, a gente tinha a Vale do Rio Doce como fosse uma coisa da gente. Meu pai era um feitor de turma, ele andava na linha ele achava um prego, ele apanhava o prego de linha, né? Que pregava os trilhos, ele apanhava aquilo e andava dois, três quilômetros para guardar aquilo. O mesmo ocorria com todos os empregados naquela época, via uma coisa que podia dar prejuízo à Vale, ele cuidava daquilo, apanhava, acertava direitinho para evitar um prejuízo, todo mundo vestia a camisa da Vale. Apesar das dificuldades naquela época, que a Vale cresceu mesmo, foi, pode-se dizer, começou a crescer foi de 1950 para cá. Até então era uma dificuldade medonha. Mesmo porque nós passamos uma fase aí da pós-guerra. Foi, terminou em 1945 e aí nós sofremos as conseqüências daquilo. Porque material para se trabalhar, às vezes, não se tinha. Vou dizer para vocês naquele tempo não existia caneta esferográfica, nada disso, a gente escrevia com lápis, lápis, aproveitava o lápis até um pedacinho. Sabe o que a gente fazia? Eu mesmo cansei de fazer isso. A gente ia no mato cortava bambu, vocês conhecem o que é bambu. E a gente fazia uma aproveitadeira. Enfiava o lápis ali dentro até aproveitar o último toquinho, até ele ficar miudinho. Quando não dava mais para fazer ponta, aí não tinha jeito, mas porque a Vale não tinha. Veio um regime de economia, nós passamos por ele, economia de material. Veio a crise do pós, de pós-guerra, crise de combustível. As estações todas a gente trabalhava com iluminação de lampião e até mesmo de lamparina. Não existia luz elétrica nessas estações, não, só nas principais, muito poucas. E a gente trabalhava com lampião durante a noite e economizando, o agente falava: “Olha, economiza aí porque o querosene está acabando.” Não era o do lampião, era o do vasilhame lá para por no lampião. “Então economiza aí.” Ele chegava encontrava o lampião bem alto, baixava. “Vamos economizar porque não tem.” Papel, todo material, especialmente papel. A gente escrevia, às vezes, recebia uma mensagem, duas mensagens, escrevia em uma folhinha de papel porque não existia. Difícil. Um regime de economia muito grande e a Vale atravessando uma fase muito difícil, não é? Dinheiro curto. Outra coisa, os nossos pagamentos, de todo o pessoal ao longo da linha saía todo dia cinco, até dia nove, saía de Vitória um trem pagador. Esse trem pagador era composto de dois vagões, um que era para eles dormirem no caminho e o outro era com os cofres, que traziam os cofres que ali dentro tinha o pagamento do pessoal. Então esse trem saía com dois carros, parava em todo ponto de linha para pagar as turmas de conservas, turmas telegráficas, passava nas estações pagava. A gente recebia aquilo, o pagamento, chamava a gente e pagava. O dinheiro vinha dentro de um envelope, um envelope assim, com o nome da gente e os dias trabalhados, ali dentro vinha o dinheiro. O pagador chamava a gente lá, na pessoa de Mário Tirona, Hermogenes Lopes, Eurildes Pereira, esses eram os homens de grande confiança e tinha que ser mesmo, porque eles que carregavam o dinheiro do pessoal. Chamavam a gente lá e fazia o pagamento, no trecho, paravam para pagar as turmas: “Ah, vamos pagar Fulano. Olha Fulano aí. Pára aí. Vamos pagar.” Pagava. Não existia esse negócio de assalto, essa coisa que existe hoje, não existia, todo mundo confiava em todo mundo. E só tinha uma coisa: esse trem pagador ele saía de Vitória vinha à Itabira, ele gastava, em média, assim ida e volta, cinco, seis dias. Nas estações que ele pernoitava, ele só pernoitava na estação que tivesse destacamento de polícia, mas era para dar uma certa garantia. Mas é porque na época não existia, não era tão divulgado esse negócio de assalto, roubo, esse troço não existia isso, praticamente aqui para o mato não existia isso não, né? Todo mundo confiava em todo mundo. O sujeito comprava um objeto na sua mão: “Quanto você quer nisso aí Fulano?” “Tanto.” “Olha, no pagamento eu te pago.” Pagamento é quando vinha aqueles trocadinho. Eu por exemplo entrei na estrada ganhando 200 mil réis por mês. Está ali na minha carteira profissional, eu vou mostrar para vocês. 200 mil réis parecia que era, para nós, era dinheiro porque a gente não conhecia outro. Mas era assim chegava o pagamento a gente comprava uma roupinha, uma coisa e outra, pouca, porque era o mês que a gente comprava duas camisas para fazer – era difícil camisa pronta – para fazer, não podia comprar o sapato que o dinheiro não dava. Era assim. Não existia essa facilidade também de fazer as coisas a prestação não. “Fulano, quanto você quer nisso?” “É tanto.” “No pagamento eu te pago.” O pagamento chegava, a gente pagava.
P/2 - A Vale dava uniforme seu Antonio? Tinha uniforme?
R – Tinha. Nós usávamos o uniforme. Todo o pessoal de estação, de máquina era obrigado a usar uniforme. Mas nas seguintes condições: esse uniforme era comprado por nós. Ela exigia o uniforme, todo mundo uniformizado, sabe? Sapato engraxadinho, a gravata certinha. Porque tinha o negócio de fazer a tal gravata, os muitos usavam a gravata assim, que nós chamávamos, na época, gravata de palhaço.
P/1 – (risos)
R – Porque o sujeito descia o nó, ficava aqui, existia fiscalização. Então o agente era muito severo. Exigia que nós todos os auxiliares trabalhasse, apertasse o nó da gravata, tudo direitinho. Mas nós é quem comprávamos, inclusive ele também. Ninguém tinha isso de graça não, ela exigia isso e punia aquele que estivesse sem uniforme. Mas isso a gente já sabia, já acontecia, ninguém reclamava porque eram as normas. Ninguém ganhava nada não. E todo mundo trabalhava alegre, satisfeito, viu? E zelava pelo material da Vale do Rio Doce. Todo mundo vestia a camisa. Não havia questão assim, esse negócio, questões para lá, questões para cá isso não existia, né? A gente trabalhava, como eu cheguei trabalhar, eu trabalhei um ano sem folga, sem folga. Folga é o seguinte: é uma por semana, não tinha. Por quê? Não existia pessoal, precisava trabalhar, eu trabalhava. Não fui só eu não. Foram vários no setor de estação que era mais deficiente, a gente trabalhava. Eu cheguei a acumular 43 folgas. Folga que a gente fala é um dia de folga por semana. A gente trabalha uma semana, digamos assim, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, folga no domingo, mas a gente não folgava. Não era distintamente no domingo não, podia ser, dentro da semana, qualquer dia. Podia ser a segunda, podia ser a quinta, podia ser a sexta, mas o importante era folgar. E isso, às vezes, a gente não podia folgar. Como eu cheguei a acumular 43 folgas, porque não podia, não tinha pessoal, precisavam de mim. E eu trabalhava alegre, satisfeito, não só eu, como outros, todos os companheiros. Nós trabalhávamos assim, porque já tinha, já tínhamos acostumado. E trabalhando 12 horas, 14 horas por dia porque não tinha pessoal.
P/2 - Por que não tinha pessoal seu Antonio?
R – Escassez, fracasso da Companhia. Ela não podia admitir pessoa, não podia admitir. O dinheiro estava curto, sabe? E segurando, segurando. E todo mundo entendia aquilo e colaborava e trabalhava por amor. Te digo mesmo, a gente trabalhava por amor. Porque diante dessas dificuldades todas da Companhia, a gente entendia que ela estava passando por uma fase difícil, não é? Fase muito difícil e, felizmente, ela chegou ao ponto em que chegou. Felizmente. Eu costumo dizer: eu considero a Vale do Rio Doce a avó dos meus filhos. Por quê? Eu nasci e me criei na Vale do Rio Doce, porque meu pai era um velho ferroviário. E me casei em 1953 e criei os meus filhos, aliás, eu digo, criei porque já estão todos crescidos. A minha caçula já está com 32 anos. Oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. Graças a Deus consegui formar três, tem um que é formado em Direito, tem duas que são formadas em Administração de Empresas e os outros tiveram o ginásio. A gente fala ginásio, naquela época. Não conseguiram formar porque não quiseram. Chega uma, sabe como é o adolescente de hoje, né? Hoje felizmente ele está entendendo que ele precisa estudar, mas naquela época o sujeito estudava assim até uma certa altura, dizia: “Ah, não vou estudar mais não. Pai, eu quero é trabalhar.” “Meu filho, mas você precisa estudar.” “Não.” Naquele tempo não se exigia muita coisa também. desses oito filhos que eu tenho, felizmente eu consegui empregar um na Vale do Rio Doce. Ele é auxiliar de estação, trabalha em Ipatinga. Atualmente ele está de licença, licença médica, porque com esse negócio de mexer com computador, com telégrafo, computador, embora o, ele alcançou uma época do telégrafo ainda. Computador, hoje tudo é computadorizado. Hoje é tudo... Aquilo ele apanhou uma doença, esse trem que chama, eu nem sei. É LER (Lesão por Esforço Repetitivo), né, que eles falam.
P/1, P/2 - Hum, hum.
R – LER. Nas duas mãos. Já operou as duas mãos e continua afastado, de licença médica porque ele não tem condição de voltar, porque ele não pode mexer com o computador. E é uma doença que ele adquiriu no serviço, através do telégrafo, do computador. De acordo com a evolução da Vale, o serviço aumentou e eles, pá e está parado, coitado. Já está com um ano. O médico que ele não tem condição de voltar já. Porque está com, tem dia que, tem noite que ele não dorme de dor.
P/2 - Essas...
R – Disse que dá muita dor, né? E a dele é nos dois braços. Constantemente ele está, ele está com os dedos inchados, a mão. Não aguenta, está parado, mas é uma sementinha que eu deixei aqui na Vale do Rio Doce, né? Trabalha como eu trabalhei. Eu sempre disse para seguir os meus conselhos. “Meu filho, o fator aqui é trabalhar e vestir a camisa da empresa. Não olha esse negócio aí por fora não, “ah, Fulano, nós vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”, você não entra nisso. Cuida do seu serviço. Você siga o exemplo do seu pai como eu segui o exemplo do meu pai. O que eu recebi do meu pai, passei para vocês.” Infelizmente coitado, ele adoeceu. Mas graças a Deus que eu consegui empregá-lo. Fico satisfeito e ele muito entusiasmado, porque ele entrou no setor que eu era. Mas voltando ao assunto meu, eu entrei como auxiliar de estação, trabalhei...
P/1 – O que é que era o auxiliar de estação?
R – Auxiliar de estação é assim espécie de uma pessoa que é auxiliar, que eles falam assim auxiliar de escritório. Porque a estação ela mexia com telégrafo, como eu já disse a vocês, e fazia toda escrita, era a através da Vale. Todos os despachos de mercadoria que dava muito aí nessa linha, despachos de mercadoria. Todo, as passagens que vendia nas estações, aquilo de tarde fechava a renda e recolhia esse dinheiro para Vitória. Era desse jeito que se fazia. Mas então eu fui auxiliar, entrei como auxiliar de estação, foi indo, telegrafista.
P/2 - Tudo em Ana Costa?
[Fim do lado A fita 01]
R - Trabalhava nas estações, assim, de mais movimento, assim de telégrafo, porque eu tive facilidade de aprender a ler de ouvido, não era grande coisa, mas dava para resolver. Então tinha aquele negócio, qualquer coisa que tinha, eles: “Ah, manda o Silvestre lá que o Silvestre resolve isso.” E felizmente, modéstia à parte, o bom de serviço, o bom de serviço que se fala, é aquele que trabalha com amor, né? Então os inspetores passavam dizia: “Ah, eu vou mandar você para tal lugar.” “Sim senhor.” Nunca recusei ordem. Para qualquer lugar que mandasse eu ia, satisfeito, trabalhando alegre. E ia e resolvia porque eu não media esforços. Pegava aqui, pá, não só eu, como muitos companheiros, muitos outros colegas fazíamos isso. Mas no meio sempre tem alguns que, às vezes, tem alguma coisinha, né? Mas a gente sempre dando conselho: “Rapaz, vamos acertar isso.” Então eu tive a felicidade de progredir, que eu falo assim, com os meus esforços. Passei, eu fui conferente, eu fui telegrafista, eu fui agente substituto. Agente substituto que se fala é aquele que dá folga. Hoje aqui, dá folga ali, dá folga lá. e dava as férias. Férias de 20 dias eu ia substituir. “Ah, vai substituir o agente tal.” Ao longo da linha.
P/1 – E o que é que fazia?
R – Isso ao longo da linha. Eu ia e substituía. Venceu aquele, eu ia para outra estação, né? E assim eu ia sucessivamente. Tinha um folgador também, esse era diário. Hoje eu estava aqui na estação A, amanhã na B, depois na C e assim sucessivamente. Tive essa felicidade de progredir. Logo fui nomeado, depois fui nomeado agente da estação, que eu já vinha substituindo aqui, ali. Então...
P/1 – O que é que faz o agente?
R – O agente é aquele que é o chefe da estação. Mas a gente fala estação, naquela época, eram essas estaçãozinhas do mato. Então eu fui, a primeira designação minha foi em 1953, eu tenho ali, 1953, eu fui chefiar a estação de Engenheiro Gilman. Que isso já não existe mais, já acabou tudo.
P/1 – Hum, hum.
R – Engenheiro Gilman, então eu fui chefiar a estação de Drummond, Desembargador Drummond. Era uma estação, não tinha assim recursos, mas era uma estação de muito serviço. O que se pensasse em serviço de estação era Drummond, serviço de manobra, formação de trem e etc., graças a Deus, tive a felicidade, trabalhei 13 anos, nunca se deu um acidente de trem comigo, na minha gestão. Graças a Deus. Mas eu fazia das tripas coração, porque além de eu trabalhar muito eu não queria manchar o, modéstia à parte, o meu bom nome, então eu desdobrava. Assim os funcionários que trabalhava comigo lá, eram 36 funcionários, eles viam aquele esforço meu, não sei. Acho que ficava com vergonha também pegava duro, né? Mas sempre fui daqueles que nunca criei problema com funcionário. Eu via o funcionário estava mascando assim numa coisa, chamava ele: “Fulano, o que é que está havendo contigo?” “Por quê?” “Não, porque eu estou notando que está havendo isso e isso. Você está assim. Que é que é? você tem problema em casa? Você tem problema com filho?” Porque o meu mestre aqui na Vale do Rio Doce sempre disse: “O bom empregado é aquele que foi bom filho, bom esposo e bom empregado.” Isso aí, né? Essa era o ____ dele. Ele dizia: “Você vê um funcionário que está mascando, está criando problema no serviço você chama ele, conversa com ele, tenha uma conversa ao pé do ouvido com ele porque ele tem problema, ou ele tem problema em casa com a mulher, com os filhos, ou tem outros problemas por fora, alguma coisa tem. Vem para o serviço nervoso e redunda isso aí.” Então eu aprendi isso com ele e sempre mantive essa, não era de estar escrevendo para punir ele, de estar chamando a atenção, não. Porque eu acho que o homem que tem vergonha, não envergonha os outros. Eu sempre trabalhei nesse sistema e todo mundo gostava de trabalhar comigo, porque se esforçavam, eu sempre trabalhei assim.
P/2 - O senhor ficou treze anos em Drummond?
R – Treze anos como agente de Drummond. Saí de Drummond, vim para Coronel Fabriciano, trabalhei mais um ano e fui convidado para a Inspetoria de Estações. A Inspetoria é, ele tem por, a função dele é fiscalizar, exigir o cumprimento do serviço e fiscalizar para ver se fez certo. Se fez errado, lá diz o regulamento: punir. Mas eu posso contar os casos que eu dei de punição por causa disso, só quando o sujeito não tinha jeito. Falava com ele a primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta. Aí começava a chamar atenção e dizer: “Vou te punir por isso, por isso e por isso. Já te falei, agora não tem jeito.” Mas nunca fui disso, nunca gostei de punir ninguém aqui. Fiscalizava esse trecho que era de Pedro Nolasco a Valadares e quando viajava de Valadares acima era até Itabira, todo o longo da linha. Tinha sob a minha fiscalização o pessoal de estação, o pessoal do movimento, inclusive aquele que prestou aqui, que esteve aqui com vocês, que também já foi entrevistado aqui: César Jacomini. Era condutor de trem, excelente, pode-se dizer quase que número um assim em matéria de disciplina, disciplina e trabalhador. Fiscalização, pessoal de máquina. Fiscalização quando a gente refere é assim, se está uniformizado, se estava de boné direitinho, se estava cumprindo as normas, não é? Essa era a função do inspetor, felizmente trabalhei mais 13 anos e me aposentei. E aposentei em paz, graças a Deus. Mas o funcionário ele trabalhava comigo, ele errava ou eu via uma coisa errado, a ordem que eu tinha era de escrever ou então punir. Eu tinha autoridade para fazer, para punir para fazer, mas eu não fazia, como já disse a vocês, eu chamava ele, só quando não tinha jeito, chamava ele e conversar a dois. “Fulano, o que é que está havendo? Abre o jogo para mim. Vamos acertar isso.” “Mas por quê?” “Porque você não vai bem no serviço. Você está trabalhando assim, assim, assim. E assim não pode. a Companhia nos paga. Vamos fazer jus ao salário que nós recebemos. Você sabe que eu sou pago para fiscalizar vocês. Se quiser te fazer mal, se quiser te punir, eu posso te punir. Mas eu não quero fazer isso. Eu quero é que você corrija e acerte para evitar que eu fale isso com você amanhã. Eu quero que você seja um bom funcionário.”
P/1 – Seu Antonio...
R – Aí...
P/1 – Desculpa.
R - ...ele ficava com vergonha de mim. Não errava mais. Às vezes, quando ele fazia alguma coisa antes de eu falar, ele vinha a mim: “Ó, seu Fulano, eu fiz isso assim, assim.” “Mas rapaz, está certo, acerta.” Sempre implantei aqui na minha, aqui na Vale do Rio Doce, na Inspetoria eu sempre implantei respeito. Não medo. Não medo não. Isso era muito comum o sujeito dizer: “Ah, o inspetor vem aí. Ih, rapaz.” E corre daqui, corre dali. Não, eu nunca implantei isso não, sempre implantei respeito. Tratava todo mundo bem, respeitava para que eles me respeitasse e assim eu rompi. Sempre dei bons exemplos, nunca bebi. Nunca bebi.
P/2 - Tinha muita bebida na linha?
R – É o reino do meu pai. Meu pai também nunca bebeu e eu aprendi isso com ele. Meu irmão também, esse que aposentou também nunca bebeu.
P/2 - Mas tinha muita bebida na linha?
R – Agora fumar a gente... Uh! O que tinha aqui na Vale do Rio Doce era bebida, graças a Deus, os funcionários que trabalhavam comigo, bebiam, tinha alguns que bebiam, mas não a ponto de abandonar o serviço como tinha muitos que largava e ia embora, criava problema. Não, bebiam fora do serviço. No serviço não bebiam. Isso que se ele facilitou lá em um aniversário, em uma coisa qualquer, que bebeu, que não estava, ele dizia: “Hoje eu não estou podendo trabalhar. Nós podia ajeitar uma folga aí? Se o senhor puder me dar uma folga.” Eu já sabia o que era. “Já sei, vou te dar a folga. Mas amanhã você vem.” Sempre trabalhei nesse sistema e todo mundo gostava de mim e trabalhava, porque a Companhia nessa fase da duplicação da linha precisava da colaboração de todo mundo, todos nós, precisava. Agora comigo ninguém nunca recusou ordem, todo mundo trabalhou alegre, satisfeito. Porque eu também dava compensação, eu reconhecia. Eles diz: “Ó, nós trabalhamos muito satisfeitos com você porque você é uma pessoa que reconhece as nossas dificuldades.” Quando o sujeito me pedia: “Ah, seu Silvestre, eu queria que o senhor arranjasse para mim uma folga que eu precisava fazer isso, isso e isso.” “Perfeitamente. Não tira uma não. Você vai, você tem quantas folgas?” “Ah, eu tenho oito, eu tenho 10.” “Você tem?” “Tenho.” “Está registrado lá? Você já escreveu para a inspetoria, lá? Está registrado?” “Está.” “Você está querendo quantas?” “Ah, eu precisava de uma.” Eu falei: “Não. Você tira duas, tira três.” Às vezes, conforme a folga que eu estava com ela de pessoal, eu dizia: “Pode tirar todas as suas folgas.” Aquilo, para eles, era uma coisa. Mas também quando eu precisava eu dizia: “Olha, agora não pode. Você não vai poder tirar. Eu vou precisar de você para trabalhar, para fazer isso, isso e isso. Quando eu puder eu te pago.” “Ah, perfeitamente. Perfeitamente.” Nunca criaram problema. Quer dizer, uma mão lava a outra e as duas esfregam. E isso sem prejuízo para o serviço da Companhia, porque também não se podia levar a ferro e fogo, eu conhecia o serviço e sabia os macetes que o sujeito podia fazer ali que dava prejuízo à Companhia, não é?
P/2 - Que tipo de coisa?
R – O que é que eu ia fazer. Não, eu levava o negócio com calma. “Fulano vem cá, vamos isso assim, assim. Você fez isso assim, assim está errado. Você sabe que está errado.” “Ah, eu sei sim senhor, pois é.” “Então acerta e não faça mais. Não faça mais. não deixa o rabo na estrada não porque eu vou pisar nele.” E assim ó, né?
P/1 –2 Que tipo de coisas erradas se fazia seu Silvestre? Que tipo de coisas?
R – É, isso existia muitas coisas. Esses tempos, isso que foi meu tempo já na Inspetoria. Felizmente eu consegui vencer os meus tempos, me aposentei, saí, deixei uma grande amizade aí com esse povo. Mas coisa era muito, muito dura, muito difícil, essa fase de transição da Vale. Agora nesse período de, quer ver, foi de 1970 até 1978 por aí foi uma fase difícil, que ela implantou o sistema de duplicação da linha e que precisava da colaboração de todo mundo. Nós todos fomos chamados em reunião com a alta chefia e ela pediu a colaboração de todo mundo, disse: “Ó, vocês saem em campo aí e vê se vocês contornam. Vocês são líderes, contornem essa situação.” “Perfeitamente.” Então a gente saiu em campo, conversamos, conversei com todo mundo. Expliquei: “Gente, a situação da Vale é essa, essa, essa e essa. Ela está passando por uma dificuldade.”
[pausa]
R – Bom, vou falar para vocês um caso que aconteceu. Eu era agente substituto e fui dar férias em Ipaba. Ipaba naquela época era o terror da linha, dava febre, mas febre mesmo. Essa linha toda dava febre, impaludismo, a gente já vivia meio amarelo de tanto tomar uma injeção, aliás, um comprimido que chamava-se Atebrina. Uns falavam Atebline, outros falava Ateblina, de forma que eu não me recordo mais o resultado, o certo. Mas era um comprimido amarelo e a gente já vivia amarelo, o sujeito dizia: “Ih, Fulano, você está amarelo de febre.” Daquele comprimido para cortar o impaludismo. Muitas e muitas vezes eu trabalhei na estação, licenciando os trens, trabalhando no telégrafo nessas estações de poucos recursos, com o colchão no chão assim ó, porque eu não aguentava a febre. Impaludismo quando pegava a gente, dava para tremer assim. Você treme, treme, treme, treme. Um frio, depois aquilo passa, vem a bonança. Aí dispara a suar e uma fraqueza tremenda. Então a gente, isso era comum. O sujeito olhava para o outro e dizia; “Ih, Fulano, você está com impaludismo.” E tomava uma injeção para isso também que chamava-se é, injeção de Palu..., Impalu..., Paludan, sei lá, um negócio assim. Tomei muito isso. Sofri muito nessa linha aí nesse negócio de paludismo, não só eu como vários outros. Todos tinha, a gente já dizia assim, eles falava rebaço. “Você está com baço de febre.” Tábua de febre. Isso aqui ó, o fígado endurecia ficava igual um pau, então você dizia isso é tábua de febre. Mas porque o fígado estava doente, então a gente dizia que era tábua de febre. Mas isso tudo passou, graças a Deus, a gente enfrentou toda essa dificuldade. Mas agora voltando ao assunto da linha, essa linha toda era de trilho 35, uns trilhos pequenos. Trilho pequeno e toda na terra, não tinha brita não. Não sei se vocês conhece a linha britada? É com brita mesmo, pedra. Mas naquele tempo não existia isso não, era tudo na terra. Pegava-se de Drummond a Vitória tudo na terra. Os trens andava numa dificuldade com oito, dez vagões, né? Em uma dificuldade medonha porque não tinha linha. Já aconteceu um caso de um trem sair de Valadares para Drummond gastar, um trem de carga, gastar seis dias de Valadares – eu não sei se o César tocou nesse assunto aqui – de Valadares à Drummond. Até mais, até oito dias. Porque descarrilava. Encarrilhava, tornava a descarrilar. Às vezes tombava. E o pessoal trabalhando naquela dificuldade danada. A vida era muito difícil naquela época.
P/1 – E os vagões, como é que eram?
R – Os vagões, naquele tempo se transportava muita madeira em toro. Madeira em toro. Naqueles torão assim de madeira nas plataformas abertas. É isso que eu vou dizer agora que vocês talvez vão ter dificuldade de entender. Nas plataformas de fueiro. Isso é um pouco difícil para quem não entenda da linguagem ferroviária. Mas não é linguagem não, é o nome mesmo. Plataformas abertas de fueiro para carregar madeira em toro. Madeira em tora, madeira serrada. Então esse transporte era comum aí no trecho de Valadares acima. Vinha para Belo Horizonte, vinha aqui para o Rio. Eu despachei muita madeira para aqui, marítima. Despachei para São Paulo, mas essa aí já era madeira serrada, beneficiada. Despachei muito para aqui para o Rio, despachei São Paulo, despachei muita madeira, despachei muitos cereais: feijão, arroz, milho. Os vagões lotados de 333 sacas, 500. Ultimamente 500 sacas de café. Mas a região também foi ficando escassa, foi acabando a madeira e aí foi. A Vale, o transporte dela era todo com máquina a vapor, que eu esqueci de falar isso. As Marias Fumaças. Era tudo máquina a vapor. E essas máquinas a vapores foram acabando, acabando até 1958 ainda existia alguma máquina a vapor. Acabou mesmo, foi de 1960 para cá, acabou. Acabou assim, como eu me refiro, parou de circular, né? Porque entraram as locomotivas diesel o negócio foi mudando. Fizeram uma reformulação na linha. Britou a linha acabou os trechos ruins. Mas naquele tempo era comum. O trem caía para danar, caía, descarrilava. A gente falava cair, isso é outro termo ferroviário, descarrilava. Maquinista chegava na estação da gente, a gente tinha um vagão para pegar, quer dizer, para ligar no trem para levar. Por exemplo, ou levar para Vitória, ou trazer aqui para cima para entrar na central. Então o maquinista já passava olhando assim, vinha o vagão para a gente e falava: “Ó, vai pegar o vagão aí.” Eu disse: “Ih, rapaz, não vou pegar esse vagão não. Este vagão é caidor.” Caidor que fala é descarrilava. Isso é muito comum, isso era o termo ferroviário. “Esse vagão é caidor rapaz. E eu já estou cansado. A gente pega isso e não vai chegar.” Discutia muito depois resultava, pegava o, ligava o vagão no trem. Mas que não era muitos vagões também naquela época. Um trem aí conduzia 15, quando muito 20 vagões, nem isso. Vagões carregados não chegava a isso não. Agora vazios? Conduzia aí até 30 vagões. Mas então era aquela luta que a gente vivia nela.
P/2 - Tinha muito acidente que machucava as pessoas?
R – Tinha muito acidente na linha e já teve acidente de morte até. O trem tombava, matava o guarda freio. Até chegou casos de a máquina tombar, matar o maquinista. Isso era, de morte assim, era muito difícil. Mas de trem descarrilar e tombar? Isso era comum. A gente em uma estação, às vezes, licenciava um trem e ficava esperando. Aquele trem tinha um percurso de 20 minutos, 15 minutos conforme o trecho entre uma estação e outra que geralmente variava de oito, 10 até 15 quilômetros, tinha aqueles percursos, aquele tempo. O percurso que eu falo é o tempo que gastava de uma estação na outra. Então a gente licenciava o trem e ficava esperando. Passava daquele percurso de 20 minutos, por exemplo, que é que ele gastava daquela estação para a estação que a gente estava. Passava 20, 30 minutos dizia: “Ih, esse trem caiu.” E era comum mesmo. Ia ver que ele tinha caído. Hora, às vezes, chegava o guarda freio e diz: “Olha, o trem tombou lá em tal lugar assim, assim.” “Tombou quantos vagões?” “Tantos carros.” Ou a locomotiva adernou. Descarrilava e virava assim. Isto era comum. Não tinha linha, os vagões não tinham certa manutenção, viu? E acontecia isso. O que hoje, graças a Deus, dificilmente acontece um caso desses, difícil. Mas de vez em quando acontece, tomba. Agora quando dá um tombamento aí é 20, 30, 40 vagões. Há bem pouco tempo mesmo houve, poucos dias atrás, houve aqui um acidente aqui. Mas isso é muito remoto isso aí, por quê? Tem material bom, linha boa, pessoal especializado, não é? O que antigamente nós tínhamos essas dificuldades. A linha na terra, não tinha, às vezes, nem material direito para se trabalhar, né? Material rodante. Era, não tinha uma certa manutenção. Então acontecia isso, não é? O que não ocorre hoje, graças à Deus.
P/2 - A quantidade de minério de ferro era pouca, era muita?
R – Hoje é o minério. Você vê esses vagões que puxam aí em média é 70 a 80 toneladas por vagão. 70 toneladas um trem puxa aí, na minha época quando eu saí, chegou a atingir 160 vagões. Isso era o comum. Sempre descia 160, subia 160 para recarregar. Mas hoje está se puxando 200 vagões, não é? E se vê aí a economia da Vale, graças a Deus, no ponto que está. Você vê o maquinista pega em Valadares ou pega em Itabira leva, olha, ele troca no caminho, chega em Valadares troca de pessoal. Um maquinista para puxar aí 200 vagões, 160 a 200 vagões leva a Vitória e traz de lá para cá. Quer dizer, a economia é monstra. Porque naquela época, das máquinas a vapor, puxava aí 16 vagões, 16 de minério. Estou falando em minério. Tinha um maquinista, um foguista e um graxeiro. Essa era a equipe da máquina. Três? Três. Agora na cauda tinha ali o guarda freio, viajava ali na cauda. E a finalidade do guarda freio na cauda era observar, poderia descarrilar um vagão lá na frente e ele pelo, ele na cauda ele olhando assim para trás pelo rastro. O rastro, o vagão descarrilado, ele dá um sinal na linha. Então ele ali tinha a possibilidade de parar o trem: “Vamos ver o que é que está havendo.” Nos cruzamentos, às vezes, podia o trem parar fora de marco. A linha faz isso, são duas linhas aqui. O marco que eu falo ele fica aqui ó, é onde dá para passar um para lá, outro pra cá. Mas às vezes acontece: são dois trens, às vezes, um para fora do marco. O que é que acontece? Vai bater. Então o guarda freio ficava ali para sinalizar. Se parou fora de marco, está demorando, ele observou que vinha outro, um trem. Ele ia e parava o trem para não bater. Mas ele passou, sofreu muito coitado. Ali ele tomava chuva, sol, e viajava desconfortavelmente, porque nem lugar dele viajar tinha. Depois, posteriormente a Companhia foi melhorando de situação reconheceu isso, então adaptou um carro na cauda dos trens. Que é o tal do caboose, que era um carrinho amarelo que era para abrigar o guarda freio. Aí a coisa já melhorou. E foi indo, foi indo, até que acabou aquilo. Porque os trens antigamente viajavam uma parte ligada outra desligada. Ligado é o ar, frenagem. Mas depois que criou a modalidade de o trem viajar todo ligado então, com isso, foi dispensando o guarda freio. Porque era muito comum o trem desligar no meio da estrada e ficar um pedaço o outro ir embora. E o guarda freio ficava vigiando, essa era a finalidade dele. Mas com o trem ligado não vai, não precisava mais, o trem todo ligado. Porque ocorre o seguinte qualquer irregularidade que houvesse ali, qualquer anomalia, o vagão desligar ou qualquer coisa, ele tem um sistema de frenagem. Não só freia o pedaço que ficou para trás como o pedaço da locomotiva para trás todo, freou, o trem não anda. Então já sabe que tem qualquer coisa ali. Quer dizer, então isso veio, é o motivo pelo qual dispensou a viagem do guarda freio na cauda do trem. Mas a função do guarda freio não era só essa não. Nós tínhamos os trens de carga que descarregava material nas estações. As estações despachava muita mercadoria. Nesse trecho mesmo aí que eu falo de Valadares acima, despachava muito cereal, muito mesmo. Muitos cereais para as outras estações. E aquele trem ia apanhando aquilo. Descarregava, apanhava para outra estação e assim sucessivamente. E essa carga era toda feita através do guarda freio. Esses cereais que transportava, era toda carregada dos vagões com o guarda freio. Carregava aqui, descarregava ali. Apanhava mais, levava lá para mais adiante. Mas isso foi chegando um tempo que aqui na Vale, na Vale do Rio... Aqui eu falo aqui, eu falo na Vale do Rio Doce, isso já não existe mais, né? Com a evolução, as estradas margeando as linhas, acabou isso. Ninguém despacha mais nada porque não tem, a não...
[Fim da fita 01]
R- Isso era muito comum despachar de Valadares aqui para o Rio, para Belo Horizonte vagões. Trens especiais de animais, bois. Cada vagão comportava aí 18, 20 bois. Animais, isso vinha pacote. Você vê as estradas de rodagem como era naquele tempo, a rodovia não era boa também. O transporte era todo através da estrada de ferro. Eu trabalhava em Sá Carvalho a noite quando chegou um trem lá com 18 vagões de animais e a gente chamava o trem de boi. Sá Carvalho era um ponto de subida de serra. Então ali tinha caixa d’água, tinha tudo. O trem abastecia, isso no tempo das máquina a vapor. Abastecia de lenha em uma estação anterior, que era Ana de Matos onde eu nasci, e vinha abastecer de água é Sá Carvalho. Parava, tomava água, fazia pressão para subir a serra, chuva. Chovia muito naquela época. Isso era cerca de uma hora, uma e pouco da manhã. Licenciei, dei licença a esse trem, ele foi para Antônio Dias. Então era muito comum quando estava chovendo o trem gastava ó, um tempão para chegar em Antônio Dias. Um trecho de treze quilômetros. Porque “ah, está agarrado na serra.” Agarrado na serra é pelejando para subir. E aí, Sá Carvalho no pé da serra, esse trem saiu e eu perguntei ao colega: “Já chegou aí?” “Não. Está agarrado na serra aí.” “Está bom.” Mas pelejando para subir, o trem desengatou. A gente fala desengata é quando ele desliga os vagões. Eu, isso era uma e pouco, quando foi ali quase duas horas, eu ouvi um barulhão passou. A gente trabalhava a noite mas trabalhava com a estação fechada, por quê? Por causa do, a gente as portas, as janelas por causa do vento. Porque a gente trabalhava com lampião. Então eu ouvi aquele barulhão passou: vuuuu. Eu falei: “Nossa mãe! O que é que é isso?” E boi berrando: béeee, béee. Aquela zoada. Eu falei: “Meu Deus, o trem desengatou na serra.” Aí corri, avisei o agente da estação anterior. Eu falei: “Ó, passou aqui eu não sei quantos. Mas o trem de boi quebrou na serra lá em cima e passou aqui, desceu aqui que desceu danado. Mas a máquina ficou para trás. Você não tem trem aí na reta não?” “” Não, não, eu não tenho não.” Eu falei: “Então você aguente aí que se ele não descarrilar aí no caminho ou tombar, ele vai chegar aí.” Isso um trecho de seis quilômetros. Mas esse trem pelejando para subir não conseguiu os vagões desengataram e desceram. Mas felizmente não tombou não. Logo, três quilômetros abaixo da estação que eu estava, que era o pé de serra, o vagão, um descarrilou e segurou os outros. Então parou, 13 vagões de animais. O trem era composto com 18, né? Desengataram 13, então ficou, ficaram cinco na locomotiva. Aí com pouco chega o maquinista a pé, o maquinista não, o guarda freio, todo molhado porque estava chovendo muito. Ele falou: “Ô rapaz, o trem quebrou aí na serra, desengatou, passou aqui?” Eu disse: “Passou.”
P/1 – (risos)
R – “Passou.” “Você viu quantos vagões?” Ele falou: “Você viu quantos vagões?” “Ah, não vi não. Eu ouvi o barulho e boi berrando, eu sei que passou.” Aí ele falou: “Foram 13 vagões. Porque restam cinco ligado na locomotiva.” Aí pronto, amanheceu o dia. Porque não podia licenciar trem nem de cima, nem de baixo. Aí foi ver, foi encarrilhar, arranjar mais uma locomotiva para acabar de subir a serra e para vocês ver a dificuldade. Nesse ínterim todo, isso foi em um trecho que era de 11 quilômetros com mais três, 14. Para normalizar essa situação toda gastou-se cinco horas, cinco horas o tempo e todo mundo trabalhando mesmo debaixo de chuva, com aquela dificuldade toda, para vocês ver como é que se sofria antigamente. Agora, outra ocasião foi Ipaba. Isso aí já não é acidente. Isso aí já é um, isso já é um causo. (risos) Eu era agente lá de Ipaba, fui substituir o meu colega lá que estava doente. Eu era solteiro e a gente dormia na estação, no armazém da estação. Eu cheguei lá com colchãozinho, o colchão é um colchão de capim enrolado assim. Aquilo era onde a gente dormia. Estendia aquilo no chão, a gente forra e dormia. Quando eu cheguei, eu cheguei em um trem. No mesmo trem que eu cheguei, o companheiro, o agente de lá que estava doente falou: “Olha, eu vou te entregar essa estação aí hoje porque amanhã eu vou para Fabriciano porque eu estou doente. E minha família toda doente.” Eu digo: “Está certo.” Mas eu tinha que dormir na agência, na estação, no armazém. Quando foi de noite, essa estação fechava, tinha o pode que se chamava, o pode era ordem para fechar. Não tinha agente noturno. Eu recebi o pode, fechei a estação. Tomar banho, a gente tomava banho de cavalo. Você sabe o que é banho de cavalo?
P/2 - Não.
R – (risos) É uma lata, uma vasilha que você enche assim de água, enfia o caneco e vai despejando, e vai, né? Então o guarda chave buscou para mim uma lata d’água no rio Doce, que era uma água da cor disso aí, ó. Amarelinha. E eu tomei um banho de caneco. Ele foi embora para a casa dele, só tinha eu e ele, aí eu fechei a agência, estendi o colchão na agência, baixei o lampião bem baixinho para economizar querosene. Mesmo porque também se a gente ficasse, quando a gente trabalhava a noite, o lampião aceso, a gente no outro dia a gente enfiava o dedo assim, ó, nas narinas ou um lenço, ficava pretinho. Pretinho da fumaça do querosene.
P/1 – Hum.
R – E quando foi lá, e me deitei. Mas quando foi lá para as tantas, meia-noite, meia-noite e pouco, eu tinha um mastro da Bandeira Nacional. Mastro era um pau assim ó, grosso, de uns três metros de comprimento que ele estava encostado no armazém. Lá no cantinho do armazém. E o armazém o piso era de madeira, aquelas tábuas grossas. Quando foi lá pelas tantas eu ouvi um barulho assim chiando pela parede: xiiiiiii, pouuu. Eu já estava dormindo aí a respiração ficou alta, o fôlego. Eu falei: “Meu Deus. Será que eu deixei cabrito preso aqui? Não é possível.” Porque tinha muito cabrito. Aí eu olhei, suspendi o lampião, abri a porta da agência que dava para o armazém. Escondi assim olhei para lá, olhei para cá. O pau da, o mastro da bandeira estava no lugar. Aí eu comecei a desconfiar.
P/1 – (risos)
R – Já fiquei meio assim. Falei: “Uai, não é possível. O mastro não caiu, como é que esse trem está no lugar?” Aí voltei, deitei. Quando foi lá para as, daí a uma meia hora mais ou menos tornou a fazer o mesmo barulho. Aí eu me levantei, outra vez eu olhei, o mastro da bandeira no lugar. Bandeira que eu falo é Bandeira Nacional. Aquelas coisa que eles amarra a Bandeira Nacional. Mas só que não era fininho não, era um troço assim. Fazia um barulhão tremendo. Voltei e deitei, segunda vez. Quando eu estou passando por um cochilo, difícil de dormir, hein? Porque o fôlego estava fugindo e eu estava cansado mesmo. Acho que se passasse uma pessoa lá fora ouvia eu respirar. Medo. Não era coragem não, era medo mesmo.
P/1 – (risos)
R – O fato é que o troço tornou cair e eu não esperei. Tornou cair e parecia que vinha uma pessoa calçada com um chinelo. Um coisa de, isso aqui não faz barulho. Mas uma, um soalho alto faz, né? E vinha chep, chep, chep, caminhando para sair na porta da, do armazém que dava para a agência. Aí eu não aguentei. Eu levantei, abri a porta da agência, você vê em um lugar daquele que não tinha nada. Só tinha um morador assim no alto. Aí eu saí correndo, fui correndo, cheguei lá, chamei ele. Ele falou: “O que é que foi lá menino?” Eu falei: “Olha eu queria que o senhor mandasse o seu filho lá comigo para mim fechar a agência que eu deixei aberto. Eu saí de lá corrido. E tem uma coisa, eu quero dormir aqui na casa do senhor. Que eu não, eu não, lá é assombrado. Eu não fico naquele trem não.” Aí ele riu muito, falou: “Você? Não é o primeiro que corre de lá não. São vários já tem corrido. Tem problema não.” Aí chamou o filho dele mandou lá comigo, eu fui fechei a agência, apanhei o colchão, apaguei o lampião e fui dormir na casa dele. Durante os dias que eu fiquei lá, foram acho que uns sete ou oito dias que eu fui, eu dormi na casa dele. Porque diziam que aquilo ali era assombrado. E não fui só eu. Eu não vi. Eu não vi, mas ouvi. E não vi porque eu não esperei, corri mesmo. A gente acreditava em assombração, essa coisa. Isso lá era muito comum na estação de Ipaba. Muita gente via naquela época andando no desvio uma mulher de uns três metros de altura, todo mundo falava isso. Os que trabalharam lá falavam: “Não, eu vi.” “Mas você viu?” “Vi.” Eu disse: “Eu não vi, mas ouvi.” Então criou aquela fama. Quando o sujeito dizia: “Vai para Ipaba.” Eu dizia:”Ih, estou perdido. Como é que eu vou dormir lá?” Tinha que dormir, arranjar uma pessoa para dormir com ele lá porque era assombrada a estação. Então são esses casos que acontecem, aconteciam com a gente. Eu não sei, mas também podia ser: é medo. A gente mais novo tinha muito medo, né? E quando se falava: “Ah, você vai para Ipaba” todo mundo dizia: “Ih rapaz, você vai morrer de febre lá. E lá é assombrado.” Mas são essas coisas que a gente, que acontecia aí nesse longo da linha. Uma ocasião, agora eu vou contar um outro causo aqui. Isso é verídico. Todos os dois. Esse que contei aconteceu comigo. é verídico. E esse também é verídico. Aqui tinha um manobreiro por nome de Bezerra. Já era idoso, era assim, era mais novo que o César, mais novo do que eu assim um pouco. Mas para o serviço que ele fazia era muito, ele era muito velho. Mas era um desses, ele era nortista. Desses homem zarro, zarro mesmo. Quem trouxe ele para aqui para a Vale do Rio Doce foi doutor Beleza, que já morreu, superintendente da Vale em Vitória muitos anos. Quando eu entrei na estrada o doutor Beleza já era superintendente. A prova é que ele assinou minha carteira. E todos nós dizíamos que esse Bezerra era protegido do doutor Beleza. Porque ele fazia assim muita arte, malcriação com os outros com subalternos, com subordinado, com subalterno. Ele era subalterno, com superior ele fazia muita malcriação. Era um homem muito grosseiro, trabalhador mas grosseiro. Mas doutor Beleza gostava dele. Já com o doutor beleza ele não fazia isso. Então ele estava descendo em um trem, na cauda de um trem. Então era comum deles apanhar um feixe de colonião. Colonião é um capim que existe aí na, para aí ao longo, existe ao longo da linha lá em baixo. Isso é muito comum lá em Governador, que isso pasto dos animais. E forrava para eles sentar. Não tinha onde viajar não. Sentava ali. E, nós tínhamos aqui um engenheiro que chamava doutor José Abelha. Ele era chefe do tráfego. Chefe do tráfego era chefe de todo o pessoal. Estação, todo mundo. Então é aquilo que eu falei para vocês, é o medo do pessoal. Então quando dizia assim: “Ih, doutor Fulano de tal vem aí. Nossa mãe! Como é que nós vamos fazer? Vamos acertar esse trem aí que o doutor vem aí.” Isso era comum na Vale do Rio Doce. O doutor Abelha subia em um auto de linha fazendo revista na turma, etc. E quando ele passou na cauda do trem, porque ele cruzou com o trem, o trem estava parado. Ele mandou parar o homem. “Pára aí.” Foi lá na calda o trem e chamou: “Ô seu manobreiro.” Manobreiro é o que viajava, era uma promoção de guarda freio para manobreiro. “Seu manobreiro.” O Bezerra, muito mal criado, estava cochilando, levava os olhos assim, falou: “Que é que você quer?” “Você sabe com quem está falando?” “Não sei e não quero saber.” Aí o doutor Abelha, nossa senhora. Aquilo era um gancho. Gancho que a gente fala: suspensão. Aí doutor Abelha falou com ele; “Escuta aqui, você não sabe que você não pode dormir na cauda do trem, rapaz?” “E daí? O que é que você tem com isso?” Assim desse jeito, nossa, se a gente fizesse isso era até rua. Aí ele falou: “Você está falando com doutor José Abelha. Doutor José Abelha, chefe do tráfego. Você sabe que eu posso te suspender, posso te por até na rua.” Ele com aquela cara dele virou assim e disse para o doutor Abelha: “E daí? Abelha? Abelha? Eu não gosto nem de mé (mel), que fará de abelha.”
P/1 – (risos)
R – Aí o doutor Abelha falou: “Esse homem é doído.” Ao voltou na estação, falou com o agente. A gente falou: “Ó doutor. Ó, deixa esse homem embora. Esse homem é meio doido mesmo. O senhor sabe, esse homem é protegido do doutor Beleza. Deixa esse homem ir embora.” “Ele é malcriado, mas é trabalhador.” Mas o que ele queria dizer para o doutor Abelha era o seguinte: eu não gosto nem de mel e que fará de abelha. Porque o doutor abelha era a abeia. Abelha ele falou: eu não gosto nem de mé, o que fará de abeia. Mas são casos que acontecia aí na linha. Tinha muitos casos interessantes. Meu pai contava um caso, eu não alcancei não, que isso foi no tempo da Vitória-Minas. Mas a leitura era muito pouca do pessoal na linha. O tinha assim, que chegava melhor um pouquinho, que tinha uma leiturazinha melhor era o meu pai, em toda a linha, pode-se dizer, no setor dele. Porque o meu pai cursou o quarto ano primário em Diamantina com o Juscelino Kubitschek, aquela turma como eu já falei. E os outros, coitados, era um pessoal que não tinha estudo. Como meu pai também não tinha, mas naquela época tinha. Papai contava um caso que tinha um mestre de linha que trabalhava em Antônio, que era sediado em Antônio Dias, todo movimento naquela época era através de mensagem. Então caiu uma barreira na linha abaixo de Fabriciano e esse mestre de linha juntou a turma toda. A turma, os trabalhadores, os feitores e etc, para ir tirar essa barreira. Porque não tinha máquina não. Era tirada a pá. Para dar passagem aos trens. E esse lugar que caiu essa barreira era um lugar que descarrilava muito trem e que o rio passava assim. Era um ponto problemático da linha. Porque o rio estava solapando a linha. Constantemente descarregava pedra e era para segurar. Então pôs-se um apelido naquele lugar que não é ferroviário. O apelido é ferroviário mas esse nome já existia lá que eu não sei como. Puseram o apelido de buraco da comadre. Buraco da comadre. Ah, isso era o termo falado lá na nossa, na linha. Até os mestres, os engenheiros residentes, todo mundo falava assim: “Ó, vamos ver lá o que é que está, aquele problema lá buraco da comadre. Tirar aqueles golpes. Fazer isso, fazer aquilo.” Outra hora dizia: “Ó, o rio levou lá mais uma parte lá do buraco da comadre e a linha está no ar.” Aí o mestre de linha foi socorrer lá uma ocasião e deu um telegrama nos seguintes termos para o mestre, para o chefe da linha o superior dele. A leitura dele muito pouca: “Estou ‘deceno’...” não é descendo não, “...estou ‘deceno’ com 40 machos, tudo arretado, a fim de desembabacar o serviço no buraco da comadre.”
P/2 - (risos)
R – Aí assinou. Eu não vou falar o nome porque pode ter parente dele por aí na Vale. Isso tem muitíssimos anos, papai me contava essa história. Resultado, mas sabe, agora eu vou trocar em miúdo para vocês o que é que é, ele queria dizer: estou descendo com o lastro com 40 homens bons de serviço. Então ele pôs assim, 40 machos, ele não falou homem não, ele disse machos, que é o termo lá do norte. Tudo arretado ele queria dizer era dispostos para trabalhar. A fim de desembabacar, desembabacar era desimpedir.
P/1 – (risos)
R – No buraco da comadre. O buraco da comadre era um nome que tinha lá. Então ele deu esse telegrama para o mestre, para o chefe da linha. Mas o chefe da linha conhecia ele, conhecia ele e conhecia os termos. Ah, entendeu. O agente também entendeu aquilo. Ele deu o telegrama o agente transmitiu para lá do jeito que ele escreveu. Então isso foi um motivo de muita chacota, chacota não, muito comentário na linha. Se bem que também a gente não tinha grande leitura nada, também não sabia nada, era todo mundo semi-alfabetizado. Mas sempre tinha uns mais do que os outros. Mas ele trouxe esse termo lá do Norte, né? Passou esse telegrama que era o doutor Querubim que era o chefe da linha, Doutor Beleza que era o superintendente pegou e falou: “É, o João Bravo está descendo com os homens lá para desimpedir lá no buraco da comadre.” Então isso são casos que passou aqui na Vale. Naquele tempo da estrada de ferro. Aliás não era estrada de, Vale não, era estrada de ferro. Para se ver as dificuldades que se passavam. Mas naquela época se queria o serviço e entendia perfeitamente. Sabia o que era, como é que era como é que não era, né? Não existia esse negócio de termo, português bonito e falar bonito. Não, foi nisso aí que a, conseguiu chegar a Vale do Rio Doce e que é isso aí hoje. Mas foram esses desbravadores. Homens desses quilates. Como foi meu pai e outros, e outros e outros. Meu pai teve o privilégio porque ele teve uma leiturazinha melhor. Mas quase ninguém tinha leitura, era essa dificuldade medonha como eu estou falando para você. Eu estudei até o quarto ano primário, não estudei mais porque eu não tinha recurso, não é? E eu fico olhando hoje como é que é a coisa, às vezes, às vezes eu vejo os caderno dos meus netos lá, tem coisas que eu não entendo. Porque o método do ensino é diferente, eu sei resolver o problema, fazer às vezes uma, da minha maneira, mas eles: “Não, pô. Está errado. Tem que fazer é assim, assim, assim.” Eu dou o resultado, mas não faço de acordo com. Porque o que é isso, é evolução. Mas, agora vamos voltar o tempo...
P/2 - Seu Antônio, seu Antônio...
R – Hum?
P/2 - Essas estações que o senhor comentou elas ficavam geralmente em lugares isolados assim, sozinhos?
R – Era.
P/2 - Não tinha nada?
R – Lugar isolado. No meio do mato lá. Era uma distância de oito, dez quilômetros entre uma e outra. Mas a finalidade disso era para licenciar os trens para não atrasar muito. Porque enquanto esse trem corria, os trem corria com licença. Licença, deixa eu explicar para vocês o que é que é a licença. A licença é uma ordem, é uma autorização para o trem prosseguir até digamos aqui ó: desse ponto A, até o ponto B. Quer dizer, enquanto esse trem está correndo aqui dentro desse trecho aqui, não pode vir, não pode licenciar outro de lá e nem mandar outro. Só quando chegar lá, está entendendo?
P/2 - Hum.
R – Então ela, ela evoluiu nessa parte. Era desse jeito. A gente licenciando, as estações era de oito, dez quilômetros entre uma e outra. Com a finalidade de licenciar os trens. Porque os trens era a vapor, puxava muito pouco carro, então tinha muitos trens. Para não ficar um esperando o outro, aquela coisa. Mesmo assim havia muito atraso. Então criou-se essas estações. E posteriormente com a duplicação da linha, com a duplicação da linha, que antigamente era uma linha só para os trens cruzar era uma dificuldade. Hoje são duas. Corre um para lá, outro pra cá sem problemas. Também foi criado esse sistema de postos telegráficos nessa distância de oito e oito quilômetros um posto. Quer dizer, um posto de licenciamento de trem. Para isso não atrasar o trem lá. porque se for uma distância de 20 quilômetros, digamos assim, de uma estação na outra, atrasava muito os trens, você entendeu? Quer dizer, enquanto um corre para lá o outro corre para cá, e assim sucessivamente. Foi assim que chegou a esse ponto aí, hoje que a Vale é o que é aí ó. Porque hoje corre um trem de Vitoria à Itabira direto porque a linha é duplicada. Desce um trem em uma, sobe, o trem está subindo está em uma linha o que está descendo está na outra. Quer dizer, mas para fazer isso aí, isso tirou muito suor da gente. Muito sangue para se chegar nisso aí. Mas felizmente chegou e a Vale do Rio Doce é aquela potência que o Brasil conhece, né? E que foi privatizada. É quando eu digo para você, são outras normas de serviço, são exigências diferentes, não é? Então hoje se exige, todo mundo trabalha como se exigia naquela época, mas em normas diferentes. Ela dispensou muita gente. Dispensou, tem dispensado e vai dispensar segundo dizem. Isso é que traz a preocupação. Naquela época se empregava o filho do empregado. O empregado é, arranjava um lugarzinho para o filho. Saía mas deixava o filho trabalhando. Como, graças a Deus, eu deixei um que está aí. Mas hoje, não existe isso mais assim de o filho, empregar o filho do, do filho do empregado, essa preferência. Até pode se empregar. Se ele tiver condições ele vai, se ele não tiver ele fica. Agora o outro lá de fora se tiver ele vem. Eu acho até certo, em certos pontos, eu acho muito justo isso. Mas isso tem provado, e isso não é do tempo da Estrada de Ferro Vitória-Minas e até mesmo no começo da Vale do Rio Doce. Porque é como diz o ditado: o filho do bom, o peixinho, o filho do... como é que fala? O filho do bom peixe, não, o filho do peixe grande bom peixe é. Porque o sujeito vem lá de fora, não conheceu isso não sabe. Eu não tenho nada contra, em absoluto. Sou até favorável. Ele tem condições ele vai. Mas ele precisa vestir a camisa da Vale. Trabalhar para fazer jus àquilo que ele ganha.
P/1 – O senhor ficou na Vale até que ano?
[Fim do lado A da Fita 01]
P/1 - ...quando saiu o senhor parou definitivamente?
R – Parei. Estou, sou aposentado. Agora é como eu já falei, esse tempo todo que eu trabalhei, esse tempo foi só na Vale do Rio Doce, né? Esses 37 anos quase 38 na Vale do Rio Doce. Não tive outra empresa. Me aposentei. Mesmo porque hoje, o sistema hoje eu não, eu reconheço que eu não tenho, não teria condições para trabalhar, sabe? Condições financeiras, ô, financeira não. Condições conhecimentos gerais, instrução. Porque eu cursei o quarto ano primário e entrei na Vale e saí aposentado. Não tive condições de estudar porque trabalhava no mato aí. No mato, não é? pá, pá, pá, pá, pá. Aqueles que foram mais privilegiados assim em um sentido, né? Às vezes usava uma malandragenzinha, conseguia ir para um lugarzinho melhor, né? E às vezes conseguiram estudar. Depois, isso muito depois, que evoluiu mais a coisa. Mas eu nunca _______. Sempre foi serviço, serviço, serviço. É aquilo que eu disse: “Manda o Silvestre que ele faz.” “Ah, tira daí.” “Ah, manda lá para Itabira.” Lá Itabira. “Ó, manda para Drummond que eles fazem isso aí, ó.” Tinha um outro problema: “Ah, preciso de um conferente, uma coisa lá.” “Manda...” lá em Fabriciano ou em Valadares, “...manda o Silvestre que ele vai lá e faz.” Quer dizer, eu sempre fazia isso alegre e satisfeito porque eu sempre vesti a camisa da Vale, eu aprendi com meu pai. Eu sou filho de um velho ferroviário, eu nasci vendo trem, nasci na beirada da linha. Aprendi com meu pai a ter amor a isso. E isso eu passei para o meu filho, que ele está seguindo as mesmas normas, não é?
P/1 – Quantos filhos o senhor tem?
R – Agora não, estou aposentado, estou tranqüilo em casa. Mas os conselhos eu nunca deixo de dar ao meu filho. Sempre pergunto: “Como é que você vai lá, como é que está? Como é que...”, não é? “Ó, tem que se fazer assim, assim, entendeu?”
P/1 – E quantos filhos o senhor tem?
R – Eu tenho oito.
P/1 – Oito.
R – É.
P/1 – E o que é que os outros...
R – Empregado na Vale eu só tenho um.
P/1 – Hum, hum. E os outros o que é que fazem?
R – Os outros eu tenho um que é advogado, é radialista, tenho um outro que é empregado federal, trabalha nessa parte da Sucam. Tenho um que é militar. Aí tem uns quatro, chegou os quatro. E tem esse na Vale do Rio Doce.
P/2 - O senhor se aposentou por onde, pela Valia, seu Antônio?
R – Aposentei pela Valia.
P/2 - Valia.
R – Ainda, eu sou sócio fundador da Valia. E sempre a gente pensando em aposentar mas precisava de uma complementação. Se a gente não tivesse essa complementação da Valia, estaria passando muita dificuldade. Mesmo assim teve muito colega meu, muitos amigos, cabeça meia, infelizmente cabeça meia dura, não quiseram fazer. “Gente faz que isso é um, isso é um pecúlio para a sua família. Pensa.” “Ah, rapaz, nada. Eu vou guardando o dinheiro que é muito melhor.” “Tudo bem. Deus te abençoe. Se você consegue fazer isso, amém. Porque eu confesso a você eu não consigo fazer isso não. Não sobra para isso não.” Hoje estão arrependidos. Pelejaram para entrar, não tem mais jeito. Aquele caso da Arca de Noé. Esse homem está doido fazendo essa arca aí, arca não, fazer esse trem, esse barcão aí para quê isso? Vamos gente, vamos fazer, vamos entrar aqui. Quando veio o dilúvio suuuu, ele flutuou e os outros ó. Então eu digo olha aí, ó. Mas a Valia, com ela aqueles que têm pode-se até reclamar e dizer que a coisa não está boa. Mas pior sem ela. Porque eu vivo, eu aposentei mas vivo no meio ferroviário ainda, e vejo o que se passa com colegas que não têm, que eu sei.
P/2 - O senhor vive em Governador Valadares hoje?
R – É, eu moro em Valadares. Valadares é um núcleo de ferroviário, tem um núcleo de ferroviário. Tinha, né, porque agora com a privatização já foi debandado. Mas tem uma coisa, aquele que mora em Valadares continua lá. ou na estrada ou aposentado, continua lá, como tem em Vitória. Vitória é o núcleo mais, é o maior núcleo de ferroviários aposentados é em Vitória e mesmo na ativa, está em Vitória. São, mas é, eu aconselhei meu filho quando ele entrou a primeira coisa, primeiro pagamento veio descontado a Valia. Falei: “Você vai fazer.” “Ah, pai. Mas eu estou começando. Eu estou no, o senhor já...” “Não, você vai fazer porque você não sabe o dia de amanhã.” E graças a Deus é o que tem valido ele.
P/1 – E o que é que o senhor faz hoje em dia? Qual é o seu lazer?
R – Hum?
P/1 – O que é que o senhor faz? Como é um dia seu hoje em dia?
R – Meu dinheiro é o seguinte...
P/1 – Não, o seu dia?
R – Hein?
P/1 – Seu dia. O dia-a dia? O seu dia como é que é hoje?
R – Ah, o meu dia.
P/1 – Isso.
R – O meu dia é o seguinte, eu não sei se eu disse para vocês. Eu antes, eu gostava muito de diversão. Toda festinha, festa que tinha assim, mas festa era só de distração. Porque beber eu nunca bebi. Agora comida eu sempre gostava de comer, gostei de comer. Ultimamente não tenho comido porque estou, como eu já disse estou com esse problema de doença mas estou satisfeito porque, graças a Deus, estou andando. Mas eu de primeiro, não só eu, como minha esposa, ela gosta muito de dançar. E eu também gostava demais de dançar. Então nós dançávamos toda semana. Quando nós não íamos no _________, toda festinha que tinha, sempre tem uma brincadeirinha. O mineiro gosta muito disso, né? Tem um forrozinho. Então a gente está lá para dançar. E eu faço parte do Sesc, Sesp, Sesc. Sesc lá em Valadares que dá muita assistência ao isso. Terceira idade. Todos, toda semana tem dois dias de forró. Tem jogos, futebol, peteca, todas coisas. E eu participava muito disso. Mas dançar? Eu mais minha esposa nós dançávamos toda semana. E é uma distração. A Valia, adjunto da Valia, criou-se Aposvale. Que é o aposentado que é assistido pela Valia. Então nós temos uma, um, uma sede lá, que a Valia comprou. Aliás não comprou, vendeu para a Aposvale. Vendeu a troco barato. Sabe como é que é, né? Negócio de pai para filho. Eles não gostam até que fala não mas a realidade é essa. A Valia vendeu aquilo. Se não fosse ela ter cedido aquilo nós não tínhamos. Posteriormente se aumentou. Então ali concentra muitos aposentados que gostam de dançar, que gostam de teatro, que gostam de fazer yoga. Jogos de baralho, de brincadeira, sinuca. Mas como eu ia dizendo para vocês. Eu até a poucos tempo eu frequentava. Mas de certo tempo para cá eu achei que eu devia mudar de vida. Não sei. Questão do eu da gente, né? Hoje eu sou um homem crente, evangélico. Lá em casa nós, é eu, graças a Deus. Eu e dois filhos. Essa Neuza que telefonou para, que fez o contato com vocês aí. Ela é evangélica. Eu, a Neuza e Moisés, esse que é militar. Nós somos três que somos evangélicos. Então muitas coisas eu achei que não está, não condiz com a minha religião. Então eu fui afastando, fui deixando. Não que a religião até que proibisse. Mas a gente, no eu, a gente vê que tem umas tantas coisas que não devemos seguir. Não deve seguir não é porque faz mal não. É porque são coisas que a gente encara assim, para com Deus não tem proveito. Então seguir isso para quê? Então meu tempo hoje é o seguinte: eu estou em casa, estou fazendo leituras. Eu gosto muito de ler. Não é só a Bíblia não. Não sou fanático não. Mas eu gosto de ler e eu leio de tudo. Sou igual o apóstolo Paulo, leio de tudo e separo o bom para mim. Então a minha vida é bitolada assim: é de casa para a igreja, é da igreja para casa. Vou levando a minha vida assim. Sem com isso impor nada aos meus filhos ou a quem quer que seja. Isso é um problema meu. Não sou desses crentes, desses crentes enjoados, fanáticos que quer ler uma Bíblia toda para você, ficar insistindo, não. Não. Cada um tem seu ponto de vista, eu respeito a convicção de cada um. convicção religiosa. Eu acho que eu devo seguir isso eu sigo. Mas não imponho isso a ninguém. Então minha vida hoje está bitolada nisso. Parei de dançar, parei de frequentar essas festas assim. Porque beber também eu nunca bebi. Então eu não acho mais graça nessas coisas. Mas aconselho que a gente não pode ficar parado não. Aquele que gosta de esporte deve seguir o esporte. Eu que não estou mais para jogar bola, pegar uma peteca, fazer isso, fazer aquilo. Eu não tenho mais, coisa porque eu não tenho. Eu tenho artrose no joelho. Engordei muito, estou com o corpo meio pesado. Preguiçoso. Mas faço caminhada. Gosto de fazer caminhada. Não muito. Porque o joelho, às vezes, quando eu forço muito, incha e dói. Na medida do possível, né? Bitolei um pouco o fato da alimentação, porque faz mal a gente a qualidade e não a quantidade. Agora tem muitos que exagera muito e faz mal, a idade minha já não dá mais para isso. Então eu vou levando a minha vida assim, graças a Deus.
P/2 - Então para encerrar seu Antonio, eu queria perguntar o que é que o senhor achou de ter vindo aqui hoje? Que é que o senhor achou de ter prestado depoimento? Que é que o senhor acha de recuperar a história da Vale dessa forma? Para ter essas histórias
R – Eu acho muito bom, muito bom, mas bom mesmo. Primeiro lugar porque me deu uma chance de eu externar aquilo que eu tenho aqui dentro, né? Porque muitos dizem: “Ah, o sujeito aposentou, morreu.” Mas é porque você acaba atividade assim do serviço, né? Mas isso para mim eu vou dizer para vocês, até me rejuvenesceu, né? Porque eu tenho um amor muito grande pela Vale. Isso modéstia à parte, sem querer, eu estou falando isso não é para agradar A ou B. Estou falando isso porque eu considerar, considero a Vale do Rio Doce ainda um pedacinho meu. Porque vocês não sabem o quanto a gente, o amor que a gente tem por uma... Eu nasci, gente, nasci na beirada da linha. Eu vendo trem, ouvindo aquilo. Meu pai ferroviário. Trabalhei trinta e tantos anos. Então para mim, não conheço outra coisa a não ser aquilo. E até mesmo a gente nas conversações, escapa um pouquinho está falando sobre serviço da Vale. Mas isso para mim foi muito bom porque eu tive a oportunidade de falar aquilo que eu tinha vontade de falar. No bom sentido. Bom sentido. Porque às vezes tem algumas pessoas que são um pouco revoltada. Mas isso depende do fator homem. Aqui dentro da Vale. E eu sempre trabalhei aqui também nesse sistema. aquilo que eu tenho direito eu peço. Porque eu acho que a pessoa ser humilde ele rompe. Especialmente o funcionário. Eu sempre dizia para eles: “A pessoa, o funcionário, pode desejar em alguma coisa. Pode se deixar a desejar. Mas se ele é humilde, trabalhador e obediente ele rompe na Vale do Rio Doce. Rompe.” Eu falo presente. Porque futuro, embora eu tenha aposentado, mas esse é o exemplo que eu deixei aqui para os meus filho e para quem trabalhou comigo. esse é o meu lema. E graças a Deus deixei um ambiente muito bom, não só com os que trabalharam comigo que foram meus subalternos, como também com a chefia. Que eu não posso falar, nunca falei. Não falo mal da chefia porque nunca tive motivo de falar. Embora tenha entrado em uma época um pouco dura, um pouco de carrancismo. Mas precisava ser assim, isso é coisa da época. Na proporção que ela foi, ó, agora foi melhorando. Melhorando e está aí, isso aí hoje. Está aí empreendedores sociais potência aí. Só lamento é que a gente chega um ponto que a gente chegou ao fim. Venci a minha etapa tive que sair. Porque eu sempre trabalhei assim, pensando: “No dia que eu completar meu tempo eu me aposento. Dar o lugar para outro que precisa ganhar o pão também como eu ganhei.” Graças a Deus me sinto satisfeito. Muito satisfeito. Sou um homem que nunca toquei uma questão com a Vale do Rio Doce. Nunca. Desafio alguém que me prova isso. Nunca toquei questão contra ela, graças a Deus. Sempre rompi assim. E por aqui eu vou encerrar. Se vocês tiverem mais alguma coisa pode me fazer perguntas que eu estou aqui para responder.
P/1, P/2 - (risos)
P/1 – Não, está ótimo.
P/2 - Foi ótimo, está ótimo.
P/1 – Muito obrigada.
P/2 - Está perfeito. Obrigado. Foi ótimo o depoimento seu Antônio. Muito bom.
P/1 – Foi.
[Fim da entrevista]
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