Naquele dia, era imensa nossa expectativa. Aguardávamos ansiosos por nossos convidados. Dona Luiza e Senhor Ilson, antigos moradores do Parque Cruzeiro, viriam à nossa escola contar histórias da família, do bairro, experiências de vida e curiosidades. O depoimento é parte do Projeto Memória Local, do qual participamos no decorrer desse ano.
Recebidos por Denis e Gabriela, que os acompanharam até a Sala de Leitura, foram muito aplaudidos por todos nós. A entrevista, ocorrida no dia 27 de julho de 2006, foi realizada pelos alunos do 3º ano A, do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Presidente Epitácio Pessoa, situada no Parque Cruzeiro do Sul em São Miguel Paulista - São Paulo - SP.
Dona Luiza Teixeira Câmara, nascida no dia 25 de agosto de 1936, na cidade de Água Branca, em Alagoas, é filha do segundo casamento de seu pai, que teve 25 filhos.
Brincava, na infância, de boneca, amarelinha, esconde-esconde, casinha e subia em árvores. Gostava muito dos domingos, pois vinham crianças de toda a redondeza. Brincavam, divertiam-se e ouviam estórias. Nas bonitas noites de lua cheia brincavam de boneca, que eram feitas por suas irmãs mais velhas, “o corpinho era de pano rosa por dentro e pano branco transparente por fora, para os cabelinhos elas usavam pano preto desfiado (...) Eu brincava muito, mas aos sete anos já pegava na enxada e ia pra roça”.
Veio para São Paulo tentar uma vida melhor, pois aqui já moravam outros irmãos. “Lá era bom quando chovia. Sem chuva a vida era muito difícil. Aqui é o melhor cantinho pra se viver”.
O senhor Ilson Silva de Aquino, nascido no dia 02 de setembro de 1950, em Álvares Machado na cidade de Presidente Prudente no interior de São Paulo, veio para São Miguel com sua mãe, viúva aos vinte e dois anos, e seus três irmãos pequenos. Ele, o terceiro filho, com cinco anos de idade.
Na infância, a mãe atribuía algumas tarefas aos filhos, mas no pouco tempo que tinha livre, adorava nadar numa...
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Naquele dia, era imensa nossa expectativa. Aguardávamos ansiosos por nossos convidados. Dona Luiza e Senhor Ilson, antigos moradores do Parque Cruzeiro, viriam à nossa escola contar histórias da família, do bairro, experiências de vida e curiosidades. O depoimento é parte do Projeto Memória Local, do qual participamos no decorrer desse ano.
Recebidos por Denis e Gabriela, que os acompanharam até a Sala de Leitura, foram muito aplaudidos por todos nós. A entrevista, ocorrida no dia 27 de julho de 2006, foi realizada pelos alunos do 3º ano A, do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Presidente Epitácio Pessoa, situada no Parque Cruzeiro do Sul em São Miguel Paulista - São Paulo - SP.
Dona Luiza Teixeira Câmara, nascida no dia 25 de agosto de 1936, na cidade de Água Branca, em Alagoas, é filha do segundo casamento de seu pai, que teve 25 filhos.
Brincava, na infância, de boneca, amarelinha, esconde-esconde, casinha e subia em árvores. Gostava muito dos domingos, pois vinham crianças de toda a redondeza. Brincavam, divertiam-se e ouviam estórias. Nas bonitas noites de lua cheia brincavam de boneca, que eram feitas por suas irmãs mais velhas, “o corpinho era de pano rosa por dentro e pano branco transparente por fora, para os cabelinhos elas usavam pano preto desfiado (...) Eu brincava muito, mas aos sete anos já pegava na enxada e ia pra roça”.
Veio para São Paulo tentar uma vida melhor, pois aqui já moravam outros irmãos. “Lá era bom quando chovia. Sem chuva a vida era muito difícil. Aqui é o melhor cantinho pra se viver”.
O senhor Ilson Silva de Aquino, nascido no dia 02 de setembro de 1950, em Álvares Machado na cidade de Presidente Prudente no interior de São Paulo, veio para São Miguel com sua mãe, viúva aos vinte e dois anos, e seus três irmãos pequenos. Ele, o terceiro filho, com cinco anos de idade.
Na infância, a mãe atribuía algumas tarefas aos filhos, mas no pouco tempo que tinha livre, adorava nadar numa lagoa do Parque Cruzeiro onde hoje está construída a Escola Epitácio Pessoa, e no Rio Tietê. Ia escondido para não apanhar: “eu nadava como um peixe, por duas ou três horas... Vocês não vão acreditar, mas eu bebi água do Tietê. Era limpinha, limpinha Adorava quando via uma árvore de ingá(1) na beira do rio. Saboreava muitos frutos, depois caia nágua e ia embora”.
Antes da fundação da primeira escola, em 1957, o Parque Cruzeiro tinha algumas casas bastante modestas, muita água e vegetação. Andava-se por caminhos tortuosos e esburacados. O lugar onde hoje está a bela Escola Epitácio Pessoa era um pântano e um imenso buraco. Ali nadava-se e pescava-se. A parte alta do parque – hoje Praça Guanambi – era uma mata alagada. Lá foi construída a primeira escola, um galpão de madeira simples e pequeno.
A construção do atual prédio da escola levou aproximadamente dois anos. As máquinas trabalhavam dia e noite, eram enormes e faziam muito barulho. As pessoas se distraíam olhando o movimento, sempre afastados pelos trabalhadores, para evitar acidentes.
Nessa época, senhor Ilson, tinha aproximadamente 28 anos, portanto não estudou na Escola Epitácio Pessoa, e sim, na Carlos Gomes, na Vila Jacuí2. Ia a pé, no caminho encontrava um e outro amigo e seguiam juntos. Não havia perigo algum. Ao terminar o ginásio foi cursar o SENAC.
Dona Luiza não estudou. O pouco que sabe, aprendeu tentando ensinar os filhos com as tarefas da escola. Os filhos de dona Luiza começaram a estudar no centro de São Miguel, pois na escola galpão, na década de 60, já não haviam vagas para todos. Com a construção do prédio novo vieram estudar nessa maravilhosa escola. “Quem veio inaugurar a Escola Epitácio Pessoa foi o prefeito Faria Lima. Ele disse que essa escola era a mais bonita inaugurada por ele e que iria ajudar o povo sofrido dessa região”.
Antigamente, era comum as escolas serem cercadas apenas com arame, o último a passar fechava a taramela3. Não havia depredação. Dona Luiza lembra que a diretora da escola era severa: “Deus nos livre dela chamar a gente” E conclui: “professor deve ser respeitado, pois ele ajuda a direcionar nossos filhos”.
Na década de 50 o Parque Cruzeiro era pouco habitado. Existiam algumas moradias e a vendinha do senhor Salvador, com pouca mercadoria. Do lado de fora haviam umas tábuas no chão, onde ficavam os sacos de arroz e feijão, as caixas de batatas e cebolas, tudo vendido a granel. Os fregueses tinham uma caderneta, onde o senhor Salvador marcava as compras, e pagavam ao final do mês: “era como o cartão de crédito”, conta dona Luiza. “No caixa só entrava dinheiro. Sair, nada Quando o proprietário da venda errava na conta, ele devolvia em produtos”. Pelo bairro também passavam carrocinhas vendendo pão, sardinha, leite.
O Parque Cruzeiro começou a se desenvolver com a instalação da indústria de tecidos Lutfala Maluf e da Pérsico - em São Miguel já estava instalada a Nitro Química. A região cresceu muito, chegaram muitas famílias, foram abertas ruas, ainda de terra, e mais tarde veio o asfalto e o saneamento básico. Era grande o número de empregos na região. Vieram pessoas de todas as partes do país, principalmente nordestinos, para trabalhar na Nitro Química e nas indústrias do bairro. Moravam próximo ao emprego. Com isso a periferia começou a crescer e a expandir, as pessoas não tinham dificuldade em arrumar trabalho.
As mudanças do bairro São Miguel e, principalmente do Parque Cruzeiro, foram estupendas. Antes os bairros ficavam muito distantes uns dos outros, passava-se por muito mato, córregos. Hoje estão muito próximos e não se sabe onde termina um bairro e começa outro. Atualmente a vida no bairro é melhor. Tem mais transporte e comércio.
Em 1968, época da fundação do novo prédio da escola, já existiam no bairro outros armazéns, algumas lojinhas, padaria e uma feira muito boa. Tanto o senhor Ilson como dona Luiza escolheram o Parque Cruzeiro para morar devido às condições de vida e o preço dos terrenos, pois o bairro não oferecia nenhum outro atrativo: “O lugar era feio. Longe. Tanto que, quando eu ia visitar os meus parentes em Santana, zona Norte de São Paulo, dizia que morava um pouquinho para lá da Penha. Muito tempo depois, quando vieram me visitar, o parque já estava bonito. Eles não acreditavam que aqui era São Miguel”, contou-nos dona Luiza.
Disse, ainda, que o convívio entre as pessoas do bairro, naquele tempo, era raro durante a semana, pois elas trabalhavam muito. Os homens trabalhavam fora e as mulheres, que tinham muitos filhos, cuidavam da casa e das crianças. Muitas lavavam e passavam roupa para fora. Reuniam-se ao redor do poço, perto da lagoa, e, enquanto lavavam a roupa, conversavam. As crianças brincavam. Os homens só conversavam nos finais de semana. "Naquela época era uma vergonha para os maridos a mulher trabalhar fora. Eles proibiam. Dona de casa que trabalhava fora era muito mal falada".
Contou-nos, o senhor Ilson, que na década de 50 o transporte para o centro da cidade era pouco. Havia um ônibus que vinha do Bairro dos Pimentas, passava de 4 em 4 horas. Vinha pela Avenida São Miguel e ia até a Penha. De lá para o centro tomava-se um bonde. Havia também um ônibus mais rápido que, por correr muito, chamavam de “ônibus assassino”. Vinha de Mogi das Cruzes e ia até o centro de São Paulo, mas a passagem era mais cara: "Este era para as pessoas de mais dinheiro".
Do que o senhor Ilson mais sente saudades é de sua mãe: "Minha mãe foi uma mulher muito boa, muito legal e se pudesse pedir a Deus uma riqueza, pediria minha mãe de volta...". Dona Luiza também emocionou-se ao falar-nos de sua mãe: “Agradeço a Deus, que me deu uma mãe amiga, trabalhadora, maravilhosa"
Um fato marcante para os depoentes foi a fundação da escola. Por um lado trazia o progresso, por outro destruiu parte da natureza. Acabaram com a lagoa, plantas, peixes e outros animais. Acabou a pescaria para o Sr. Ilson e para os moradores do local.
A chegada da água encanada também marcou a vida dos moradores. Antes todos tinham poço. E havia, ainda, os córregos e as lagoas: água boa e de graça. Com o progresso chegou a conta de água e a falta dela, pois a água encanada, além de cara, às vezes não chegava nas casas.
O senhor Ilson tem boas recordações da natação no Tietê, quando ainda era limpo. Dona Luiza lembra-se de sua infância e das brincadeiras. "Ah Se pudéssemos voltar no tempo pegaria só as coisas boas, os sofrimentos deixaria de lado".
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1- Ingá - árvore de frutos comestíveis; ingazeira, ingazeiro.
2- Taramela - pequena peça de madeira que permite movimento giratório em um prego, serve para fechar portas, portões e janelas.
3- Vila Jacuí - vila na parte central de São Miguel, bairro da zona leste de São Paulo.
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