Projeto Arte Cidade
Depoimento de Myriam Andreozzi
Entrevistada por Rosali Henriques e Marta Souza
Local de gravação: São Paulo
São Paulo 18 de maio de 1999
Realização Museu da Pessoa
ARTCID_HV017
Transcrito por: Cláudio Marcelo de Souza
P - Dona Myriam, nós vamos começar o depoimento aqui com a senhora.
R - Pois não.
P - Eu queria que a senhora falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Pois não. O meu nome é Myriam Andreozzi, nascida em São Paulo no dia primeiro de Setembro de 1935.
P - E a senhora nasceu em que bairro Dona Myriam?
R - No Brás.
P - A sua família é de origem italiana? Como é que é?
R - É. São italianos, meus avós de (Aversa?), parte da Itália, né? No sul.
P - De que região que é, a senhora sabe?
R - Eu não sei bem se é sul, sei que a cidade é (Aversa?), mas a região certa eu não estou lembrada.
P - A senhora sabe porque que eles vieram para o Brasil?
R - Eles são todos imigrantes, né? Lá não estava bom, então vieram para cá. Inclusive um dos meus avós que é pai da minha mãe é que trouxe uma santa, chamada nossa Senhora do (Cazalucci?). Ele com os amigos dele quando imigraram aqui para São Paulo em 1900, é uma réplica dessa nossa senhora que se encontra na cidade de (Cazalucci?).Eles trouxeram para cá e formaram uma igreja (Cazalucci?) no Brás, na Rua Caetano Pinto. Eles foram trabalhando, depois casaram, tiveram seus filhos, ajudaram. Lá era uma pequena capelinha e tinha aquelas festas enormes, muito bonitas, pegava as ruas do Brás, a Caetano Pinto de ponta a ponta. Uma rua muito comprida, então, todas casas tinham festas. Eram as portas abertas porque não é que nem hoje em dia, né? Antigamente podia se deixar as portas abertas e o pessoal entrava. Todo pessoal tinha acesso às casas onde podia entrar, comer e beber, fora a festa na rua e tínhamos até três bandas, uma na porta da igreja, outra na metade dessa rua e outra no fim. Eram muito bonitas...
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Depoimento de Myriam Andreozzi
Entrevistada por Rosali Henriques e Marta Souza
Local de gravação: São Paulo
São Paulo 18 de maio de 1999
Realização Museu da Pessoa
ARTCID_HV017
Transcrito por: Cláudio Marcelo de Souza
P - Dona Myriam, nós vamos começar o depoimento aqui com a senhora.
R - Pois não.
P - Eu queria que a senhora falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Pois não. O meu nome é Myriam Andreozzi, nascida em São Paulo no dia primeiro de Setembro de 1935.
P - E a senhora nasceu em que bairro Dona Myriam?
R - No Brás.
P - A sua família é de origem italiana? Como é que é?
R - É. São italianos, meus avós de (Aversa?), parte da Itália, né? No sul.
P - De que região que é, a senhora sabe?
R - Eu não sei bem se é sul, sei que a cidade é (Aversa?), mas a região certa eu não estou lembrada.
P - A senhora sabe porque que eles vieram para o Brasil?
R - Eles são todos imigrantes, né? Lá não estava bom, então vieram para cá. Inclusive um dos meus avós que é pai da minha mãe é que trouxe uma santa, chamada nossa Senhora do (Cazalucci?). Ele com os amigos dele quando imigraram aqui para São Paulo em 1900, é uma réplica dessa nossa senhora que se encontra na cidade de (Cazalucci?).Eles trouxeram para cá e formaram uma igreja (Cazalucci?) no Brás, na Rua Caetano Pinto. Eles foram trabalhando, depois casaram, tiveram seus filhos, ajudaram. Lá era uma pequena capelinha e tinha aquelas festas enormes, muito bonitas, pegava as ruas do Brás, a Caetano Pinto de ponta a ponta. Uma rua muito comprida, então, todas casas tinham festas. Eram as portas abertas porque não é que nem hoje em dia, né? Antigamente podia se deixar as portas abertas e o pessoal entrava. Todo pessoal tinha acesso às casas onde podia entrar, comer e beber, fora a festa na rua e tínhamos até três bandas, uma na porta da igreja, outra na metade dessa rua e outra no fim. Eram muito bonitas essas festas, nós temos até hoje. Hoje já é uma igrejinha que nós fazemos estas festas e no ano que vêm vamos fazer o centenário e a gente se dedica. Uma temporada fechada, depois reabriram, foi reformada. Todo o pessoal da comunidade lá do Brás é que estão trabalhando para que dê tudo certinho e que possam fazer as suas obras sociais.
P - Dona Myriam, como eram os nomes dos seus pais?
R - Minha mãe era Luiza Tartaglioni Andreozzi, meu pai era Alfredo Andreozzi.
P - E qual era a atividade de seu pai.
R - Meu pai era músico, minha mãe não, sempre prendas domésticas, dona de casa.
P - Mas ele trabalhava onde?
R - Olha; ele tocava no municipal, tocava contrabaixo e trabalhava naquela época que eu me lembro que eu era criança, tinha aquelas confeitarias onde o pessoal ia tomar o chá, o chá da tarde às cinco horas, então tinha na Rua Direita uma confeitaria que se chamava Confeitaria Bar Vidaduto e eles tocavam durante o dia lá. O pessoal ia tomar seu chá, comer seu docinho e ouviam as músicas e também no municipal, né? Foi esse o trabalho do meu pai.
P - E quantos irmãos tinham na sua casa?
R - Um só.
P - A senhora só tem mais um irmão?
R - Só mais um irmão.
P - Conta para a gente como foi a sua infância lá no Brás, as brincadeiras.
R - Olha; as brincadeiras era uma época completamente diferente de hoje. Hoje os meninos com 11 ou 12 anos já pensam em outras coisas, em namorar, na nossa época não. Eram brincadeiras mesmo. Nós tínhamos amizade com os rapazes, meninos que eram todos vizinhos. Era uma família. Então a gente brincava de pegador, de esconde-esconde, de amarelinha, de tudo. Mas brincava os meninos com as meninas juntos, não saia briga, não saia nada, não tinha violência, não tinha nada. Hoje em dia já é bem diferente, né? Nós estudávamos, aquele grupo de mocinhas, de meninas e ainda depois do estudo, a gente ainda ia costurar vestidinhos para as bonecas, porque naquela época eram crianças mesmo, né, tinha idade e eram crianças. É como eu te falo que não é nesta época, é bem diferente.
P - A senhora nasceu em que rua Dona Andreozzi ?
R - Na Rua Campos Salles.
P - Conta para gente um pouco da história do seu nascimento.
R - Eu nasci em casa mesmo. Naquela época não existia muito, assim; a senhora ia ao hospital como existe hoje em dia, então eram mais as parteiras, chamavam as parteiras e pegavam os partos em casa mesmo. Minha avó era parteira, a mãe da minha mãe, e morávamos juntas, então eu nasci em casa mesmo, quero dizer no Brás mesmo e na Rua Campos Salles e estou lá até agora, vivi minha infância lá, estudei, depois me formei fui dar aula no colégio da Rua Piratininga, depois fui para outros colégios e hoje em dia estou aposentada, mas a minha infância foi muito boa.
P - Conta um pouco da casa da senhora. Essa casa que a senhora morava era da sua avó?
R - Era da minha avó, porque era assim, eles acostumavam os filhos a casar e ficava morando com os pais. Então minha mãe se casou, se casou mais uma irmã dela. Os homens casaram e saíram, mas essas duas ficararam com meus avós, então nós morávamos todos juntos. Quer dizer que mesmo com minhas primas a gente ficou como irmãs, não como primas, né? Era a família grande e as casas eram muito grandes, então a gente se dava muito bem, não havia briga, não havia nada, era uma família e a gente se vivia muito bem. Fomos vivendo assim até que depois uma casou. A outra casou e aí vai saindo, depois perdi meus avós, ficamos com meus pais, meus tios, depois nos separamos, aí perdi meus pais, fiquei com meu irmão que era casado com a minha cunhada, fomos morar já separados. Os filhos casaram, tem dois filhos homens casados que para mim são mais que filhos. Perdi meu irmão também vai fazer dez anos. Agora e eu e minha cunhada estamos juntas até hoje. A gente se dá bem, não é verdade? Por aí se nota que é uma família que sempre se deu muito bem. Graças a Deus, né?
P - A senhora lembra como era essa casa da sua avó, a cozinha, a casa?
R - Ah, lembro Os quartos eram enormes, tinha quatro dormitórios. A sala era enorme, tínhamos dois quintais: um na parte que era do tanque, outro na parte grande que era para estender roupa, a cozinha grande, o banheiro. Era uma casa grande mesmo, enorme. Era do tempo ainda que tinha as casas com porão, porque elas eram altas, então ficava aquela parte debaixo, que muitas vezes a gente fazia de casinha e ia brincar lá embaixo, porque dava para ficar em pé muito bem, pois eram bem altas, são aquelas casas antigas, que hoje em dia é difícil, tem uma ou outra. Hoje em dia é tudo diferente, outras estruturas, outros modelos de residências, muitos apartamentos o que não tinha naquela época. O senhor que vendia carne ou leite, eles iam com uma carrocinha, o cavalo puxava, eles passavam na rua e vendiam. Então vinha outro vendendo leite, com as cabritinhas, com um sininho, quando você ouvia bater aquele sininho você já sabia que vinha o homem do leite. Tinha todas essas coisas, era muito bom, é o que eu te falo. Era uma época completamente diferente da de hoje. Hoje tem mais facilidade nas coisas, mas é diferente.
P - A casa era dos seus avós?
R - Não. Era alugada, mas estávamos com meus avós. Perdi primeiro o meu avô, eu lembro que eu era muito pequena, depois perdi a minha avó, eles contavam histórias para a gente nos dias de frio, a gente fazia, falava o fogareiro era uma (horta?) dessas de óleo, enchia de carvão, fazia aquele fogareiro, aquele fogo que ficava quentinho. Nós ficávamos todos em volta: eu e as minhas primas enquanto meu avô contava as histórias pra gente. A nossa infância era assim ouvíamos também as histórias, né? (risos) Então era uma época muito boa, ficava toda a família reunida, não existia televisão, era rádio, a gente ouvia as novelas pelo rádio. Quando era hora da novela ficava todo mundo ouvindo a novela porque não tinha televisão. P/1 E na época da II Guerra Mundial, a senhora lembra se vocês tiveram que parar de freqüentar os clubes italianos, alguma coisa assim?
R - Eu lembro muito bem do pão, porque a gente ia comprar o pão e tinha que ficar naquelas filas. Eram filas enormes, você tinha que ficar de um dia para o outro, você ia em um dia às sete ou oito da noite para poder no dia seguinte cedo comprar. Naquele tempo era só uns (filé?) de pão, não tinha pãozinho, então a gente revezava, as crianças iam mais cedo e ficava, depois iam os adultos, a gente ia dormir, foi uma época muito triste essa, do resto, assim; não tenho tanta lembrança, mas dessa fila do pão ficou bem gravado.
P - A senhora estudou em que grupo escolar?
R - Grupo Escolar (Romuntu Gari?), existe até hoje na Rangel Pestana. É em frente à Igreja Bom Jesus do Brás, depois estudei no Profissional Carlos de Campos e depois fiz o curso do Mec – Ministério da Educação e Cultura - onde eu tenho o registro como diretor e primeiro secretário, com a numeração para você poder assinar um documento de aluno, porque senão você não pode, hoje em dia parece que esse concurso há muitos anos que não está sendo realizado, mas você precisa para assinar um documento do aluno, para ter validade, você precisa ter esse registro do Mec como um Diretor e como um Supervisor, porque o supervisor também tem o nome e o número do registro, foi onde eu estudei, depois eu me dediquei muito para escolas, eu fiquei quase 32 anos dentro de escolas e comecei a trabalhar não tinha nem 18 anos, não tinha nem me formado ainda.
P - Vamos só voltar um pouquinho, depois a gente vai aproveitar um pouco mais essa parte profissional, mas eu queria perguntar para a senhora: nesse período escolar, a senhora ia pé para a escola, como é que era?
R - Ia a pé, sempre a pé. Era um bom pedaço longe de casa, mas a gente ia porque ia aquele grupinho de meninas, né? Nós estudávamos o dia inteiro nesse Carlos de Campos, no grupo era só de manhã, depois que eu passei para o Carlos de Campos, eu estudava de manhã e à tarde, e nós aprendíamos tudo, desde o ginásio e o colegial. Nós aprendíamos flores, bordados, costura, pintura, arte culinária, saia uma perfeita dona de casa de lá. P/1 E vocês iam ao cinema?
R - Íamos. Todo o domingo íamos a matinê. Era sagrada. Tinha um cinema lá perto de casa na Rangel Pestana, perto do Grupo que nós chamávamos de Cine Piratininga, era o maior de São Paulo, hoje em dia é um estacionamento. Era sagrado, todo domingo à tarde era a matinê.
P - E que tipo de filmes que passavam nessa época, Dona Myriam ?
R - Passava muito seriado, muito bangue-bangue e era seriado, então você assistia num domingo uma parte, no outro domingo continuava, então você ficava doidinha para ir para ver aquela continuação do filme e depois os filmes, de romance, aventura, passava dois, três filmes, não passava um só, sabe? Ficava lá a tarde inteira, mas era gostoso, passava o domingo.Ou então tinha passeio, assim; no sábado à noite, nessa Avenida Rangel Pestana. Os rapazes ficavam de um lado parados nas paredes e as moças passavam, iam e voltavam, era o divertimento do pessoal jovem, com muito respeito, inclusive tinha a escola da aeronáutica, onde é o museu agora na Rua Visconde de Parnaíba, e tinha os alunos e eles ficavam lá também no passeio, e o apelido deles era coca-cola (risos). Os Coca-Cola iam lá para o passeio, ficavam eles parados e as moças passando no meio naquele vai-vem, mas tinha um respeito louco, não tinha o que a gente vê hoje em dia, né? Graças a Deus foi uma ótima infância, uma ótima mocidade, passei assim a minha vida.
P - E por quê chamavam Coca-Cola ?
R - Era um apelido que tinham posto neles por causa dos gorrinhos que eles tinham. Eles achavam que era parecido com tampinha da Coca-cola, então eles tinham aquelas fardas e puseram o apelido neles de “Os Coca-Cola”, que eram os estudantes da aeronáutica.
P - E que igreja vocês freqüentavam?
R - Igreja Bom Jesus do Brás, lá na Rangel Pestana também, em frente à Rua Piratininga, uma igreja muito grande. A gente freqüentava lá, cantava no coro, a amiga minha era professora de música, ela tocava órgão, lá era órgão mesmo daqueles grandes, não é teclado nada desses que tem hoje em dia, o órgão mesmo que tem até hoje. Então a gente cantava nas missas, ela tocava e a turma das mocinhas cantavam na igreja. Eu freqüentava muito lá, fiz a primeira comunhão, meu irmão, primos, meus sobrinhos casaram lá, porque eu morava mais pertinho, na (Martin do Chá?), depois eu passei para a Paraná então nós passamos a fazer parte da (Cazalucci?), esta que meu avô trouxe a réplica da imagem e nos dedicamos para a (Cazalucci?).
P - Mas o seu avô ajudou a construir a igreja?
R - Não. A primeira não sei se eles construíram ou alguma coisa que eles adaptaram, alguma casa, né ? Eles e os amigos que em 1900 eu não lembro, eu não tinha nem nascido, eu sei das histórias que eles falavam, né? Então foi adaptada, que era uma capelinha, era pequena. Inclusive uma temporada ela ficou fechada, que não tinha mais quem trabalhasse, não tinha padre. Ainda tinha assim da porta que dava para a rua que nem um arco e tinha um sino grande que era da igreja e de vez em quando as crianças começaram a inventar que eles viam uma mão que empurrava aquele sino, mas não era, era fantasia. As crianças tinham medo de olhar quando passavam lá, ficavam com medo porque falavam: “ah, vai aparecer a mão”, mas era história, né? Isto também ficou muito gravado para as meninas daquela época, que hoje em dia são todas senhoras que nem eu. (risos) A gente lembra disso, depois não, detonaram, derrubaram e fizeram a igreja. A igreja não é grande, mas ela é aconchegante, a gente adora aquela igreja.
P - A senhora também tinha medo dessa mão aí do sino?
R - Todas. Todas as meninas. Os meninos que vieram do bairro, lá de perto, todos tinha medo, mas não se via nada, a gente olhava para ver se via com aquele medo, mas era tudo fantasia, não sei quem inventou, então as crianças tinham medo, eu também inclusive tinha medo sim (risos).
P - Como que eram as festas lá do bairro? Além dessa festa de (Cazalucci?), quais outras festas que tinham?
R - Nós tínhamos a São Vito, que fica do outro lado da Rua do Gasômetro, também era festa de rua, muito bonita, muito grande, uma procissão muito grande, dia de São Vito e nós tínhamos a queima de fogos quando era o último dia da festa, era feita no Parque D. Pedro, onde tem a prefeitura agora, era bem descampado lá tinha muitas árvores, muitas plantas, não tinha o que tem hoje, então eles armavam tudo lá que era a queima de fogos, que era uma maravilha, muito bonito. Então tinha essa festa também para a gente ir era São Vito e a (Cazalucci?). Como eu te falei, a festa pegava a rua toda, eram as duas festas, esse passeio na avenida, cinema, baile de escola, que a gente ia muito, baile de formatura, que era diferente também de hoje em dia, era o divertimento da gente.
P - Vocês freqüentavam algum clube italiano, alguma associação?
R - Não. Italiano não. Teve uma temporada. Chamava-se clube dos motoristas. Os motoristas de táxi na ruazinha do lado da Igreja Bom Jesus, em frente à Piratininga. Então lá se reunia todo o pessoal do bairro, as famílias. Cada família levava alguma coisa para comer e lá comprava uma bebida, lá se reunia todo mundo, a gente lá dançava, inclusive quem cantava lá era o Petrônio porque ele era motorista de praça. Quantas músicas eu dancei com o Petrônio (risos) Mocinha, né? E ele cantava, mas não era profissional como ele é hoje em dia, depois é que ele foi ser um profissional, mas era o clube que a gente ia, a não ser os bailes de escola, que às vezes fazia um matinê, a escola, um trabalho de formatura, e a gente ia, na época aqueles vestidos longos, todos bonitos, todos armados, era um traje a rigor e os rapazes de escuro, gravata borboleta, sapato preto, se eles colocassem um sapato marrom ou de outra cor também não entrava não, era rigoroso, e de terno, era bonito, era diferente.
P - E essas roupas desses bailes, vocês compravam ou mandavam fazer?
R - Não; mandávamos fazer. Cada uma mandava fazer a sua, para mim era fácil porque minha mãe era costureira, sempre fomos pobres, mas sempre tive uma roupinha bonitinha para ir ao baile, sempre tinha um vestidinho novo.
P - Mas vocês copiavam de alguma revista? Como é que era?
R - Não, não. Era só seguir a moda que era aqueles vestidos (godê?), né? Aquelas faixas na cintura, vestido bem (godê?). Punha aquelas armações embaixo do saiote que a gente engomava com a goma mesmo, passavam eles e ficavam durinhos, então o vestido ficava bem armado e o que a gente gostava é que quando rodava o vestido rodava bastante e se via aquele saiote com renda, adorava. (risos) Mocinhas, né? A gente adorava aquilo. Os sapatos altos, batonzinho, era isso. Mas cada uma fazia o seu ou mandava fazer quem tinha quem fizesse, tinha sua roupinha e os rapazes também, às vezes não tinha borboleta ou não tinha o sapato, um emprestava para o outro, mas tinha que ir para o baile de formatura, tinha que estar completo distinto direitinho, senão não entrava mesmo. Então era engraçado porque era um tal de emprestar, né? Mas que a gente ia dançar, nós íamos (risos). Ia todo mundo dançar.
P - E que tipo de música tocava, a senhora lembra?
R - Era rock, bolero, samba, era muito rock, viu? E os boleros, os boleros estavam muito na moda, aliás, até hoje eu gosto, eu sempre fui muito de dançar, sempre gostei de dançar, era muito disputada até, porque eu gostava de dançar e dançava muito bem, então o pessoal gostava de dançar comigo, e até hoje, nossa Esses boleros então Era uma maravilha, tango.
P - Dona Myriam, a gente estava conversando com a senhora sobre os seus divertimentos no Brás e tal, que mais vocês faziam naquela época da sua juventude lá no Brás?
R - Além desses passeios, desses bailes, a gente tinha muitas reuniões entre as garotas, a gente conversava muito. Os assuntos eram de conselho de uma para outra, então a gente tinha muita amizade, a gente se tornava até irmãs, era uma família. Era esses os divertimentos que a gente tinha naquela época, porque não havia outro mesmo, a não ser baile, cinema e essas reuniãozinhas que a gente fazia ou então às vezes festinhas nas casas, cada semana uma fazia uma festinha na sua casa, os pais deixavam, eram todas casas grandes, dava para a gente dançar que nem salão de baile, né? As garotas levavam sanduíches, doces e os rapazes a bebida, naquela época tinha muito cuba libre. A gente juntava aquela turma e era essa a nossa distração de mocinha.
P - Vocês faziam algum outro tipo de evento fora do Brás?
R - Ah sim. Fazíamos também. Nós íamos muito para a Serra da Cantareira, lá para o Pico do Jaraguá, fazia muitos piqueniques, ia de trem, ia tudo certinho, todo mundo cedinho, arrumava todos os lanches, as sacolas, as cestas com as comidas e as bebidas e ia passar o dia fora, fazia esses piqueniques. Aí juntava os moços, as moças, as mães, as tias, ia todo mundo, a família toda, era outro divertimento que a gente tinha, que hoje em dia também é difícil, né? (risos) Hoje em dia tá tudo diferente. Tem outras diversões, outras atrações, outras coisas, então se torna diferente. A minha mocidade foi essa.
P - A senhora falou que fez esses cursos para o magistério, não é?
R - É. Eu fiz o curso para ter o registro, para ser secretária de colégio, fiz do Mec, que é o Ministério de Educação e Cultura. Era um curso que era o dia todo. Para poder depois ter uma prova, que foi muito dura, as 50 questões tinham que ser respondidas na altura para ver se você podia assumir esse cargo e ter o registro como secretária para assinar os documentos de alunos, senão não tem valor, né? O documento tem que ter a assinatura do diretor, da secretaria e do supervisor e depois registrado no Mec. Então se você não tem esse registro do Mec, você não tem autoridade para assinar o documento, e eu fiz esse curso também.
P - Mas a senhora chegou a fazer o magistério normal?
R - Não. O magistério não. Fiz só escola de artes, escola profissional, eu fiz esse curso, que até a muitos anos já não está havendo esse curso, não está havendo esse concurso também para ser secretário de colégio.
P - E a senhora começou a trabalhar quando? Com quantos anos?
R - Eu tinha 17 anos, não tava nem formada, comecei a trabalhar com auxiliar, fui dar aula primeiro, depois comecei trabalhar como auxiliar de secretaria e depois como secretária geral do colégio, foi como eu me aposentei. Fiquei quase 32 anos no colégio. Dediquei quase a minha vida para a escola. Essa foi minha vida.
P - A senhora começou a trabalhar em que colégio?
R - Comecei a trabalhar no Colégio São Paulo, que ficava na Liberdade. Fui dar aula de artes, curso normal, depois eu passei para o Colégio Vera Cruz, eu dei aula para o curso primário, depois fiquei auxiliar de secretaria e depois passei a ser secretária geral nesse colégio.
P - Esses colégios são estaduais?
R - Não. Todos particulares. Não foi nem um colégio estadual. Depois fiquei muitos anos num colégio do Ibirapuera, na Avenida Ibirapuera, no Largo de Moema, se chamava Colégio Princesa Isabel, foi de lá que eu me aposentei. P/1 Dona Myriam, e esses namoros na época de sua juventude, como é que era?
R - Ai Minha filha, você não pegava nem na mão do namorado (risos). Tinha aquele respeito, aquela coisa, era em casa, ficava sempre a família junto, você não saia sozinha com namorado que tinha sempre uma pessoa da família mais velha. Era tia que acompanhava, inclusive nesses bailes que a gente ia de formatura à noite, a moça nunca saia sozinha, sempre ia a mãe, a tia, uma pessoa de mais idade responsável que ia para tomar conta do pessoal. Mas era diferente, né? É como eu te falei, havia mais respeito. Sempre houve uma coisinha ou outra, que toda vida houve, mas não era como hoje em dia, hoje em dia já não tem tanto respeito, né? Os namoros são mais livres, as garotas saem cedo, né? Assim; cedo que eu falo é mocinhas novas de 13, 14 e 15 anos já namoram, namoram em casa, já saem com os rapazes, nós não tínhamos essa liberdade de jeito nenhum, e havia respeito porque os pais nunca falavam nada para a gente, só um olhar que eles davam para a gente, você já entendia o que eles queriam falar. Tinha respeito entre filho, mãe e pai, que hoje também não é tanto respeito assim, né? Falam as coisas muito abertamente, eu não sei se é para melhor ou para pior, que eles tem mais vivência, parece que os de hoje, né, são mais sabidos. A gente era moça de tudo e tinha muita coisa que você não entendia, porque não havia aquela liberdade entre a mãe e o pai para conversar com a gente, então você não sabia muita coisa da vida. E os de hoje tem mais facilidade, eles sabem mais da vida, quer dizer, são mais inteligentes e são mais espertos que nós daquela época, não é? Às vezes eles falam de coisas com a idade que tem não sabe ainda, mas era assim. Naquela época era assim, com todo aquele respeito que havia entre as famílias.
P - E a senhora chegou a namorar?
R - Cheguei, mas não deu certo, então ficou cada um para um lado e continuo solteira até hoje (risos).
P - Mas foi uma grande paixão Dona Myriam ?
R - Foi. Foi como todo adolescente, quem é que não tem uma paixão não é? Primeiro amor eu acho que todos têm, tanto o homem como a mulher. Mas foi uma coisa passageira, uma coisa que não deu certo e passou, e como eu falei, me dediquei muito para a escola, para minha família e foi passando, passando e cheguei na idade que eu estou e solteira (risos). Mas tive sim.
P - A senhora pode contar para gente quem é essa pessoa?
R - Essa pessoa nem está mais aqui entre nós, já faleceu, já faz muitos anos, uma pessoa conhecida que era do bairro, era amigo da gente, mas foi uma coisa que não deu certo, outros deram, mas o meu não deu certo, então não tinha que ser, né? Deus é quem sabe o que faz, né?
P - A senhora só namorou ele?
R - Só namorei ele. E é o que te falo: não é um namoro que nem hoje em dia, né? Era namoro de a gente ir ao baile, ir ao cinema, mas em turma, não era um namoro de ficar sozinha e namorar, era um namoro diferente, entende? Eu nem sei se poderia ser chamado de namoro hoje em dia, porque era assim, ademais era uma paixão, eu gostava ele gostava, mas não deu certo e ficou assim, né?
P - Mas como é que era? Ele falava assim: estamos namorando? Como é que a pessoa sabia que estava namorando a outra pessoa?
R - Porque a gente saia sempre junto, estávamos sempre perto um do outro, mas não tinha nem coragem de falar “estou namorando com você, você tá namorando comigo.” Agora a pessoa encosta na parede quando fala, né? Vamos resolver, mas nós não tínhamos isso daí, então a gente tinha até vergonha de falar, e se encontrava um parente da pessoa, nossa A gente morria de vergonha da família, né? Era assim porque era a educação assim, pode ser que tenha pessoas de minha idade que já foram criados diferentes, mas eu na minha família fui criada assim.
P - Mas os namorados freqüentavam as casas?
R - Freqüentava porque era a turma toda, era aquele grupo grande, não é que vinham em casa só para namorar, vinha todo mundo para tomar café, para comer bolo, fazer aquelas reuniões, então você nem sabia direito se era um namoro ou se não era, no fim você não sabia o que era, sabia que gostava da pessoa e a pessoa gostava de você, mas você não ficava sozinha com a pessoa, então para definir mesmo se era um namoro, você não tem como qualificar porque era aquela turma junto, depois não deu certo, cada um foi para um lado, outros foram casando e eu fui separando e assim fiquei.
P - E a comida?
R - Tive pretendentes, claro, né? Tive bastante, mas não quis.
P - A senhora não quis?
R - Não, não quis, não sei, não ia, não quis, não agradava. Aí é o que te falei, não sei se é porque eu me dediquei muito para a escola e fiquei com aquela coisa de responsabilidade da escola da família, ou será que a gente pensa que os homens não passa, mas os homens passam,e a gente fica velha e nem percebe e passa muito rápido, eu não sei o que é, sei que depois não quis, mas tive bastantes pretendentes, mas não quis saber.
P - Fale um pouco sobre o tipo de comida que você comiam. Era comida típica italiana? Que tipo de comida sua mã e a sua avó faziam em casa ?
R - Macarrão feito em casa, talharini. A gente fala em italiano porpeta, aqueles bolinhos de carne, fazíamos as berinjelas, todo esse tipo de comida italiana, né? Continua até hoje, o bife à milanesa, à parmigiana que a gente fala, que não deixa de ser o bife à milanesa com mussarela em cima depois de frito e põe no forno, chama berinjela à parmigiana, italiana, comemos bastante daquele queijo gorgonzola, vocês já ouviram falar? É um queijo que tem a verdurinha. Que antigamente diziam que os queijos tinham bicho, então saia um bichos daqueles. Então a gente chamava queijo de bicho que os italianos, que há bem muitos anos atrás tinha mesmo, e eles comiam com miolinho do pão, eles iam fazer gracinha para pegar os bichinhos, mas não tem, né? Era uma verdurinha que se chamava gorgonzola. É um queijo grande tipo parmesão, muito gostoso, não deixava de ter o salame, lingüiça, as lingüiças eram feitas em casa, guardavam naquelas latas de óleo de 18 litros com banha e enfiava as lingüiças lá para conservar, os provolone, pendurava tudo assim sabe? Tinha todas essas comidas, você vê hoje nas cantinas italianas ou então nas festas italianas.
P - A senhora já foi alguma vez para a Itália?
R - Não, ainda não, gostaria de ir, mas não tive oportunidade.
P - Dona Myriam, nessa festa de Nossa Senhora de (Cazalucci?) desde quando a senhora trabalha lá?
R - Faz 17 anos, eu me dediquei lá, tanto eu como a minha cunhada e a minha família. Nós trabalhamos desde a quinta-feira e no sábado temos uma barraca de pizza na rua, as pessoas da comunidade cada um tem a sua barraca, ou seja, fogazza, macarrão, polenta, os doces típicos, quer dizer, cada um monta a sua barraca, mas fazer 17 anos, nós somos um grupo de umas 10, 12 pessoas, senhoras que já fazemos desde a quinta-feira o antepasto e este antepasto não deixa de ser a berinjela, para quem não sabe vai berinjela, pimentão, a cebola, todos os temperos, a gente bota caixas e caixas, não uma caixa ou duas são bastante, de pimentão, tanto de berinjela como de pimenta vermelha e pimentão verde, cebolas, faz todo o tempero deixa de um dia para o outro, na sexta-feira nós colocamos nas panelas no fogo para assentar um pouco e depois coloca no forno, tirando do forno aí coloca o alho picadinho, azeite, azeitona e faz aquele tempero para o pessoal comer no sábado à noite e a sardela que é com alice, pimentão vermelho, tomate, orégano, azeite, feito tudo no liquidificador, mas liquidificador dos grandes, aqueles industriais, depois vai para o fogo, deixa apurar bem e no dia seguinte ele fica aquele grosso da sardela para comer com pão italiano na festa, também somo nós que fazemos.
P - O pão também?
R - O pão italiano não, mas a Sardela somos nós que fazemos e o pessoal depois come com as fatias de pão italiano que é servido na barraca e no restaurante da festa. Nós temos uma parte assim reservada que é o restaurante. Quem não quer ficar no restaurante que tem o show, tem o palco, pode dançar, tem pista de dança, fica passeando pela rua porque todas as barracas também tem, a sardela, o antepasto, pizza, macarrão, a fogazza, e a gente se dedica. São 17 anos que eu já tenho dedicados, sou eu que convoco as senhoras para fazer esse antepasto e o pessoal para ajudar, telefono, me comunico com elas, cada uma faz um lanche, uma coisa, eu faço bastante café, às vezes café-com-leite, chocolate, levo, então na hora do lanche eu chamo todas para lanchar e é gostoso, porque a gente fica reunido, tá ajudando a igreja, a comunidade e a gente também se reúne e passa umas horas agradáveis, é trabalhoso, cansa, mas a gente passa umas horas bem agradáveis.
P - A senhora está falando que ajuda a comunidade por quê ? É para as obras sociais ?
R - É para as obras sociais para a igreja?
P - Mas como é que funciona, o que vocês vendem o dinheiro vai para...
R - Vai tudo para a igreja, é tudo da igreja, inclusive já compro muitos prédios assim do lado, aumentou o salão, fez secretaria, fizemos uma casa para o padre, que não havia, e agora nós tamos para reformar esse salão para nós termos um salão de festa com cozinha com tudo, então nós vamos reformar, fazer maior, fazer um andar em cima, vamos fazer consultório dentário para o pessoal carente, vamos ter acho que atendimento médico um trabalho com esse fim, né ? Para ver o que arrecadou no fim da festa e o que se pode fazer. Distribuímos muitas cestas-básicas todo mês, para as pessoas mais carentes que são cadastradas na igreja. Para isso que a gente trabalha, né? O que se doa para todo esses benefícios da igreja e da comunidade, né ?
P - Naquela região em que você está morando, que tem essa festa na região da Piratininga, e da Caetano Pinto, tem muitas famílias carentes ?
R - Tem bastante, muitas famílias carentes para aquele bairro lá. Brás, uma parte já da Mo oca, ainda tem muita gente carente, a gente ajuda no que pode.
P - Dona Myriam, eu queria que a senhora fizesse uma introspectiva assim, falasse um pouco sobre o bairro do Brás, porque a senhora nasceu, foi criada e mora até hoje no bairro do Brás, como é que foi essa transformação, como é que o Brás foi crescendo, conta para gente um pouco sobre isso.
R - Olha; o Brás, como eu te falei, era um bairro muito residencial, havia muitos italianos e espanhóis, depois começaram a vir as firmas grandes que começaram já a se apoderar com esse metrô. Quando construíram muitas casas foram desapropriadas, muita gente perdeu as casas, tiveram que sair e teve até pessoas conhecidas amigas da gente que até faleceram de tanta tristeza, que estava acostumado, tinha aquelas raízes no Brás, né? Foram para outro lugar e não se habituaram, foi muita desapropriação com esse metrô e construíram os prédios que são grandes, altos, mas são muito pequenos por dentro, né? Com tanto terreno fizeram aquele jardim que infelizmente como nós temos Cetren lá perto, nós temos S.O.S. Criança, então tudo isso abala um pouco o bairro, porque se você quer passear no jardim uma coisa, você não tem condição, nós fizemos já abaixo assinado, a gente pede policiamento, mas ficou muito ruim, com todo esse pessoal da S.O.S. Criança, dá medo de a gente sair na rua. Antigamente não, a gente ficava até sentados na porta, porque como tinha muita residência, a gente se reunia e ficava tudo na porta, nas noites de calor, nas festas juninas a gente fazia até fogueira na rua, tinha até sanfoneiro, fazia aquela mesa grande na calçada, mas de todos os vizinhos, cada um fazia uma coisa, fazia quentão, vinho quente, fazia aquela festa porque era que nem uma família, tudo residências. Hoje em dia você já não pode fazer isso mais de jeito nenhum. Você tem medo até na porta para ir numa padaria à noite, em algum lugar você não tem condição, porque a violência tá demais viu? É todo lugar, né? Mas a gente como está mais acostumado no Brás sabe do pessoal de lá do Brás, então mudou muito, porque você tem medo, tem que ter as portas trancadas, tem que ter grades em janelas, em portas. Que nem na minha casa, tem uma janela que tem grade, tive que mandar botar um portão de ferro, ele não fica bem na rua, tem um corredor, mas fomos obrigados a mandar pôr, porque a gente tem medo, porque não tem segurança, então não é como antigamente, antigamente era uma maravilha, você ficava até meia-noite, uma hora da manhã conversando e as crianças brincando, não tinha perigo nenhum. Hoje você fica um pouquinho na porta, você já vê umas pessoas vindo de encontro a gente, você tem medo, porque a violência tá demais. Então o bairro mudou muito, muitas firmas, né? E isso de Cetren e o S.O.S. Criança o que eu acho é que isso também foi feito muito abaixo assinado para o S.O.S. Criança, que, aliá,s está do lado desse grupo que eu fiz o primário (Romunto Gari ?), os fundos desse S.O.S. dá na escola, é perigosíssimo, foi feito muito abaixo assinado para tirar, mas ninguém conseguiu, eles estão lá, então o bairro é ruim, muito ruim, a gente tem medo, porque no começo quando eles foram para lá, nossa Eles ficavam todos no meio da rua, eles deitavam no meio da Piratininga e os ônibus não podiam passar, porque eles ficavam e não saiam. Eram meninos, meninas dormindo lá na porta, você não podia passar, você ia numa feira com o carrinho eles tiravam as coisas de teu carrinho. Agora parece que ficou um pouquinho melhor, né? Eles ficavam todos dormindo lá na calçada, então não tem condição, você passa com uma família, não é como eu te falava antigamente, você passeava sossegado, você ia numa festa, num cinema à noite tranqüila, andando, conversando. Hoje em dia você não pode fazer isso. Você tem medo até de entrar em casa e abrir uma garagem para por um carro, não é?
P - A senhora mudaria do Brás?
R - Não. Com tudo isso eu não mudaria (risos). Porque eu amo lá, nasci no Brás, estou lá até hoje, tenho todos os amigos, não gostaria de mudar, isso não, fico lá como está, o bairro tá bom, tá ruim, mas eu fico lá.
P - O que o bairro representa para a senhora?
R - Tudo. O Brás é a minha vida, minha família, fico até emocionada, o Brás representa tudo para mim.
P - A senhora tem muitos amigos lá ainda?
R - Nossa Amigo é o que não falta, a Dona Myriam é conhecida em todo lugar, falou da Myriam, já sabe. Eu sou conhecida por todo pessoal, e graças a Deus acho que todos me querem bem e até hoje eu não tenho queixa de ninguém, nem um vizinho, nem um amigo, sou amiga de todo mundo e o que eu posso fazer eu faço, o que eu não posso infelizmente, não dá, não dá, né? Mas então eu se torno, você vê; eu estou com 63 anos, é minha vida toda, não saí nunca de lá. Então representa tudo para mim. O Brás, como falaríamos lá em (Cazalucci ?), o Brás é Amore mio. (risos) E é assim, eu adoro o Brás.
P - A senhora ainda tem algum sonho ou desejo a ser concretizado?
R - Não. Ultimamente já não. Eu estou bem com a minha família, faço o que eu gosto, o que eu puder ajudar eu ajudo, eu gosto muito de ajudar todo mundo, então eu só entrego tudo na mão de Deus e ele é que sabe, não é verdade? Não tenho um sonho assim de viajar, de ter uma casa minha uma casa bonita, eu não tenho mais, tive antigamente quando eu era mais moça de ter mais ilusão, hoje em dia já não. Eu estou bem como eu estou, dou graças a Deus que eu vivi até agora, não sei quanto tempo de vida ele vai me dar mais, então só agradeço a Deus, não tenho mais assim ilusão, sonho de nada, só viver bem com a minha família e todos os amigos, né? É esse o meu sonho: ficar bem com todos.
P - A senhora mora com a sua cunhada?
R - Com a minha cunhada.
P - E mais algum sobrinho?
R - Não. Tenho os dois sobrinhos, mas são casados. Cada um tem a sua casa, moro com a minha cunhada que morava com o meu irmão que faleceu, já vai fazer dez anos e estamos nós duas juntas até hoje tem 50 anos de casadas e estamos juntas. (risos) Desde que ela casou com meu irmão ficamos morando juntas, até hoje. Depois perdi meus pais, ficamos só nós, os meninos casaram e foram embora, ficamos nós três: eu, meu irmão e minha cunhada. Já vai fazer dez anos que meu irmão também se foi, ficamos nós duas e como estamos até hoje e trabalhamos em (Cazalucci?) as duas juntas, os meninos, falamos meninos, mas já são homens feitos. Os mocinhos estão sempre com a gente, eles dão todo apoio, principalmente o mais velho que mora mais perto da gente e a esposa, é como se fosse a filha da gente também. É nora, é sobrinho, então é como se fosse filho, então estamos sempre juntos, não estamos sozinhas, né ? (risos) È isso que é a minha vida.
P - A gente vai terminar o nosso depoimento aqui, a senhora teria mais alguma coisa que a senhora queira falar?
R - Não. Acho que não, acho que eu falei tudo, né? Não tenho mais nada para falar.
P - Então tá. Dona Myriam, muito obrigado então.
R - Imagina: eu que agradeço a vocês. Desejo tudo de bom para vocês, agradeço a atenção que vocês me deram, vocês são muito educados, eu adorei vocês, parece que já desde que eu nasci, não vou dizer que vocês tenham a minha idade, mas parece que eu já conheço vocês desde que eu nasci. E eu agradeço de coração, vocês são muito gentis e muito bacanas, muito obrigado por tudo.
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