Sidnei Nehme
P/1. Queria começar então pedindo para o senhor, por favor, falar seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R. Meu nome é Sidnei Moura Nehme, eu nasci em 17 de agosto de 1945, nasci em uma cidade pequena chamada Bertioga, que naquela época pertencia a Santos, né, era realmente um lugar (esmo?), nós morávamos lá, porque meu avô que era um árabe, que chegou ao Brasil como um mascate, tinha lá uns comércios, né, e vários negócios e os filhos nasceram e continuaram os negócios junto com ele e, nessas circunstâncias, eu nasci lá em Bertioga. Bertioga hoje é mais conhecida, é um município, mas naquele tempo era quase que um recanto de pessoas que tinham casas para final de semana, para férias.
P/1. Esse avô era pai de quem?
R. Pai do meu pai
P/1. E por que ele veio para o Brasil, ele era árabe o senhor falou, de onde?
R. Ele nasceu no Líbano, do Líbano ele foi para Nápole e com 18 anos ele veio para o Brasil. Como todo árabe naquela época, a grande maioria chegou como mascate. Mascate é aqueles que (chegam?) de mala, barco matraca e vende de porta em porta. Depois ele casou-se com a minha avó paterna.
P/1. Sua avó era brasileira?
R. Brasileira. Ela nasceu em Peruíbe, e aí foi indo e acabou se radicando na Bertioga. Aí começou, como todos árabes começaram com a lojinha, da lojinha passou para uma loja maior, depois ele fez o hotel da cidade, depois ele iniciou os primeiros loteamentos da cidade, aí tinha uma atividade muito diversificada e promissora. Embora nós vivêssemos num lugar muito pequeno, nós tínhamos muito conforto, não existia luz elétrica na cidade, só num lugarejo, mas nós tínhamos luz elétrica, nós tínhamos geradores. Meu avô, muito embora analfabeto, era uma pessoa extraordinária, tinha um tino comercial aguçado e tinha uma preocupação muito grande com qualidade de vida, ele sempre foi muito cuidadoso com essas coisas. Eu sempre digo que ele era...
Continuar leituraSidnei Nehme
P/1. Queria começar então pedindo para o senhor, por favor, falar seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R. Meu nome é Sidnei Moura Nehme, eu nasci em 17 de agosto de 1945, nasci em uma cidade pequena chamada Bertioga, que naquela época pertencia a Santos, né, era realmente um lugar (esmo?), nós morávamos lá, porque meu avô que era um árabe, que chegou ao Brasil como um mascate, tinha lá uns comércios, né, e vários negócios e os filhos nasceram e continuaram os negócios junto com ele e, nessas circunstâncias, eu nasci lá em Bertioga. Bertioga hoje é mais conhecida, é um município, mas naquele tempo era quase que um recanto de pessoas que tinham casas para final de semana, para férias.
P/1. Esse avô era pai de quem?
R. Pai do meu pai
P/1. E por que ele veio para o Brasil, ele era árabe o senhor falou, de onde?
R. Ele nasceu no Líbano, do Líbano ele foi para Nápole e com 18 anos ele veio para o Brasil. Como todo árabe naquela época, a grande maioria chegou como mascate. Mascate é aqueles que (chegam?) de mala, barco matraca e vende de porta em porta. Depois ele casou-se com a minha avó paterna.
P/1. Sua avó era brasileira?
R. Brasileira. Ela nasceu em Peruíbe, e aí foi indo e acabou se radicando na Bertioga. Aí começou, como todos árabes começaram com a lojinha, da lojinha passou para uma loja maior, depois ele fez o hotel da cidade, depois ele iniciou os primeiros loteamentos da cidade, aí tinha uma atividade muito diversificada e promissora. Embora nós vivêssemos num lugar muito pequeno, nós tínhamos muito conforto, não existia luz elétrica na cidade, só num lugarejo, mas nós tínhamos luz elétrica, nós tínhamos geradores. Meu avô, muito embora analfabeto, era uma pessoa extraordinária, tinha um tino comercial aguçado e tinha uma preocupação muito grande com qualidade de vida, ele sempre foi muito cuidadoso com essas coisas. Eu sempre digo que ele era um grande exemplo, sempre foi um grande exemplo para mim, porque se você imaginar há 50, 60 anos atrás, uma pessoa analfabeta que fazia negócios e que tinha uma noção... que chegou como mascate andando na rua, construiu uma bela casa de frente ao mar, que era o grande sonho dele, muito confortável, tinha carro com motorista, tinha cadillac, gostava de tirar férias e fazia uma questão absoluta que a família estivesse sempre junta. Nós almoçávamos todos os domingos juntos, os netos, os filhos, tivemos uma infância até...a minha infância até uns 8 anos muito feliz. Depois a vida teve transtorno muito grande, eu perdi meu pai com 8 anos de idade, meu pai tinha 36 anos de idade, morreu do coração, dois anos depois eu perdi meu tio, outro irmão que tinha 33 anos e, dois anos seguintes, morreu a minha avó. Todos no mês de abril.
P/1. Esposa do seu avô?
R. Esposa do meu avô. Quando meu pai morreu, o meu avô perdeu o ímpeto, porque ele sempre dizia que quando morreu o filho mais velho, ele morreu também. A sucessão, tinham duas filhas que eram casadas com pessoas de bem, mas não empreendedores, então, era muito difícil continuar com tudo que ele tinha em andamento. E aí o que nós fizemos com 10 anos, nós mudamos para Santos, a vida ficou muito difícil, nós tivemos um estado de pobreza muito grande. Quando eu falo pobreza, é pobreza de você dividir o pão, morar em porão de casas. Com 10 anos, eu fui estudar à noite com autorização do Juizado de Menores. A minha mãe tinha o compromisso de ir me buscar no colégio. Eu tenho um irmão, meu irmão tem 11 meses mais de idade do que eu, e minha mãe que era uma pessoa acostumada a conviver com conforto, muito embora fosse de origem humilde, foi trabalhar como servente de um hospital.
Essa foi uma fase muito difícil. É difícil de você convencer uma criança que até dias atrás tinha muita coisa, que eu sempre digo ___________tive uma bicicleta, nem duas, sempre tivemos bolas, passeamos e tal. É muito difícil você entender porque de repente você não tem nada, você tem privações, mas, enfim, isso, o lado bom disso vem do futuro, né, você amadurece precocemente, te roubam um pouco da infância, mas a maturidade vem muito cedo. É, isso deixa marcas, eu sempre tenho lembranças que quando eu me formei no ginásio, eu organizei grande parte da festa e não queria festa, eu não tinha o paletó.
Muito bem, a vida segue...
P/1. Deixa eu só voltar um pouquinho. Queria entender um pouco mais como seu pai conheceu sua mãe, sua mãe era também de...
R. Não, não morava na Bertioga.
P/1. Mas eles se conheceram como?
R. A cidade era tão pequena que...
P/1 que os dois foram criados...
R. Os dois foram criados no mesmo lugar, minha mãe é de origem portuguesa...tinha tão pouca gente que, naturalmente, as pessoas acabavam casando com as pessoas dali mesmo, né?
P/1. E você conheceu seus avós maternos?
R. Meu avô era português, eu não o conheci. Ele já havia falecido, faleceu de tuberculose. Minha avó materna eu tenho vaga lembrança, ela também faleceu quando eu era muito pequeno.
P/1. Você (pensa?) mais sobre seus avós paternos?
O meu avô morreu três anos depois da minha avó. Ele...
P/1. Seu avô paterno?
R.Meu avô paterno. Então, a família ficou praticamente se decompôs muito rapidamente, foi quando a gente resolveu ir para Santos começar a vida ali, foi uma época muito dura, para gente estudar era uma dificuldade, eu estudei...
P/1. E você morou até que idade em Bertioga?
R.Até 8 para 9 anos.
P/1. Você tem um irmão?
R. Tenho um irmão.
P/1. Um irmão mais velho?
R. Isso, 11 meses. E...
P/1. Sua mãe trabalhava?
R. Antes não, antes ela vivia com extremo conforto, depois foi o que te falei, nós fomos para cidade, para tentar recomeçar a vida.
P/1. Teu pai cuidava dos negócios do seu avô?
R. Meu pai cuidava dos negócios do meu avô.
P/1. Os dois filhos cuidavam?
R. Os dois filhos e meu avô também sempre à frente. Quando meu pai morreu, a coisa mudou um pouco de cenário, meu avô perdeu grande parte do ímpeto, né, e, logo em seguida, dois anos depois morreu meu tio, então foi...
P/1. Seu pai morreu, foi algo ________ (fulminante?)? Ele chegou a ficar...
R. Não, foi fulminante, ele...eu nunca me esqueço, eu tenho isso muito na memória, ele passou a tardinha em casa, ele disse: “eu vou até o Sesc e já volto para jantar.” Nunca mais voltou e...teve um derrame, morreu dois dias depois. É...a gente tentou reorganizar a vida, mas é muito difícil, porque toda atividade, até economicamente existe alguma coisa, mas era muito difícil, as crianças muito pequenas, nós éramos muito pequenos, a minha mãe não tinha uma experiência e tal, então, acabamos nessa situação de termos de ir para Santos e trabalhar.
P/1. E a escolha por Santos?
R. Foi pela proximidade, né, Bertioga, na realidade, pertencia a Santos, Santos era uma opção para gente estudar também, né, então, viemos para Santos, estudar à noite, minha mãe tinha o compromisso de ir nos buscar.
P/1. À noite por que?
R. Porque precisava trabalhar, então, nós fomos pedir uma autorização, minha mãe foi ao Juizado de Menores pedir uma autorização. Naquela época, era permitido trabalhar dos 14 anos em diante, mas ela (fez?) prova de que a gente tinha uma situação de pobreza, o Juizado autorizou e depois permitiu que eu estudasse à noite desde que ela tivesse o compromisso de ir me buscar.
P/1. (Nisso?) você foi trabalhar (com o que?)?
Eu fui trabalhar como office-boy numa empresa que foi o embrião da Reuters no Brasil, agência noticiosa. Entrei na Reuters como office boy, fiquei até uns 14, 15 anos. Depois fui trabalhar no Banco Mercantil de São Paulo e depois do Banco Mercantil de São Paulo, eu entrei no Banespa quando tinha 18 anos. E trabalhava também ao mesmo tempo como corretor de câmbio.
P/1. Sempre estudava à noite?
Eu sempre estudei à noite. Durante um longo período eu fui bolsista, nós não tínhamos recursos para poder estudar na realidade. Tinha uma felicidade muito grande, estudei em colégios bons com bolsas de estudo.
P/1. Aonde você estudou?
Eu estudei no _______ Silva, que na época era o melhor colégio que tinha em Santos. Um colégio avançado, que na década de 60 já tinha circuito de televisão fechado. O estilo era muito avançado, eu tive uma formação muito boa. Por ironia do destino, um garoto que nasceu na Bertioga, teve todas essas dificuldades, pois eu entrei na Faculdade de Economia e por fim eu me formei em Londres, né? São essas coisas. (riso) Quando perguntam: “Como você conseguiu se formar em Londres?” Eu tinha uma vontade muito grande de vencer, então, você vai. Quando eu fui para o Banespa muito jovem, o Banespa abriu as perspectivas todas de abrir agências no exterior, eu fui para o exterior, estudei, me formei. Quando eu voltei para o Brasil...vou fazer uma observação, antes de ir para o exterior, eu me casei com 18 anos, eu conheci minha esposa num baile de carnaval, ela também era uma moça de Santos, mas morava em Santo André na época. Também de origem muito simples, mas com muita vontade, muita gana de melhorar.
Muito bem, eu estudei, fiz a faculdade, quando eu me formei em 68, eu me formei estava com 23 anos e ela ia fazer 21 e nós nos casamos em janeiro de 69. Nós somos casados há 35 anos. Depois que eu fui para Londres, aproveitei e complementei meus estudos, depois fui para Nova York, depois voltei ao Brasil, sai do Banespa e aí fui para a área de mercado de câmbio que era a minha especialidade, já na iniciativa privada.
P/1. Nessa época que ___________anos seu irmão também ________?
R. O meu irmão não, o meu irmão, ele veio para Santos, depois ele voltou para Bertioga.
P/1. Vocês ficaram morando separados?
R. Não, não. Até nós casarmos, ele casou muito cedo e quando ele casou, ele foi para Bertioga de volta. Foi corretor de imóveis, foi seguir a vida dele e tal e depois quando Bertioga tornou-se município, tornou-se vereador e, assim foi, e hoje é um político.
P/1. Agora nessa época, logo que vocês se mudaram para Santos, ____mudou?
R. Eu, a minha mãe e meu irmão.
P/1. Seu avô também?
R. Não, meu avô continuou na Bertioga. Mas meu avô já estava doente, bem doente e meu avô faleceu no mês de agosto...agora não sei precisar...57, 59. Acho que em 62. Aí a família ficamos só com as tias, né?
P/1. As tias, irmãs...?
R. Irmãs do meu pai, né?
P/1. Eram muitas?
R. Duas. Estão vivas até hoje. Estão vivas e tal, estão com bastante idade, mas estão vivas e moram em Santos. E...bom...
P/1. E como que era? Assim, conta um pouco como era a vida de vocês em Bertioga? _______ sempre juntos? O que vocês faziam, do que vocês brincavam naquela época quando você ainda estava em Bertioga?
R. Nós tínhamos, como eu te falei, todo tipo de conforto, tínhamos bicicleta, nós éramos o dono da bola, o dono do revólver, o dono dessa coisa toda, porque nós tínhamos uma vida relativamente abastada, né? Então, todos os nossos amigos brincavam e a gente fornecia as coisas. Nós íamos à praia, passeávamos, meu avô tinha charrete, a gente passeava de charrete, jogava bola na praia, jogava bola com futebol, brincava de mocinho, essas coisas típicas de criança que hoje não se faz mais, jogava peão, bolinha de gude, essas coisas, ia à escola, naturalmente...
P/1. Lá em Bertioga?
R. É...primária, né? A escola era de muito boa qualidade. Na época, as escolas estaduais eram muito boas e, bem, nós tivemos uma infância normal como toda criança sem privações, né?
P/1. Do que você gostava mais de brincar nessa época em Bertioga?
R. A gente gostava de ir à praia jogar bola, jogar bola na praia, juntar o pessoal e tal, né? A gente, aos domingos, nós saíamos de casa, eu não sei dimensionar o valor do dinheiro, mas a gente sabe que recebia 10, não sei qual era a moeda e tal, com o compromisso que a gente voltasse para a casa às 5 horas. Então, assistindo futebol e tal, eu sei que esse dinheiro era bastante, porque tinham aquelas senhoras que vendia cocada, bolinho de chuva e nós comprávamos a bandeja. Sentávamos todos com os amigos e comíamos aquilo tudo. Dividir a fartura foi um negócio que ficou muito marcado em mim, porque meu avô sempre soube, eu sempre falo do meu avô, porque meu avô foi que ficou, meu pai foi muito prematuramente. As atitudes do meu avô ficaram mais marcadas, né? O meu avô sempre soube dividir fartura e ele sempre dizia o seguinte: “Fartura é um estado de espírito, a qualidade da fartura é uma condição financeira, então, aprenda isso, aprenda a dividir, a fazer com que as pessoas participem da sua fartura, né, seja ela com macarronada, seja ela com faisão ou caviar, mas a gente tem muito prazer quando a gente divide e reúne as pessoas, para isso serve a fartura”, e isso foi um negócio que ficou marcado, nós sempre tivemos nessas atitudes, até decorrente dessa lembrança de garoto, né? Isso ficou muito marcado. Outra coisa é reunir a família, quer dizer, eu acho uma coisa maravilhosa, eu querer ter os netos crescendo juntos e tal. Hoje já não acontece isso, a cidade grande afasta as pessoas e tal, mas foi um bom exemplo de como as famílias crescem unidas, mais unidas e, sei lá, valorizando relacionamento, o conceito de família é um negócio muito importante e hoje nem sempre subsiste a todo esse emaranhado da cidade grande.
P/1. E quando você foi para Santos, como que era o relacionamento com a família _________?
R. Nós trabalhávamos, a minha mãe tinha, quer dizer, ela saia só para nos pegar no colégio, às vezes, trabalhava de manhã, às vezes, trabalhava à noite, tal. Nós trabalhávamos o dia todo, dali a gente sai e ia para escola e depois da escola a gente voltava ________no dia seguinte e tal.
P/1. E onde vocês moravam?
R. Nós morávamos em Santos, num bairro chamado ________, que é um bairro bastante simples e, dentro do possível, nós fomos muito felizes.
P/1. Moravam aonde __________?
R. Como nós não tínhamos grande recursos, em Santos tem um tipo de construção que são os sobrados onde embaixo eram umas garagens, né, as pessoas alugavam. Era um lugar assim muito modesto, porque as partes, os porões eles não tinham sanitários, essa coisa toda. Sanitários, você tinha que ir lá fora, por vezes, quando você tinha necessidade de urinar a noite, você urinava no ralo, né? Mas tudo isso foi suportado assim, algumas fases difíceis de você entender, porque essas coisas acontecem, mudam, mas o importante é que nós sempre tivemos muita vontade de vencer, de melhorar e tal, até porque nós tínhamos conhecido um lado melhor e, embora odiando aquilo (demais?), quem aprendeu a comer carne jamais esquece o gosto da carne, né? Então, a gente lutava, a gente sabia o quanto era bom ter as coisas. Mas nós passamos muita privação, muita mesma. Eu andei muito de reboque de bonde, que é uma figura que já nem existe mais, porque ______ sentados eram mais baratos, tínhamos uma roupinha para sair, uma roupa para trabalhar. Hoje, eu relembro assim e acho que procuro ver o lado bom da coisa, não tenho mágoa, não tenho ressentimento, acho que a gente aprendeu muito.
P/1. Quanto tempo durou essa fase?
R. Isso foi até os 18 anos, aos 18 anos...
P/1. Dos 10 aos 18 anos...
R. Isso. Aos 17 para 18 anos, eu comecei, eu, particularmente, comecei a melhorar muito a minha situação, então, eu estava no banco, num banco de estado que, naquele tempo era um grande emprego, mas eu também trabalhava com um corretor de câmbio, que era uma pessoa que tinha uma admiração muito grande pelo meu esforço e que eu comecei a trabalhar com ele antes de entrar no banco do estado. Quando eu entrei, o banco do estado era um grande emprego, junto com o Banco do Brasil na época, aí eu falei para ele: “agora vou para o banco” e ele disse: “não você vai trabalhar lá e continua trabalhando comigo.”
P/1. Isso sempre em Santos?
R. Em Santos. Assim, depois no Banco, eu montei algumas outras coisas, montei consórcio de carros, uma porção de coisas. Conclusão: com 19 anos eu comprei um apartamento para a minha mãe, a minha mãe pode mudar do tipo de trabalho, ela queria continuar trabalhando, foi trabalhar no Sesc, um trabalho mais calmo e eu fui estruturando a minha vida. Quando eu casei aos 23 anos, eu já tinha apartamento, tinha a vida bem arrumada, passeava muito e tal.
Aí eu somei a minha vontade com a vontade da minha esposa, então, a coisa ficou realmente muito intensa, nós tínhamos uma vontade muito grande de vencer e tal. Ficamos em Santos depois mais de um ano e pouco, viemos para São Paulo. É...
P/1. E dos 10 aos 18, ________ quem eram suas amizades, como que foi o ginásio, essa época de ginásio?
R. Foi boa.
P/1. Ginásio e colegial?
R. Ginásio e colegial. Eu fiz técnico em contabilidade. É, foram duas fases distintas. Primeiro, o ginásio eu fiz numa escola popular, né? Tinha, eu me lembro muito bem de amigos, porque eu sempre fui fácil de relacionar, sempre estava no meio de eventos, aquela coisa toda e tal, então, eu tinha uma enormidade de amigos, eu também trabalhava, quer dizer, quem trabalha em Santos, tem aquelas barracas na praia, a gente vai aos domingos, joga, joga (tamboréu), joga volley e tal, então, você acaba fazendo um círculo de amizades bastante grande, vai crescendo junto. Quando eu passei para o técnico, eu fui estudar numa escola de pessoal de classe média alta para rica, eu me relacionei. No início, era um pouco assim, quer dizer, você tem dificuldade, entrar naquele mundo novo, hábitos novos, aquela coisa toda, mas como eu sempre fui um bom aluno, né, essa é uma forma de você conquistar o pessoal todo. Foi muito bom eu ter estudado, eu sempre digo que aquilo foi um fato muito importante, quando...eu sempre considero que os amigos têm uma influência muito grande nessa fase da vida, não que o menos privilegiado não tenha sonhos, mas o pessoal mais abastado tem projetos mais concretos e você acaba se envolvendo na idéia daqueles projetos, você passa a ter sonhos maiores, não inveja, sonhos maiores, o mundo é um pouco diferente para esse pessoal, então, aquilo foi muito bom, porque depois eu fui para faculdade e eu tinha uma porção de idéias na minha cabeça, quer dizer, eu sabia o que eu queria da vida. Isso...
P/1. Você tinha muitos bons amigos?
R. Tinha bons amigos...
P/1. Quem eram seus amigos?
R. Eu tinha amigos desde filhos de banqueiros, né, até outros que eram empreendedores, tinham escritórios de contabilidade, que ainda alguns tem atividade, outros já não fazem mais nada, vivem de rendimentos e tal, só que esse pessoal, como Santos oferecia poucos oportunidades, acabaram saindo todos da cidade, então, nós somos muito em São Paulo, outros foram para outros estados e tal. Na época, eu entrei na Economia, grande parte deles foram para faculdade juntos e tal, depois cada um foi para um lado do Brasil e nós nos cruzamos sempre, alguns foram para o exterior, mas a gente mantém sempre, um fala com o outro, conversa com outro, de repente, encontramos em algum lugar, até as vezes inesperadamente, mas foi um momento assim muito interessante. Outro dia, eu fui a Santos num Congresso, encontrei um amigo meu que foi deputado federal e depois hoje é o presidente da Cetesb, foi chefe de gabinete civil do governador, então, você sempre encontra um aqui outro ali, salvo exceções, estão todos bem colocados e tal. Nós tentamos uma época resgatar o grupo para fazer jantares, um pouco difícil, você localizar um aqui, outro lá, um tem compromisso e tal, mas a gente normalmente se cruza, o mercado financeiro, onde estou há muitos anos, é sempre um canal de muita presença das pessoas e a gente se vê relativamente bastante. Agora, nem tanto, porque, sem pular um tempo, agora nem tanto porque eu tenho uma forma de viver que eu não fico em São Paulo, nós ficamos em São Paulo, nós moramos em São Paulo até sexta-feira, 12:00 horas e o restante moramos em Guarujá e voltamos na segunda-feira, tal, então, hoje eu encontro alguns em Santos quando vou ao cinema, vou ao teatro, acabo encontrando um ou outro e tal, mas já não é tão freqüente encontrar ficando na cidade.
(Pausa)
P/1. Primeiro amor, ___________encontrou, ______________?
R. Não foi exatamente _________, eu tinha uma vida corrida, tinha aqueles namoricos de escola, sem nenhuma conseqüência, sem nenhuma conseqüência maior. Efetivamente, com quem namorei foi com a minha esposa, nós nos conhecemos em um baile de carnaval, ela morava em Santo André, muito embora fosse oriunda de Santos, e brincamos o carnaval juntos e tal, ficamos de nos falar e aí começamos a nos falar pelo telefone, e a avó dela morava em Santos, eles vinham no final de semana ou eu ia a Santo André, e assim fomos durante 4 anos até...eu estava entrando na faculdade também, né, e durante esse período fizemos um namoro assim de final de semana, de falar durante a semana.
P/1. Fez a faculdade em Santos?
R. É, fiz a faculdade em Santos e quando nos formamos, a gente já tinha delineado que iríamos casar no mês seguinte. Eu me formei em dezembro e casamos em janeiro.
P/1. Ela também estudava?
R. Ela é professora, professora de piano e tal. Fez o normal que na época...professora de piano. E então casamos logo em seguida, em janeiro. Quando foi a festa de formatura, ela já era a minha esposa, já foi a minha madrinha de formatura.
E, bem, vivíamos em Santos durante um ano e a vida, em Santos, naquela época, a gente tinha uma situação muito confortável e tal. A minha mãe sempre permaneceu no apartamento dela, não quis morar com os filhos. O meu irmão voltou a morar em Bertioga, havia se casado e assim foi, um ano e pouco nós ficamos em Santos. Depois eu vim para São Paulo.
P/1. Por que vocês decidiram vir para São Paulo?
R. Porque eu tinha um convite para vim para o Banespa em São Paulo. Eu era o gerente da área de câmbio em Santos, eu era muito jovem, mas eu já tinha um antecedente nessa área muito grande e a carteira de Santos, ela era por incrível que pareça, era mais rentável que as operações de câmbio em São Paulo, que era aqui na praça Antônio Prado, naquele prédio grande e tal. Então, o diretor me chamou na época, disse: “Olha, você quer vir para São Paulo, a gente gostaria que você viesse.”, eu vim, porque nós sempre estivemos predispostos a ir, então, viemos para São Paulo, ficamos um mês subindo e descendo para Santos, logo alugamos um apartamento...
R/1. Aonde?
R. No Parque da Mooca, aqui na Paes de Barros, um apartamento confortável. Depois de 11 meses, a gente estava procurando onde comprar alguma coisa e tal, então, compramos uma casa no Brooklin. Eu sempre digo que São Paulo foi muito bom para nós, por várias coisas. Nós não tínhamos, naturalmente, a gente veio de Santos, estava tranqüila a vida, mas nós não tínhamos muito dinheiro para comprar um sobrado no Brooklin, né? Então, nós chegamos no Brooklin, olhamos um sobrado novo, com a _________(sedado?) ainda, e disse: “Puxa, esse é o sobrado dos meus sonhos.” Pouca idade e tal, muitas ambições, mas o preço que o sujeito pediu era mais ou menos dez vezes o que nós tínhamos de capital e o sujeito queria 50%, e 50% em 12 parcelas. É impossível, né? Mas o corretor insistiu: “Me faz uma proposta e tal.”. Eu fiz a proposta e tal, e o corretor disse: “Mas essa proposta é indecente, você não vai esperar que o sujeito te venda dessa forma.” E, realmente, era um proposta longa e tal. Passou três dias e o corretor me ligou e disse: “O proprietário quer conversar com você.” Fui conversar e tal e, para minha surpresa...”. Por que é que nós pensamos em mudar? Porque a gente estava imaginando de ter filhos e tal, a gente estava pensando nessa linha e vamos ter filhos, nós já estávamos casados há alguns anos e tal, precisamos de uma casa e tal e, para a minha surpresa, o sujeito disse: “O proprietário quer conversar com você.” Eu fui, na época, a corretora era na Avenida Santo Amaro, um escritório muito grande aqui em São Paulo, _________, não existe mais hoje e ficamos conversando até meia noite, o proprietário querendo mudar a minha proposta e eu dizendo para ele que a única proposta era aquela, quando eu disse para ele que ia embora, ele disse: “Não, nós vamos fazer negócio.”Eu quase não acreditei que ele tinha aceitado aquela proposta que eu te diria que era indecente em relação ao...mas, assim, compramos a casa, o sobrado e tal.
P/1. Que rua era? Você lembra?
R. Brooklin, na Rua Professor José Marquês da Cruz, um sobrado novo, muito confortável e tal. Se não fosse pelas condições que a gente conseguiu fazer o negócio, naquela época, a gente não tinha padrão para comprar aquele tipo de imóvel. Era um espanhol, que é nosso amigo até hoje. Compramos a casa e tal, depois mudamos em fevereiro, coincidentemente, a minha esposa já estava grávida e ficamos ali muitos anos, quase 20 anos. Nós sempre relutamos muito em mudar. Aí nasceu nosso filho, o Fábio, estudou ali próximo, tinha o colégio _________________, estudou ali, depois foi estudar no Arquiodicesano. Mas ali nós fomos muito felizes, uma casa boa, passamos muito tempo e a vida mudou radicalmente, começamos a prosperar e...
P/1. O senhor já tinha viajado para o exterior?
R Não, eu viajei antes do Fábio nascer. Quando eu voltei, ele estava fazendo 1 aninho. E que foi um grande choque, porque voltei todo saudoso...
P/1. Você foi sozinho?
R. Eu fui só. A Célia ia, mas quando soube que estava grávida, interrompeu o projeto. Então, isso atrapalhou um pouco nosso projeto de vida. Eu fui e ela ficou...
P/1. Foi e ficou quanto tempo?
R. Eu fui a primeira vez fiquei 4 meses. Depois voltamos outras vezes, mas nessa fase aí eu fiquei 4 meses. Eu voltei ________não consigo recordar muito bem, mas era aniversário do Fábio, eu todo esperançoso de ver e ele olhou para mim, chorou, abriu a boca. Mas, enfim, compramos a casa ali no Brooklin e, dali em diante, nós relutamos várias vezes, vamos mudar e tal, toda a vez que a gente comprava um apartamento e não mudava, vamos comprar esse e compra...e, assim, foi, nós começamos a fazer patrimônio e tal. E depois quando o Fábio fez...bem, o Fabio foi uma criança absolutamente normal, quer dizer, sempre muito brincalhão e tal, nós só conseguimos ter um filho, nunca evitamos, quer dizer, minha esposa acha que tem um problema de acidez, mas quando nós imaginamos de ter o Fábio, nós tivemos, então, hoje, ela sempre diz teve um só, mas de excelente qualidade e estudou nas escolinhas básicas antes de ir para escola mesmo, quando ele fez 7 anos, 6 anos, ele foi para escola. Nesse período, nós montamos uma loja, ________ algum tipo de atividade, não tanto por necessidade, mas necessidade de manter contato com pessoas e tal, então, montamos uma loja, depois que o Fábio cresceu um pouco ela encerrou a loja. Bem, a vida foi bem, até por muitos anos. Compramos coisas, viajamos muito, o Fábio acostumou sair de casa muito cedo, com 3 para 4 anos, ele foi conosco para Buenos Aires, ele sempre viajou, nós sempre tivemos o hábito de ir a restaurantes, ele foi criado como um companheiro nosso, quer dizer, não ficava em lugar nenhum, estava sempre indo com a gente para todos os lados. Depois, nós tivemos um contratempo quando eu saí do banco, precisamos reorganizar um pouco a vida, ampliamos, tivemos uma rede de lojas em São Paulo.
P/1. Que ano você ____________?
R. Estava no ano de 76, por aí, tinha aquela loja, montamos uma rede de lojas. Tivemos fábrica também, mas eu só fiquei focado no negócio um ano, porque logo corri para o mercado financeiro, aí fui para uma instituição grande também, na época, uma corretora já, mas uma corretora muito grande, expressiva...
P/1. Como chamava?
R.Chamava-se (Marca/Marka?). E foi uma época extraordinária. Eu ganhei muito dinheiro e tal, depois vendemos todas as lojas e vamos usufruir, começamos a usufruir um pouco, compramos apartamento na praia e, assim foi, a vida foi melhorando. O Fábio se formou no ____________, passou para o Arquiodecesano, depois nós mandamos ele para o intercâmbio nos Estados Unidos, ele ficou 9 para 10 meses nos Estados Unidos...
P/1. Com que idade?
R. Com 15 anos. Foi bom, ele aprendeu fluentemente o inglês e tal. Ele, garoto, dizia que queria viajar muito e nós sempre fomos muito rígidos, a gente teve algumas coisas que eu acho que são pontuais, que eu sempre falava para os meus amigos, nós, muito embora filho único, mas nós criamos de uma forma que é o seguinte, nós sempre ensinamos atitudes em tudo, se ele quer um sorvete, nós nunca fomos e compramos um sorvete, a gente dava o dinheiro e ele tinha que decidir, ele ia lá e comprava o sorvete e tal, se ele quer comprar roupa, não adianta você comprar porque é bonitinho o teu filho usar, tem que comprar o que ele vai usar, então, ele ia ___________, se ele quer amarelo, a mãe dizia __________, então, isso até como aprendizagem. Como reflexo posterior, as crianças nascem muito mais seguras quando aprendem a decidir as coisas pequenas. Eu noto depois que isso, depois de longos anos, isso tem uma importância muito grande na formação das crianças. Eles aprendem a resolver, não ficam esperando perguntar para alguém: “Como é que eu faço?”. Parece um detalhe, assim, pequeno. Nós evoluímos os três, ele estudando, eu trabalhando e a Célia já ficava em casa, já não tinha outra atividade. Construímos uma casa muito grande para final de semana em Ribeirão Pires, conseguimos uma autorização de uma área de manancial, grande, nós fizemos uma casa extremamente confortável lá, e passamos lá um bom tempo, ficamos 14 anos lá. Ali, o Fábio teve a moto, nunca andou de moto na cidade, nós reunimos os amigos, fazíamos um churrasco, jogávamos tênis e tal. A vida muito boa e depois o Fábio ficou um pouco maiorzinho, aí já é mais difícil de você ter o filho próximo, ele precisa conviver com os amigos na cidade e tal. Nós compramos apartamento em Santos, nós passamos a ir para Santos, posteriormente, compramos uma casa na Bertioga também, aí já era muita casa, você não consegue ir para cá, não consegue ir para lá e tal. E depois, então, fizemos uma reformulação nesse programa todo de vida. Vendemos a casa de verão em Ribeirão Pires, já tinha passado uma fase em que você precisa criar os filhos e tal, embora, nós tivéssemos um, mas quem tem um, precisa ter vários, porque os filhos precisa trazer todos os amigos. Então, vendemos a casa e compramos uma casa no Guarujá.
Bem, como foi a formação em casa do Fábio aos nossos cuidados. A Célia sempre foi muito atenta a estudos, comportamento, essa coisa toda, a gente sempre foi, procurou dar uma orientação comportamental para ele, ele tinha toda liberdade como qualquer criança, a gente tinha muito cuidado nos relacionamentos. Nós tínhamos amigos e preservamos tanto amigos de quando nós tínhamos uma vida mais modesta, como amigos da vida mais abastada. Se os amigos mais modestos não nos visitam, nós sempre os visitamos, nós nos sentimos muito à vontade, às vezes, para fazer isso. As pessoas, a gente não entende porque, às vezes, ficam um pouco mais acanhadas, então, a gente vai lá. Até hoje, a gente, nós temos esse hábito, nós tivemos empregados que ________ muitos anos em casa, que moram na favela, nós vamos à favela, nós vamos buscar lá para fazer exame de saúde, a gente leva apoio, a gente preservou essas coisas, a gente vai na casa das pessoas mais simples, se o melhor lugar é o chão, a gente dorme no chão, não tem problema nenhum, não é uma novidade na nossa vida e você também não agride ninguém. Se a pessoa tem kissuku e é o melhor que ela pode oferecer, você toma kissuku como se fosse a melhor bebida do mundo e não agride as pessoas. Então, essa é uma coisa que ficou muito presente na gente e que veio até da experiência de vida, porque a gente, quando olha para outras pessoas, muito embora, não seja nada extraordinário, a gente olha e consegue entender todos os sonhos que as pessoas têm. Eu, quando trabalho na minha empresa, tenho vários funcionários e, naturalmente, tenho vários boys, às vezes, as pessoas estranham porque eu dou tanta atenção, o garotinho senta lá e tal, eu tenho uma paciência muito grande, porque eu me vejo um pouco ali, né? Os sonhos, as ambições, aquela coisa toda na cabeça e tal. E quem sabe eles consigam? Você tem o dever de estimular.
Mas o Fábio, a gente orientou assim, quer dizer, ele tinha amigos mais abastados, amigos menos abastados, então, a gente dizia: “Se você vai no Mc´Donalds, e você vai com um garoto mais simples, come um sanduíche só, porque se você come três e o garoto não pode comer três, ele vai chegar na casa dele e reclamar com o pai que ele não tem dinheiro para comer três sanduíches e aí você vai ser alguém _________e o pai não deixa ele vir.” Então, você precisa se adaptar às pessoas que você está se relacionando, isso fez dele, eu sempre tive, eu posso falar isso até mais (afinal?), meu filho é uma pessoa muito bem informada, ele fez Economia na Usp, fez pós na G.V., fez mestrado em Relações Internacionais em Washington, está acabando outro mestrado na Suíça, fala cinco idiomas...(emoção) e é uma pessoa extremamente simples. Se você, quando eu fui dar o primeiro carro para ele, nós já estávamos com a vida recomposta, 18 anos e tal, né, eu tinha comprado uma Mercedes que ele motivou a comprar, ele disse: “Pai, se pode compra, se não pode, tudo bem, mas pode compra.”, e eu disse que vou comprar um Mazda daquele conversível, garoto de 18 anos e tal, ele disse: “Não pai, eu não quero nada disso, me compra um Fiat desse quadradinho que é só para mim ir na faculdade e voltar, eu não quero um grande carro, mais tarde quem sabe.” Então, ele nunca foi apegado a essas coisas, quer dizer, ele se veste bem porque trabalha, trabalha em centros muito importantes, mas na forma de ser dele é totalmente simples, não nota nenhum tipo de opulência, né? Muito discreto, mesmo para falar dele, ele é bem discreto, é incapaz de dizer para você o que estou dizendo. “Não, eu sou formado nisso, sou formado naquilo”, ele não tem esse tipo de atitude, isso tudo veio da formação, nós sempre fomos muito próximos, nós o criamos, eu me lembro que eu chegava, às vezes, cansado em casa, de gravata e tal, ele disse: “Pai, vamos montar trenzinho”, tinha que montar toda vez o trenzinho, por para funcionar, mas é nisso que a gente constrói a relação com os filhos, tudo isso, acho que ficou memorizado (emoção), tudo isso justifica outras coisas e assim sempre foi. Nós sempre fomos muito amigos, vamos aqui, vamos ali, a primeira vez que ele foi ao campo de futebol, quando era pequeno, no sábado, eu levei, pus ele (na perna?), ele correu, nunca me esqueço, foi São Paulo e Ponte Preta, no Morumbi, saiu um gol, ele estava correndo, ele virou para mim e ele disse: “Pai, eu prefiro na televisão, porque aqui não repete.” E depois ele dia sozinho no futebol, nós íamos juntos, nó fomos várias vezes no pátio jogar bola e tal, nós sempre vivemos muito em torno, mas sempre evitamos aquela super proteção do filho único, aquela coisa toda, e ele também tinha essa conduta. Para você ter uma idéia, ele, um tempo que ele estava na faculdade, ele veio trabalhar comigo, ninguém sabia na empresa, se não conhecesse, sabia que era meu filho, ser meu filho não era referência para ele, ele era o Fábio e acabou, ele era amigo de todo mundo, quando descobriram que era meu filho, (nós nos dávamos?), mas ele nunca teve opulência, porque era filho do dono, nada disso, ele cresceu dessa forma, modesto...
P/1. Que idade ele tem hoje?
R. Hoje, ele tem 31 anos. Está na Suíça, está acabando agora o mestrado.
P/1. É casado?
R. Casou agora, em julho, na Turquia. Casado com uma turca. A minha nora, ela mora em Washington já há 10 anos. Mas casaram na Turquia, porque quiseram casar na Turquia, então, no mês de julho foi o casamento.
Bem, essa foi, vamos dizer a trajetória, depois eu fui fazendo mudanças, depois nós tivemos uma outra consultora, tivemos banco, depois eu sai dessa, fui para um outro, fui ser diretor de banco também, fui diretor de banco, quando fundamos o Banco Santos, que é do (Edinar?), depois fiz um projeto de ter uma empresa focada só na área externa, constituí uma empresa, essa empresa que eu tenho hoje, é uma empresa de médio porte, me realiza no que eu faço, no que eu gosto, me permite que ganhe dinheiro, quer dizer, mas a trajetória toda nossa foi muito ascendente, a gente, o garoto, daquele garoto que nasceu no lugarejo, a pessoa de hoje permanece dentro de mim, mas a vida mudou muito, quer dizer, nós tínhamos uma senhora, a gente sempre brinca com isso, a gente andava de bonde, de reboque, às vezes, ficava esperando e tal, chamava Dejanira, ficou muitos anos morando com a minha mãe, e ela brincava comigo e dizia: “Puxa, meu filho, você corre tanto, um dia você vai andar de Mercedes.” Ela não chegou a ver, mas previu. Eu sempre lembro dela, gozado, o que será que a dona Dejanira via para falar, uma pessoa extremamente modesta para falar um coisa dessa. Acertou, não é uma coisa que me faça ser diferente e tal, a gente vive com conforto, mas a gente não esqueceu o lado de ajudar as pessoas, dessas coisas todas, a gente tem em casa a humildade, procurar as pessoas mais simples, reunir as pessoas. A Célia tem uma, a minha esposa, eu sempre digo que nós somamos corretamente, sempre andamos no mesmo lado, por isso, nós realizamos tanto, muito mais do que a gente podia imaginar, a melhor hipótese, mas era uma pessoa muito preocupada. Se tem uma pessoa doente na família, ela vai lá, vê se está precisando de alguma coisa, se é aniversário de alguém, ela liga, ou ela vai, tal, ela não se incomoda se a gente não lembra o aniversário dela, mas ela acha que é importante lembrar. [reprodução do pensamento da Célia] “O sujeito que está meio doente ali, eu dei uma passadinha para ver como que é, tal, a atenção é um negócio fundamental para as pessoas, às vezes, as pessoas querem conversar um pouco, precisam conversar com alguém, falar alguma coisa e tal.”. Então, nós construímos nossa vida assim, durante 35 anos e quem chegou em São Paulo com muitas esperanças, eu digo sempre que a gente realizou quase todos os sonhos, né?
P/1. E a história __________________________________________________?
R. É, isso foi o seguinte. A doença me pegou num momento extraordinário da vida. Eu estava com 48 anos, não te digo que a gente está realizado, porque a gente sempre sonha, né? Se a gente pára de sonhar, mas a gente tinha...tudo tranqüilo, filho só, bem encaminhado, estava acabando o mestrado nos Estados Unidos, estava indo para os Estados Unidos nessa época da doença, quando começou a doença e nós tínhamos como projeto de vida, morar um pouco nos Estados Unidos e morar um pouco aqui...nós tínhamos feito até um experimento, porque a minha mãe é uma pessoa muito humilde, assim, na formação, na origem, meu sogro, minha sogra, nós sempre nos preocupamos muito com eles, vou falar um pouco disso também, nós procuramos dar conforto para eles, nós compramos um apartamento na praia para meu sogro, minha sogra, que eles usam até hoje, compramos uma casa na praia para minha mãe para os finais de semana, ter aquela qualidade de vida que ela não teve, ___________para os Estados Unidos para passear conosco para conhecer a Disney. Em qualquer idade a Disney é maravilhosa, passamos o Natal no Golfo do México, passeamos bastante e tal. Foi uma coisa que, talvez, a gente nunca estivesse sonhado, que a gente proporcionou.
Em 94, eu fui surpreendido então pela doença. A gente tinha projetos, assim, de mudança de vida. Eu queria resgatar um pouco, como eu não tive infância, eu queria ganhar o tempo na seqüência, não porque eu pretendesse parar de ser, as coisas podiam continuar, mas eu queria viver um pouco mais para compensar aquilo o que eu não vivi de menos. Eu tinha uns projetos, vamos comprar um apartamento em Miami, a gente vai, fica um pouco lá, o Fábio está estudando, vai estudar nos Estados Unidos e tal. E, num dia de 19 de março eu estava almoçando com uns amigos, senti um calafrio terrível, gelou meu corpo e eu comecei a colocar sangue pela boca em cima do prato que eu estava comendo. Eu me assustei, corri primeiro para o escritório e tal, depois fui para o Sírio Libanês, estava com o estômago cheio, mas mesmo assim eles fizeram uma endoscopia, [reprodução da fala do médico] “Você teve uma úlcera e vamos ver, precisamos fazer outro exame e tal, mas com o estômago vazio para ver se é de bactéria, sistema nervoso e tal”. Muito bem, fui para casa e depois eu fui fazer os outros exames, identificamos que era bactéria, nesse exame apareceu que eu tinha varizes no esôfago. Os médicos, num primeiro momento, não falaram isso, vamos negativar a bactéria, tomei o medicamento e tal. Ele disse: “Agora, vamos ver outro problema, porque você precisa procurar um especialista, que você tem varizes no esôfago e varizes no esôfago é um indicativo que você tem problema no fígado, porque o que aconteceu, quando o fígado não consegue filtrar, ela cria varizes.” Aquilo tudo me parecia assim muito confuso e tal, não entendia muito bem dessas coisas, mas já percebi que tinha algum problema mais sério. Eu fiz, fiz os exames, fiz uma biópsia hepática para saber qual o grau de gravidade que eu tinha no fígado. Passaram dois ou três dias, eu fui buscar o resultado, eu e minha esposa, e peguei o resultado e o resultado indicava que eu tinha uma cirrose, intensamente ativa, aquilo foi um choque, acho que ninguém é forte o bastante para não chorar, eu chorei muito, fui para casa com a minha esposa chorando muito, naquele momento, a minha esposa chorou __________(emoção). Mas eu nunca tive revolta, no dia seguinte, eu levantei cedo, fui à Igreja, sentei-me na Igreja para fazer um pouco de reflexão a respeito do que aquilo mudava nos meus projetos de vida. Eu ainda não sabia o quanto grave era, mas eu era inteligente o bastante para saber que muita coisa ia mudar. Fiquei um tempo na Igreja, não fiz nenhum tipo de promessa, não reclamei de nada, eu só pedi para que eu fosse...eu nunca tive nenhum tipo de reação contrária a isso. Eu tinha uma coisa na minha cabeça, muito clara, isso eu te contei antes, quer dizer, a vida tinha me dado tantas coisas que eu não tinha o direito de reclamar, quem sabe eu tivesse sido escolhido para passar por isso (emoção). Foi duro, porque eu tinha tudo ________ planejamento na minha vida, mas conversamos em casa, disse: “Bem, a realidade é essa, vamos tentar entender ao máximo isso e vamos fazer um pacto”.
(Pausa)
R. Muito bem, eu soube que estava doente e o pacto em casa era vamos vencer a doença, vamos tomar o maior conhecimento possível disso e tal. Eu comecei a fazer, eu voltei a trabalhar normalmente, eu estava absolutamente compensado, quem via não sabia que doença eu tinha.
P/1. Só me conta um coisa, o que quer dizer esse diagnóstico de cirrose?
R. Cirrose é quando você tem o fígado já todo com fibrose, então, ele já tem grande dificuldade de filtrar, todo teu sangue é filtrado pelo fígado, todas as toxinas são eliminadas ali, são filtradas. Quando você tem uma cirrose, você tem parte do fígado já endurecido, e eu tinha intensamente ativa, quer dizer, o processo que já estava, continuava evoluindo muito rapidamente, então, o primeiro passo era você fazer conter a velocidade e tal para depois você tentar administrar a situação. Esse era um quadro muito avançado e tal.
P/1. Quem te deu essa notícia, quem era o médico?
R. Na época, foi o doutor (Laudan?).
P/1. Foi quem te acompanhou depois?
R. Isso, fui fazer os exames, o Laudan acompanhou até uma certa parte, o que você tem que fazer quando você tem uma doença grave, foi uma experiência que me ficou. Na medida em que ela evolui, você vai procurando especialistas com maior grau de especialização na doença que você tem chance de poder se manter, vamos dizer, compensado. O que é que é compensado? Quando você consegue manter os seus resultados laboratoriais, o teu organismo equilibrado, né? Você tem deficiências e você precisa manter para você não se descompensar. Se você descompensa, você tem crise, uma porção de outras coisas. Então, nós começamos a fazer exames para verificar e tal. Eu fiz, acho que todos os exames possíveis de sangue aqui, eu fiz exames em Nova York, eu fiz exames que foram para Califórnia e tal, e nós nunca conseguimos detectar qual era a razão da agressão ao fígado. Então, ficou como (criptocongênita?), que é a razão desconhecida que atinge mais ou menos 30 à 35% das pessoas que tem problema do fígado.
P/1___________________________?
R. O grande vilão são as hepatites, hepatites B e C, que são a agressão mais freqüente. Hepatite C leva 70% da demanda por um transplante. Mas grande parte tem sempre vírus que você não conhece e que vão surgindo. E tem também um fator novo, que eu até acredito que tenha sido alguma coisa que eu tenha tido, a (externa?) hepatite, quer dizer, você acumula gordura no fígado, e ele (flama?). É uma hepatite por gordura no fígado, todos que fizerem o exame vão ter gordura no fígado, só que se você tiver um nível maior e tal. Essa é uma doença muito estudada hoje, a sigla americana é NASH, não ocorre que _______hepatite, eu acredito que tenha sido isso, essa pouca informação ainda e tal, mas eu tenho isso, o sentimento pelo conhecimento que eu tenho, que pode ter sido essa uma das causas. Muito bem, fiz exames, fiz biopsias e tal, levava uma vida, meu filho sabia que eu estava, tinha aquele problema, mas normal, normal, comportamento, regimes absurdos, de coisas que pudessem agredir o órgão, tudo se elimina, você tem que trabalhar a favor do teu órgão e tal. Assim foi em 94, 95, eu estava bem e a gente tinha em casa essa função, a postura de vamos vencer. Eu sempre tive uma vontade enorme de viver, eu achava que ia vencer a doença e tal, nós não comentávamos muito a respeito da doença, os amigos próximos sabiam, mas eu também não tinha nenhum constrangimento em falar da doença, simplesmente, minha sogra, meu sogro, mesmo a minha mãe sabia que eu estava doente, mas não sabia quanto, qual era a realidade, eu não consegui ___________ter uma preocupação que não iam conseguir resolver o problema, então, sabe mais ou menos não adianta e o restante não adianta você falar, por que você vai preocupar as pessoas? Não, porque estou doente, não, porque isso e tal...
Deixa assim, né? Os mais próximos sabiam, eu sempre conversei, está assim, assado, está dessa forma e tal. Em 95, eu (pensei?) e tal, meu filho: “Como você está?”. Em casa, a coisa era muito irmanada, né? E que é um negócio muito importante para você passar essa fase, a família precisa ser extremamente parceira de você, você precisa ter fé, eu não consigo ver você passar por uma doença que tem evolução, a gente vai chegar para narrar, sem você ter fé, seja lá qual seja o seu Deus, mas que alguma coisa está protegendo, tal.
No final de 95, meu filho disse assim: “Puxa vida, você está bem”. Vamos viver e tal, vamos para a África, vamos para África. Eu já tinha dois anos doente. Fomos para África, fizemos safári, passeamos, passamos o Ano Novo lá e tal. Voltamos...
P/1. Nesses dois anos, você não tinha sintoma nenhum? Você tinha algum sintoma?
R. Não, eu só sabia que tinha a doença...
P/1. Mas você se sentia bem?
R. Eu me sentia bem, eu tinha que tomar alguns medicamentos e tal, tinha que evitar algumas comidas, tal, mas eu levava a vida.
Muito bem, voltei de lá, passou 96, a coisa, fui sempre controlando e tal, quer dizer, a gente sempre foi muito disciplinado em casa, a esposa precisa ser vigilante na alimentação, não pode folgar nesse negócio. 96, a gente passou controlando e tal, naturalmente, a gente se priva de uma porção de coisas, mas o importante é você viver, sobreviver e tal.
Em 97, eu quase estava piorando, mas eu ainda estava compensado. Meu filho foi para os Estados Unidos, então, fiquei eu e só a Célia. Nessa época, em 96, eu mudei de médico, fui tratado pelo doutor Caetano, que era um patologista e, em 97, o que aconteceu de importante, meu filho foi para os Estados Unidos e eu tive duas hérnias e você operar hérnia em hepatopata é um risco tremendo, porque você pode ter hemorragia e morrer. Eu fui conversar com um médico que chama-se Albino _________. O Albino disse assim: “Não, nós vamos fazer essa cirurgia, vamos fazer por laparoscopia, é um desafio, mas dá para fazer, tal. Eu tinha um lipoma, aquela coisa gordurosa e tal, então, fiz a cirurgia por laparoscopia e o doutor Albino filmou a cirurgia.Filmou a cirurgia, quando passou, eu saí do hospital, foi rápido porque laparoscopia, não me aconteceu nada de mais preocupante em função de ser um hepatopata. Ele chamou a Célia, deu o filme e disse para ela o seguinte: “Olha, eu não sou um especialista em fígado, mas eu filmei e estou te dando, porque o que estou vendo é muito ruim.” Realmente, o meu fígado estava, parecia exatamente coberto com esse plástico bolha, cheio de nodulozinhos ali, tal, totalmente, tomado pelo...a aparência foi que você teve uma agressão de vírus.
P/1. Você viu o filme?
R. Eu vi o filme, olhei e tal. Muito bem, aí o Albino disse: “Você tem que procurar alguém focado em transplante.” Chegou a hora da gente começar a preparar-se para essa realidade. Aí fizemos o levantamento, o próprio Albino indicou, nós fizemos um levantamento e chegamos a conclusão que o médico (de escolha?) era o Marujo. Chama-se Wagner Marujo, fomos no Marujo, o Marujo examinou e disse: “Você está ainda relativamente descompensado, vamos esperar um mês ou dois para acompanhar um pouco mais e vou te colocar na fila do transplante.”. Nós, quando chegou em outubro, eu fui outra vez no Marujo, ele fez outros exames, “Vou te colocar, inscrever na fila, isso demora um pouco.”. E, lá fomos nós, porque o Fábio tinha ido para os Estados Unidos, lá fomos nós para Califórnia, fui visitar o Fábio, nós nunca nos abatemos, a postura, eu nunca tive a postura, eu sabia que estava doente, a minha vontade era de manter o comportamento, naturalmente, com um disciplina rigorosa, mas manter a postura de que eu sou mais forte que a doença, eu não posso deixar de viver e ficar lamentando que eu sou um doente, eu ia trabalhar. Fomos viajar, passamos em Washington visitar o Fábio, fomos para a Califórnia, passeamos e tal. Voltamos. Em dezembro, voltamos em novembro, em dezembro, eu tive a primeira descompensacao, quer dizer, você começa...
P/1. Dezembro de...?
R. De 97. Eu tive a primeira descompensação. Fui internado, aí senti que estava perdendo qualidade, uma coisa não bate com a outra e você fica debilitado e tal. Mas saí do hospital e fui, voltei a trabalhar. Quando chegou em fevereiro, fui outra vez para o hospital, descompensa aqui, descompensa ali, acerta, tal e tal, reequilibrei. Quando chegou em abril, já estávamos em 98, em abril, na Páscoa, [reprodução da fala da Célia] “Você está bem, vamos para o interior um pouco, ao invés de ir para a praia, passear um pouco.”. Combinamos os dois e fomos para São Pedro, num hotel fazenda e tal, quando cheguei em Águas de São Pedro, eu estava me sentindo enjoado, fui, almocei e tal, quando cheguei no hotel, eu falei para a Célia: “Eu estou enjoado, acho que vou tomar um chá de boldo, alguma coisa não caiu...’ Aí fomos lá, pedi um chá de boldo e tal, e a última coisa que eu me lembro é que entrei no quarto e sentei na beira da cama, não tenho outra lembrança, eu entrei em coma direto. Problema, São Pedro não tem ambulância, não tem médico, não tem nada, tinha na realidade a vontade de todo mundo ajudar, acredito pelo o que a Célia me falou. Eu entrei em coma e fiquei violento, então, era impossível ela me colocar no carro, a gente estava com carro conversível, era um problema, não tinha a menor condição, carro pequeno, de me trazer para São Paulo. Ela saiu, conseguiu falar com Piracicaba, arranjou uma ambulância em Piracicaba, conseguiu falar com médico chamado (Chalita?), em Piracicaba, que veio e tal. Ele não sabia exatamente o que estava acontecendo, achou que eu estava tendo um aneurisma, mas nesse meio tempo a Célia localizou o doutor Marujo, no Guarujá. Aí o doutor Marujo falou com o Chalita, com o doutor Chalita e a sorte que o doutor Chalita acolheu as orientações [reprodução da fala do doutor Marujo] “Não, ele não está, está tendo uma encefalopatia, está tendo um coma hepático, você não me dê nenhum sedativo, senão você mata ele.” Como acontece isso? O fígado fica tão tomado que ele já não filtra, então, as toxinas batem e voltam para o cérebro, chega no cérebro, você tem dois tipos de reações, ou você fica exatamente igual a um demente com a boca aberta andando de um lado para o outro, com a boca aberta sem consciência, ou você entra em coma, eu entrei em coma. Entrei em coma, a Célia narra que foi o seguinte, pegou a ambulância, tiveram que por uma camisa de força, porque eu estava...
P/1. Você estava acordado?
R. Eu não tinha nenhuma consciência.
P/1. Mas, você se debatia...
R. Me debatia e tal. Aí, fui direto para o Einstein, entrei para a área nuclear, UTI, fizeram todos os exames, realmente era aquilo, tiraram um liquido, aquela coisa toda e tal. E fui para a UTI e fiquei entubado e o coma é aquilo, você não sabe se volta, se não volta, se tem seqüelas, quanto tempo vai ficar e tal. Três ou quatro dias depois, eu voltei a si. Um senhor forte bateu no meu rosto e perguntou para mim: “Você sabe onde está?”. Eu disse não, para mim eu estava no hotel, a imagem que eu tinha era do hotel, ele disse: “Você está na UTI do Einstein.”. Na UTI? Ele disse: “É, você teve um coma, está saindo do coma agora, vou chamar os médicos.”. Aí chamaram e tal, até o senhor, um senhor forte de cor, depois ele dava risadas, ele disse assim: “Você conseguiu arrancar a cabeceira da cama, amarrado, você arrancou e jogou ela em cima de mim e me deu uma mordida na mão, aqui.”. Mas o meu corpo doía, eu devia ter feito tanta força durante esse período e tal.
Bem, o coma é um negócio terrível, você sai ainda do coma meio abobalhado, demora uns três dias para você ter foco, todo inchado, (emborrachado), é um quadro assim muito ruim. Daí em diante, quando eu tive alta, eu fui para casa...
P/1. Quanto tempo você ficou no hospital?
R. Uns 20 dias, mais ou menos. Aí voltei para casa e eu senti, realmente, que estava perdendo...estava muito cansado, já estava frágil. Tentei ir ao escritório um dia, falei para Célia: “Preciso ir no escritório.”. E ela disse: “Não pode _______adaptar.”. “Você me deixa perto”, meu escritório é na São Bento, ela me deixou. Eu vinha pela Álvares Penteado, ali onde tinha a Bolsa antigamente, terno, gravata, com a minha pasta, andando devagar, muito cansado e eu nem cheguei a tropicar, eu bati a sola de sapato na saliência do chão e eu caí de boca no chão, arrebentei a boca toda, a mão e tal. Eu desesperei, eu queria levantar do chão e não conseguia, aí comecei a chorar, chegou um senhor me pegou pelo braço e disse: “O que está acontecendo?”. Eu acho que estou morrendo. Ele disse: “Como?”. Ele se assustou: “Para onde você vai?”. Ligou para o escritório, me levou para o escritório, eu descansei um pouco, foi a última vez que eu fui ao escritório. Vim para casa e a qualidade de vida já não era a mesma, comecei a ter ascite, ascite é barriga d’água, perdi todos os pêlos, meus cabelos, que já não são muitos, mas eles ficaram extremamente ralos, os pêlos do corpo foram todos embora, todos os músculos, você perde toda a musculatura, incha a perna, você fica bem branco, pálido, e um quadro, assim, muito triste, né? Se você fica de pé, se eu ficasse de pé, eu tinha derrame escrotal, a água da barriga descia para o escroto, do escroto vinha para o joelho. Eu estava de pé e, de repente, o esperma corria pelas minhas pernas de uma forma totalmente insensível. Eu fiquei imaginando isso aqui é o fim, não tem outro jeito, uma coceira insuportável, existem relatos de pessoas que se suicidam, porque não agüentam a coceira, a bilirrubina sobe muito e aquilo fica, você entra na hidromassagem, passa de tudo, nada resolve, aquilo parece que te come de dentro para fora. Muito bem, eu fui conduzido depois desse ponto, fui melhorando a situação e tal. Quando chegou em final de julho de 98, eu fui internado outra vez, passei a Copa do Mundo todinha internado.
P/1. Isso, você já estava na expectativa do transplante?
R. É, estava na fila.
P/1. Estava aguardando?
R. O meu número era 45. E passei o mês todo, gerando muita água, muita ascite mesmo, isso é muito perigoso, porque se você infectar a água, você tem uma generalização de infecção, né? Aí, vocÊ não tem escapatória e tal. Para ver se as varizes não se rompem, para você ter um sangramento total, você tem que ser (municiado?) bem de perto. E, eu fiquei ali no hospital, eu não tinha muita expectativa, eu tinha sim uma vontade enorme de viver, como é que eu ia sair daquilo, né? Tem um detalhe muito importante, quando eu tive o coma, esse coma em abril, aí toda a família ficou sabendo o quanto eu estava doente. Eu nunca me esqueço, a minha mãe entrou no hospital, quando ela me viu todo emborrachado, ela quase morreu do coração, eles jamais imaginavam que a doença podia provocar aquilo. E, nesse momento, também, é muito importante que você ainda dentro de um quadro tão complicado, você tenha a cabeça muito firme, né? Tudo te perturba, o barulho, qualquer coisa, pessoas e tal, mas eu procurava, na minha cabeça o seguinte: amanhã, eu vou estar melhor, quer dizer, era a forma de eu poder ter expectativa que eu ia melhorar. E, assim aconteceu, eu melhorei, depois eu fui internado outra vez, em julho. Aí, a gente estava muito abatido, a Célia disse: “Acho que não vai dar para a gente ter órgão, não sei o que eu vou fazer e tal.”. Mas vamos trabalhando com a hipótese de que a gente vai conseguir uma forma de superar isso.”.
P/1. O número 45 queria dizer o quê?
R. Tinham 44 na minha frente para receber o órgão.
P/1. Mas, isso tinha uma previsão do hospital?
R. Na época, me dava um ano mais ou menos de espera. Muito bem, eu fiquei lá, conseguimos neutralizar, eu tive uma infecção, conseguimos neutralizar, sempre tomando um monte de medicamentos e anti-inflamatório de última geração para você poder estar protegido. Quando chegou no começo de agosto, na quinta-feira, antes dos dias dos pais, eu fui para casa. Fui para casa, tinha uma enfermeira em casa e tal, mas muito doente e o que aconteceu? ___________nos rins, essa é uma hipótese que o meu médico, num determinado momento lá no primeiro coma, ele falou: “Você vai precisar transplantar os rins.”. E eu disse para ele: “Mas os rins também?”. Ele disse: “É, você vai precisar transplantar, mas eu não quero que você assuma só a minha decisão, você vai em dois especialistas para verificar.”.
P/1. Mas isso em função do quê, do próprio...?
R. Do próprio fígado. O fígado...
P/1. O fígado estava sobrecarregando...
R. Sobrecarregando e estava levando a falência dos rins. Isso na fase do primeiro de abril. Eu fui nos dois especialistas e tal, ele disse: “Você tem 50% de ___________ está normal ainda e tal.”. Eu voltei e falei para o Marujo isso: “Dois especialistas falaram que o rim resiste.”. O Marujo disse: “Olha, tudo bem, você é que vai decidir, eu só vou dizer o seguinte, com essa capacidade de __________ quando você tomar as primeiras drogas de transplante do fígado, o teu rim vai à falência e aí você vai entrar em outra fila em seqüência.”.
Bem, não precisamos chegar lá, quando eu tive o segundo coma. Como aconteceu o segundo coma? Eu fui para casa na véspera do dias dos pais e meu filho que não sabia da gravidade que eu estava atravessando, ele sabia que eu tinha a doença, nós sempre preservamos, que ele estava estudando e tal, ele não sabia. Ele estava de férias na universidade e a ONU havia contratado para ele fazer um trabalho na Cepal, no Chile, então, ele veio para o Chile. Aí ele me ligou de lá e tal, “Olha pai, domingo é dia dos pais, eu vou para São Paulo te visitar.”. Aí ele veio, chegou no sábado, passou o domingo, aquela coisa toda, ele percebeu que eu estava bem doente, a mãe falou para ele que eu tinha tido um coma, ele se assustou, e disse: “Você não falou nada.”. E ele pegou, ligou para o Chile, ligou para os Estados Unidos e falou: “Vou ficar mais uma semana, eu faço companhia para vocês e tal, porque depois eu vou voltar para o Chile e vou para os Estados Unidos, vai começar as aulas e tal.”. Aí, ele ficou. Na segunda-feira, a Célia falou para ele assim: “O teu pai não está bem.”. Você, para entrar em coma, você tem algum sintoma de problema hepático, você inverte a noite pelo dia, tem várias coisas que você sinaliza, depois que você tem, as pessoas ficam...[ainda reproduzindo a fala da Célia] “...teu pai não está bem.”. [reproduzindo a fala do Fábio] “Não, ele ficou conversando comigo, está bem.”. Na terça-feira, eu entrei em coma em casa, aí realmente foi um problema muito sério, em coma, você já não sabe quando volta, já estava muito fragilizado, a ambulância veio me levou para UTI, ele estava em casa, ele se assustou com aquilo tudo e tal. Todo mundo se assustou, a segunda vez, volta, não volta. Muito bem, eu fui outra vez para o Einstein. Os médicos dizem que ele se desesperou demasiadamente, [reproduzindo a fala do médico] “Você não imagina o desespero do teu filho, naturalmente, da sua esposa também, mas o teu filho se ajoelhava do lado da tua cama e dizia: Eu não vou deixar você morrer”. Mas ele tinha uma convicção tão grande, aí o que ele fez, ele foi para os Estados Unidos, foi e voltou, só para trancar a matrícula dele na faculdade, voltou. Ele e a minha esposa falaram com os meus médicos, eu ressaltei algumas coisas, família, ressaltei fé, a vontade de viver, mas uma das coisas extremamente fundamentais é a empatia médica. Se você não tiver a forte convicção de que o médico pode te salvar, também é difícil, você precisa acreditar que o médico tem a competência para te salvar. É muito importante isso, a gente sentir que existe essa esperança também.
Muito bem, eles conversaram com o médico, até hoje a gente guarda os médicos ___________, o Fábio fez uma reunião com o Marujo e disse: “Chama todos os médicos que nós vamos precisar. Qual a alternativa que você tem?”. Ele disse: “Olha, clinicamente, pelos métodos normais a gente não tem nenhuma alternativa, a minha expectativa de ter um órgão era zero. Se ficar assim, vai morrer em 15, 20 dias, se tiver um coma antes, não resiste mais. A alternativa terapêutica, só se fizermos o transplante inter-vivos, que não tem antecedente, tentaram na Turquia, não deu certo, Estados Unidos nunca tentou, existe alguns perigos, porque todos os estudos sugerem que você tire de 25 a 50% do tamanho do fígado do doador e o teu pai vai precisar mais, talvez, 65 a 70% e é difícil.” E o Fábio disse: “Não, eu vou fazer isso.”. Aí ele explicou para o Fábio o que isso representava, que ele teria uma insuficiência hepática muito forte, porque é um pedaço muito grande, problema que ele teria que retirar um rim dele. Ele disse: “Vamos em frente e tal.”. Foram fazer um teste preliminar ele e a mãe, a mãe tinha (esquiatose?), um pouco de (esquiatose?) no fígado, não daria certo, daria rejeição. Ele tinha um quadro bastante viável, mas ele precisava fazer alguns outros exames. Eu voltei do coma ainda meio zonzo...
P/1. Quanto tempo você ficou?
R. Acho que uns cinco dias, seis dias. Mas sempre naquele, você volta naquele quadro, até você voltar realmente a ter consciência e tal, tinha alguns desequilíbrios, a pressão subia, baixava e tal, eu tinha que fazer hemodiálise já naquele jeito, ia para máquina, ficava 4, 5 horas e tal. Aí você fica mais fraco ainda e volta, então, um quadro assim, bem, muito triste. Realmente, um negócio assim, quando eu me olhava, disse: “Estava acabando devagarinho.”.
Aí, eles vieram conversar comigo, o Fábio, a mãe e o doutor Marujo. Eles tinham reunido, precisava de 18 médicos, 15 paramédicos, duas salas de cirúrgicas, ele já tinha pedido orçamento para o hospital das salas cirúrgicas, os paramédicos, tinha pedido orçamento para todos os médicos, ele já estava com a cirurgia praticamente definida. O Fábio, os médicos tinha uma admiração, porque ele fez um questionário, ele disse assim [reprodução da fala do médico] “Eu não sei de onde ele fez todas as perguntas que seriam necessárias para esclarecer quem vai doar e tal, como é a cirurgia, isso e tal, não sei de onde ele tirou.”. Mas ele tinha uma relação de questionário que ele fez em casa para conversar com os médicos.
Então, eles me colocaram essa possibilidade, de fazer inter-vivos, o Marujo disse: “Pensa, eu não estou sugerindo, eu estou dizendo que é uma alternativa terapêutica e tal...”
P/1. ____________________________________?
R. Dele. Então, era uma agressão muito grande para ele. Como você não tinha antecedente, podia morrer os dois.
Muito bem, eu disse que não, não e tal ,eu, realmente, tinha uma vontade enorme de viver, sabia que estava no fim, mas não tinha coragem de colocar em risco a vida dele e eu falei isso para ele: “Olha”, eu tinha 53 anos na época, “...eu tenho uma vontade imensa de viver e tenho até agora essa vontade, tenho sonhos, mas não tenho coragem para tentar viver assim”. Conclusão, eu fui para casa, para casa certo que eu não tinha mais nenhuma perspectiva de viver, mas não esmoreci, em casa é sempre assim, quando se abatia um pouco a minha esposa chegava e me punha de pé: “O que é que é isso? Agora, é que nós estamos próximos e tal.”. Então, eu sempre fui amparado para não deixar cair o astral, aí eu pedi para que me levassem ao Guarujá, era difícil, eu estava muito doente, mas eu fui (emoção) no Guarujá com a consciência de que eu ia para me despedir (emoção), eu tinha lá, eu tenho lá uma gruta, tem o Cristo, eu cerquei, sentei-me lá, nós temos lá um belo jardim, uns 1000 m2 de gramado, fiquei olhando e fazendo uma reflexão, eu tinha, provavelmente, realizado todos os meus grandes sonhos.
(fim da fita__________).
Recolher