Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: Nivaldo Ornelas
Entrevistado por: Marcia Paiva e Stela Tredice
Local: Rio de Janeiro, 15 de junho de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: MCE_HV014
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Bruna Ghirardello
P/1 – Vamos começar com a sua identificação. Quero o seu nome completo, seu local e data de nascimento.
R – Nivaldo Lima Ornelas. Nivaldo de Ornelas, tem o de Belo Horizonte, Nova Suíça, (risos) 22 de abril de 1941.
P/1 – Nome de seus pais?
R – Alcides Ornelas e Estela Lima de Ornelas.
P/1 – Nascidos em Belo Horizonte, Minas também?
R – São mineiros. Agora, a cidade assim que eles nasceram, são do interior de Minas, aí já não sei. Enfim, não lembro.
P/1 – E conta para a gente a ligação dos seus pais com a música.
R – Meus pais são músicos amadores até hoje. Eles têm um grupo em Belo Horizonte, chamado Revivendo o Passado. Veja bem, eles têm mais de oitenta anos, estão em plena atividade, incrível, né? Se apresentam lá naqueles projetos, pessoal da terceira idade. E enfim, eles é que são os verdadeiros artistas da minha família. e por causa disso, eu tenho outros irmãos que são músicos, inclusive o Cid, meu irmão que toca na sinfônica lá, tem uma carreira, né?
P/1 – A família toda era musical?
R – Bastante. E eu vivi no tempo do sarau, quando a televisão não tomava conta ainda, né? E aquele ambiente familiar, careta mas ao mesmo tempo muito legal, aquela coisa fechada, mineira, tradicional, religiosa, enfim, aquela atmosfera, mas tinha um lado bom que o pessoal extremamente musical. Enfim, rolava uma conversa ao pé daquele fogão de lenha e isso trás boas recordações.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho cinco irmãos.
P/1 – E os outros irmãos também gostavam de música?
R – Dos outros tem quatro, quatro são músicos, profissionais só dois, mas quatro são músicos.
P/1 – Você é o mais novo ou não?
R...
Continuar leituraProjeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: Nivaldo Ornelas
Entrevistado por: Marcia Paiva e Stela Tredice
Local: Rio de Janeiro, 15 de junho de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: MCE_HV014
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Bruna Ghirardello
P/1 – Vamos começar com a sua identificação. Quero o seu nome completo, seu local e data de nascimento.
R – Nivaldo Lima Ornelas. Nivaldo de Ornelas, tem o de Belo Horizonte, Nova Suíça, (risos) 22 de abril de 1941.
P/1 – Nome de seus pais?
R – Alcides Ornelas e Estela Lima de Ornelas.
P/1 – Nascidos em Belo Horizonte, Minas também?
R – São mineiros. Agora, a cidade assim que eles nasceram, são do interior de Minas, aí já não sei. Enfim, não lembro.
P/1 – E conta para a gente a ligação dos seus pais com a música.
R – Meus pais são músicos amadores até hoje. Eles têm um grupo em Belo Horizonte, chamado Revivendo o Passado. Veja bem, eles têm mais de oitenta anos, estão em plena atividade, incrível, né? Se apresentam lá naqueles projetos, pessoal da terceira idade. E enfim, eles é que são os verdadeiros artistas da minha família. e por causa disso, eu tenho outros irmãos que são músicos, inclusive o Cid, meu irmão que toca na sinfônica lá, tem uma carreira, né?
P/1 – A família toda era musical?
R – Bastante. E eu vivi no tempo do sarau, quando a televisão não tomava conta ainda, né? E aquele ambiente familiar, careta mas ao mesmo tempo muito legal, aquela coisa fechada, mineira, tradicional, religiosa, enfim, aquela atmosfera, mas tinha um lado bom que o pessoal extremamente musical. Enfim, rolava uma conversa ao pé daquele fogão de lenha e isso trás boas recordações.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho cinco irmãos.
P/1 – E os outros irmãos também gostavam de música?
R – Dos outros tem quatro, quatro são músicos, profissionais só dois, mas quatro são músicos.
P/1 – Você é o mais novo ou não?
R – Não, sou o segundo. E quando os meus pais perceberam que eu tinha talento. Tipo lá pelos oito, nove, dez anos de idade me levaram para uma escola de música em Belo Horizonte. Aliás, tem que fazer um parêntese aí que em Belo Horizonte, o Villa-Lobos na década de 1950, ele fundou escolas de música pelo Brasil inteiro, apoiado pelo Governo Vargas, não é isso? E a escola, essa escola de formação musical em Belo Horizonte foi fundada pelo Villa-Lobos, pelo que eu sei, então a escola é extraordinária, não sei se vocês conhecem em Belo Horizonte, não né?
P/1 – Hum, hum. Sim.
R – Em Santa Efigênia tinha um, tem, não sei se tem ainda um quartel da Polícia Militar e lá era essa escola de música, em ambiente militar, vê que contraste. Fundada pelo Villa-Lobos o diretor da escola é o Sebastião Viana, eu não sei se ele é vivo, ele é pai do Marcos Viana, do Sagrado Coração da Terra, um grupo. O Marcos faz trilha para o Jayme Monjardim aqui no Rio, faz trilha sonora, era o pai dele que era o diretor da escola, porque ele era assistente do Villa-Lobos aqui no Rio, então como ele era mineiro ele foi o diretor da escola. E essa escola realmente foi uma coisa surpreendente, porque até hoje os caras que passaram por lá são músicos no Brasil inteiro e no mundo inteiro, entre eles o Benito Juarez da Sinfônica de Campinas, foi meu colega na escola. Watson Clis, que é primeiro violoncelo da “Osespa”, Osesp, sei lá, de São Paulo. Márcio Malard, primeiro violoncelo da Sinfônica Brasileira, aqui no Rio. E vai por aí afora, é muita gente, era uma escola no qual os alunos recebiam um salário mínimo para estudar.
P/1 – Isso com quantos anos mais ou menos?
R – Dez anos. A escola era entre, de dez a quinze era lotada, a gente recebia uma ajuda de custo de um salário mínimo, que na época, eu me lembro que era como se fosse hoje mil reais assim.
P/1 – Era um dinheirão, né?
R – Era outro Brasil.
P/1 – Para um garoto.
R – E era um outro Brasil, era um outro país, não é isso? E quem estudava teve que passar a estudar à noite, porque ficava o dia inteiro lá, saía duas horas mais cedo por causa da aula. Eu já estava com dez anos já estava na Admissão, que era um período entre a escola primária e o ginásio.
P/1 – E o ginásio.
R – Se chamava Admissão, veja bem. E enfim...
P/1 – A formação na escola era todo tipo de música teórica, instrumento, como é que era a formação?
R – Música teórica, mas muito bem feita. Tanto que nós alunos dessa escola, a gente foi para conservatório mineiro, todo mundo passou em primeiro lugar, porque o nível era muito alto. Porque como era pouco, a gente estava vivendo uma época do pós guerra, os professores judeus da Europa vieram para o Brasil e foram para Belo Horizonte, muitos deles.
P/1 – Melhores professores.
R – Pô, caramba, era o que tinha de melhor na Europa, então a escola, por isso que Minas Gerais tem tradição boa de música, quer dizer, não vem só desse tempo, vem do...
P/1 – Uma tradição mais antiga.
R - ...ciclo do ouro. Que é uma história, aliás eu sou pesquisador dessa área e por isso é que tem toda essa riqueza, não é, isso não começa de um dia para o outro. E eu estudei nessa escola.
P/1 – Mas me fala um pouco mais da sua infância. Como é que era a sua casa? Como é que era o seu...
R – Minas Gerais era um convento só, né? (risos) Eu morando no Rio de Janeiro hoje eu vejo isso. Minas Gerais era um convento ferrado, né?
P/1 – Influência religiosa?
R – Fortíssima, porque a igreja dominou Minas Gerais. Como ela era o dono do ouro, ela era dona da vida das pessoas, não é isso? E isso influenciou o comportamento do, até hoje eu acho, bastante, pessoal dissimulado, calado, aquela coisa, isso era terrível.
P/1 – E você acha que essa influência da religião tem um lado bom para você? Ou teve um lado pesado também? Que você fala muito calado?
R – Outro dia eu fui a Ouro Preto no Festival de Jazz, o ano passado, cara, eu senti um peso aquilo ali. Você já foi a Ouro Preto?
P/1 – Já.
R – Já foi?
P/1 – É lindo. Lindíssimo.
R – É lindo, mas é pesado. É pesado. É Nova Iorque ao contrário. Nova Iorque é pesada, né, mas é para cima. Ouro Preto eu sinto down, eu sinto para baixo. É engraçado, eu sinto para baixo, muito sofrimento ali, muito sangue ali naqueles porões ali, né?
P/2 – Uma imagem que eu gostaria que você resgatasse é dessa imagem na sala, as pessoas em volta ao fogão a lenha.
P/1 – É.
P/2 – Que rolava essa conversa.
R – Ah, isso é bom, isso é bom.
P/2 – Que mais que rolava?
P/1 – Pois é, dentro de casa, da sua casa. Como é que era?
R – Rolava música, né? As pessoas se encontravam, não tinha televisão, tinha rádio, mas então também o rádio não dominava, porque rádio é mais auditivo, não é visual. Televisão hoje domina a vida as pessoas, dita, né? Nesse tempo não tinha isso, então o povo era livre, isso era muito bom, então se sentava à mesa conversava, aquela mesa enorme, o pessoal sentava e discutia. E era um matriarcado ferrado, eu lembro a minha avó, que era aquela senhora austera severa, ela ditava, sabe aquela história? “Não Fulano.” Interessante. E a criançada ficava ali meio debaixo da mesa ouvindo aquele, era muito velado e eu morando no Rio de Janeiro, eu moro aqui desde 1972, aqui o mar “tchiii”, já rola o outro, né?
P/2 – Dilui um pouco, né?
R – Ah, bastante.
P/1 – E o que é que era a música que vocês tocavam quando eram pequenos? Seus pais?
R – Eu não tocava, ouvia.
P/1 – Ouvia.
R – Cantava. E eu cantava, cantava muito bem, eu não lembro. Mas, era super tímido, para cantar o meu tio: “Canta que eu te dou uma nota.”, ele me dava uma nota de um cruzeiro, um real, sei lá e eu não, eu já era profissional, devia ser. Aí eu ficava atrás da porta, ele enfiava a nota pela fresta, eu pegava a nota e cantava, era muito bom isso. (risos) uma coisa que ficou gravada. Legal, né?
P/2 – Mas era o quê que eles tocavam?
R – Ah, seresta.
P/2 – O que é que seu pai e sua mãe tocavam? Você falou que eles eram músicos?
R – Nesse tempo tinha muito música instrumental, que era moda de viola. Chegavam uns caras do interior que tocavam aquelas modas de viola, o desafio, mas sem palavra e eu adorava aquilo, falava: “Pô, interessante esse negócio.” Sabe? Achava aquilo uma onda e eles cantavam aquelas serestas, aquelas coisas daquele tempo, meio triste, meio, meio...
P/1 – Melancólica.
R -...melancólico, aquela coisa. O clima já era bucólico mesmo, páaa. Aquilo era meio doído. Engraçado, eu fico vendo o negócio do, não sei quem falou, gente. O Drummond, né, falou: “Minas é apenas um quadro na parede.” Mas eu sei o que é que ele fala, ele queria ficar livre daquilo de alguma forma.
P/1 – (risos)
R – É ou não é? (risos) É porque é doído, né? Nesse tempo era todo mundo muito calado, falava, mas não falava.
P/1 – E o que é que seu pai tocava?
R – Meu pai toca.
P/1 – Toca.
R – Violão de sete cordas. E minha mãe é cantora, aliás, minha mãe no palco é um, inclusive fiz um show no Sesc Mariana?
P/2 – Vila Mariana.
R – Que foi eu, Nivaldo e convidados. No qual eu levei muita gente. Levei Osvaldinho do Acordeon, Nelson Aires, Toninho Horta de Belo Horizonte, Hermeto Pascoal. E a minha mãe foi a estrela da noite. Oitenta e cinco anos, porque ela tem um, tem um...
P/1 – Presença de...
R – Tem a manha, né? Ela é uma artista.
P/2 – Que bonitinha, né, que forte ainda.
R – Hein?
P/2 – Que forte ela cantando?
R – Não, foi pesado.
P/2 – Como assim?
R – E inclusive fizemos o vídeo e tudo, foi uma coisa, três noites no Sesc Mariana, foi um acontecimento.
P/2 – Que bacana.
R – E aí eu herdei isso deles. Essa, o palco, a ribalta, né?
P/1 – E voltando então um pouco ainda...
R – E eu cresci com isso, né?
P/1 – Música já.
R – Muito, muito, muito. Bom, aí eu desenvolvi rápido, com dezesseis anos já era músico super preparado, com dezesseis anos. Eu e todos os outros da minha geração e é uma coisa que surpreendia muito, porque a gente era muito novo. Inclusive comecei a tomar bomba para caramba na escola, aquela história.
P/1 – Que é que você brincava com seus irmãos também quando assim só...
R – Futebol, futebol. A história, o negócio era sempre futebol. A gente era super, porque meu pai era super ligado nisso, então a gente vivia futebol.
P/1 – E era brincadeira na rua? Aquela coisa...
R – Muito, muito.
P/1 -...tranqüila também de assim...
R – Agora, uma coisa interessante para a gente falar é o seguinte, eu falo isso para os meus filhos inclusive, que era outro Brasil. E no ensino, eu, por exemplo, no ginásio eu estudava grego, Colégio Arquidiocesano de Belo Horizonte. Grego, Latim, espanhol, francês e inglês, tá bom? Estudava grego, antes de latim, tinha isso. E o ensino, tanto que eu tenho redação...
P/1 – Estudou em escola de padre também?
R – É. Só tinha...
P/2 – Qual era o colégio?
R – Arquidiocesano. Belo Horizonte era o seguinte, cada, inclusive eu fiz o levantamento, cada esquina era uma missão diferente, tinha missão espanhola, francesa, alemã, era uma loucura aquilo ali, era um convento.
P/1 – Me fala então um pouco mais dessa influência religiosa, você ia à missa? Sua família era também muito católica?
R – Muito católica, mas eu cedo comecei a questionar aquilo, achava um teatro ferrado. “Cara, espera aí, isso mesmo? O pessoal com vela na mão?” Aquela sexta-feira, a Semana Santa era um horror. O povo, o pessoal comprava aquela briga, eles se sentiam triste também, eu acho que até hoje ficou caricato, né? Mas naquele tempo era pesado, música, eu achava ótimo porque a música, eu achava muito bom aquele tipo de música que eles tocavam na Semana Santa, porque era música de qualidade e tudo. Mas era um horror, o ambiente era de morte, socorro.
P/2 – Você chegou a participar de coro de igreja?
R – Não, não porque eu não era muito religioso já, mas minha família super...
P/2 – Mas sua família frequentava missa?
R – Muito, minha mãe levava flor na igreja. Sabe aquela dona que leva flor, vai enfeitar igreja e tudo? Minha mãe era tipo. (risos)
P/2 – (risos) E nem te botou para ser coroinha, nem nada não?
R – Deus me livre, socorro. E...
P/1 – E então, assim...
R – Ah, com dezesseis anos, eu já era músico profissional.
P/2 – Isso que eu ia falar músico profissional...
R – Já querendo, né? Mais aí eles assustavam, falou: “Não, você vai ter que trabalhar. Que é isso. Não, para com isso.” Aí foi um, eles não queriam de jeito nenhum que eu fosse músico profissional, aí caiu a ficha.
P/1 – Eles queriam que você trabalhasse com uma outra profissão?
R – Isso, inclusive por causa disso, eu trabalhei em banco sete anos da minha vida.
P/1 – Foi sua primeira profissão então mesmo?
R – É, antes, comecei...
P/1 – Quer dizer, sua primeira profissão era já um músico, você tinha formação toda. Mas o trabalho, trabalho mesmo foi...
R – É, trabalhei no Banco Nacional de Minas Gerais no caso, trabalhei na Caixa Econômica e em terceiro o Banco Predial, não lembro. Enfim...
P/2 – Mas quando você fala, Nivaldo, que aos dezesseis anos, você já era músico profissional como que era?
R – Pronto.
P/2 – Profissional em que sentido?
R – Profissional, o seguinte: pronto.
P/2 – Mas o que é que você fazia?
R – Eu tocava clarinete já.
P/2 – Aonde?
R – Em eventos assim, tocava na Orquestra Sinfônica Jovem de Minas Gerais e nessa Polícia Militar que tinha a escola os alunos podiam optar a serem militares e eu aos dezesseis anos já tinha a patente de sargento. Eu poderia ser um sargento, se eu quisesse, né? Só que eu não queria de jeito nenhum, porque tinha que esperar dezoito anos para você ser promovido, mas eu não estava a fim. Eu saí dessa escola, mas eu estava preparado porque a gente realmente estava preparado.
P/2 – A própria escola?
R – É, a escola tinha um nível muito alto.
P/2 – E você tinha escolhido já assim então esse instrumento, falou: vou tocar clarinete?
R – Clarinete, é.
P/2 – E era esse o seu instrumento.
R – É.
P/2 – Então você tinha adotado...
R – E já tocava violão que eu tinha aprendido com meu pai um pouquinho tudo.
P/2 – E que é que você...
R – Eu queria tocar...
P/2 – Tinha alguma preferência musical? O que é que te influenciava?
R – Eu queria tocar música erudita, música clássica mesmo. Mozart, Beethoven, eu queria isso. Engraçado, né?
P/2 – Era a formação da própria escola?
R – Agora, paralelamente nessa época, perto da minha casa tinha um povo lá que tinha uma Folia de Reis e Congado, que é uma manifestação mineira mesmo. E eu comecei a participar disso aí, comecei a gostar desse folclore mineiro. Aí comecei a me interessar por isso. E foi outro caminho que me levou. Eu falei: “Olha que interessante isso aí.” Aí eu comecei a olhar a música popular assim mais atentamente, mas até então meu objetivo era a música clássica. Ser um solista, tudo.
P/1 – Isso foram amigos que te trouxeram essa atenção para você...
R – Não, fui eu mesmo que, coisa minha mesmo. Do que eu já conhecia a essa altura. Porque a música do meu povo lá era música de seresta, aquela coisa simplória. Tal, natural, mas não era aquilo que eu queria. Tinha coisas inclusive que eu não gostava muito. Achava: “Pô, isso mesmo? Socorro.” Queria outras coisas. Isso nasce com a pessoa.
P/1 – E de amigo assim seu, teve algum que influenciou á por essa época? Alguma coisa que te trouxe nova ou...
R – Não, ainda não. Ainda não. Foi a partir daí, depois dos dezesseis anos, dezessete, dezoito. Aí, eu comecei a tocar em baile, né? Comecei a conhecer outras pessoas, conheci o Célio Balona que era da escola também. Não sei se vocês já ouviram falar nele, já foi citado aí talvez, não?
P/1 – Já. Hum, hum.
P/2 – Célio?
R – Célio Balona?
P/1 – Eu conheço ele de nome.
R – É um cara que tinha que depor aqui, meu Deus, porque todos os músicos pré- Clube da Esquina passaram pelo conjunto. Esse cara tinha um conjunto de baile em Belo Horizonte e acredito que tenha até hoje, junto com o Marilton Borges, que é um dos caras mais importantes também que eu acho e todo mundo passou nesse conjunto. Inclusive Bituca era crooner do conjunto. Esse conjunto do Célio Balona e eu participei do conjunto do Célio Balona, que aí conheci outros músicos, foi muito bom.
P/2 – Isso saindo já da escola? Você ainda também...
R – Certo, trabalhando em banco e tocando nos...
P/2 – Trabalhando em banco.
R -...finais de semana nos bailes do Balona. Isso aí foi interessantíssimo.
P/2 – E conta mais assim alguma história desses bailes, uma história engraçada que você se lembre.
R – Não, a história é o seguinte: que eu sofria muito trabalhando em banco, era um horror, eu era péssimo funcionário, você imagina, nossa Senhora, trancava no banheiro para ficar compondo, escrevendo música, era uma loucura.
P/1 – E aí você já compunha então?
R – Já.
P/1 – Quando que você começou a pensar em compor assim? Já na escola?
R – É dezessete, dezoito anos. Não, não, já saindo da escola, a escola era muito acadêmica, saindo da escola eu comecei né? Depois que eu comecei a conviver com o pessoal de Congado e Folia de Reis tudo é que eu comecei a compor.
P/1 – Aí você compunha próximo ao quê, mais já assim, as primeiras composições?
R – Copiando, nessa época copiava todo mundo. (risos) Na verdade não era composição, era um ensaio, não acredito.
P/1 – Mas dentro desse lado mais mineiro?
R – Bastante.
P/1 – Dessa tradição mineira?
R – Muito. Muito em cima disso, até um dia que eu comprei um disco do David, eu lembro David Rose, setenta e oito rotações, David Rose, com música do Gershwin. “Um Americano em Paris” e “Rapsódia em Blue”, porque eu passei na loja, tinha uma loja Normandie ali perto, no Centro de Belo Horizonte, pá, ouvi aquele som, fui lá comprei o disco, falei: “Esse som está bom – pensei comigo – oba. Esse é o lado”, sabe? Porque era uma música mais sofisticada.
P/1 – Hum, hum.
R – Aquele “Oba, que bom. Isso aí eu quero.” E aí, sabe, é o gosto, a gente vai apurando.
P/1 – E o ouvido que você também está ligado para uma coisa nova?
R – Isso era um som realmente novo. Eu gostei daquilo ali, porque eu achava a música, a música mineira, popular, o que tinha lá, eu achava muito verdadeira, mas era muito simplória.
P/2 – Simplória o quê? Em termos de uma composição, do arranjo?
R – É, sabe? Tinha aquele negócio de Montes Claros, como é que chamava aquilo? Seresta. Eu achava aquilo chato para caramba. “Nossa, socorro. Que coisa horrível.” Queria música mesmo mais trabalhada, mais elaborada com, música de músico, aquilo é música para o povo, é o que é mesmo, mas quem é músico quer outras coisas, que nem o pintor, o cara quer achar, né, procurando outros sons e eu já, eu estava nessa já.
P/1 – E aí você houve um Gershwin e você já introduz também um pouco dessa novidade no que você já está compondo ou...
R – Não, ainda não. Ainda não. Através do Gershwin aí eu comecei pesquisar, comecei ouvir música erudita, comecei a ouvir Ravel, Debussy, Wagner, Richard Wagner, que era realmente a, eu falei: “Ah, onde o Gershwin foi buscar”, pensei comigo: “Ele também está copiando.” Aí comecei a ouvir os originais, né? Caramba, falei: “olha, só.” Isso aí me deu uma base boa de música erudita assim, de entendimento, falei: “Existem essas pessoas. Os gênios.” É neles que a gente aprende, foi um momento bacana assim, que eu andei rápido.
P/1 – E você gostava assim também, como músico, de pegar a pauta, de ler a música, de ver, ou não?
R – Eu aprendi...
P/1 – Ou mais de ouvido?
R -...eu aprendi, quem aprende as coisas cedo é igual a andar de bicicleta, fica. Mas eu sempre fui um cara altamente intuitivo. Hoje eu considero, a minha turma, eu sou intuitivo. Então desenvolvi os dois lados, entendeu? Acho que até o lado intuitivo, vocês estiveram com o Robertinho hoje aqui, Robertinho, aquele cara é um gênio, não sei se vocês conhecem o trabalho dele, é um geniozinho aquele cara, sabe, dentro daquela brincadeira dele. Mas o Robertinho é um gênio, porque o lado intuitivo dele, e o Robertinho ainda têm mais uma coisa, a maioria das gírias que existem no Brasil saem do meio musical e teatral, não sei se vocês já notaram isso, é, a maioria dessas gírias que se fala, muitas delas foram introduzidas por Robertinho Silva e Luís Alves. Não sei se Luís Alves já apareceu por aqui?
P/2 – Ele deve vir.
R – São duas “figuraças”.
P/1 – Tem alguma que você se lembre assim?
R – Barraco. Quem inventou barraco é o Robertinho, não tem esse negócio de barraco?
P/1 – Hum, hum.
R – Pô, Fulano...
P/1 – Armou um barraco.
R - ...armou um barraco. É o Robertinho Silva que inventou isso há pelo menos vinte anos atrás e outras, e outras, um punhado. Engraçado, né? Um cara altamente intuitivo, observador da conduta das pessoas, do jeito popular, o cara observa. Enfim, nessa época eu era bastante intuitivo também, quando eu comecei a ouvir música erudita, mas eu comecei a desenvolver também o lado de sair tocando, como a gente falava, isso na minha vida profissional me ajudou muito e do pessoal do Clube da Esquina, depois a gente vai voltar lá, eu era o único músico que tinha estudado música, de todos eles. Alguns deles eu é que ensinei, entre eles, bom, deixa para lá. É melhor...
P/1 – A gente chega lá.
R – É, não precisa falar, que também não é o caso. Eu era o único cara preparado do ponto de vista assim didático, único, absolutamente único, porque eu tive essa chance. Então foi uma questão de oportunidade, o momento.
P/2 – O tempo, a escola eram quantos anos mais ou menos? Você tem ideia, não?
R – Que idade eu tinha?
P/2 – Não, a própria, próprio, a duração da escola?
R – A duração da escola? Eu acredito...
P/2 – Você saiu com dezesseis anos...
R – Valeria a pena vocês, sabe, não sei se ele é vivo ainda, Sebastião Viana seria a pessoa ideal para falar tudo sobre a escola. Movimento social eu acho que, eu acredito que a escola durou de 1955, 1956...
P/2 – Não, eu estou falando da sua formação mesmo.
R – Ah, quanto tempo eu fiquei na escola?
P/2 – É.
R – Cinco anos.
P/2 – É um bom tempo.
R – Cinco anos. Dos onze aos dezesseis, dos dez aos dezesseis por aí. Foi minha adolescência, né? Foi muito...
P/1 – Foi muito duro? Dava para brincar também? Dava para...
R – Não, bem regime militar.
P/1 - ...paquerar?
R – Não, lá, tempo integral. Escolar militar religiosa, imagina. nem...
P/1 – E com os amigos da escola também?
R – Não, pouco contato. Minha, meu negócio era mesmo lá onde eu morava que tinha as namoradinhas, aquela história. Aí tinha isso.
P/2 – E na adolescência, como que você se divertia? Porque uma boa parte daqui dos músicos do pessoal do Clube adorava ir para um bar. E você, qual que era a sua opção?
R – Futebol.
P/2 – Mesmo na adolescência?
R – É, tem que explicar que eu sou do pré Clube da Esquina. Eu sou do pré. Eu sou do antes.
P/2 – Ah, sim, eu só fiz uma analogia.
R – Porque eu participei depois, mas já aqui no Rio de Janeiro. Eu sou antes, eu sou do movimento que originou o Clube da Esquina. Pouco se fala, eu estava conversando com o Márcio outro dia sobre isso. O nosso movimento de pessoas, algumas vocês estão entrevistando, nós somos do pré Clube da Esquina, do movimento que originou o Clube da Esquina, daqui a pouco a gente vai chegar lá vocês vão entender o que eu estou falando, porque depois dos dezesseis, dezoito anos eu estava tocando em baile com o Célio Balona, comecei a conhecer, conheci o Elvis Vilela, que é um pianista, Pascoal Meirelles, Paulinho Braga e nós resolvemos fundar um clube de música em Belo Horizonte, cujo nome é Berimbau. Esse clube é em um lugar, não sei se vocês conhecem esse lugar, chama Maleta, Arcângelo Maleta, já foram lá, não?
P/2 – Sim, de leitura. (risos) De ler o livro.
R – Belo Horizonte era uma cidade altamente assim...
P/1 – Como é que era Belo Horizonte? Fala um pouquinho dessa Belo Horizonte dessa época.
R – Belo Horizonte era uma cidade do interior, com aspecto de cidade do interior, mas com uma cultura ferrada. Uma cultura, cultura não, cultura não é a palavra, com um movimento cultural ferrado de bom, o ensino na escola era muito bom, sabe? O Partido Comunista lá era ‘ferradaço’, tinha um bar que chamava Bucheco, Butcheco, onde é que o pessoal se reunia e discutia-se, tanto que na revolução começou lá, né? Você veja, Belo Horizonte...
P/1 – Mas você gostava? Você tinha algum interesse assim também nesse lado ou não?
R – Tinha, convivia com o povo. Mas engraçado...
P/1 – Discutia?
R - ...que nós os músicos não participamos de movimento nenhum. Isso é uma coisa que a gente deve falar também, mas...
P/1 – Mas você acompanhava?
R – Convivia. Convivia, sem tomar a iniciativa, sabe?
P/1 – Hum, hum.
R – Mas a gente convivia.
P/1 – Estava por dentro do que estava rolando?
R – Tudo, com certeza. E esse Butcheco, altas discussões. E no Maleta, todo movimento cultural de Belo Horizonte era nesse, é como fosse um shopping, tudo acontecia ali dentro. Ali tinha um bar chamado Lua Nova, que era o bar dos jornalistas. Tinha um bar chamado Sagarana que era o povo de, era os escritores, tinha o Pelicano, que era do povo de cinema. Por isso que eu queria que o Márcio estivesse aqui...
P/1 – Eram várias tribos?
R – Márcio ia me lembrar aqui. E tinha o povo de cinema, tinha os artistas plásticos que era um outro bar. E o Berimbau, fundado por nós: eu, Elvis Vilela, Pascoal Meirelles e Paulinho Horta fundamos o Berimbau, foi o primeiro clube de música em Belo Horizonte, a gente tinha dezoito anos.
P/2 – E esses outros, já eram amigos? Vocês já tocavam nos bailes?
R – Fala, você quer ver quem é que era a turma que andava em Belo Horizonte?
P/2 – Pois é, como é que era?
R – Fernando Gabeira, Fernando Babaca, que é o Fernando B., que hoje é um grande escritor, que é o Fernando Moraes, esse cara vivia na minha casa. O Fernando vivia na minha casa, dos meus pais, Fernando B, que ele contava piada que não tinha nada a ver. Ivan ngelo que é redator-chefe do Jornal da Tarde, não sei se é ainda. Ivan ngelo. Quem mais, um cineasta aqui do Rio que fez A Dama do Lotação. Quem é aquele cara?
P/1 – Ah, eu sei quem é, está me fugindo o nome [Neville d'Almeida].
R – Chamou outro dia para fazer a trilha dele.
P/1 – Ô, meu Deus, fugiu o nome dele, daqui a pouco volta.
R – O filme é horroroso, A Dama do Lotação, um filme, nunca vi filme pior na vida, mas enfim, mas ele é bom, ele é bom cineasta. É o, o, ele é super falado...
P/2 – Vamos lá, daqui a pouco volta. É que essas coisas...
R – Mas esse movimento...
P/1 – Esse movimento todo...
R -...era fervilhante. Paralelo ao que acontecia aqui no Rio de Janeiro em Belo Horizonte, proporcionalmente...
P/2 – Isso era encontro de bar, de circular e ir agregando?
R – E muito festival. Eu estava, eu estudava ainda, então tinha muito festival estudantil que a gente queria arrecadar, aquela história, dinheiro. Acontecia muito festival, bem feito, muito legal, bem organizado, engraçado, e tinha atração, muita coisa boa para fazer.
P/1 – Aí vocês reuniram e fundaram então o bar.
R – É, existia um jornal, eu tenho três irmãos que são jornalistas. Um deles ele é fundador do jornal da tarde, veja bem. Quando tinha um jornal chamado Diário de Minas, e esse povo que ficava no bar dos jornalistas, lá no Maleta, no Lua Nova, tinha uma turma entre eles Fernando Gabeira, Alberico Souza Cruz, que foi diretor da Globo aqui de jornalismo. Era povo, o povo do Estadão foi lá pegou esse povo todo e levou para fundar o Jornal da Tarde. Entre eles, o meu irmão Luciano Ornelas, que depois foi redator-chefe do Estado, inclusive, Veja. Agora ele está em outro jornal. Esse povo com vinte, vinte e dois anos. Eles fundaram um jornal que foi a melhor coisa que aconteceu no país, não foi? O Jornal da Tarde, numa época, hoje eu não sei como é que está o Jornal da Tarde.
P/2 – Sim.
R – Não deve estar essas coisas.
P/2 – É, já não é... (risos)
R – Mas já foi, não foi?
P/2 – Sim, foi inovador.
R – A página do jornal, meu irmão que desenhava a página do Jornal da Tarde. Ele era diagramador.
P/2 – Mas fala um pouquinho mais especificamente, eu acho interessante, eu queria que você contasse um pouco mais o bar Berimbau, a fundação.
P/1 – É, que você estava falando da fundação, da formação.
R – É.
P/2 – Quem são, por que é que se reuniram.
R – O Elvis Vilela, pianista, Pascoal Meirelles, todos eles moram no Rio. Paulinho Horta que é o irmão, ah, esse já morreu, irmão do Toninho Horta, que faleceu recentemente. A gente tinha necessidade de um espaço, para poder, sabe? Estava efervescente o negócio e aí resolvemos, o Pascoal tinha um tio que era marceneiro e sabia fazer bem as coisas, então a gente arranjou uma sala no Maleta e cada um deu uma grana lá e enfim, fizemos esse bar, era um bar e nós tínhamos uma amigo que chamava Bolão, Antônio Moraes. Esse cara era um gênio da arquitetura e ele bolou parede negra assim, desta altura com pôster de lá até no chão. Imagine em uma época, isso foi 1966 mais ou menos, imagina você fazer um bar com um pôster, a dificuldade, era tudo colado. Não tinha, não sei como é que era a impressão nessa época, devia ser horroroso. Enfim, tinha pôster do Coltrane, do Modern Jazz Quartet, enfim.
P/1 – Só de músico.
R – É. E um troço muito bem feito, com porteiro lá fora de gravatinha borboleta e tudo, era um negócio bacana. Uma coisa que até então não tinha acontecido em Belo Horizonte e tinha shows, tinha shows e tudo e era uma maravilha aquilo ali. Do ponto de vista artístico foi um sucesso. Agora, financeiro, fracasso total. Ficamos devendo, uma loucura, durou assim um ano também só, acredito que em 1960, não lembro direito a data. 1965, enfim durou um ano, mas dali, ali foi o que resultou do Clube da Esquina.
P/2 – E que vocês tocavam lá no Berimbau?
R – Jazz e Bossa Nova, e as composições próprias, todo mundo já era compositor, a gente imitava. Falar a verdade, nesse tempo você imita muito, que é o processo, é o caminho e muita gente do Rio, quando ia à Belo Horizonte, São Paulo, ia no Berimbau. Já se sabia que existia esse lugar. Ia gente, no meu caso passou, eu desenvolvi rápido, sabe? “Tchii.” Foi uma catapulta.
P/1 – Aí como é que você chega ao jazz? Você estava falando até agora na tradição mineira que você estava passando, daquela formação mais clássica da...
R – Através do conjunto do Célio Balona, por isso que eu falo que ele é importante, ali e tal. Eu tocava clarinete e eu tocava em um lugar que era um lugar muito interessante. Chamava Montanhês Danças, que era um dancing. Já viram falar, né, pelo menos?
P/2 – Sim.
R – Nunca foram, mas já viram falar.
P/1 – Já.
R – Já foi em um dancing? As mulheres, elas tinham um cartão, colocava aqui, tal e dançava com um cara um tempo, aí o cara, sei lá, dava umas picotadas no cartão depois ia pagar. É. E com música ao vivo e altamente assim, não tinha sacanagem. É interessante esse tipo de lugar porque era...
P/1 – Comportado.
R -...familiar, como é que é? Estritamente familiar. (risos)
P/1 – Familiar. (risos)
R – Era ótimo aquilo. E eu tocava nesse lugar, nesse Montanhês.
P/2 – Quer dizer que foi nesse período que você começou a tocar profissionalmente mesmo?
R – É isso. E aí o Célio Balona foi lá falou: “Pô, eu queria um saxofonista na minha banda, será que você não queria tocar saxofone?” Eu falei: “Nunca pensei.” Mas vamos pensar então. Aí fui desenvolvendo a ideia, e através de ouvindo disco de jazz e tudo eu falei: “Puxa, vou experimentar.” E deu certo.
P/2 – Por que não a Bossa Nova, Nivaldo?
R – Não entendi.
P/2 – Por que não a Bossa Nova? E você foi para o jazz e não para a Bossa Nova?
R – Não, a Bossa Nova, a gente ouvia Bossa Nova muito também.
P/2 – Ouviam?
R – Hum, hum. Puxa vida, a Bossa Nova em minha opinião é o mais importante movimento, o jazz é o movimento cultural mais importante do século XX, incluindo aí, artes plásticas, tudo. Porque através do jazz, o jazz foi na dança, foi em tudo. Foi no Andy Warhol, enfim, tudo é jazz. A partir do conceito jazz que significa liberdade de expressão artística. A pessoa pensa que jazz é só música, não é. Porque jazz é conceito, é ou não é? No século XX, a mais importante manifestação artística é o jazz, depois dele a Bossa Nova brasileira é o maior movimento musical, aí é musical. Até então que modificou o próprio jazz e a gente nesse tempo ouvia os dois, sabe? Aqui o couro comia no Rio de Janeiro, é ou não é? E a gente ouvia de tudo e eles iam lá inclusive. Houve uma época em que o Trio Tamba, não sei se vocês se lembram do Trio Tamba, foi à Belo Horizonte em um festival e aí eles deram umas medalhas assim. Aí o Luiz Eça chegou para mim assim: “Eu vou te dar essa medalha não é pelo que você está tocando hoje, mas o que pode vir a ser no futuro.” Legal isso, né, um dia eu até falei para ele: “Você me deu uma medalha.” Ele falou: “Pois é, tá vendo? Assim é a vida.” E a gente ouvia muito Bossa Nova.
P/2 – Quem que você ouvia? Quais?
R – Tamba Trio, Os Cariocas, Paulo Moura, que foi meu grande protetor aqui no Rio quando eu cheguei Meireles e os Copa Cinco, Leny Andrade, que mais que tinha? Tem tanta coisa meu Deus, Tom Jobim já existia coisa dele, por aí, Luiz Eça.
P/2 – Então fala da sua participação no Paulo Moura e sua Banda Jovem.
R – Mas aí, bom, só terminar o lance porque Paulo Moura foi no Rio, isso eu morava em Belo Horizonte e o Berimbau, começou virem muitos músicos do interior de Minas, que sabia que tinha esse movimento se interessaram em ir lá conhecer, entre eles o Milton e o Wagner, eles eram do interior, eles não sabiam de nada. Bituca quando chegou em Belo Horizonte, caiu o queixo quando viu aquilo, falou: “Caramba.” Eles eram do interior.
P/1 – Uma efervescência?
R – É. Ele pegou, aqui é que jogou ele para cima. Eles chegaram em Belo Horizonte eles eram aqueles caras talentoso do interior mas sem nenhuma informação, não sabiam de nada, conosco ali é que eles, falaram: “Caramba.” E eles, e o Bituca era um, o Berimbau era um clube de música essencialmente instrumental, canário não entrava, como a gente falava na época e o Bituca era cantor, falei: “Não, cara, aqui não pode cantar. Você canta bem, ok, tudo bem, mas tem que tocar um instrumento.” Ai, arranjaram um baixo acústico, Paulinho Braga, irmão do Toninho Horta, emprestou um baixo acústico para ele, aquele grandão e ele começou tateando, mas ele era muito talentoso, acabou tocando. Ele, o Wagner e o Paulinho Braga fizeram o Berimbau Trio, que era o conjunto da casa. Isso já perto de acabar o Berimbau e era uma atração à parte, mas na gente, eu me juntei a eles e virou o Berimbau Quarteto. E eu tenho esse retrato inclusive, tenho que passar esse retrato.
P/1 – Seria ótimo até...
R – Passar esse retrato para o Márcio, eu tenho esse retrato.
P/2 – Que é com o Pacífico Mascarenhas, aquele...
R – Não, não, nada a ver.
P/2 – Não, a foto...
R – Não, Pacífico é agregado.
P/2 – ...foi depois.
R – Pacífico não participava. Pacífico é um mais velho...
P/2 – Sim, sim, é que nós estivemos na casa do Pacífico.
R – Não, o Pacífico não participou disso.
P/2 – Foi...
R – Em nenhum momento.
P/2 – Dele, ah tá, não foi no Berimbau. Foi em outro. Que tem uma foto do Bituca com um contrabaixo.
R – É história do Bituca, o Pacífico não participou dos nossos movimentos. Porque...
P/2 – Ah, tá, então tudo bem.
R -...o Pacífico é aquele cara, ele era muito rico na época. A família dele era riquíssima e ele era aquele cara que tocava, mas não se expunha, ele ficava lá na dele, ele aparecia ocasionalmente. Nós não, a gente era paixão o tempo todo, ele estava lá. Ocasionalmente ele aparecia, mais tarde ele ajudou muito o Bituca, o Milton, na carreira dele, mas aí já é uma outra história. Ele não entrou ali no nosso movimento. Em seguida do Berimbau...
P/1 – O Berimbau Trio virou quarteto...
R – Quarteto, é.
P/1 -...e vocês ainda continuaram até...
R – Aí o Berimbau quebrou. E eu, aí o Aécio Flávio...
P/1 – O bar quebrou e o quarteto se dispersou.
R – E a gente se dispersou, é, mas ficou o retrato. E o Aécio Flávio, que é um dos caras mais importantes do nosso movimento, resolveu fazer um festival dos mineiros no Rio. Não sei se vocês ouviram falar, chamava Festival da Fome. Alguém falou sobre isso, não?
P/2 – Sim.
R – Falou? É mesmo?
P/2 – Já, já falaram.
R – (risos) Isso foi muito bom. E o Aécio tinha uma namorada que ela era da JOC – Juventude Operária não sei do quê. Enfim, arranjou um lance e a gente ficou na Casa do Estudante aqui no Rio, viemos de ônibus Cometa, aquela turma, uns vinte, mas era um movimento bom, era uma turma boa. E o show dos mineiros ia ser no Clube da Aeronáutica ali perto do Santos Dumont, sabe ali?
P/1 – Sei.
R – Perto da Perimetral assim.
P/1 – Sei, indo para a Perimetral.
R – Chegamos lá no dia do show foi um horror, não tinha ninguém, estava o Márcio Borges, a tia do Elvis, dona Sissi e o porteiro. Alguém ficou com pena da gente foi lá chamou os porteiros, os caras lá de baixo: “Gente, vamos lá em cima.” Aí subiu umas dez pessoas, espalharam assim e a gente fez o show, no outro dia, a Casa do Estudante falou assim: “Olha, era até hoje, agora cada um se vira.” Pôs o povo na rua, foi um horror, não tinha dinheiro para voltar, uma coisa. Alguns ficaram por aqui, entre eles o Wagner, Celinho do trompete e enfim, uns dois ou três ficaram por aqui, Pascoal, ficaram por aqui, não sei onde aí e o resto arranjou dinheiro emprestado e voltou, foi uma coisa. O que tem de bom disso é que nós gravamos um disco que eu tenho também, eu tenho esse disco, fiz até uma cópia para o Bituca uma vez, ele chama Festival dos Mineiros no Rio de Janeiro, que é um...
P/1 – E o que é que vocês tocaram?
R – Muita coisa de Bossa Nova. Edu Lobo, Dori Caymmi, e coisas próprias.
P/1 – Já composições próprias?
R – Agora, interessante, eu estava falando com o Elvis um dia, que alguns desses já morreram, pelo menos uns cinco já morreram desse momento. Demais, né? E agora é importante falar, as pessoas mais importantes desse momento do Berimbau são: pela ordem, Aécio Flávio que mora aqui no Rio, não sei se está na lista de vocês. Não, né? Está?
P/2 – Desculpa.
P/1 – Podia retomar da onde você estava falando?
P/2 – Você estava falando da gravação aqui no Rio, que vocês chegaram ao Rio...
R – Passamos fome, mas alguém gravou. Demais isso, né?
P/2 – E era a gravadora?
R – Nós fomos para o estúdio da Polygram, sei lá aonde. Ali atrás da Sala Cecília Meireles, sabe ali? Na Gusi Disc, gravamos um disco ali. Veja bem.
P/2 – É, esse disco é uma raridade.
R – Que o Marilton Borges, irmão do Márcio foi um dos grandes precursores de todo o movimento. Não se fala no Marilton. Eu acho assim, a história registra o que tem para registrar, você não pode cobrar da história, ela está na dela, mas eu falo: o Marilton Borges foi um importantíssimo.
P/1 – Em que sentido?
R – Olha, ele era, sendo ele o mais velho da família, ele é que liderou o lance primeiramente, um cara super talentoso, ele participou desses movimentos nossos. Ele fez um quarteto vocal: ele, Bituca, o Wagner e o Marcelo, o Neneco, que era o melhor compositor da época nossa lá. Inclusive o Bituca se inspirou muito nele, Marcelo, hoje ele é engenheiro, não seguiu a vida. O Marcelo era um tremendo compositor, fazia aquela atmosfera, ele foi o primeiro a captar a música popular. Marcelo, não sei onde anda. E eles tinham uma quarteto vocal bacana para caramba, meio imitando Os Cariocas, mas enfim, era muito bom.
P/1 – mas eu queria que você falasse um pouquinho mais da sua trajetória profissional. Como você tinha mencionado o Paulo Moura.
R – No Paulo Moura eu não cheguei ainda não, vou chegar agora.
P/1 – Ainda não é o Paulo Moura?
R – Não.
P/1 – Tá.
P/2 – Aí você voltou para Minas então?
R – Voltei para Minas, voltei para Caixa Econômica.
P/1 – Você está na Caixa. Mas em que momento que você tocou junto com o Wagner Tiso e o Milton Nascimento nas festas e bailes?
R – Eu não toquei com eles. Eles é que tocaram comigo.
P/1 – Enfim...
R – Isso é tudo, absolutamente errado.
P/1 -...em que momento foi isso.
R – Isso é absolutamente o Bituca também, eles não têm culpa, né? Mas não sou eu que me juntei a eles. Eles é que juntaram a mim.
P/1 – Então conta um pouquinho.
R – Os movimentos eram feitos na minha casa. O Bituca levou o Fernando Brant na minha casa. Márcio chegou a ir algumas vezes, como meus pais eram músicos tinha ambiente bom. Então teve um aniversário meu inclusive, que o Bituca subiu na mesa, colocou a toalha aqui assim, cantou, foi muito bom isso. Ele era mais solto do que é hoje. É engraçado, a pessoa vai ficando mais velha vai se retraindo e ele era super solto nesse tempo, cabelinho cortado tipo exército, assim, tudo. E na minha casa que rolava esses encontros nossos, era muito lá, na época depois do Berimbau, que a gente voltou daqui do Rio, tinha muito encontro lá. E eu na verdade, eu nunca toquei com Bituca e com o Wagner lá, nós tocamos no conjunto do Célio Balona uma época, que era o dono e teve esse conjunto, esse grupo que chamava Berimbau Trio e depois Berimbau Quarteto. E era meu não, não tinha dono. Na verdade ninguém pretendia ser dono de nada, era um encontro de músicos. Foi isso aí.
P/2 – E com o Berimbau Quarteto é que vocês iam tocar em baile também?
R – Não, a gente fazia shows e aqueles festivais estudantis, fazia show mesmo. Aí o negócio do Berimbau já deu outra cara, outro conceito, outra postura na turma.
P/2 - Mais sofisticado.
R – Isso. Tem até uma história que uma época tinha que ser de smoking no Automóvel Clube e o Wagner não tinha gravata borboleta, alguém pegou um cinto assim, amarrou aqui assim, e ele: “ahhhh.” E aí o Bituca estava de tênis e de smoking. Foi ótimo, só que não, a fotografia não pegou o pé. A história engraçada é essa e em seguida o pessoal começou a vim embora para o Rio de Janeiro.
P/1 – Quem era? Quem seria esse pessoal?
R – Primeiro o Milton e o Wagner através desse Pacífico. Ele é que os colocou na onda aqui. Depois veio o Celinho, Pascoal Meireles, foi vindo. O pessoal foi chegando. Eu recebi um bilhete do Paulo Moura, o Pascoal falou: “Olha, tem um garoto em Belo Horizonte que toca muito bem.” E o Paulo maluco me passou um bilhete: “Eu estou sabendo de você. Quero fazer uma banda jovem aqui, queria te convidar.” E eu estava doido para sair da Caixa Econômica, foi o sinal. (estala o dedo) Eu vim correndo e cheguei aqui foi o primeiro lugar que eu toquei foi com o Paulo, em um lugar chamado Copa Leme, que hoje...
P/2 – É o clube?
R – Não...
P/2 - Na Ladeira Ari Barroso?
R – Não, não, na Princesa Isabel ali. Era um boliche, chamava Copa Leme e tinha música ao vivo. Hoje é um hotel, perto do Teatro Villa-Lobos.
P/2 – No Teatro Villa-Lobos então.
R – É ali, saída do túnel. Primeiro lugar que eu toquei no Rio, com Paulo Moura que foi o grande incentivo nosso, o Paulo foi ótimo na minha vida.
P/2 – E vocês tocavam o quê, com o Paulo Moura? Conta um pouquinho dessa influência musical do próprio Paulo.
R – Pós Bossa Nova, aquela, jazz e Bossa Nova. Jazz e Bossa Nova.
P/2 – Você continuava compondo?
R – Continuava compondo. No meu encontro com o, quando o Bituca, Wagner, Paulinho Braga, esse tempo pós Berimbau, quando a gente voltou do Rio foi o grande boom da composição foi esse, porque a gente começou a compor muito. Eu já tocava violão bem assim tudo. Apareceu Toninho Horta, que até então não se sabia do Toninho. Toninho é mais novo e esse Marcelo, a gente começou a fazer esse movimento e surgiram dois nomes também que eu acho que vocês tinham que conhecer. Um é o Chiquito Braga, não sei se está na relação. Acho que não, né?
P/1 – Quem está preparando essa relação, Nivaldo, é o próprio Márcio.
R – O próprio Márcio, mas ele sabe então. E o Valtinho. Valtinho é um baterista que hoje ele toca aqui com a Beth Carvalho, esse cara foi o maior gênio que eu conheci na vida.
P/1 – Mas qual foi o seu envolvimento com ele de...
R – Ele era o mais velho, o Valtinho, ele e o Chiquito, e era para ele que a gente perguntava as coisas, eles sabiam das coisas, Chiquito também, ele tocava com a Elizete Cardoso. Foi o primeiro músico mineiro que saiu, veio ao Rio, viajou, foi para o Uruguai, foi para não sei aonde. Então ele sabia das, trazia os discos debaixo do braço, mostrava para a gente, ele era o grande mestre, Chiquito Braga. E o Valtinho que era um cara que tinha um talento incrível e eu me lembro dele falando para o Bituca: “Bituca, você está cantando muito assim, você está fazendo muito assim. A postura não é essa.” O Bituca cabreiríssimo: “É mesmo? É?” “É, você está fazendo muito gesto, cara. Não, calma, tal. Guarda um pouco para depois.” Ele parecia diretor de teatro, sabe, dando as dicas, o Valtinho. Bituca ouvindo ele era ótimo.
P/1 – Nessa sua vinda para o Rio, você continuou mantendo contato com o Bituca, com o Wagner Tiso, como que foi?
R – Não, aí sumiu. Chega no Rio, e Belo Horizonte era uma cidade do interior, chegou aqui some todo mundo. E eu com Paulo Moura, o Bituca estava por aí, Wagner tocava em um lugar lá na Gávea, alto da Gávea, lá em cima, a gente não se via. Toninho Horta também já tinha chegado. Marilton tocava, cantava com Simonal. É com o Simonal? Acho que é isso mesmo, Marilton, irmão do Lô. E não tinha menor contato. Mas a vida aqui estava duríssima, estava uma coisa, estava muito difícil, eu voltei para Belo Horizonte. Foi aí, engraçado, essa minha volta teve um festival em 1969. 1969? 1979, eu não sei a data exatamente, mas o Márcio sabe. Foi onde eu conheci o Beto e o Lô. Nesse festival se apresentaram Túlio Mourão, Toninho Horta, Tavinho Moura. Tavinho Moura cantou uma música que se chama: “Como Vai Minha Aldeia” que a letra é do Márcio, quem cantou, o Marilton e eu fui o arranjador, escrevi o arranjo desse festival. Quem ganhou o festival foi um cantor que já morreu chamado Eduardo Conde, lembra dele?
P/1 – Hum, hum.
R – Morreu o ano passado. Defendendo uma música do Eduardo Lage que é o maestro do Roberto Carlos, veja só. Nesse festival foi muita gente aqui do Rio, foi o melhor festival daquele tempo esse festival de música em Belo Horizonte. E ali apareceram o Lô, o Beto e tinha mais um outro compositor, Toninho Horta. Enfim, esse povo todo apareceu ali, o Lô tinha dezesseis anos e o Beto, dezoito e foi aquele, sabe? O Bituca, o Bituca já conhecia os meninos, porque ele morou na casa deles, mas ali que deu o estalo de chegar para perto, porque eles apresentaram um som novo. E em seguida voltei para o Rio, já era mais ou menos conhecido. Alguém me convidou para ir para São Paulo, fui eu para São Paulo, eu e o Paulinho Braga. Chegou lá tinha uma boate chamada Stardust, conheci o Hermeto. O Hermeto chegou para mim e falou: “Pô, interessante. Vocês são de onde?” “Sou de Beulizonte.” (risos) Falou: “Ah, mas lá toca assim é?” Eu falei: “Tem gente melhor ainda.” Brinquei com ele, ele falou: “É?” Eu falei: “É, o povo lá é bravo.” Ele falou: “Ah, que interessante, olha eu estou indo para os Estados Unidos. Vou tocar com a Flora e Airton. – Flora Purin e o Airton Moreira – Quando eu voltar eu quero fazer uma super banda assim, experimental. Vocês topam tocar comigo?” Eu falei: “Claro.” Eu já tinha visto ele tocar lá e ele falou: “Então tá, então me aguarde.” Passou um tempo, eu voltei para o Rio. Teve um festival de, aquele Festival da Canção, acho que foi o último, assim, 1974 mais ou menos, 1974. O Hermeto apareceu, me procurou e falou: “Aí, vou fazer a banda. Vamos embora para São Paulo?” Eu falei: “Vamos embora”. Aí fui para São Paulo, fiquei um ano com o Hermeto, que foi o seguinte: passava fome, que não tinha dinheiro, o Hermeto não tinha público, não era conhecido, então do ponto de vista assim musical artístico era uma beleza, mas grana, zero. E a gente tocava na Fundação Getúlio Vargas, no Teatro Gazeta, Teatro Bandeirantes. Acho que nem tem mais, na Avenida Luís Antônio.
P/1 – Não. Brigadeiro Luís Antônio, não tem. (risos)
R – Isso. Vários shows com o Hermeto ali. Na USP, na PUC, para todo lado. Foi onde o Hermeto começou, foi a primeira banda que o Hermeto fez, eu participei.
P/1 – Ah, é? A primeira?
R – Primeira. Depois eu fui para Montreux com ele, enfim. Eu rodei o mundo com ele.
P/1 – E o que é que você descobriu nessa experiência com o Hermeto?
R – Foi o primeiro cara que, nessa época, já tinha um estilo assim de tocar e tudo, e ele, por isso é que chamou a atenção dele, né? Que ele perguntou: “Você é de onde? Onde é que você aprendeu a tocar assim?” Que em Belo Horizonte eu, o Paulinho Braga e outros caras a gente fazia um som que é como um pintor sem tema, o cara sai pintando o inconsciente dele, aquele expressionista que fala, não é isso?
P/1 – Hum, hum.
R – A gente fazia esse tipo de música, meio tecnicamente pobre. Mas a idéia era boa, era inovador e o Hermeto ficou impressionadíssimo, falou: “Cara, é isso que eu quero também. Tudo.” Eu falei: “ótimo, que bom.”, então ele me incentivou. E a partir dali, aí Bituca ficou sabendo que eu estava tocando com o Hermeto, ele cresceu o olho, ficou doido, falou: “Cara, você está tocando com o Hermeto, não pode. Não é possível.” Eu disse: “Estou. E tem mais uma coisa eu vou passar seis meses em Belo Horizonte estudando, porque agora que eu descobri o que é que vai dar certo.”.
P/1 – Você falou.
R – É. “Eu vou largar tudo e vou voltar, porque lá eu vou para a casa da minha mãe e vou ficar estudando lá um tempo e me preparar mais, porque agora eu sei o que é que eu quero.” Ele falou: “é mesmo é?”, “vou.” Seis meses depois, ele apareceu lá, de bigode assim, o Bituca. Em 1975, pouco antes do Milagre dos Peixes. Ele falou: “Olha, eu vou reunir a nossa turma no Rio de novo. Eu, você, Wagner, todo mundo. Topa?” “Claro, vamos embora.” Que aí a gente fez, preparou o show Milagre dos Peixes que foi gravado ao vivo, ____, foi um acontecimento.
P/1 – Mas vamos voltar ainda um pouquinho, falar um pouquinho do, em que momento que você integrou o Quarteto Contemporâneo?
R – Ah, 1967, Belo Horizonte.
P/1 – Ah, tá, bem lá atrás.
R – É. Foi esse momento que a gente tocava, falei, parecia pintura. É esse momento. É isso aí.
P/2 – Isso depois da passagem do Hermeto?
R - Não, não, isso aí foi 1967.
P/2 – Ah, bom, então antes?
R – O Hermeto foi em 1974. Bem antes, 1967 que a gente tinha esse Quarteto Contemporâneo que fazia música livre, um negócio precursor no Brasil, porque não sei por que a gente fazia.
P/2 – Só instrumental?
R – Só instrumental. Era tão pouco dinheiro, a gente andava tão duro que saía mandando qualquer uma e começou a dar certo, né? Começou a dar certo, tanto que eu tenho um disco que eu vou lançar que chama Viagem em Direção ao Oco do Toco, esse é o título.
P/2 – O nome é ótimo.
R – É. É porque é viagem para dentro, né? A verdade é uma viagem para dentro. Viagem em Direção ao Oco do Toco. E na qual o primeiro título da música chama Tipo Sair Tocando. Porque é o que é mesmo. E foi isso que chamou a atenção do Hermeto. Que ele fazia isso. À maneira dele. Hermeto é um, como se fosse um pintor primitivista sem nenhum preparo ou coisa, mas um talento absurdo. E sai mandando. Onde acertar, né? Até descobrir, inclusive, que ele é um pouco chacrinha também. (risos). Nessa época ele não tinha descoberto ainda. Depois é que ele começou a descobrir, falou: “Caramba.”
P/2 – E de arriscar mesmo. Que ele tem todo um lado que ele não tem medo de...
R – É, isso. Isso.
P/2 – Sair tentando.
R – No vídeo que eu fiz em São Paulo no Sesc, que a minha mãe participou, tem um momento, meia hora, eu e Hermeto fizemos isso. Está gravado lá, não é mentira. Está lá gravado.
P/1 – Além do Hermeto você já tocou com vários outros músicos, intérpretes. Fala um pouquinho dessa tua experiência.
R – Cantores muito poucos. Na verdade com quem eu trabalhei realmente foi com o Gismonti, o Egberto Gismonti, que eu fiz mais fora do Brasil que aqui mesmo, com ele. Com o Hermeto que eu viajei bastante. Com o Bituca, o Milton. Quem mais?
P/1 – Internacionais? Teve experiências...
R – Ah não, eu passei, passei boa parte da minha vida nos Estados Unidos com o Airton Moreira e a Flora, por causa do meu trabalho com o Hermeto e com o Milton. E a Flora mandava muito recado pelo Robertinho: “Fala para o Nivaldo que eu penso muito nele.” Eu falei: “Oba.” Eu pensava que ela estava pensando de outro jeito. Mas era só musical mesmo. (risos)
P/2 – (risos)
R – E passei um tempo lá com eles e foi isso.
P/1 – Voltando um pouquinho para os anos 1970. E sobre o Som Imaginário, o que é que você tem a falar?
R – Não, o Som Imaginário, depois do nosso trabalho com o Milton, Milagre dos Peixes foi depois do Milagre dos Peixes a gente gravou um disco Minas, e o Milton foi para os Estados Unidos gravar com o Wayne Shorter. O, como é que chama o disco?
P/1 – Wayne Shorter e Herbie Hancock, não é?
R – Isso, que o Robertinho participou...
P/1 – Não é em Minas, é? É, Milton, que até é a gravador Wel.
R – É, não lembro direito.
P/1 – Eu tenho isso, o adoro.
R – enfim, bom, deixa eu ver...
P/1 – A gente estava falando do Som Imaginário, a sua participação no conjunto.
R – Eu falei com o Wagner, eu falei: “Wagner, o Bituca está com a carreira dele consolidada. Deixa ele na dele. Vamos fazer o Som Imaginário instrumental, cara. E tem uns caras aqui que não têm nada a ver. É Zé Rodrix, esse pessoal não tem nada a ver, deixa eles para lá, que eles querem fazer performance. Nós somos músicos, eles são performáticos, quer fazer graça. Nós não queremos fazer graça, queremos fazer arte, poxa.” E aí foi um choque ferrado. E o nosso primeiro produtor sabe quem foi? Serginho Groisman.
P/1 – Olha.
R – Aquele da, tenho retrato com ele inclusive. Que ele era de uma faculdade que tinha...
P/1 – Do Equipe, ele era do Equipe. Do Colégio Equipe.
R – Ali na Rua Augusta no princípio assim?
P/1 – É.
R – Puta, era ótimo aquilo ali. Fizemos altos concertos.
P/1 – Titãs saíram de lá também.
R – Fizemos altos concertos ao ar livre ali. Puta, tinha uma igreja que batia um sino seis horas, era muito bom ali. E aí a gente rodou o Brasil. Eu tenho as fitas inclusive. Foi o primeiro grupo de música instrumental no Brasil, assim, música instrumental mesmo e que tinha concerto, tinha agenda e tudo. A gente rodava por aí.
P/1 – Mas qual era a formação do som imaginário no período que você atuou?
R – Instrumental?
P/1 – Não, quem eram os integrantes?
R – Não, eu atuei primeiro no Milagre dos Peixes que foi gravado em São Paulo, inclusive, ao vivo. Não sei se você assistiu o concerto?
P/2 – Não, não assisti não.
R – Não pegou não.
P/2 – Não.
R – É, já tem trinta anos, você não era nem nascida. (risos)
P/2 – Eu era pequena. (risos)
R – E ali era Luís Alves, Robertinho, Toninho Horta, Wagner e eu. Nesse período era isso. Depois aí saiu Robertinho e Luís, entrou Paulinho Braga e Jamil Joanes que foi a turnê instrumental. Durante um ano. Foi bacana demais. Fazia altos shows aqui no Mam. Você pegou o tempo do Mam ou não? Que tinha shows?
P/2 – Eu me lembro das minhas irmãs indo mais também.
R – É, Fizemos muitos shows no Mam.
P/2 – Eu peguei só o finzinho.
R – Não, mas foi até 1985, mais ou menos foi.
P/2 – Peguei alguma coisa assim.
R – É, fizemos muito show no Mam, na PUC da Gávea.
P/2 – Na PUC.
R – Rodamos para caramba, muito. E muitos, fizemos a cabeça de muita gente por aí, ‘nego’ ia lá ver mesmo. Todo lugar que ia a rapaziada do lugar, porque tem isso, os caras iam lá ver mesmo. E achava que aquilo era aquilo ali mesmo.
P/1 – Agora, Nivaldo, você falou que você faz parte do movimento que deu origem ao Clube da Esquina, né?
R – É o movimento Berimbau.
P/1 – Que é o bar Berimbau, que é o movimento Berimbau.
R – Com certeza.
P/1 – Então queria que você falasse um pouquinho...
R – Dessa fusão.
P/1 -...do nascimento. Do que é que é, como é que foi esse nascimento para você de conhecer essas pessoas que fizeram o Clube da Esquina. Principalmente como você conheceu os Borges.
R – Ah, tá.
P/1 – Da onde que veio o início dessa química para o Clube da Esquina propriamente dito.
R – Quando tinha um movimento, quando o Berimbau, pós Berimbau, aliás, que aí já conhecia o Bituca, o pessoal todo a gente ia muito a casa desse Valtinho. Que eu te falei que o cara era agregador. E na minha casa. Ali o Bituca, sempre foi um cara, andava sempre com gente do lado. É muito interessante o Milton. Ele primeiro andou com Márcio, depois andava com o Fernando, depois eu lembro ele andando com o Nelson ngelo. Nelson ngelo novinho assim, carinha de menino, cabelo. Hoje ele não tem cabelo, já falaram com ele, não?
P/1 – Não.
R – Com o Nelson? Ainda não, né?
P/2 – Já, vamos falar. Está aqui na ____
R – Eu lembro o Bituca andando com o Nelson, assim, e tudo. Então o Lô era um menino, o Lô é bem mais novo. Não sei bem, mas pelo menos uns oito anos mais novo que eu, ele é com certeza. Mas nessa época faz diferença. Eu tinha dezoito, ele tinha dez, faz muita diferença, hoje, não faz nenhuma. E começou aquele movimentozinho pós Berimbau. Mas isso só foi acontecer realmente em 1971, que o Bituca pegou essa meninada levou para um lugar chamado, se não me engano Mar Azul, não sei o que é que é.
P/1 – Mar Azul.
R – Isso. E ali de 1971 a 1973 mais ou menos ficaram por ali. Foi muito bom, porque ali eles convívio, né? Sabe, aquele movimento foi espetacular aquilo.
P/1 – Você chegou a ir à casa do Mar Azul?
R – não, não. Porque eu não gostava da onda do Bituca, aquela mexida dele. Eu estava fora, eu era outra turma. Não queria saber daquele povo, não queria saber. Tanto que eu não tenho amizade com o Lô, o Beto, eu não tenho amizade com eles, nenhuma, não somos inimigos, mas não tem mexida, porque eles ficavam para lá, a gente ficava para cá. Eu era da turma do jazz.
P/1 – A praia musical era outra, é isso?
R – Completamente. É. E eles, eu não sei explicar. Mas são movimentos separados. Nem melhor nem pior, mas diferentes. Eles ficavam para lá. Quando o Bituca foi gravar o disco Clube da Esquina, aquele disco que tem uma garotada na capa sabe? Eu estava em São Paulo com o Hermeto. E ele: “Pô, cadê o Nivaldo?” Porque o Bituca é muito, ele me prestigiou muito sempre. É um negócio, nós temos uma história assim que, quando é, é, sempre foi, engraçado. Ele me procurava sempre, falou: “Que é de Nivaldo?” “Nivaldo está em São Paulo com o Hermeto.” “Ah, eu quero trazer o Nivaldo para o Rio para gravar.” “Ah, não pode porque é muito caro, não sei o quê.”, “Não, mas tem que vim.” Me procuraram, eu vim gravar o Clube da Esquina, já estava germinando isso, já estava essa turma. Era muito engraçado, porque era muito hippie o povo, muito Woodstock, sabe? A turma. Isso era muito legal, “nego” caído no chão de chinelo, calça de pijama. Já estava nessa, sabe?
P/2 – Você chegou a ser hippie também assim, não?
R – Não, eu era “caretaço”. Engraçado, eu não, eu sempre fui sozinho. Não entrava na onda, olhava de fora, não entrava. Mas ‘nego’ queimando fumo lá, “fuuuuu” sabe? Aquela onda. (risos) Era muito bom. E eu gravei esse Clube da Esquina, foi quando eu falei com Bituca que ia voltar para Belo Horizonte para estudar um pouco, preparar mais e tudo. E eles ficaram, foram para esse Mar Azul e ali germinou tudo. E aí entrou mais o Tavinho Moura, Toninho Horta, Tavito, o Lô, o Beto. Eles começaram a entrar mais, mas o que originou isso foi esses encontro nossos, pós Berimbau que tinha de mostrar música. Era uma maravilha. Que todo mundo copiava todo mundo e era altamente saudável.
P/1 – E você denominaria o Clube da Esquina como movimento musical? Você, pode-se dizer que é um movimento musical?
R – O Clube da Esquina? Vou só ilustrar uma coisa para você. Uma vez eu fui com o Egberto, eu fiz muita turnê na Europa com o Egberto, vários anos. A gente foi em um lugar, interior da França. Não sei se é Nice, Lion, sei lá. Tinha um bar chamado Minas Gerais. Bar Minas Gerais. E tinha o nosso pôster na parede. Tinha mesmo, são negócios assim...
P/1 – Nosso de qual?
R – Todo mundo. Essa rapaziada nossa toda.
P/1 – Do Clube da Esquina?
R – É. O Clube da Esquina, depois da Bossa Nova, é o maior movimento musical surgido no Brasil em todos os tempos.
P/1 – Por que, Nivaldo?
R – Por quê? Eu falando de dentro é fácil falar, né? Mas a verdade é que do ponto de vista musical, por exemplo, houve um, esse do Gil, Tropicalismo, que é um movimento social. Não é um movimento social, musicalmente é pobre, em minha opinião. Pobre, é quase que inexpressivo. Mas do ponto de vista social, não, puta movimento, é ou não é? Agora, o Clube da Esquina é um movimento essencialmente musical, artístico musical. E altamente profundo, de ser copiado no mundo inteiro. Eu estou falando isso porque eu vi ao vivo. Eu já fui ao Japão, eu já fui para todo lado e tem seguidores para todo lado. Para você ter uma ideia, isso há uns dez anos atrás, eu estava passando Natal na casa do meu pai em Belo Horizonte, apareceu um, na noite de Natal apareceu uma menina que eu conhecia com um cara, cara de gringo assim. Aí ela falou: “Olha, tem um americano querendo falar com você.” Eu falei: “Mas hoje? Porra, noite de Natal, cara? Espera aí, né, na minha casa.” “Ah, não, mas ele vai embora e quer falar com você.” Cheguei lá é o pianista que toca com o Pat Metheny, o Line Mays., o cara me beijou, ele falou: “Cara, que prazer.” Eu falei: “Meu Deus. Calma.” “Não, eu vim cá. Queria conhecer você, tudo. E eu quero conversar sobre Clube da Esquina.” “Então está bom, vamos lá.” Queria sair para tocar, nós fomos tocar em um lugar chamado Pianíssimo lá Belo Horizonte, saímos na noite de Natal, fomos tocar, depois ele falou: “Eu queria que você me levasse no Clube da Esquina, aonde vocês se reuniam.” Na verdade existia, existe, né, uma Rua Divinópolis, que é a rua do pai do Marcinho, seu Salomão. Com acho que é, não lembro isso não.
P/1 – Paraisópolis.
R – Um lugar horroroso. Tudo ________ assim, um lugar, vocês já foram lá?
P/1 – Eu fui.
R – Não existe aquilo lá.
P/1 – Não? Tem uma placa. (risos)
R – Puta, mas aquilo ali, eu não sei se eu estou enganado, é feio? Desculpe falar, parece a redor de São Paulo. Parece Barra Funda não sei do quê, Grota Funda.
P/1 – Mas é feio mesmo.
R – Não parecem assim, aqueles arredores assim. Eu falei: “Cara é aqui.” Nós fomos de táxi, eu falei: “Olha aí.” Ele falou: “My God.” “Eu te avisei,né?” Mas para você ver o alcance do lance. É muita gente. O Idris, você conhece o Idris, o saxofonista que mora aqui no Rio, o francês?
P/2 – Só de nome.
R – Bordeaux? O Idris falou para mim: “Olha, eu cansei de copiar coisas que você gravava com o Bituca, quando eu morava em Paris. Cansei.”.
P/2 – Você consegue dar algum assim, algum exemplo de como o próprio Clube da Esquina se diferencia musicalmente? O que é que faz ser diferente e mais rico que um Tropicalismo, por exemplo?
R – Não, para falar em, em termos de Tropicalismo não dá nem comparação, musicalmente. Para você ter uma ideia os músicos de jazz americano, o jazz é uma música altamente elaborada paralela à música erudita. Os músicos de jazz estão ligados no Clube da Esquina, eles nem sabem de Tropicalismo, conhecem o Caetano mais pelo folclore dele, mas não pelo valor musical, mas como o artista. Mas é porque o seguinte, em Minas Gerais o ciclo do ouro, a igreja que era dona do ouro e os cristãos-novos, que foram os judeus convertidos, que vieram atrás do ouro também, esse povo trouxe toda a cultura. A melhor cultura que tinha na Europa um tempo. Não sei se vocês já leram alguma coisa a respeito.
P/1 – Hum, hum.
R – Tem um livro que chama Resíduos Seiscentistas em Minas, que fala muito disso, o escritor chama Afonso Ávila. E tem um livro do Eli Box, inglês, que a Brasiliense, ele fala muito disso também. Os caras trouxeram o que tinha de melhor. Não só na música, no teatro, enfim, em tudo. Então a, o que vem lá de trás é coisa boa. E isso foi se elaborando, entendeu? Nesse tempo, nessa época que o ensino no Brasil, a, o ensino de música, o ensino de um modo geral era muito bom coincidiu de reunir essas pessoas. E enfim, assim como eu tive essa escola boa de música teve, tiveram outras. Isso gerou um fruto bom. Que nem São Paulo hoje, São Paulo hoje tem ótimas escolas de música. O resultado disso mais na frente vai ser muito bom.
P/1 – Agora, descreve para a gente a cena muito interessante de você no estúdio, chegando para gravar o Clube da Esquina 1, e você chega um rapaz erudito, e vê aquele bando de hippie de calça de pijama?
R – (risos)
P/1 – Conta um pouquinho.
R – Mas eu já era mais, eu já queimava um fuminho de vez em quando. Eu já era mais, mas era. Para você ter uma ideia uma vez a polícia entrou no estúdio. Os caras mandaram um cara buscar um fumo lá no morro, não sei quem. O estúdio da Odeon era na Rio Branco. Assim já no finalzinho da Rio Branco ali. Hoje tem umas companhias aéreas. Sabe ali? Antigamente tinha o Palácio Monroe ali. O cara foi queimar o fumo, buscar um fumo e a polícia foi atrás do cara. Chegou lá, o cara foi com o carro do Robertinho...
P/2 – Devia ser meio visado, né? Músico.
R -...e o cara foi com o carro do Robertinho. Robertinho se ferrou nessa. O Careca, o Careca foi buscar um fumo. Agora você vê, que loucura.
P/1 – Mas como que era esse processo criativo, Nivaldo? Vocês já tinham um tema, alguém trazia já esse tema. Uma das canções, uma das músicas do Clube e vocês desenvolviam? Como que era o processo de criação?
R – É, bem assim, bem assim.
P/1 – Conta um pouquinho.
R – Isso começou inclusive na minha casa. O Bituca ia para minha casa, ele e o Paulinho, a gente passava tardes e tardes, nessa época era birita. A gente ficava ali trocando ideias noite adentro. A minha mãe chegava, abria a porta: “E aí?” Eu falava: “Ah, pois é.” E pá, pá. Pá. O Wagner Tiso a avó dele morava na minha rua, dona Clara. E então a gente ficava ali, noites e noites que funciona, sozinho você não consegue nada. Se não tiver troca de informações ninguém anda. Não é assim que funcionam as coisas?
P/1 – Mas tinha muito improviso no próprio estúdio?
R – Muito. Tinha, tinha também. Tinha.
P/1 – Era ______
R – Mudavam-se as coisas na hora. Bituca, era muito engraçado que o Bituca tomava todas, ficava deitado em um canto, parecia um mendigo assim, eu falava: “Cara, não é possível.” Daí a pouco ele levantava e cantava divinamente, era um negócio tão absurdo. Ele estava assim jogado, parecia um saco de batata em um canto. Era, ficava Marcinho, todo mundo, ‘loucaço’ para cantar. Daí a pouco levantava o Bituca cantava, mas era um sol. Era um negócio assim, nossa. Você vê o resultado que...
P/1 – O Robertinho contou aqui para a gente que foi um grande prazer participar do Clube da Esquina, porque ele tinha total liberdade de criação. Podia fazer o que ele quisesse. O que você sentiu também nesse momento?
R – Exatamente o que ele falou. Eu acho, inclusive, que o Robertinho ele enriqueceu muito a música do Milton. A parte assim percussão de tambores. Robertinho é a África pura, né? Sabe, ele é África pura, isso vem com ele. Vocês precisavam ver Robertinho no palco, ele é surpreendente e Bituca ficava era rindo, ele ri meia boca, né? O Milton tem isso. É meia boca assim, está gostando e deixava, ele deixava rolar. Por isso que praticamente o único cara cantor que eu toquei na minha vida foi ele, porque tinha uma cumplicidade, as coisas aconteciam. De repente estava pronto uma música, um disco ele falava: “Não é nada disso. Vamos começar de novo.” Traz mais uma garrafa de uísque, enfim. E ‘nego’ tomava todas, passava mal, era uma confusão, mas as coisas aconteciam.
P/1 – E o que é que era o Clube da Esquina para você? Aquele momento da sua vida?
R – Não era, não tinha esse nome. Não tinha esse nome. Esse nome é um rótulo que apareceu depois, não se cogitava disso. Assim como o Berimbau, ninguém pretendeu formar nada. Formou-se, engraçado.
P/2 – Quando o Milton te chama, ele te chama: “Vem fazer um disco?”.
R – Não, não, o próprio Bituca, Bituca sempre foi um cara agregador. Uma vez eu falei para o Paulinho Braga, é um cara que vocês têm que entrevistar mesmo. Ele sabe tudo o que eu sei e um pouco mais, ele mora em Nova Iorque, mas dá-se um jeito. Mas o Bituca ele sempre foi muito agregador, ele sempre andava com a patotinha dele, tchan e eu falei: “Paulinho, o Bituca está aqui mas ele não está aqui. Ele está longe. Nós estamos aqui, olha a carinha dele. Ele está pensando alto.” Falou: “Filha da mãe, quer dizer então que é isso que você acha?” “Ah, é. Ele quer mais, ele quer o estrelato. Ele quer, nós não queremos. Ele quer.” E isso é uma coisa de cada um. A gente só pensa na música, ele está pensando no depois, sabe como é que é? E é verdade. Mas ninguém pretendia fazer nenhum movimento, esse Clube da Esquina eu só fiquei sabendo que chamava Clube da Esquina depois que o disco Clube da Esquina saiu lá por 1973, por aí afora, 1974 eu acho.
P/1 – Porque até então o que é que era aquela reunião de músicos?
R – Não tinha nome, não tinha nome, era os mineiros. E o povo aqui no Rio de Janeiro era muito engraçado, eu sofri muito aqui porque o pessoal todo: “Pô, mineiro é filha da mãe. É uma moita ferrada.” Uma moita significa: “Tudo na encolha” não é? É ou não é? Não sei se você...
P/1 – Hum, hum.
R -...acha isso. Mas realmente era um, chamavam os judeus mineiros. A gente era chamado judeus mineiros aqui, porque o povo israelita também é assim, bastante, e era assim.
P/2 – E você sentia essa identidade também ou era com o resto do grupo ou...
R – Como assim?
P/2 – Essa mineiridade? Ou, esse olhar de fora...
R – Eu sentia, eu conseguia olhar de fora e de dentro.
P/2 – Você achava que era um olhar de fora ou sentia isso também como alguma coisa verdadeira?
R – Eu conseguia olhar de fora também e eu sabia que eles tinham razão. Robertinho e Luís cansaram de falar isso. “Cara, não é mole hein? Pelo amor de Deus. É todo mundo ó, cabeça ruim. Porque é muito pirado, mas ao mesmo tempo todo mundo fechado.” E o povo aqui no Rio de Janeiro não aceita, porque carioca é muito aberto, né? É diferente, é o oposto. Mas com o passar do tempo, a gente foi aprendendo a maneira de vida aqui, a verdade é essa.
P/2 – Nivaldo, quais as influências mineiras que você identifica no disco Clube da Esquina 1?
R – Todas. Todas, tudo. O conceito, o conceito. Com o meu próprio trabalho, absoluta, eu nunca pretendi ser, mas é absolutamente. Porque é verdadeiro, verdadeiro. Estou falando contando a minha história, assim como o povo do Clube da Esquina conta a sua história.
P/2 – Então, mas conte o que você identifica? Quais elementos, quais movimentos?
R – Minas Gerais são muitas, a música é religiosa, introspectiva. Atmosfera de enlevo e de fé, aquele negócio intimista está presente. As Folias de Reis, as Congadas. Minas Gerais, talvez, não sei se vocês sabem, eu tenho uma música que chama Nova Lima Inglesa. Por que Nova Lima Inglesa? Assim como Rio de Janeiro foi colonizado pelos franceses, Minas Gerais foi colonizado pelos ingleses. Por quê? Porque o ouro era de lá, mas quem sabia extrair o ouro era a Inglaterra, são os ingleses. Eles é que tinham o know how. E a Inglaterra naquele tempo era...
[Fim do CD 01]
R -... os Estados Unidos hoje. Estados Unidos hoje é a grande potência, naquele tempo era a Inglaterra. A Inglaterra que implantou as estradas de ferro em Minas Gerais. Tanto que trem, mineiro não fala muito trem? Trem é train, uai de mineiro é who i? E Nova Lima, que onde tem a São João Del Rey Mine Company, que é a mina de Morro Velho, que ao lado de Belo Horizonte. Ali era uma vila de ingleses. Eu cansei de ir lá à minha infância era como se fosse à Inglaterra. Anos mais tarde eu fui à Inglaterra, eu falei: “Olha, cara, agora que caiu a ficha.” Aquilo ali era um pedaço da Inglaterra.
P/2 – Diamantina também.
R – Não, não. Diamantina não. Diamantina é mais, Diamantina é norte.
P/2 – Mas tem o lado inglês também, tem influência inglesa também.
R – É, mas lá não cheguei a ir. É provavelmente, porque eles é que extraiam, então eles colocaram estrada de ferro. O povo lá falava inglês direto nesse tempo e eles trouxeram a cultura medieval, rei Arthur. Trouxeram ela para Minas Gerais, sabe aquela música medieval inglesa? King _______, aquelas coisas. Trouxeram tudo aquilo. Quando apareceu o rock inglês nas Minas Gerais que é o Gênesis, o Focus, o Yes, Jethro Tull, vocês devem ter ouvido isso muito.
P/2 – Hum, hum.
P/1 – Os progressistas.
R – Nós fazíamos isso lá sem ouvir os caras. O primeiro disco do Gênesis que pintou em Minas Gerais eu que ganhei esse disco. Aí eu levei para a turma e falei: “Olha aqui.”, os caras: “Pô, os caras estão copiando a gente. Que onda é essa, olha só.” A gente achava que eles estavam copiando e tinha muito Beatles. Inclusive o Lô mais o Beto, foram muito assim, influenciados pelos Beatles. Mas antes de aparecer discos dos Beatles, faziam-se canções por lá, parece uma loucura, pretensioso, mas não é, é verdade, porque veio antes, veio antes. Os ingleses levaram toda aquela cultura inglesa que é muito rica, né? Cultura inglesa na Europa, em minha opinião, é a mais rica que existe. A cultura medieval pós, aliás, medieval não, renascentista que é assim 1600, 1700 por aí.
P/1 – E do disco em si tem alguma música em especial que você gosta mais? Que você...
R – De qual disco? Do meu disco?
P/1 – Do Clube da Esquina 1?
R – Do Clube da Esquina 1? Deixa eu lembrar, porque eu não ouço esses discos mais, né?
P/1 – Mas que da época tenha ficado para hoje?
R – Uma vez, o Marilton, quando eu voltei para Belo Horizonte para estudar, o Marilton chegou para mim – o Marilton, vocês sabem quem é o Marilton – tocou uma música. Era música que o Lô fez para o John Lennon, aí tocou para mim. Eu falei olha que interessante isso, aí anos mais tarde, no disco apareceu: “Você...” como é que é? (cantarola) “ta, rá, rá...” Era essa música. Isso aí é bem Minas Gerais. Mas tem a música chamada Clube da Esquina que eu acho que ela representa fielmente o espírito musical do Clube da Esquina. A música do Clube da Esquina número 1. Que é uma música do Lô e do Márcio.
P/1 – Por que é que você acha que ela representa?
R – Ah, porque ela é super sofisticada. Diferente, inovadora. Eu acho que tudo começou ali.
P/1 – Tem uma fase do Milton, em 1970, 7196, que ele aponta uma busca diferenciada de um som brasileiro na música popular, né?
R – Hum.
P/1 – Fala um pouquinho a respeito disso.
R – De 1970 a 1976?
P/1 – Isso, com...
R – Mas você fala não mineiro de um modo geral?
P/1 -...Milton, Clube da Esquina, Milagre dos Peixes. Ele passa a buscar uma...
R – Não, mas digamos assim, falando só de Milton?
P/1 – Sim. Falando de uma fase do Milton nesse período de 1970 a 1976.
R – Foi o melhor período dele, né?
P/1 – Oi?
R – Foi o melhor período do Bituca. Em que ele gravou as coisas que ele fez lá em Belo Horizonte, conosco e os melhores momentos que eu acho que é o seguinte, é esse, Milagre dos Peixes ao vivo. Foi gravado ao vivo no Teatro Municipal de São Paulo. Em seguida o disco que eu acho que é o, é a síntese de tudo que é o disco Minas, que foi um disco de laboratório, todo mundo deu palpites. Esse disco é memorável. Ouçam por favor, viu? Já ouviu ou não? Minas?
P/2 – Hum, hum.
R – Já ouviu?
P/2 – Já.
R – Mesmo? Opa, então está bom.
P/2 – Um bando de irmão que era tudo também (risos) louco, fãs sempre, desde sempre. Eu cresci também ouvindo.
R – Agora é interessante que nós na época, a gente não acreditava muito nisso. Muito interessante. Você faz, mas não sabe o que fez.
P/2 – Não acreditava em quê?
R – Não tinha noção do alcance das coisas. O cara chegava e falava para mim: “Cara, isso é...” Eu falava: “Mas espera aí, eu não estou enxergando isso tudo que você está falando. Não tem cabimento.” “Não, mas é.” Olha, para você ter uma ideia, por causa desse disco nós todos viajaram para tudo quanto é lado. Por causa desse Minas aí. Isso aí foi um estouro na época. Se bem que o país era outro também. Tem que levar em conta isso.
P/1 – O Minas é o que tem um perfil, tem o Milton...
R – Tem a cara do Bituca assim...
P/2 – O Milton...
R - ...o narizão assim.
P/1 – Ah, tá, de frente, não de perfil assim.
R – Meio prateado, é meio prateado.
P/1 – Tá, é maravilhoso esse disco.
P/2 – Maravilhoso o disco.
R – Maravilhoso, uma obra prima cara. Aquilo é, assim, um quadro do Salvador Dalí, do Picasso, sabe assim, sabe?
P/2 – Hum, hum.
R – Porque era assim, porque é verdadeiro. O Bituca, ele, segundo a história dele contada para mim por ele próprio, ele na verdade está, conta um pouco da história dele ali. As coisas, o que ele sofreu, o que eu vi ele sofrer de racismo, de intolerância. E vai por aí afora, né?
P/1 – Você chegou a presenciar?
R – Muito.
P/1 – Aqui no Rio ou em Belo Horizonte?
R – Em tudo quanto é lado. Em Belo Horizonte, tinha um lugar que chamava Candelabro, na época pós Berimbau, que a gente não podia, lá era o único lugar que podia tocar, era uma boate caretíssima, em Belo Horizonte e tinha uma lista dos que não podia entrar. O Elvis tocava nesse lugar, eu falei: “Ô, Elvis, arranja um jeito de a gente ir lá tocar um pouquinho.” Tinha uma lista dos que não podiam entrar, porque era persona non grata.
P/2 – Com nomes mesmo?
R – Com nomes do porteiro. “Nivaldo, você não pode. Bituca, ih, esse nem se fala.” Não podia entrar, a gente ficava lá fora, quando vinham os artistas do Rio, e tal, iam lá, se apresentava nesse lugar. A gente ficava lá fora, não podia entrar, era um preconceito fudido. E o Milton, o lance do racismo, nossa mãe, eu vi coisas e coisas.
P/2 – Mas Nivaldo, como é que você percebe essa música, aqui se falou muito de toda essa mineiridade, né? Do próprio Clube da Esquina...
R – Hum.
P/2 - ...da sua música, do Milton. E como é que você percebe essa música com um olhar mais, inserido no próprio país, no próprio Brasil? Como é que ela se relaciona ou como é que ela....
R – Ela não é para agora, ela vai ser descoberta mais tarde. Ela não é para agora. O Brasil...
P/2 – Eu acho que você subestima, ela já foi descoberta...
R – Não....
P/2 - ...mas eu quero saber como você vê essa relação com o resto do país também.
R – Não, ela passa despercebido.
P/2 – Como é que ela se insere?
R – Não se insere.
P/2 – Nem conversa com outra, outra...
R – Só o pessoal, veja bem...
P/2 – Você acha que...
R - ...o Brasil quando o, isso aconteceu era outro Brasil. Era um Brasil mais educado, educação era prioridade. O país hoje comporta esse tipo de música, faz a menor diferença tocar ou não, ninguém quer saber, é ou não é? Ninguém quer saber desse tipo de música, isso é mais para a frente. Eu acho, por exemplo, o Toninho Horta, é o maior compositor brasileiro de todos os tempos. Juntamente com o Milton, mas o Milton é mais o intérprete, a voz. Coisa, um gênio, né? Agora, o Toninho Horta, hoje por exemplo, o Toninho não tem espaço, ninguém fala nele. Se ele parar de tocar hoje não faz a menor diferença no Brasil? Faz? Não faz. Ninguém quer ele, não faz diferença. Quer até meia dúzia de quatro, mas não se insere no contexto brasileiro. O Brasil ficou brega. O Brasil bregou de vez, se é que estamos falando do Brasil, porque paralelamente a música...
P/2 – Para a venda, eu acho, foi pobre agora pergunto para você entre o próprio meio musical, eu acho que tem um reconhecimento...
R – Não, muito.
P/2 - ...eu acho que tem um...
R – Tem, tem. Mas aí...
P/2 – Isso que eu estou te perguntando. Como é que é essa conversa....
R – Mas isso é um por cento da população, isso é um por cento da população, eu tenho o maior respeito, puxa vida, para todo lado, para você ter uma idéia, você quer ver os caras que foram influenciados por mim? Eu falo no meu caso, que hoje são músicos, saxofonistas por exemplo, só para você ter uma idéia. O Chico Amaral do Skank começou sob o meu, né? O George Israel do Kid Abelha, o PC do Lulu Santos, o Zé Nogueira que toca com o Ney, o Léo Gandelmann, o Léo era meu fã. Assim, eu não estou falando isso assim, “coisando” ele não, mas é uma verdade, nós somos amigos hoje, esses caras começaram a tocar sob a nossa influência.
P/2 – Mas isso que eu estou te perguntando, então tem uma conversa?
R – Não, tem um respeito, uma admiração muito grande.
P/2 – Eu não estou falando nem do que se vende, do que...
R – Não, tem um respeito e admiração muito grande e até mais fora do Brasil. Mas agora, Clube da Esquina no Brasil, essa música, não faz a menor diferença, isso vai ser descoberto verdadeiramente, lá na frente, daqui cinquenta anos. “Ah, olha só”, aí sim, vai cair a ficha. Agora não tem menor condição, porque junto com um tipo de coisa dessas vem a educação, saúde, as prioridades que isso é resultado disso, a música não vem sozinha, ela não vem sozinha.
P/1 – Mas já falam que existe uma terceira geração aí, pós Clube da Esquina que são exatamente as novas bandas, esses grupos de Minas.
R – Não estou vendo não. Não estou vendo não.
P/1 – Skank, Pato Fu.
R – Acho que não tem nada a ver.
P/1 – Não?
R – Não tem nada a ver, querida. Absolutamente nada. Desculpe, mas eles...
P/1 – Não, é, qual é a sua posição a respeito?
R - ...eles são muito bons, mas eles parecem um grupo da Dinamarca. Que diferença que faz? Não tem nada a ver, não vejo.
P/1 – Então você acha que não estão bebendo nessa fonte?
R – Não, não tem como beber, porque não tem condições para isso, isso é coisa que o vento leva fácil. Eles são talentosos, a gente não pode, né? São bem intencionados, são verdadeiros, mas não tem nada a ver. Azar deles de não quererem beber nessa fonte, porque é, o mundo inteiro quer. Mas não depende deles, porque o momento atual é pobre.
P/1 – Agora, Nivaldo, voltando um pouquinho para o período Clube da Esquina, você chegou a participar dos shows mesmo, do lançamento do disco, não?
R – Qual disco?
P/1 – Do Clube da Esquina 1. Ou você só ficou...
R – Deixa eu lembrar. Cara, pensar isso, são tantos eventos, não lembro. Sinceramente não lembro.
P/1 – Que teve em BH lançamento do disco propriamente dito.
R – Porque nessa época eu estava tocando com o Hermeto, né, não lembro. Eu sei que eu gravei dez discos com o Milton. dez discos.
P/1 – Então depois do Clube da Esquina você voltou para São Paulo? Qual foi sua trajetória?
R – Não, eu estava tocando com o Hermeto em São Paulo, vim e gravei...
P/1 – Você só gravou?
R – Eu e Naná. O Naná também já estava não sei onde, que é um cara também que vocês têm que falar com ele muito, é o Naná Vasconcelos, que também enriqueceu muito a música do Milton. Eu vim e voltei, eu só comecei a participar do Som Imaginário mesmo em 1974, a partir do Milagre dos Peixes, que aí a gente rodou bastante e depois eu ocasionalmente eu gravei com o Bituca, viajei, fiz muita turnê com ele na Europa para tudo quanto é lado.
P/1 – E depois você parte para uma carreira solo?
R – Todas as vezes que eu toquei em uma cidade que o Milton está, ele foi lá. Isso foi muito bacana na minha vida, eu sei que tem uma história.
P/1 – Qual é essa história?
R – Todas as vezes. Inclusive o último no Mistura Fina, Bituca estava lá, ele estava até meio doente, mas ele foi. Demais, né?
P/2 – Bonito, né? Uma ligação mesmo.
R – Muito, muito. Belo Horizonte, São Paulo uma vez no Masp. Tocava muito no Masp, tinha uns projetos lá, meio-dia. Não tem mais, né?
P/1 – Não, infelizmente.
R – Enfim. Muita, minha vida foi muito São Paulo também. Engraçado.
P/1 – E a partir daí você partiu para uma carreira mais solo? Em que momento você gravou seu primeiro disco solo?
R – 1978, meu primeiro disco solo.
P/1 – Qual é?
R – Portal dos Anjos, que é uma mexida lá nas Minas Gerais assim, que doía para caramba.
P/2 – No barroco mineiro?
R – Muito. Eu fui altamente criticado por isso, os caras ficavam: “Porra, você é músico de jazz fazendo um negócio de Minas Gerais?” Ivan Lins, inclusive, queria até brigar comigo.
P/2 – (risos)
R – “Pô, Minas Gerais está caindo – ele falou – Minas Gerais está caindo aos pedaços”, falou para mim. Eu falei: “Você está caindo aos pedaços.”.
P/2 – Ela vai continuar lá muitos anos. (risos)
R – É, o Ivan. Mas passou, enfim.
P/1 – Tem a ver com as construções do barroco mineiro? Você acha assim? Construções musicais? Tem alguma ligação com o barroco mineiro?
R – Sempre tem, vem de lá, vem de lá. O Brasil, na minha opinião, o Brasil é o seguinte: São Paulo por exemplo carrega o Brasil nas costas, mas não tem, não tem lastro cultural próprio, porque são vários países ali dentro. São Paulo é Nova Iorque no Brasil, sem tem o que tem de bom em Nova Iorque. Agora, o Rio de Janeiro é a Corte, tudo veio para cá, tudo começou aqui, a Bahia é a África e a Europa, tem tudo. O Nordeste é Maurício de Nassau, negros e índios, tem uma cultura fortíssima. E Minas Gerais, não é não? O Sul do Brasil tem uma cultura mas é meio Holanda, Alemanha, não sei o quê, é meio separado.
P/2 – O que é que é o barroco para você? Esse barroco mineiro? Para você, não precisa...
R – Trata-se do seguinte, a reforma religiosa Calvino e Lutero, fizeram a reforma religiosa em 1000 e sei lá quanto.
P/2 – Não, eu quero para você.
R – Vou chegar, vou chegar lá.
P/1 – Deixa ele expor do jeito que ele quiser, Márcia.
R – Quando descobriram o ouro nas Minas Gerais, que a Europa trouxe o que tinha de melhor, a Igreja Católica fez uma meio contra-reforma religiosa, aqui, para daqui levar para a Europa de novo. Começou dali e esse sentido barroco ele se tornou forte ali por causa disso. E os habitantes de Minas Gerais naturalmente, nasceram com isso no sangue, é ou não é?
P/2 – O seu sentimento desse, desse...
R – O meu sentimento, eu não penso nele, ele está em mim.
P/2 – Já está entranhado?
R – É, eu pelejo para me livrar dele, porque eu acho que Minas Gerais em certos momentos é uma arrastação de corrente só, sabe como é que é? Hoje nem tanto, Belo Horizonte, mas interior de Minas assim, é uma arrastação de corrente ferrada, eu acho. Porque é pesado, né, aquele negócio das cidades históricas é pesado, eu acho aquilo pesado, mas ao mesmo tempo é rico, a cultura é forte. É pesado pelo seguinte, porque, eu não sei a opressão no tempo do ouro era tão forte que os mineiros ficavam calados, desconfiados, não é assim? E isso ficou na maneira de ser do povo. Mas eu não, isso está em mim, você não se liberta disso nunca.
P/1 – Voltando um pouquinho para o foco agora na sua trajetória profissional, na continuidade, para a gente não perder um pouco essa narrativa, você trabalhou com sons sintetizados no disco Viagens Através de um Sonho.
R – Trabalhei.
P/1 – Conta um pouquinho dessa experiência. Porque assim, a gente tem um consultor na, um consultor que é um professor na área teórica, e ele elogiou muito as construções musicais que você conseguiu manter uma cristandade das construções musicais e ele acha de uma beleza singular. Fala um pouquinho desse...
R – Eu conheci um músico aqui, brasileiro, que morava na Europa. Marcos Rezende e ele era o rei do, ele foi o introdutor da música eletrônica no Brasil assim, mesmo, em 1984, há vinte anos atrás. E ele ficou fascinado com o meu trabalho com o Milton, assim, ele queria me levar para a Europa, falou: “Não, vamos fazer um disco juntos.” Aí fizemos um primeiro, primeiro a gente fez um disco juntos chamado: Som e Fantasia, que é um disco que tem uma “mulata” na capa, com uns fios, vocês já viram esse disco ou não? Ela carregando um queijo. Quem fez a capa, aquele cara da Globo...
P/1, P/2 – Hans Donner.
R – Hans Donner. Eu falei: “Cara, mulata com um queijo, você tem certeza? Eu estou achando estranho.” “Eu enxergo assim.” E esse disco deu muito certo, porque a gente juntou Minas Gerais com o mundo. E em seguida, fiz o disco Viagem Através de um Sonho, não é isso?
P/1 – Hum, hum.
R – Capa azul. Que foi o resultado desse trabalho meu com o Marcos. Realmente foi um momento muito bom, aprendi muito com ele inclusive e deu certo, foi uma coisa...
P/1 – Você fez uma projeção no cenário internacional?
R – Não, eu tirei aquela coisa bem artesanal mineira, bem simplória para uma coisa mais sofisticada, mais mundo, entendeu? E aí funcionou. Realmente esse disco ganhou um prêmio, Chiquinha Gonzaga, tudo. Foi um bom momento.
P/1 – E a sua atuação no cenário internacional, como se deu?
[pausa]
R – A primeira vez que eu, eu falei para vocês que a Flora mandava vários recados para mim: “Fala para o Nivaldo que eu penso muito nele.” E aí um dia ela me ligou para passar um tempo lá, Los Angeles. E eu: “tchiiii, socorro, né?” Nunca tinha saído do Brasil, aí eu fui. E eu era recém-casado tinha filho pequeno, falei: “Pô, vou ou não vou?”, fiquei naquela, aí fui. Antes disso aconteceu um negócio muito interessante que eu, o Victor Assis Brasil, Márcio Montarroyos, Cláudio Roditi, Zeca Assunção de São Paulo, o Nelson Aires, todos nós ganhamos uma bolsa para a Berkeley School, em Boston. Todos eles foram, eu não fui, porque eu não tinha dinheiro, eu era o único duro na parada, eles foram, aí isso foi terrível. Cara, eu fiquei em uma fossa, todo mundo foi, se deram bem lá e tal. Mas aí apareceu essa oportunidade para ir, eu falei: “Não vou para Boston, mas vou para Los Angeles.” e aí eu fui e fiz uma turnê nos Estados Unidos, a gente fala de costa a costa, durante 3 meses, show todo dia, foi uma coisa assim. Eu quase morri, porque a gente não tem esse costume aqui, né? O americano, aquele povo lá é do trabalho mesmo, eles são organizados. Mas foi bom porque aí lá teve um reconhecimento muito bom, foi eu e o Robertinho Silva inclusive, ele era meu ajudante, que eu sou super desligado, ele ficava para trás catando as coisas que eu ia esquecendo. Enfim, e deu certo, foi muito bom. Terminou, o Airton chegou para mim e falou assim: “Você não quer ficar aqui? Você fica aqui, as coisas vão aparecendo. Você está em Hollywood cara.” Só que Hollywood, eu não sei se vocês já foram em Los Angeles?
P/1 – Não.
R – Lá é um lugar que parece Brasília, não tem esquina, nem boteco e ninguém na rua, ninguém na rua, todo dia parece domingo, eu falei: “Socorro, cara, Deus me livre.”, ninguém na rua. Uma vez o Robertinho estava andando na rua assim, de noite, a polícia foi atrás dele. “O que você está fazendo aí?”, “Eu estou andando.”, “Aqui ninguém anda. Que é isso? Cadê seu carro?”, “Eu não tenho carro.”, Ah, não pode. Não pode. Pode voltar. Tu mora aonde?” “Eu moro ali.” “Não, não pode andar aqui não.” Para você ver como é que é o nível do lugar. Então eu falei: “Ah, eu não vou ficar aqui não.” E daí se eu tivesse ficado porque poderia ser ótimo, né, mas eu vim embora. Mas foi uma experiência muito boa, valeu.
P/1 – E você fez uma turnê com Milton e com o Wagner Tiso pela Europa, em 1982, do disco A Tarde?
R – Ah, que eu lancei meu disco A Tarde, isso mesmo. Pô, o cara foi fundo, hein? A equipe aí...
P/1 – O cara...
R –...nem eu lembrei, no caso, no caso você, né? (risos)
P/1 – Sou eu. (risos) Então estou, está indo bem.
R – É que o Milton fez essa turnê na Europa e coincidentemente eles iam lançar o meu disco que só saiu lá, chama A Tarde e aí teve o lançamento lá, foi uma mão na roda, foi muito bom.
P/1 – Conta um pouquinho como é que foi essa turnê, o que você se lembra?
R – Essa turnê a gente pegou de Portugal, foi até Dinamarca. Dinamarca, nesse momento, nós, nós éramos como se a gente morasse lá, quando se fala negócio de Clube da Esquina, foi um negócio assustador. Em Portugal você não tem idéia, a gente fazia show no Coliseu de Portugal, que é o lugar que o Edir Macedo está querendo comprar agora, da Igreja, vocês estão sabendo disso?
P/1 – Eu sei, no Porto, né?
P/2 – Um terror.
P/1 – Na cidade do Porto?
R – Não, em Lisboa.
P/1 – Ah, o Coliseu é de Lisboa.
R – Lisboa.
P/1 – Ah, é.
R – Só que a população não deixou, fizeram uma passeata na rua, falou: “Aqui não. Igreja – como é que chama? – coisa aqui não.”.
P/2 – A Universal.
R – Não deixaram comprar não. E o Bituca fez três dias nesse lugar, o lugar cabe seis mil pessoas, lotado todos os três dias, para você ter uma idéia como que era o negócio. Depois a gente foi França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, até chegar na Dinamarca, nós ficamos uns dez dias lá fazendo shows, e eles ia passear de barco lá naquelas ilhas e eu ficava por lá. Terminou o show eu fiquei lá, eu estava cheio do dinheiro no bolso e fiquei lá, porque eu tocava no grupo de jazz que chamava La Fontaine, que estava no verão na época. Eu estava cheio da grana, falei: “Vou ficar aqui.”, não voltei para o Brasil, gastei o meu dinheiro todo lá, quando eu voltei, quase apanhei, porque eu cheguei em casa duro, fiquei uns três meses por lá.
P/1 – E aí no Festival de Montreux você tocou mais com o Hermeto? Em que momento você...?
R – Eu fui em Montreux com o Milton nessa época também. O Hermeto, eu fui em 1979, depois eu voltei com o Milton em 1982, 1984 e a última foi em 1995, e u fui com o Milton de novo, que é um programa que tinha Maria Bethânia e Gal Costa, um programa muito legal. Em 1982 foi terrível, porque foi o dia que o Brasil perdeu a Copa, quando o Brasil perdeu Copa do Mundo, né, de futebol. E a gente estava tocando no dia, doido para ver o jogo, eu e o Wagner, a gente é muito ligado em futebol, né? Falou: “Esse negócio de música é chato para caramba. O negócio é futebol.” E doido para ver o jogo, tocando e o Brasil perdendo.
P/1 – Quer dizer que vocês trocariam a música por uma boa partida de futebol?
R – Eu já troquei muito. A prioridade para mim é futebol, música é segundo lugar.
P/2 – (risos)
R – (risos) Tem uma história minha e do Wagner, e ele pode confirmar isso, que a gente estava no Canecão, e o Miles Davis ia tocar, olha só. Só que estava uma confusão, estava muito cheio, estava uma confusão e esse dia tinha Vasco e Flamengo no Maracanã. Eu falei: “Tiso, esse show aqui não vai dar certo. Miles Davis está “loucaço”, cheio de...”
P/2 – Foi em 1984, 1986, não foi?
R – Por aí, isso.
P/2 – Eu fui ver também.
R – Você foi? Não estava muito cheio e confusão? Que ele caiu?
P/2 – Estava. Foi uma confusão danada.
R – “E o Miles estava ‘‘loucaço” no palco, caiu debaixo do piano. Eu falei: “Isso aqui não vai dar certo não.” A gente tinha uma convite de cortesia, a gente não estava achando a moça, ela não aparecia, era o pessoal da Dell'arte.
P/2 – Hum, hum.
R – Acho que era isso mesmo.
P/2 – Dell'arte ou da Dueto.
R – Dueto.
P/2 – Não era Dueto?
R – Pessoal do Free Jazz.
P/2 – Não era? Não sei se eu estou fazendo confusão, acho que era da Dueto.
R – Isso, isso. E a moça não aparecia com o nosso bilhete. Eu falei, o jogo no Maracanã, nove e meia, nove e quarenta. “Tem um ônibus aqui Urca – Maracanã, quinze minutos nós estamos lá cara.” Ele falou: “É mesmo. Isso aqui não vai dar certo.” (estala os dedos) A gente foi para o Maracanã, a gente se deu bem e foi é bom, entendeu? Deixamos Miles Davis para lá, coisa que todo mundo estava louco para ver. E nós fomos.
P/1 – Uma pergunta que...
R – Que não quer calar.
P/1 - ...o Cid sugeriu para a gente.
R – Cid, meu irmão?
P/1 – O seu irmão. A gente, uma surpresa...
R – Que é um talento fantástico. Não sei se vocês sabem disso.
P/1 – Sim, a gente, o Leandro entrou em contato com ele. A gente pediu algumas sugestões, talvez um pouquinho fora aqui do contexto mas eu acho que deve ser interessante, porque ele que sugeriu.
R – Hum.
P/1 – Para você contar a história do Wagner Tiso e do Paulo Braga, quando eles dormiram na porta da igreja.
R – Nossa, mas o Braga vai brigar comigo. (risos)
P/1 – Você que sabe.
R – Não, o Wagner, às vezes, ele dormia na minha casa, porque a vó dele, a avó do Wagner, dona Clara, morava na minha rua, Rua Olinda. O tio do Wagner, Euclides tocava piano e a gente subia na janela para ver o tio do Wagner tocar, era ótimo e ele tocando, estudando lá, muito bom. Acontece que o Wagner tinha um irmão que chamava Gileno, tinha não, tem, que é músico também.
P/1 – A gente entrevistou o Gileno.
R - O Gileno é que era o xodó da família do Wagner. Eles não, eles achavam que o Tiso não tinha talento, falavam: “Não, você não, o negócio é o Gileno.” E era isso mesmo. Então o Gileno ficava hospedado na casa da avó lá, e o Wagner não ia, ele não queria ficar na casa da avó, porque ele ficava na bronca com essa história. E é verdade. E aí Paulinho Braga que também tinha vindo do interior, eles não queriam ir para o hotel. Sabe o que é que eles faziam? Iam para a Igreja São José, lá em Belo Horizonte e ajoelhava assim naquele negócio e ficava assim, e ali eles, na missa das seis, “puxavam o ronco” ali. Aí o padre passava falava: “Pô, esses meninos são muito religiosos. Todo dia eles estão aqui.” (risos) Tem essa história sim.
P/1 – E estavam “puxando o ronco”?
R – É.
P/2 – (risos)
P/1 – Tá bom, voltando um pouquinho para a tua carreira, eu queria que você falasse um pouquinho do prêmio de melhor instrumentista de sopro que você ganhou em 1983? O que é que você acha desses prêmios, né, que a Associação dos Críticos...
R – Ah, é muito bom, é muito bom. Esse, 1983, nesse tempo eu ia muito em São Paulo, né? O Zuza me protegia muito, quando eu fiz os vídeos da, comecei a fazer os vídeos da TV Cultura, e tinha bons projetos no Masp, no Teatro Municipal meia-noite, você chegou a lembrar disso, não? O Teatro Municipal tinha um projeto sexta e sábado, Música da Meia-Noite.
P/1 – Sei.
R – A gente tocou com o Som Imaginário muito lá, nesse lugar. E esse prêmio como eu estava sempre apresentando em São Paulo, eu acho que foi um estímulo muito bom, foi ótimo, todos eles que eu recebi, foram ótimos. Eu acho que procede, entendeu? Eu acho que foi bom.
P/1 – Mas isso é uma coisa positiva, foi positiva para os músicos em geral no Brasil?
R – Positiva, foi, porque não era mentira. Ah, é. Poxa em um país como o nosso acontecer isso. Que nem agora, não sei se você sabe aqui no Rio tem um negócio que se chama Cjub – Charuto, Jazz, Bourbon, Blog. Não, como é? Charuto, Jazz... Cjub, Uísque e Blog, que é uma turma de milionários aqui no Rio, fizeram esse clube de jazz. E eles pagam do próprio bolso.
P/2 – Aonde?
R – No Mistura Fina, cada mês é em um lugar. A Chivas paga a infraestrutura do festival e eles pagam o cachê dos músicos e fazem crítica. Os caras são do ramo, uma turma, né, entendida. Cara, crítica de músico é a coisa mais rara que existe, não é não? Pode, crítico não é falar bem ou falar mal não, mas criticar com propriedade. Então eles fazem isso, não é uma coisa boa?
P/2 – Hum, hum.
R – Então, por exemplo, um prêmio desse, por quem é de direito, eu acho muito bom. No caso, tinha o Fausto Canova, Zuza Homem de Melo, tinha uma turma em São Paulo, o pessoal era do ramo e eles é que faziam esse prêmio. Aqui no Rio tinha o prêmio Chiquinha Gonzaga, muito bom. O Prêmio Sharp que eu ganhei uma vez também. Eu acho que é válido, com certeza.
P/1 – E o que é que você está desenvolvendo agora? Em que momento da sua carreira você está?
R – Bom, estou preparando para lançar o disco, cinco LPs que não foram lançados: Viagem Através de um Sonho, A Tarde, como é que chama o outro? Colheita do Trigo, que tem a participação do Milton, do Flávio Venturini, Túlio Mourão, muita gente do Clube da Esquina. Colheita do Trigo, que é um dos meus melhores discos. E o Viagem em Direção ao Oco do Toco. E que mais? O disco do Balé Noturnos da Carlota Portela, que é um balé aqui do Rio de Janeiro. O disco da trilha da Dança dos Bonecos, que é um filme que eu fiz a trilha. Que mais? De discos são esses. E paralelamente eu estou fazendo Música de Câmera, sabe? Minha última apresentação foi com a Jazz Sinfônica de São Paulo na, como é que chama o lugar lá? Memorial...
P/1, P/2 – Da América Latina.
R – ...da América Latina.
P/1 – Ah, que bacana.
R – E esse ano eu vou de novo. Então eu estou escrevendo os arranjos para me apresentar de novo, com essa turnê.
P/1 – E qual que é a trilha sonora da tua vida?
R – Rá, muito bom. (risos) Meus filhos.
P/1 – Quantos filhos você tem?
R – Dois filhos.
P/1 – O tamanho, qual o nome?
R – Meu filho se chama Mayo Angelo, minha filha se chama Melissa. Ele é músico amador, não que ser músico profissional, eu acho ótimo, desenhista. E a minha filha é jornalista, vai ser, né, que ela está estudando ainda.
P/1 – E o que é que seu filho toca?
R – Toca cavaquinho, acordeão, percussão, toca vários instrumentos e tem muito talento mas está indo para outro lado. E eles são a trilha sonora da minha vida, porque na verdade isso é que conta, né?
P/1 – Você é casado?
R – Sou casado.
P/1 – E você...
R – Da minha turma, dos meus amigos todos, do Rio inclusive eu sou o único cara casado. Casado com a mesma mulher, né? Sou o único.
P/1 – Há quantos anos?
R – “Nego” já está há dez... Eu vou fazer vinte e oito anos de casado.
P/2 – Beleza.
P/1 – E você gostaria que seu filho, ou seus filhos continuassem, entrassem na carreira musical?
R – Ah, isso é com eles, né? Eu gostaria, e eles já são, que eles fossem pessoas úteis a eles mesmos e ao próximo. Isso é o que conta, o resto, né? Ser pessoa inteira, realizada. Isso aí, músico, geralmente, artista é cabeça muito dançada, sabe como é que é? Muito “chuuu”, o raciocínio é muito rápido, a gente não tem paciência de esperar as coisas. Porque a música a gente faz ela muito assim, então a gente acha que a vida é assim, mas a vida não é assim.
P/2 – E eles estudaram, você incentivou eles a estudarem?
R – Incentivei, incentivei. Meus filhos eu pagava, muito legal isso. Eles tem bom texto porque eu pagava, digamos assim hoje, cinquenta pratas por uma redação bem feita. Então meu filho ia ao Maracanã por exemplo, falava: “Agora, faz a redação aí.” E ele: “pim.” “Uma tarde de futebol” “tchaaan.” Aí ela ia fazer uma excursão aí faz uma redação, eu corrigia, falava: “Aqui está vendo de erro?” Então eles têm texto bom, aprenderam a escrever.
P/1 – Eu não entendi, você pagava para eles?
R – Pagava. Pagava.
P/1 – O que assim? Um dinheirinho para, por redação?
R – Dez ‘merréis’, trinta, quarenta. Pagava. É, porque senão não fazia, fazia nada. Pô, vinte pratas, eu pagava ________, aí fazia. E nisso aprenderam a valorizar o dinheiro também.
P/1 – O Paulo Freire deve estar revirando na tumba agora. (risos)
R – Por quê? O que é que ele acha? (risos)
P/1 – Não, educador, imagina acho que esses tipos de pedagogia. (risos)
R – É? Mas eles aprenderam.
P/1 – Não, deu certo.
P/2 – Mas eles estudaram música?
R – Não. Não.
P/2 – A pergunta era essa.
R – Instrumento, foi minha única, foi uma grande dançada porque eu acho que tudo contribui para alguma coisa. Para estudar música, você não precisa ser musicista, não custa estudar, o que é que tem? Se não fizer bem, mal não faz. E os meus filhos, pelo fato de eu ser músico, eu deixei correr muito mambo, eu falava: “Eles já estão no ambiente, vai ser o que vai ser.” Mas não é bem assim não.
P/2 – Você não quis impor?
R – Não. Mas quando criança, eu tenho uma afilhada, eu falei para a mãe dela outro dia: “Faz o seguinte: ela tem um ano ou dois anos? Coloca Mozart, mas aquele Mozart leve, suave para ela dormir. Ela vai acostumar e isso faz bem à alma. Não coloca ‘bam, bam, bam’, não, Mozart, um minuetozinho, aquilo envolve, isso faz bem.” Ela já começa a despertar o gosto. Eu não fiz isso com meus filhos, deixei correr, porque eles já ouviam música o dia inteiro mesmo, eu estudando. Um dia, falou Coltrane, o John Coltrane, que eu ouvia muito, né? Meu filho falou: “Ih, isso eu ouvi a minha vida inteira.” Ele ouviu muito, mas eu acho que você tem que forçar um pouquinho a barra, cedo. Até cinco anos de idade vale a pena, vale, tudo que investir funciona, não é não?
P/1 – Nivaldo, e, uma avaliação geral dessa sua participação, se você pudesse mudar alguma coisa na trajetória da sua vida, do que você contou aqui para a gente, o que você...
R – Da minha ou do Clube da Esquina? (risos)
P/1 – Da sua história de vida? O que você mudaria?
R – Cara, não sei, quando você chega a uma etapa da vida, eu mudaria tudo. Faria tudo de novo, de outro jeito, com certeza. Eu agradeço a Deus pela oportunidade que me foi dada, primeiro de viver, que já é um privilégio. Segundo de conhecer as pessoas que eu conheci tudo e o talento que Deus me deu. Quem é músico geralmente, você fica na dúvida se o seu talento é de mais ou de menos, eu acho que eu não tenho talento nenhum, tem hora que eu acho que eu sou um gênio. Então fica nisso, isso ocupa seu tempo, horas e horas pensando nisso. Isso é uma loucura, tudo o que você faz nunca é o bastante e quando alguém elogia você fica na dúvida se aquilo é ironia, se é verdadeiro, qual a intenção, é uma loucura isso. A gente, pá, eu acredito que todo artista tem um pouco isso, claro que a vaidade precisa porque ela é mola que impulsiona, né? Tem hora que a gente fica na paranoia ferrada. E vivendo de novo eu acho que eu ia ser muito mais relaxado em relação a isso. Dar mais valor mas na verdade é às pessoas, lado humano. Então isso é que conta. Provavelmente eu devo ter perdido muita amizade na minha vida porque música geralmente era prioridade, era, sabe? Andar e, às vezes, você conhece pessoas e elas vão ficando, a gente faz muita amizade mas, de repente, muita gente poderia ter sido importantíssima, ficou ao longo do caminho, é ou não é? Isso.
P/2 – As opções, né?
R – É, porque o mundo nosso ele é dinâmico demais, você está aqui, agora está ali. De repente está na Europa, não sei o quê. Aí depois de certo tempo você descobre que o mundo é tudo igual, as pessoas são tudo iguais. O Egberto falou comigo uma época: “Você está vendo aqui? A gente está hoje aqui, está vendo? Amanhã, está vendo? Reação das pessoas mesma coisa, é a mesma. Um que chega para perto, fala uma coisa, aplaude.” Tudo igual. E a gente custa a descobrir isso. Na verdade o que conta é isso aqui, né?
P/1 – Mas você se emociona? A música é um elemento que ainda te trás...
R – Não, muito, com certeza. Com certeza. Agora, no momento, eu e toda a minha geração, e muitos artistas no Brasil a gente vive o seguinte momento: no Brasil, o espaço para coisas mais elaboradas está diminuindo cada vez mais. Então, um dia, eu falei até para o pessoal: “Tanto faz no meu caso, se eu tocar, não tocar, não faço a menor diferença. Coloca outro no meu lugar. Ninguém vai se importar.” Entende isso? Apesar de eu ter feito um trabalho, de repente, a gente estar até que falando dele, mas isso hoje não tem a menor importância, não é engraçado? Vê como é que as coisas mudam, isso é claro que são ciclos. Mas no momento eu vejo assim, esse movimento Clube da Esquina, ok, bacana, mas não faz a menor diferença no Brasil de hoje, que hoje os caras eles estão fazendo ídolos da noite para o dia, esses programas, a televisão domina e pronto. Que é que você faz? Ah, não faço nada não. Outro dia eu estava vendo, ontem, “Sob Nova Direção” da Ingrid [Guimarães], que é minha conhecida, sabe esse? Estava vendo uma menina lá, ela não é atriz, ela estava no programa. “Não acredito”. Ela é dessas meninas ‘biconas’ que está em todas aí, não sei o quê. “O que é que você é?” “Manequim, atriz.” Mas não é nada, porque não é assim que funciona. Ela estava no programa, como ela conseguiu? Ela está sempre nessas escolas de samba, madrinha da bateria, não sei o quê. Então não tem espaço, não faz diferença. Esse projeto que vocês estão fazendo, isso é para colocar dentro de um lance para ser aberto daqui a algum tempo, não é para agora. Porque não, fala que é o mundo, mas eu acho que é o Brasil. As pessoas não viajam lá fora acha que o mundo inteiro está igual ao Brasil? Coisa nenhuma. E acha que todo mundo é igual ao Iraque, também não, tem muito lugar aí que, sabe, as coisas andam direito, não é não?
P/1 – Mesmo assim, o que é que você acha de você estar participando desse projeto?
R – Não, eu acho ótimo. Isso tem uma tremenda importância, acho, me sinto gratificado de estar participando, agradeço a vocês por isso. Mas o que eu estou falando é verdadeiro, você me perguntou o momento, o momento é esse que eu estou falando, acredito que vai mudar de agora para a frente. Tem muito a ver com a situação política do nosso país, não é só música. Eu sou músico e os músicos também tem mania de achar que tudo parte da música, coisa nenhuma, a vida é muito maior do que a música, do que o sujeito faz, é tudo. E o nosso país está vivendo o que vocês estão vendo que está vivendo, sabe? Existe a perda da autoridade. Autoridade, mas não é aquela autoridade, mas de respeito mútuo nas coisas, então isso influencia. Eu acho que o tipo de arte que a gente faz ela é mais sofisticada, ela, sabe, precisa de entendimento. A letra que o Márcio e o Fernando fazem não é: “meu amor foi embora e voltou.” Não é, é ou não é? “Amanhã você vai lá hoje”, não tem esse papo. É poesia e para você ler poesia você tem que ter uma, né? É disso que eu estou falando.
P/1 – Hum, hum.
R – Mas de qualquer maneira a minha fé continua, não perco. Amém.
P/1 – Por favor, e continue tocando, né?
R – Não, eu continuo.
P/2 – Sei. E de uma forma sofisticada. Porque...
R – Por quê?
P/2 -...não é porque o que está aí é tão plá que a gente vai deixar também de...
R – Não, mas eu não vou mudar não, não se muda. Como eu falei para ela, o pessoal fez esse, todo esse movimento sem pretender fazer. Fez porque era natural, porque era verdadeiro, era o momento, mas as coisas andam, caminham. Mas o Brasil era um país, hoje é outro, amanhã vai ser outro. O pessoal vai precisar investir na educação de novo. Eu acho que o golpe militar no Brasil desestruturou completamente o sistema educacional no Brasil, entendeu? A escola aqui era ótima. Não sei se vocês viram o negócio de avaliação escolar ontem, você viu?
P/2 – Baixíssimo.
R – Eu fiquei impressionado. O cara chega para fazer vestibular de Economia não sabe fazer continha de tabuada.
P/1 – Acho que a gente está aqui exatamente para fazer que isso continue. Ser...
R – Nossa contribuição foi feita, ela está aí ó.
P/1 – E por isso agradecemos muito a sua colaboração.
R – A nossa contribuição foi feita.
P/1 – A sua superinteressante.
R – A absolutamente sincera, sentida, doída, sofrida, foi um, é uma vida. Uma época. Muito engraçado que uma vez, não sei se tem tempo.
P/1 – A gente só vai trocar de fita.
[pausa]
P/1 – Mas você ia contar uma história com o Bituca, Nivaldo.
R – Dois encontros que eu e o Bituca tivemos foram muito interessantes, aliás três. O primeiro, em um lugar em Belo Horizonte chamado Tip Top, naqueles momentos de agonia, ele não sabia o que fazer, não tinha lugar para tocar, tal, não podia nem entrar, então ele falou: “Pois é, mas eu sinto – ele falava – eu sinto que uma hora vai ter um caminho.” Ele falou comigo. “Não pode, não tem cabimento. Porque tem muita coisa aqui dentro, e pá.” Eu falei: “Pô, cara, eu sinto a mesma coisa. Só que eu tenho aqui a minha casa. Você não tem, né? Você tem que ir e eu não preciso ir. – falei para ele – eu não preciso ir para o mundo, eu vou ficar.” Ele falou: “Eu vou.” (risos) Legal, né? Bom, isso foi depois um dia, no dia que nós trouxemos o Milagre dos Peixes, no Teatro João Caetano aqui, terminou o camarim, foi uma choradeira geral, que estava muito bonito, com a orquestra. Estava muito bonito, só que rapidamente sumiu todo mundo, abraça daqui, de repente estava eu e o Bituca sentado no meio-fio, literalmente, eu falei: “Cara, mas como é que é isso?” Ele falou: “O sucesso deve ser isso, então. Esse é que é o sucesso.” “Ah, então não vou dar conta.” Aí nós fomos lá para o Leme, onde tinha um lugar chamado El Cid. Não sei se você lembra desse lugar? Na rua ____________. Nós fomos ali, tomamos todas, ‘‘péin”, aí ficamos lá, tal, e eu falei: “Bituca, engraçado, porque eu sinto, eu sinto que uma hora vai dar certo. Que o cara está no canto assim, uma hora vai dar certo.”, eu falei para ele. Ele falou: “É?”, eu falei: “É.” Porque teve aquele lance todo mas ninguém estava nem aí, muito engraçado isso. Bom, aí passou o tempo, um dia o Márcio Ferreira, o Márcio Ferreira foi um empresário do Milton que morreu assim cedo, né? Não sei se vocês ouviram falar dele.
P/1 – Sim.
R – Porque esse cara foi muito importante na minha vida porque ele me protegia ________, onde eu ia e ele é que me reencontrou com o Milton. A gente estava separado, a gente estava meio arestas tudo, e ele falou com não sei quem, ele falou: “Eu preciso juntar o Nivaldo com o Milton de novo. Não pode. Eu preciso fazer isso.” E fez. Ele me viu tocando, eu gravei um disco tocando hino, só hinos, Nacional, da Bandeira, essas coisas e ele ficou fascinado. O Fernando Henrique era presidente ainda, teve um 7 de Setembro, ele convidou um coral de crianças chamado Curumim não sei o quê, o Milton e eu para tocar o Hino Nacional, foi muito, mas foi emocionante, em Brasília isso.
P/1 – E aí se deu esse reencontro.
R – Aí encontrei com o Bituca ele falou: “Eu estou lembrando do nosso encontro. Nós estamos aqui, né? Você tinha razão.” Falou para mim.
P/1 – Deu certo. (risos)
R – Deu certo. (risos) Falou, eu falei: “Que loucura isso.” E enfim.
P/1 – Mais alguma coisa...
R – Não.
P/1 - ...que você gostaria de deixar registrado no nosso...
P/2 – Dos seus discos qual é o que você gosta mais? Qual é o período musical também que você acha que foi mais produtivo da sua vida? Você tem alguma preferência ou...?
R – Eu tive, teve um grupo em Belo Horizonte chamava o Quarteto Contemporâneo. Eu, o Paulinho Braga, Tibério César e Jairo Moura, a gente se apresentava na Rádio Guarani de Belo Horizonte em um estudiozinho que tinha lá. Esse foi o período mais fértil, foi ali onde a gente realmente, sabe, descobriu o universo que estava à nossa espera e esse foi um momento espetacular. Outro momento fabuloso foi um momento que o Milton reencontrou, reuniu a turma de novo, o Milagre dos Peixes. Esse, que isso aí foi, a gente rodou o Brasil e foi um momento para não ser esquecido, para ser lembrado. Agora, quanto aos meus discos, cada disco que eu fiz representa um momento da minha vida.
P/2 – Hum, hum.
R – Que nem um sujeito que escreve os seus livros e eu costumo falar, que eu sou um pintor que pinta quadros assim e vai colocando no atelier. Alguns “negos” vão, algumas partituras o cara vai embrulhar pão com elas, fatalmente por aí, mas estão lá, né? Meu ateliê está cheio de quadros. E meu atelier está abarrotado de quadros, não vai ter nem marchand para tanto, mas estão lá. Eu faço música de Câmera, é música entre a música erudita e a música popular, música para pequenos grupos. Então eu escrevo música no computador, eu tenho um material muito grande, perto de duzentas peças e tudo.
P/2 – Imagino.
R – E está lá. Eu não vou fazer a menor força para isso porque não adianta em um momento como esse em que o espaço está realmente pouco. Mas está lá, está registrado, está registrado pelo menos aqui.
P/2 – Já é alguma coisa.
R – (risos) Se não estiver lá está aqui, é. (risos) Então eu estou pintando os meus quadros e eles estão lá.
P/1 – Tá certo.
R – Produzo. Eu não produzo para ninguém, eu produzo porque produzo, eu pinto porque pinto. E enfim, tá lá.
P/1 – Bom, Nivaldo, então é isso.
P/2 – Muito obrigada.
R – Tá “bão”.
P/1 – Obrigada pela sua participação.
[Fim da entrevista]
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