Identificação Museu da Pessoa - Jorge, para começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento. Jorge - Meu nome é Jorge Rodrigues de Oliveira Filho, nasci em 10 de setembro de 1948. Nasci em Sobrália, mas quando bebê mudei para Teófilo Otoni, então eu me considero de Teófilo Otoni. Mas nasci em Sobrália, Minas Gerais. MP - A tua família é toda mineira? Jorge - A minha família é toda mineira. Avós MP - Você sabe um pouquinho da história dos teus avós? Jorge - Eu vou falar só do meu avô paterno, porque os meus outros avós eu não conheci porque morreram quando eu era criança. O meu avô era um coronel. Ele dominava uma cidade, que era Sobrália, ele tinha tropas de burros, todos de cores iguais, e dominava o comércio local de roupas, de café, de açúcar. Entrou numa demanda política, que ele gostava de política, e perdeu o cargo de prefeito. E por vergonha, porque antigamente as pessoas tinham muita vergonha nesse sentido, hoje a política é mais sem vergonha, mudou-se para Teófilo Otoni, ele e os filhos. Vendeu tudo, acabou com tudo, saiu de Sobrália, hoje lá em Sobrália não existe nenhum resquício da minha família. Então mudou-se para Teófilo Otoni e lá eles ficaram no ramo de posto de gasolina, oficina, seção de peça, hotel e depois, posteriormente, tinham também uma empresa de ônibus. Chamava Santo Elias, que se incorporou a São Geraldo, hoje. MP - Esse avô como se chamava? Jorge - Ele chamava Francisco Rodrigues de Oliveira. MP - Você chegou a conhecer? Jorge - Conheci, convivi com ele, era um homem admirável, ele fazia contas rápidas. Ele costumava brincar comigo, perguntar quantos litros de leite o meu pai tirava na fazenda. E quando eu falava que não sabia ele achava ruim: "Como você não sabe?" Aí ele perguntava: "Quantas cargas de milho, de feijão, balaios, você carregou hoje para o depósito?" Aí eu falava o número, ele: "E quanto dá isso em saca, em...
Continuar leituraIdentificação Museu da Pessoa - Jorge, para começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento. Jorge - Meu nome é Jorge Rodrigues de Oliveira Filho, nasci em 10 de setembro de 1948. Nasci em Sobrália, mas quando bebê mudei para Teófilo Otoni, então eu me considero de Teófilo Otoni. Mas nasci em Sobrália, Minas Gerais. MP - A tua família é toda mineira? Jorge - A minha família é toda mineira. Avós MP - Você sabe um pouquinho da história dos teus avós? Jorge - Eu vou falar só do meu avô paterno, porque os meus outros avós eu não conheci porque morreram quando eu era criança. O meu avô era um coronel. Ele dominava uma cidade, que era Sobrália, ele tinha tropas de burros, todos de cores iguais, e dominava o comércio local de roupas, de café, de açúcar. Entrou numa demanda política, que ele gostava de política, e perdeu o cargo de prefeito. E por vergonha, porque antigamente as pessoas tinham muita vergonha nesse sentido, hoje a política é mais sem vergonha, mudou-se para Teófilo Otoni, ele e os filhos. Vendeu tudo, acabou com tudo, saiu de Sobrália, hoje lá em Sobrália não existe nenhum resquício da minha família. Então mudou-se para Teófilo Otoni e lá eles ficaram no ramo de posto de gasolina, oficina, seção de peça, hotel e depois, posteriormente, tinham também uma empresa de ônibus. Chamava Santo Elias, que se incorporou a São Geraldo, hoje. MP - Esse avô como se chamava? Jorge - Ele chamava Francisco Rodrigues de Oliveira. MP - Você chegou a conhecer? Jorge - Conheci, convivi com ele, era um homem admirável, ele fazia contas rápidas. Ele costumava brincar comigo, perguntar quantos litros de leite o meu pai tirava na fazenda. E quando eu falava que não sabia ele achava ruim: "Como você não sabe?" Aí ele perguntava: "Quantas cargas de milho, de feijão, balaios, você carregou hoje para o depósito?" Aí eu falava o número, ele: "E quanto dá isso em saca, em quilos?" Aí eu não sabia, e ele fazia o cálculo na cabeça, rápido. Então ele tinha uma memória, talvez pelo comércio que ele tinha, muito privilegiada. MP - E lá em Sobrália ele morava aonde? Jorge - Na cidade, no centro da cidade, ele tinha um comércio. MP - É uma casa que você chegou a conhecer? Jorge - Não. As casas hoje já foram destruídas, acabou com o tempo, foram vendidas. A cidade inclusive, quando eu era criança, a cidade, o local em que a gente morava passou a ser um bairro, eles mudaram a cidade para outra área. Então aquilo foi mais abandonado. Não existe resquício, se você chegar... (risos) MP - O que mais você sabe dessa atividade do seu avô? Jorge - A atividade dele... O meu pai era um cara mais fechado, não se abria, a gente teve mais informação pela mãe. E a minha mãe era de Belo Horizonte, então não tinha tanto acesso à história. E antigamente conversar sobre história, sobre o que o homem faz e não faz, era meio proibido. MP - Mas ele tinha uma atividade de tropeiro, é isso? Jorge - Não, ele era um empresário. Ele tinha... Como se fosse hoje, ele teria uma frota de caminhões para carregar. Antigamente não tinha caminhão, era animal que fazia. Então ele transportava feijão, milho, para o Rio e trazia açúcar, querosene, nos próprios animais. Mas ele tinha os encarregados para fazer isso, ele era o político da cidade, era o mandão da cidade. Ele fazia e acontecia. MP - Ele conta alguma história dessa época de prefeito? Jorge - Não. Não me contou. Infelizmente, eu não tive muito acesso às histórias. MP - Ele não chegou a viajar, o teu pai, por exemplo, com algumas dessas tropas? Jorge - Não. Quando eu era bebê eles mudaram da cidade, então atrás a história é meio nebulosa. Eu conheço a história de Teófilo Otoni para frente, como empresário, de posto de gasolina, empresa de ônibus, daí para frente. Para trás, apagou um pouco. MP - E ele teve muitos filhos, esse teu avô? Jorge - Meu avô, não. Teve três filhos com a primeira mulher, que é o meu pai, um tio e uma tia, e mais cinco com outra mulher. Lembranças do pai e da mãe MP - E o teu pai chegou a se casar ainda em Sobrália? Jorge - Foi. MP - Você sabe a história desse casamento? Como é que teu pai e tua mãe se conheceram? Jorge - Meu pai foi estudar em Belo Horizonte e lá conheceu a minha mãe. A minha mãe já tinha perdido a mãe, morava com uma irmã. Era na época da guerra, e ele a conheceu. E essas coisas são amores à primeira vista. Antigamente não se namorava, não pegava na mão, não se fazia tanta coisa. Então era assim, você olhava, gostava e em pouco tempo casava. Então ela casou e veio, mudou-se, ele parou de estudar, casou e mudou para Sobrália. E depois teve três filhos lá, são duas irmãs mais velhas e eu. E quando eu nasci houve esse problema, eles mudaram para essa cidade. MP - A tua mãe era de Belo Horizonte? Jorge - É, ela é de perto de Belo Horizonte, chama Belo Vale, uma cidade perto de Belo Horizonte. Mas quando meu pai a conheceu, ela morava em Belo Horizonte. Avós MP - E você sabe um pouquinho da história da família da tua mãe? Jorge - A da minha mãe a gente sabe alguma coisa. O meu avô era comerciante também, mexia com cinema, ele tinha pocilgas e galinheiro. Ele mandava frangos para o Rio, para São Paulo, o frango caipira, hoje. Então ele tinha esse comércio, frango, cinema... Vivia nessa área aí. MP - Ele tinha um cinema na cidade? Jorge - Tinha um cinema. MP - A tua mãe conta alguma coisa desse cinema? Jorge - Conta, diz que era proibido ver os filmes, os filmes normalmente eram de bang-bang, e mata, etc, algumas cenas, então as moças eram mais recatadas, era proibido. E tinha um buraco, assim, no cinema, elas ficavam assistindo ao filme por um buraco. Mas tinha que subir em alguma coisa. Aí teve um dia que ela estava assistindo e viu uma cena que ela achou muito engraçada e deu a maior risada. Aí todo mundo do cinema olhou para ela, inclusive o meu avô (risos). Aí foi lá e fechou o buraco, acabou o cinema, não teve mais para ela. MP - Esse avô você chegou a conhecer? Jorge - Não, meu avô eu só conheci o paterno. Lembranças do pai e da mãe MP - E a sua mãe chegou a estudar lá em Belo Horizonte? Você sabe até que série? Jorge - Não, não estudou, fez só o primário mesmo. MP - E o teu pai foi estudar lá o quê? Jorge - O meu pai estudou, fez o científico. Não passou disso. MP - E os primeiros anos de casado deles? Você sabe se eles foram morar com o teu avô? Jorge - Não, moraram em um sítio, uma fazenda. E pelo que eu sei foi um casal feliz todo o tempo. Sem nenhum problema, assim, que a gente pudesse falar que o meu pai foi um mal exemplo ou a minha mãe. Então eles foram um casal que sempre foi um exemplo para a gente e a gente sempre admirou e a gente vivia muito bem. Eles dois se davam muito bem. MP - E ele trabalhava com o teu avô, teu pai? Jorge - É. Trabalhava no comércio junto, todos eles. MP - Essa fazenda você deixou criancinha, ainda? Jorge - Nem lembro, não conheci, não tive nem curiosidade de ver. Porque as vezes que eu estive lá foram poucas. Quando eu ia lá, via destruído, tal, eu só chegava, dava uma volta na cidade e saía. Estive lá umas duas vezes. Eu não me considero de lá, apesar de ter nascido lá. Casa da infância MP - E a primeira casa que você lembra qual é, então? Jorge - Aí eu já lembro da minha casa em Teófilo Otoni. MP - Como é que era essa casa? Jorge - Era uma casa numa rua tranqüila, perto do local que tinha um posto de gasolina, um comércio deles, a gente podia brincar na rua, correr, jogar pipa. Naquele tempo não tinha televisão para você ficar só em frente à televisão. Você tinha que buscar a brincadeira. Então era bom. Brincadeiras da infância MP - Qual era a brincadeira favorita, você lembra? Jorge - Todas elas que crianças fazem. Fazer curralzinho com aquela bucha de ensaboar, a gente botava as perninhas, fazia os bois, os bezerros, essas coisas todas, o que a criançada devia fazer. MP - A bucha era o corpo do animal? Jorge - Do animal. Aí você botava as perninhas. A bucha maior era a vaca, o pequeninho, a bucha menor era o bezerro, a gente cercava o curralzinho. Aí cada um queria ter mais bois do que o outro, essas coisas todas. MP - Eram brincadeiras com os teus irmãos, Jorge? Jorge - Com os meus irmãos, com os amigos do local. Naquele tempo você podia brincar bastante, não tinha perigo tão grave de convivência nem nada. MP - Quantos irmãos? Jorge - Nós somos oito. MP - Como se chamam? Jorge - A mais velha chama Maria Alice, a segunda chama Beatriz, o terceiro sou eu, o quarto chama Miriam, é uma moça, mulher, o quinto chama Marcelo, o sexto chama Marcos, o sétimo chama Eduardo e a oitava chama Cristiane. Casa da infância MP - E como era essa casa com tantos filhos? Que lembranças você tem do dia a dia? Jorge - A casa, ela teve... Era uma casa sempre cheia. Porque se você tem irmãs, elas têm amigas, você também tem. Então a casa sempre estava cheia de gente, a minha mãe gostava muito de fazer quitanda, o café lá em casa toda vida à tarde. Todo mundo queria ir para lá para tomar café, a mesa sempre cheia, queijo, biscoito, broa, essas coisas. Então as lembranças são lembranças boas e a casa era uma casa aconchegante. E depois de um tempo o meu pai saiu da sociedade e nós fomos para uma fazenda, pertinho da cidade, a 1.400 metros da cidade. E nessa fazenda a liberdade foi maior, você montava à cavalo, você nadava no rio, você pescava. MP - Quantos anos você tinha quando aconteceu essa mudança? Jorge - Eu tinha dez anos. MP - Você lembra dessa ida para a fazenda? Jorge - Lembro. Várias vezes a gente... chovia, atolava, e as dificuldades para ir para a escola. Eu lembro tudo. Foi muito bom. MP - Ainda sobre a casa lá na cidade, era uma casa com quintal? Jorge - Quintal... O quintal era pequeno, não era grande coisa, mas era um quintal que dava... A gente quase nem brincava no quintal, a gente brincava era na rua mesmo. Brincava na rua, o espaço era maior e as facilidades também. MP - Você falou do lanche da tua mãe, do lanche da tarde. Jorge - É. MP - Que lembrança você tem? Jorge - Até hoje tem. Até hoje você chega lá, ainda está tudo animado. Ela hoje, não. Hoje ela está mais velha, mas ela mantém, a minha mãe é aquela galinha que quer os pintos todos em volta. Então se você não vai lá no Domingo, já liga, já quer saber se você está com raiva, o que é que houve, se é algum problema nesse sentido, ela está sempre preocupada. Lembranças do pai e da mãe MP - Como se chama a sua mãe? Jorge - Dionísia Coutinho de Oliveira. MP - Como é que você descreveria a figura da sua mãe? Jorge - Minha mãe foi uma mulher muito enérgica, muito autoritária. E isso era muito bom, porque ela nos fez gostar dela da maneira que ela era, mulher rígida mas amorosa. Ela sempre nos fez respeitar as pessoas, os direitos, e ser honesto, trabalhar de uma maneira ou agir de uma maneira sempre correta. Então a minha mãe foi o pilar de tudo. O meu pai já era um cara tranqüilo, ele não interferia. Uma vez eu lembro que meu irmão começou a fumar e a minha mãe corrigiu, deu uns tapas nele, e meu pai estava olhando. Estávamos todos nós reunidos e a minha mãe corrigindo meu irmão. E virou para ele e falou: "Você não faz nada, só eu que bato. Você também tem que bater." Aí ele passou a mão no cinto, falou: "Então eu vou bater." Quando ele levantou o cinto: "Não encosta a mão nele, não" (risos) Então ela é desse jeito. Ela tem muito amor pelos filhos, ela defendia mesmo, mas também corrigia muito. Qualquer erro, era surra mesmo. MP - E você começou a ir na escola nessa época, então, de Teófilo Otoni? Jorge - Foi. É, a minha vida foi toda em Teófilo Otoni. Primeira escola MP - Você lembra da primeira escola? Jorge - Lembro. A gente lembra de tudo. Volta e meia eu vejo a professora passando, ela já está velhinha, aí eu encosto, converso com ela. Depois a gente pergunta: "Você não lembra de mim, né? Mas eu gostaria de falar que a senhora foi minha professora." MP - Como é que chamava a escola? Jorge - A escola? MP - Sim. Jorge - Era Tristão da Cunha. MP - E a professora? Jorge - Era professora Ângela. Porque antigamente eu acho, a professora era sempre uma do primário, do primeiro ano até o quarto ano. Então ela sempre estava... Era uma professora só. Agora é que muda de matérias e tal. MP - E como é que era essa escola? Você ia a pé? Jorge - Ia a pé, era perto. Era perto de casa. E naquele tempo a gente respondia mal ou não comportava direito, a professora batia na mão, dava palmatória. Eu lembro que eu morava perto de uma serraria e para puxar o saco da professora, eu levei uma tábua. E achei que eu podia, porque eu dei a tábua, não ia apanhar, fiz a bagunça, e eu que inaugurei a tábua, apanhei. Nunca mais levei a tábua para ela. (risos) Ela sempre pediu. Eu: "Não." MP - Você era bagunceiro ou era bom aluno? Jorge - Não, brincadeira de criança mesmo. Mas eu sempre fui espirituoso, sempre gostava de dar os meus palpites. Aí uma hora é bom, outra hora pode ser ruim. MP - Você tem alguma outra lembrança da sala de aula ou do recreio? Jorge - Essas lembranças foram todas lembranças boas, são detalhes, são histórias vagas. A gente lembra das namoradas que a gente queria ter, das brigas: "Depois da aula você me espera lá que a gente vai brigar" Se o cara fosse maior você tinha que sair escondido. Se fosse pequeno você queria enfrentar. Essas bobagens de criança que é muito bom. Internato MP - A adolescência toda você passou lá em Teófilo Otoni? Jorge - Não, quando eu terminei o primário, eu fui fazer o ginásio em Presidente Soares. E chama Alto Jequitibá, perto de Manhumirim, Manhuaçu, é um colégio presbiteriano, colégio interno. Eu fiquei quatro anos, fiz o ginásio lá. MP - O Alto Jequitibá é o nome do colégio? Jorge - Hoje acho que é da cidade. Na época era Alto Jequitibá, mudou para Presidente Soares e me parece que agora é Alto Jequitibá outra vez. Voltou o nome que era. Aí foi um tempo de você ficar num colégio interno, na sua adolescência. Eu passei a minha adolescência internado aí, vamos dizer assim. MP - Eram só meninos? Jorge - Mas tinha colégio feminino, também. Mas era só homens, tinha os dormitórios, a gente dormia nas camas, tinha horário de dormir, de acordar, de alimentar, de jogar bola, de estudar, era toda uma rigidez necessária. MP - Seus irmãos também foram para lá? Jorge - As duas mais velhas foram, as duas anteriores a mim. MP - E você lembra dessa ida para o internato? Jorge - Ah, foi terrível. Foi terrível. Porque meu pai me levou e na hora que ele me deixou lá eu queria morrer de chorar, queria voltar. Mas aí você vai acostumando, vai adaptando, você cria amizades e aí acaba ficando. Mas foi terrível. MP - E tinha uniforme? Jorge - Tinha. MP - Você lembra do uniforme? Jorge - Era camiseta com calça jeans, esse tipo de uniforme, uniforme comum. MP - E passava lá o ano todo? Jorge - O ano todo. Você vinha de férias no meio do ano, depois vinha no fim do ano, mas estudei quatro anos lá. MP - E cada vez que tinha que voltar para a escola depois das férias...? Jorge - Não, aí depois eu comecei a ir eu mesmo sozinho, no feriado eu saía. Quando já... Do terceiro ano para o quarto aí já dominava tudo, meu pai já não me levava, eu ia sozinho mesmo. E foi um tempo muito bom, eu aprendi a ser organizado, eu aprendi a me dominar e aprendi... Fiz muito exercício, foi uma época que eu criei um físico até bom, não tinha essa barriga. MP - Como é que eram esses exercícios? Era corrida? Jorge - Não, tinha ginástica em barra, tinha futebol, todo tipo de ginástica. Não existia academia naquela época, mas tinha os professores de Educação Física. Então a meninada, aquele tanto de rapaz tinha que fazer exercício mesmo. A gente treinava luta de boxe, essas coisas, então tudo isso era bom. Diversão da adolescência MP - E depois dessa época do internato você vai para onde? Jorge - Aí eu fiquei quatro anos lá fazendo o ginásio e fui fazer o científico em Governador Valadares, uma cidade perto. Aí eu estudei um ano lá, no colégio Ibituruna, um colégio muito bom. Mas aí eu não soube aproveitar, porque eu fiquei quatro anos interno. Aí eu passava de ano em todas as matérias, até vinha embora antes. Mas aí quando eu me vi em liberdade, numa cidade sem o pai e a mãe perto, aí, minha filha, era só festa, só bagunça, e tomei uma bomba no fim do ano incrível. (risos) MP - Como era a diversão em Governador Valadares? Jorge - Aí a diversão... Eu já estava adolescente, devia ter uns 18 anos, 19, aí era só festa, só mesmo. MP - Como é que eram as festinhas daquela época? Jorge - As festinhas daquela época era... Era lança-perfume, não tinha droga, assim, pesada, era um comprimido ou outro de alguma coisa, mas eu nunca usei nada disso. Mas as festas era dançar, era twist, era esse tipo dos anos 60 mesmo. MP - E a primeira namorada, o casamento vem dessa época, não? Jorge - A primeira namorada, não. Eu comecei, uma namorada que eu considerei namorada mesmo foi lá no colégio interno, eu tinha uma namorada e tal, que era da cidade. Depois teve uma porção. Aqui em São Paulo... Eu morei em São Paulo também quatro anos, eu tive uma outra namorada que foi uma das coisas que me fez ir embora, porque senão eu ia casar. (risos) Primeiro trabalho MP - (risos) A gente vai chegar em São Paulo, ainda. Em Governadores Valadares você ficou só um ano? Jorge - Fiquei só um ano. Eu tomei bomba, meu pai não ia ficar me mantendo num colégio tomando bomba, gastando muito dinheiro. Aí ele me levou de volta. E lá aí eu comecei a trabalhar. Foi em 1968, fiquei em Valadares. Em 69, eu fiz Contabilidade. Em vez de fazer o científico, fiz Contabilidade. Aí eu trabalhava em um posto de gasolina, nesse posto que era da família, eu era o gerente lá. E aí eu fiquei trabalhando e estudando à noite, fazendo Contabilidade. MP - Essa escolha da Contabilidade...? Jorge - Foi praticidade mesmo, porque na verdade eu nunca gostei de estudar, não. Toda a vida eu fui um sujeito restritivo nessa área. Eu tenho certo bloqueio para estudar. Eu começo a estudar e não fixo a atenção, etc e tal. E isso me atrapalha um pouco. Então nunca gostei. Eu sou mais prático, eu gosto das coisas mais mastigadas, já vem pronta. MP - E esse posto de gasolina é o mesmo de quando seu pai se mudou para lá? Jorge - Exatamente. MP - Você já tinha a lembrança dele? Ele mudou muito? Jorge - Ah, foram mudando. Até a estrutura muda, as bombas são modernizadas. Então tinha de quando era criança para quando eu trabalhei, mas aquilo é uma mudança que eu estava convivendo com aquela mudança, não estranhei nada, não achei nada que pudesse me chamar a atenção. MP - Você freqüentava aquele posto desde criança? Jorge - Desde criança. MP - É divertido para a criança ter o pai dono de um posto de gasolina? Jorge - Era o trabalho dele. Agora, eu não ficava só no posto de gasolina quando criança. Depois, quando eu fui trabalhar, eu fiquei, e vi que era difícil trabalhar no posto de gasolina. Como qualquer trabalho, depende que você dê dedicação a ele. Mudança para São Paulo MP - Depois dessa experiência no posto você passa a qual trabalho? Jorge - Bom, aí houve um convite de um tio meu que mora aqui em São Paulo, que é dono da Cosmético Maru Limitada, acho que existe até hoje. Ele me convidou para trabalhar com ele. Aí eu vim para São Paulo, em 1971, e aí eu vim trabalhar com ele aqui. E aí eu já tinha terminado a Contabilidade... Não, eu estava no terceiro ano, terminei a Contabilidade aqui, na Praça da Sé tinha uma escola, aí eu terminei. E comecei a fazer Administração de Empresa. Eu estudei na ESAN, Escola Superior de Negócio, e morava na Conselheiro Furtado, aqui no centro da cidade, na casa desse tio. E trabalhava com ele. Aí eu era responsável pela expedição de mercadorias. Os vendedores tiravam o pedido, as meninas separavam e eu tomava conta dessa expedição. Então eu despachava a Kombi que levava todas as mercadorias, era eu que era responsável. MP - Que tipo de negócio? Jorge - Cosméticos, uma fábrica de cosméticos. MP - Foi a primeira vez que você veio para São Paulo? Jorge - Foi a primeira vez. MP - Você lembra da tua impressão ao chegar na capital? Jorge - A minha impressão é de tudo muito grande, muito complicado, que ia ser difícil você se adaptar. Mas como eu mexi com a expedição, de repente os motoristas das Kombis, eu saía com eles, aí eu fui aprendendo a andar e gostei muito de ter morado em São Paulo. Foi uma época muito boa, onde eu estudei também. Mas a gente sempre queria voltar. Como eu te falei: "Quem é do mar não enjoa, quem é do mato também não." A gente sempre quer voltar para casa. E quando eu tive uma oportunidade de voltar para casa, eu fui. MP - Quantos anos você ficou aqui? Jorge - Fiquei quatro anos. Retorno para o interior MP - E você voltou por que? Teve alguma razão em especial? Jorge - Teve. Eu arrumei uma namorada e o negócio estava ficando sério, ela era colega de escola, eu falei: "Gente, eu vou ter que casar, eu tenho que ir embora." Mas não foi só isso. Também foi o detalhe de porque como eu sempre queria voltar, a gente é sempre família, família, família, você quer voltar. Aí eu tirei férias, fui para casa e lá de casa nós fomos toda a família para a praia em Alcoaguaça, na Bahia. E aí um tio estava lá, esse tio que era dono do posto de gasolina, porque quando meu pai saiu da sociedade, ele ficou com as coisas. E ele me fez uma proposta de que eu fosse vender carro lá, trabalhar na agência de automóvel, que ele já tinha uma agência de automóvel na Volkswagen. Aí ele me convidou. Aí quando eu voltei, eu avisei o outro tio aqui que eu ia embora. Ele não queria, ele tinha planos para mim, ele era casado, não tinha filhos e queria que eu fizesse Administração de Empresas para ajudar a administrar, porque ele queria folgar. Ele tinha bons planos para mim, mas eu não segurei essa oportunidade. MP - Preferiu voltar. Jorge - Preferi voltar. Era uma oportunidade muito grande... MP - Do que você sentia falta lá de Teófilo Otoni? Jorge - Eu sentia do convívio da família mesmo, das coisas bobas que a gente faz, tipo assim, ficar com os irmãos, ficar na casa, ver sua mãe, ver seu pai toda hora, essas coisas que te faz voltar. É a saudade mesmo. É o convívio com a família mesmo. Eu sou muito família. MP - E você voltou a morar com os seus pais? Jorge - Aí eu voltei a morar com os meus pais. MP - E trabalhar nessa concessionária? Jorge - E trabalhava nessa concessionária. Eu trabalhei como vendedor de automóveis, depois eu fui para a sessão de peças e depois eu fui para a recepção, depois eu era responsável pela oficina. E acabei trabalhando em vários locais dentro da empresa. Aí depois um primo meu que tinha outra agência também da Volkswagen, que era filho desse tio, me levou para lá, aí eu fiquei lá um ano. Fiquei lá um ano porque, trabalhando na agência, eu observava que os representantes de laboratório chegavam com um carro e mandavam fazer a manutenção do carro, não queria saber o preço, pagava sem reclamar e sempre contando vantagens que tinha dinheiro, que isso, que aquilo. A gente ia na rua, nos restaurantes, eles estavam fazendo farra, gastando etc. Aí eu comecei a observar que aquele ramo era um bom ramo de negócio para ganhar dinheiro e trabalhar. Aí eu comecei a pedir a eles que me dessem uma oportunidade de quando tivesse uma vaga, me chamassem. E foi assim que o Aché entrou na minha vida. Um dia eu estava lá dentro da oficina vendo motor, consertando, e aí chegou um supervisor do Aché, que era o Aguiar, em 1976, era no final do ano. Aí ele chegou e me fez a proposta, falou que eu tinha que ir para Belo Horizonte para fazer uma entrevista e tal. Eu já era casado, tinha três meses de casamento, que eu casei em setembro, e em janeiro de 77 eu entrei no Aché. Aí ele me convidou, eu fui a Belo Horizonte, fiz a entrevista. E o meu setor é um setor muito complicado, porque na época só tinha... O asfalto era a Rio-Bahia, a rodovia 416, tudo era terra, chão. E esse supervisor do Aché comentou que já tinha três pessoas que tentaram trabalhar, trabalhavam um mês, dois e saíam. Ele ia tentar comigo para ver se eu queria ficar. E com essa brincadeira eu fui trabalhar lá. Cheguei, fui a Belo Horizonte, fiz a entrevista, fui aprovado. Aí eu até perguntei para ele. Vamos dizer, assim, que na época eu ganhava 800 reais. Eu falei assim: "Dá para ganhar lá uns mil reais?" "Vai lá, conversa lá." Aí eu fui. Quando eu cheguei no gerente, o gerente falou assim: "Olha, se você ganhar mil reais aqui eu te mando embora, porque você não vai vender nada." Então eu até não acreditei, mas depois eu vi que realmente o salário melhorou muito, a minha vida mudou nesse sentido, a minha esposa estava grávida de três meses quando eu entrei no Aché, do meu primeiro filho. E a minha vida no Aché começa aí. Namoro e casamento MP - Vou perguntar um pouquinho sobre o casamento. Depois daquela namorada que você deixou aqui em São Paulo você foi conhecer a sua esposa lá em Teófilo Otoni? Jorge - Lá em Teófilo Otoni. Aí eu conheci a minha esposa lá. Eu já estava com 27 anos e tal, talvez 26, que eu namorei um ano, noivei dois, fazendo os móveis. Como eu trabalhava na oficina lá, a gente ganhava pouco, aí tinha que fazer tudo programado, fui fazer móveis, fui arrumar a casa, tudo direitinho. E conheci a esposa, namorei um ano, noivei dois, já com a casinha toda pronta, toda organizada. Eu sempre tive a minha vida muito organizada. Então não casei, só passei a mão na mulher e fui embora, não, estava tudo... MP - Como é que ela se chama? Jorge - Ela chama Mariede Gomes Brito de Oliveira. MP - Como é que você conheceu a Mariede? Jorge - Uma vez eu estava passando numa praça e eu a vi andando. Aí eu mexi com ela, ela nem olhou. E o nariz empinado assim, eu falei: "Mas essa menina é muito difícil. Espera aí." Aí eu comecei a me interessar por ela e procurar saber quem era. E aí, por intermédio de uma prima dela, eu a conheci, e aí foi só love mesmo, só amor, até hoje. Fiz bodas de prata agora ano passado, fez 25 anos de casado. MP - E casaram na igreja e tudo o mais? Jorge - Na igreja, uma festa linda. Dia do casamento MP - Como é que foi essa festa? Jorge - Ah, essa festa, como tinha que casar no sábado e todo mundo casa no sábado, ela conseguiu, os pais dela conseguiram fazer a festa numa segunda-feira. Aí todo mundo: "Mas casar segunda-feira? Não vai ninguém." Mas por incrível que pareça foi muita gente, muita gente mesmo. A festa foi linda. MP - Tudo na segunda? Jorge - Tudo na segunda. MP - Durante o dia? Jorge - Durante a noite, à noite. O padre nos casou à noite, numa segunda-feira. MP - E a festa foi na igreja mesmo? Jorge - Não, aí foi no clube, nós fomos para um clube, a família toda, os amigos, muito bom. Foi muita gente, a festa teve... Nós ficamos em um jipe aberto, cheio de bisnaga, eu e ela, desfilamos na rua, como se fosse alguém importante. (risos) MP - Esse jipe, ele foi da onde? Jorge - E todo mundo buzinando. Não, o jipe é um jipe sem a capota. Aí o motorista era o irmão dela, e nós dois sentamos atrás no banco e fomos passeando. E todo mundo vai atrás. Então foi muito bom. Fizemos um tour pela cidade, até voltar para o clube, entrar no clube e fazer a festa. MP - Essa foi a saída da igreja para o clube? Jorge - Para o clube. Aí ele aproveitou, o motorista, passou por dentro da cidade. Aí foi muito bom, ficou uma festa marcada na cidade. Meu sogro é um pecuarista lá e ele era fiscal também do INPS, então ele tinha muita amizade na cidade, a minha sogra também é uma pessoa muito influente na cidade. Então por eles a festa teve uma conotação muito grande, então foi bom. MP - E aí vocês continuaram morando em Teófilo Otoni, foi quando você encontra esse emprego no Aché, né? Jorge - Isso. Entrada no Aché MP - Como é que foi o processo de seleção? Foi meramente uma entrevista ou naquela época existia o curso de propagandistas? Como é que era? Jorge - Não, o Aché... Eu fui a Belo Horizonte e lá eu fui entrevistado por... Eu levei um bilhete do supervisor, porque ele estava cobrindo o setor, aí eu fui com um bilhete. Aí o gerente leu o bilhete, me entrevistou e gostou da minha maneira de ser, fez umas fichas lá para eu preencher. E falou que eu teria que fazer um curso de 15 dias. Era um curso intensivo, aí você tinha que ficar 15 dias ali. Você estudava durante o dia, à tarde você fazia a prova daquilo que você estudou. Aí você tinha que ter uma meta de nota, uma média de nota. Eu me lembro que a gente fazia esse curso, juntava os outros que queriam, eram quatro, cinco ou seis pessoas. E eram aqueles slides, passava o slide, mostrava uma figura, um órgão qualquer e era a voz do Victor Siaulys que fazia a narração daquilo que a gente estava vendo e estudava. Então a voz do Victor era um pesadelo, lembrando daquilo. (risos) O curso, você estava ali olhando, cochilando, que você estudava a noite toda para no outro dia fazer prova. E aquela voz do Victor, vozeirão bonito. Para escutar, ele é muito bom para escutar. Mas para fazer o curso a gente ficava só tremendo de medo. "Será que vai dar conta de tirar nota boa na prova?" Mas eu fui bem, graças a Deus, e comecei a trabalhar no Aché em janeiro de 1977, fui para o setor que era renegado por muita gente. MP - Que setor era esse? Jorge - Era o Vale do Jequitinhonha. Eu fazia Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque, Almenara, Pedra Azul, Araçuaí, Alto do Jequitinhonha, todo ele. E depois houve algumas modificações, eu ia até o Vale do Rio Doce, já fui até Diamantina, mas essas modificações são feitas. Hoje está restrito no Vale, Mucuri, São Mateus e Jequitinhonha. MP - Como é? É nordeste de Minas Gerais? Jorge - Nordeste de Minas Gerais. Área de estréia MP - Como era a realidade naquela época dessa área? Você viajava por estradas de terra, como era? Jorge - É, para você ter uma idéia, hoje eu começo a trabalhar a 160 quilômetros de terra quando eu viajo, de terra não, de estrada. Então eu saio, vou para Nanuque, é 160 quilômetros. Aí eu começo a trabalhar. Eu saio e vou para Itaubim, são 160 quilômetros, eu começo a trabalhar. Agora, naquela época era estrada de chão. Aí você ia, no chão, 160 quilômetros. Ainda hoje eu ando muito no chão, ainda hoje. Eu faço, por exemplo, Poté, Malacacheta, aí quando chega de Malacacheta para Água Boa tem 60 quilômetros de chão. Há uns 30 dias atrás eu estava atolado até a porta do carro na estrada lá, numa segunda-feira. O ônibus escolar que me puxou. Eu sempre ando com corrente dentro do carro, corda, facão, eu ando com toda uma parafernália para poder trabalhar. Eu e os colegas. Então você vê que a dificuldade do setor ainda existe, porque o governo não olha para essa região, que ela não dá volta. As cidades são sempre longes, são sempre longes e pequenas, então eu não posso, não sai asfalto, não sai nada. Mas é um setor muito gratificante, os médicos nos recebem muito bem, o trabalho é respeitado. MP - Naquela época que você começou, era só propagandista do Aché que ia para essas áreas? Jorge - Não, quando eu comecei, fazia Schering, fazia Pfizer, fazia Boehringer, fazia todo mundo. Um dado curioso é que quando eu comecei a trabalhar no Aché, Aché era considerado um laboratório muito pequeno. Era só a linha do Aché, a linha mãe, que era Combiron, era Sorine, era Iodepol, esses remédios. Era a linha mãe do Aché. E não tinha as outras divisões, era só Aché. Então naquela época estava tendo as fusões, os laboratórios nacionais estavam sendo vendidos para as multinacionais. Eu me lembro que eu cheguei uma vez no hospital, quando eu desci, estava com uma porção de colegas, falaram: "Olha, você hoje foi vendido para a Shell. A Shell te comprou." Aí eu falei: "Ah, então eu vou vender gasolina agora?" (risos) Aí falaram: "Não, a Shell vai investir no seu laboratório." Aí eu falei: "Vou esperar então para ver o que acontece." Mas passava, não era. Daqui a pouco: "A Pfizer te comprou. Agora você é funcionário da Pfizer." "Vamos esperar, ver o que acontece." Nada. Então o Aché foi vencendo obstáculos e eu também. Eu costumo dizer que a minha história confunde com a história do Aché. Porque o Aché começou com quatro representantes com uma pasta na mão e essa pasta se transformou num laboratório que é a maior indústria farmacêutica do Brasil. A minha história também começou com uma pasta e transformou a minha vida no que sou hoje, um representante respeitado e considerado. E eu me valorizo e sou valorizado pela classe médica e por todo mundo que convive comigo. Eu acho inclusive que eu fiz a classe de representante, porque eu não quis crescer no Aché, que é um detalhe que nós vamos falar sobre isso, eu quis ser representante, eu não quis crescer. Então eu fiz com que a classe fosse vista pelos médicos, pela sociedade, como uma classe respeitada, na cidade onde eu moro. Opção pela propaganda MP - Essa opção de querer continuar sendo representante é por quê? Jorge - Você tem que ver o seguinte: na época em que eu era representante eu fui chamado. Porque o Aché tem uma história: você trabalha até um determinado tempo assim. Depois daquele determinado tempo você teria que fazer a opção de ser supervisor. Mas essa opção você teria também que mudar para Belo Horizonte. Mas veja bem, eu tinha casa própria, que eu consegui através do Aché. Até quero falar, abrir um parêntesis aí: quando eu comecei a trabalhar no Aché a gente ganhava muito dinheiro. Com um ano eu comprei 16 alqueires de terra e com dois anos depois eu fiz a minha casa, financiada pelo sistema financeiro do BNH, mas depois eu a quitei. Tudo assim, pelo dinheiro que a gente ganhava vendendo os remédios do laboratório, do Aché. Então a minha vida respalda toda em cima disso. O Aché me deu toda a estrutura, toda a condição de criar a família e de educar os filhos e ter uma vida digna. Mas eu estava falando, o Aché tinha um plano de que depois de um determinado tempo você tinha que ser supervisor. Se você não fosse você era mandado embora, porque você tinha que crescer. Mas como eu vendia muito bem e eu tinha casa na cidade, casa boa, nova, meu pai, minha mãe, meu sogro, minha sogra, toda a família morava na cidade, eu pensei o seguinte: "Se eu virar supervisor eu vou ter que mudar para Belo Horizonte. Aí o dinheiro do aluguel para alugar minha casa eu não consigo pagar o aluguel em Belo Horizonte, que é uma cidade maior, mais cara. Todas as férias que eu tiver, para onde eu vou? Para Teófilo Otoni. Porque lá está minha sogra, meu sogro, minha mãe, meu pai, eu vou ter que visitá-los." Que a gente só tinha vinte dias de férias. Aí eu tinha que ir para lá. Vinte dias no Natal e dez no Carnaval, era assim que funcionava. Então eu tinha que ir para lá. Eu optei o seguinte: em vez de sair de lá, eu ia ficar lá e nas minhas férias eu iria conhecer o Brasil, como eu fiz. Então todo fim de ano eu ia para cada lugar diferente. Conheci o Brasil pelo Aché direto, trabalhando de férias. Outro detalhe: o supervisor ganhava sobre a equipe. Então nós somos uma equipe aqui, eu vendi mais, você vendeu menos, aí soma e divide, o supervisor ganhava. Então eu sempre ganhava mais do que o supervisor. Para que eu ia ser supervisor, se eu ganhava mais do que ele? Outra coisa: o Aché na época dava uns fusquinhas para o supervisor andar. Eu andava de Passat, de Voyage, eu ia andar de fusquinha? Então ficava ruim. Então tudo isso levou com que eu não aceitasse. Outra coisa: eu nunca tive sonho, eu preferi... A minha visão era a seguinte: eu vou ser um excelente representante, propagandista e não um mais ou menos supervisor. Então eu preferi especializar na área. Então eu hoje me considero um excelente representante, faço um trabalho que ninguém faz. Não é à toa que eu estou lá há vinte e cinco anos. No meu trabalho eu me valorizo, quando o cara fala: "Esse médico é difícil, ele não gosta de receber visita." É esse que eu quero. Por que os outros não conseguem? É esse que eu quero. Aí eu quero saber por que ele não me recebe bem. MP - É uma profissão que mudou muito nesses 25 anos? Jorge - Não. Eu acho que não. As cabeças pensantes da chefia, eles procuram melhorar, aperfeiçoar e tal, mas na minha visão de representante a base é sempre a mesma. Quando você chega num médico, por mais amizade que você tem com ele, por mais intimidade que você tem com ele, você ali é um representante e ele é um médico. Então você chega, faz o seu trabalho, aí você começa a sentir a reação dele. Se ele abrir para você, aí você pode abrir com ele. Mas vai que é um dia em que ele está nervoso, está com raiva. Aí ele pode não te escutar legal. Você não pode, porque você é íntimo a um médico, chegar já com brincadeira com o médico. Isso existe, isso eu falo para os novatos que a propaganda é bom senso, é só bom senso. Se eu chego para você, médico, e eu me apresento, quero trabalhar, eu tenho que esperar a sua reação para ver como é que você vai me receber. Friamente, o trabalho técnico. Se você vai mais e abre: "Ô, Jorge Como é que vai? Tudo bem?" Aí eu já começo a conversar com você outras coisas. Então aí nas aberturas é que você vai encaixando o seu remédio, vai propagando, vai falando sobre ele, vai pedindo. Porque muitas vezes você pedir ao médico para receitar ele pode encarar como uma coisa agressiva. Então você tem que saber a hora de pedir, a hora de falar. E sempre deixar ele falar. Muitas vezes ele quer falar mais do que a gente. Primeira propaganda MP - Você lembra da primeira visita? Jorge - A primeira visita eu trabalhei com um supervisor. A gente decorava texto, decora até hoje, decora texto, para te dar uma base. Em cima daquilo você vai falar. Depois de uma certa experiência você já fala, modifica um pouco o texto, de acordo com a pessoa, com o tempo que ele te dá e com a forma que você vai trabalhar. Mas as primeiras visitas, elas são sempre traumatizantes. Você sempre fica com o papel tremendo, você sempre gagueja, ou então se o médico te interrompe você tem que voltar outra vez para fazer. Mas eu toda a vida trabalhei de uma maneira que eu tentasse mostrar mais frieza possível, mais controle possível. E como eu trabalhei com um supervisor nas primeiras visitas eu estava com mais segurança, porque ele estava ali perto. A gente falava, o que eu não falava ele consertava, aumentava, corrigia. Nunca tive grandes dificuldades, não. MP - O material de apoio naquela época qual era, Jorge? Jorge - Eram literaturas e amostras. É o que é até hoje. MP - Mudou muito as literaturas e as amostras, brindes, no decorrer dos anos? Jorge - Não, o Aché toda a vida pautou mais para dar amostras, os brindes foram menos do que os outros laboratórios que a gente vê. Existe as literaturas, que são mais complexas, elas abrem mais, dão mais informação. Mas quanto mais informação, mais incomoda o médico. Então ele prefere você falando ou então você deixar um trabalho para ele ler. Mas em geral o médico, a boa propaganda, no meu entender, é aquela em que você está conversando e está induzindo o médico a receitar. É lógico que quando você propaga com a literatura você está com um respaldo ali na mão, ele está olhando, acompanhando você falar, porque realmente precisa da literatura ou de um resíduo, de uma amostra. Porque você deixa a amostra, o médico vai manusear aquilo e vai lembrando dos produtos, vai ficar ali na mesa ou na gaveta, a hora que ele abre, ele vê. É muito importante a amostra e também a literatura, muito importante. Então o trabalho que os laboratórios fazem, de dar literatura e amostra, eu acho que ele não deve parar nunca, deve sempre ter. Diferencial do Aché MP - E tinha algum diferencial do trabalho feito pela propaganda do Aché em relação ao propagandista de outro laboratório? Jorge - Tem. Tinha bastante. Quando eu comecei a trabalhar, nós visitávamos todos os médicos. Inclusive eu lembro que eu visitava oftalmologista, que não tem nada a ver, cirurgião, todos os médicos. O cara era médico, a gente visitava. Oftalmologista, por exemplo, nós nunca tivemos colírio. Mas visitávamos. A gente tinha um remédio chamado Iskemil, eu brincava: "Doutor, quando o senhor puxar o olho do cara assim para fazer o exame da pressão do olho, se o senhor ver que está branco, receite Combiron, que é um remédio que melhora a anemia do paciente, acaba com a anemia do paciente." (risos) Ele ria e acabava receitando. Mas era um trabalho mais social. Mas com essa brincadeira o Aché atingia todo mundo. MP - Por que os outros só faziam...? Jorge - Só faziam a especialidade. Eu até comentei isso outro dia, porque quando o Aché lançou o Deprax, que é um remédio anti-depressivo, era para trabalhar só com os psiquiatras. Aí em Belo Horizonte tinha um setor que tinha 180 psiquiatras. E eu só tinha dois psiquiatras. Aí eu peguei os meus anti-depressivos e trabalhei todos os clínicos do meu setor. E eles trabalharam lá os psiquiatras, os 180. Eu vendi o mesmo tanto que Belo Horizonte vendeu, eu vendi sozinho com dois psiquiatras. Então eu quero dizer o seguinte: muitas vezes, quando você dirige a propaganda, você deixa de vender para aquele outro que pode te ajudar. Então isso é muito bom senso, eu volto a falar que a propaganda é bom senso. MP - E em relação à abordagem do médico? A postura do propagandista do Aché era diferente dos outros laboratórios? Jorge - O Aché visitava quinzenalmente, quando eu comecei era quinzenalmente. Hoje é mensal e alguns médicos a gente faz quinzenalmente. Visitava quinzenalmente o médico, e visitava a farmácia e cobrava duplicata. Então o Aché, na minha época de início, a gente chamava PVC, era Propagandista, Vendedor e Cobrador. Então você tinha um controle maior. Tipo assim, se eu propagava para o médico, ia na farmácia e não vendia, então voltava no médico: "Doutor, não estou vendendo. Espera aí." Então o meu controle era muito maior. "Doutor, não está vendendo." Então aí você fazia esse tipo de trabalho. E era um trabalho, você tinha que correr atrás mesmo, porque você vender, propagar e cobrar, o tempo ficava muito menor para você fazer isso. Hoje é muito bom. Eu gostaria de estar entrando no Aché hoje. MP - Os outros laboratórios não faziam esses três papéis? Jorge - A maioria, não. Dia a dia de propagandista MP - Eu queria que você contasse um pouco a sua rotina. Você morava em Teófilo Otoni, saía na segunda-feira, ficava viajando a semana toda? Jorge - Ainda faço isso. MP - Faz isso. Quantos quilômetros por semana? Jorge - Tem semana que eu rodo 1.250 quilômetros, tem semana que eu rodo 800. Mas o total de quilômetros que eu rodo por mês é um total de 4.500 quilômetros por mês. Eu saio segunda-feira e volto sexta-feira para casa. Aí tem uma semana que eu fico dois dias em casa, viajo, volto, fico mais outro. E as outras semanas todas viajando. Então os meus filhos eu não vi crescer. Por isso é que eu dou valor a minha esposa porque, como a minha mãe, ela que foi a responsável pela criação das crianças. Eu hoje falo com ela: "As crianças são o que são, você é responsável. Mas eu quero te dar os parabéns, porque são crianças..." Então ela é total responsável por isso. Agora minha filha está esperando neném, vai ganhar agora em maio, eu vou ser vovô, e eu estou querendo daqui uns anos só curtir neto. MP - Está certo. Antes da gente chegar lá no futuro eu queria voltar um pouquinho na sua rotina no começo. Você ia sozinho no carro, enchia o carro de amostras, de literatura e ia naquelas estradas de terra? Como era? Jorge - Era terrível. (risos) Era de Volkswagen, porque quando eu comecei eu tinha um Volkswagen, Fuscão, 74. Era muito limpinho, que eu era gerente de oficina, o carro era todo cuidadinho, bonitinho. Aí quando eu comecei a jogá-lo naquelas estradas foi um sofrimento do carro. Mas era assim, a gente enchia o carro de amostra, de literatura, de mala, de corrente, de corda, como eu falei, e tocava o pau. Aí trabalhava a semana toda, cobrava, à noite ia para... Vendia durante o dia, propagava, à noite ia fazer os relatórios, somar e fazer os cálculos dos pedidos, malote e reunião de 15 em 15 dias em Belo Horizonte, aos sábados. Então a gente viajava a semana toda, duas semanas viajando, trabalhando, chegava em casa na sexta-feira, ia à noite de ônibus para Belo Horizonte, são 470 quilômetros da minha cidade lá, 473 quilômetros. Aí pegava o ônibus, não era leito, era ônibus comum. Você viajava a noite toda, chegava de manhã às seis horas, tomava café numa padaria, entrava no Aché, assistia a reunião o dia inteiro e a reunião era prova de produtos que a gente tinha que estudar, que era demarcado antes, arguição oral. Estava todo mundo, o supervisor perguntava: "Fala o que é isso?" E você tinha que falar, se não falasse era corrigido. E além disso você tinha que fazer as prestações de conta ali, tudo num dia só. Aí você à noite pegava o ônibus outra vez, às dez horas da noite, amanhecia em casa. Aí no domingo você arrumava a mala, as amostras, e segunda-feira na estrada outra vez. Então você pode imaginar onde ficava a família nisso. MP - E essa ida para Belo Horizonte de 15 em 15 dias. Isso era considerado um treinamento? Jorge - Um treinamento. MP - Isso foi mudando com o tempo? Jorge - Foi mudando. Hoje, como eu estava te falando, eu gostaria demais de entrar no Aché hoje. Porque quando eu entrei a gente fazia o curso em um hotel de alta rotatividade na Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, que o assoalho era de tábua, um hotel terrível. A gente ficava lá. Quando você tinha ajuda de custo, o Aché dava uma ajuda de custo. Então a gente, quando reclamava que o dinheiro não estava dando para pagar a gasolina nem o hotel e nem a comida, eles: "Não, isso é uma ajuda de custo." Então chamava ajuda de custo. Então só dava para comer PF e a gente dormia em pensão mesmo, em hotelzinho vagabundo mesmo. Hoje a coisa mudou sensivelmente. Hoje a gente anda de avião, hoje você tem carro com ar condicionado, hoje você tem cartão que você almoça e passa o cartão, você nem usa o seu dinheiro. Hoje você fica em hotel, o melhor da cidade. Então hoje quando o novato reclama alguma coisa, eu estou numa reunião e um cara chega e reclama, eu falo: "Rapaz, vem cá, deixa eu conversar com você. Deixa eu te contar umas histórias aqui para você saber o que você está levando de vantagem." MP - E em relação a esses encontros quinzenais, isso mudou também? Jorge - Mudou, hoje é bimensal. E antigamente a gente fazia as reuniões no próprio Aché, agora faz em hotel fazenda, em hotéis demarcados pela empresa, mas são todos com estrutura de ar condicionado, de cafezinho, breakfast, o almoço. É a maior mordomia que você pode pensar. Hoje está todo mundo no céu. Quem entrar numa empresa como o Aché hoje, ele vai estar muito bem. Eu acho e aconselho, que o sujeito que entrar no Aché hoje vai estar usufruindo de coisas que nós não usufruímos, só ajudamos a construir. Contato com o médico MP - Quando você entrava no carro na segunda para rodar, na verdade vai visitar que tipo de médico? É médico de hospital? É médico de pequeno consultório? Jorge - O médico no interior, ele normalmente é médico de família, ele tanto consulta a criança... Não na cidade maior. Eu visito 65 cidades. São cidades, a maior cidade que eu visito tem 140 mil habitantes, a maior. Mas normalmente é cidade de 20 mil, de 30 mil habitantes. Esses médicos, eles fazem tudo, normalmente. Ele é o pediatra, ele é o clínico, ele é o ginecologista. Então aquele que tem uma especialidade, ele nunca está livre de um parente que é uma criança e ele receitar. Então restringe um pouco. É o que eu falo outra vez, é o bom senso. Você tem que conhecer o médico para saber as oportunidades que ele tem de receitar. Mesmo que você o visite como ginecologista, mas ele tem chance de receitar um remédio para pediatria. Você vai dar especificamente aquilo que vem dirigido para ele, mas nada te detém de você lembrá-lo dos produtos para outra área. E é o que eu faço. MP - E você chega hoje na cidade, você já é super conhecido? Jorge - Eu costumo brincar o seguinte: como eu fiquei 25 anos na cidade, aí visitava o pai, aí o filho desse doutor já formou, aí eu já visito o filho, e já estou chegando nos netos desse primeiro médico. Então é toda uma geração de médico, de amigos, de pessoas, eu visito. Então eu costumo falar que de tanto ficar na cidade e de tanto falar dos meus produtos e de... Por exemplo, o médico me vê, ele lembra que precisa de um anti-inflamatório e me fala: "Jorge, eu preciso do Biofenac, arruma para mim. Ou liga lá para casa, ou pede." Aí eu costumo brincar assim: "Só de andar na rua eu já estou fazendo propaganda, porque o médico vai lembrar do meu produto, que está ligado a mim." Por exemplo, uma curiosidade que a minha mulher até brincou comigo outro dia: "Jorge, o rapaz ligou para cá procurando o Jorge do Aché, eu falei que aqui não tem não, que aqui é Jorge Rodrigues de Oliveira." Eu falei: "Não, é assim que é." Porque eu hoje não sou conhecido por Jorge Rodrigues de Oliveira, todo mundo me conhece como Jorge do Aché. MP - Tem algum médico, alguma visita que foi mais marcante para você, que você acha que simboliza bem essa relação? Jorge - Tem. Tem muitas histórias, todo médico é importante para mim, todo médico. Tem muito médico. Hoje o gerente vai lá me visitar, o médico questiona por que ele está indo comigo. Aí o meu GD sabiamente fala que vai para aprender. Mas eu estou falando sabiamente, eu estou brincando. Mas eu digo assim: o GD sente a aproximação que a gente já tem com os médicos. Eu acho que a empresa deve valorizar, igual está valorizando agora, me trazendo à São Paulo depois de 25 anos, está me trazendo para eu conhecer a fábrica, fazer uma entrevista comigo na revista de integração e agora vocês aqui no museu da história. E eu até falei com eles: "Gente, eu sou um abridor de portas do Aché, eu consegui fazer isso. E eu que sou sempre o primeiro. Mas eu gostaria muito de que eles fizessem isso com os outros." Porque tem muitos colegas nossos lá que têm 19 anos, 17 anos. E a massagem do ego é muito importante para a gente. Você está lá numa ponta, você sonha: "Como será o Aché? Como é que é que faz os remédios?" Você não sabe nada disso. Você está vendendo uma coisa que você não sabe como é que faz. Então o Aché me trouxe hoje, me levou, eu conheci a fábrica, achei interessante aquilo. Aí eu vi a quantidade de remédio que fazem, eu pensei: "Gente, eu tenho que vender mais do que eu estou vendendo, porque fazem muito." Então eu acho que é muito. Você conhece, você conversa com os diretores. Igual eu conversei com o Bandeira de Mello, conversei com o Sérgio, com o Wagner Castilho, são pessoas que a gente tem como mito. Você olha, você vê nas revistas, você vê falar. Aí quando você encosta é como se fosse um cantor que você vê. "Ah, você que é fulano?" Sócios-fundadores do Aché MP - Nesses anos de trabalho qual sócio teve mais presença junto a vocês? Jorge - Nenhum. Só o Miro, o Adalmiro esteve. O Adalmiro, quando eu comecei no Aché, era ele que ia lá. Era ele que ia a Belo Horizonte fazer as conferências das vendas, de tudo que acontecia no Aché, era ele. Então eu tinha convivência muito boa com ele, eu o admiro muito. MP - Como é que o senhor descreveria essa ação do senhor Adalmiro? Jorge - Eu acho, porque como existe o Silvio Santos, que é um cara que começou do nada e cresceu, não desmerecendo os outros, porque eu não conheci o Victor, não conheci os outros, eu não conheço os outros. O Adalmiro foi o único que eu tive contato. E ele eu considero uma pessoa que tem uma visão maior do que o ser humano comum. Como eu estou dizendo, existe o Silvio Santos, que cresceu e fez um império, o Adalmiro também, na minha visão, que eu era visitado só por ele, eu achava que ele... Para mim era ele que era o dono ali. Eu sabia dos outros, mas a pessoa dele é que era importante. E eu, quando eu conversava com ele, eu via que ele tinha uma visão maior, ele enxergava na frente da gente. Então os contatos que ele tinha com a gente era muito importante. Eu achava que os donos, apesar do trabalho todo, eu achava que de vez em quando tinha que nos visitar. Para materializar o sonho da gente. Campanhas MP - Nesses anos todos algum produto, alguma campanha te marcou de forma especial, Jorge? Jorge - No ano passado nós fizemos um trabalho de voluntariado. Foi a pedido do Victor, parece. O Victor entrou, mudou toda uma estrutura que tinha de militarismo lá. O Victor fez uma coisa importante. Porque na minha visão, por exemplo, o Aché tinha um militarismo muito grande, de cima para baixo. Aí o Victor virou a pirâmide. Agora é de baixo para cima, tanto que eu estou aqui hoje, graças à iniciativa dele de ter tido a visão de que... (pausa) Concorrência MP - Nesses anos todos mudou alguma coisa em relação à concorrência, à presença dos outros laboratórios no dia a dia? Jorge - Mudou. Como eu estava te falando, quando eu comecei, em 1977, os laboratórios de grande porte, multinacionais, eles iam nesses lugares também que eu ia, nas cidades principais, como Almenara, Araçuaí, Pedra Azul, Nanuque. Mas depois das fusões de compras e vendas, e as dificuldades, o custo, as inflações, os laboratórios maiores foram retraindo, foram saindo desses lugares. Eles hoje se restringem a cidades maiores. Tem laboratório, por exemplo, que só vai até Teófilo Otoni, ele já não vai nem a Nanuque ou em Almenara, não vai mais. Volta e meia alguém faz uma investida. O ano passado mesmo a Pfizer começou a abrir todo o vale. As cidades maiores também. A Vale fez isso. De repente já parou. A Boehringer fez isso, já parou. O Aché, não. O Aché toda a vida investiu no médico no interior, ele sempre valorizou. Tem cidades que você passa, tem um médico. Um médico. Você vê que... E a gente vai lá visitá-lo. E dá o mesmo respaldo que dá para, aqui em São Paulo, o melhor médico. Contato com o médico MP - Você lembra alguma cidade dessas que tem um médico só? Jorge - Tem várias. Tem uma cidade chamada Chapada do Norte. Tem dois médicos agora, mas era um médico antes. Essa cidade nunca tinha médico, agora, porque depois que a política do governo mudou e que as prefeituras estão trabalhando, são responsáveis pela saúde, esse trabalho de saúde do PSF, então toda cidade tem o seu PSF. Então precisa de um, dois médicos. Mas são cidades que você passa numa rua só, assim. Nunca tem médico, mas agora tem. Nós, toda a vida, trabalhamos com as pequenas cidades, com os médicos do interior, nós éramos a maior informação para eles, que eles tinham dificuldade, por exemplo, de ir aos congressos, o médico para ir a um congresso é difícil, o custo é alto, e nós o informávamos. Até hoje, a gente informa ainda. MP - Sobre os medicamentos? Jorge - Sobre os medicamentos que estão saindo de linha, os medicamentos lançados. Então os médicos muitas vezes são informados por nós, por muitas coisas. E nós, o médico lá no interior fazia isso muito: "Ô, Jorge, você vai em tal cidade?" "Vou." "Manda um abraço para o meu amigo lá, fala com ele que qualquer dia..." Então a gente vira um elo de comunicação. Tem muito médico que fala: "Ô, Jorge, eu estou saindo daqui que o prefeito arrumou outra pessoa, ou vai me mandar embora. Eu não estou satisfeito. Você não sabe de uma cidade que está precisando?" Aí eu informo, eu passo para ele a cidade que está precisando. O médico: "Jorge, eu estou precisando de um pediatra." Aí eu estou lá, o sujeito fala que está saindo, aí eu informo. Então a gente vira um elo. Tem muito médico que eu coloquei em cidade. Muita gente me deve esse tipo de favor que eu cobro com receio. Relação com as farmácias MP - E a relação com as farmácias? Quando você entrou existia essa relação? Jorge - A farmácia, o Aché tinha uma política muito dura. A política do Aché com farmácia era uma política dura. E até hoje a gente sofre por isso, mas sofre mesmo. Porque funcionava assim: eu ia numa cidade, naquele tempo o ministro ainda não mandava a farmácia mudar a receita, e não tinha genérico. E não tinha tanto similar que tem por aí agora. Então eu ia no médico, fazia a propaganda, o médico receitava e a farmácia vendia. Só que eu tinha cota para vender. Eu tinha um mínimo para vender. O cara não podia pedir só um remédio, dois. E demorava 45 dias para chegar, que eu tirava o pedido, mandava para Belo Horizonte, Belo Horizonte mandava para São Paulo, São Paulo mandava para Belo Horizonte, Belo Horizonte mandava para a transportadora e a transportadora entregava. Então o tempo era 45 dias. Então eles tinham que comprar uma quantidade maior para poder aguentar até a outra vez que eu voltava, porque eu fazia de 15 em 15 dias, para fazer uma rotatividade. Só que se você tivesse uma farmácia nova, você abria uma farmácia nova e quisesse comprar a do Aché, você podia comprar, mas tinha que ter dinheiro antecipado. Então você comprava, pagava, 45 dias depois você recebia o medicamento e começava a vender. Era uma vez? Não. Eram três vezes, tinha que comprar três vezes à vista. E depois eu só abria o seu crédito se você já comprou de outros laboratórios, comprou, pagou, eu tirava xerox das duplicatas e mandava comprovando que você pagava em dia. Então as farmácias viviam... Só nós que vendíamos, não tinha distribuidora. Então ela vivia presa ao laboratório. MP - E o propagandista ia lá tanto para tirar o pedido como para cobrar? Jorge - Para cobrar. Nós fazíamos todo esse trabalho. E o prazo era pequeno. MP - E quando é que mudou esse sistema, você lembra? Jorge - Esse sistema começou a mudar quando começou a abrir as distribuidoras. Aí abriu as distribuidoras, as próprias distribuidoras começaram a vender. Depois que houve a venda da distribuidora, nós ainda continuamos vendendo um pouco. Mas aí eles já não queriam comprar na nossa mão, porque a gente vendia quantidade x e eles podiam na distribuidora comprar qualquer quantidade e vinha mais rápido. Para nós foi muito bom. Eu acho que o sistema de vender por distribuidoras te poupa muito tempo tanto para vender como de cobrar. Porque você perde tempo. Muitas vezes a farmácia, o sujeito não está lá para te pagar, você tem que ficar na cidade esperando. MP - Em que época que acontece essa mudança, você lembra? Jorge - Não. MP - Anos 80, 90? Jorge - Por aí. Eu não gravo muito data, mas... MP - Quer dizer que você chegava numa cidade, visitava os médicos e visitava a farmácia também? Jorge - É. MP - Ficava lá de plantão. Jorge - Até hoje eu ainda visito, eu vou muito à farmácia, mas é para me informar se o remédio está vendendo, se os médicos estão receitando determinado produto, o que está parado para eu pedir para ele para reforçar a receita. Mas hoje eu vejo o seguinte: hoje a farmácia vem substituindo. Eu não sei se você sabe. Existe o remédio de marca, que é o remédio Aché, Pfizer, Schering, e existe o genérico e existe o similar. A indústria similar é aquela que copia e vende mais barato. Não só mais barato, mas é um produto que o médico questiona muito, que o médico sempre receita um produto e ele é trocado por um similar e a pessoa não melhora. Então questiona: "Será que tinha a quantidade de sal relativa para a pessoa curar a doença?" Então a gente tem essa idéia de que é um produto falso, ou então em quantidade menor do que deveria ser. Aí o ministro vai na televisão e fala que você pede para o médico passar genérico ou então que substitua por um mais barato. Se você vai na farmácia e fala: "Olha, esse aqui custa dez, esse aqui custa dois." Você compra o de dois. Só que a farmácia devia fazer o seguinte: quando receber o remédio, dizer "Olha, existe o de marca, o genérico e existe esse outro aqui." Mas a informação é a seguinte: é que a troca da receita está sendo feita demais. Aí você é médica, você receita um remédio, o sujeito lá do balcão, que nem é farmacêutico, nem estudou para isso, substitui o remédio que você procura por um outro similar que muitas vezes nem é o tratamento ideal. MP - Isso é bem recente? Jorge - É, bem recente. E é isso que está fazendo com que a indústria farmacêutica tenha que repensar no que deve ser feito. Mudança de material MP - Em relação aos produtos do Aché, nesses anos todos de trabalho o teu material, os teus produtos, eles foram mudando muito? Jorge - Não, eu fiquei praticamente 25 anos com a mesma linha. Este ano é que mudou. Então este ano, é até um desafio para mim, eu estou até gostando, mas eu trabalhei 25 anos com o mesmo tipo de produto. Eu trabalhei sempre com a linha mãe do Aché, que é a linha base do Aché. Então agora, este ano, mudou a linha, eu estou com uma linha de produtos totalmente diferente. E está sendo um desafio para mim. Produto marcante MP - Em relação a esses produtos da linha mãe teve alguma campanha, algum produto que era o teu preferido, que te marcou mais? Jorge - Não, o produto com que eu mais me identificava e gostava de trabalhar foi o Biofenac, tanto que no lançamento do Biofenac Aerosol eu fui um dos campeões de venda. MP - Por que você gostava dele? Jorge - Eu me identificava com o produto, todo médico para mim era potencial para receitá-lo. Não tem ninguém que não sente dor ou não tenha alguma dor com inflamação. Então era um produto bom de vender, bom de pedir para o médico te ajudar naquele sentido. Então era um produto com que eu me identificava. Agora eu tive outros produtos que... Porque eu gosto muito do desafio, tipo: "Aquele produto que não está vendendo, então é esse que tem que sair. Espera aí, me dá ele aí que eu vou fazer ele vender." Por isso que eu vou na farmácia e quero saber o que não está vendendo. Porque aí eu vou trabalhar em cima daquilo de uma maneira diferente e vou fazer com que o médico me ajude. E o médico ajuda, o médico primeiro recebe você pelo laboratório e depois pela pessoa. E muitos receitam por você mesmo. Ele gosta de você, quer te ajudar e receita. Então é um trabalho muito bom, muito gratificante. Colegas de trabalho MP - Para ir terminando, eu queria te perguntar sobre esse convívio com os colegas de trabalho. Em 25 anos de trabalho imagino que tem muitas amizades. Como é esse dia a dia com os outros propagandistas? Jorge - Olha, eu particularmente nunca tive nada, nenhum atrito com ninguém. Eu tive muitos gerentes, muitos supervisores e a maioria deles que saiu são meus amigos. Eu tive pouco atritos dentro do Aché, pouquíssimos. Os que tive, se eu estou lá, é porque eu consegui vencer e eles não estão. Quanto aos amigos de outras linhas e trabalham no mesmo setor, na mesma área que eu, todos me respeitam, todos me consideram um mito. Toda vez que eu encontro alguém: "Ah, você que é o Jorge, rapaz? Tem 25? Você é um herói" Então me respeitam, me valorizam, eu acho que por mim muita gente quis ser só propagandista, porque antigamente o sonho era maior de crescer, crescer, crescer. E eu vejo colegas hoje que falam: "Não, Jorge, eu quero ser igual a você. Eu quero ser representante cheio e não supervisor murcho." Então isso é muito importante para mim, me valoriza e faz com que eu me sinta bem. Ponto de encontro MP - Tem algum ponto de encontro? Vocês têm uma tradição de se encontrar em algum lugar? Jorge - Tem, a gente sempre antes do trabalho, antes do horário de sair a gente se encontra num local pré-determinado e aí a gente troca informações. Tipo: "Vem cá, eu estou querendo visitar tal médico. Ele está?" "Não, ele não está hoje, ele vai chegar tarde." Ou: "Está, pode ir visitar." Então a gente sempre troca informações, conta piada, conversa, fala sobre as estradas, sobre o melhor lugar de... "Ah, abriu um hotel novo em tal lugar." O melhor lugar para você ir, a comida do restaurante x, tal. Eu gosto muito de galinha, frango caipira com angu e quiabo. Aí a gente fica sempre procurando os lugares que... (risos) MP - Esse ponto de encontro onde é? Lá em Teófilo Otoni? Jorge - O ponto de encontro é sempre em Teófilo, na cidade principal, porque muitas vezes o supervisor pode vir e você fica naquele local para esperá-lo. Mas depois... MP - Mas o que é? É uma filial? Jorge - Não, é na porta do hospital, é na rua mesmo. A gente conversa em um local pré-determinado, que não atrapalhe ninguém. Porque quando tem muito representante junto faz muito barulho. Então conversa muito, gesticula bastante. Mas a gente procura sempre estar perto de um local que não vai incomodar ninguém e que a gente também fica à vontade. Projeto marcante MP - E nesses anos teve alguma festa ou alguma confraternização, algum projeto no Aché que foi mais marcante para você? Jorge - Está sendo esta. O que está marcando a minha vida é essa visita a São Paulo, é essa oportunidade de estar conhecendo a fábrica, as pessoas, a direção. Isso foi mais marcante, o resto é... A gente tem uma associação de representantes também em Governador Valadares, a gente reúne, conversa e joga bola, tem a festa do viajante. Em geral eu não vou, não. Mas tem a festa, o pessoal confraterniza, joga futebol. Lá em Teófilo Otoni a associação médica nos convida sempre. Então a associação médica quando dá festa, sempre o Aché está sendo convidado. Então o Aché, na pessoa nossa. Então nós temos um convívio muito bom com os médicos e a gente convive com eles no sentido de frequentar as festas dos médicos. Por exemplo, no dia do médico vai dar festa, o baile, o jantar, a turma de representante de Teófilo Otoni está sempre lá. MP - Teve alguma que você tenha gostado de forma especial? Jorge - Dos médicos todas elas a gente gosta, porque o convívio é muito bom e a gente cria mais amizade e convívio. E fica mais fácil também para a gente trabalhar com eles. Abre mais espaço. No interior é bom para trabalhar, o médico não é tão empossado da figura de doutor, ele é mais um ser humano mesmo. Voluntariado MP - Você estava contando da experiência do voluntariado o ano passado? Jorge - Ah, sim. Aí o Victor o ano passado me sugeriu que fizesse um voluntariado, aí nós fizemos um hospital com as mães que tinham ganhado neném naquele dia. Foi uma experiência boa, gostei de ter feito voluntariado. Mas precisou alguém incentivar para fazer. Mas foi bom, foi uma coisa, assim, marcante. Foi interessante. MP - Por quê? Jorge - Porque você ajuda alguém, conversa com pessoas diferentes e vê que você não precisa só te ajudar, você tem oportunidade de ajudar as pessoas em mínimas coisas. Coisas que para você não são importantes, para eles podem ser. Então foi bom. Eu acho que o Victor está mudando a cara do Aché. MP - Por quê? Jorge - Porque o Aché era muito militar, hoje ele está dando mais abertura. Uma coisa que aconteceu muito, que me marcou muito, que eu achei muito bom, foi receber um e-mail dele, do filho, por exemplo, da direção, falando que quando quisesse falar alguma coisa, reclamar, pudesse ligar direto para eles. Era uma coisa impossível. A gente não tinha acesso à direção. Igual eu estava te falando, a gente via as coisas como mito lá, longe. Agora não, o Aché está com uma abertura que nos permite dar idéias, opiniões e poder falar sem medo com as pessoas que nos dirigem. Mudanças no Aché MP - Porque antes como é que era? Quando você diz militar, em que sentido? Jorge - Militarismo era o seguinte: eu só podia conversar com o meu supervisor. Vamos dizer que nós... Estava meu supervisor aqui, meu gerente ali e o dono do Aché ali. Se eu quisesse conversar com o dono do Aché não podia. A não ser coisas bobas. Mas se eu quisesse perguntar alguma coisa importante ou uma coisa do meu interesse, ou uma informação qualquer, eu tinha que ir ao supervisor, supervisor ao gerente, gerente ao regional, e aí ia até chegar lá. Era muito... E eu era... De vez em quando eu furava esses esquemas, que os caras iam em Belo Horizonte e eu já ia direto, aí levava umas pregadas... MP - E em termos de exigência nos treinamentos, também era menos flexível? Jorge - Muito menos flexível. Era um stress muito grande, a pessoa tinha determinados produtos para estudar, você não podia tirar menos de oito. Se você tirasse oito já estava ruim. A nota mínima era dez. Então você não tinha o direito de errar. Se você desse uma resposta, na segunda-feira o supervisor estava na sua casa, no seu trabalho, perturbando para você estudar. MP - Essa filosofia mudou um pouco? Jorge - Mudou. Hoje está mais light. Hoje não é aquilo só decorado, você tem que entender. Você, para poder trabalhar hoje, você tem que entender e não decorar. Eu acho importante você ter a literatura, decorá-la, para você ter base. Mas necessariamente, é como eu falo, você tem que conversar com o médico vendo... Porque, pensa bem, eu vou fazer uma ladainha para você: "É isso, é isso e isso..." Você vai olhar para mim, mas não vai me escutar. Agora se eu te fizer participar da conversa, muda. Se eu começar a perguntar para você o que você acha do produto, se tem mais oportunidade ou não, em quais indicações você indicaria aquele produto para me ajudar. E no fim, você: "Dentro do possível, se você puder receitar, eu gostaria muito, vai me ajudar bastante." Então o médico te ajuda, a pessoa te ajuda. Não é um trabalho difícil, é um trabalho de bom senso. Avaliação da carreira MP - Como é que você avalia esses 25 anos de vida de propagandista, Jorge? Jorge - Eu avalio como sucesso. Eu estou realizado como representante, já me sinto realizado. Eu tenho atingido todos os meus objetivos de vida, porque todo ano eu coloco um objetivo e meus objetivos de vida, graças a Deus, eu os atingi. Eu sinto, a minha meta no Aché, ela realizou, está realizando, eu já estou pronto para o Aché me aposentar pela previdência privada. MP - Vai acontecer quando? Jorge - Eu queria que fosse o ano que vem, em setembro. Sonho para o Aché MP - Que sonho você tem para o Aché? Quando você olha para o futuro do Aché, o que você sonha? Jorge - Bom, eu gostaria muito que o Aché... Porque como eu te disse, o Aché começou com uma pasta, hoje é uma indústria do porte que é. Então eu gostaria muito que o Aché crescesse para abrir aqui na América do Sul. Eu até não queria que ele fosse para fora, não. Ficasse aqui, Argentina, Venezuela, tudo isso. E eu gostaria muito que o Aché mantivesse essa linha de crescimento, porque vai ser meu elo de contar a história. Quando eu juntar para ficar caduco ou conversar com os netos e conversar com os amigos, aí eu tenho o orgulho de falar: "Está vendo o Aché? Eu trabalhei lá 25 anos, 30 anos. Fiquei lá até aposentar." Porque o meu objetivo é aposentar no Aché e parar, não quero mais trabalhar no ramo. Aí eu vou me dedicar à minha vida, minha família, só isso. Dia a dia atual MP - Porque hoje como é o seu dia a dia? Você está morando em Teófilo Otoni com a tua esposa? Jorge - Isso. Porque está eu e a esposa, só. A filha é casada, mas a gente tem contato com ela direto. E meu filho trabalha aqui em São Paulo. Ele é engenheiro de telecomunicações, trabalha na Alcatel e ele está muito bem aqui. Os meus filhos são o meu tesouro. A minha esposa dispensa comentários, é minha ajudadora. Foi ela que me deu a maior força para estar até hoje no Aché. Porque se ela cria um problema e eu estava fora de casa, porque eu não parava em casa, talvez eu não tivesse mais. Ou tinha que escolher, ou ela ou o Aché. Talvez eu escolhesse o Aché. (risos) MP - Deixa ela ouvir isso (risos) Jorge - Não, estou brincando, ela sabe que é brincadeira. (risos) Mas ela me ajudou muito, até hoje, sem ela seria impossível. Então eu estou querendo daqui há uns tempos, que o Aché me aposentar, viver só para eles e tomar conta da fazendinha lá, gado. Sonho MP - Esse que é o teu sonho de vida? Jorge - É. Eu nunca quis ser ricão, nunca quis. Eu quis sempre ser o seguinte: viver bem, com luxo, mas sem esbanjar, poder comer bem, num hotel beleza, viajar para onde eu quiser e ter saúde, tranqüilo, para poder fazer isso, mas sem muito dinheiro para me preocupar se eu vou ser roubado, seqüestrado. Eu quero uma vida tranqüila, beleza. MP - Mas na fazenda ou viajando? Jorge - Não, na fazenda é o meu objetivo. Mas eu gosto muito de viajar, eu devo viajar por aí, devo sair por aí. MP - Tem algum sonho específico, de que lugar você gostaria de ir? Jorge - Não. Eu conheço o Brasil todo, já. Eu estou agora querendo conhecer fora do Brasil. Me parece que eu vou ganhar uma passagem, uma viagem de 25 anos. Olha, para você ver, o Aché, que eu tenho 25 anos de Aché e existe uma coisa muito chata lá. Porque se você entrar lá, com 25 dias você ganha a mesma coisa que eu. Então se eu ganho, com a minha experiência, com toda dedicação e com toda experiência que existe para eu entrar no médico, a pessoa que entra e tem dois anos e meio tem os mesmos direitos, as mesmas obrigações, os mesmos deveres e o mesmo salário. Então não existe uma diferenciação. Eu achava que o Aché devia mudar isso, porque senão o sujeito: "Para que ficar 25 anos igual o Jorge? Para que? Ele ganha a mesma coisa, eu ganho a mesma coisa que ele" MP - Porque não é por comissão individual? Jorge - Não, hoje não. Antigamente era, hoje não. Então eu achava que o Aché deveria fazer essa diferenciação. Hoje existe lá, você tem cinco anos ganha isso, dez anos ganha aquilo, 15 anos ganha aquilo, 20 anos... O que eu vou receber para trás? Nada. Mas agora, depois de 25 anos, pelo menos devo ganhar uma viagem ao exterior. Ao exterior assim, aqui na América do Sul, parece. Contar Sua História MP - Para a gente finalizar eu gostaria de fazer uma última pergunta, que é saber o que você achou de ter contado um pouco da tua história aqui, hoje? Jorge - Eu toda a vida pensei assim: "O dia que o Aché me mandar embora ou eu sair do Aché eu vou lá em São Paulo. Eu vou lá em São Paulo, que eu quero conhecer lá, quero conversar." Aí alguém falou: "Mas eles não te recebem lá" E foi um chefe que falou isso comigo. "Eles não te recebem lá." Eu: "Não tem importância. Eu vou pegar um cartaz e ficar na frente: Funcionário de 25 anos está aqui na frente, quer visitar o laboratório." Aí: "O segurança não deixa você entrar." Aí se não tiver jeito nessa situação algum diretor vai passar lá e ver isso. Se não tiver jeito, eu vou lá no Ratinho: "Ratinho, quebra um galho para mim? Vê se o Aché me recebe lá?" Eu ia fazer isso. MP - E não precisou fazer nada disso. Jorge - Não é? Você vê que a mentalidade mudou totalmente, eu estou muito satisfeito com isso. Eu gostaria de estar entrando no Aché hoje. MP - E contar um pouco da tua história, o que você achou dessa experiência? Jorge - Dessa experiência de estar fazendo essa entrevista? MP - É. Jorge - Fascinante. MP - Por quê? Jorge - Porque eu pude desabafar, conversar com pessoas interessantes e poder contar um pouco da história do Aché na minha pessoa. MP - Muito obrigada pela participação. Jorge - De nada.
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