Memória dos Brasileiros
Depoimento de Maria do Socorro Dias Santos (Dona Pequenita)
Entrevistado José Santos e Wini Choe
Pilão Arcado Velho 4 de dezembro de 2007
Museu da Pessoa
MB HV085
P/1 – Dona Pequenita podemos começar a bater nosso papo?
R – Sim, pode.
P/1- Então, eu queria come...Continuar leitura
Memória dos Brasileiros
Depoimento de Maria do Socorro Dias Santos (Dona Pequenita)
Entrevistado José Santos e Wini Choe
Pilão Arcado Velho 4 de dezembro de 2007
Museu da Pessoa
MB HV085
P/1 – Dona Pequenita podemos começar a bater nosso papo?
R – Sim, pode.
P/1- Então, eu queria começar perguntando qual o nome completo da senhora e quando que a senhora nasceu?
R – Eu nasci no dia doze de outubro de 1941.
P/1 – Aonde?
R – Em Pilão Velho.
P/1 – Pilão Velho é aqui? Onde a gente tá?
R – É, Pilão Velho é aqui, é. No dia doze de outubro de 1941.
P/1 – E a senhora foi batizada com que nome?
R – Como Maria do Socorro.
P/1 – E como é que a senhora ganhou esse apelido?
R – Foi minha mãe que colocou.
P/1 – E a senhora poderia falar o nome do seu pai, da sua mãe, pra gente?
R – Posso, João Gualberto Dias e Ana Francisca Dias. Sei de tudo! (risos)
P/1 – E Dona Pequenita eles trabalhavam com o que?
R – Na roça... Na roça. E criei meus filhos "tudo" na roça.
P /1 – E como é que era quando a senhora era pequena, aqui em Pilão Arcado Velho?
R – Quando eu era pequena? Meus pais botava “nois” pra trabalhar. “Nois” trabalhava. Olhe, meu pai largou minha mãe, eu fiquei com idade de oito anos de idade. Fui ajudar minha mãe até pra furar na terra do povo pra poder ajudar minha mãe a criar os filhos dela, não lhe nego. E até hoje to dentro da roça.
P/1 – E quantos irmãos a senhora tinha?
R – Seis, nós somos três. Três homens, três “mulé”.
P/1 – E todo mundo trabalhava?
R – Todo mundo trabalhava. O primeiro começou a botar rede com oito anos de idade.
P/1 – E aonde a senhora morava aqui?
R – Acolá em cima, ali junto do hospital.
P/1 – E como é que era a casa da senhora? Era grande, era pequena?
R – Era grande. Ai a minha mãe foi e voltou pra cidade nova. Quando a chefe chegou, né? Minha mãe foi, voltou pra cidade nova, e a chefe não queria lhe dar casa porque eu estava com nove anos e morava dentro da casa de minha mãe. Ela não queria me dar casa. Só me deram por causa de "Seu" Adoardido, do Licino e os outros, que "falou" sobre pra mim. “Antonsi” eu, “nois”, na casa de farinha, rapando a mandioca... Aí muitos dizia assim, tem deles que vai receber uma ajuda e não vai fazer a casa. “Antonsi” eu, foi daquele jeito, né? Era rapando a mandioca e vendendo saco de tapioca e fazendo a feira pra poder fazer a casa na cidade nova. Pra não bulir, não ajuda.
P/1 – Olha já que a senhora falou em mandioca, conta pra gente como é que é essa coisa de fazer a farinha de mandioca?
R – Olha, tem a mandioca, né? Você pega, vai ralar a mandioca. Rala e quando acabar, peneira e ai vai mexer a farinha.
P/1 – Só isso?
R – Só isso.
P/1 – É fácil assim?
R – É fácil. Ai você tira primeiramente a tapioca. “Nois” tira a tapioca.
P/2 – Quem que faz o forno da mandioca?
R – Faz o forno... Faz o forno, mexe com os dois rodos.
P/2 – Quem que plantava a mandioca?
R – “Nois”. Viu, quando “ceis” chegar lá na Ilha, que “nois vamo” lá na Ilha, chega lá e vou lhe mostrar a mandioca como é que planta, "tá" lá "os pé" de mandioca plantado. Doce, pé de mandioca doce.
P/2 – Aqui tem muita abelha também, né?
R – Já teve muita, mas o rapaz veio e queimou.
P/1 – E conta pra gente, a senhora nasceu então aqui na beira do São Francisco? A senhora aprendeu a nadar cedo?
R – Na beirada do São Francisco. Foi, nasci aqui e me criei aqui. E me casei aqui.
P/1 – Nós ainda "tamo” falando lá de quando a senhora era pequena, lá na infância. E como é que a senhora entrou no rio a primeira vez, aprendeu a nadar, como é que foi isso?
R – “Oxi”, aí aprendi a nadar é com as infância “nois” mesmo, juntava aquele bocado de "meninota", ai “nois” nadava tudo. “Cê” não tá vendo, hoje em dia que eu "tô" no meio do rio, mas eu era piolho do rio. No lugar onde o vapor passava, “nois” ia. Ia... Agora "os tio" nosso falava que aqui tinha um peixe que já tava de olho vermelho, né?. Podia “quarquer” hora jogar um bote “ni” “nois”, mas "estas pedra" do remanso ai, “nois” “arremexia” tudo.
P/1 – É mesmo?
R – É, “nois” “arremexia” e nunca teve nada com “nois”. Agora eu não quero que “minhas filha” faça isso que eu já fiz.
P/1 – E a senhora pescava também?
R – Pescava. E até hoje pesco, mas o homem que eu to... Pesquei, mais o marido que eu fui casada e pesco até hoje mais com esse outro.
Aí “nois bota” caxeta (?), “nois bota” corda, “nois faiz” tudo.
P /1 – E que tipo de peixe que "cês" pegam?
R – Pega surubim, pega forete, curimatá, pega tambaqui, pega tudo. Pega o tucunaré, pega tudo.
P/1 – E a senhora gosta de pescar?
R – Gosto, eu gosto.
P/1 – E depois que pesca o peixe, como é que a senhora cozinha ele?
R – Ô, meu irmão, "nois trata" ele. O que for de escaldar “nois” escalda, o que for de pinicar "nois" pinica e coloca no fogo, coloca todos os temperos, tomate, cebola, pimentão "nois" coloca tudo.
P/1 – Que delicia!
R – Tudo isso. "Nois" coloca, pra "nois podê" comer ele.
P/1 – E ai come ele junto com o que?
R – Com farinha de mandioca. (risos). Só pode comer com a farinha de mandioca.
P/2 – Ô Dona Pequenita, você falou que ajudou sua mãe a cuidar dos seus irmãos, quantos irmãos você tinha?
R – Seis. "Nois" somos seis, três homens, três “mulé”.
P/2 – Você era a mais velha?
R – Eu era a mais velha de todas, e tive doze filhos, nove “home” e três “mulé”: Ana Luz, Lucineide e Maria Aparecida.
P/2 – E o que você fazia pra ajudar sua mãe, pra cuidar dos seus irmãos?
R – Oh, eu fui até pro furão do povo. Furar, ói! Furar pra poder ajudar minha mãe a criar meus irmão. É, que meu pai largou minha mãe e minha mãe não tinha... "Nois" ia pra beirada da lagoa, "nois" via o sol entrar e sair. Não "tô" lhe dizendo? Menina, eu fui sofrida! Eu via o sol entrar e sair, "nois" tudo na beirada da lagoa cantando alegre e satisfeita!
P/1 – Cantando?
R – Onde é que "as moça", que as “mulé” de hoje faz isso? Não faz...
P/1 – O que a senhora cantava?
R – Cantava “as cantiga”.
P/1 – Lembra? Canta uma pra gente.
R – Oxente, "venha pra cá, venha". (risos) Eu não sei mais as cantigas que "nois cantava".
P/1- Não? Que pena!
R – "Nois" cantava: (cantando) “Lembra Iracemi do canto da sariema lá daqueles campinar. Foi um viver infeliz com a sorte que Deus não quis que a gente vivisse em paz". "Nois cantava" "era" essas!
P/1 –Ê, bonito!
R – "Nois” cantava, "nois" cantava!
P/1 – Ela não canta bem?
P/2 – Muito! Devia dançar também.
R –Ô, e eu vou dançar? Não, eu não vou dançar não!
P/2 – Mas você dançava?
R – Vem pra cá, eu vou dançar! (risos).
P/1 – E Dona Pequenita e essa igreja, a senhora vinha aqui nessa igreja?
R – Vinha meu irmão, "nois" aqui tudo era católica da igreja. Olhe, no derradeiro ano que foi pra “nois sair" daqui, “nim” setenta e nove. Ó ali o palanque onde foi feito, porque o pessoal não cabia dentro da igreja, "oia" ali o palanque.
P/2 – E como é que era aqui também?
R –Era bonita. Como a igreja do Pilão Velho não tinha igreja nenhuma... Não. O relógio da matriz, a de Juazeiro, de Pilão Arcado, "tá" desde Xique Xique e os padre roubaram e levaram.
P/1 – É mesmo?
R – Digo, digo, digo bom!
P/2 - E quem foi que construiu essa igreja ai?
R – Foi um padre da Boa Vida, que Santo Antonio foi pedir. Porque a igreja dele caiu, que a enchente derrubou. E botaram ele na Igreja de Nossa Senhora do Livramento. “Antonsi” ele saiu e foi pedir esse padre da Boa Vida, "muitcho" longe daqui, que ele não conhecia, não sabia onde era Pilão Arcado. Veio pra pedir ele pra vir fazer essa igreja que ele estava pagando aluguel a Nossa Senhora do Livramento, que todo mês tirava do dinheiro dele pra Nossa Senhora do Livramento, e o padre veio. Nessa igreja não tem pedra xingada. As pedra xingada ela estoura todas por aqui mesmo, que ele tirou. Ele batia com a bengalinha e tirava. Não foi de meu tempo mas eu vi a minha mãe e "os outro" contar. Ele tirava. Aí construiu a igreja toda de pedra, que ela é toda de pedra. Agora no dia que o padre João veio celebrar a missa aqui, que ele queria a Igreja do Pilão Velho, da cidade nova, era como essa aqui. “Antonsi” o prefeito não aceitou, né? No dia que ele veio celebrar aqui, "nois viemo" todas mais ele, ele disse: “Ai, ai quem fez isso com a igreja de Santo “Antonho”, mas antes "marrasse” uma pedra e caísse na pedra do remanso. Todos que fizeram... Que pintou aqui com ela, não tem mais um, não tem mais um não. Lhe digo, não tem mais um. Tem não. Eu nasci e me criei foi aqui, menino!
P/1 – E tinha alguma festa bonita ai, de Igreja?
R – Tinha, era bonita a Igreja de Santo “Antonho”. Era bonita. Oh, se você viesse de baixo, era aquela beleza. Se você viesse de cima era aquela beleza. Aqui não tinha uma igreja na “margi” como essa igreja aqui não. Tinha não. Essa igreja aqui era rica. A coroa de Santo "Antonho" era de ouro. Até isto os padre roubou tudo. O santíssimo sacramento do altar, tudo. Lhe digo menino. Onde é que eu morava, morava era aqui!
P/1 – E falando de outra coisa, e a senhora ouvia muita história aqui de assombração? De fantasma?
R – Demais.
P/1 – É?
R – Demais. Se você quiser ver alguma coisa, “cê” durma dentro da igreja pra você ver uma coisa. Vai, vem dormir aqui pra “ocê” ver uma coisinha.
P/1 – O que acontece?
R –Ô, “cê” corre dela. “Ocê” corre dela. “Cê” não ta vendo aquela casa ali ó, aquela casa branca, lá, está lá. Tá vendo?. Ali, todo mundo que mora lá, só falta não dormir de noite. Um “relojão” desse tamanho, de ouro, correndo “duma” parte a outra, né? E “cê” vê toque, né? Viola tocar, “cê” vê radio tocar, “cê” vê tudo.
P/1 – É mesmo?
R – É mesmo, vai lá. Dorme lá hoje pra "ocê vê" uma coisa.
P/1 – Acho que eu vou então.
R – Ah vai? Vai dormir lá hoje pra ver uma coisa. E dorme aqui na igreja também, vem cá na igreja.
P/1 – Mas o que acontece se dormir na igreja?
R – Porque "cê" vê muita assombração. Mas antes “cê” dormir dentro do cemitério do que dormir dentro de uma igreja. Porque na igreja tem muita assombração.
P/1 – E a senhora já viu alguma?
R – Eu já vi varias vezes, aqui uma luz, agora eu vejo uma luz, né? Nunca vi outra coisa, mas vejo uma luz deste tamanho. Ela começa dali, "óie", e chega até acolá. A luz...
P/1 – E dá medo?
R – A gente sente medo, que a carne é fraca. (risos) É, a gente sente medo, que a carne é fraca.
P/2 – Dona Pequenita, quando você era mais nova, o pessoal morava aqui perto da igreja ou morava mais pros outros lados aqui da região?
R – Não minha filha, Tinha “muitas casa” aqui perto da igreja, "óia" ali uma casa ali, "óia". É ali, "óia", era casa. “Cê” tá vendo? Pra aqui era casa, aqui descia aqui. Tinha rua de cabeça a baixo, a rua da Avenida.
P/2 – E vocês plantavam aonde?
R – Na Ilha.
P/2 – Pra ir na Ilha tinha que ser...
R – É, de barco.
P/2 – E ai vocês plantavam lá, o que vocês plantavam lá de bom?
R – Plantava milho, plantava feijão de corda, plantava o de arranca, plantava abóbora, a melancia e a batata. É, “nois” plantava de um tudo isso ai. Mas até hoje “nois” planta.
P/2 – A terra é boa?
R – É boa. Eu nunca vi uma coisa dada por Deus pra não ser boa! (risos). Tudo é boa.
P/2 – E como é que foi que começou lá em setenta e tanto que você contou?
R – Sim, setenta e nove. Encheu "muitcho". “Antonsi”, “nois tava" tudo na cidade nova, depois “voltamo” para Ilha pra plantar, que secou, "nóis voltamo" para a ilha pra plantar. Ai “plantemo”, deu muito peixe, deu muito é “lavrura” nas roças, graças a Deus.
P/2 – Mais vocês saíram daqui, encheu por que choveu muito?
R – Menina, foi porque "largô" de água. A água correu ali, naquela rua ali "óia", que é a rua da Avenida. Correu ali.
P/2 – Mas o pessoal queria sair daqui?
R – Queria não. Saiu porque a Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) tirou, mas ninguém queria sair daqui. Queria ficar era aqui.
P/1 – Mas peraí, então vamos entender essa história aqui, que a gente está vindo de longe a gente não entende muito bem. Olha só, a senhora morava aqui, ai apareceu alguém e falou: “Vocês vão ter que sair daqui”. Foi isso?
R – Foi, foi a Chesf. Veio indenizou as casa da gente.
P/1 – Mas como foi esse dia, apareceu alguém aqui pra contar, ou a senhora soube por alguém?
R – Não, eles vieram mesmo, pra indenizar as casa da gente e ninguém queria sair daqui não. Porque “nois” sabia que Pilão Velho não ia cobrir, não cobria não. “Antonsi” eles disseram que era pra “nois” todas sair daqui. Aí indenizaram a casa do povo, meteram a mão, derrubaram tudo as casa, né? Pra botar outras na cidade nova. Eu mesmo não “atulero” aquele lugar, não vou mentir, não gosto dele não. Vou porque tem “meus filho” lá.
P/1 – Mas ai foi todo mundo embora na mesma época?
R – Foi, todo mundo. E depois "voltou muitos" pra cá.
P/1 – "Péra", antes de voltar, como que aconteceu, todo mundo tirou todos os moveis de casa, fez a mudança e foi embora?
R – Foi embora, foi.
P/1 – E ai o que a senhora sentiu?
R – Eu não senti bem não, eu não gostei não. Porque a "mudação" da cidade, vou lhe dizer, pra uns foi bom e pra outros não valeu nada. Quando é nada pra mim... Não valeu de nada. Eu queria ficar mesmo no meu Pilão Velho, como estou, nunca abandonei ele não, tô aqui nele.
P/1 – E quando a senhora morava aqui, a senhora já tinha tido algum filho aqui?
R – Uh se já, só não tive aqui aquela e outro que morreu, José Washington de Menezes. Mas tive Maria Aparecida lá e José Washington de Menezes e o resto tudo foi aqui. Tive Tonho, tive Lundoca, tive Edimar, tive Adimilton, tive Adinive, tive Emanuel, tive um bocado de filho aqui! (risos). Eu tive "foi nove parto" de filho homem e três “mulé”.
P/1 – É mesmo?
R – Tive doze parto.
P/2 – Quem que te ajudava aqui?
R – Deus. (risos) Era Deus! Era Deus e o marido que eu tinha, nóis trabalhava na ilha.
P/1 – E como é que chamava o marido?
R – Pergunta ali, ela, que ela diz. Olha ela lá. Eduardo.
P/1 – Eduardo. E ai esse dia então que a Chesf veio, tirou todo mundo, ai vocês foram?
R – Tirou todo mundo, meu irmão, pagou pouco. “As coisinha”, tudo barato. Eu mesmo tive um terreno ali na ilha, "óia", que ta lá na llha. Lhe digo, nunca recebi um centavo desse terreno. Não, eu não. Foi indenizado nunca recebi, não vou mentir. Não. Menina, menino!
P/1 – E ai vocês saíram pra cidade nova?
R – Saímos pra cidade nova. “Antonsi”, depois o “hômi” que eu era casada voltou pra cá de novo, pra trabalhar nas ilha, né? Porque viu que lá não dava pra ele ficar. Não dava mesmo. Com um bocado de filho nas costas, filho na escola, fiho tudo, ai nos “viemo” pra cá. E minha mãe, entreguei meus meninos a minha mãe pra ficar lá com "meus menino". "Nóis" o que ele pegava aqui, o peixe que ele pegava, fazia a feira e levava pra meus filhos mais minha mãe, e os meus filhos lá. Mas não tem um pra não saber a ler, graças a Deus, não tem um pra não saber a ler. Eu posso não saber, só sei assinar meu nome, porque fui ajudar, foi minha mãe a trabalhar. Só sei assinar meu nome, mas meus filhos tudo sabe a ler.
P/1 – E ai quer dizer, os filhos ficaram lá e a senhora ficou com ele trabalhando?
R – Trabalhando na roça. Meu irmão, eu fui sofrida, eu fui sofrida. Me “percure” minha vida, que eu vou lhe dizer, eu fui sofrida. Sofri "muitcho".
P/1 – E ai a senhora construiu outra casa?
R – Na cidade nova?
P/1 – Não, aqui quando a senhora voltou.
R – É essa aí. É essa ai, essa bandinha só. (risos)
P/1 – E por que a senhora não quer sair daqui?
R – Não quero nada, deixa eu ficar aqui! "Óie", aqui eu crio meu porco, crio minha galinha, tá escutando? Crio meu porco, crio minha galinha, crio o que Deus quiser me dar eu crio aqui também. E serve a mim e meus filhos. Não tô lhe dizendo?
P/2 – E Dona Pequenita, Pilão Velho chegou a ser inundado? Você chegou a ver aqui cheio de água?
R – Cheguei. Setenta e nove.
P/2 – Inundou todas as casas mesmo?
R – Não minha filha, "óie". Em setenta e nove ficou isso aqui, "óie". Não foi, a água chegou até ali, tá vendo aqueles pé de pau ali, tá vendo? Em 79, ela correu ali na avenida, ali na casa de compadre Humberto Povo. Ela correu que “as barca” encostava lá, mas aqui ficou no seco. Agora entrou água aqui dentro da igreja, sabe por que? Porque vem aqui por essa baixa e entrou ai, mas foi rasa. Foi rasa. Não foi água funda não, foi rasa. Agora ali "nim" Compadre "Berto" foi funda, que "as canoa" de motor encostava lá e "as regata" encostava.
P/1 – E Dona Pequenita, quando a senhora voltou só morava a senhora?
R – Não, morava era muita gente. "Os paraibano", "os pernambucano", aqui tinha era muita gente de fora. Depois que foram tudo embora, mas aqui tinha era muita gente de fora, tudo botando rede, tudo pegando peixe. Tinha era "muitcha" gente.
P/1 – E agora, mora muita gente aqui?
R – Aqui ainda tem um bando. Tô lhe chamando pra "cê" ir “oiá” as casas, mas “ocê" não quer ir
“oiá”.
P/1 – Não, mas a gente vai! É que a gente tá conversando um pouquinho pra depois ir.
R – Mas e “nois” ainda “vamo” lá na ilha, lá no meu lameiro, tá escutando?
P/1 –
Nós vamos lá! Não é Wini?
P/2 – Claro, vamos sim! Ô Dona Pequenita, o pessoal me contou, aqui da região, que o pessoal que mora aqui em Pilão Velho é um pessoal muito valente.
R – Minha filha, eu vou lhe dizer, é uns e outros não. Porque, minha filha, tem deles que não aguenta pau no ouvido, né? Aí eu, como sou muito da medrosa, eu vou lá pra minha ilha. Corro, mais o marido que eu tenho, vou lá pra minha ilha, porque eu tenho muito medo de peleia... Uma que "meus filho" tá muito longe de mim. Eu não tô pra nenhum querer pegar aqui peleia e meus filhos longe de mim, não é não? Aqui tem deles valente mesmo, não lhe nego não.
P/2 – Conta um pouco pra mim essa historia do pessoal valente aqui de Pilão Velho.
R – Não, tem muitos aqui que você não pode dizer nada quando lhe salta já é no ponto de lhe querer bater. É, é no ponto de querer bater. E eu que não dou dessas, minha filha, eu tenho muito medo de peleia, eu tenho.
P/2 – E a historia do Pilão quarenta e sete aí, do moço da ilha?
R – Minha filha, desse tempo já "se acabou-se". Pilão Velho se chamava, disse que era um caso antigo, porque no tempo do Pilão Velho, "dos homem" mesmo, não dava pau pra amarrar rede não. Porque se falasse, se dissesse “umas coisa” pra eles, eles reagiam na hora, reagia. Agora hoje não, tudo é, parece uns “lelé”. É, parece uns “lelé”, mas no tempo de algum dia Pilão Velho, Pilão Velho já foi Pilão Velho. Pilão Velho já foi tão terrível que, saudade, não fazia coisa aqui não, que os daqui não dava pau pra "armá" a rede. Um bateu foi na cara de um rapaz, chegou fez e bem assim, "óie". O rapaz, ele deu cachaça ao rapaz, o rapaz disse que não bebia, não bebia nem fumava. A policia jogou a cachaça na cara do rapaz. Os outros ficaram fazendo gargalhada dele, fazendo aquela farra, né? E ele caladinho, não fazia nada. Quando foi um belo dia ele chegou na casa de uma dona, que ela morava bem ali em cima. Disse: “Ô minha tia, "cê" tem pedra de amolar?". Ela disse: “Tenho”. “Pois me dê, aí só uma pedra pra mim amolar aqui minha faca”. Ela disse: “Vai matar o que meu filho?”. Ele disse: “Um leitão”. Ele amolou "por a" frente e "por as" costas. Quando era uma hora dessa aqui todo mundo descia, aquele jeitão, né? Pra comprar caboge, mandinho pra jantar. Quando ele chegou disse: “Olhe, na cara de homem não se dá. Vira a frente que eu não vou lhe matar "por as" costas, vou lhe matar é "por a" frente”. Socou a faca, “pan!”, “pan!”, "pan!" três "facada" e saiu limpando a faquinha, "óie”, na perna. Caiu ali dentro do serrote, ali tinha um moço por nome Chico Leoba, ele “trevessou” pra lá, quem ia lá? (risos). E o diabo que ia! Pilão Velho já foi Pilão Velho menina, hoje em dia ele é de nada.
P/2 – Ô Dona Pequenita e a sua mãe, seus avós, o pessoal mais antigo aí... Você não escutava umas historias deles?
R – Escutava não, que minha mãe, "as vez" ela contava as historias dela era pras outras, né? Os... “as pai" de primeiro, quando tava conversando com os mais velho, "abastava" passar o olho assim de banda, ninguém ficava. É, ninguém ficava. Saia, saia. Porque se ficasse, quando aquela pessoa saísse a chiola comia.
P/2 – Então não tinha ninguém que gostava de contar umas histórias?
R – Pois é, elas contava umas com as outras, né? Mas pra “nois” não.
P/1 – E que historia a senhora contava aqui pro seus meninos?
R – O que eu contava pra "meus filho"?
P/1 – Historia daqui...
R – Eu dizia assim, quando eles saiam pra rua, se eles achassem um pedacinho de pau: “Onde 'cê' achou?”. “Achei ali mãe”. Vai botar lá, que não é seu. Outra hora eu dizia: “'Não sei não vi'. cabe em todo lugar”. Era a ordem que eu dava a meus filho. E nisso eles foram criado, é. E nisso eles foram criado, é.
P/1 – E ô Dona Pequenita, já que “nos tamo” do lado do rio...
R – “Tamo”, do lado do rio.
P/1 – O rio tem tanta historia ai, “vamo”... Conta umas historias do rio aí pra gente. A senhora viu passar o vapor, gaiola?
R – “Óie”, passava o Venceslau, passava o Barão, passava o Antonio Nascimento, passava o Raul Braga, passava tudo aqui “óie”. Hoje em dia que não tem mais movimento de vapor. Quando eles chegavam acolá, como o Barão, que o Barão, o apito dele era com uma banda de musica. Quando ele chegava acolá, ele começava apitar e chorar, até no porto que ele encostava.
P/1 – E como é que ele era, ele era de que cor?
R – Ele era branco. Ele era branco com "aquelas coisa" verde em cima, era... O Barão.
P/1- E as crianças iam atrás dele? A senhora falou que quando passava o vapor “as crianças entrava” no rio e ia nadando atrás.
R – Não, no lugar que o vapor passava “nois” ia nadar, “nois” nadava. “Nois” não tinha medo de nada não, “nois” nadava. “Nois” nadava, “nois” não tinha medo de nada.
P/1 – E a senhora já andou de vapor?
R – Já "muitchas" vezes.
P/1 – Conta pra gente.
R – Eu passei foi nove anos dentro da cidade da Barra com os Camandaroba.
P/1 – É?
R –É, essa pouca pessoa que o senhor tá vendo aqui já labutou com quem presta.
P/1 – Conta essa historia pra gente.
R – É, labutei foi "nove ano" com Dona Maria e "Seu" Antonio Camandaroba, com "Doutô" João, com Chicão, com Raimundo, com Benifácio, com "Seu" Neno, com tudo. E vim me embora pro Pilão velho, mas não que eles quisessem que eu viesse. Vim porque eu tinha mãe, aqui e gostava de minha mãe e de minha avó que me cirou, que era mãe de minha mãe.
P/1 – E a senhora lá na Barra, trabalhava fazendo o que com eles?
R – “Nois” era copeira.
P/1 – Ah, era copeira.
R – Era copeira. “nois” não cozinhava, “nois” nem nada, “nois” era copeira. “Nois”, quando “nois” deitava, deitava com o despertador na cabeceira, quatro horas da
manha “nois” tava eleita.
P/1 – É?
R – Era.
P/1 – E o que uma copeira fazia?
R – Lava “loiça” e zelar da casa, lavar casa, limpar casa. É... Passar cera na casa. Me “percure” isso ai que eu sei “tudinho” menino, oxente. Ah menino, eu já fui de casa de família também.
P/1 – E era uma casa grande lá?
R – Era grande, os Camandaroba tinha era a "ruada" assim de casa, "óie". Na beirada da Barra.
P/1 – Nossa!
R – Era.
P/1 – Então era muito trabalho.
R – Era muito trabalho. Ele era tão rico que se via chegar aquele barco tudo tampado de esteira de taboa, cê pensava que era cera de carnaúba, requeijão. Ô coisa que fede, é pra você destrancar um quarto que só tenha requeijão, fede.
P/2 – Mas deve brilhar bastante.
R – Já labutei com isso tudo.
P/1 – E conta, como é que é uma viagem de vapor?
R – Ah, naquele tempo era barata. Era dois “reali”, era “essas coisa”. Não é hoje, que hoje tudo tá caro, né? Hoje tudo tá caro. “Cê” vê um prato de feijão de arranca tá custando quinze reais, quinze reais... Quinze reais!
P/1 – Mas a senhora ia de onde até onde no vapor?
R – Vai até Pirapora.
P/1 – A senhora ia até Pirapora?
R – Não, eu nunca fui. Conheço até "Januara" (Januária), é linda "Januara".
P/1 – É?
R – É linda "Januara". E pra baixo conheço até Bonfim. Bonfim, Itiúba e Queimada. Saí pra me procurar que eu conheço.
P/1 – E aqui a senhora olhava pro rio tinha um movimento de barco?
R – Tinha um movimento, agora "inté" o rebocador, não apareceu mais. Também o rio tá seco, meu irmão. Agora que ele começou a dar uma “enchidinha”, mas ele tava "dum" jeito que você passava aí era "encaiando”. Agora que ele deu uma "enchidinha”, "óie". Mas "cê" ainda ta vendo aquelas "coroinha" ali no meio do rio, "óia" lá elas lá.
P/1 – E porque a senhora acha que o rio tá secando?
R – Ta secando, ele secou muito esse ano. Secou, o rio esse ano secou.
P/2 – Ô Dona Pequenita, a senhora via muito barco com carranca aí?
R – O que é carranca que "cê" fala?
P/2 – Aqueles rostos que vão na frente do barco.
R – Eu sei, “daquelas barca” que ia, andava assim "óia", com aquelas cara, eu cansei de ver. Que “eles botava” “varona” assim no peito que aqui era um buraco no peito. Isso ai eu sei minha "fia", eu sei.
P/2 – Tinha muito?
R – Tinha era "muitcho". De primeiro não tinha barco de motor, não tinha vapor, não tinha isso. O negocio era balsa e esse “trenhão” que ele botava aqui no peito e virava aquela feridona.
P/2 – Ah, por causa do remo lá, né?
R – É, era... Eu mesmo, "quantas veiz" “nois” pegava aqui o barco de rede e ia mudar, minha mãe e os outros de dentro da Ilha, eu ia mudar. Que muda aqui, ela não tinha, os filhos dela ainda "era pequeno", os” home”, não era? As maior é “nois” que era “mulé”. “Nois” ia mudar ela, não ia deixar ela morrer afogada.
P/1 – Não ia, né?
R – Não, “nois” ia mudar.
P/2 – E o que os barcos levavam, essas balsas, quando cê era mais nova, porque agora eles já levam outras coisas, né?
R – "Oxe", levava aquele bocado de “taba”, aquele bocado de "tório", de fia, de "fresta" de Juazeiro, de "fresta", esses lugar daí pra baixo. Agora quando eles assobia, assobia "nim" outra coisa, num é? Mas desce, descia era a balsa.
P/2 – "Tório" é o que?
R – Aqueles “torão” de pau como é isso aqui, ó.
P/1 - Tora.
P/2 - Eles não desciam também com alguma coisa que eles plantavam...
R - Não, "num" descia não.
P/1 – E vem cá, conta uma historia de pescaria pra gente, já que "cê" pescou tanto.
R – A historia de pescaria, quando o peixe tá dando é "muitcho" bom, que parece o surubim. Agora eu tô cansada de dizer aqui menino, nunca mais eu vi um peixe de "oito palmo”, nem de sete e nem de nove. Cansei de ver meu pai "marrar", "óie", e o rabo dele ficava arrastando no chão, desta grossura. Se colocasse um menino desse tamanho aí não colocava na boca dele, porque “cê” sabe que é a "guerra" (guelra), né? Mas "engóli". "Óie", bem ali tem uma pedra, a pedra do bote. Ali um peixe grande jogou um bote em uma “mulé”, foi porque ele não pegou ela direito. Ele pegou ela de “relepada”, mas tirou esse couro desde cima até embaixo. Uma senhora Angélica de Moxotó (?).
P/1 – É mesmo?
R – Foi, tirou todinho.
P/1 – E vem cá, surubim pesca de que, de rede?
R – De corda. “Rumbora” na Ilha quando "ceis" chega lhe mostro as corda.
P/1 – Será que a gente consegue pescar um surubim lá hoje?
R – Hoje de que jeito, meu irmão! Não tem isca não! Ainda vai pegar o sarapó!
P/1 – E qual é o peixe mais difícil de ser pescado?
R – Qual é o peixe mais difícil? É o "surubinho".
P/1 – É? Por que?
R – Porque é.
P/1 – Ele é esperto, é?
R – Ele é esperto. O surubim é tão terrível que se você tiver aí, "óie", bem aí. À beira do oceano, isso, ele joga o bote em sua sombra. Ele joga, tanto o surubim quanto o dourado. Ele joga o bote em sua sombra. Lhe disse que nasci e me criei foi na beirada do oceano.
P/2 – Ô Dona Pequenina, quando o seu pai chegava com o peixe grande, esse de oito palmos, assim, aí tinha muito peixe pra muito dia, né? Como que ele fazia? Vocês comiam o peixe todo ou tinha algum jeito de fazer ali?
R- Não minha filha, fazias "as tira" e vendia. O povo comprava, tirava o espinhaço com a cabeça, “nois” ficava dentro de casa e tirava uma tira pra ficar dentro de casa salgado e o resto vendia todinho. Que não podia comer todo, que "tinha precisando" “de outras” coisa.
P/2 – Diz que a cabeça do peixe é muito boa, né?
R – É boa de verdade.
P/2 – O que dá pra fazer?
R – Fazendo, bota no fogo e temperar e comer.
P/1 – Mas faz o que? Faz sopa, pirão?
R – Faz o pirão, a sopa não faz não.
P/1 – Eu to vendo que a senhora gosta de cozinhar, né?
R - Gosto! Eu gosto de cozinhar e gosto de fazer o meu serviço.
P/1 – O que a senhora gosta mais de cozinhar?
R – Eu gosto de tudo, de tudo meu filho amado, que se me “percura”, eu gosto de tudo, é. Se você chegar dentro de minha cozinha você gosta de ver, porque não tem sujeira não. Tem não.
P/2 – E o que você gosta de comer?
R – Gosto de comer tudo, mas mais é o peixe.
P/2 – Você gosta de comer o peixe?
R – Eu gosto.
P/2 – Mas o peixe o que, frito, assado?
R – Eu gosto de comer o "cozinhado".
P/1 – "Cozinhado" é?
R – É.
P/2 – Dona Pequenita esse rio mudou muito é?
R – Mudou foi muito, depois desta “talinha” miúda, que botaram aqui pra pegar... Pra ficar pegando peixe, o rio de São Francisco não dá mais o que ele dava... Não.
P/2 – E o São Francisco, o santo? O pessoal reza pra ele por aqui?
R – Reza, tem a igreja dele na passagem de São Francisco. E tem na cidade nova também. De São Francisco.
P/1 – E São Francisco já fez algum milagre por aqui?
R – Ele faz, por que que ele não faz milagre por aqui? Ele faz, é!
P/1 – A senhora lembra de um?
R – Lembro. Lembro que se “nois” pedi com fé e coragem uma coisa a ele, ele dá. Se o homem for pro rio, botar uma corda ou uma rede: “Oh meu senhor São Francisco, ajudai-me esse “hômi” por esmola, pelo amor de Deus!”. Ele ajuda, é. Lembra primeiramente de Deus, depois dele. Pode falar de mim, eu tô escutando, pode falar que eu tô “oiando” pra você.
P/2 – Ô Dona Pequenita, a gente "tava" conversando antes, a senhora falou que "ceis" fazem umas festinhas por aqui.
R – Fazia, fazia era muito piquenique. “Nois” fazia e dançava e não tinha briga de jeito nenhum. E hoje o povo não pode "oiá" pra uns aos outros que já é briga.
P/1 – É mesmo?
R – É, que “nois” fazia festa aqui... Carnaval aqui era falado!
P/1 – Carnaval?
R – Não tinha um lugar pra ser o carnaval bom como Pilão Arcado. Carnaval aqui era falado, mas não tinha briga não. Aqui tinha o Vinte e Cinco, aqui tinha o Primeiro de Janeiro, aqui tinha o dia seis de janeiro, tudo. Tudo era festa, mas cê não via não meu irmão, de jeito nenhum. No dia vinte e cinco cê via muito aqui era terno, era terno.
P/1 – O que era o terno?
R – O terno é uma brincadeira ali, todo mundo com aquele “pandeirinho”, batendo "nas perna" e tem a festa.
P/1 – E que mais que tinha no carnaval?
R – Só as cantiga do carnaval mesmo. Como o do terno tinha uma cantiga que maltratava até os homem, e eu gostava era muito dela: “Oh machuca menina, bem 'machucadinha' que o nosso bailado está bem 'balhadinho'. Não quero aguardente que é um pecado, embriaga esses homem que são descarado”. É eu gostava muito dela.
P/1 – O que é a ilha que a senhora conta tanto?
R – A ilha porque eu plantei o feijão de corda, plantei o de arranque agora, o cascudo, a “mudiça” comeu toda, né? Mas tenho o feijão de corda, não tô apanhando bem por causa que o rato tá lascando "os meu" feijão, tá comendo. E eu "inda" não tive "cundiça” de comprar um veneno pra jogar neles.
P/1 – E a ilha, muitas pessoas tem terreno lá e planta?
R – Tem, chega lá eu lhe mostro.
P/1 – E tem muitos anos que a senhora vai lá?
R – Tem muitos anos que eu... Eu nasci os meus dentes foi dentro da ilha em “nim” beirada de lagoa, meu irmão. Foi, nasci meus dentes foi dentro da Ilha. Quando foi pra mim me aposentar, o ordenado foi disso, que não sabia se eu... "Moço você vem dizer que eu não nasci meus dentes não foi dentro da Ilha? Comecei a labuta com roça, mas minha mãe, meu pai e eu com oito anos de idade e até hoje ainda moro dentro da ilha. Não você não pode dizer uma coisa dessa". Aí ele veio me dizer bem assim, que eu disse assim: “Moço tenha dó de mim que eu tô com não sei quantos anos”. “Cê pode ter duzentos menina, hoje em dia”. Chega, me tremeu assim: “Se eu fosse um “hômi”, eu acho que “nois” tinha é "se relaxado". “Oshi”, tá bom.
P/1 – E qual a melhor época do ano para se plantar na ilha?
R – Mês de maio e junho. Maio e junho é onde dá planta boa.
P/2 – Dona Pequenita, eu fiquei sabendo que tinha muito rebocador que vinha pra
cá que tinha problema com "ele". Como é que era?
R – Os problemas sabe o que era que eles fazia? Porque as vezes os homens vinha com a cacéa (?) no meio do rio e eles destruía a rede do povo e carregava a rede e nisso ficava. Agora eles souberam que agora eles tão... O homem disse que não era mais pra “nois” navega, não navegou mesmo.
P/2 – E como é que foi que... Me falaram que a sua filha tava comentando ali uma historia de que você fazia... Você dava uma prensa neles?
R – Um dia mesmo ele quase mata “nois”. Aí, "óie". “Nois” quando “vimo” ele, “encostamo” e ele veio, veio, veio... Se todo mundo não saísse do lugar tinha morrido, é.
P/2 – Mas tinha uns que ajudavam a senhora?
R – Tinha uns "outros rebocador" que ajudava. Um que encostou bem aqui. Ele dava óleo “nois”, dava soja, dava tudo “nois”.
P/2 – Mas o que é que "cê" falava com ele?
R – Nóis falava. Coisa delicada com ele, “nois” não ia falar com raiva com eles. Não, o que fazia bem “nois”, “nois” falava delicado e o que fizesse ruim “nois” danava também.
P/2 – Eu ouvi umas histórias que seu avô também... Ele também teve uns momentos aqui, como é que foi?
R – Meu avô não. Nem eu conheci avô.
P/2 – Mas você não ficou sabendo dessas histórias não?
R – (risos). Nem eu conheci meus avôs.
P/2 – "Cê" não tá querendo contar não, né?
R – (risos). Agora eu ouvia dizer que meu avô, se afundasse uma canoa aí ó, que aí afunda, né? Ele ia bater no fundo e arrancava tudo.
P/1 – É mesmo?
R – Meu avô, finado Pedro Ganela.
P/2 – Ele tirava a canoa?
P/1 – Ele nadava até lá no fundo?
R – Ia bater no fundo, meu irmão, e tirava tudo. Esse homem mesmo que eu sou junto com ele, tá acostumado a descer bem aí, "óia". Agora que eu não deixei mais descer, que ele dá umas câimbra, né? Pode "dá" uma “cabra” no fundo d’água e lá ficar. Mas é acostumado a descer aí, "óie". Pra desenganchar, cansei a desenganchar corda, a desenganchar tudo.
P/2 – Nossa mas é forte, né?
R – Ele não é forte não, ele é dessa grossura, ele é magro. (risos)
P/2 – É sabido então?
R – É, ele desce. Hoje que eu não deixo mais ele descer. Porque ele dá “umas câmbria”, né? Pode dar, atacar uma no fundo d’água e lá mesmo ele ficar, né?
P/2 – Ô Dona Pequenita, que bicho que "cê" via por aqui antes de você sair? Tinha muito bicho selvagem aqui?
R – Não minha irmã, nunca vi bicho aqui não.
P/1 – Não?
P/2 – Nem os coelhos?
R – Não. Aqui tinha "uns coelho", mas a menina que criava aí, ó.
P/2 – Macaco?
R – Não, nunca vi esse diabo aqui não.
P/1 – Onça?
R – Onça "via falar" aqui pra aquele lugar, "óia", lá pra serra.
P/1 – Sei.
R – Porque como disse que “trevessou” uma, lá em cima, quase que come um menino, né? O pai saiu pra ir tirar a corda, aí que quando acabou ele foi e deixou ele na dentro da toca, não comeu ele por causa “dos cachorro”. Porque o menino correu
pra dentro. Era mudo e surdo mas deu aquela coisa dele correr pra canoa e trancar o camarote da canoa. Senão tinha comido.
P/1 – Gente!
R – Senão tinha comido mesmo. Quando o pai chegou o pai disse: “Oh minha nossa senhora, olha a 'patona' da onça ai, comeu meu filho.” Aí o outro foi na canoa disse: “Moço, comeu não, 'bora' olhar dentro do camarote da canoa”. Ai começaram a bater, bater. Acho que ele teve uma hora que ouviu, né? Aí abriu.
P/1 – Nossa, que história! E me conta uma coisa, voltando aí ao Rio São Francisco. A senhora já ouviu essa historia que eles vão levar a água do São Francisco para outro lugar, lá longe.
R – Já ouvi essa historia, mas “eles não tira”.
P/1 – Não?
R – Não, não tira não, que só quem tira água daqui do rio de São Francisco é Deus. É, meu irmão, é só quem tira, essa água aqui é Deus. Eles sabem fazer barragem, mas não água. Quem sabe fazer água é Deus.
P/1 – Mas tão dizendo ai que os homens querem fazer um canal e que a água vai lá pra longe.
R – Pois é, eu quero ver "eles fazer". Pode fazer, mas ela não vai, que quem sabe fazer água é Jesus, só me confio nele. É só o que eu me confio, é em Deus e em Nossa Senhora Aparecida do Norte.
P/1 – Então homem só sabe fazer barragem?
R - Só sabe fazer barragem. É.
P/1 – E a senhora acha que a barragem aqui ajudou ou atrapalhou?
R – Ela fez atrapalhar foi "muitcho". Cadê o peixe? Ela atrapalhou foi muito, esse tal de barragem que eles fizeram, atrapalhou muita coisa, aqui no Pilão Velho. Menino, aqui de primeiro não era rede desfiada, não era rede de náilon, era rede de caroá e ficava era “uns montão” de peixe, de morrer "dez mil peixe", de você ficar de um lado e outro de outro e não via a copa do chapéu de nenhum. E hoje em dia vê o que? Vê não, de jeito nenhum. Que foi isso? Foi barragem essa linha miúda. Diz assim: “A pesca tá fechada”. Como eles não empata a linha miúda, né? Já que tá fechada, fechasse tudo, não era?
P/1 – E deixa eu perguntar uma coisa sobre seus filhos. A senhora tem seis filhos, não é isso? Então a senhora vai contar...
R – “Seis filho” não, eu tenho “cinco hômi” e duas “mulé”.
P/1 – E me conta de novo qual o nome deles e que que eles tão fazendo hoje em dia, onde que eles moram?
R – "Mora uns" na cidade nova.
P/1 – Vamos lá, que é o mais velho?
R –Mais velho é Edimar.
P/1 – E Edimar tá onde?
R – Em Pilão Velho, na cidade nova.
P/1 – E o segundo?
R – O segundo é Edimilto. O outro de morreu que
era Edinivio, morreu. Mas tenho Raimundo Nonato, tenho Antonio Rosalvo, e tenho Dalvili. De mulher tenho Maria Aparecida e Lucineide. Maria Aparecida é aquela.
P/1 – Quem deu mais trabalho? Quem era mais levado?
R – Meu irmão, "meus fllho” não me deram trabalho, não.
P/1 – Ô coisa boa.
R – Não, graças a Deus até hoje meus filhos são de ouro. Não me deram trabalho. Logo que tivesse com a chupeta na boca eu "gomava”, eu lavava e tinha vizinhança que dizia assim: “Sei que ela vai matar essa menina de fome”. Que ela com a chupetinha na boca, aí depois eu ia dar banho e depois a mamadeira. Meus filhos não me deram trabalho não, graças a Deus. O que mais me deu trabalho foi o mais velho. Pra ter, que quase morro de parto, quase morro. Mas os outro, quando atacava dor, já era pra dentro. Teve uma que eu quase tenho ela dentro do serrote.
P/1 - E quem ajudava senhora ter o filho?
R – A parteira.
P/1 – Era sempre a mesma?
R – Primeiramente Deus e depois a parteira que tinha aqui.
P/1 – Ela foi a mesma parteira que ajudou em todos?
R – Em todos.
P/1 – Como é que ela chamava?
R – Tomasa.
P/1 – E a senhora tinha o filho em casa?
R – Era em casa. O meu médico era Deus, nunca cheguei “ni” porta de hospital e hoje tô... Aí “ocê” não tá vendo eu já na idade que tô? Não tenho dor de perto de minha barriga, não tenho dor “ni’ cadeira como as “mulé” diz, não tenho nada, graças a Deus. Até hoje tô pro que Deus quiser fazer de mim.
P/1 – Que beleza!
R – É não tenho não. Tem filha minha que é mais doente "de que" eu. Que eu não sinto.
P/1 – E qual é a receita pra ter toda essa saúde ai?
R – Qual é minha receita? A de Deus! E "as casca" do mato.
P/1 – Ah! Tem as cascas do mato.
R – As casca do mato. É a de Deus e as casca do mato. Tiro, boto de molho, corro e tomo.
P/2 – Ô Dona Pequenita, o que aconteceu com o filho que faleceu? Como foi que ele morreu?
R – Oh minha irmã, mataram a filha minha. Eu não gosto... Olha, não vou “alembrar” isso aí não.
P/1 – Então tá, mas me conta uma coisa. A senhora tem quantos netos?
R – Tenho nove. É nove filha? Não é nove neto? Uma de Mundoca, três de Masin, duas de Lucineide e três de Tonho, né? E Dalvili que foi o primeiro neto. O primeiro neto, graças a Deus, foi dessa que mataram.
P/1 – E eles moram todos na cidade nova?
R – Não, Dalva estuda em Juazeiro. Tá estudando até agora o curso do vestibular.
P/1 – Que beleza! E a senhora não tem vontade de mudar pra lá pra ficar com eles, não?
R – Eu não, que "em dias em dias" eu tô lá vendo meus filho. Mundoca tem o escritório lá em Juazeiro, tem a casa dele, mas em dia, "em sexta e sexta-feira" ele tá aí. Por isso tô vendo meus filhos.
P/1 – E a senhora não quer sair daqui?
R – Eu não.
P/1 – Por que?
R – Porque eu não quero menino. Se quem quiser me ajudar, Deus primeiramente é Deus e quem quiser me ajudar é descer (?) no Pilão Velho.
P/1 – Então conta ai pra gente lá pro pessoal do Museu da Pessoa que vai assistir essa fita, por que aqui é bom de morar?
R – É bom, toda vida aqui foi ótimo de morar porque aqui era todo mundo unido, ninguém tinha briga contra os outros. “Nois” era tão unida que se uma caísse doente e as outras "tivesse" na casa de farinha rapando mandioca, “nois” rapava o balaio daquela que tava doente e "ajuntava" e “esprimia” a massa dela. Veja que “nois” era unida, era. Nunca fomos gente de querer comer umas as outras não.
P/2 – E dona Pequenita o que a senhora ta achando dessa experiência de contar pra gente essas historias?
R – Achando muito bem, "tô" achando muito bem. Estou achando muito bem e gostando de vocês e “vambora” que está de noite.
P - Ô, peraí!
R - Ô peraí ainda não!Recolher