R - ... Minha mãe prenda do lar.
P/1 – Onde eles nasceram?
R – Meu pai nasceu na Bahia na cidade de nome Caculé e minha mãe nasceu nas imediações de Ladainha, não sabe, entre Novo Cruzeiro e Teófilo Otoni.
P/1 – E seu pai veio pra Minas encontrar sua mãe?
R – Veio pra Minas e encontrou minha mãe, meu pai aos 40 anos e minha mãe aos 14 (risos), 14 ou talvez menos de 14.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho, apenas quatro, somos quatro. Eu, Lidirico, (Belmide?), mora em Belo Horizonte, Leonor, mora em Itatinga e Belmiro, mora em Fabriciano.
P/1 – Como que era sua casa quando você era pequeno?
R – Minha casa foi casa de, construída pela ferrovia, né, então era apenas casa com três cômodos, cozinha, sala e um quarto, e lá vivia uma quantidade de filhos, nós fomos 13 filhos, e ali a gente vivia por ali e passava noite e dia (risos).
P/1 – Conta um pouco pra gente das brincadeiras. Do que brincavam naquela época?
R – Naquela época a gente brincava apenas, veja só, ia pro mato buscar lenha e de lá fazia aqueles, aquela junta de bois com árvores, sabe, formava junta de boi, amarrava a lenha no carrinho e saia puxando os boi, dizendo que era os bois que tava puxando a bandeira (risos). Naquele tempo a gente trazia lenha do mato, sabe, e meu pai pelo fato de trabalhar na estrada de ferro às vezes o pessoal da estrada de ferro jogava uns pau de lenha lá pra minha mãe, sabe, pra ajudar.
P/1 – Que mais?
R – No mais era escola, nossa escola, é, só tinha até o terceiro ano primário, as pessoas que tinham condições de sair pra pegar o diploma de _________ saia, vinha pra Cruzeiro, ia pra Teófilo Otoni, Teófilo Otoni naquele tempo era chamado de cidade, sabe, Araçuaí também, mas quem vinha pra Araçuaí dizia que ia pra Araçuaí, quem saia pra Cruzeiro, hoje, naquele tempo era São Bento, quem saia de lá pra Teófilo Otoni é que ia pra cidade.
P/1 – E o senhor estudou?
R – Eu só estudei até o terceiro ano primário. Nós tínhamos uma escola, coisinha muito simples lá, afinal era até bem pertinho da minha casa que era escola, mas tinha o campinho de futebol, nós chutava bola de bexiga de boi, enchia a bexiga de ar, ia lá no matadouro, pegava a bexiga de boi, enchia de ar e chutava bola como se fosse essa bola, é, essa bola construída por aí, a bola de futebol. Mas a bexiga depois de cheia fica de comprido, sabe, mas era nossa bola que a gente chutava. E eu não chutei tanto não porque a gente tínhamos muito o que fazer, sabe, apenas sete, oito anos na escola, porém tinha o que fazer depois que saia da escola.
P/1 – O que que fazia?
R – A gente pegava animal para os outros, a gente vendia café lá nas composições do trem de ferro, e assim por diante, fazendo essas coisinhas assim, pegava, ia lá pro mato, buscava vacas pra tirar leite pra uma pessoa vizinha, não era nossa não, hein, nós não tínhamos nada não, apenas meu pai era empregado da estrada de ferro e minha mãe até lavava roupa pros outros, que é isso.
P/1 – Desde que idade o senhor fazia isso?
R – Olha, eu trabalhei desde, desde oito, nove anos eu sempre tive o que fazer, depois que eu sai da escola meu lugar era, meu e outros garotos lá, gente da nossa classe, ia pra lavra pra cozinhar pro povo lá, é isso, aquele pessoal que tinha a turma na lavra, sabe, da-se o nome assim turma, na lavra, e a gente então trabalhava pra eles lá e ia pra lá pra cozinhar pros garimpeiros que formava a turma, é isso.
P/1 – Depois que o senhor saiu do colégio o senhor fazia o que?
R – Depois que eu sai eu fazia apenas isso que eu to te falando, ia pra lavra cozinhar pros outros, pegava animais pras pessoas lá que faziam viagens e, e daí então eu cresci um pouco e aprendi essa profissão de cortar mica, beneficiar mica, sabe, não sei se vocês já viram aquilo, mas então lá em Valadares eles fazem, trabalham muito com isso. Então eu beneficiava mica, enquanto eu beneficiava mica que eu estava numa lavra nas imediações lá de Cruzeiro uma pessoa que eu trabalhava com ela chamava-se Antônio (Chacra?) então acabou com o sistema de extrair a malacacheta lá da lavra, então um outro senhor que estava na mesma região chamava-se Genildo de ___________ , esse Genildo falou com o senhor Antônio (Chacra?) pra nos arranjar pra vir com ele, pra trabalhar com ele aqui beneficiando mica, assim nós fizemos, nós tivemos num povoado que chama (Queixada?) que pertence a Novo Cruzeiro, lá nós tivemos um bocado de tempo beneficiando mica veja só o gesto é esse, oh, beneficiar a mica pra tirar o lixo da mica, aí com o tempo ele parou com a oficina e eu voltei pra Novo Cruzeiro, voltando pra Novo Cruzeiro ele me telegrafou chamando pra trabalhar com ele em um bar, com o decorrer do tempo ele acabou com o bar e eu fui ser empregado no Hotel Bahia, no antigo Hotel Bahia que era de uma senhora, é, chamava-se Maria (Tanuri?) Amora mas na intimidade era Sinhá, filha de __________ (Tanuri?), e depois eu sai da companhia dela e vim trabalhar com botequinho ali de um, que seria no futuro meu cunhado, irmão dela, arranjou um cômodo ali pra mim e eu fui vender cana, vender doces que elas mesmo faziam ai, e eu comprava cana desse pessoal ai, cana, frutas etc etc então eu vendia ali. Dali eu sai, e minha sociedade era o seguinte, eu comecei trabalhando como sócio em troca da comida, sabe, o cara me deu o cômodo e me dava comida que inclusive ela era moçinha ela levou muita comida pra mim lá, futuramente seria, passou a ser minha esposa, né? Então eu saí daqui, passei ali pra cima, pra um outro ponto, lá com o mesmo boteco,de lá eu acabei com a sociedade com o outro e passei a trabalhar por conta própria, então a pessoa lá no colégio, vocês querem escutar bem a história? (risos)
P/2 – Tamo aqui pra isso.
R – Então o prediozinho que eu trabalhava lá mais adiante dava fundos com o Colégio Nazaré, o Colégio Nazaré era internato de moças, sabe, muitas moças internas, os rapazes chegavam lá no meu boteco, entravam e iam lá pro fundo paquerar as moças do Colégio, as irmãs descobriram tal coisa, as freiras, né, aí do Colégio Nazaré, descobriram que os rapazes entravam no meu quintal pra olhar as meninas do Colégio (risos) aí então ela foi lá e comprou o prediozinho que eu trabalhava na mão do senhor que chamava-se Elias (Tanuri?), e o senhor Elias vendeu pra elas o prédio e me pediu que eu desocupasse o prédio que é pra entregar pras irmãs. De lá então eu falei com o senhor ___________ (Tanuri?) e ele então tinha um prediozinho, o tal que eu te falei ai na dobra da esquina, aí ele me alugou ali. O dia que eu coloquei as garrafas de cachaça na minha prateleira aí eu me senti algo novo com aquilo, aí eu já não tinha sócio, aí eu passei a trabalhar por conta própria, isso em 1948. Aí o senhor ________ me alugou o prédio e eu fiquei achando que não dava conta de pagar o aluguel, sabe, mas vendi aquela bagunçinha, aquela coisinha como vocês tão vendo aqui agora, fim de um horror de coisinha e ia me virando, pagando aluguel etc e com o decorrer, ou melhor, depois de 48 aí chegou 1949, nós casamo no dia 10 de setembro de 1949, então em junho de 50 nós já tivemos a primeira filha, começou assim, oh, de junho de 50 a fevereiro de 74 nós tivemos 15 filhos.
P/2 – De julho?
R – De junho de 1950 a fevereiro de 1974 nós tivemos 15 filhos, sendo quatro mulheres e 11 homens.
P/1 – Seu Lidirico, só pra voltar um pouquinho, quando que foi que o senhor veio pra Araçuaí, com que idade?
R – Eu vim pra Araçuaí, nasci em 27 e vim pra aqui em 45.
P/1 – E veio pra trabalhar já?
R – Vim trabalhar, tanto que eu nunca fui, nunca senti a idade de adolescente, eu sempre trabalhei, nunca fui parado não, sempre trabalhei, tanto que quando eu vim pra aqui eu deveria ter de 27 pra 48, 18, né? E eu não tinha 18 anos completo não. Mas sempre trabalhando.
P/1 – E como foi pro senhor sentir logon assim no primeiro trabalho, numa venda, o que o senhor sentiu, o senhor gostou daquilo?
R – Não, gostei porque eu não aprendi outra profissão a não ser a de beneficiar mica, é, quando eu parei, quando eu sai do último emprego, da senhora, o ultimo emprego que eu tive foi no Hotel Bahia, sabe, no antigo Hotel Bahia, então eu vim pra montar um botequinho meu mesmo ali, meu e com sociedade com o irmão dela, da minha mulher, naquele tempo a gente nem pensava em casamento, né, aí com o decorrer do tempo acabou a gente dando certo e nos casando, daí eu sai pra um outro ponto e quando eu estabeleci por conta própria aí chegou um fiscal do INSS e falou comigo assim “Cadê seu carnê do INSS?” “Eu não tenho carnê não” “Veja só, a gente não pode negociar sem ser contribuinte com o INSS”. Então eu providenciei os meus documentos, meu carnê etc e comecei a contribuir com o INSS. Contribui com o INSS aproximadamente 43 anos, inclusive eu tenho um documento aqui que prova qual foi o tempo meu de contribuição com o INSS. Eu sou aposentado desde 1991, eu tô aposentado.
P/1 – Então, Seu Lidirico, conta pra gente com quem que o senhor aprendeu esse dom de vender.
R – Eu fui empregado do Genildo, e adquiri uma certa experiência trabalhando com ele e quando eu saí do Hotel, veja só, naquela ocasião eu frequentava o Tiro de Guerra, e eu sabia que se eu saísse do meu emprego no Hotel Bahia e fosse embora pra Novo Cruzeiro, naquele tempo São Bento, ou melhor, já era Cruzeiro, já havia emancipado, então eu passava como desertor, e eu então falei com o irmão da minha mulher, naquele tempo, irmão dela, é, que eu estava querendo sair lá do Hotel e não tinha pra onde ir e se eu fosse lá pra casa eu passava como desertor, ele então falou “Se o senhor quiser um comodozinho ali eu te arranjo e você vai pra lá vender alguma coisa.” e assim eu comecei vendendo frutas, vendendo frutas, é, cana, o pessoal que passava aqui pela rua, sabe, eu comprava cana na mão de um futuro, naquele tempo de um futuro concunhado meu, eu então comprava canas, a gente então falava cargas de cana, sabe, vinha na _________ d o animal, então chegando aqui a moçada, nós não tínhamos energia elétrica naquele tempo não...
P/1 – Pare um pouquinho Lidirico, tá muito barulho.
P/1 – Pode falar seu Lidirico.
R – Então eu sai do Hotel e conversei com o rapaz que no futuro seria meu cunhado, então ele disse que arranjava um cômodo pra mim, e eu passei a vender coisas e o pessoal então comprava cana na minha mão, ficava chupando cana por aqui que nós não tínhamos energia elétrica, só funcionava até uma certa, até umas dez horas, então a luz dava sinal que ia apagar e às vezes em noite de luar a gente, é, o pessoal pegava, a gente emprestava faca etc e o pessoal ficava andando pela rua chupando cana a noite fazendo (fute?) aí chupando cana (risos) era muito interessante até, aí no dia seguinte a rua amanhecia suja e o camarada varredor de rua ficava chateado que tinha muito bagaço de cana pra ele varrer, sabe, era assim, é um caso interessante. Naquela época a gente não tinha energia 24 horas não, era a motor, é, motor, uma certa vez funcionou com sistema de vapor, sabe, igual uma locomotiva que funcionava a lenha, depois com o decorrer do tempo aquele sistema acabou desmoronando, quebrou, aí o prefeito naquela ocasião, é, convidou o povo pra comprar um motor pra substituir o que havia quebrado, o sistema que havia quebrado, aí comprou o motor internacional que as vezes até os prefeitos que nós temos aqui a gente ouve falar dessas coisas e eles não falam disso que eles não sabem, agora eu sei de mais coisa aqui do que muitos prefeitos aí, sabe, (risos) isto é coisa do passado, o que se dava é que eles as vezes contam a história mas não sabem que a coisa foi assim. Aí com o decorrer do tempo apareceu o DAE e encampou o sistema, sabe, aí nós passamos a ter energia a mais tempo, também com motor a diesel e com o decorrer do tempo veio o DAE e passou o sistema hidráulico, naquele tempo nós tínhamos o Governador que chamava-se Rondon Pacheco, não sei se vocês já ouviram falar dele, Rondon Pacheco veio aqui, então nós tivemos um movimento aí na praça, alguém escreveu uma faixa dizendo assim “Sem energia não há progresso.”. É, o prefeio disseram que sem energia não havia condições de progresso, aí o Governador lá no palanque viu aquela faixa, mandou recolher a faixa e levou pra Belo Horizonte. Com o decorrer do tempo surgiu energia elétrica, é, já hidráulica lá pra Almenara, naquela região, Almenara, Jequitinhonha, Pedra Azul, naquela região de lá, isso em 1973. Quando foi inaugurado lá eu peguei uma garotada minha aqui, sabe, meus filhos, e levei pra lá pra assistir a festa de inauguração da energia lá e no ano seguinte chegaria aqui, mas quando chegou pra nós chegou diferente, chegou em torres metálicas etc, então o sistema melhor que o de lá, aí então nós passamos a ter energia 24 horas, né, 24 horas que nós tivemos energia, de 74 pra cá, é isso. Agora a inauguração foi depois.
P/1 – Seu Lidirico, voltando um pouquinho mais, o senhor quando abriu sua venda própria, o que o senhor sentiu?
R – Eu senti orgulhoso com aquilo, a primeira coisa que eu fiz foi comprar de um senhor aí, chamava-se Crioulo, era o apelido dele, então a cachaça tinha o mesmo nome, sabe, o mesmo nome, a cachaça chamava Crioula, e eu aluguei o cômodo já com as prateleiras etc, rapaz eu me senti tão orgulhoso a hora que eu coloquei as garrafas assim, agora eu tenho a venda, (risos) então aquilo foi muito bom pra mim, isso aconteceu em 1948, tá ali, oh, o jornal falando de quando, de que tempo. Mas eu já negociava clandestinamente antes, é.
P/1 – Como que era isso?
R – Clandestinamente? Não pagava obrigações, né, não pagava imposto (risos).
P/1 – Mas comprava de quem?
R – Comprava do pessoal aí do povo da área rural, comprava frutas, entendeu? Agora depois que eu passei a legalizar minha situação aí eu passei a comprar com direito a nota fiscal. Eu sou contribuinte, eu compro da Souza Cruz desde aquela época que eu inicie a trabalhar no comércio, sabe, então eu me inscrevi e passei a comprar da Souza Cruz, a Souza Cruz naquele tempo vendia faturados, o viajante vinha, vendia pra gente os cigarros e os cigarros chegavam aqui pela estrada de ferro, embalados numas caixas e a gente recebia a mercadoria pela estrada de ferro, depois com o decorrer do tempo é que a Souza Cruz passou a vir fazer entrega na porta da casa da gente, né, o viajante vem, faz a venda, a entrega, e leva o novo pedido pra próxima semana, porque hoje a Souza Cruz nos vende para, é, por quinzena, sabe, cada 15 dias é que eles vendem, eles vendem, entregam de 15 em 15 dias, é isso.
P/1 – Naquela época em 48 era difícil abrir uma venda?
R – Não, não era tão, era difícil assim, a fiscalização no caso aí , que lotava os boteco, se o fiscal da prefeitura encontrasse um litro de cachaça assim na mesa da gente ele recolhia, chega lá botava, escrevia alguma coisa sobre aquilo e botava na mesa da __________ Municipal porque a gente não podia vender essas coisas. Hoje o povo vende, vende na maior cara de pau dentro do mercado e não tem ninguém que atrapalha eles, é isso.
P/1 – E como que era essa rua na época?
R – Essa rua, quando eu cheguei em Araçuaí, essa rua era calçada com pedras maiores, sabe, igual essa pedra aqui do passeio, oh, então o senhor João Neiva, eleito prefeito, então já vinha calçando as ruas por aí e essa rua tinha um calçamento muito melhor do que o que ele estava fazendo. Aí quebrou as pedras maiores que tinha aí e transformou nisso aí, oh. E essa rua nunca sofreu uma melhora depois que o João Neiva fez isso, depois que o João Neiva fez isso nunca tiveram o cuidado, nenhum prefeito teve o cuidado de arrumar essa rua. Os maiores eventos que acontecem na cidade usam essa rua, daquela praça onde tá o posto Cristal, já viram lá? O posto Cristal e a praça do Fórum ali, oh, a praça tem nome e a gente fala praça do Fórum, entendeu? (risos) Sempre tem um apelido, essa rua por exemplo Rua Dom Serafim, antigamente era chamada Rua de Cima e a outra Rua de Baixo (risos) são a principal rua da cidade. Eu cheguei pra aqui em 45 e aqui não tinha, é, a cidade era muito pequena ainda, sabe, uma cidade velha porém ainda pequena. Hoje que desenvolveu muito, a cidade tá muito grande em relação a 1945, né?
P/1 – E quem era seus vizinhos aqui? Tinha comércio também?
R – Não, não. Vizinhos nosso, depois que eu negocio aqui nós tínhamos uma senhora vizinha ali e sempre outras pessoas aqui, mas com comércio não, não.
P/1 – E o senhor lembra de algum deles que o senhor gostava muito, que frequentava muito a sua venda?
R – Ah, lembro, nós tivemos aqui hoje já falecido Jefferson Campos, foi coletor municipal e Jader, que a gente chamava Jader Ferreira mas que sempre a gente falava Jader coletor, então ele ficava muito aqui, sentava muito nessa cadeira. Nós tivemos uma senhora a muitos anos que chamava-se Ilda Carmona, que trabalhava muito aí também na coletoria e frequentava muito aqui. E muita gente mais, né? Nós tivemos também um senhor José Juventino Ferreira, vinha muito aqui, foi dono de uma drogaria e farmácia aí. Doutor Luiz Duarte foi uma pessoa maravilhosa que nós tivemos aqui em Araçuaí, foi promotor de justiça, sabe, então tem uma história muito interessante no caso do Doutor Luiz Duarte, eu, numa certa ocasião eu procurei ele, pra acabar com a sociedade com uma pessoa que eu era sócio, veja só, naquele tempo ele disse assim “Nós podemos acabar com a sociedade porque eu tenho que pagar a prestação de um jipe e comprar uma máquina de costura pra minha mulher.” Bom, aí eu perguntei ao seu ____________ se ele me emprestava um mil e 500 cruzeiros, sabe, ele disse “Empresto.” Quando eu fui a noite procurar o dinheiro ele disse “Cadê a promissória?” eu digo “Ah seu Zé.” e eu acreditando que ele aceitava minha conversa ele disse “Ah, sem promissória não pode.” e aí eu havia prometido ao senhor que nós tínhamos a sociedade, chamava-se Generoso, então o Generoso ficou de que eu ia acabar com a sociedade porque eu havia arranjado dinheiro emprestado, mas só de palavra, sabe, mas quando ele falou que dependia da promissória, eu caminhei pro Doutor Luiz Duarte, naquele tempo ele era noivo de uma senhora, de uma menina vizinha nossa ali, fia de um senhor chamado Arnaldo Peixoto e a moça namorada dele chamava-se Déia, então eu fui lá, falei com o Doutor Luiz, “Doutor então minha situação é assim e assim. Veja só, o Doutor __________ não pode me emprestar porque tá com, porque eu não levei a promissória.”, ele saiu comigo lá da casa da namorada, saiu comigo, nós passamos por aqui, chegamos na casa dele, quando nós chegamos lá eu, ele foi lá no cofre, movimentou o cofre, tava com o dinheiro certinho, com mil e 500 cruzeiros, entregou ao Doutor Luiz Duarte, o Doutor Luiz Duarte me passou o dinheiro e eu então vim embora, entreguei o dinheiro para o meu sócio, aí é que acabou a sociedade, aí passei a ser proprietário sozinho, sabe? E viajei pra Novo Cruzeiro, viajou eu e a mulher do moço que ia comprar a máquina de costura, inclusive a máquina de costura com o decorrer do tempo morreu os proprietários da máquina, né, que era a senhora Nenê do Generoso, e deixou de herança pra uma sobrinha dela. Depois com o decorrer do tempo a sobrinha dela nos vendeu a máquina, minha mulher é dona da máquina hoje, oh, aquela máquina foi comprada em 1948, por aí, e hoje minha mulher é dona da máquina, da máquina de costura. Veja só, eu lembro até da marca da máquina, chama-se __________, né, parece que é alemã.
P/1 – Nessa época em 48, 50, o que vendia mais aqui?
R – Ah, naquela época a gente vendia, vê, eu tinha geladeira a querosene, naquele tempo eu tinha geladeira a querosene, a gente vendia cerveja, vendia muito refresco que a gente mesmo fazia, sabe, (risos) o refresco era limão, água e açúcar, então enchia a geladeira, vendia muito, e fazia um picolezinho assim, é, no congelador da geladeira, então a meninadinha da escola comprava aquele picolezinho com palito desse palito de _________ enfiado no picolé (risos), era assim.
P/1 – Só tinha a sua venda por aqui?
R – Por aqui era só minha venda, agora no comércio tinha por aí a fora, nas imediações do Mercado Municipal tinha sorveteria, tinha venda, inclusive aqui também nós tivemos uma sorveteria em frente ao Colégio Nazaré tinha uma sorveteria que era do senhor Francisco, o Italiano. Assim, o movimento maior dessa rua sempre foi assim por causa do colégio.
P/1 – E o senhor sempre foi amigo de todo mundo assim?
R – Sempre fui amigo, o lugar mais inapropriado pra arranjar inimizades chama-se balcão de venda, né, meus inimigos, se eu dizer que eu não tenho inimigos é impossível, sabe, mas tem um ou dois e eu tenho quase 60 anos no balcão e não tenho ninguém como inimigo, né?
P/1 – Porque será que é fácil ter amizade no balcão de vendas assim?
R – Eu tenho uma certa facilidade em não brigar com o sujeito, muitas vezes vem tomar uma pinguinha “Ô, o meu dinheiro, ah ficou em casa.” “Depois você trás.” (risos) pronto, acabou a briga, né, não tem briga.
P/1 – Tem alguma história que aconteceu no balcão muito boa, assim?
R – Não, história assim, no momento assim pra eu lembrar de casos que aconteceu, não. Não vou forçar minha memória (risos), tem muita coisa mais a gente, já falei um bocado e vamo, pode fazer mais pergunta (risos).
P/1 – Nessa época, anos 50, pouco antes de 50, quem eram as pessoas que forneciam os alimentos?
R – É o povo da área rural, que naquela ocasião produzia bastante na área rural então nós, o único meio de transporte que nós tínhamos aqui naquela ocasião era o trem de ferro, sabe, o trem de ferro que vinha de Ponta de Areia à Araçuaí, quer dizer, dois trens, um saia de ________________ pra Ponta de Areia e o outro saia de Ponta de Areia pra Araçuaí, aqui nós recebíamos muita coisa pela estrada de ferro, sabe, vinha os sal, querosene, tudo vinha pela estrada de ferro. Essa ponte de Itaobim aí na Rio – Bahia 116, aquela ponte foi construída em 1950, foi quando deu início a Rio – Bahia, né, a Rio – Bahia funcionou como estrada de terra por muitos anos então alguém que chegava encostado de onde tava construindo a ponte atravessava por meio de balsa, passava pro outro lado e tocava viagem. Agora a ponte começou a funcionar depois, eles iam construindo a, da o nome de obra de arte, né, quando tão construindo a estrade de, uma rodovia, então vão construindo as pontes, mata-burros etc e o povo vai arranjando um meio de passar de um lado pra outro mas naquele tempo não funcionava ainda a ponte, era, lá em Itaobim o Rio Jequitinhonha, então o povo chegava com a carga atravessava por meio de balsa e passava pro outro lado pra ir embora tocar viagem.
P/1 – E eles vinham no dia certo?
R – Vinha, vinha no dia certo, o trem de ferro, quer dizer, às vezes atrasava mas vinha sempre, vinha sempre.
P/1 – Hoje em dia como que é?
R – Ah?
P/1 – Hoje em dia é muito diferente isso?
R – Ah, hoje em dia é muito diferente, hoje em dia nós temos caminhões e caminhões por aí afora. A estrada de ferro foi, acabou desde 1964, né, então nós não temos mais transporte de, ferroviário desde 64, e agora o transporte rodoviário. Nós já tivemos transporte aéreo linha regular. Eu trabalhei muito aqui também, oh, veja só, eu trabalhei muito, eu tinha uma frota de carroças, animais de carga pra fornecer água para o povo. Eu forneci muita água. Com o decorrer do tempo surgiu o DENERu, quando surgiu o DENERu foi, começou então a colocar rede de água pra servir o povo, aí com o decorrer do tempo a DAE assumiu, hoje é a Copasa. A Copasa hoje fornece água pra todo lado.
P/1 – Quando foi isso?
R – Isso foi na década de 60 pra 70 já começou a surgir água encanada, agora Copasa tem muitos anos porém não tenho precisão de quando começou não.
P/1 – Mas conta um pouco de como que era, você ia buscar onde?
R – A água a gente pegava no rio Araçuaí, buscava era na cabeça, é, no carrinho de mão, na carroça, no animal de carga que eu falava lá, a cangalha no animal e dois vasilhões de 50 litros em cada lado. Então a gente pegava água no rio, agora eu tinha uma frota de carroça. Agora veja só, o tempo foi passando e a coisa foi ampliando e eu comprei um jirico, jirico é um veículo motorizado pra pegar peso, sabe, e com o decorrer do tempo eu coloquei um pipa, e a coisa foi melhorando, quando eu tava começando a melhorar as coisas aí chegou o sistema de fornecimento de água aí acabou com o meu negócio (risos). Minha mulher ficava aqui no balcão e eu pegava água, eu e meus meninos, esse menino que tá na Polícia Militar por exemplo já pegou muita água no rio com a carroça, e eu já tive ocasião de ter assim 40 animais, sabe, de serviço assim, que o sistema de condução de água estragava demais os animais e a gente fazia muita troca pra pegar animais novos pra aguentar o serviço, pelo contrário tinha que parar, é assim. Aí quando eu comecei a botar coisa motorizada aí surgiu o sistema de fornecimento, aí me fez desmoronar tudo. Aí eu peguei o trator troquei em gado, tanto que eu tenho um terreninho por aí, um sitiozinho, lá eu tenho uma criaçãozinha e tal, não tem quantidade não, mas tem um pouquinho.
P/1 – Porque que o senhor decidiu fazer isso, a venda tava indo mal?
R – Não, era o seguinte. Quando eu me casei nós não tínhamos pessoa que nos fornecesse água, aí eu comprei um animal pra colocar água na nossa casa e alguém chegava, que não tinha também fornecedor de água deles, pedia assim “Ô, você podia pedir pra botar água lá pra mim?” aí eu arranjava mais um, mandava botar pra mais uma pessoa, lá em casa e na casa de outra pessoa, depois surgiu mais outro, e o elemento que buscava água pra nós falou assim “Tá bom de você comprar uma carroça porque aí a gente pega mais água, pode atender mais gente.” assim fiz, comprei uma carroça. Com o decorrer comprei mais uma, e foi aumentando a frota e aí eu tinha um __________ de mais que pegava água pra fornecer pro povo. E nosso lugar, isso aqui, oh, era aberto, não existia construção não, aí é que a gente estacionava as carroças. Mas alguém malino chegava aí, arrastava a carroça alta hora da noite, e arrastava a carroça, quem procurava a carroça pra botar, pro animal puxar água, ás vezes encontrava a carroça até lá na frente da Matriz, perto do Banco do Brasil, por ali, alguém arrastava a carroça, botava lá e a gente saia procurando por ali, encontrava a carroça lá.
P/1 – Nessa época o senhor não ficava na venda?
R – Minha mulher ficava na venda e eu ficava ajudando os meninos a buscar água, e tinha meus filhos, tinha outras pessoas que eu colocava pra trabalhar comigo, e minha mulher sempre ficava no balcão. E depois que eu terminava o serviço lá da rua eu vinha pro balcão. Mas rapaz, eu já trabalhei muito, às vezes eu amanhecia o dia aqui no balcão, tanto que é muito comum eu ficar aqui até meia-noite, uma hora da manhã, depende assim de ter alguém comigo porque se tiver algum cliente aí eu vou ficando, pelo contrário quando vai embora eu falo assim “Agora eu vou fechar porque então eu não sei quem chega.” inclusive, um cara já tentou me assaltar aqui mas não conseguiu levar nada não.
P/1 – Como foi?
P/2 – Espera, vamos trocar a fita.
R – Eu posso voltar atrás falando um pouquinho de lá quando eu tomei o dinheiro emprestado? Posso? Então, o Doutor Luiz Duarte é falecido, não sabe, hoje, mas quando eu tomei o dinheiro emprestado dele eu tinha uns porcos, eu tinha galinha, eu tinha um horror de coisas que eu tinha lá no quintal, sabe, e a hora que terminou, aproximava de 30 dias que eu havia tomado o dinheiro emprestado então eu chamei alguém pra me comprar os porcos que eu tinha lá no quintal, então eu arrumei mais de um mil e 500 que era o dinheiro que eu havia tomado emprestado, sabe? (risos) E quando, e eu recebi o dinheiro então voltei lá pra resgatar a promissória e ele disse “Não, não venceu ainda não.” mas eu disse “ Mas eu tô com dinheiro agora, eu quero pagar Seu _________.” peguei a promissória dele, paguei e levei lá e mostrei pro Doutor Luiz Duarte a promissória que eu havia resgatado, né, ele disse “Agora você pega essa promissória rasga e queima, viu?” (risos) Pronto, tá aí, voltei atrás porque eu não havia falado isso, né?
P/1 – Ótimo, e a história do ladrão que o senhor ia contar pra gente?
R – A história do ladrão é o seguinte, eu havia ali pras dez horas, dez e meia, no intervalo do jogo de futebol eu tava olhando o jornal assim e chegou uns elementos e falou “Quero o dinheiro.” eu pensei que aquela pergunta fosse de alguém brincando comigo, quando eu levantei as vistas que eu tava olhando o jornal, que eu levantei as vistas tava dois caras encapuzados e falou comigo assim “Quero o dinheiro.” mas com o gesto assim de quem queria me atirar, de quem tivesse com uma arma, mas eu conheci que a arma era de plástico e falei “Ah, essa aqui não vai sair tiro não.” e fui saindo com eles assim, oh, fui saindo um pouquinho com ele e dei uma volta assim, passei a mão numa pá e dei uma cacetada na mão dele, aí ele foi embora o menino meu vizinho aqui chegou num momento aí um saiu pra um lado e outro pra outro, mas não levaram nada não. Mas não levaram nada, aí meus fio falaram “Ô pai, o senhor não devia ter feito isso não, porque esse negócio é perigoso.” mas se é perigoso não aconteceu nada, comigo não. (risos)
P/1 – E o senhor abre todo dia?
R – Nós abrimos aqui dia santo, feriado, domingo, todos os dias da semana e do ano. A gente fecha no caso de uma necessidade de sair, aí fica fechado mas pelo contrário raramente acontece isso. Nós tivemos uma ocasião preparado pra ir, querendo ir visitar nosso filho lá nos Estados Unidos. Então preparamos toda a documentação, o passaporte, aí nós fomos em São Paulo pra pegar o visto. Chegamos em São Paulo apenas pra escutar “Não.”, o embaixador disse assim “Infelizmente não.” e quando você vai perguntar porque não tem resposta, tanto que nós chegamos em São Paulo às cinco da manhã e saímos às 11, tanto que alguém fala comigo “Você foi a São Paulo?” eu digo “Já passei lá algumas horas.” (risos)
P/1 – Porque o senhor acha que dá tão certo essa venda, todo mundo conhece, qual é o segredo?
R – Ah, a minha venda é por causa do tempo, por causa da idade, se perguntarem aí, qualquer criança por aí afora, qualquer ponto da cidade “Você sabe onde é a venda do Seu Lidirico?” os meninos falam “Sei.” não tem ninguém da cidade, da região, um dia desses mesmo fizeram, teve um festival lá em Joaíma e o rapaz levou uma música falando assim “Shopping do Seu Lidirico.”, sabe, e aí ele conta a história toda, é versão da outra música “Venda do Seu Lidirico”, né, que a Venda do Seu Lidirico é de Milton Edilberto e o Shopping é o Eugênio, que no momento não tô me lembrando o sobrenome do Eugênio, então ele levou a música e disse assim “Tem alguém que representa o Seu Lidirico aqui em Joaíma?” aí uma criançinha, não é nosso neto não, sabe, mas pelo fato de ser sobrinho de uma nora minha ele falou assim
“Eu, eu sei, eu sei, é meu avô.” (risos) a criança lá em Joaíma, disse “É meu avô.”, aí eles tavam até aqui esses dias, os meninos.
P/1 – Conta um pouco a história dessa música “Venda do Seu Lidirico”.
R - A “Venda do Seu Lidirico” foi o caso de, esses cantores quando vêm na cidade eles sempre visita uma benzedeira, sabe, e a benzedeira que nós tínhamos aqui na ocasião chamava-se Sá Luiza, né, Dona Luiza, Sá Luiza, então eles foram fazer a visita a Sá Luiza e chegando lá o Milton Edilberto tomou uma pinguinha, e a velha gostava de tomar gole, sabe, e ele tomou a pinguinha e perguntou assim “Ô vó, da onde que é essa pinga?” Ela disse assim, oh, o tiro da música, oh, “Essa pinga é lá da venda do Seu Lidirico.”. Bom, aí ele por curiosidade fez questão de vir aqui por causa do meu nome que não é comum por aí afora, ele então chegou, sentou aí e perguntou “Como é que é seu nome?” eu disse “Meu nome é Lidirico.” “Lidirico mesmo?” parecia que não, eu vim cá, peguei minha identidade e mostrei pra ele assim, ele disse “É, Lidirico mesmo”. Ele ficou uns quinze, vinte minutos, perguntou assim “Eu posso fazer uma musiquinha falando daqui?” “Pode.” Foi lá na bobina, pegou um papelzinho, escreveu e falou “Pode cantar?” eu disse “Pode.” aí ele disse, é, começou cantando e os outros batendo instrumento, sabe, e me perguntou “Gostou?” “Gostei.” aí saiu com aquele papelzinho e por lá ele fez os retoques sabe e se juntou a (Shangai?) e fizeram a música, tanto que o (Shangai?) tá, naquela gravação tá o (Shangai?). Ele, depois ele levou por lá, gravou, e tem esse disco, esse CD por aí afora, inclusive eu tenho o original mas o original que eu tenho tá emprestado pra alguém, hoje mesmo o rapaz chegou aqui com, devolvendo um que era cópia, é cópia mas ele levou mesmo assim, mesmo assim ele levou, tirou, regravou e devolveu a cópia que ele levou. Eu tenho a música aí se vocês quiserem ouvir, daqui a pouco.
P/1 – Daqui a pouco a gente vai. Mas o que o senhor acha dessa música?
R – Ué, foi bom pra mim que é um comercial muito bom, só falta falar que eu vendo avião (risos). É muito bom comercial, vocês já prestaram atenção na música? É um verdadeiro comercial. Naquele tempo eu tinha mais coisas, no tempo que o Milton Edilberto fez a... O Milton Edilberto fez a música baseado nas coisas que eu tinha, tinha um monte de passarinhos etc e disse que quando ele chegou lá que alguém falou “Ah, ele não tem esse passarinho não.” depois ele veio aqui com gravador e fez questão de ir comigo, que eu tenho uns pássaros que tão lá pra dentro, sabe, aqui fora eu só tenho um Curió, mas eu tenho mais pássaros, então ele foi, gravou tudo, filmou e levou pra mostrar a alguém que realmente eu tinha os pássaros. (risos)
P/1 – Ficava tudo por aqui?
R – Ficava tudo por aqui, eu botava, tinha nas paredes aí por todo lado tinha gaiola, sabe, e tinha outras penduradas, assim, então tem, assim, Curió, Papa-capim, Papagaio, Periquito... Ah, minhas prateleiras, aqui tinha prateleira por todo lado, quando nós fizemos essa reforma, os meus filhos é que fizeram essa reforma aí, então quando fizeram essa reforma mudou tudo, o aspecto era outro, tanto que tem pessoas que falam assim “Ah, eu gostava quando era daquele jeito, aquele troço cheio de, os fios todo misturado aí.” Eu digo “Não, os fio tão assim mas não briga não, porque a hora que eles briga a gente _________.” (risos).
P/2 – Descreve como que era antigamente a venda Seu Lidirico.
R – A venda antigamente nós tínhamos aquela telha comum, a telha comum não é esse tipo colonial como tá aí, oh, aqui é colonial, nós tínhamos uma telha comum que era cobertura e os caibros que colocava a telha sobre os caibros, era caibro redondo, assim, então o sistema era esse mesmo porém com madeira completamente diferente e telha toda preta, horroroso, mas é que não fazia diferença no caso da energia, não atrapalhava não porque os fios misturava tudo mas não encontrava pra dar curto, não dava curto não.
P/1 – Mas e a descrição, tinha as prateleiras, era de madeira tudo, como é que era?
R – Tinha tudo, de madeira, nós tínhamos prateleira ali assim, tinha outra prateleira assim, tinha nesse lugar aqui, oh, tinha as prateleiras de forma que a gente tinha um horror de coisas. Em uma certa ocasião uma pessoa veio aqui procurou uma coisa que parecia impossível, aí o povo até conta muito essa história, procurando pente pra tirar caspa, sabe, aí a pessoa duvidou e chegou perguntando (risos) aí eu fiz a pergunta “Qual é a cor do pente?” aí fui lá, peguei o pente e falei “Tá aqui, oh.” você conhece o pente pra caspa?
P/2 – Como é que é?
R – Ele tem, como é que chama, dos dois lados, aqui dentro deve ter ainda mas naquele tempo os que eu tinha aí era pente de chifre, hoje tem de plástico, sabe?
P/2 – Depois pega.
R – É, pode deixar, depois eu pego.
P/2 – Então era uma venda que tinha de tudo?
R – Tinha, tinha muita coisa mesmo aqui, eu tinha muita coisa do que eu tenho hoje. Eu já vendi gasolina, naquela ocasião, veja só, não é nem dos seus tempos, hein, ele deve lembrar disso, quando vendia gasolina até na sexta-feira é que vendia gasolina, sábado não vendia, aí não vendia sábado nem domingo, eu enchia uns tonéis, assim, de gasolina, ia lá no posto, enchia na sexta-feira e trazia pra cá aí o pessoal vinha pra aqui comprar gasolina na minha mão então eu enchia os (carotes?) assim, né, e virava lá no carro pra eles e aqui transformava num posto, vendi muita gasolina aqui.
P/2 – Era uma venda de secos e molhados?
R – Secos e molhados, vendia um monte de coisas, assim, vendia, eu já vendi feijão, arroz, açúcar eu vendo hoje, vendo isso aqui, oh, não vou pegar não (risos). Eu sempre triturei milho por causa dos pássaros , eu sempre triturei milho pra vender pro povo tratar de pássaros, sabe, cuidar de pássaros, eu tinha um moinho manual, tudo isso eu já fiz aqui, e hoje eu tenho um moinho rodado a eletricidade, sabe, então eu vendo a ______________ hoje.
P/2 – O que é secos e o que é molhados? Explica pra gente.
fo
R – Molhado quer dizer bebidas alcólicas (risos) e secos é arroz, feijão, café, aí secos e molhados tem essas coisas assim, que faz parte do cereal, sabe, e bebidas é que é o molhado.
P/1 – Tem alguma coisa que encontra só aqui na sua venda? Que não tem em outro lugar?
R – Não, ah, aqui a gente vende diversas coisas, eu e outras pessoas, sabe, não tem, coisas que eu tenho às vezes o outro não tem, pode acontecer mas é muito comum a gente ter a mesma coisa pra vender, é muito comum em outras casas de negócio vender a mesma coisa que a gente também. É isso.
P/1 – Deixa eu perguntar pro senhor, o que o senhor mais gosta de trabalhar na venda, qual a parte mais legal, interessante?
R – O que é mais legal? Veja só, eu tenho a sorveteria, dali nós fazemos gelo, a coisa que eu mais gosto é a hora que a pessoa chega procurando, porque quando você procura é porque realmente tá precisando, e eu talvez sou o único que vendo gelo aqui porque nós tínhamos, nós temos uma outra pessoa que vende porém acho que a máquina dele tá quebrada e ele não se importou porque parece que eles estão muito bem e não quer saber disso, entâo eu com a mesma máquina que eu faço sorvete faço picolé etc, nós fazemos gelo. O gelo daqui a pouco eu vou mostrar pra ver como que é o sistema, a gente coloca água nas formas de fazer picolé, coloca numa sacola e a pessoa vem e a gente vende pra eles aí. Eles fazem festa por aí afora, não tem gelo, às vezes não, ele não tem que aguenta lá produzindo em casa mesmo então manda aqui comprar, muitas vezes compram dez pacotinhos daquele, cada pacotinho de gelo tem umas 40 pedras, por aí, como se fosse picolé, e por lá eles servem o povo. Às vezes nesses clubes eles têm o sistema deles mas às vezes o gelo que eles têm não dá e eles mandam comprar dez pacotes, às vezes até 15. Tem elementos que vai nas festas por aí afora e necessita do gelo pra lá eles fazerem as coisas deles e com o gelo eles vendem coisas geladas. É isso.
P/1 – E o senhor cumprimenta todo mundo que passa, né?
R – Ah, todo mundo que passa por aqui me cumprimenta, é, a brincadeira do rapaz com a música, ele num trecho ele diz assim, oh, “Se sobrar rolinha nova ele leva no bico.” Então deu certo eu brincando com as meninas aí, no momento que eu brincava com as meninas então ele levou, na música ele diz assim “Se sobrar rolinha nova ele leva no bico.” (risos)
P/1 – Seu Lidirico, como é que é estar casado com uma mulher a tanto tempo e tá com ela junto no casamento e na venda, compartilhar as duas coisas?
R – Ah, assim, eu e ela nós trabalhamos aqui, nossos filhos sobrou nenhum dos filhos para ficar aqui com a gente. Então, ela de manhãzinha ela levanta e me deixa lá dormindo, ela levanta, vai lá pra dentro, vai cuidar dos pastéis, fazer alguma coisa, porque nós não abrimos cedo não, sabe, ela, às vezes eu tô deitado ainda e escuto ela vir aqui com uma menina que trabalha aqui em casa e levantar as portas e daqui a pouco eu venho pra cá. Então ela faz pastéis, faz bolo, faz o tal de sonho, é uma quitanda muito antiga que, nesse momento não tem não, pois é, então ela faz essas coisas e traz pra cá. A hora que ela traz as coisas pra botar aí na estufa, pastéis, kibe, eh, às vezes empada, torta, e coloca aqui e liga a estufa e daqui a pouco começa a vender, final de semana então o povo procura muito.
P/2 – E que significado tem o senhor estar do lado da Dona Iaiá a tanto tempo?
R – É tudo uma brincadeira acabou a gente casando, não sabe? Então vou contar uma historinha rapidinho, oh, eu era amigo dela, dela e outras meninas por aí, então ela tem um irmão, um moço que foi criado junto com eles e se consideram como irmãos, eu saio da casa dela logo ali pertinho onde ela, ela naquela ocasião já era orfã de pai, então eu era na janela, ela pelo lado de dentro e eu pelo lado de fora da janela conversando com ela, muitas vezes eu chegava e começava a puxar os fios, ela fazendo uma tal de crivo, então ela cortava assim e eu puxava os fios do pano pra ela pra ela bordar. Eu saio da janela da porta da casa dela, isso num sábado, e encontro com um rapaz que é irmão de criação dela, “cê tá namorando...” ele falava assim “Lá.”, em vez de Lair que é o nome dela ele falava Lá, “Cê tá namorando com Lá?” eu disse “Não, nós não tamo namorando não, isso não é namoro, isso é amizade.”. Ele disse assim “Ah, quem não sabe o que é namoro?” Bom, aquilo me incentivou ir lá na venda, na esquina, e voltar. Eu saí pisando assim nas pontas dos pés, sabe? Falei assim “Eu vou conversar com ela agora mesmo.”, fui lá, voltei, não falei nada com ele, voltei, e falei “Fulano tá falando que nós tamo namorando. Vamo passar isso a sério?” ela olhou assim, oh, e falou “Vamo” (risos), tá aí a resposta (risos). E, assim, vamos, nós temos, nós apenas ficamos três meses entre namoro e noivado que passamos a considerar namorados, noivos, passou apenas três meses nós acabamos nos casando e hoje nós tamo com, aproximando em 58, 58 anos de casado, né, que nós fomos casados em dez de setembro de 1949, então tá aí enconstando pra completar 58. Agora nós temos a primeira filha com 57 e o mais novo com 32, ou melhor, 33.
P/1 Seu Lidirico, só pra terminar, queria que o senhor dissesse o que achou de falar pra gente?
R – Ah, gostei muito, vocês são curiosas, perguntaram bastante e gostei de responder. No início da conversa eu disse “Eu só tenho medo de responder errado.” (risos) mas podem perguntar que eu faço a resposta de acordo com a pergunta. Não sei se respondi alguma coisa errado, né? Então tô aí as suas ordens.
P/1 – Muito Obrigado.
P/2 – Obrigada.
R – Por nada.R - ... Minha mãe prenda do lar.
P/1 – Onde eles nasceram?
R – Meu pai nasceu na Bahia na cidade de nome Caculé e minha mãe nasceu nas imediações de Ladainha, não sabe, entre Novo Cruzeiro e Teófilo Otoni.
P/1 – E seu pai veio pra Minas encontrar sua mãe?
R – Veio pra Minas e encontrou minha mãe, meu pai aos 40 anos e minha mãe aos 14 (risos), 14 ou talvez menos de 14.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho, apenas quatro, somos quatro. Eu, Lidirico, (Belmide?), mora em Belo Horizonte, Leonor, mora em Itatinga e Belmiro, mora em Fabriciano.
P/1 – Como que era sua casa quando você era pequeno?
R – Minha casa foi casa de, construída pela ferrovia, né, então era apenas casa com três cômodos, cozinha, sala e um quarto, e lá vivia uma quantidade de filhos, nós fomos 13 filhos, e ali a gente vivia por ali e passava noite e dia (risos).
P/1 – Conta um pouco pra gente das brincadeiras. Do que brincavam naquela época?
R – Naquela época a gente brincava apenas, veja só, ia pro mato buscar lenha e de lá fazia aqueles, aquela junta de bois com árvores, sabe, formava junta de boi, amarrava a lenha no carrinho e saia puxando os boi, dizendo que era os bois que tava puxando a bandeira (risos). Naquele tempo a gente trazia lenha do mato, sabe, e meu pai pelo fato de trabalhar na estrada de ferro às vezes o pessoal da estrada de ferro jogava uns pau de lenha lá pra minha mãe, sabe, pra ajudar.
P/1 – Que mais?
R – No mais era escola, nossa escola, é, só tinha até o terceiro ano primário, as pessoas que tinham condições de sair pra pegar o diploma de _________ saia, vinha pra Cruzeiro, ia pra Teófilo Otoni, Teófilo Otoni naquele tempo era chamado de cidade, sabe, Araçuaí também, mas quem vinha pra Araçuaí dizia que ia pra Araçuaí, quem saia pra Cruzeiro, hoje, naquele tempo era São Bento, quem saia de lá pra Teófilo Otoni é que ia pra cidade.
P/1 – E o senhor estudou?
R – Eu só estudei até o terceiro ano primário. Nós tínhamos uma escola, coisinha muito simples lá, afinal era até bem pertinho da minha casa que era escola, mas tinha o campinho de futebol, nós chutava bola de bexiga de boi, enchia a bexiga de ar, ia lá no matadouro, pegava a bexiga de boi, enchia de ar e chutava bola como se fosse essa bola, é, essa bola construída por aí, a bola de futebol. Mas a bexiga depois de cheia fica de comprido, sabe, mas era nossa bola que a gente chutava. E eu não chutei tanto não porque a gente tínhamos muito o que fazer, sabe, apenas sete, oito anos na escola, porém tinha o que fazer depois que saia da escola.
P/1 – O que que fazia?
R – A gente pegava animal para os outros, a gente vendia café lá nas composições do trem de ferro, e assim por diante, fazendo essas coisinhas assim, pegava, ia lá pro mato, buscava vacas pra tirar leite pra uma pessoa vizinha, não era nossa não, hein, nós não tínhamos nada não, apenas meu pai era empregado da estrada de ferro e minha mãe até lavava roupa pros outros, que é isso.
P/1 – Desde que idade o senhor fazia isso?
R – Olha, eu trabalhei desde, desde oito, nove anos eu sempre tive o que fazer, depois que eu sai da escola meu lugar era, meu e outros garotos lá, gente da nossa classe, ia pra lavra pra cozinhar pro povo lá, é isso, aquele pessoal que tinha a turma na lavra, sabe, da-se o nome assim turma, na lavra, e a gente então trabalhava pra eles lá e ia pra lá pra cozinhar pros garimpeiros que formava a turma, é isso.
P/1 – Depois que o senhor saiu do colégio o senhor fazia o que?
R – Depois que eu sai eu fazia apenas isso que eu to te falando, ia pra lavra cozinhar pros outros, pegava animais pras pessoas lá que faziam viagens e, e daí então eu cresci um pouco e aprendi essa profissão de cortar mica, beneficiar mica, sabe, não sei se vocês já viram aquilo, mas então lá em Valadares eles fazem, trabalham muito com isso. Então eu beneficiava mica, enquanto eu beneficiava mica que eu estava numa lavra nas imediações lá de Cruzeiro uma pessoa que eu trabalhava com ela chamava-se Antônio (Chacra?) então acabou com o sistema de extrair a malacacheta lá da lavra, então um outro senhor que estava na mesma região chamava-se Genildo de ___________ , esse Genildo falou com o senhor Antônio (Chacra?) pra nos arranjar pra vir com ele, pra trabalhar com ele aqui beneficiando mica, assim nós fizemos, nós tivemos num povoado que chama (Queixada?) que pertence a Novo Cruzeiro, lá nós tivemos um bocado de tempo beneficiando mica veja só o gesto é esse, oh, beneficiar a mica pra tirar o lixo da mica, aí com o tempo ele parou com a oficina e eu voltei pra Novo Cruzeiro, voltando pra Novo Cruzeiro ele me telegrafou chamando pra trabalhar com ele em um bar, com o decorrer do tempo ele acabou com o bar e eu fui ser empregado no Hotel Bahia, no antigo Hotel Bahia que era de uma senhora, é, chamava-se Maria (Tanuri?) Amora mas na intimidade era Sinhá, filha de __________ (Tanuri?), e depois eu sai da companhia dela e vim trabalhar com botequinho ali de um, que seria no futuro meu cunhado, irmão dela, arranjou um cômodo ali pra mim e eu fui vender cana, vender doces que elas mesmo faziam ai, e eu comprava cana desse pessoal ai, cana, frutas etc etc então eu vendia ali. Dali eu sai, e minha sociedade era o seguinte, eu comecei trabalhando como sócio em troca da comida, sabe, o cara me deu o cômodo e me dava comida que inclusive ela era moçinha ela levou muita comida pra mim lá, futuramente seria, passou a ser minha esposa, né? Então eu saí daqui, passei ali pra cima, pra um outro ponto, lá com o mesmo boteco,de lá eu acabei com a sociedade com o outro e passei a trabalhar por conta própria, então a pessoa lá no colégio, vocês querem escutar bem a história? (risos)
P/2 – Tamo aqui pra isso.
R – Então o prediozinho que eu trabalhava lá mais adiante dava fundos com o Colégio Nazaré, o Colégio Nazaré era internato de moças, sabe, muitas moças internas, os rapazes chegavam lá no meu boteco, entravam e iam lá pro fundo paquerar as moças do Colégio, as irmãs descobriram tal coisa, as freiras, né, aí do Colégio Nazaré, descobriram que os rapazes entravam no meu quintal pra olhar as meninas do Colégio (risos) aí então ela foi lá e comprou o prediozinho que eu trabalhava na mão do senhor que chamava-se Elias (Tanuri?), e o senhor Elias vendeu pra elas o prédio e me pediu que eu desocupasse o prédio que é pra entregar pras irmãs. De lá então eu falei com o senhor ___________ (Tanuri?) e ele então tinha um prediozinho, o tal que eu te falei ai na dobra da esquina, aí ele me alugou ali. O dia que eu coloquei as garrafas de cachaça na minha prateleira aí eu me senti algo novo com aquilo, aí eu já não tinha sócio, aí eu passei a trabalhar por conta própria, isso em 1948. Aí o senhor ________ me alugou o prédio e eu fiquei achando que não dava conta de pagar o aluguel, sabe, mas vendi aquela bagunçinha, aquela coisinha como vocês tão vendo aqui agora, fim de um horror de coisinha e ia me virando, pagando aluguel etc e com o decorrer, ou melhor, depois de 48 aí chegou 1949, nós casamo no dia 10 de setembro de 1949, então em junho de 50 nós já tivemos a primeira filha, começou assim, oh, de junho de 50 a fevereiro de 74 nós tivemos 15 filhos.
P/2 – De julho?
R – De junho de 1950 a fevereiro de 1974 nós tivemos 15 filhos, sendo quatro mulheres e 11 homens.
P/1 – Seu Lidirico, só pra voltar um pouquinho, quando que foi que o senhor veio pra Araçuaí, com que idade?
R – Eu vim pra Araçuaí, nasci em 27 e vim pra aqui em 45.
P/1 – E veio pra trabalhar já?
R – Vim trabalhar, tanto que eu nunca fui, nunca senti a idade de adolescente, eu sempre trabalhei, nunca fui parado não, sempre trabalhei, tanto que quando eu vim pra aqui eu deveria ter de 27 pra 48, 18, né? E eu não tinha 18 anos completo não. Mas sempre trabalhando.
P/1 – E como foi pro senhor sentir logon assim no primeiro trabalho, numa venda, o que o senhor sentiu, o senhor gostou daquilo?
R – Não, gostei porque eu não aprendi outra profissão a não ser a de beneficiar mica, é, quando eu parei, quando eu sai do último emprego, da senhora, o ultimo emprego que eu tive foi no Hotel Bahia, sabe, no antigo Hotel Bahia, então eu vim pra montar um botequinho meu mesmo ali, meu e com sociedade com o irmão dela, da minha mulher, naquele tempo a gente nem pensava em casamento, né, aí com o decorrer do tempo acabou a gente dando certo e nos casando, daí eu sai pra um outro ponto e quando eu estabeleci por conta própria aí chegou um fiscal do INSS e falou comigo assim “Cadê seu carnê do INSS?” “Eu não tenho carnê não” “Veja só, a gente não pode negociar sem ser contribuinte com o INSS”. Então eu providenciei os meus documentos, meu carnê etc e comecei a contribuir com o INSS. Contribui com o INSS aproximadamente 43 anos, inclusive eu tenho um documento aqui que prova qual foi o tempo meu de contribuição com o INSS. Eu sou aposentado desde 1991, eu tô aposentado.
P/1 – Então, Seu Lidirico, conta pra gente com quem que o senhor aprendeu esse dom de vender.
R – Eu fui empregado do Genildo, e adquiri uma certa experiência trabalhando com ele e quando eu saí do Hotel, veja só, naquela ocasião eu frequentava o Tiro de Guerra, e eu sabia que se eu saísse do meu emprego no Hotel Bahia e fosse embora pra Novo Cruzeiro, naquele tempo São Bento, ou melhor, já era Cruzeiro, já havia emancipado, então eu passava como desertor, e eu então falei com o irmão da minha mulher, naquele tempo, irmão dela, é, que eu estava querendo sair lá do Hotel e não tinha pra onde ir e se eu fosse lá pra casa eu passava como desertor, ele então falou “Se o senhor quiser um comodozinho ali eu te arranjo e você vai pra lá vender alguma coisa.” e assim eu comecei vendendo frutas, vendendo frutas, é, cana, o pessoal que passava aqui pela rua, sabe, eu comprava cana na mão de um futuro, naquele tempo de um futuro concunhado meu, eu então comprava canas, a gente então falava cargas de cana, sabe, vinha na _________ d o animal, então chegando aqui a moçada, nós não tínhamos energia elétrica naquele tempo não...
P/1 – Pare um pouquinho Lidirico, tá muito barulho.
P/1 – Pode falar seu Lidirico.
R – Então eu sai do Hotel e conversei com o rapaz que no futuro seria meu cunhado, então ele disse que arranjava um cômodo pra mim, e eu passei a vender coisas e o pessoal então comprava cana na minha mão, ficava chupando cana por aqui que nós não tínhamos energia elétrica, só funcionava até uma certa, até umas dez horas, então a luz dava sinal que ia apagar e às vezes em noite de luar a gente, é, o pessoal pegava, a gente emprestava faca etc e o pessoal ficava andando pela rua chupando cana a noite fazendo (fute?) aí chupando cana (risos) era muito interessante até, aí no dia seguinte a rua amanhecia suja e o camarada varredor de rua ficava chateado que tinha muito bagaço de cana pra ele varrer, sabe, era assim, é um caso interessante. Naquela época a gente não tinha energia 24 horas não, era a motor, é, motor, uma certa vez funcionou com sistema de vapor, sabe, igual uma locomotiva que funcionava a lenha, depois com o decorrer do tempo aquele sistema acabou desmoronando, quebrou, aí o prefeito naquela ocasião, é, convidou o povo pra comprar um motor pra substituir o que havia quebrado, o sistema que havia quebrado, aí comprou o motor internacional que as vezes até os prefeitos que nós temos aqui a gente ouve falar dessas coisas e eles não falam disso que eles não sabem, agora eu sei de mais coisa aqui do que muitos prefeitos aí, sabe, (risos) isto é coisa do passado, o que se dava é que eles as vezes contam a história mas não sabem que a coisa foi assim. Aí com o decorrer do tempo apareceu o DAE e encampou o sistema, sabe, aí nós passamos a ter energia a mais tempo, também com motor a diesel e com o decorrer do tempo veio o DAE e passou o sistema hidráulico, naquele tempo nós tínhamos o Governador que chamava-se Rondon Pacheco, não sei se vocês já ouviram falar dele, Rondon Pacheco veio aqui, então nós tivemos um movimento aí na praça, alguém escreveu uma faixa dizendo assim “Sem energia não há progresso.”. É, o prefeio disseram que sem energia não havia condições de progresso, aí o Governador lá no palanque viu aquela faixa, mandou recolher a faixa e levou pra Belo Horizonte. Com o decorrer do tempo surgiu energia elétrica, é, já hidráulica lá pra Almenara, naquela região, Almenara, Jequitinhonha, Pedra Azul, naquela região de lá, isso em 1973. Quando foi inaugurado lá eu peguei uma garotada minha aqui, sabe, meus filhos, e levei pra lá pra assistir a festa de inauguração da energia lá e no ano seguinte chegaria aqui, mas quando chegou pra nós chegou diferente, chegou em torres metálicas etc, então o sistema melhor que o de lá, aí então nós passamos a ter energia 24 horas, né, 24 horas que nós tivemos energia, de 74 pra cá, é isso. Agora a inauguração foi depois.
P/1 – Seu Lidirico, voltando um pouquinho mais, o senhor quando abriu sua venda própria, o que o senhor sentiu?
R – Eu senti orgulhoso com aquilo, a primeira coisa que eu fiz foi comprar de um senhor aí, chamava-se Crioulo, era o apelido dele, então a cachaça tinha o mesmo nome, sabe, o mesmo nome, a cachaça chamava Crioula, e eu aluguei o cômodo já com as prateleiras etc, rapaz eu me senti tão orgulhoso a hora que eu coloquei as garrafas assim, agora eu tenho a venda, (risos) então aquilo foi muito bom pra mim, isso aconteceu em 1948, tá ali, oh, o jornal falando de quando, de que tempo. Mas eu já negociava clandestinamente antes, é.
P/1 – Como que era isso?
R – Clandestinamente? Não pagava obrigações, né, não pagava imposto (risos).
P/1 – Mas comprava de quem?
R – Comprava do pessoal aí do povo da área rural, comprava frutas, entendeu? Agora depois que eu passei a legalizar minha situação aí eu passei a comprar com direito a nota fiscal. Eu sou contribuinte, eu compro da Souza Cruz desde aquela época que eu inicie a trabalhar no comércio, sabe, então eu me inscrevi e passei a comprar da Souza Cruz, a Souza Cruz naquele tempo vendia faturados, o viajante vinha, vendia pra gente os cigarros e os cigarros chegavam aqui pela estrada de ferro, embalados numas caixas e a gente recebia a mercadoria pela estrada de ferro, depois com o decorrer do tempo é que a Souza Cruz passou a vir fazer entrega na porta da casa da gente, né, o viajante vem, faz a venda, a entrega, e leva o novo pedido pra próxima semana, porque hoje a Souza Cruz nos vende para, é, por quinzena, sabe, cada 15 dias é que eles vendem, eles vendem, entregam de 15 em 15 dias, é isso.
P/1 – Naquela época em 48 era difícil abrir uma venda?
R – Não, não era tão, era difícil assim, a fiscalização no caso aí , que lotava os boteco, se o fiscal da prefeitura encontrasse um litro de cachaça assim na mesa da gente ele recolhia, chega lá botava, escrevia alguma coisa sobre aquilo e botava na mesa da __________ Municipal porque a gente não podia vender essas coisas. Hoje o povo vende, vende na maior cara de pau dentro do mercado e não tem ninguém que atrapalha eles, é isso.
P/1 – E como que era essa rua na época?
R – Essa rua, quando eu cheguei em Araçuaí, essa rua era calçada com pedras maiores, sabe, igual essa pedra aqui do passeio, oh, então o senhor João Neiva, eleito prefeito, então já vinha calçando as ruas por aí e essa rua tinha um calçamento muito melhor do que o que ele estava fazendo. Aí quebrou as pedras maiores que tinha aí e transformou nisso aí, oh. E essa rua nunca sofreu uma melhora depois que o João Neiva fez isso, depois que o João Neiva fez isso nunca tiveram o cuidado, nenhum prefeito teve o cuidado de arrumar essa rua. Os maiores eventos que acontecem na cidade usam essa rua, daquela praça onde tá o posto Cristal, já viram lá? O posto Cristal e a praça do Fórum ali, oh, a praça tem nome e a gente fala praça do Fórum, entendeu? (risos) Sempre tem um apelido, essa rua por exemplo Rua Dom Serafim, antigamente era chamada Rua de Cima e a outra Rua de Baixo (risos) são a principal rua da cidade. Eu cheguei pra aqui em 45 e aqui não tinha, é, a cidade era muito pequena ainda, sabe, uma cidade velha porém ainda pequena. Hoje que desenvolveu muito, a cidade tá muito grande em relação a 1945, né?
P/1 – E quem era seus vizinhos aqui? Tinha comércio também?
R – Não, não. Vizinhos nosso, depois que eu negocio aqui nós tínhamos uma senhora vizinha ali e sempre outras pessoas aqui, mas com comércio não, não.
P/1 – E o senhor lembra de algum deles que o senhor gostava muito, que frequentava muito a sua venda?
R – Ah, lembro, nós tivemos aqui hoje já falecido Jefferson Campos, foi coletor municipal e Jader, que a gente chamava Jader Ferreira mas que sempre a gente falava Jader coletor, então ele ficava muito aqui, sentava muito nessa cadeira. Nós tivemos uma senhora a muitos anos que chamava-se Ilda Carmona, que trabalhava muito aí também na coletoria e frequentava muito aqui. E muita gente mais, né? Nós tivemos também um senhor José Juventino Ferreira, vinha muito aqui, foi dono de uma drogaria e farmácia aí. Doutor Luiz Duarte foi uma pessoa maravilhosa que nós tivemos aqui em Araçuaí, foi promotor de justiça, sabe, então tem uma história muito interessante no caso do Doutor Luiz Duarte, eu, numa certa ocasião eu procurei ele, pra acabar com a sociedade com uma pessoa que eu era sócio, veja só, naquele tempo ele disse assim “Nós podemos acabar com a sociedade porque eu tenho que pagar a prestação de um jipe e comprar uma máquina de costura pra minha mulher.” Bom, aí eu perguntei ao seu ____________ se ele me emprestava um mil e 500 cruzeiros, sabe, ele disse “Empresto.” Quando eu fui a noite procurar o dinheiro ele disse “Cadê a promissória?” eu digo “Ah seu Zé.” e eu acreditando que ele aceitava minha conversa ele disse “Ah, sem promissória não pode.” e aí eu havia prometido ao senhor que nós tínhamos a sociedade, chamava-se Generoso, então o Generoso ficou de que eu ia acabar com a sociedade porque eu havia arranjado dinheiro emprestado, mas só de palavra, sabe, mas quando ele falou que dependia da promissória, eu caminhei pro Doutor Luiz Duarte, naquele tempo ele era noivo de uma senhora, de uma menina vizinha nossa ali, fia de um senhor chamado Arnaldo Peixoto e a moça namorada dele chamava-se Déia, então eu fui lá, falei com o Doutor Luiz, “Doutor então minha situação é assim e assim. Veja só, o Doutor __________ não pode me emprestar porque tá com, porque eu não levei a promissória.”, ele saiu comigo lá da casa da namorada, saiu comigo, nós passamos por aqui, chegamos na casa dele, quando nós chegamos lá eu, ele foi lá no cofre, movimentou o cofre, tava com o dinheiro certinho, com mil e 500 cruzeiros, entregou ao Doutor Luiz Duarte, o Doutor Luiz Duarte me passou o dinheiro e eu então vim embora, entreguei o dinheiro para o meu sócio, aí é que acabou a sociedade, aí passei a ser proprietário sozinho, sabe? E viajei pra Novo Cruzeiro, viajou eu e a mulher do moço que ia comprar a máquina de costura, inclusive a máquina de costura com o decorrer do tempo morreu os proprietários da máquina, né, que era a senhora Nenê do Generoso, e deixou de herança pra uma sobrinha dela. Depois com o decorrer do tempo a sobrinha dela nos vendeu a máquina, minha mulher é dona da máquina hoje, oh, aquela máquina foi comprada em 1948, por aí, e hoje minha mulher é dona da máquina, da máquina de costura. Veja só, eu lembro até da marca da máquina, chama-se __________, né, parece que é alemã.
P/1 – Nessa época em 48, 50, o que vendia mais aqui?
R – Ah, naquela época a gente vendia, vê, eu tinha geladeira a querosene, naquele tempo eu tinha geladeira a querosene, a gente vendia cerveja, vendia muito refresco que a gente mesmo fazia, sabe, (risos) o refresco era limão, água e açúcar, então enchia a geladeira, vendia muito, e fazia um picolezinho assim, é, no congelador da geladeira, então a meninadinha da escola comprava aquele picolezinho com palito desse palito de _________ enfiado no picolé (risos), era assim.
P/1 – Só tinha a sua venda por aqui?
R – Por aqui era só minha venda, agora no comércio tinha por aí a fora, nas imediações do Mercado Municipal tinha sorveteria, tinha venda, inclusive aqui também nós tivemos uma sorveteria em frente ao Colégio Nazaré tinha uma sorveteria que era do senhor Francisco, o Italiano. Assim, o movimento maior dessa rua sempre foi assim por causa do colégio.
P/1 – E o senhor sempre foi amigo de todo mundo assim?
R – Sempre fui amigo, o lugar mais inapropriado pra arranjar inimizades chama-se balcão de venda, né, meus inimigos, se eu dizer que eu não tenho inimigos é impossível, sabe, mas tem um ou dois e eu tenho quase 60 anos no balcão e não tenho ninguém como inimigo, né?
P/1 – Porque será que é fácil ter amizade no balcão de vendas assim?
R – Eu tenho uma certa facilidade em não brigar com o sujeito, muitas vezes vem tomar uma pinguinha “Ô, o meu dinheiro, ah ficou em casa.” “Depois você trás.” (risos) pronto, acabou a briga, né, não tem briga.
P/1 – Tem alguma história que aconteceu no balcão muito boa, assim?
R – Não, história assim, no momento assim pra eu lembrar de casos que aconteceu, não. Não vou forçar minha memória (risos), tem muita coisa mais a gente, já falei um bocado e vamo, pode fazer mais pergunta (risos).
P/1 – Nessa época, anos 50, pouco antes de 50, quem eram as pessoas que forneciam os alimentos?
R – É o povo da área rural, que naquela ocasião produzia bastante na área rural então nós, o único meio de transporte que nós tínhamos aqui naquela ocasião era o trem de ferro, sabe, o trem de ferro que vinha de Ponta de Areia à Araçuaí, quer dizer, dois trens, um saia de ________________ pra Ponta de Areia e o outro saia de Ponta de Areia pra Araçuaí, aqui nós recebíamos muita coisa pela estrada de ferro, sabe, vinha os sal, querosene, tudo vinha pela estrada de ferro. Essa ponte de Itaobim aí na Rio – Bahia 116, aquela ponte foi construída em 1950, foi quando deu início a Rio – Bahia, né, a Rio – Bahia funcionou como estrada de terra por muitos anos então alguém que chegava encostado de onde tava construindo a ponte atravessava por meio de balsa, passava pro outro lado e tocava viagem. Agora a ponte começou a funcionar depois, eles iam construindo a, da o nome de obra de arte, né, quando tão construindo a estrade de, uma rodovia, então vão construindo as pontes, mata-burros etc e o povo vai arranjando um meio de passar de um lado pra outro mas naquele tempo não funcionava ainda a ponte, era, lá em Itaobim o Rio Jequitinhonha, então o povo chegava com a carga atravessava por meio de balsa e passava pro outro lado pra ir embora tocar viagem.
P/1 – E eles vinham no dia certo?
R – Vinha, vinha no dia certo, o trem de ferro, quer dizer, às vezes atrasava mas vinha sempre, vinha sempre.
P/1 – Hoje em dia como que é?
R – Ah?
P/1 – Hoje em dia é muito diferente isso?
R – Ah, hoje em dia é muito diferente, hoje em dia nós temos caminhões e caminhões por aí afora. A estrada de ferro foi, acabou desde 1964, né, então nós não temos mais transporte de, ferroviário desde 64, e agora o transporte rodoviário. Nós já tivemos transporte aéreo linha regular. Eu trabalhei muito aqui também, oh, veja só, eu trabalhei muito, eu tinha uma frota de carroças, animais de carga pra fornecer água para o povo. Eu forneci muita água. Com o decorrer do tempo surgiu o DENERu, quando surgiu o DENERu foi, começou então a colocar rede de água pra servir o povo, aí com o decorrer do tempo a DAE assumiu, hoje é a Copasa. A Copasa hoje fornece água pra todo lado.
P/1 – Quando foi isso?
R – Isso foi na década de 60 pra 70 já começou a surgir água encanada, agora Copasa tem muitos anos porém não tenho precisão de quando começou não.
P/1 – Mas conta um pouco de como que era, você ia buscar onde?
R – A água a gente pegava no rio Araçuaí, buscava era na cabeça, é, no carrinho de mão, na carroça, no animal de carga que eu falava lá, a cangalha no animal e dois vasilhões de 50 litros em cada lado. Então a gente pegava água no rio, agora eu tinha uma frota de carroça. Agora veja só, o tempo foi passando e a coisa foi ampliando e eu comprei um jirico, jirico é um veículo motorizado pra pegar peso, sabe, e com o decorrer do tempo eu coloquei um pipa, e a coisa foi melhorando, quando eu tava começando a melhorar as coisas aí chegou o sistema de fornecimento de água aí acabou com o meu negócio (risos). Minha mulher ficava aqui no balcão e eu pegava água, eu e meus meninos, esse menino que tá na Polícia Militar por exemplo já pegou muita água no rio com a carroça, e eu já tive ocasião de ter assim 40 animais, sabe, de serviço assim, que o sistema de condução de água estragava demais os animais e a gente fazia muita troca pra pegar animais novos pra aguentar o serviço, pelo contrário tinha que parar, é assim. Aí quando eu comecei a botar coisa motorizada aí surgiu o sistema de fornecimento, aí me fez desmoronar tudo. Aí eu peguei o trator troquei em gado, tanto que eu tenho um terreninho por aí, um sitiozinho, lá eu tenho uma criaçãozinha e tal, não tem quantidade não, mas tem um pouquinho.
P/1 – Porque que o senhor decidiu fazer isso, a venda tava indo mal?
R – Não, era o seguinte. Quando eu me casei nós não tínhamos pessoa que nos fornecesse água, aí eu comprei um animal pra colocar água na nossa casa e alguém chegava, que não tinha também fornecedor de água deles, pedia assim “Ô, você podia pedir pra botar água lá pra mim?” aí eu arranjava mais um, mandava botar pra mais uma pessoa, lá em casa e na casa de outra pessoa, depois surgiu mais outro, e o elemento que buscava água pra nós falou assim “Tá bom de você comprar uma carroça porque aí a gente pega mais água, pode atender mais gente.” assim fiz, comprei uma carroça. Com o decorrer comprei mais uma, e foi aumentando a frota e aí eu tinha um __________ de mais que pegava água pra fornecer pro povo. E nosso lugar, isso aqui, oh, era aberto, não existia construção não, aí é que a gente estacionava as carroças. Mas alguém malino chegava aí, arrastava a carroça alta hora da noite, e arrastava a carroça, quem procurava a carroça pra botar, pro animal puxar água, ás vezes encontrava a carroça até lá na frente da Matriz, perto do Banco do Brasil, por ali, alguém arrastava a carroça, botava lá e a gente saia procurando por ali, encontrava a carroça lá.
P/1 – Nessa época o senhor não ficava na venda?
R – Minha mulher ficava na venda e eu ficava ajudando os meninos a buscar água, e tinha meus filhos, tinha outras pessoas que eu colocava pra trabalhar comigo, e minha mulher sempre ficava no balcão. E depois que eu terminava o serviço lá da rua eu vinha pro balcão. Mas rapaz, eu já trabalhei muito, às vezes eu amanhecia o dia aqui no balcão, tanto que é muito comum eu ficar aqui até meia-noite, uma hora da manhã, depende assim de ter alguém comigo porque se tiver algum cliente aí eu vou ficando, pelo contrário quando vai embora eu falo assim “Agora eu vou fechar porque então eu não sei quem chega.” inclusive, um cara já tentou me assaltar aqui mas não conseguiu levar nada não.
P/1 – Como foi?
P/2 – Espera, vamos trocar a fita.
R – Eu posso voltar atrás falando um pouquinho de lá quando eu tomei o dinheiro emprestado? Posso? Então, o Doutor Luiz Duarte é falecido, não sabe, hoje, mas quando eu tomei o dinheiro emprestado dele eu tinha uns porcos, eu tinha galinha, eu tinha um horror de coisas que eu tinha lá no quintal, sabe, e a hora que terminou, aproximava de 30 dias que eu havia tomado o dinheiro emprestado então eu chamei alguém pra me comprar os porcos que eu tinha lá no quintal, então eu arrumei mais de um mil e 500 que era o dinheiro que eu havia tomado emprestado, sabe? (risos) E quando, e eu recebi o dinheiro então voltei lá pra resgatar a promissória e ele disse “Não, não venceu ainda não.” mas eu disse “ Mas eu tô com dinheiro agora, eu quero pagar Seu _________.” peguei a promissória dele, paguei e levei lá e mostrei pro Doutor Luiz Duarte a promissória que eu havia resgatado, né, ele disse “Agora você pega essa promissória rasga e queima, viu?” (risos) Pronto, tá aí, voltei atrás porque eu não havia falado isso, né?
P/1 – Ótimo, e a história do ladrão que o senhor ia contar pra gente?
R – A história do ladrão é o seguinte, eu havia ali pras dez horas, dez e meia, no intervalo do jogo de futebol eu tava olhando o jornal assim e chegou uns elementos e falou “Quero o dinheiro.” eu pensei que aquela pergunta fosse de alguém brincando comigo, quando eu levantei as vistas que eu tava olhando o jornal, que eu levantei as vistas tava dois caras encapuzados e falou comigo assim “Quero o dinheiro.” mas com o gesto assim de quem queria me atirar, de quem tivesse com uma arma, mas eu conheci que a arma era de plástico e falei “Ah, essa aqui não vai sair tiro não.” e fui saindo com eles assim, oh, fui saindo um pouquinho com ele e dei uma volta assim, passei a mão numa pá e dei uma cacetada na mão dele, aí ele foi embora o menino meu vizinho aqui chegou num momento aí um saiu pra um lado e outro pra outro, mas não levaram nada não. Mas não levaram nada, aí meus fio falaram “Ô pai, o senhor não devia ter feito isso não, porque esse negócio é perigoso.” mas se é perigoso não aconteceu nada, comigo não. (risos)
P/1 – E o senhor abre todo dia?
R – Nós abrimos aqui dia santo, feriado, domingo, todos os dias da semana e do ano. A gente fecha no caso de uma necessidade de sair, aí fica fechado mas pelo contrário raramente acontece isso. Nós tivemos uma ocasião preparado pra ir, querendo ir visitar nosso filho lá nos Estados Unidos. Então preparamos toda a documentação, o passaporte, aí nós fomos em São Paulo pra pegar o visto. Chegamos em São Paulo apenas pra escutar “Não.”, o embaixador disse assim “Infelizmente não.” e quando você vai perguntar porque não tem resposta, tanto que nós chegamos em São Paulo às cinco da manhã e saímos às 11, tanto que alguém fala comigo “Você foi a São Paulo?” eu digo “Já passei lá algumas horas.” (risos)
P/1 – Porque o senhor acha que dá tão certo essa venda, todo mundo conhece, qual é o segredo?
R – Ah, a minha venda é por causa do tempo, por causa da idade, se perguntarem aí, qualquer criança por aí afora, qualquer ponto da cidade “Você sabe onde é a venda do Seu Lidirico?” os meninos falam “Sei.” não tem ninguém da cidade, da região, um dia desses mesmo fizeram, teve um festival lá em Joaíma e o rapaz levou uma música falando assim “Shopping do Seu Lidirico.”, sabe, e aí ele conta a história toda, é versão da outra música “Venda do Seu Lidirico”, né, que a Venda do Seu Lidirico é de Milton Edilberto e o Shopping é o Eugênio, que no momento não tô me lembrando o sobrenome do Eugênio, então ele levou a música e disse assim “Tem alguém que representa o Seu Lidirico aqui em Joaíma?” aí uma criançinha, não é nosso neto não, sabe, mas pelo fato de ser sobrinho de uma nora minha ele falou assim
“Eu, eu sei, eu sei, é meu avô.” (risos) a criança lá em Joaíma, disse “É meu avô.”, aí eles tavam até aqui esses dias, os meninos.
P/1 – Conta um pouco a história dessa música “Venda do Seu Lidirico”.
R - A “Venda do Seu Lidirico” foi o caso de, esses cantores quando vêm na cidade eles sempre visita uma benzedeira, sabe, e a benzedeira que nós tínhamos aqui na ocasião chamava-se Sá Luiza, né, Dona Luiza, Sá Luiza, então eles foram fazer a visita a Sá Luiza e chegando lá o Milton Edilberto tomou uma pinguinha, e a velha gostava de tomar gole, sabe, e ele tomou a pinguinha e perguntou assim “Ô vó, da onde que é essa pinga?” Ela disse assim, oh, o tiro da música, oh, “Essa pinga é lá da venda do Seu Lidirico.”. Bom, aí ele por curiosidade fez questão de vir aqui por causa do meu nome que não é comum por aí afora, ele então chegou, sentou aí e perguntou “Como é que é seu nome?” eu disse “Meu nome é Lidirico.” “Lidirico mesmo?” parecia que não, eu vim cá, peguei minha identidade e mostrei pra ele assim, ele disse “É, Lidirico mesmo”. Ele ficou uns quinze, vinte minutos, perguntou assim “Eu posso fazer uma musiquinha falando daqui?” “Pode.” Foi lá na bobina, pegou um papelzinho, escreveu e falou “Pode cantar?” eu disse “Pode.” aí ele disse, é, começou cantando e os outros batendo instrumento, sabe, e me perguntou “Gostou?” “Gostei.” aí saiu com aquele papelzinho e por lá ele fez os retoques sabe e se juntou a (Shangai?) e fizeram a música, tanto que o (Shangai?) tá, naquela gravação tá o (Shangai?). Ele, depois ele levou por lá, gravou, e tem esse disco, esse CD por aí afora, inclusive eu tenho o original mas o original que eu tenho tá emprestado pra alguém, hoje mesmo o rapaz chegou aqui com, devolvendo um que era cópia, é cópia mas ele levou mesmo assim, mesmo assim ele levou, tirou, regravou e devolveu a cópia que ele levou. Eu tenho a música aí se vocês quiserem ouvir, daqui a pouco.
P/1 – Daqui a pouco a gente vai. Mas o que o senhor acha dessa música?
R – Ué, foi bom pra mim que é um comercial muito bom, só falta falar que eu vendo avião (risos). É muito bom comercial, vocês já prestaram atenção na música? É um verdadeiro comercial. Naquele tempo eu tinha mais coisas, no tempo que o Milton Edilberto fez a... O Milton Edilberto fez a música baseado nas coisas que eu tinha, tinha um monte de passarinhos etc e disse que quando ele chegou lá que alguém falou “Ah, ele não tem esse passarinho não.” depois ele veio aqui com gravador e fez questão de ir comigo, que eu tenho uns pássaros que tão lá pra dentro, sabe, aqui fora eu só tenho um Curió, mas eu tenho mais pássaros, então ele foi, gravou tudo, filmou e levou pra mostrar a alguém que realmente eu tinha os pássaros. (risos)
P/1 – Ficava tudo por aqui?
R – Ficava tudo por aqui, eu botava, tinha nas paredes aí por todo lado tinha gaiola, sabe, e tinha outras penduradas, assim, então tem, assim, Curió, Papa-capim, Papagaio, Periquito... Ah, minhas prateleiras, aqui tinha prateleira por todo lado, quando nós fizemos essa reforma, os meus filhos é que fizeram essa reforma aí, então quando fizeram essa reforma mudou tudo, o aspecto era outro, tanto que tem pessoas que falam assim “Ah, eu gostava quando era daquele jeito, aquele troço cheio de, os fios todo misturado aí.” Eu digo “Não, os fio tão assim mas não briga não, porque a hora que eles briga a gente _________.” (risos).
P/2 – Descreve como que era antigamente a venda Seu Lidirico.
R – A venda antigamente nós tínhamos aquela telha comum, a telha comum não é esse tipo colonial como tá aí, oh, aqui é colonial, nós tínhamos uma telha comum que era cobertura e os caibros que colocava a telha sobre os caibros, era caibro redondo, assim, então o sistema era esse mesmo porém com madeira completamente diferente e telha toda preta, horroroso, mas é que não fazia diferença no caso da energia, não atrapalhava não porque os fios misturava tudo mas não encontrava pra dar curto, não dava curto não.
P/1 – Mas e a descrição, tinha as prateleiras, era de madeira tudo, como é que era?
R – Tinha tudo, de madeira, nós tínhamos prateleira ali assim, tinha outra prateleira assim, tinha nesse lugar aqui, oh, tinha as prateleiras de forma que a gente tinha um horror de coisas. Em uma certa ocasião uma pessoa veio aqui procurou uma coisa que parecia impossível, aí o povo até conta muito essa história, procurando pente pra tirar caspa, sabe, aí a pessoa duvidou e chegou perguntando (risos) aí eu fiz a pergunta “Qual é a cor do pente?” aí fui lá, peguei o pente e falei “Tá aqui, oh.” você conhece o pente pra caspa?
P/2 – Como é que é?
R – Ele tem, como é que chama, dos dois lados, aqui dentro deve ter ainda mas naquele tempo os que eu tinha aí era pente de chifre, hoje tem de plástico, sabe?
P/2 – Depois pega.
R – É, pode deixar, depois eu pego.
P/2 – Então era uma venda que tinha de tudo?
R – Tinha, tinha muita coisa mesmo aqui, eu tinha muita coisa do que eu tenho hoje. Eu já vendi gasolina, naquela ocasião, veja só, não é nem dos seus tempos, hein, ele deve lembrar disso, quando vendia gasolina até na sexta-feira é que vendia gasolina, sábado não vendia, aí não vendia sábado nem domingo, eu enchia uns tonéis, assim, de gasolina, ia lá no posto, enchia na sexta-feira e trazia pra cá aí o pessoal vinha pra aqui comprar gasolina na minha mão então eu enchia os (carotes?) assim, né, e virava lá no carro pra eles e aqui transformava num posto, vendi muita gasolina aqui.
P/2 – Era uma venda de secos e molhados?
R – Secos e molhados, vendia um monte de coisas, assim, vendia, eu já vendi feijão, arroz, açúcar eu vendo hoje, vendo isso aqui, oh, não vou pegar não (risos). Eu sempre triturei milho por causa dos pássaros , eu sempre triturei milho pra vender pro povo tratar de pássaros, sabe, cuidar de pássaros, eu tinha um moinho manual, tudo isso eu já fiz aqui, e hoje eu tenho um moinho rodado a eletricidade, sabe, então eu vendo a ______________ hoje.
P/2 – O que é secos e o que é molhados? Explica pra gente.
fo
R – Molhado quer dizer bebidas alcólicas (risos) e secos é arroz, feijão, café, aí secos e molhados tem essas coisas assim, que faz parte do cereal, sabe, e bebidas é que é o molhado.
P/1 – Tem alguma coisa que encontra só aqui na sua venda? Que não tem em outro lugar?
R – Não, ah, aqui a gente vende diversas coisas, eu e outras pessoas, sabe, não tem, coisas que eu tenho às vezes o outro não tem, pode acontecer mas é muito comum a gente ter a mesma coisa pra vender, é muito comum em outras casas de negócio vender a mesma coisa que a gente também. É isso.
P/1 – Deixa eu perguntar pro senhor, o que o senhor mais gosta de trabalhar na venda, qual a parte mais legal, interessante?
R – O que é mais legal? Veja só, eu tenho a sorveteria, dali nós fazemos gelo, a coisa que eu mais gosto é a hora que a pessoa chega procurando, porque quando você procura é porque realmente tá precisando, e eu talvez sou o único que vendo gelo aqui porque nós tínhamos, nós temos uma outra pessoa que vende porém acho que a máquina dele tá quebrada e ele não se importou porque parece que eles estão muito bem e não quer saber disso, entâo eu com a mesma máquina que eu faço sorvete faço picolé etc, nós fazemos gelo. O gelo daqui a pouco eu vou mostrar pra ver como que é o sistema, a gente coloca água nas formas de fazer picolé, coloca numa sacola e a pessoa vem e a gente vende pra eles aí. Eles fazem festa por aí afora, não tem gelo, às vezes não, ele não tem que aguenta lá produzindo em casa mesmo então manda aqui comprar, muitas vezes compram dez pacotinhos daquele, cada pacotinho de gelo tem umas 40 pedras, por aí, como se fosse picolé, e por lá eles servem o povo. Às vezes nesses clubes eles têm o sistema deles mas às vezes o gelo que eles têm não dá e eles mandam comprar dez pacotes, às vezes até 15. Tem elementos que vai nas festas por aí afora e necessita do gelo pra lá eles fazerem as coisas deles e com o gelo eles vendem coisas geladas. É isso.
P/1 – E o senhor cumprimenta todo mundo que passa, né?
R – Ah, todo mundo que passa por aqui me cumprimenta, é, a brincadeira do rapaz com a música, ele num trecho ele diz assim, oh, “Se sobrar rolinha nova ele leva no bico.” Então deu certo eu brincando com as meninas aí, no momento que eu brincava com as meninas então ele levou, na música ele diz assim “Se sobrar rolinha nova ele leva no bico.” (risos)
P/1 – Seu Lidirico, como é que é estar casado com uma mulher a tanto tempo e tá com ela junto no casamento e na venda, compartilhar as duas coisas?
R – Ah, assim, eu e ela nós trabalhamos aqui, nossos filhos sobrou nenhum dos filhos para ficar aqui com a gente. Então, ela de manhãzinha ela levanta e me deixa lá dormindo, ela levanta, vai lá pra dentro, vai cuidar dos pastéis, fazer alguma coisa, porque nós não abrimos cedo não, sabe, ela, às vezes eu tô deitado ainda e escuto ela vir aqui com uma menina que trabalha aqui em casa e levantar as portas e daqui a pouco eu venho pra cá. Então ela faz pastéis, faz bolo, faz o tal de sonho, é uma quitanda muito antiga que, nesse momento não tem não, pois é, então ela faz essas coisas e traz pra cá. A hora que ela traz as coisas pra botar aí na estufa, pastéis, kibe, eh, às vezes empada, torta, e coloca aqui e liga a estufa e daqui a pouco começa a vender, final de semana então o povo procura muito.
P/2 – E que significado tem o senhor estar do lado da Dona Iaiá a tanto tempo?
R – É tudo uma brincadeira acabou a gente casando, não sabe? Então vou contar uma historinha rapidinho, oh, eu era amigo dela, dela e outras meninas por aí, então ela tem um irmão, um moço que foi criado junto com eles e se consideram como irmãos, eu saio da casa dela logo ali pertinho onde ela, ela naquela ocasião já era orfã de pai, então eu era na janela, ela pelo lado de dentro e eu pelo lado de fora da janela conversando com ela, muitas vezes eu chegava e começava a puxar os fios, ela fazendo uma tal de crivo, então ela cortava assim e eu puxava os fios do pano pra ela pra ela bordar. Eu saio da janela da porta da casa dela, isso num sábado, e encontro com um rapaz que é irmão de criação dela, “cê tá namorando...” ele falava assim “Lá.”, em vez de Lair que é o nome dela ele falava Lá, “Cê tá namorando com Lá?” eu disse “Não, nós não tamo namorando não, isso não é namoro, isso é amizade.”. Ele disse assim “Ah, quem não sabe o que é namoro?” Bom, aquilo me incentivou ir lá na venda, na esquina, e voltar. Eu saí pisando assim nas pontas dos pés, sabe? Falei assim “Eu vou conversar com ela agora mesmo.”, fui lá, voltei, não falei nada com ele, voltei, e falei “Fulano tá falando que nós tamo namorando. Vamo passar isso a sério?” ela olhou assim, oh, e falou “Vamo” (risos), tá aí a resposta (risos). E, assim, vamos, nós temos, nós apenas ficamos três meses entre namoro e noivado que passamos a considerar namorados, noivos, passou apenas três meses nós acabamos nos casando e hoje nós tamo com, aproximando em 58, 58 anos de casado, né, que nós fomos casados em dez de setembro de 1949, então tá aí enconstando pra completar 58. Agora nós temos a primeira filha com 57 e o mais novo com 32, ou melhor, 33.
P/1 Seu Lidirico, só pra terminar, queria que o senhor dissesse o que achou de falar pra gente?
R – Ah, gostei muito, vocês são curiosas, perguntaram bastante e gostei de responder. No início da conversa eu disse “Eu só tenho medo de responder errado.” (risos) mas podem perguntar que eu faço a resposta de acordo com a pergunta. Não sei se respondi alguma coisa errado, né? Então tô aí as suas ordens.
P/1 – Muito Obrigado.
P/2 – Obrigada.
R – Por nada.
P/2 – Vou pedir pro senhor ficar aí e pedir pra Dona Iaiá ficar do lado pra gente fazer uma, do lado do Seu Lidirico ali abraçadinho.
R – Vem pra cá Iaiá.
P/2 – Beleza hein, 52 anos.
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