Memória e Migração
Depoimento de Alberto Antonio Peças Andrade
São Paulo, 14 de dezembro de 1991
Entrevistado por Claudia
MM_HV001
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 – Seu Alberto gostaria que o senhor nos dissesse seu nome completo, local e data de nascimento. E as primeiras recordações que o senhor tem da infância.
R – Ok. Alberto Antonio Peças Andrade, nascido em Casabranca, distrito de Porto Alegre, em Portugal, península hispânica ou ibérica, acabei de saber há pouco que sou ainda descendente de judeus porque afinal nasci na península hispânica ou ibérico. E recordações, tenho um livro começado para ver se consigo recordar todas recordações, sei que quando nasci nos primeiros três dias não conseguia fazer necessidades, minha mãe se preocupou demais e o médico lá descobriu que tinha uma pelezinha no anus, aí fez uma operação, resolveu o problema, acho que já nasci sofrendo e até hoje não parei de sofrer, né? Sei que aos oito anos comecei a trabalhar cuidando de jardins, secando louças, recados, e aos doze anos, então, comecei no comércio, até hoje, com 61 anos não parei de trabalhar no comércio e não consegui nem me aposentar, não tenho nada, somente telefone, minha mulher e dois filhos. E aí eu ia falar, queria que explicasse mais detalhadamente, quer que explique mais detalhadamente?
P/1 – Pode falar.
R – Aí teria que pensar muito, né? Fiquei de terra em terra como os ciganos, na minha cidade mesmo saí aos doze anos, fui para Souselas, que era o meu conselho, trabalhei três anos, o primeiro patrão que tive foi José Valesques.
P/1 – Sozinhos?
R – Sozinho, os meus pais ficaram e as minhas irmãs, tinha duas irmãs e um irmãozinho que faleceu aos seis meses, aí eu fui sozinho para Souselas, e lá, de vez em quando, passava três, quatro meses ia visitar a família. Fui despedido, aí fui trabalhar em Porto Alegre, o meu distrito. Lá apanhei uma doença devido a idade, pensando muito em...
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Depoimento de Alberto Antonio Peças Andrade
São Paulo, 14 de dezembro de 1991
Entrevistado por Claudia
MM_HV001
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 – Seu Alberto gostaria que o senhor nos dissesse seu nome completo, local e data de nascimento. E as primeiras recordações que o senhor tem da infância.
R – Ok. Alberto Antonio Peças Andrade, nascido em Casabranca, distrito de Porto Alegre, em Portugal, península hispânica ou ibérica, acabei de saber há pouco que sou ainda descendente de judeus porque afinal nasci na península hispânica ou ibérico. E recordações, tenho um livro começado para ver se consigo recordar todas recordações, sei que quando nasci nos primeiros três dias não conseguia fazer necessidades, minha mãe se preocupou demais e o médico lá descobriu que tinha uma pelezinha no anus, aí fez uma operação, resolveu o problema, acho que já nasci sofrendo e até hoje não parei de sofrer, né? Sei que aos oito anos comecei a trabalhar cuidando de jardins, secando louças, recados, e aos doze anos, então, comecei no comércio, até hoje, com 61 anos não parei de trabalhar no comércio e não consegui nem me aposentar, não tenho nada, somente telefone, minha mulher e dois filhos. E aí eu ia falar, queria que explicasse mais detalhadamente, quer que explique mais detalhadamente?
P/1 – Pode falar.
R – Aí teria que pensar muito, né? Fiquei de terra em terra como os ciganos, na minha cidade mesmo saí aos doze anos, fui para Souselas, que era o meu conselho, trabalhei três anos, o primeiro patrão que tive foi José Valesques.
P/1 – Sozinhos?
R – Sozinho, os meus pais ficaram e as minhas irmãs, tinha duas irmãs e um irmãozinho que faleceu aos seis meses, aí eu fui sozinho para Souselas, e lá, de vez em quando, passava três, quatro meses ia visitar a família. Fui despedido, aí fui trabalhar em Porto Alegre, o meu distrito. Lá apanhei uma doença devido a idade, pensando muito em mulher, já nessa altura era louco por mulher, já que não podia fazer amor, fazia outras coisas assim mesmo. Aí peguei um princípio de tuberculose, passei um ano e pouco em Porto Alegre, meu distrito. Eu gostei muito, ainda assisti uma tourada, (Esther Citron?), espanhola maior toureira na época, conheci a Amália Rodrigues, a maratonista portuguesa e _____, quer dizer, que fiquei hospitalizado ainda, lá em Porto Alegre, aí fui parar mesmo na minha terra com os cuidados da minha mãe, o amor da minha mãe.
P/1 – Você voltou para sua casa?
R – Exato, eu voltei para minha casa, por coincidência fui convidado por um comerciante, lá da primeira cidade que eu trabalhei três anos, ele veio me convidar, ele veio pessoalmente de Souselas, veio de bicicleta falar comigo, convidando para ir para lá, eu aceitei mesmo adoentado, aceitei imediatamente. Já comecei a trabalhar no dia seguinte, estive lá uns dois três anos, era uma pensão, mas eu só cuidava do bar, lá chamávamos taberna, né? Seria uma espécie de lanchonete aqui no Brasil, aí depois de dois anos e pouco, também saí, não me recordo agora o motivo, sei que daí fui parar em Coimbra, na época, a terceira maior cidade Portuguesa, hoje é a quarta maior cidade. Então lá é considerada a terra dos estudantes, tem rio Montenegro, de dois em dois anos tem festa da Rainha Santa Isabela, reunindo os pequeninos, aquelas igrejas que eu muito gostar de entrar, se é nova, se é velha, por coincidência, morei junto onde estava situada a (Sé?) nova. Aí trabalhando em uma mercearia, como cacheiro, lá na época tinha paletó, terno, aquelas roupas que os estudantes usavam, aquelas batinas e lá acabei brigando com um colega, eu tinha unha encravada, ele brincando queria me pisar a unhar, eu acabei dando... Quase quebrei o dedo dele, aí o patrão me mandou embora, mas me deu trabalho na outra firma que ele tinha, uma padaria, né? Eu achava que ele tinha talvez uma certa razão, aí fui trabalhar de padeiro, mas só no balcão, vendendo pão no balcão, lá fui vacinado, aquelas exigências do governo Português, na época, Salazar, aí não estava gostando muito, mas mesmo assim queria continuar porque eu queria estudar à noite, queria fazer o curso noturno, né? Continuar estudar, que só tinha feito o primário, eu almejava...
P/1 – Quantos anos o senhor tinha?
R – Aí tinha 16, 17 anos. Ainda me candidatei a uma vaga na escola técnica comercial em Coimbra, não consegui vaga, aí acabei desistindo, apesar de ter já estudado um pouco mais, dimensão ______, ainda tentei fazer particular, ainda paguei aulas particulares com as minhas poucas férias, mas mesmo assim não consegui entrar para esse que seria a noite. Não consegui vaga, tinham poucas vagas, eu não tinha muitas amizades, muitas cunhas e não consegui realmente. Aí acabei saindo com uma certa tristeza de Coimbra, tinha gostado muito das igrejas, onde têm o primeiro rei português, Dom Afonso Henriques, ele já _____ __ ____, Rainha Santa Isabela, o ______, Coimbra é realmente maravilhosa, tanto assim que o Roberto Carlos, recentemente, antes de ficar viúvo queria ir para lá morar. Aí fui para Figueira da Foz, _____, ____. Aí também não tive lá muito tempo, era uma coisa muito chique, a primeira gorjeta que ganhei razoável, fiquei tão alegre que comprei cálice do porto, aí fui para Buarcos que é junto a Figueira da Foz, também uma praia muito bonita, Figueira da Foz é considerada a rainha das praias de Portugal, e Buarcos é junto, é pegado. E lá estive uns três anos, gostei muito, tanto assim que de lá fui para a vida militar em Elvas, (caçadores?) 8, número 81, em 51. Lá sofri bastante, né? Um dia comia feijão com massa, no outro era massa com feijão.
P/1 – Queria que o senhor me dissesse o que o senhor guardou mais da religião, daquela vida, das festas?
R – Minha mãe era católica, meu pai não ligava, mas minha mãe era católica, ela foi com três dias para casa de uma família, rica, saiu de lá com 33 anos para casar, meu pai é agricultor e até que os pais deles tinham algumas propriedades, mas ele nunca estudou, tal, analfabeto, então nunca progrediu, chegou a ter quatro filhos, então ia vendendo o que herdou de uma fazendinha, melhor dizendo uma coréla, um pequeno sítio, né? Aí acabou não tendo nada, teve umas três corélas, tinha parelhas de mulas machos que fazia cargas de uva, carga de cortiças, onde tinha mais cortiças do mundo inteiro, cortiças são rolhas exportadas para o mundo inteiro. (Alentesio?), eu sou do Alto (Alentésio?), minha província se chama Alto (Alentésio?), então é considerada a província de Portugal que mais tem cortiças e que é exportada para o mundo inteiro, está logo abaixo do _____. Aí eu quando estive em Coimbra, já disse que passei para Figueira da Foz, depois Buarcos, em Buarcos lidava um pouco com os pescadores, tenho fotos ainda dessa época que as mulheres ajudavam os pescadores, elas mesmo dirigiam os bois, tenho a foto que tem a mulher com um lenço na cabeça, bem portuguesa, tirando um pau ou um cajado, dirigindo o boi, foto em tamanho pequeno, mas ainda tem, então tem uns quarenta e poucos anos, uns quarenta e três anos por aí. De Buarcos aí que eu fui para Lisboa, lá gostei de uma moça que ela era um pouquinho teimosa, e da teimosia dela acabei... Engraçado, né? Eu teimo com ela, como sou capaz de tirá-la do lugar que ela estava sempre, aí eu estava hospedado em uma casa que era da terra dela, de Santarém, distrito de Santarém, uma cidade bem histórica, né? Aí eu estava lá, digamos, hospedado, convivia com ela, comecei namorá-la e acabei casando com ela, da qual tenho dois filhos.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Maria Joaquina Pinto Valente. Não é Valente Pinto, é Pinto Valente. Aí em Lisboa, antes de casar, ainda conheci a filha do Visconde da Seca, muito arraigada em catolicismo, ela gostou, simpatizou muito comigo, de eu servir tão educadamente e delicadamente ao balcão, servi a ela e o noivo, na época, ela ia para casar e me convidou para trabalhar na casa dela como empregado, cuidar dos empregos, cuidar da casa dela, servi-la, aqui diria como copeiro, garçom. Ainda fui falar com ela, gostei da ideia, achei que era bacana, filha do Visconde da Seca, né? Aí gostei, a achei muito simpática, e ela me recebeu bem.
R – A nobreza ainda permanecia, né?
P/1 – É verdade, é engraçado, né? Mas aconteceu que a minha esposa estava começando a ter uma outra religião, e eu fui sincero, como até hoje tenho sido 100% sincero, e por isso mantive e ela não aceitou, tinha que ela também ser católica. Eu era católico, ainda hoje se passo em frente a uma igreja sou capaz de orar três vezes, não pratico muito, mas gosto de visitar igrejas, somente na Espanha quando visitei em 1970, pela primeira vez, eu cheguei a passar, já vai 21 anos que eu tenho uma pequena dúvida se foram quatro horas ou duas horas, eu entrei em Algarve, passei pela Rua Diana, e fui para Huelva, primeiro Ayamonte, Huelva, Sevilha, em Sevilha passei umas quatro horas, não quero mentir, se foi quatro ou duas, mas sozinho lá fiquei duas horas visitando tudo que era dos reis que morreram, né? Que tinham morrido e estava ali os restos mortais deles, tinha quarenta sinos lá em cima, fiquei admirado porque não tinha degraus, era rampa, fiquei sabendo mais tarde que era a quarta maior catedral do mundo, fiquei admirado, quer dizer, gostei muito, mas fiquei ainda mais admirado quando um padre me contou isso, foi o padre da igreja São Judas, igreja da saúde ali na Vila Mariana, Domingos de Moraes com a Santa Cruz. Eu fui visitar também Salamanca, _____, aí cheguei entrar na Espanha, fui à (Pierretz?), fui... E caramba, esqueci.
P/1 – Isso foi quando essa visita?
R – Em 1970.
P/1 – Já tinha vindo para o Brasil?
R – Sim, já tinha vindo para o Brasil, fiz um ____, quer dizer, quando eu estive em Lisboa, acabei me casando, só pelo civil, não casamos pela igreja e permaneci lá como garçom e ao mesmo tempo tinha uma quitanda, um lugarzinho na praça da Peixoto, na São João de Deus, aí vi que não estava indo para frente, que em vez de progredir, estava piorando, aí influenciado por umas vizinhas que tinham aqui o marido, fiquei sabendo que aqui a vida estava boa, que era bom, então resolvi vir para o Brasil, aí já trouxe a mulher e o filho, nessa altura já tinha o menino que estava se aproximando dos quatro anos. Aí eu vim para o Brasil, cheguei aí no 25 de março de 58. Lisboa é muito bonita, gostei muito de Lisboa, das igrejas, das praias, visitava sempre os _____, as caías, pegava o camboia ou trem, saía do ______. Quando eu fui militar eu deixei de estar em Minervas, fui para Belém, completei o serviço militar em 18 meses, 14 dias, 5 horas, 14 minutos e 5 segundos e meio, de tão cheio que eu estava daquilo, contei até os segundinhos. Eu confesso que procurei sempre ser alegre, apesar dos avessos da vida, procuro sempre ser... Não um Jô Soares, não um Chico Anysio, que não gostaria de ser, mas já trabalhei muito com livros, já ganhei um título de o rei do riso, ter mania de fazer rir as pessoas, contar piadas, anedotas, aí eu gosto realmente, gosto de ler, gosto de passear, gosto de cinema, gosto de filmes e também televisão, novelas, aprecio muito mulheres bonitas, ainda hoje imagino que não quero morrer sem casar com uma libanesa, se possível, ela cantora, se for médica melhor ainda, para cuidar de mim e eu dela, aí vou fazendo carinhos nela e ela em mim. Quer dizer, quando cheguei ao Brasil... Terminar? Sim. Muito obrigada, eu agradeço o vosso convite e hoje eu estou trabalhando como vendedor, um simples vendedor, sem aposentar até hoje com 61 anos, mas o que há de fazer na vida, né? Fui duas vezes à Portugal, não pretendo ir mais porque agora está ____, de doze em doze anos eu estava indo lá, mas a vida está cada vez pior, antigamente, ainda ganhava alguma coisa, agora acho que não estou ganhando nem pra viver. Então, não estou nem pensando em voltar para Portugal, acho que tem que ficar por aqui mesmo, os meus restos mortais aqui ficarão, se bem que os meus filhos estão, mais ou menos, bem de vida, somente o mais velho trabalha como administrador de empresas, o mais novo trabalha na empresa americana, como técnico, então estão indo bem de vida, né? As noras são mais ou menos, tenho uma netinha com oito anos, muito bonita, mas ela é a única minha amiga diante de Deus, porque ela dentro de casa, foi a única que se levantou e disse que daria sua mesada para me ajudar. Foi a única a dizer “Vou dar minha mesada para meu avô”, então fiquei comovido, como estou agora nesse momento e as lágrimas vieram aos olhos nesta hora.
P/1 – Como chama sua neta?
R – Lívia, chamamos ela de Lili, mas é Lívia Carla de Andrade, as noras uma é mineira de Passos, Rosa de Oliveira Andrada e a outra é Madalena Ramos de Andrade, descendente também de mineiros. E os meus filhos são Carlos Alberto Valente de Andrade e outro Jorge Alberto Valente de Andrade, ambos casados, como já tive oportunidade de explicar. O mais novo com 30 anos já brasileiro, esse não precisei pagar passagem, o outro ainda tive que pagar meia passagem, o que chegou aos quatro anos hoje está com 37, 27 de outubro é a data de nascimento dele, ele nasceu em 54. Tenho a história da minha vida contada, quero ver se consigo computar o livro, se alguém me der essa chance ou de fazer um filme, ou até novela, ainda trabalhei com o Roberto Carlos e a Mirian Rios, uns 19 dias lá no Rio, na Avenida Portugal, na Urca, isto em 1981, neste ano fui à Portugal e pela segunda vez de avião, fui conhecer Paris, Madrid, e sinceramente? Gostei muito mais da Espanha, se tivesse ficado por lá gostava mais da Espanha. Somente a segunda cidade maior, Madrid eu gostei, mas gostei mais de... Barcelona, né? Adorei Barcelona, se tivesse ficado por lá acho que ia gostar de ficar em Barcelona, as mulheres espanholas com sua micro saia, mini saia, cantarolando nos próprios ônibus, admirei muito as espanholas, já gostava muito porque são consideradas as mulheres mais lindas, não desfazendo das brasileiras, realmente, a mulher brasileira também é bonita, mas a espanhola é encantadora, se eu casasse com uma espanhola acho que ainda seria um homem feliz, já que não consegui casar com uma libanesa, né? É mais difícil. Por agora, não sei se vão querer fazer mais uma pergunta.
P/1 – Eu queria que você me contasse um pouco de quando você chegou no Rio de Janeiro, o que aconteceu?
R – No Rio trabalhei em Copacabana, em uma cantina italiana, vendendo lasanha, canelone, talharim, cerveja Brahma, lá em Portugal, tudo diferente, tudo nomes diferentes, apanhei bastante como diz aqui o brasileiro, sofri ainda bastante, depois brigava com os cozinheiros, os garçons também não eram lá aquelas coisas, o patrão não pagou tive que ir para... Aí ele perdeu tudo, tive a sorte que ele pagou para todo mundo, né? Mas a maior parte dos patrões do Rio de Janeiro nenhum pagou nada, só esse que consegui receber, o outro também tive que brigar, fiquei junto ao Rezende _____, chamava Soutelo, aí esse tive que ameaça-lo, se não me pagasse eu ia exigir que ele me pagasse a pensão, que eu estava hospedado com a família, ele era advogado, me pagou, mas com muito custo. No Rio de Janeiro, sofri bastante, mas apesar de tudo eu gostei muito, né? As praias realmente maravilhosas, sempre vivi em Copacabana, no Leme, rua que hoje se chama aquele famoso cantor, que tem aquela... O maior cantor famoso do Leblon, Ipanema...
P/1 – Tom Jobim?
R – Outro.
P/1 – Vinicius?
R – Vinicius de Moraes. Eu vivi justamente na Vinicius de Moraes, antigamente, era Mascarenhas, um outro nome, hoje ela chama Vinicius de Moraes, então eu sou louco por Copacabana, Leblon, Ipanema e trabalhei lá um ano e pouco, sozinho, em 81, foi essa vez que estive lá com Roberto Carlos e a Mirian Rios. Mas davam comida que, às vezes, não estava nem boa, então eu não sou de levar desaforo pra casa e reclamava, achava ruim. Aí eu passei por vários lugares, inclusive, o réveillon no Copacabana Palace, trabalhei naquelas cantinas, pelo menos em duas, cantigas Roma, a primeira tinha em 54 quando vinha de uma cantiga romana, por coincidência trabalhei mais tarde em 71, não, em 81 na Roma, e também no Leblon do mesmo, do Rei da Noite, espanhol Francisco Ricarei, daí eu não gostei muito porque era muito calor e tinha que usar borboleta, eu gosto...
P/1 – E por que o senhor veio para São Paulo?
R – Diziam que aqui a vida era melhor, que era mais fácil de comprar casa, de arranjar emprego, aí eu não tive dúvida, parti do Rio para Rezende, onde trabalhei em um hotel, fiquei no meio do caminho e na próxima oportunidade já vim para... Onde eu fui viver primeiro era Parada Inglesa, ____ ____ 3982, vim de caminhão com as coisitas que tinha, a primeira casa... Coisitas que eram mesmo de casa, era só quarto e cozinha, tinha um poço, eu descobri que tinha um poço, aí já fui alugar outra porque tive medo que meu filho de afogasse. Trabalhei no Fasano na Avenida Paulista, 256, trabalhei na Doceira Abelha 20 anos, conheci o Delfim Neto, o Jânio Quadros, conheço ele, servi ele algumas vezes, tinha cartas dele, agora não sei onde elas estão, mas tenho cartas do Jânio Quadros. Pessoas famosas assim que eu tenha servido, na época do presidente Costa e Silva, não só tive o prazer de servi-lo e de conhecê-lo, como todos os ministros na casa do Delfim Neto, na Aclimação. Me lembro que o Delfim Neto me mandou chamar a mãe dele para conhecer o presidente Costa e Silva e eu fui com ela, fazendo companhia até a sala, e me lembro que o Presidente Costa e Silva falou para ela “Eu gosto muito do seu filho, a senhora sabe?”, foram as palavras dele para a mãe do Delfim Neto, que hoje é falecida, isso na Aclimação, e lá no Rio de Janeiro trabalhei na (desgarrada?), justamente onde eu servia a mulher do Delfim Neto, perdão, do Costa e Silva. Também servi esse que faz a televisão Globo, fiz algumas partes na Globo, nas novelas onde conheci a Fernanda Montenegro, o Raul Cortez, conheci vários artistas na Globo. Essa desgarrada é importante porque lá tem a Maria Alcina, não a que canta mais embaixo, mais em cima, é uma grande farrista portuguesa com Antônio Campos que cantou a desgarrada, que tem também o Manoel Taveira, grande cantor e farrista português, que as vezes, vez aqui pra São Paulo canta na Rua (Panplone?) numa casa portuguesa que lá tem, e eu gosto da desgarrada, às vezes tinha que cantar um pouquinho, acompanhava um pouquinho, mas eu não sabia cantar nada. Mas é engraçado que eles falam assim, procurando quase ofender um ao outro com palavras simpáticas, né? Mas assim ofendendo, diz assim, por exemplo, tu és mais torta que pau de galinheiro, mais suja a tua língua que pau de galinheiro, algo assim, sabe? Procuram ofender um ao outro, mas na brincadeira, lógico, né? É interessante. Fico grato se visitarem as casas portuguesas, com os fatos porque realmente vão sentir em Portugal, é interessante que eles cantam de tal maneira que todo mundo entende, todo brasileiro entende, tem muito brasileiro que pensa que a língua portuguesa é completamente diferente, que é outra, que falamos de outro modo, mas não, tem realmente diferenças, veado lá é paneleiro, uma fila lá é uma bicha, essas coisitas assim, mas tirando uma coisa ou outra, a maior parte é bem... Somos bem irmãos. Eu até gostaria de ser divulgador português, explicando o pouco que eu sei, porque eu realmente me considero um autodidata, tenho mania tanto de ler que fico lendo até as três, quatro da manhã, em consequência o sono vem lá pelas 10, 11 horas da manhã, eu quero escrever ao Presidente atual de Portugal, como é que o nome dele mesmo? Esqueci agora. Tem até o livro da história da vida dele, o presidente português... Para sugerir, como muitos brasileiros pensam que Portugal não tem a mesma língua, que temos muitas gírias, então se houver que vá divulgando nas escolas, fazendo reuniões, explicando que o português não é tão mal como eles aqui pensam, eles pensam que o português, eles pensam que o Brasil está sofrendo como está hoje devido a ser descoberto pelos portugueses, se fosse espanhóis ou americanos, acham... Só dão valor aos americanos, só os americanos cantores, até espanhóis que tem valor aqui, ou os próprios brasileiros, português aqui não tem vez, só o como é que ele chama... Roberto Leal que ainda assim tem um certo sucesso, mas tirando o Roberto Leal e a Amália Rodrigues muitos poucos aqui tem vez, então eu gostaria que Portugal fosse mais admirado, mais querido, mais adorado como diz o brasileiro, a gente vai no Parque Ibirapuera é raro ver um português só vê japonês, chinês para todo lado, vai no teatro, em um clube, agora tá se passando no centro cultural da Vergueiro um belo teatro português da maior artista poetisa portuguesa, uma das maiores do mundo Florbela Espanca, eu estive lá no segundo dia, fui convidado e assisti, gostei muito, convido todo mundo que tenha a oportunidade de poder ir porque é bem baratinho, é só apenas três mil cruzados, vai colaborar com eles e vão gostar, vão sentir em Portugal, são dos português, quem admira os portugueses, que é filho ou tem alguma... Eu, por exemplo, me sinto um judeu porque hispânica ibérica é considerado descendentes de lá, eu sou bem de lá, eu nasci junto a (Badaross), tanto assim quando fui militar diziam Elvis (Badajoss) à vista, tem lá um negócio onde eles eram, assim, castigados, iam lá pra cima para um morro chamado, não me recordo agora, fazem carregarem os pobres com barris de agua, chegam lá em cima descarregam agua só para eles sofrerem, e acompanhados com os militares, com espingarda em punho, então aquilo era uma judiação, mas eles foram castigados porque fizeram mal, como se dizia lá, a uma moça, comeram a moça, engravidaram ela, não quiseram casar com ela, então obrigavam eles, era o castigo que dava, era uma prisão algo assim, carregam aqueles barris nas costas, por isso devem ficar para o resto da vida com problemas na coluna, porque a coluna é uma coisa que Deus fez a gente não é para carregar nada, muito menos um barril nas costas, muito menos uma pasta como eu carrego cheia de camisetas, blusas, enfim, trabalho atualmente com camisetas e blusas, né? Se alguém quiser, meu telefone é 5882584, disponha. Quer que eu encerre, ou querem que eu diga mais alguma coisa?
P/1 – O senhor quer encerrar?
R – Por mim, tudo bem, né? Se quer continuar, aqui ficarei, estou aqui com duas lindas mulheres, acho que fico aqui com elas o resto da noite, até o resto da vida. Para mim, o problema é mulher, sinto falta tanto de mulher, que tendo mulher... Ontem mesmo fui para um shopping, sou louco por shopping tem mulheres lindas, cheguei em casa quase uma da manhã, acho que hoje vai acontecer o mesmo, já são o que? Dez horas.
P/1 – São nove e vinte.
R – Quer dizer, que agora é edifício Avenida Europa, número 74.
P/1 – 151.
R – Número 158 onde estou no momento, não passam muitos ônibus no sábado, muito menos no domingo, mas eu vou tentar enfrentar os problemas, vim hoje do Detran até aqui a pé, ainda carregando a sacola, passei para o parque Ibirapuera, pensando que tinha por lá mulheres bonitas, não tinha nada, vim vindo, quando cheguei na 9 de julho tem a rádio capital, o Zé Beto tem os negócios dos casamentos, fui lá ver se lá tinham mulheres bonitas, o maior bagulho que aqui no Brasil, acho que não só em São Paulo, acho que no Brasil todo não tem mulheres tão feias como ali, eu geralmente, acho todas as mulheres bonitas, tem algumas que até me censuram, ô mais você acha tudo bonito, é o braço que tem pelinhos é bonito, é boquinha, sobrancelha, tudo bonito na mulher. Mas aquelas ali estão muito mal-acabadas, muito malfeitas, então quer dizer, que fiquei mais decepcionado que eu já tinha ido lá uma vez há três, quatro anos pro ____ ____, mas hoje tornei passar porque estava ali a 200 metros, aproveitei passar, vim vindo para cá, no final, acabei perdendo aqui as danças que iam ter hoje, tiveram hoje, né? As danças muito bonitas que eu vi no jornal, eu ia gostar bastante, ia me sentir um pouco na Síria ou no Líbano, ia me sentir talvez um pouco mais judeu, por causa de tudo isso e vir a pé porque não sabia o horário, o jornal que tinha curiosidade de ler do metrô não dava horário, eu li duas vezes e não tinha horário, então pensei que era mais a noite, vim vindo calmamente julgando que vinha adiantado, e afinal, vinha, atrasado, sou aquele português que ou chego tarde, ou adiantado, difícil de acertar. Agora mesmo pelo aniversario dos 100 anos da Avenida Paulista, sábado deu pra ver alguma coisa, mas cheguei em casa quase meia noite, no domingo tinha convidado para ir pela primeira vez em Campos do Jordão, 33 anos de Brasil nunca tinha ido para Campos de Jordão, toda minha família já tinha ido, menos eu, aí acabei preferindo ir à Campos do Jordão, acordei às quatro horas só me deitei lá pelas duas horas, acabei ficando 22 horas acordada nesse domingo passado, está fazendo hoje justamente oito dias, não amanhã faz oito dias. Aí acabei não assistindo os festejos dos 100 anos da Paulista, que eu gostaria de ter assistido, para ver aqueles desfiles, agora vou tentar o próximo aniversário dos outro cem anos, será que vou conseguir? Daqui a cem anos? Quem chegou até os 61, quem sabe não chega aos 161. Pela sua boa vontade, Fernanda, muito obrigada, estou encantado pela sua simpatia Fernandinha de... E ela?
P/1 – Rosana
R – Rosana. Obrigada, Rosana, feliz natal, um bom fim de ano e um ótimo 1992 pra vocês e para os nossos familiares, e que sejam muito felizes, pelo menos no amor que sejam mais felizes do que eu porque não posso dizer que minha mulher é ruim ou é má, porque ela tem me aturado e eu a ela, mas realmente, nosso amor não... Sabe? Nunca condiz, quando eu quero, ela não quer e já não fazemos amor... Faz meses, então não é a toa que estou carente de amor, carente de mulher e eu gosto também muito dos meus filhos, mas não é bem os filhos que eu idealizei, dizem que mulheres são mais amorosas, são mais isso, mais aquilo, pela minha neta eu estou presumindo que realmente, mas Deus me deu dois filhos e eu graças a Deus tenho que estar satisfeito com eles, apesar... Eles são bons filhos, eu é que talvez não seja aquele pai ideal, como também gostaria de ser e não consigo ser, mas nem todo mundo é perfeito, né, nem Cristo conseguiu agradar todo mundo, quem sou eu para poder querer agradar todo mundo, então realmente tenho imperfeições como todo mundo, tento ser perfeito, mas realmente não sou. Então, peço perdão a quem tenha ofendido ou quem não esteja lá sendo muito bom, eu procuro ser simpático, gostar de todo mundo, antes eu dizia “só gosto de quem gosta de mim”, agora estou achando que só gosto de Deus porque estou vendo que só Deus gosta de mim e a minha neta porque foi a única que se levantou dizendo que daria sua mesada para mim, está vendo que ninguém mais se preocupou comigo, né? Minha nora mais velha, a Rosa, diz que vai dar um rádio, uma mesada, como se eu quisesse uma esmola e não quero uma esmola, queria que elas me pagassem minha parte que tem no apartamento onde vivo e assim eu ficava com algum dinheiro, coisa que ando duro, vivendo necessitando de dinheiro, vendendo às vezes o que consigo, tem dias que vendo dez peças, oito, sete, tem dias que só vende uma, duas e as vezes nada, então precisaria ter um emprego cativo, ou novamente como copeiro, garçom, não sei, mas como está tão difícil a crise no Brasil, que escrevi para o Guarujá para ver se trabalharia na CasaGrande Hotel, mas até hoje não tive resposta, não tenho aquela sorte que acho que muitas pessoas tem ou a carta não chegou lá ou não me responderam, e assim sendo eu continuo aguardando por melhores dias, mas tenho graças a Deus, saúde, mais ou menos e sou completo, perfeito não falta nenhum dedinho, nem um braço...
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