Projeto Ponto de Cultura
Depoimento de Wellington Cabola Romano
Entrevistado por Rosali Henriques e Gustavo Sanchez
São Paulo, 25/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PC_MA_HV079
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Boa Tarde! Wellington, nós gostaríamos de começar a entrevista perguntando seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Meu nome é Wellington Cabola Romano, nasci aqui em São Paulo, na cidade de São Paulo, na maternidade de São Paulo (risos), foi dia 16 de agosto de 1964, às 21 e 15.
P/1 – Wellington, diga pra gente o nome de seus pais, por favor.
R – Meu pai é Antônio Carlos Romano e minha mãe é Arlete Cabola Romano.
P/1 – Conta pra gente a origem deles, eles são daqui de São Paulo? Conta um pouco da história de cada um.
R – São... Incrível, nós três nascemos na mesma maternidade, tanto eu quanto meu pai e minha mãe, somos todos da Maternidade São Paulo. Todos aqui de São Paulo. Meu pai é descendente de portugueses, ele é filho de portugueses, minha avó portuguesa, portuguesa mesmo, de origem todos portugueses (risos), meu pai não, ele era neto de italiano. Então diz até que esse sobrenome Romano, até uma, eles tinham outro sobrenome quando saídos da Itália... Eles na verdade migraram para Portugal, e nessa época eles chegaram lá e os receberam como Romano, então esse sobrenome é um sobrenome que foi alterado. Pelo que eu sei também a maioria dos Romanos é isso, esse sobrenome ele não é um sobrenome italiano mesmo, ele só indica origem. A minha mãe já não, ela é toda filha de... Ah não! Até que eu lembrei de uma coisa, o meu avô era italiano, minha avó era argentina, mas grande parte da vida dela ela achou que era brasileira, porque eles saíram de Portugal com meu bisavô, com a minha bisavó grávida, então ele queria que ela nascesse no novo mundo. E eles pegaram o navio, todos analfabetos, eram imigrantes e pegaram o navio para descer na...
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Depoimento de Wellington Cabola Romano
Entrevistado por Rosali Henriques e Gustavo Sanchez
São Paulo, 25/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PC_MA_HV079
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Boa Tarde! Wellington, nós gostaríamos de começar a entrevista perguntando seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Meu nome é Wellington Cabola Romano, nasci aqui em São Paulo, na cidade de São Paulo, na maternidade de São Paulo (risos), foi dia 16 de agosto de 1964, às 21 e 15.
P/1 – Wellington, diga pra gente o nome de seus pais, por favor.
R – Meu pai é Antônio Carlos Romano e minha mãe é Arlete Cabola Romano.
P/1 – Conta pra gente a origem deles, eles são daqui de São Paulo? Conta um pouco da história de cada um.
R – São... Incrível, nós três nascemos na mesma maternidade, tanto eu quanto meu pai e minha mãe, somos todos da Maternidade São Paulo. Todos aqui de São Paulo. Meu pai é descendente de portugueses, ele é filho de portugueses, minha avó portuguesa, portuguesa mesmo, de origem todos portugueses (risos), meu pai não, ele era neto de italiano. Então diz até que esse sobrenome Romano, até uma, eles tinham outro sobrenome quando saídos da Itália... Eles na verdade migraram para Portugal, e nessa época eles chegaram lá e os receberam como Romano, então esse sobrenome é um sobrenome que foi alterado. Pelo que eu sei também a maioria dos Romanos é isso, esse sobrenome ele não é um sobrenome italiano mesmo, ele só indica origem. A minha mãe já não, ela é toda filha de... Ah não! Até que eu lembrei de uma coisa, o meu avô era italiano, minha avó era argentina, mas grande parte da vida dela ela achou que era brasileira, porque eles saíram de Portugal com meu bisavô, com a minha bisavó grávida, então ele queria que ela nascesse no novo mundo. E eles pegaram o navio, todos analfabetos, eram imigrantes e pegaram o navio para descer na capital do Brasil que era Buenos Aires (risos). Então minha avó nasceu na Argentina para o susto do meu bisavô; depois eles ficam por lá alguns anos, alguma coisa em torno de seis anos e, com seis anos então, minha avó finalmente chega ao Brasil, vem aqui pra São Paulo, aqui para a Vila Beatriz, a gente está entre Alto de Pinheiros, Vila Beatriz e Vila Madalena, então Vila Beatriz é o quarteirão de lá assim de onde a gente está aqui, que é onde meus bisavós vieram com a minha avó. E eu acabei nascendo também aqui, eu nasci no Alto de Pinheiros que era a Macunis, essa rua também aqui, tudo neste mesmo quarteirão.
P/1 – Você sabe por que eles vieram especificadamente para a Vila Beatriz?
R – É, tem uma história. Diz que quando... Por parte do meu pai, o meu avô casou com a minha avó aqui no Brasil. Eles eram de bairros diferentes, meu avô era daquela região da Pompéia, porque ali também moravam muitos portugueses, que é mais ou menos isso, acho que a colônia se atraia, então ainda tenho inclusive parentes ali na Cardoso de Almeida, aquela região ali, uns tios-avós que ainda estão vivos. Quando meu avô casou com minha avó, a princípio ele ia ficar lá, mas eles eram floristas, trabalhavam com flores, e interessante que quando eles saíram para procurar um lugar que fosse plano e que não fosse caro – afinal de contas eles eram imigrantes, não tinham grana –eles vão procurar uma chácara, um sitiozinho pra alugar, e eles alugam aqui na Praça Panamericana (risos), que hoje é lugar top, mas naquela época não era nada pelo que diz meu avô, era um grande charco, um lugar sem muito atrativo. Então, eles montaram ali a chácara deles, onde nasceu meu pai, e resolveram comprar um terreno para eles mesmos e compraram aqui, que é do ladinho da praça, aqui na Macunis, que antigamente chamava Estrada da Boiada, que era exatamente isso, era o caminho que faziam os bois, eles atravessavam da região da Avenida Paulista para lá e desciam ali como quem vem pela Rebouças, aí entravam pela Pedroso de Morais, vinham desde lá da Pedroso, já é o comecinho da Macunis, entravam ali e iam em direção ao rio, então aqui era um trajeto de bois. Depois eles continuaram chamando de Estrada da Boiada, mas virou caminho do bonde, então acho que era porque era um lugar mais aberto, de mais fluxo; quando eu nasci ainda tinha de bonde. Bom, então meu pai nasceu aqui no Alto de Pinheiros e ficou nessa casa aqui na Macunis, e meu avô foi para o interior, eu não me lembro direitinho qual é a cidade, mas é alguma coisa próximo já Mato Grosso, não estou lembrando exatamente qual era o nome da cidade mas é bem para Oeste de São Paulo, e quando pequeno morou lá uma época, depois eles voltaram aqui para Pinheiros, vinham para cá. Conheceu minha avó, casaram e a minha mãe nasceu no Jardim América que era onde eles tinham casa, depois quando ela tinha uns catorze anos, pelo que ela me contou, eles vieram aqui para a Vila Beatriz – aqui também passava um riozinho, a um quarteirão daqui, e a casa da minha avó era bem próxima desse riozinho. Eram três casas que eles montaram, compraram um terreno e construíram três casas; ali nasceu minha mãe e os dois irmãos dela. Por causa dessa proximidade da casa do meu pai e da casa da minha mãe – eram dois quarteirões, três quarteirões –, eles acabaram se conhecendo. Eles têm a idade muito próxima, dois anos de diferença. Eu sei que o primeiro namorado e o único da minha mãe foi meu pai, já o meu pai parece que não, teve outras histórias, ele até namorou com a minha mãe durante um tempo, eles separaram, ele ficou noivo de outra moça. Depois ele rompeu esse noivado, achou que era minha mãe mesmo, voltaram, aquela coisa, ela continuou esperando e deu certo, aí eles estão juntos até hoje, acho que é isso.
P/1 – E eles tiveram quantos filhos?
R – Eu sou o primeiro, são três. A gente [acha] até engraçado, porque eu tive que trabalhar muito o meu nome, Wellington pra mim era uma coisa que não me cabia, um nome de origem inglesa e eu sempre questionava isso, eu lembro de falar assim: “Poxa! Ninguém fala meu nome! Ninguém fala o meu nome!”. Então eu era pequenininho: “Como é que é seu nome?”, e para mim era natural, porque todo mundo me chamava de Wellington, eu achava que tudo bem, mas os outros não, então quando alguém ia repetir meu nome, falava: “Qual é seu nome?”; “Wellington”; “Hã?”. Era terrível, nunca ninguém falava. Então eu sempre questionei isso e meu pai – ele que escolheu – dizia que era porque o nome dele era um nome muito comum: Antônio Carlos. E o sobrenome Romano também tem “n”, se você abrir a lista telefônica “Antônio Carlos Romano” tem 1 quilo deles. E ele falou que quando ele foi casar, tudo que ele foi fazer, abrir empresa, comprar casa, sempre tinha que estar justificando que os homônimos tinham o nome sujo (risos) e ele tinha que estar provando que não era ele, então ele falava: “Quando nascerem meus filhos eu vou por nomes diferentes!”. Então ele pôs o meu Wellington por causa do Duque de Wellington pela história toda com Napoleão Bonaparte (risos), ele achou que era um nome forte, colocou. Meu irmão chama Kleber, é o nome de um czar russo, ele também achou que era um nome forte. E a minha irmã é a caçula, tem sete anos de diferença quase de mim para ela, e o nome dela é Genesi, meu pai achou que era de Gêneses, mulher, origem da vida. Então os três têm nomes esquisitos, eu não tenho outro termo (risos). São nomes diferentes com sobrenomes comuns, engraçado, e a gente vê pelo Brasil, é muito comum.
P/1 – E o seu pai trabalhava com o quê?
R – Bom, a princípio meu pai é... Meu pai tem uma história interessante. Ele chegou a ser violinista, tocava violino na Sinfônica de São Paulo [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] quando garoto. Depois, quando chegou na adolescência, ele queria jogar futebol e conseguiu, passou pelas tais peneiras para entrar em times de futebol e ele corinthiano doente acabou indo jogar no Corinthians, conseguiu ser profissional, jogou pouco tempo, acho que uns três, quatro anos, como profissional no Corinthians. Depois ele teve um problema no joelho e tinha que operar, ele morria de medo e parou com a carreira de futebol. Nessa época ele casou com a minha mãe; logo em seguida eu já apareço na história (risos), eu nasci no nono mês de casamento deles, foi hiper rápido, a minha mãe até conta que foi horrível, que ficavam aquelas histórias de: “Ih! Será que casou grávida?”, e ela, coitadinha, pra ela era um tabu danado essa história de gravidez e virgindade, porque ela: “Mas é horrível me falarem isso se eu sei que eu casei virgem”, e quando eu nasci diz que ficou um clima assim, algumas pessoas da família mesmo, mas meu pai estava tranquilo, ela também, então tudo bem. Então eu já nasci logo que eles casaram; nessa época, meu pai como tinha parado com o futebol – meus avós ainda trabalhavam com flores –, meu pai montou uma loja de acessórios para carros, que não deu muito certo, em seguida ele migrou para tinta automotiva, e depois para tinta residencial e todo tipo de tinta, e ele ficou uns bons anos com isso, ele me criou e aos meus irmãos, ele criou uma rede de lojas de tintas, que tinha em Pinheiros, Perdizes.
P/1 – E ele tem ainda essa rede?
R – Então, na época do primeiro plano que houve, eu não me lembro se foi o cruzado, ele não estava bem estruturado, a empresa não estava muito bem estruturada e ele teve que vender porque ele ia falir, então ele vendeu a empresa e ele relutava, ele não queria ser florista, porque a família toda, os irmãos dele floristas, os pais floristas e ele não queria ser florista, ele queria ser diferente (risos). E ele foi montar... Relutou, relutou, acho que uns três anos, ficou sem emprego e o dinheiro das lojas acabando, até que por pressão da minha mãe que falou: “Olha, não dá, temos que montar alguma coisa”, montaram uma floricultura e por causa daquelas coisas do acaso, exatamente na Praça Panamericana, que antes era terreno lá das plantações da família e que está lá até hoje, é uma banca, que nem uma banca de jornal dessas sofisticadas, maiores, só que é uma banca de flores.
P/1 – E os seus pais estão lá até hoje?
R – Até hoje! E agora o meu pai já está com 68 [anos] e o meu irmão que está com 41 está trabalhando com ele e minha irmã também. O único que não está lá, agora o diferente sou eu, o único que nunca, eu trabalhei com flores quando eles montaram, eu acabei trabalhando, mas eu estava em época de faculdade e assim que me formei na primeira faculdade que era de Comunicação eu fui trabalhar com agência de publicidade, com promoção na verdade, aí saí das flores.
P/1 – Antes de a gente enveredar nessa sua área acadêmica e profissional vamos voltar lá para a infância. Então seu pai trabalhava, tinha um comércio, e sua mãe trabalhava?
R – Enquanto meu pai tinha as lojas de tinta, não, ele tinha sei lá quantos, às vezes dezenas ali de funcionários, então minha mãe não trabalhava, meu pai tinha um sócio, minha mãe ficava só em casa, mas assim que começa a história das flores. Como meu pai relutava, ele não queria trabalhar com flor, a minha mãe que conseguiu até inclusive permissão na Prefeitura para poder tirar a documentação para montar a banca. A minha mãe acabou trabalhando acredito que até uns dez anos atrás, ela gosta, flor é uma coisa agradável de trabalhar.
P/1 – Wellington, você falou que nasceu aqui na rua, quer dizer, passou sua infância aqui na Macunis. Vocês eram três irmãos, conta pra gente um pouco que brincadeiras vocês faziam, como eram as brincadeiras nessa época?
R – Aqui até foi uma infância muito feliz... (choro) Emocionou de lembrar! Aonde era o terreno da nossa casa era como se fosse uma vila, uma ruazinha sem saída, mas era um quintal, não era uma rua, e tinham três casas e uma floricultura, essa floricultura está aí até hoje, na floricultura, era floricultura dos meus avós, eles trabalhavam ali. Minha avó foi pioneira naquelas bancas de flores lá do Araçá, hoje inclusive ela tem nome de rua, o nome da rua onde moram meus pais é o nome da minha avó: Maria José Monteiro Romano. Porque foi por causa dela que aquelas bancas existem no Araçá do lado do cemitério, minha avó era uma mulher muito além da época, foi a primeira brasileira a tirar carteira profissional de motorista, então foi a primeira mulher a guiar caminhão em São Paulo, minha avó era muito arrojada, a gente até brincava que o homem da casa era minha avó, meu avô estava lá junto mas era um coadjuvante praticamente, porque a minha avó era muito enérgica, ela era impressionante. Mas a minha infância foi ali. Nesse quintal tinham três casas, uma delas era a casa do meu tio, o irmão do meio, o mais velho era meu pai, então era o segundo irmão, que teve dois filhos, e meus primos também tem a idade muito próxima a minha e dos meus irmãos, nós éramos cinco crianças ali brincando. Tinha o Marcelo que mora aqui até hoje também, que mora do outro lado da rua, e os filhos da dona Anita que também ainda estão aqui, é incrível isso; a dona Anita teve oito filhos, alguns já até foram-se. Então a gente era meio que, resumindo, esse grupinho nessa época, e era muito gostoso porque era uma brincadeira sempre saudável, a gente sempre ia para o morro do pôr-do-sol, a gente chamava de morrão naquela época, hoje em dia morro do pôr-do-sol, e lá era um morro mesmo, um barranco de terra vermelha, a gente brincava de bolinha de gude, empinava pipa, tinha um vento fantástico, todas essas brincadeiras, amarelinha, brincadeira bem de criança, pulava corda, “skibunda”: a gente arrumava sempre um pedaço de papelão e descia aquilo sentado e ia parar lá no meio da rua, era muito legal, brincadeiras bem daquelas antigas de infância. Aí eu cresci um pouco mais e com doze anos a gente mudou para perto da minha outra avó, que é na Vila Beatriz aqui, dois quarteirões só de mudança, e ali naquela rua, chamava [Doutor] Baeta Neves, é uma ruazinha do lado da Isabel de Castela, e ali naquela rua tinha muita criança, muita criança, todos mais ou menos da mesma faixa etária, aí sim foi dos meus doze aos catorze anos, nossa, acho que foi uma época muito, com relação à brincadeira tinha de tudo, a gente brincava de polícia e bandido, que era uma delícia porque era muita criança, futebol na rua todo dia descalço, aquela coisa de chutar o chão e arrebentar o dedão, bicicleta, também bolinha de gude, era muito legal da gente brincar, peão, corda, acho que era mais ou menos isso, mas foi muito saudável!
P/1 – Você falou que lembra do bonde. Você lembra quando o bonde deixou de passar por aqui?
R – Eu acho que foi em 1968 mais ou menos, no finalzinho da década de 1960, eu sou de 1964, mas eu tenho uma memória impressionante às vezes, que eu cheguei a lembrar quando a gente morava nessa primeira casa, onde era o terreno lá da minha avó paterna, logo que eu nasci o meu pai ainda estava ajeitando a casa e então tinha um quintal grande e gostoso e tinha uma área onde minha mãe usava, estavam colocando o tanque na verdade, onde a roupa ficava para secar e ali ainda era de terra o chão, e então o encanamento acho que não estava legal do tanque e a água dava uma corrida pelo chão, assim, água do tanque só, então era uma água na verdade limpa e eu lembrei de uma cena e eu falei para a minha mãe: “Eu acho que tive um sonho”, ainda pequeno isso, “eu me lembro de estar sentado num lugar com muito sol numa cadeira grande xadrez, vermelha, xadrez com preto, azul e branco, e eu lembro de pisar numa rodinha com o pé e não sei o porquê mas eu estava de repente na água, e eu lembro que era um negócio de água e a aquilo me assustou, foi um sonho esquisito”, minha mãe ficou emocionada, disse que não foi um sonho, eu tinha três meses nessa época, estava ainda entendendo como que ia ser o começo da vida e ela me sentou no carrinho de bebê enquanto ela lavava roupa, e ela me colocou ali num lugar onde eu pudesse pegar um solzinho porque era de manhã cedinho, e ela me colocou meio que sentadinho e eu pequeninho fui, sei lá o que eu fui fazer, e eu desequilibrei o carrinho que era exatamente um carrinho de bebê vermelho com preto, azul e branco, xadrezinho de pano, eu lembro bem desse carrinho até hoje. E eu cai, o carrinho virou e eu cai exatamente na água que corria do tanque, então minha mãe ficou emocionada, achou que havia me traumatizado e não foi nada disso, para mim era uma lembrança como se fosse um sonho. E o bonde eu sentava com meu avô ali na Estrada da Boiada na época, que era a Macunis já, e eu ficava sentadinho lá e ele me falava: “Olha, que carro é esse?”, aí eu sabia os carros, então o Impala, todos os carros daquela época, já tinha Fusca e de vez em quando passava o bonde, então havia o trilho, a rua era toda de paralelepípedo e passava o bonde. Essa é uma lembrança vaga, já cheguei a discutir isso uma vez com meu pai e ele falou: “Acho que foi lá pra 1967 ou 1968 que o bonde sumiu definitivamente”, porque já havia ônibus e tudo, então já é por aí!
P/1 – Dessa turma de brincadeiras, você falou que mudou para Vila Beatriz para Baeta Neves e tinha uma turma maior, você se lembra de algum episódio, alguma brincadeira, alguma coisa, um acontecido que tenha marcado esse período? Você sempre tinha uma rotina de brincar de futebol, mas tem alguma coisa que se lembre desse período?
R – Ah, tem bastante. Havia um terreno grande entre o morro do pôr-do-sol e a Vila Beatriz que hoje em dia são uns prédios grandes que tem ali perto do posto de gasolina, ali era um terreno de uma Companhia que chamava City. Essa City tinha grandes espaços aqui em São Paulo, tinha essa City Pinheiros e tinha outra, City Lapa. Então essa Companhia tinha terrenos grandes que acho que trabalhavam exatamente com isso, com loteamento. E nessa época ainda era um terrenão grande e arborizado onde passava lá então esse rio, aconteceram algumas coisas da gente pular, que era tudo cercado, a gente queria pular para lá para brincar, subir em árvore, porque era uma delícia, é gostoso a gente fazer o proibido, aquele muro em volta pra gente era tudo demais atraente, então a gente de vez em quando pulava pra lá e ia brincar lá na mata e vira e mexe acontecia algumas coisas da gente cair de árvore, era uma vida; apesar de estarmos aqui numa região hoje nobre de São Paulo, há poucos anos ainda era uma mata, incrível isso, mas era só ali. Antigamente onde era a Praça Panamericana mesmo, a Pedroso de Morais, não era nada, era só terra, eu lembro bem disso, não tinha nem árvore, era um lugarzão horrível e hoje lindo. Um episódio mesmo, esse rio era famoso, ele ainda passa aqui, ele foi canalizado, mas ele passava aqui desde sempre. Minha mãe contava uma história que aqui na vila havia uma senhora, era uma negra hiper magrinha, e ela vira e mexe estava lavando roupa mesmo pelo rio, era limpo, eu acho que a atividade dela era lavar roupa, e quando chovia esse rio aumentava muito o volume de água e as crianças ficavam brincando até um determinado ponto de pular de um lado para o outro do rio, inclusive minha mãe, até que um dia uma criança caiu, a correnteza estava forte e saiu arrastando esse menino e não deu para ninguém pegar. Essa senhora viu o menino cair na correnteza e ela correu, correu, correu para tentar pegar e não conseguia, a correnteza forte, até que havia já uma parte desse rio canalizada de onde é o morro do pôr-do-sol até a saída no rio Pinheiros, que deve ter quase um quilômetro nessa distância, e a mulher tentou até que ele entrou pelo cano mesmo, e daí não deu para ela pegar. Mas ela não desistiu, ela correu, correu desesperada até a porta, onde o cano desembocava no rio e ela ficou sentada com as pernas no cano esperando para ver se a criança passava e a criança bateu e ela pegou, ela salvou a vida desse menino. Ele já é falecido, ele saiu estava com os bracinhos e pernas quebradas porque ele veio se batendo no cano, desacordado, mas ela salvou a vida dele. Eu cheguei a conhecê-lo, ele era da geração da minha mãe, então existe uma lenda desses lugares, mesmo tantos anos depois a gente morria de medo quando chovia, não chegávamos perto do rio, era perigoso; gostava, mas também tinham os cuidados.
P/1 – Falando em lenda, todo mundo fala que tem uma lenda de um português que fundou a Vila Madalena, a Vila Beatriz e a Vila Ida. Alguém falou disso com você? Você conhece essa história?
R – O que diziam é isso, que na verdade era um português, ele tinha um terrenão, ele tinha três filhas e suas terras foram divididas com o nome das filhas que é Ida, Madalena e Beatriz. Talvez minha mãe ou meu pai falassem com mais precisão. Mas assim, pra gente isso era uma história, não sei nem se realmente é fato, parece que é, mas não sei te falar com precisão.
P/1 – Falando em infância e escola, que escola você começou a frequentar?
R – Então, aqui na Pedroso de Morais, na Pedroso quase com a Rebouças, tem até hoje uma escolinha na qual eu acho fiquei lá só uns seis meses, eu tinha quatro anos quando me colocaram nessa escola para fazer os prés. Foi até uma história traumatizante para mim, eu nasci canhoto, muito provavelmente, hoje em dia já não sei (risos). Quando a professora nessa escolinha – era uma escola pública, é até hoje – me punha para desenhar ou pintar qualquer atividade básica, eu me lembro de uma que era pra fazer um labirinto e eu lembro que eu fazia isso e ela me batia, ela me batia com uma régua que ela tinha grande de madeira, me batia na mão, me chamava de burro e eu não entendia o que se passava. Eu comecei a não querer ir para a escola, e meu [?] achava que era porque eu queria ficar com os irmãos em casa, aliás naquela época eu só tinha um irmão ainda e tinha os primos, mas não era isso e eu não falava. E ela me batia, até que um dia eu lembro dela me bater com a régua e tinha um banco (choro). Olha que gozado, nunca me emocionou essa história! Mas tinha um banco alto, para mim era imenso, parecia aqueles bancos de bar, e ela me colocou no canto da parede sentado em cima daquele banco com a cara virada para o canto mesmo e eu fiquei ali o dia inteiro, nem para o recreio eu sai e ela falava: “Porque você é burro e você tem que ficar aí”. E eu fiquei ali. Quando acabou a aula eu fui para casa, minha avó que me buscava e estava eu e minha prima, que tinha minha idade já, a gente estudava junto e eu falei para minha prima que não voltava mais, que não queria mais ir para escola, só que ela estudava em outra sala, e no dia seguinte não teve jeito, me levaram para a escola, fui calado e numa bobeada, tinha um senhor que ficava recebendo as crianças na entrada, e numa bobeada, chegaram três ou quatro crianças juntas, eu sai de costas, andando de costas e corri lá para a Pedroso de Morais, falei: “Não vou entrar de jeito nenhum nessa escola, vou apanhar”. Eu fiquei sentado na esquina da Pedroso e falei: “Vou esperar passar o tempo e depois na hora da saída eu volto”, e ficava olhando, tinha um alcance visual e eu achei que já estava ali fazia uma eternidade, tanto que eu abri minha lancheira, fiz o meu lanche, falei: “Vou esperar”, pequenininho e fiquei esperando ali. Achei que já era horário da saída, vi um movimento e fui até lá. E o movimento era de gente me procurando, eu não sei como aquele senhor havia me visto e num intervalinho de aula ele ouviu alguém falar: “O Wellington faltou”, e o Wellington sempre fui eu só, eu nunca tive contato com outros Wellingtons, e quando eu cheguei lá estava uma loucura, meu pai, minha avó, todo mundo me procurando e eu chegando assim e meu pai me perguntou por que, o que tinha acontecido, e eu falei: “Porque ela me bate, não vou mais entrar aí”. Então ficaram sabendo, causou até um processo com relação a essa professora, sei lá o que aconteceu. Mas me tiraram de lá, colocaram num colégio particular que também existe até hoje, no Santa Clara, um colégio de freira (risos), e eu uma criança levada com umas convicções também e eu achava que a vida tinha que ser vivida em liberdade, então eu odiava ver alguma coisa presa e lá tinha um vivereiro de passarinhos enorme, cheio de passarinhos, e entrava um senhor para alimentar os passarinhos e era justo no intervalo, no recreio, as freiras e as crianças e esse senhor que alimentava os passarinhos; um dia ele saiu, eu tinha um amigo – também era daqui da Vila Beatriz, que já faleceu em um acidente de automóvel (pausa), foi o meu primeiro amigo, Mauro – e eu falei: “Mauro, fica olhando se vem alguém porque eu vou soltar esses passarinhos”. Eu abri a porta do viveiro, entrei lá e falei: “Xô, vocês estão livres”, e pus tudo para correr de lá. Puts! Causou a maior revolução na escola, queriam que meu pai pagasse os passarinhos, e foi legal, meu pai falou: “Não, foi um princípio dele, ele achou que tinham que estar em liberdade” e eu até fui apoiado, ainda bem. E umas semanas depois também deram falta de mim dentro da sala de aula, ninguém me achava e eu estava brincando com tatu bolinha, sabe aqueles tatuzinhos, tinha uma horta grande lá, então eu estava deitado no chão da horta brincando com os tatus, bateu o horário de voltar para a sala e eu não voltei, e de novo todo mundo procurando o Wellington, ele fugiu de novo, e não era, eu estava brincando lá dentro da escola com os tatus e acabaram me tirando desta escola. Aí eu fui para a USP [Universidade de São Paulo], fui estudar.
(PAUSA)
P/1 – Wellington, você estava falando que daí você foi estudar na USP?
R – Chamava Escola de Demonstração naquela época e depois passou a chamar Escola de Aplicação, existe também até hoje lá. Era um ensino muito puxado, quando a gente saia de lá ela ia só até o ginásio, só até a oitava série, e eu ainda peguei aquela transição de ano para série. Havia um quarto ano, você fazia, você passava, tinha uma espécie de admissão – isso quando eu entrei na escola. Quando eu estava no segundo ano, que era primário, era tudo ano, primeiro, segundo, terceiro ano, depois admissão, depois era primeira, segunda, terceira e quarta série e depois ia para o colegial, então no meu segundo ano mudou essa história, virou tudo série até a oitava, ótimo para mim que não fiz a admissão. Na escola também nessa época tinha latim e alemão e tiraram, graças a Deus, então a gente ficou só com francês e inglês. Mas era uma escola de um ensino muito puxado, a gente era cobaia lá na verdade e tudo que se aprendia lá depois se a metodologia desse certo eles passavam para outras escolas, se não a bucha era nossa.
P/1 – Wellington, como você ia? Porque era mais longe, não?
R – É, daqui até lá são uns três quilômetros.
P/1 – Mas você ia a pé?
R – Não, tinha um ônibus, meu pai pagava o ônibus. E ele vinha, esse ônibus, pegava a gente, era um ônibus daqueles de luxo, grandão, era muito legal andar todo dia naquilo, do seu Carlos, e ele que levava a gente para a escola. Então tinha muita gente da USP aqui. Aqui atrás tem a Rua Sagarana, nela tinham quatro crianças que estudavam comigo lá, mas um pouco para trás tinham mais duas meninas, três meninas, tinha bastante gente do bairro que estudava lá. Era muito difícil de entrar lá, um grande percentual das vagas era para quem era filho de funcionários, professores, acho que praticamente 50%, depois 25% era para filhos de quem tinha outros cargos lá na USP como faxineiro, trabalhadores de cantina, que não fossem professores, depois 25% era por sorteio, não, primeiro tinha um teste, eu pelo menos foi isso, fiz um teste: a professora contava uma história e você tinha que repetir. A minha história era a história de uma boneca de louça, ela contava a história da boneca de louça e pediu para que eu repetisse, e eu acho que já deu para notar eu sou muito detalhista, sempre fui, eu repeti exatamente a história, ela ficou meio assim e como a minha mãe já havia – eu tinha seis anos, tinha acabado de fazer seis anos – e minha mãe já havia me ensinado a escrever meu nome, Wellington, e são dez letras, então na verdade eu já sabia escrever e ler antes de entrar na USP, lia gibi. Era assim, tinha esse teste para saber se você era capacitado ou não e, depois do teste, se as vagas ainda fossem menores do que o número de alunos disponíveis, eles faziam um sorteio; por sorte eu entrei, meu irmão entrou e minha irmã já não entrou, então foi lá [o] ginásio.
P/1 – E você estudou lá quanto tempo?
R – Nove, porque eu repeti um ano, na sexta série eu tive todas aquelas doenças de crianças, eu tive todas: catapora, sarei da catapora; peguei sarampo, sarei do sarampo; peguei caxumba, sarei da caxumba; peguei rubéola, sarei da rubéola. Eu não fui para a escola metade do ano, aí não teve jeito, lá a média era sete, não era cinco, era muito puxado, então não deu, eu não acompanhei mesmo e repeti. Então acabei ficando lá nove anos. E teve uma coisa interessante, só havia até a oitava série nessa época, foi quando meu pai perdeu, vendeu as lojas de tinta e ficou sem emprego, então eu estava indo para o colegial e meu pai não tinha dinheiro e meu Deus. No começo da oitava série eu comecei um movimento dentro da escola para que criassem o colegial, legal porque muitos outros garotos da minha época também estavam querendo continuar lá e a gente foi fazendo um movimento para ver o que rolava e a diretora falou: “Olha, não adianta vocês falarem nada, vocês tem que fazer isso, aí vem do reitor da Universidade, não é nada assim tão simples”, e eu falei então o que a gente tinha que fazer, “ah não, imagina, você tinha que ser recebido lá pelo reitor, nem eu consigo, é uma coisa difícil”, eu falei: “Tá bom”. Fui atrás do reitor, fui, fui até que eu consegui que ele me recebesse depois de muita “encheção” (risos). Ele me recebeu e falou: “Olha Wellington, não dá, a gente tem um milhão de coisas e não é simples fazer assim aparecer o colegial, então a gente tem que estudar muito, como é que vai fazer isso ou não, mas se você conseguir chegar aqui com um abaixo assinado significativo ou significante, significante você com sei lá umas três mil assinaturas”, porque tinham 800 alunos, “onde vou arrumar três mil assinaturas?”; “Mas se você conseguisse isso de pessoas interessadas a gente podia abrir o processo de começar a caminhar para o colegial”. Eu saí como um louco. Eu tinha um amigo que tinha moto, o Ricardo, eu falei: “Ricardo, a gente vai ter que passar em todas as casas de todo mundo da escola”. Eu peguei os endereços de todo mundo da escola, eram 800 endereços, então a gente ficou uns três meses aplicados nisso para conseguir as assinaturas. Eu consegui as 800, depois eu fui às casas de todos os funcionários da escola, de todos os professores da escola, outras pessoas que passavam ali pela escola: “Ah, o que você faz?”; “Ah, eu sou professor aqui da faculdade de não sei o quê”; “Ah; e você tem filho?”; “Tenho”; “De que idade?”. “Ótimo, você não quer participar?”. Aí eu consegui as três mil assinaturas, eu chequei, fui lá no reitor de novo e falei: “Olha, três mil assinaturas” e ele não acreditou, ele falou: “O que é isso? Você criou assinatura?”, e eu falei: “Não, está inclusive o nome e endereço de todo mundo aqui e o porque estão interessados no colegial”. Ele não acreditou e nem eu, porque ele decidiu que ia ter o colegial e eu falei: “Graças a Deus”, só que não deu para dar continuidade, eu já estava na oitava e ele falou: “Não vai dar para o ano que vem, só para o outro”; “mas veja bem, no outro ano vou começar o primeiro ano do colegial”; “então, para você não vai dar”. Mas não foi em vão, meu irmão estava lá e ele acabou fazendo colegial na USP. Foi uma coisa legal, dá orgulho garoto, e consegui criar essa história desse movimento todo.
P/2 – O senhor lembra o nome desse reitor?
(PAUSA)
P/2 – O senhor lembra o nome desse reitor?
R – É, não lembro. O reitor morava (risos), isso eu vim descobrir depois, eu nem sabia, porque ele era todo assim, muito difícil você acessá-lo, mas ele morava exatamente na Baeta Neves, que era a rua onde eu morava e assim, essa rua é ridícula, tem um quarteirão só, descendo a Sagarana é a primeira travessa à direita que é contramão até. Então o reitor morava ali, casona, mas não tinha acesso nenhum.
P/1 – Desse período do colégio de Aplicação você lembra de algum professor que tenha te marcado? Conta pra gente.
R – Ah, vários! Então, na oitava série, acho que até por conta desse movimento todo, eu ia tomar pau, não ia passar de ano, porque não me apliquei o suficiente. Eu também na verdade sempre fui um aluno razoável, nunca tinha sido nenhum aluno desses “CDF’s”, nunca fui de estudar, nunca fui, eu prestava atenção na aula e para mim bastava, então eu era um aluno mediano e acho que por conta desse movimento todo, essa empolgação que foi uma maluquice, no fim do ano eu ia acabar sendo reprovado. Eu tinha que tirar nove em Francês, que era uma matéria daquelas que você não se empenha tanto, Matemática, Português, Física, lá tinha tudo, a gente tinha aula de educação sexual que ninguém tinha, então a gente tinha muita matéria, aliás, era um tabu danado falar em educação sexual naquela época, década de 1970. Então tinha uma professora que era justamente a professora de Francês e ela falou: “Você tem que tirar nove para passar de ano, para ficar com média sete”, e ela falou assim: “Senta aqui!” – ela chama Dona Yara, vira e mexe eu encontro a Yara aqui pelo bairro também – aí ela sentou do meu lado e falou: “Olha, já vou te falar desde já, você está reprovado, você não vai tirar nove, imagina que você vai tirar nove, sabe você é um aluno que não se dedica”, e ela falou um monte de coisa que era verdade, “você não se dedica, você não tem empenho, sabe, você tá aí ligado ao movimento de montar o colegial mas você não está pensando em passar de ano e teu empenho está muito baixo”. Aquilo foi uma cacetada tão grande, muito grande, ela falou: “Você está reprovado, eu se fosse você com essa atitude que você está tendo hoje, eu nem faria a prova porque nove você não vai tirar”, e eu saí de lá, imagina, catorze ou quinze anos, eu falei: “Pô, essa mulher tá louca, por que ela fez isso?”, mas aquilo mexeu profundamente comigo e faltavam só dois ou três dias para a prova de Francês, e eu falei: “Bom, vou estudar”, e pela primeira vez eu abri o livro (risos) que eu não tinha nem mexido, eu só prestava atenção na aula, eu abri o livro de Francês e falei: “Nossa”, e comecei a estudar, estudei dois dias. Aí fui para a tal da prova e quando eu sentei e olhei a prova, eu falei: “Ah, tá brincando, porque vai ver que ela falou aquilo e ela montou uma prova ridiculamente fácil para eu tirar os nove, só pode ser, porque não é possível, tá muito fácil isso”, e achei ridícula a prova, fiz aquilo em minutos, todo mundo lá sentado, eu acabei e a gente quando acabava levantava, punha a prova na mesa e podia sair, levantei, pus a prova na mesa dela e ela olhou, falou assim: “Ah, vai entregar em branco, né?”, e eu: “Não, fiz tudo”, ela falou: “Você tá brincando”; “Não, eu fiz tudo”; “Senta lá, revisa”, e eu falei: “Não, eu já fiz a prova”, aí ela pegou e falou: “Pega sua cadeira e senta aqui na frente da minha mesa”, porque ela estava na mesa, eu peguei e sentei, “e os outros continuem fazendo a prova”, todo mundo fazendo e ela pegou “tá aqui, vou corrigir aqui na sua frente”, e ela foi corrigindo, uma cara de espanto e eu também assustado com aquilo, e ela pôs certo, eram vinte questões e ela pôs certo nas vinte questões. Ela ficou emocionada e falou assim: “Antes de eu por a nota...” – eu já estava vibrando quieto –, “antes de eu por a nota eu vou te dizer que, primeiro funcionou o que eu tinha pensado, pelo que eu te conheço eu sabia que se eu te cutucasse você ia reagir, então eu ia me desculpar com você, mas nem vou me desculpar, eu acho que o que eu fiz foi certo, era para mexer mesmo com você e pelo visto você resolveu estudar, essa foi a prova mais difícil que a gente já montou aqui e você acertou todas as questões, mas eu vou te dar nove e assim posso inclusive dizer o porquê”, na verdade tinha um, olha que coisa imbecil, um dos nomes que estava escrito na questão era Helénè que tem dois acentos e eu não acentuei, não pus nenhum dos dois acentos, eu só tinha de copiar aquilo para responder “o que a helena foi fazer não sei onde”, “a Helena foi fazer não sei o que lá”, e ela falou: “Não vou te dar dez por isso, na verdade não é por isso, eu podia te dar dez porque você merecia o dez, você acertou tudo, dois acentos não ia... Mas eu acho que é mais uma forma de eu te motivar”. Então minha vida por incrível que pareça mudou ali por causa da Dona Yara. Eu fui para o colegial, eu estudei um ano no Fernão Dias, que é um colégio que também existe até hoje, colégio de Estado – meu pai não tinha como pagar escola –, e eu fui reprovado lá também. Eu saí da USP e entrei em um colégio de Estado, se eu não pensasse para responder uma prova eu tirava dez, então fui eu e mais seis amigos pra lá, nós éramos em sete. Tinha o vestibulinho e no vestibulinho eu entrei em segundo lugar, imagina eu que era um aluno mediano, o Elder que era um amigo meu entrou em primeiro, e depois o Sílvio, e assim foram os sete, o Maurinho, o Mauro, então eu fui o segundo no vestibulinho, se eu não pensasse para responder as provas do colégio eu tirava dez, era muito fácil, todos nós tirávamos só dez e a gente era mal visto no colégio: “Ih, lá vem os caras da USP”, era uma coisa chata, então eu não entrava na sala de aula, eu jogava futebol e fui reprovado porque eu tive 26% de frequência em sala de aula, eu faltei 74% do tempo e eles me reprovaram por isso.
P/1 – Você ficou desmotivado?
R – Completamente. Aí meu pai perguntou para que colégio eu queria ir e eu disse que todos meus amigos iriam para o Objetivo. Meu pai disse que então eu iria para o Objetivo. Eu falei que era o meu sonho, todos os maloqueiros, toda molecada ia pra lá!
P/1 - Da Gazeta?
R – Da USP. Alguns iam para o Palmares, outros para o Rio Branco, outros iam para colégios top, mas o que acontecia era assim, a maioria dos colégios eram muito rígidos e na USP a gente tinha uma flexibilidade danada, a gente tinha uma liberdade danada apesar de ser muito pesado, a gente podia discutir uma matéria se eu tivesse com, sei lá, se eu conseguisse justificar o porque eu podia sair da sala de aula e não assistir, era toda uma questão da nossa consciência. E nesses colégios, Rio Branco, imagina! Então todo mundo reclamava desses colégios, o legal era ir para o Objetivo que era colégio de maloqueiro; ia pra lá, passava de ano porque eles passavam de ano todo mundo e quem queria estudar podia estudar, e foi a melhor coisa que me aconteceu também. Quando eu cheguei lá eu estudava de verdade, de verdade, eu cheguei a fazer uns grandes absurdos, nunca fui “CDF”, eu era um aluno mediano, mas quando eu vi que quando eu estudava melhorava muito o meu desempenho e ainda coincidiu que no meu primeiro colegial tinha um menino que chamava Dong, e esse era um coreano e ele tinha uma deficiência, ele caiu quando bebezinho na Coréia, ele ficava num cestinho, dentro de um cesto, enquanto a mãe trabalhava numa plantação de arroz e ele caiu, bateu a cabeça e afetou alguma coisa no sistema nervoso, então ele não tinha coordenação motora. Ele falava com muita dificuldade e ele era um cara completamente rejeitado, e eu músico já tocava, nessa época tinha o festival de música, eu participava, logo no primeiro ano eu já comecei participando. Então eu era uma cara muito popular e o Dong um cara exatamente o contrário, ninguém brincava com ele. E um dia eu conversei com ele já lá para o segundo semestre e vi que as pessoas não ligavam muito para ele, eu achava aquilo um absurdo e comecei a fazer amizade com o Dong e o cara era um gênio, mas ele era todo duro, todo rígido, não conseguia escrever e no Objetivo eram uns cadernos, eram apostilados na verdade, então ele não conseguia marcar um “x” de jeito nenhum, escrever alguma coisa em duas linhas ele usava um caderno inteiro para escrever uma palavra. Então eu fiz amizade com o Dong e o que eu fazia: eu sentava com ele nas aulas e fazia o meu caderno e fazia o dele, porque ele só prestava atenção na aula e eu sabia como era prestar atenção na aula, porque eu também era assim. Então eu fazia o meu e fazia o dele, fazia o meu e fazia o dele, e as pessoas começaram a achar interessante isso, e algumas meninas começaram a se aproximar e para o Dong isso era uma maravilha, “ah, deixa eu fazer hoje o caderno do Dong, essa matéria pelo menos”, e começaram outras pessoas a fazer o caderno do Dong. Ele não brincava, não participava de esporte, nada e ele falava pra mim que fazia Karatê e eu também, então eu falava: “Vamos lutar”, e eu batia nele direto, mas assim, de sacanagem dava umas, e ele caia e quem via isso ficava chocado, “que é isso? Ele tá batendo num deficiente”, e ele levantava e batia em mim, eu fugia dele. Intervalo de aula era esconde-esconde eu e o Dong, eu tinha que ficar fugindo dele porque vinha para me bater e eu nele, ele bobeava eu ia por trás e pá. As pessoas começaram a ver que o Dong era humano e ele começou a se sentir humano, porque até então ele era um ET [Extraterrestre] coreano, feio pra caramba, coitado, gorducho, todo duro, não conseguia subir a escadaria do colégio, tinha de ir de elevador, então as pessoas começaram a ver que ele era humano e foi lindo isso. O Dong, eu estudava por conta dele, eu tinha de escrever muito porque escrevia o meu e o dele e, ao mesmo tempo, tínhamos esse convívio social gostoso e foram os três anos assim. O Dong se tornou um cara hiper popular no colégio, brincava com todo mundo, começou a participar dos esportes no colégio, ia jogar futebol de salão, caia o tempo inteiro, mas ele ia, então era muito legal isso. E quando acabou o colegial um dia ele veio, ele falava, vou imitar ele, era muito engraçado, depois para mim era muito engraçado, “Oh Wellington, eu trouxe um presentinho para você!”, eu falei: “Dong, você virou viado, depois de três anos juntos você vêm me dar presentinhos”. Estava acabando o colegial, aí um pacote todo esquisito, parecia um pastel, eu falei: “Que diabo que é isso? Você quer que eu rasgue o pacote ou você quer que eu abra?”, porque tinha durex para todo lado, ele falou: “Eu que fiz o pacote”, eu falei: “Percebe-se Dong, tá horrível isso”, eu falei brincando com ele. Aí eu abri o pacote e tinha um saquinho plástico com um par de luvinhas feitas de lã dentro, eu falei: “Nossa Dong...”, porque eu provocava ele muito, “Dong, era tudo que eu queria em pleno verão, um parzinho de luvinhas de lã maravilhoso, tinha que ser de você mesmo esse presente lindo, obrigado meu amigo”, fiquei brincando com ele e ele chorou, eu falei: “Dong, sacaneei, peguei pesado”, ele falou: “Não, é que eu não consigo te falar”, o jeitão dele todo atrapalhado, “meu pai tem uma fábrica de luvas, a fábrica que fez essa luva é do meu pai, mas quem fez a luva fui eu, fiquei seis meses fazendo essa luva” e aquilo, nossa, quando ele falou (choro). Incrível, porque eu acho que foi um dos melhores presentes da minha vida e ali eu percebi um monte de coisa que parte daquilo que a gente chama de dom, meu, estava ali também, entende. Trabalhar com pessoas especiais (choro) e de usar a sensibilidade para abrir caminhos. Só que mesmo assim nessa fase eu pensava em fazer publicidade, então eu acabei entrando, prestei três faculdades, entrei nas três. Em duas eu estava entre os dez melhores colocados, então a professora Dona Yara teve... Sempre agradeço. (choro) Desculpa!
P/1 – Wellington, antes de você entrar na faculdade, vamos voltar só um pouquinho, porque você falou que era muito popular e já estava envolvido com a música, como é que começa o envolvimento com a música?
R – Então, a minha história com a música também começou aqui, eu tinha oito anos e, não, tinha sete anos e minha família humilde, família simples, minha avó paterna tinha muito dinheiro, com essa história de flores ela vendia muita flor. Ela chegava em casa em dia de festa natal, dia das mães, esses dias que se vendem muita flor, ela chegava com, ela tinha uma kombi, e ela entrava em casa com a kombi com seis, oito latas daquelas de óleo grande, aquelas latonas acho que são de vinte litros, vinham cheias de dinheiro, que ela trabalhava e vinha com a kombi e aquilo parecia um carro forte, então minha avó ganhava muito dinheiro, mas a gente era muito simples, meu pai, minha mãe, eu. E com sete anos eu cismei que queria um violão, que queria ser músico, mas de jeito nenhum, como? Primeiro que músico não era profissão, imagina ser músico, e como é que vai comprar um violão e se comprar como é que você vai ter aula de violão? E eu achava isso o cúmulo porque meu pai tocava violino, entende, então como que é possível isso? Minha avó incentivou meu pai, mas a mim ninguém incentivava; aí a minha mãe, coitadinha, muito do jeitinho dela, falou: “Olha, se alguém pode, mamãe não nem papai, se alguém pode te dar esse presente é a sua avó, então converse com ela e veja se ela pode te dar esse presente no aniversário”. E eu muito envergonhado fiquei esperando minha avó um dia perguntar “o que você vai querer ganhar de aniversário?”, e eu ali já esperando, aquela que você passa o dia inteiro do lado, até que minha avó falou “o que você quer de aniversário?”, “um violão”, ela falou: “Tá bom”, e eu falei: “Nossa, assim fácil”. Credo! Eu nervoso dias, aí minha avó me colocou na kombi e me levou até uma loja. Eu me lembro até hoje, fascinado, porque todo lugar que eu olhava tinha violão pendurado, aquele monte de violão, e ela falou: “Escolhe o que você quiser”, e eu falei: “E agora?”, e fiquei olhando pela beleza, aí o vendedor falou: “Leva um para criança que é um pouco menor”, e eu falei: “Tá bom, e onde é que eles estão?”; “Ali”; eu falei: “Quero aquele”, minha avó falou: “É aquele, é o presente dele”. E eu fui embora com aquele violão, que eu tenho até hoje é claro. E como iam me ensinar a tocar? Meu pai não tinha a menor ideia, ele tocava violino que não tem nada a ver, as pessoas acham que é parecido e não tem nada a ver, e como é que ia fazer? Eu fiquei dos oito aos dez anos tentando entender sozinho o que acontecia e já estava com ódio do violão, às vezes eu tinha tanta raiva, pena que eu não trouxe o violão para vocês verem: tem o braço do violão e tem a parte onde se afina o violão, e naquela ponta do violão ele é todo roído porque eu chorava e eu mordia aquele violão, eu roía ele, porque eu queria tocar e não tinha como. Até que um dia alguém me falou como que se fazia para afinar um violão, mas isso eu já estava com o violão a mais de um ano e quando me ensinaram como se fazia para afinar, eu falei: “Ótimo”. A partir dali eu comecei a tocar sozinho, eu fui aprendendo, aprendendo e aprendi. Quando eu tinha já catorze anos naquela época de ginásio, de sair para ir para o colegial, eu já dava aula de violão, eu sabia já tudo, gozado. Foi uma coisa engraçada que eu também não consigo entender, eu aprendi sozinho aquilo e eu sempre então toquei violão. Depois tem mil histórias com relação ao violão, mas acho que é esse o princípio. Depois eu fui estudar um pouco mais de verdade, entender como funciona o violão, então eu sempre tive muita facilidade, eu era canhoto, mas eu sou ambidestro hoje, então tanto faz tocar de um lado ou do outro, é lógico que algumas coisas eu apanho, para tocar piano, por exemplo, a mão que tenho mais facilidade para solar é a esquerda e no piano não tem jeito de você inverter, então a minha mão direita é um pouco mais lenta e é engraçado, tem algumas coisas assim, percussão eu tenho de tocar ao contrário, flauta eu tenho de inverter também, então eu acabei tocando diversos instrumentos, mas tudo meio que me adaptando entre essa história de ser canhoto ou ser destro ou não ser nada, às vezes dava uns curtos. Se, vamos supor, abrir torneiras, tinha dia que seu eu pensasse, até hoje acho que ainda dá de vez em quando, se eu for pensar com que mão vou abrir a torneira, eu não mexo nenhuma das duas mãos e não tenho o que comandar para ir mexer, sabe. Então não sei se vira assim ou se eu viro assim, ou se assim eu fecho ou assim eu abro, se pensar estraga, então tem que ser uma coisa meio que deixa acontecer e a mão que tem vontade vai na frente e faz, pra tudo: carinho, chocalho, se eu for tocar acho que eu prefiro mil vezes fazer um movimento com a mão esquerda, mas se me dá na direita eu vou fazer também. Esse foi o começo com a música, mas eu não podia ser músico porque músico não era profissão, meu pai queria que eu fosse médico, advogado, tinha de ser uma das coisas: médico, advogado ou engenheiro, porque alguém tinha de dar certo nessa família (risos). E eu sou o primeiro da família que faz faculdade, conclui uma faculdade, depois minha prima acaba fazendo, mas eu fui o primeiro.
P/1 – Wellington, vamos já entrar nesse período, você estava falando que passou em três faculdades.
R – É eu passei na USP, fui sexto lugar na USP, passei na FAAP [Fundação Armando Alvares Penteado] que era escola de ponta com relação a laboratórios de publicidade, e na ESPM [Escola Superior de Propaganda e Marketing] que estava começando a criar nome, na ESPM eu fui terceiro lugar.
P/1 – E você decide fazer qual?
R – Eu fui fazer FAAP porque a FAAP tinha o melhor laboratório de publicidade, tinha câmera, tinha ilha de edição legal, tinha estúdio, para tudo que eu queria tinha. Eu fui fazer publicidade acho que por causa da versatilidade, eu sempre fui muito versátil, qualquer coisa que me desse para fazer eu fazia, e eu tive muita dificuldade, eu queria ser músico, mas eu não podia, então eliminava música, e como eu sempre fui muito versátil, eu achei dentro da publicidade um universo, eu podia fazer de tudo, então foi até o porquê de eu ter feito Publicidade e Propaganda. Que tinha a ver comigo também.
P/1 – E a FAAP não era uma Universidade pública, ela era particular.
R – Era a mais cara, a mais cara que tinha, a mais cara e foi um sufoco pagar a faculdade (risos), meu pai se matou, eu me arrebentei. Eu estudava a noite, tinha que trabalhar de dia.
P/1 – Mas o que você fazia? Você já estava trabalhando?
R – Já fui trabalhar em agência de publicidade mesmo. Primeiro eu trabalhei em banco, trabalhei no Bradesco uns seis meses, aí eu falei: “Essa vida é muito medíocre”, desculpe os bancários, mas não dá. Não deu, aí saí de lá e fui trabalhar numa agência de publicidade, aí falei: “Agora sim”, comecei de estagiário e foi indo. Então devagar as coisas já tinham começado a tomar um rumo. Eu acabei fazendo a FAAP, era a faculdade mais cara que tinha, muito mais cara que as outras e eu achava que era um investimento que valia a pena, era a melhor de laboratório. Quem era da área naquela época sabia, vai fazer ECA [Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo] tudo bem, tem professor bacana, ESPM está começando, mas bacana mesmo era fazer a FAAP, então eu parti para fazer a mais legal na época.
P/1 – Você fez o curso em quantos anos?
R – Em quatro anos.
P/1 – E durante esse período do curso você estagiou nessa agência ou você mudou para outras agências?
R – Eu comecei estagiando numa agência, eu fiquei só seis meses de estagiário, naquela época era a época das pranchetas, não tinha computador, então eu fazia a arte. Então eu fui para fazer um negócio que chamava pest up, que era montar a parte gráfica de tudo que a agência produzia: revista, jornal, eu trabalhei em laboratório de fotografia, e até era engraçado, um dia eu estava montando um pest up e algumas coisas eu estava fazendo e sentou o dono da agência, ele chamava Sérgio Isatto Shimizu, era um japonês, a agência nessa época era uma agência de promoção, existe até hoje, a DeSimone era a maior que tinha. E o Simone era um cara legal, que era o dono da agência, um dos donos, mas ele não era de estar dentro olhando o que a gente fazia ou não, mas o Serginho, esse japonês, ele ficava lá dentro da agência, ele que cuidava do estúdio, ele era um pentelho gente boa para chuchu e um dia ele sentou atrás de mim, e eles me chamavam de Jacó, eu deixei uma barba assim de garoto e parecia um libanês, alguma coisa assim, narigão, aí eu estava lá fazendo e lembro que eu peguei, estava usando uma caneta de, o que era... Bom, eu não sei, só lembro que estava fazendo alguma coisa com a mão direita, soltei e peguei um pincel com a mão esquerda e quando eu fui para mexer naquele trabalho ele segurou minha mão: “Para Jacó!”, eu falei: “O que eu fiz meu Deus?”; “Você está louco”; “Como assim? Não estou entendendo!”; “Você mexe com uma mão, mexe com a outra, o que você está fazendo?”, aí que eu me liguei, eu não sabia que eu fazia isso, para mim se tá concentrado ali no trabalho era uma mão só, eu não sei nem qual, mas depois que ele ficou lá até que ele me tirou isso. Aí eu falei: “Oh, não pergunta, tá funcionando, então deixa assim”. Depois eu trabalhei até me formar, eu trabalhei em agência, mudei algumas agências. O Serginho saiu da DeSimone, montou uma agência, me levou, eu fui com ele. Depois eu virei cliente, parei de trabalhar nas agências e fui trabalhar nos departamentos de marketing, trabalhei na Alcoa. Depois eu falei: “Olha, não vai ter jeito”, eu estava fugindo da música minha vida inteira, como dentro da minha formação também tinha Rádio/TV então eu falei: “Não, estúdio de jingles” e fui para um estúdio.
(PAUSA)
P/1 – Você estava falando que trabalhou com publicidade e depois começou a trabalhar com jingles.
R – É, eu fui trabalhar com jingles só que eu fui trabalhar de atendimento, eu não tinha a menor experiência dentro de um estúdio. Aí eu já tinha trabalhado na MTV nessa época, mas era vídeo. Quando eu fui para lá, eu estava querendo ir, eles me fizeram o convite, mas para que eu fosse trabalhar com atendimento, então eu ia conversar com cliente, ver o que o cliente queria, “brifava”, trazia o breafing e depois o pessoal que executava. Ficava no meio de campo para aprender mesmo na verdade, ganhava muito bem. E foi engraçado porque eu comecei a entender ali que a música tinha uma outra coisa que depois eu defini como poder mesmo, a música tinha um outro poder, esquisito porque a gente mexe demais com as pessoas, então tudo bem, é a comunicação, é o trabalho que está desenvolvido por trás da música, é, mas também tinha alguma coisa da música que eu falava assim: “Não, é muito poderosa”, e nessa época eu já estava casado, minha filha já havia nascido e eu falei: “Não, eu preciso”, ela estava nascendo mais ou menos nessa época, e comecei a pesquisar e descobri a musicoterapia. Aí eu peguei, larguei tudo e fui atrás da musicoterapia, fui fazer a faculdade de musicoterapia, é uma faculdade que nem existe mais e se chamava Faculdade Marcelo Tupinambá.
P/1 – Na Vila Mariana, não?
R – Isso, uma maluquice, e eu nunca mais parei de estudar, eu continuei por minha conta outros estudos. Eu fui para a Europa atrás de mais material, eu fui fazer, aprendi coisas malucas, trabalhei em hospitais aqui em São Paulo com musicoterapia, fiz um trabalho de pesquisa científica que era mestrado, doutorado e tal e muito legal, aí sim eu me achei, então é, esse foi um jeito. Tem gente que pega atalho, e eu fazia o caminho mais longo, porque não deu para fugir da música; música é minha vida na verdade. E estou aí com um trabalho inclusive agora que acredito que vá gerar um livro, que eu já estou escrevendo, falando exatamente sobre isso, essa coisa da música, então com o que a música mexe, qual é esse poder da música.
P/1 – E você morou em que país quando foi para a Europa?
R – Então, eu fui para a Holanda a princípio, depois eu acabei dando uma passadinha curta pela Europa, não dava pra gente ficar muito tempo por lá, tudo é muito caro, o curso era muito caro, a gente ganhar dinheiro por lá era muito difícil, como músico ainda dava. Teve uma época que eu fiquei lá meio que sozinho, não estava trabalhando e levei o meu companheiro, o meu violão, fui barrado na Inglaterra, não me deixavam entrar de jeito nenhum no país; quando eu cheguei na Holanda, a mesma coisa: queriam que eu voltasse, violão vai ficar aqui, como músico foi difícil mas eu acabei ficando. Então, na Holanda eu me virei muito assim, tocava no metrô e tocava nas ruas, proibido, então tinha que ficar meio que fugindo, trabalhei de faxineiro, fiz faxina em casas, imagina, era uma loucura, fiz de tudo, tudo que dava para gente poder ter um pouco de grana e ainda permanecer por lá para poder investigar um pouco mais daquilo que me interessava acabei fazendo, um trabalho curto, mas fiz lá com crianças com síndrome de down, um trabalho maravilhoso e por aí foi. Toquei em prostíbulo e coisa maluca em Amsterdã, imagina música dentro de um prostíbulo, coisa maluca, MPB [Música Popular Brasileira] ainda. Mas assim, o violão foi um grande companheiro da minha vida inteira, aqui eu acho que conto a história da minha vida todinha através do violão, então ele foi sempre minha base, foi muito legal, foram experiências gostosas na Europa com relação a isso.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá na Europa?
R – Quatro meses só, mas é engraçado porque como foi uma coisa muito intensa eu tive a sensação que foi uma vida inteira. Foi um marco definitivamente na minha vida, porque de lá você tem acesso a tudo, aí fui para a Bélgica, para a Alemanha, fui para a França e você começa a passear e cada lugar que você vai nunca tinha grana, então eu entrava em algum lugar, falava assim: “Posso tocar um pouco?”, aí acho que o pessoal olhava: “Ih, meu Deus, brasileiro músico”, mas ainda bem que eu toco razoavelmente bem e canto, então eu cantava e tocava e ganhava grana e comia, tocava em restaurante, então valeu um pouco a pena com relação a isso, aí dava para estudar algumas coisas quando dava tempo. (risos)
R – Você disse anteriormente que toca outros instrumentos, você também aprendeu sozinho ou estudou?
P/1 – Então, eu acho que meu princípio é sempre esse mesmo, eu parto para aprender sozinho como autodidata e depois vou aprender um pouco mais de técnica, mas o início eu sempre, primeiro eu investigo se vai ser uma coisa legal tocar aquele instrumento ou não, vou mexendo, foi assim com o piano, teclado, senta, vai tocando eu na minha cabeça, minha cabeça é muito matemática, muito lógica, então a música é completamente matemática e lógica, e tem, é lógico, outro estado que é o instintivo, que você acaba, entendeu, o mecanismo, a coisa blebleble vai embora. Então, depois quando me interessa, eu vou aprender um pouco de técnica, vou estudar, mas se não vejo que não tem muito interesse, deixo. Agora eu vou fazer esses dias, vou fazer um curso de Tabla, que é um instrumento indiano de percussão que se toca com as duas mãos, são dois, sei lá, instrumentinhos de percussão de bate e eles [fazem] TacTicTacBac, o indiano toca aquilo que é uma maluquice, é um instrumento de sons e tem toda uma cultura por trás disso, é isso que agora eu começo a investigar. Toco outro instrumento maluco que chama Didjeridu, que é um instrumento aborígene, é uma árvore, os cupins comem, ela fica oca e você sopra e aquilo tem um som, tem um monte de coisa que eu gosto que eu vou atrás. Com voz também fiz alguns cursos, é um curso meio maluco que fala, parte dos mongóis eles fazem, sabe como a gente vê a luz virar um prisma e forma um arco-íris, eles fazem isso com a voz, você emite uma nota e ela se desmembra, então é maravilhoso, muito bonito o som, e eu faço, acabei desenvolvendo essa técnica, tem quem chame isso de canto de uma só voz, abre um leque de harmônicos, mas é uma nota só que você está emitindo, muito legal.
P/1 – Você trabalha atualmente com musicoterapia. Como é que funciona?
R – Então, musicoterapia também é uma coisa hiper vasta. O meu primeiro trabalho que foi em hospital eu trabalhava com alívio a dor, então eu cheguei a participar durante um tempo do grupo de dor do Hospital das Clínicas, mas para investigar eu estava estudando, a história era aliviar a dor através da música, então existem “n” estudos feitos sobre isso, mas eu tenho um estudo pioneiro, até que a maioria dos estudos, a maioria não, todos os estudos são voltados para a música clássica, e o meu trabalho foi desenvolvido em cima da MPB; então onde e como empregando a música e quais você pode aliviar a dor. Eu trabalhei com pacientes terminais, câncer, com tudo o que se tem de mais dolorido por aí para começar a entender onde eu podia encaixar uma técnica, então isso é uma coisa. Na Holanda fiz um trabalho com crianças com síndrome de down para, na verdade, era um trabalho de socialização para que eles conseguissem participar mais de um grupo, de ter uma atividade onde mexesse com coordenação motora. Então é um leque vasto, você pode trabalhar estresse, a pessoa está muito estressada, então quer dizer, desde coisas simples até coisas que mexem demais com a pessoa. Eu aprendi uma técnica com um francês de acupuntura onde a gente eliminou a utilização da agulha, então são diapasões, são garfos, que são usados, você bate, ele começa a vibrar, emite uma nota, ele tem uma vibração, a gente usa para afinar instrumentos, mas ele desenvolveu um numa frequência diferente, mexeu em oitavas então são grandes com frequências bem baixas e cada um deles é utilizado em um dos pontos da acupuntura, então a gente não precisa mais furar as pessoas, quem tem medo de agulha – eu já trabalho com isso há oito anos, também vira e mexe dou uma aperfeiçoada na técnica, eu mesmo acabei descobrindo algumas coisas que contribuíram com a técnica. Tem trabalho que a gente chama de cura, na verdade é uma coisa que eu não gosto muito, que é meio que voltado para Shamanismo, eu sou muito pela pesquisa científica, então eu gosto de um apoio científico, mas mesmo assim vira e mexe tem umas coisas que você fala: “Isso aqui não dá para negar”, e vamos usar. Mas a musicoterapia em si é usada como uma ferramenta na verdade que estará ajudando a um grupo, que pode ser formado por médicos, por fisioterapeutas, a gente meio que dá uma moldada. A maioria, o peso mesmo da musicoterapia, é embasado nesse trabalho de grupo. Mas é lógico que você pode aplicá-lo em algumas outras situações, então tem diversos instrumentos que foram criados que a gente usa também na musicoterapia, como tem uma cama que ela é toda de madeira e a parte de baixo dela é toda de cordas, então você toca, ela emite uma nota numa determinada frequência que te ajuda a harmonizar ou acalmar, é um negócio bem vasto. E outras técnicas que eu fui aprendendo, como uma técnica de respiração chamada Renascimento, que é um nome que eu não curto, mas é uma técnica que mexe através da sua respiração com o seu autoconhecimento, você altera seus padrões, é uma técnica muito interessante, deixa eu ver o que mais... Ah, tem na verdade (risos), um leque bem vasto!
P/1 – Mas você atualmente atende paciente. Profissionalmente como é que funciona?
R – É, eu montei um espaço que é minha clínica e a gente atende as pessoas lá, trabalho também às vezes com alguma técnica, é preciso usar um pouco de massagem, então também trabalho com algumas massagens, não é uma coisa que eu diria assim “sou massoterapeuta”, não, eu uso, fiz cursos, claro, eu uso apenas como mais uma ferramenta para um determinado trabalho; às vezes para a aplicação da acupuntura a pessoa chega lá completamente rígida ou com muita dor então antes de mais nada a gente da uma soltada no corpo da pessoa, vê qual a técnica que pode ser usada, se é uma técnica mais profunda como a (Ervete?) ou se é meramente uma massagem só para soltar a musculatura, aí depois a gente começa a trabalhar. Então eu criei uma forma de que essas técnicas estejam interligadas e eu possa estar utilizando delas no meu trabalho.
P/1 – Vamos voltar só para uma coisa pessoal, você falou que já estava casado e tinha filho. Conta um pouco dessa história. Como você conheceu sua esposa?
R – Ah, é, teve outra coisa interessante também! Eu queria ser músico de qualquer jeito, eu tinha vinte e poucos anos, solteiro, já havia feito a faculdade de Comunicação e eu precisava tocar, precisava tocar, precisava tocar, morria de vergonha de tocar e não me considerava músico, porque o músico é aquele que está lá na área mesmo praticando, não era só estudado. Aí eu falei: “Puxa vida e agora?”. Como eu tinha certa graninha, falei: “Vou montar um lugar para eu tocar”, e eu montei um bar aqui na Vila Madalena, que não tinha nada, na Vila Madalena não tinha nada, tinha dois bares que eram bares assim boteco, uma coisa meio que já não existe mais, e fora isso não tinha nada, era oficina mecânica, muita residência. Eu fui ali, descobri um lugarzinho, Rua Fidalga com a Rua Aspicuelta e aluguei uma casa, falei: “Vou montar um bar com música ao vivo e seja lá o que Deus quiser”. E puxa vida, foi uma grande surpresa, hoje a Vila Madalena é só bar e o meu foi o primeiro. Então tive esta história aí de ser o primeiro bar da Vila Madalena, chamava (Mont Bews?), maior nome maluco de marketing, era péssimo, mas era um bar muito interessante porque ele tinha um porão e eu resolvi usar o porão, e o porão tinha o pé direito muito baixo, um metro e quarenta, um metro e meio e eu falei: “Poxa, como é que eu vou usar aqui embaixo?”. Aí a gente resolveu – era eu e um sócio – contratar garçons anões, então eles eram todos anõezinhos de circo. Existe uma entidade que cuida só desses anões de circo, eu fui atrás, descobri qual era e a gente contratou alguns para vir trabalhar como garçom e toda a decoração era de duende, então foi muito engraçado porque logo em seguida foi um boom aqui em São Paulo de, eu acredito, em duende e meu bar era de duendes coincidentemente, então foi maravilhoso, todo mundo queria ir para o meu bar. Eles tinham a mão pequenininha e eu tive de adaptar algumas coisas como bandejas e cestinha para eles servirem nas mesas, as pessoas entravam abaixadas, era muito engraçado. Na parte de cima tinha música ao vivo onde era o meu palco, tinha um palco e eu tocava, outros músicos começaram a se apresentar, músicos que tocam na noite ainda até hoje aqui na Vila Madalena; Roberto Morais, que era um músico maravilhoso da época e muitos caras famosos começaram a tocar no meu bar também, o que foi muito legal. Coincidentemente, não sei se essa palavra também é apropriada, um dia me chamaram para fazer um trabalho: “Olha Wellington, abriu um trabalho aí para ator, você não quer fazer? Vai lá, faz o teste”, porque eu vira e mexe fazia uma ponta, “vai lá porque vai ser apresentação dos trinta anos de bossa nova”, e eu falei: “Bossa nova, música é comigo mesmo”. Eu cheguei lá e aconteceu uma coisa engraçada com meu nome, ele que falou de nome. O pessoal chegou, era marcado um horário para esse teste e começou a chegar todo mundo mais ou menos junto e não teve uma organização para montar a chegada do pessoal, então quem vai ser o primeiro para fazer o teste é quem chegou primeiro, “fui eu”, “fui eu”, “fui eu”. Eram sessenta e poucas pessoas, 68, porque era um negócio meio que legal, ia dar uma grana boa, então choveu gente, “então vamos fazer por ordem alfabética”. Wellington, adivinha quem foi o último, não tinha nenhum Wilson para meu azar, então eu fui o último e fiquei o dia inteiro de jejum, aquela coisa sem comer e esperando até o cara me atender, o tal do Cleber Papa; esse cara atendeu cinco ou seis caras antes de mim, entrava e saia, entrava e saia, “ah, ele já está dispensado”, aí eu falei: “Ah, vou entrar e sair”, eu entrei e ele falou: “Olha, já falei para os outros, estou falando para você também, eu já estou esgotado, estou aqui o dia inteiro fazendo isso, não comi assim como vocês, mas eu já tenho a pessoa, já está definido, então queria te agradecer”; “Ah, tá bom, ainda bem que pelo menos você me recebeu, estou o dia inteiro, agora você podia contar para mim o que é esse trabalho”; “É a respeito dos trinta anos da bossa nova, vai ser feita uma apresentação, a pessoa vai falar um texto sobre esses trinta anos da bossa nova e em seguida vai entrar um dos caras da bossa nova mesmo e vai fazer um show”; “Onde?”; “No Morumbi”; “Putz grila, mas o cara precisa tocar”; “Não, não precisa tocar”; “Ah é? Porque eu estudo música há tantos anos e meu barato mesmo é tocar MPB, mas bossa nova...”; “Você toca?”; “Toco”; “O que você toca?”; “Violão”; “Espera aí, só um minutinho” – pegou o telefone – “Fulana, traz um violão”; “Beleza”, aí ele me deu o violão e falou: “O que você toca de bossa nova?”; “Pede que eu toco”; “Ah”; “Fala que eu toco”, ele começou a falar e eu comecei a tocar, aí ele falou: “Caramba” – pegou o telefone de novo – “Fulana, liga para o rapaz lá e fala que eu mudei de ideia, vou fazer com o Wellington, obrigado”, e eu quase morri. Foi uma experiência fantástica na minha vida. A apresentação que ia ser de cinco minutos passou a ser de quarenta minutos, e eu sentava, ia tocando violão e contando a história da bossa nova durante quarenta minutos e às vezes contracenava comigo mesmo num telão que tinha atrás de mim, que a gente já tinha deixado as imagens gravadas. Então eu ia tocando o violão e contando a história da bossa nova, depois que eu tocava eu agradecia e falava: “Olha, vocês já estão agora dentro da bossa nova, já é o clima da bossa nova, estamos na década de 1960, com vocês...”, aí era o mais bacana: Tom Jobim, Baden Powell, Carlinhos Lyra, Carlinhos Vergueiro, todos, todos da bossa nova, cada noite era a apresentação de um. E algumas grandes surpresas, um dia que eu apresentei o Baden Powell eu quase tropecei para sair, porque eu saia de um lado eles entravam do outro, eu não encontrava com eles no palco, eu apresentava o pessoal, começava a aplaudir, eu saia e eles entravam, mas aí o Baden sentou lá, banquinho e violão e tocou uma música e falou: “Olha, eu queria chamar de novo ao palco esse rapaz Wellington Romano, por favor”, e eu nossa, voltei, “cadê o violão? Pega o violão”. Aí eu voltei, peguei um violão, puseram um banquinho, toquei com Baden, aquela coisa assim: o que é isso? Umas duas, três noites depois, já perto do encerramento, também mesma coisa, apresentei nesse dia diferente, um piano enorme de calda branca no palco, dividindo o palco comigo e a hora que eu terminei eu falei: “Com vocês Tom Jobim”, e sai do palco. Ele sentou no piano conforme eu estava saindo pela escadinha do lado, subiu a crooner dele e falou assim: “Fica aqui que o Tom quer falar com você”. Eu congelei ali na saída, ele subiu no palco, começou a tocar e falou: “Olha, eu vou chamar ao palco novamente Wellington”. Eu voltei e ele falou assim: “O que você canta, meu?”; “Acho que eu canto tudo, mas agora acho que nada”. Ele morreu de dar risada, falou: “Faz ‘Águas de março’ com a menina”. Pelo amor de Deus, faço! Aí eu acabei cantando, eu, ele e ela “Águas de março”, foi um negócio. Então diz que a gente tem três minutos, cinco minutos de sucesso na vida, eu tive vários minutos assim, principalmente nesse evento que foram os trinta anos. Esse ano agora, ano que vem, comemora os cinquenta, queria muito refazer isso, ia ser uma coisa maravilhosa mesmo sem o Tom, sem Baden, naquela época já sem o Vinicius, mas ainda tem o Toquinho, que [é] um cara que eu toquei com ele também no FICO [Festival Interno do Colégio Objetivo] que era o festival do colégio. Então tem uns momentos assim que deixam a gente achar que faz parte da história.
P/1 – E a sua esposa?
R – Ah, perdão! (risos) Então, eu montei o bar e fiquei com o bar três anos e meio, não dava mais trabalhar de dia e de noite, eu estava ficando maluco, eu falei: “Vou ter que vender esse bar”. E começou a abrir mais bares no segundo ano que eu já estava lá, forrava minha rua, ficava cheia de gente querendo entrar no bar, eu tinha que por segurança na porta, foi muito legal, as pessoas queriam entrar, festejavam: “Fiquei duas semanas para entrar, consegui entrar”. Como os outros começaram a sacar, começou a abrir bares em volta, abriu na frente, abriu do lado, começou a abrir um monte e no terceiro ano que eu estava lá já tinha uns vinte bares lá perto, foi uma coisa coqueluche, eu falei: “Ótimo, é o momento de vender”. Vendi, casei, casei não, eu conheci uma menina no meu bar, a Cris, ela começou a frequentar meu bar e eu via que ela fazia meu tipinho: ela era sossegada, estava ali à noite, mas porque queria ouvir música, ia sempre ela e uma prima, sempre reservadinha e tal. Gostei da ideia, a gente acabou namorando e fomos morar juntos. Quando a gente já estava junto há um ano, festejando nosso um ano juntos, ela engravidou, aí nasceu a Bruna, minha filha (choro). Amo demais minha filha! Então é um prazer ter a minha filha, muito bom, hoje ela está com treze anos e, com dez anos, a gente ia completar dez anos de casado, nove anos e não chegou a completar dez, eu me separei da Cris, somos amigos, temos esse presente que é a nossa filha que nos une. Depois fiquei uma temporada sozinho, até que quando eu voltei da Holanda eu conheci a Ni e a gente está junto já há dois anos. Minha filha passa parte do dia, parte da semana comigo, dois dias da semana é comigo, três dias com a mãe e a gente reveza os finais de semana, então tem a Bruninha, aí acho que a vida de casado se resume a isso. Estou agora com a Ni, feliz, acho que sem dúvida a melhor fase da minha vida. Eu sempre escutei falar que a vida começa aos quarenta e é impressionante que isso é um fato, isso é verdade, quando a gente chega aos quarenta a gente vê que já temos uma maturidade, uma visão de vida muito diferente, a gente tem outro embasamento, calma, a gente tem experiências e isso torna, se a gente usa isso como ferramentas boas e apropriadas, a vida se torna muito melhor. Então eu vivo acho que talvez o melhor momento da minha vida, trabalho com música, tenho a mulher que eu amo, tenho os meus amigos, minha filha, fundamental, ainda tenho os meus pais graças a Deus, meus irmãos todos são pais também, eu já sou tio e eu sempre achava que eu ia ser tio, que eu nunca ia casar, de fato eu nunca casei (risos), mas eu nunca pensei que eu fosse ser pai nem que um dia eu fosse estar casado, morando com alguém, então foram etapas que a gente vai vivendo. Hoje exerço essa minha profissão de uma forma plena, linda, adoro o meu trabalho, acho que tenho que dar sempre muito de mim com relação a isso, que às vezes representa através do meu choro (choro) que é a sensibilidade. Essa sensibilidade que eu uso muito e isso no meu trabalho, não me envolvendo, mas sentindo o que realmente é o melhor para cada paciente e explorando as minhas técnicas, estou realizado.
P/1 – Já que você já está fazendo uma avaliação da sua vida, a gente queria para o encerramento do depoimento que você falasse o que você achou de ter dado esse depoimento para o Museu da Pessoa.
R – Você sabe que quando eu vim para cá para fazer um trabalho de oficina de letras com o pessoal do Clube da Esquina, que é uma maravilha, uma delícia você estar ali diante dos seus ídolos e estar aprendendo, então assim acabei conhecendo o Museu. E surgiu essa oportunidade de fazer este trabalho aqui com vocês, nisso eu não gerei expectativa nenhuma, eu conheci as pessoas que formam aqui o Museu e acho que faltava conhecer você, mas eu fiquei impressionado com a estrutura, com a harmonia que existe aqui dentro do trabalho de vocês, com a preocupação com relação ao humano, sabe, eu fiquei impressionado com o trabalho realizado aqui dentro. Então eu não quis criar nenhuma expectativa, eu falei: “Eu vou aberto” e foi assim que eu sentei aqui pra gente começar a fazer a gravação, confiando naquilo que eu senti na estrutura do Museu. Então, um prazer, uma coisa gostosa que a gente sabe da seriedade, do esforço e a batalha, que depois eu acabei conversando com o pessoal e vendo a batalha para conseguir chegar num padrão, para que esse padrão hoje está aí no mundo, é uma coisa impressionante, e esse foco com relação ao objetivo de vocês, então para mim [é] mais do que um prazer estar podendo participar com um pouquinho também da minha história para toda essa história da humanidade, que eu acho que é uma coisa linda, uma proposta maravilhosa.
P/1 – Então a gente que agradece sua presença aqui! Obrigado você!
R – Obrigado vocês, obrigadão!
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