Vivi uma infância criativa e livre (a partir dos seis anos) em Jacarepaguá. Até o início dos anos 70, bairro mais afastado do centro e ainda rural do Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro. Morávamos minha mãe, meu segundo pai, minha irmã e eu numa casa simples, mas com quintal grande e muitas árvores frutíferas: carambola, jabuticaba, figo, mangas diversas, bananeiras, laranja lima, caju, amora, caqui, lima, goiaba branca e vermelha, mexerica, cajá, pitanga... naquele bairro tive contato com florestas de grande diversidade - belíssimas e frondosas árvores, entre as reservas biológicas da Tijuca e do Grajaú. Muitos passarinhos habitavam aquela região onde chove o ano inteiro – sanhaçu, sabiá, tiê sangue, tico-tico, tiziu, maria preta, bico de lacre, canário da terra, trinca ferro, coleirinho, curió, cardeal, bicudo, azulão, papa capim...
Meus tios que moravam ao norte do estado do Rio, eram entendidos no assunto e gostavam de colecionar pássaros de canto melodioso, com eles aprendi alguns segredos dessa arte de observar, conhecer e cuidar de passarinhos. Um amigo de meu pai no bairro trabalhava no Museu Nacional e certa vez em sua casa fiquei fascinado com uma corujinha que ele cuidava pra que se recuperasse de um acidente. Vivia solta pela casa e tinha status, como um bicho de estimação. Fomos um dia visita-lo em seu trabalho na Quinta da Boa Vista, o antigo palácio imperial que se tornou museu histórico e num grande salão ele abriu gavetas e mais gavetas para nos mostrar a imensa coleção de pássaros catalogados pelos biólogos da área de ciências naturais da instituição. Nessa ocasião fiquei muito impressionado também com imensa variedade das borboletas, cada uma mais colorida e linda do que a outra e também com a coleção das mariposas cuidadosamente conservadas, junto com o nome da espécie a que pertencia.
Anos depois, perto da adolescência, fui morar com meu pai e estudar em São Paulo, cidade grande com seus...
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Vivi uma infância criativa e livre (a partir dos seis anos) em Jacarepaguá. Até o início dos anos 70, bairro mais afastado do centro e ainda rural do Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro. Morávamos minha mãe, meu segundo pai, minha irmã e eu numa casa simples, mas com quintal grande e muitas árvores frutíferas: carambola, jabuticaba, figo, mangas diversas, bananeiras, laranja lima, caju, amora, caqui, lima, goiaba branca e vermelha, mexerica, cajá, pitanga... naquele bairro tive contato com florestas de grande diversidade - belíssimas e frondosas árvores, entre as reservas biológicas da Tijuca e do Grajaú. Muitos passarinhos habitavam aquela região onde chove o ano inteiro – sanhaçu, sabiá, tiê sangue, tico-tico, tiziu, maria preta, bico de lacre, canário da terra, trinca ferro, coleirinho, curió, cardeal, bicudo, azulão, papa capim...
Meus tios que moravam ao norte do estado do Rio, eram entendidos no assunto e gostavam de colecionar pássaros de canto melodioso, com eles aprendi alguns segredos dessa arte de observar, conhecer e cuidar de passarinhos. Um amigo de meu pai no bairro trabalhava no Museu Nacional e certa vez em sua casa fiquei fascinado com uma corujinha que ele cuidava pra que se recuperasse de um acidente. Vivia solta pela casa e tinha status, como um bicho de estimação. Fomos um dia visita-lo em seu trabalho na Quinta da Boa Vista, o antigo palácio imperial que se tornou museu histórico e num grande salão ele abriu gavetas e mais gavetas para nos mostrar a imensa coleção de pássaros catalogados pelos biólogos da área de ciências naturais da instituição. Nessa ocasião fiquei muito impressionado também com imensa variedade das borboletas, cada uma mais colorida e linda do que a outra e também com a coleção das mariposas cuidadosamente conservadas, junto com o nome da espécie a que pertencia.
Anos depois, perto da adolescência, fui morar com meu pai e estudar em São Paulo, cidade grande com seus tantos atrativos urbanos – bons colégios, cinema, teatro, moda jovem, festivais de música, museus e galerias de arte... me aprimorei culturalmente mas me distanciei desse mundo de tantos encantos, a Mata Atlântica então virou saudade. Sim, porque com o tempo e a distância dos anos pude reavaliar todo esse tempo de menino junto a uma região de tanta beleza, exuberância e riqueza de recursos naturais. Uma diversidade sempre ameaçada pela ambição devastadora, pela visão curta e equivocada dos homens do poder. Hoje sinto que posso agradecer ao merecimento de ter conhecido e vivido coisas atualmente tão raras no mundo pós-moderno, dentro desse importante e tão impactado bioma brasileiro. Uma infância que me ensinou a olhar com carinho pras árvores nativas, respeitar os animais e os seus habitats muito antes da palavra Ecologia ser usada e reconhecida, com toda urgência que teve a partir das mudanças climáticas, mais evidentes desde o início dos anos 90.
Aos vinte anos, em meados dos anos 70, minha turma de amigos já considerava o Rio um balneário decadente, foi quando me mudei pra Brasília - jovem desiludido com a vida complicada e estressante das grandes metrópoles. Estava em busca de outros horizontes. Tinha um sonho e algumas notícias do Planalto Central por primos que viviam aqui desde o início e sempre que os encontrava nas férias, falavam muito mal da cidade. Que Brasília era um tédio, não tinha nada... nada. Por volta desse tempo, acompanhava e curtia um periódico chamado Ordem do Universo, e logo ao chegar fui recebido por alguns amigos ligados ao mundo alternativo que o editavam. Eram pessoas ousadas de pensamento, críticas em relação aos descaminhos da sociedade capitalista, buscadores de um retorno aos valores filosóficos da natureza primordial, à prática de uma alimentação e vida saudável. Foram eles que me apresentaram às muitas belezas do Cerrado. As inúmeras e deslumbrantes cachoeiras do DF e do entorno. Os rios mais lindos de água muito clara e a presença do céu único, com seu vasto planisfério libertador. A vitalidade expressiva de suas árvores triunfantes, suas flores lindas e tão estranhas pra mim que vinha do litoral.
A partir daí fui sendo também seduzido pelo sonho candango e vivemos o grande desafio de semear e construir as bases de um movimento cultural na também jovem cidade, com suas instituições ainda sob o impacto do medo, do autoritarismo doentio e castrador gerado pelos anos de ditadura militar. Desde então aos poucos deitei raízes nessa terra rubro alaranjada, me dedicando a estudar, viajar pra conhecer melhor e documentar essa vasta região central do Brasil. Nos anos 80 e início da década seguinte me engajei no Movimento dos artistas pela Natureza, bravo contingente de ativistas - quando nos mobilizamos em algumas importantes campanhas nacionais de educação ambiental, reunindo pessoas que lutaram pela criação de parques nacionais, pelos direitos indígenas e a defesa e valorização do bioma Cerrado – o Berço das águas. Tema de um poema/cartaz criado e produzido por mim em 94 que ajudou a lançar no imaginário nacional essa ideia força. A mensagem que se tornou recorrente evidenciando a importância dessa região, origem de tantos rios brasileiros.
Fizemos inúmeras exposições expressando essas descobertas, participamos de ações de tomada de consciência que foram transformadoras. Com o tempo me tornei um membro dessa geração de pessoas que são, segundo alguns historiadores, os primeiros amantes do Cerrado. Assim nos chamava carinhosamente Paulo Bertran, autor de A história da Terra e do Homem no Planalto Central e do livro de poemas onde cunhou o termo Cerratense, um escritor e poeta nascido em Goiás, cidadão do mundo que com sua vasta obra literária desenvolveu o conceito de ecohistória e contribuiu definitivamente para o reconhecimento e a valorização dessa região core do Brasil.
É tempo de escolher os dirigentes; trinta anos depois [de estar] sem direito a voto direto, espera-se que a população brasileira já tenha aprendido a lição. Quem será merecedor desse voto de confiança? O Brasil está num momento propício pra nada menos que uma revolução. É tempo do gigante despertar, como se disse na rebelião das ruas. Fazer acontecer as mudanças reivindicadas nas manifestações de junho de 2013. Na educação e na cultura, na saúde pública, no turismo ecológico - na chamada economia criativa que pode ser um caminho viável para um crescimento mais equilibrado, e isso certamente se estenderá a todas as áreas. Não dá mais pra manter essa insanidade de desenvolvimento a qualquer custo porque as consequências estão aí – sem a floresta não há chuva, sem água não há vida. Não dá mais pra ser subserviente ao jogo perverso do grande capital, destruir seu precioso patrimônio natural pra servir aos interesses estrangeiros.
É triste ver toda a diversidade das nossas matas triunfantes, responsáveis pela qualidade do clima de continentes, serem derrubadas e queimadas pra se tornarem pasto. Um absurdo o cerrado com sua grande beleza, origem milenar dos povos ameríndios, perder nascentes e toda sua grande diversidade, destruído estupidamente no correntão pra plantar mais soja. Nós que apostamos no projeto da esquerda, votamos no Lula desde 89 querendo mudanças, pensamos que o Partido dos Trabalhadores chegando ao poder fosse encarar esse grande desafio da virada. Porque da natureza vem o alimento, a água que abastece e sacia a população, assim como toda a qualidade de vida e o sonho de continuidade para os que virão. Quem tem memória há de reconhecer que perdemos essa chance histórica. Consumidos em brigas internas, divisão de facções, contradições e alianças com aqueles que antes combatiam, pra se manter no poder. Vimos um enorme retrocesso em termos de consciência e legislação ambiental.
É inegável que tivemos sim alguns avanços no âmbito social. A distribuição de recursos melhorou e o poder de consumo da população aumentou significativamente. Falta uma reforma política que possa acabar com a corrupção e uma auditoria da dívida pública pra que a grande riqueza do Brasil apareça e possa chegar onde precisa. Falta um projeto de educação e cultura que oriente a juventude pra saber lidar com cuidado e sabedoria em relação as riquezas naturais desse país tão lindo e raro. A mais bela província do planeta, como dizia o professor Darcy Ribeiro. Queremos propostas ousadas para as próximas eleições, propostas e atitudes revolucionárias. Que vença quem tiver a melhor.
Romulo Andrade, artista visual e professor
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