PESSOAL Nome e nascimento Meu nome completo é Virmondes Honório do Carmo. Nasci no dia 13 de janeiro de 1952, em Araguari, no Estado de Minas Gerais. FAMÍLIA Pais Meu pai é João Pereira do Carmo, e minha mãe, Ana Honório do Carmo. Meu pai sempre viveu na área rural, trabalhando e...Continuar leitura
PESSOAL
Nome e nascimento
Meu nome completo é Virmondes Honório do Carmo. Nasci no dia 13 de janeiro de 1952, em Araguari,
no Estado de Minas Gerais.
FAMÍLIA Pais
Meu pai é João Pereira do Carmo, e
minha mãe, Ana Honório do Carmo. Meu pai sempre viveu na área rural, trabalhando em fazendas e atividades dessa natureza. No começo da vida do meu pai, como o pai dele tinha propriedades, os meus pais trabalhavam junto com a família na região dos municípios de Araguari e de Uberlândia. Mas depois que ele se casou com a minha mãe e quando eu tinha seis anos de idade, ele se mudou para o Estado de Goiás. Foi numa época em que, devido ao desenvolvimento da parte central do Brasil, pessoas começaram a migrar para os Estados de Goiás, Mato Grosso, e isso era uma espécie de desbravamento daquela região. Então, pessoas de Uberlândia compravam terras nessas regiões e levavam trabalhadores para serem meeiros - meeiro é um termo bastante conhecido, é uma pessoa que vai para aquelas terras e, com a ajuda do próprio dono da terra, ele faz plantações e, quando colhe, vai tudo para o fazendeiro, porque durante o plantio, durante todas as atividades ele acaba devendo uma série de insumos, de empréstimos e assim por diante e, quando colhe, ele acaba tendo que pagar tudo isso e, na verdade, a acumulação de riqueza acaba ficando mesmo para o dono da terra. Esse é um modelo que foi muito usado no Brasil inteiro, mas, na verdade, é uma forma de sobrevivência mesmo pelo trabalho nas terras. Na época, na verdade o meu pai não era proprietário, quem era proprietário era o pai dele. Eram proprietários de quantidade de terra muito pequena. Então, o pai dele acabou mudando pra cidade, se desfazendo desse patrimônio e ele continuou trabalhando no campo para continuar a vida dele. A vida dele era essa, era a capacidade que ele tinha na época para cuidar da família e dos filhos.
Minha mãe sempre trabalhou dentro da nossa casa, na educação dos filhos. Nessa atividade de meeiros, a mulher do meeiro era a provedora de toda a alimentação para os trabalhadores, de toda a organização da casa, porque o marido normalmente ficava no campo mesmo e, às vezes, distante da casa. Era ela que cuidava, então, de alimentar e de organizar os trabalhadores que trabalhavam nessas terras, nessa fazenda.
Avós Eu conheci todos os meus avós. O nome do meu avô paterno é Antônio Pereira do Carmo. É de uma família muito grande aqui na região, advinda de municípios perto de Uberlândia, Indianópolis, Araguari, da própria cidade de Uberlândia e Nova Ponte. É uma família bastante grande. A minha avó paterna era Maria Sudário do Carmo. O meu avô materno é Aureliano Medeiros que também tinha uma origem do campo. Ele veio da região de Araguari e a minha avó materna, que faleceu há poucos meses, também é da daquela região de Araguari. Todos tinham essa atividade na lavoura. A vida deles era ligada à atividade no campo.
Casa de infância Nasci em Araguari e morava na área rural do município. Da minha casa de infância - na época em que eu saí de lá tinha seis anos - eu tenho boas lembranças, tenho recordações muito importantes. Era uma casa bastante grande, eu imagino, porque eu era muito pequeno, então a minha referência era de uma casa muito grande. Em volta dela, tinham diversas plantações, árvores frutíferas e logo em baixo tinha um rio, o rio das Velhas, que a gente chama hoje rio Araguari. Então, o trajeto dessa casa para a cidade era feito por barco, de canoas, atravessando o rio. Eu me lembro bastante que eu tinha um vínculo com o meu pai: onde meu pai estava querendo ir eu estava querendo ir também. Ele lidava nessa época com animais, bois, vacas, cavalos, e eu me lembro também de um cachorro, isso marcou bastante, porque esse cachorro era meu amigo. Eu sou o primeiro filho da família, de quatro, eu tenho mais três irmãs, e eu me agarrava muito a esse cachorro. Brincava o tempo todo com esse cachorro e um dia esse cachorro morreu. Talvez por isso ele ficou muito presente. Ele se alimentava de sangue de animal - naquela época, nas fazendas, abatiam vacas para a alimentação da família, dos trabalhadores, então, acho que ele se alimentou muito de sangue e acabou morrendo dois dias depois. Isso me abalou muito na época, porque quando você não tem ainda muito discernimento, nessa idade, você acaba misturando um pouco os sentimentos, fica parecendo que você está perdendo uma pessoa da família. E é assim mesmo que era a vida. Eu tenho muito presentes as imagens desse cachorro, mas eu não consigo me lembrar mais do nome dele.
Primeira infância A minha educação me trouxe muito a idéia de me sentir responsável muito cedo. Eu tinha seis anos e já gostava de ir trabalhar com o meu pai, ir para as "lidas" dele do dia-a-dia, tratar dos animais, estar com ele no trabalho. Naquela época, a tração animal para fazer o preparo da terra era muito utilizada, desde bois, cavalos e assim por diante, e eu ficava muito perto disso. Dirigia os cavalos no plantio, experimentava, fazia as atividades de um adulto naqueles equipamentos daquela época - e levava tombos por ali, meu pai extremamente preocupado... Quando a família se mudou para Goiás, fomos todos nós. Bom, essa viagem parecia uma viagem mesmo, para você ter uma idéia, devem ser mais ou menos uns 250 quilômetros, mas era uma viagem de dois dias naquela época. É interessante ver como as coisas evoluem fantasticamente, não é? Porque era um caminhão cheio de mudança, mudança de quem mora numa fazenda, naquele contexto, de um trabalhador rural, era um caminhão cheio de algumas coisas, dentre elas, os animais, galinhas, porcos e coisas dessa natureza. De tal forma, que a gente saía desse lugar, vinha para Uberlândia, ficava aqui, passava uma noite, e depois seguia viagem. Tinha a questão do trajeto no Estado de Goiás, porque não existia asfalto naquela época, e acabava que isso era demorado e era muito sofrido. Era uma viagem longa, não sei se por falta de experiência anterior, falta de ter vivido outras viagens daquela natureza, mas para nós era uma grande viagem. Lá em Goiás, essa fazenda onde nos instalamos era uma boa fazenda para se morar. Eu tinha nessa época seis anos e a gente foi morar numa casa, de certa forma, melhor do que a anterior. Essa era uma sensação gostosa. Como na fazenda a família, no convívio diário, é você, seu pai, sua mãe, as suas irmãs e quem trabalha com você, então, nessa mudança você tinha perdas de relacionamento, as pessoas que ficavam, a família da minha mãe, do meu pai era toda dessa região aqui. A dimensão que significava você estar saindo de perto de Uberlândia para ir para Goiás é como se hoje a gente tivesse indo morar fora do país. As maiores cidades lá eram vilarejos. Eram cidades onde as pessoas estavam para explorar as oportunidades, para criar aquela região, criar cidades e coisas dessa ordem, dessa natureza.
Naquela época, o grupo de brincadeiras, o grupo de fazer as nossas artes era eu e minhas irmãs, porque ficávamos muito na fazenda e as casas são distantes umas das outras. Quando veio a escola isso melhorou bastante, porque começamos a fazer um relacionamento, começamos, nos lugares aonde íamos, a ter um jogo de futebol e assim por diante. Então, nessa época foi quando eu saí do meu seio familiar, vamos dizer assim, para ter outros relacionamentos com outras pessoas nesse tipo de diversão, de brincadeira, de fazer uma pelada com bolas de meias, com lobeiras, porque nas fazendas a gente não tinha muitos recursos. Lobeira é uma fruta que tem nas fazendas e que parece uma bola mesmo. É uma fruta grande, verde e, às vezes, fica mais murcha e aí usa-se para algumas brincadeiras. E bolas de meias... Em bolas de meias, nós éramos artistas. É aí que você começa a criar, porque as pessoas, na verdade, acabam sendo altamente criativas nas dificuldades, nos momentos que precisam criar alguma coisa que querem. Então, nós fazíamos bolas de meia que poderiam ser exportadas, não é? Eram de alta qualidade.
Irmãos Quando nasceram minhas irmãs, eu comecei muito cedo a já cuidar delas, porque o mais velho sempre é o que está ajudando a família a cuidar dos mais novos quando nascem. E eu me lembro também dessa atividade e que ela estava bem presente. Quando eu tinha seis anos, eu já me sentia um pouco ajudando a minha mãe a cuidar das minhas irmãs.
Casamento Eu me casei em 76. Estarei fazendo 25 anos de casamento, meu e da Vera, em 2001. Nós temos uma história de vida que considero muito bonita. Penso que essa construção foi uma coisa querida por nós, por mim e pela Vera. A minha mulher trabalhava junto comigo no Rotina, o escritório de contabilidade, já na primeira vez em que eu trabalhei lá. Ali, nós começamos a namorar e, quando eu fui para a Souza Cruz, nós nos casamos. Temos uma forma de relacionamento com a nossa família, minha e da Vera, muito especial. Eu poderia dizer que nós nos sentimos muito integrados como uma das forças importantes na condução das questões familiares das nossas famílias.
Filhos Com relação às nossas filhas - elas já estão, uma com 22 e a outra com 21 anos, a Flávia e a Fabiana -, não por nossa percepção, mas por percepção de outras pessoas que, de certa maneira, nos deixam engrandecidos e orgulhosos, tiveram uma educação muito especial por nós e pelas escolas pelas quais elas passaram - e aí é pai que está falando, então dá para compreender, não é? As duas já estão fazendo universidade, e eu penso que o maior patrimônio que nós vamos poder deixar aqui será exatamente o seguimento, é o que essas pessoas poderão estar levando daqui para frente. E a Flávia e a Fabiana têm essa responsabilidade. E eu tenho segurança de que elas estão preparadas para dar essa continuidade, para criar essa nova geração que nós estamos para ter. Eu me sinto sempre muito feliz porque nos diálogos que a gente tem, eu a Vera e as meninas, a gente percebe que com todos os problemas de uma família, que a gente percebe que acontecem, nós não somos famílias diferentes, também passamos por esses problemas. Mas talvez haja uma diferença: é que nós passamos juntos. E existe uma vontade de continuarmos juntos que a gente percebe em todos nós. A sensação que dá é que essa segurança que a gente tem de estar juntos transcende os problemas naturais da vida de cada um e das nossas vidas em comum.
EDUCAÇÃO Primeira escola
Naquela época, como as escolas eram distantes das cidades - você não tinha escolas nas fazendas -, a primeira vitória de quem tinha filhos e residia nessas regiões era ter uma escola naquela fazenda. Eu tinha vontade de estudar e toda a vida a minha mãe me apoiou um pouco nisso mais, talvez, até do que meu pai, pela compreensão que minha mãe tinha daquela vida... É mais ou menos assim: ela não queria que os filhos tivessem o mesmo caminho que os pais, que, no caso, meu pai percorria, na vida daqueles trabalhadores. Ela sempre se focava isso, na vontade de que a gente estudasse. Mas isso só ocorreu quando eu tinha nove anos de idade. Então, a idade que a gente inicia os estudos, normalmente, é seis, sete anos de idade - hoje até mais cedo - , mas o que era comum naquela época era sete anos de idade. E esse tempo eu comecei a perder com uma certa angústia, uma vontade de fazer alguma coisa diferente nesse sentido, mas ficava-se muito preso a isso. Era a realidade em que você estava inserido. Até que, quando eu tinha nove anos, uma das boas vitórias, vamos chamar assim, dos trabalhadores da época foi ter uma escola, mas uma escola superinteressante, porque lá estudávamos todo mundo junto, com a mesma professora. Então tinha o primeiro ano primário - naquela época se chamava assim -, segundo ano primário, terceiro ano primário, todos na mesma classe, com a mesma professora. Eu não sei como é que ela conseguia ensinar e também não sei como é que a gente conseguia aprender, mas era assim que funcionava. E eu fui feliz nisso: desde os primeiros tempos eu conseguia ter bom aproveitamento na escola.
Parece-me que o fato de eu ter três irmãs e eu me sentir meio que responsável por essas filhas do meu pai, eu achava que devia me sair bem na escola, que devia ajudar meu pai, ajudar minha mãe. Era uma coisa assim meio que bonita para mim naquela época. Eu me despontava nestas atividades escolares, só que tinha um ponto que era que quando eu terminasse o terceiro ano, eu não tinha seguimento, porque só ia até o terceiro ano. Essa minha primeira professora se tornou minha madrinha - na fazenda, é assim, a professora é sua madrinha, é comadre da sua mãe, ou seja, é um relacionamento muito familiar - e quando chegou no terceiro ano, ela não achava que eu devesse parar de estudar também. E minha mãe dialogava com ela, meu pai e tal, mas não tinha outra alternativa. Meu pai naquela época não tinha a menor condição de me sustentar para estudar fora daquela fazenda. Então, eu tinha terminado o terceiro ano primário mas aí eu quis repetir o ano. Eu fui um dos melhores alunos, minhas notas eram excelentes, mas como eu não queria parar de estudar, portanto, eu comecei de novo o terceiro ano primário. Isso me gerava uma frustração, porque estava vendo exatamente o mesmo material escolar, as mesmas dificuldades, os mesmos desafios repetidos. Então, eu fiquei seis meses fazendo isso num primeiro semestre. Isso parece que gerou na minha família uma aceitação de que eu teria que sair de lá, porque eles percebiam que eu tinha bastante vontade de não parar ali.
Nessa época, a minha família que morava em Uberlândia tinha melhor condição financeira do que o meu pai e a minha mãe. Os meus avós moravam aqui em Uberlândia. Aí, eles começaram a fazer uma boa negociação para que eu me movesse daquele local para estudar aqui. Isso aconteceu do primeiro para o segundo semestre, no término do primeiro semestre. Então, eu vim de volta para Uberlândia em 1964 para morar com os meus avós paternos. Naquela época, para você sair de casa nessa idade, para morar com outra família, embora fosse avó, avô e parentes com quem você está morando, é uma experiência bastante diferente. Na minha visão, não é uma experiência muito confortável para essa idade, até porque mudanças são assim mesmo, as mudanças que ocorrem na vida da gente, por natureza, você acaba saindo do conforto e tendo que enfrentar essas novas realidades. Mas eu vim para cá e fui estudar num colégio muito interessante, que era o Colégio Cristo Rei.
Formação educacional Cristo Rei era um colégio de padres que tinha em Uberlândia, um colégio salesiano e de uma elevada qualidade. Eu tinha um aprendizagem na fazenda e muitos achavam que aqui eu teria que dar uma retomada, porque o ensino lá não corresponderia. "Quem sabe o terceiro ano lá, corresponda ao segundo aqui?" Eu tinha uma preocupação dessa ordem. Mas, chegando aqui, fiz uma prova e admitiu-se que eu já entrasse aqui no quarto ano, inversamente ao que a gente tinha como expectativa. Então, ao entrar no quarto ano, aí eu fiquei com grande dificuldade, porque pelas notas - que eu tinha o costume de estar na ponta - eu acabei indo para posições mais ou menos como as do Barrichelo hoje. E acabou que, no final do período de seis meses, do segundo semestre, fiz a admissão. Admissão era um curso ou uma prova que as pessoas faziam para passar para o ginásio, para a primeira série ginasial. E eu, então, fui embora para a fazenda, nas férias. Ficava louco para chegar as férias porque aí eu voltava para casa. E não tomamos conta de que tinha um curso durante as férias de preparação para esse exame de admissão. Eu fui para casa e quando a gente voltou para fazer matrícula as pessoas perguntaram porque eu não tinha vindo nesse curso de admissão. "E eu sabia lá o que era admissão?" Eu não tinha muita idéia disso na época, mas acabou que o colégio me permitiu fazer o exame sem ter participado do curso. E eu acabei passando nesse exame, para o ginásio. Então, foi interessante porque isso para mim, na época, tinha um significado muito importante. Mas para a minha família ficou um significado de uma alta relevância, porque eles me viam sem as mesmas condições dos outros, competindo com as pessoas que estavam aqui, que estudaram e assim por diante, e eu acabei ingressando no curso ginasial nesse colégio, o Cristo Rei. Era um colégio de nível muito bom e aí eu comecei a me desenvolver, aprender a viver na cidade, a trabalhar na cidade e assim por diante.
Professores
O que é interessante na vida é que você marca o que é muito bom e o que é muito ruim. Então, o que fica na média, a tendência é não ficar com isso muito presente na memória. Eu tinha uma professora de português no ginásio que era muito interessante e me ajudava muito, porque, com a minha vinda da fazenda e a dificuldade toda de notas no começo do ginásio, eu só avançava se tivesse ajuda mesmo dos professores, de uma forma um pouco diferenciada dos demais alunos. Porque as dúvidas que eu tinha eu não podia tirar todas elas durante a aula, então, no término da aula, eu ficava sempre junto com o professor, sempre perguntando. E aí eu fazia todas as minhas anotações, ela tinha paciência, às vezes, de sentar ali por dez, quinze minutos, explicar uma matéria do dia que eu não tinha entendido, então nisso, essa professora - ela tinha o nome de Aparecida - me ajudou bastante. Mas tinha um outro, o padre João, ele era o disciplinador da turma, eu ficava com pena dos caras que estavam sofrendo as agressões desse padre, não pelo ele que fazia comigo, mas pelo fazia com eles. Ele sempre tinha um pedaço de porrete na mão e num tom de brincadeira - porque os padres usavam muito essa metodologia - ele sempre te castigava de uma maneira brincalhona, mas era castigo mesmo. Ele dava porretada em muitas crianças daquela época, a ponto de marcar nelas as "brincadeiras" que ele fazia, que na verdade não eram brincadeiras. Com o aluno que estivesse bagunçando, jogando papel um no outro, ou que não parava de conversar nas aulas, ele era extremamente rigoroso. E era ele quem coordenava todos dias de manhã a nossa missa, porque no colégio de padres, uma das atividades, eu diria, muito importantes na minha vida, era essa missa todos os santos dias. Era um ritual porque todos os alunos tinham mangas compridas, você não podia estar com as mangas dobradas, não podia estar com a camisa aberta, era uma verdadeira disciplina. Como não podia chegar atrasado para esta atividade, então, você estava ali religiosamente todo o santo dia no início do dia. Isso era muito importante para mim e talvez até com um significado um pouco diferente do que para as outras pessoas, porque era nesse momento que eu acabava colocando as idéias em ordem. Então, eu achava importante aquele ritual.
Isso durou dois anos mais ou menos. E acho que foi suficiente para deixar uma vida religiosa, porque, quem sabe, foi a época de maior prática religiosa que eu tive. Porque eram todos os dias, e eram ensinamentos importantes, com coisas extremamente sérias e que realmente geravam esse equilíbrio de ausências, de dificuldades, de diferenças. Porque quando você sai de um meio e vai para outro, você consegue ter pessoas, amigos, parentes que compreendem isso e acabam se engajando no sentido de conduzir juntos as mudanças, mas tem outras pessoas que se posicionam de uma maneira extremamente crítica, e você, dada a forma de educação, às vezes não está preparado para entendê-las, compreender essas críticas, essas brincadeiras e tal. Então, é mais ou menos uma pessoa meio perdida nesse ambiente. Esse colégio pra mim, então, teve esse significado de, vamos chamar assim, aprender sobre esse ambiente, compreender como é que era viver nesse novo ambiente, nessa nova classe e assim por diante.
Vocação
No final do ginásio, eu, na verdade, não tinha muita clareza sobre alguma vocação. A quantidade de pessoas educadas naquela época com quem você podia conviver e até ter como referência era muito pouca. Na nossa família, a quantidade de pessoas que estudavam, que se formavam, que seguiam uma carreira profissional era muito pequena. Você não tinha grandes referências e não tinha como aprender muito isso. Uma coisa que eu tinha certeza é que eu precisava trabalhar. E até um pouco sem olhar a minha vontade, a minha vocação, eu ficava procurando formas: "Como é que eu posso me preparar para ganhar dinheiro mais cedo?" Talvez essa tenha sido uma das formas de eu me encaminhar na minha formação escolar. Nessa época, a gente não tinha muita condição de pagar colégio, e o Cristo Rei era um colégio caro. Então, eu tive que mudar de colégio. E comecei a mudar muito de colégio - eu cheguei a estudar, acho que um ano, no Liceu. Eu estive em Araguari morando um ano lá, num outro colégio, Colégio Comercial. Depois, eu fui para um outro, que se chamava Colégio Guarani.
Eram colégios bons, não eram ruins, mas não eram do nível que a gente tinha no Cristo Rei. Mas eu já tinha uma idéia - ligada àquela questão do cara que trabalhava em banco, àquela visão que eu tinha. Acabei pensando que se fizesse o técnico em contabilidade eu seria um profissional preparado mais cedo. Porque era um dos cursos técnicos que poderia fazer e que poderia me trazer alguma coisa mais veloz, mais rápida nesse campo de trabalho. Acho que talvez pela imagem que eu criava do bancário. Foi o primeiro curso que fiz depois do ginásio. Eu ingressei no colégio José Ignacio, que é um colégio bom em Uberlândia até hoje, é claro que um pouco diferente na sua administração e tudo, mas um colégio de curso técnico em contabilidade, que tinha diversos cursos e um dos cursos importantes que ele tinha era esse.
CORPORATIVO Primeiro emprego
O meu primeiro emprego era num armazém. Armazém daquela época era uma loja que vendia de tudo. E como aqui a região requeria muitos alimentos para as pessoas levarem para as fazendas, na própria comunidade daqui, o primeiro emprego em armazém é o de entregador de mercadorias, porque já naquela época, já tinha um bom serviço de entrega. Os armazéns, principalmente os que tinham aqueles clientes que compravam em maior quantidade, não tinham como levar - a maioria deles não tinha veículos, não tinha carros. Então, você fazia a compra, tinha a caderneta, que eles usavam muito na época, então, você anotava aquele negócio todo ali e preparava essas compras e aí fazia a entrega. O entregador de armazém, com a bicicleta de carga na frente, quando ia fazer entregas em superfícies planas da cidade, era tranqüilo. Porém, quando tinha uma subida, tinha que empurrar a bicicleta, porque você não consegue pedalar a bicicleta com aquele peso. Mas quando era na descida às vezes você também tinha que descer da bicicleta, dado o risco que é aquela carga na parte dianteira dela. Antigamente, tinham umas bicicletas que a gente chamava bicicleta cargueira - tinha uma grade na frente da roda dianteira. Então, a roda dianteira dela era uma roda pequena, menor do que essa atual, e tinha ali uma boa grade de metal onde você colocava as mercadorias. Mas se você fosse leve - e nessa época eu era leve - e se você não tivesse cuidado, quando estivesse descendo, a carga era mais pesada que você. Então, ela fazia esse movimento e derrubava você junto com a mercadoria. Então, era um cuidado muito forte que você tinha que ter nesse trajeto.
Felizmente, independente da situação que a gente tinha na época de recursos financeiros e tudo, a prioridade para mim era estudar. Então, eu não ficava mais tarde no trabalho por causa da escola - eu estudava de manhã e trabalhava à tarde. Sempre fui muito dedicado nessa questão de estudar, porque aquilo tinha um significado, talvez, um pouco diferente do que tinha para grande parte das pessoas que estudavam junto comigo. Muitos tinham possibilidade de estudar de novo, de estudar mais tarde, os pais tinham e davam todo o conforto, moravam em Uberlândia mesmo, então, era bastante diferente. A minha primeira atividade, então, era estudar. Independente disso, eu acho que criei muitos amigos naquela época e tinha um bom desempenho.
Casa de carnes Na verdade, eu passei por esse armazém por um tempo, depois fui trabalhar em casas de carne, em açougues - naquela época eram açougues. Tinha um tio meu que tinha uma casa de carnes, e eu acabei indo trabalhar com ele por um tempo. Eu entregava as carnes nas residências e acabava que depois do expediente eu ia aprender como é que se trabalhava dentro do açougue. Acabei aprendendo e trabalhei por uns anos. Daí, eu me mudei para Araguari, porque aí meu pai, nessa época, saía de Goiás e vinha morar em Minas, numa outra fazenda aqui perto de Araguari. Então, morar em Araguari era mais perto. Acabei indo para lá, morei o ano de 67, e trabalhei nessa outra casa de carnes. Depois disso, em 68, aí meu pai mudou para a cidade e veio para Uberlândia. E foi o reencontro da família depois de tanto tempo, de 64 a 68, 69 mais ou menos, 70, eu não sei. Foi aí que meu pai voltou da fazenda e veio morar aqui em Uberlândia.
Pintura de carros Nessa época, eu já estava trabalhando, as datas hoje não me parecem muito claras, mas depois de trabalhar em Araguari, eu vim para Uberlândia, aí já junto com a minha família e, vivi, talvez, a experiência profissional mais sofrida que eu tive, porque, não sei se você conhece o que é ser auxiliar de pintor de carros. Hoje não, porque tem tecnologia, tem equipamentos, ferramentas, que ajudam muito nessa preparação. Mas o auxiliar de pintor de carros naquela época... Primeiro, eram carros muito velhos. "Imagine uma cidadezinha diferente, pequena, onde tinha terra, os carros giravam muito pelas fazendas...". Então, quando se chegava a pintar um carro, era porque ele realmente estava muito ruim. Mas a tarefa principal do auxiliar de pintor é limpar o carro, as peças que vão ser preparadas. Você lixa cada peça e o pintor vem e aplica os materiais e você de novo vai lixar. Então, as mãos do auxiliar de pintor acabam. A mão, a pele, os braços, porque você está o tempo todo lidando com essa atividade muito suja, vamos chamar assim, e muito danosa para a pele. Então, era difícil porque todos os dias eu tinha que dar um jeito nas mãos, de limpar as mãos, para ir para a escola, porque enquanto você está no ambiente da oficina, está tudo dentro do contexto. Mas quando você vai para a aula à noite, noutro ambiente, aí fica mais complicado. E aí eu feria mais ainda as mãos porque, ao limpar aos mãos com produtos - e aí tinha que ser produto químico para fazer a limpeza -, acabava danificando mais ainda a pele.
Então, essa foi uma fase, eu diria: "Ainda bem que graças a Deus foi muito pouco tempo", mas foi de grande aprendizagem. Por que aprendizagem? O ambiente dessas oficinas, o nível social e de escolaridade é muito baixo, de maneira geral. Hoje, já mudou muito esse perfil, mas naquela época era muito baixo. Então, eu aprendia palavras, termos e coisas dessa natureza. Na verdade, você aprende o que não deve ser aprendido. E isso estava refletindo muito dentro da minha família, dentro da minha casa, porque eles percebiam que essa era uma linguagem, uma forma de tratamento que não era uma forma muito legal. Então, logo a gente conseguiu ter uma outra atividade.
Material de construção E fui trabalhar numa casa de material de construção. Depois de ter passado por outros açougues e tal, eu acabei parando no material de construção como vendedor. Tinha uma família aqui em Uberlândia - um dos donos era tio do meu pai - e fui trabalhar com eles por um tempo, e isso já me deu a possibilidade de estudar, em uma forma mais adequada. Daí, eu fui servir o Exército e, ao mesmo tempo, estava me formando na área de contabilidade. Aí, parece-me, que eu comecei a ter um certo domínio da situação, me senti mais seguro, já podia tomar algumas decisões, escolher o emprego. Já poderia ver o que era melhor ou pior. Então, eu já me sentia mais preparado para estar vendo aquelas questões.
Banco
Era um técnico em contabilidade e a busca era pela entrada no mercado. Mas é interessante essa questão do sonho, que a gente começou a falar lá no princípio, eu acabei indo trabalhar em banco. Quando eu saí do Exército e voltei para o mesmo trabalho, comecei me sentindo... agora já formado, queria ter outras oportunidades. Acabou que eu fui trabalhar em um banco. Mas trabalhar naquele banco foi um sofrimento. Aí, de repente, mudou toda a minha concepção do próprio sonho, não é? Porque o banco, embora passasse aquela imagem muito bonita, as pessoas, primeiro, trabalhavam desordenadamente com relação à vida delas e aos horários delas. Por exemplo, se eu fosse continuar em bancos eu tinha que parar de estudar. E era uma coisa que não passava pela minha cabeça. Então, eu entrei em banco, fui promovido rapidamente a uma área - e eu gostava muito das pessoas que lá trabalhavam, fiz bons amigos naquela época -, mas o que ocorria era que, depois que o banco fechava, é que começava o trabalho duro. Isso eu não sabia. E isso colidia com as minhas aulas.
Eu trabalhava numa área de descontos de títulos, empréstimos para clientes, então, durante o dia, atendia clientes e, durante a noite, ia processar todos os títulos que acabou emprestando naquele dia. E, então, tinha que datilografar. Por exemplo, naquela época você emprestava por 24 meses, por 12 meses, por 6 meses e, no final do dia, tinha que datilografar os 24 títulos de um, 12 títulos de outro, 6 títulos de outro. E ia embora só quando terminava e no dia seguinte tinha que fazer tudo aquilo de novo. Aí, tinha que somar todo aquele movimento do dia, tinha que fechar todos os balancetes do dia, e tinha dia que era meia noite e eu estava ainda no banco, fechando tudo isso. Então, o que eu fazia? Eu deixava a atividade, ia para a escola, saía da escola e ia para o banco. Eu acho que eu trabalhei em torno de 10 meses e, felizmente, eu tinha um cliente no banco, que achava que eu trabalhava bem, e me convidou para trabalhar na empresa dele, que era uma cervejaria. Aí, eu aprendi a beber cerveja. Foi uma das boas coisas que me aconteceram também.
Distribuidora de bebidas Era a distribuidora Skol. Nessa época, a Skol estava, na verdade, começando o mercado da região aqui. Isso foi mais ou menos em 1972 ou 73.
Eu era uma espécie de encarregado desse depósito, fazia a distribuição de cargas pelos caminhões e todo o controle financeiro dessa distribuidora. Tinha um gerente e depois era eu que era o segundo responsável pela movimentação com os caminhões. E eu acabei fazendo muitas amizades com os caminhoneiros, com os motoristas. A gente fazia uma boa turma de trabalho, um bom time, e eu começava a me organizar, porque eu estava na escola aprendendo, eu tinha terminado contabilidade e comecei a querer me organizar e pôr em prática aquilo que eu tinha aprendido, não é? O interessante é que essa distribuidora era cliente de um escritório de contabilidade. E, como o escritório recebia todo o material que eu preparava para ele, ele acabou gostando do meu trabalho, porque ele percebia que, das empresas, o que vinha mais organizado, já dentro de um padrão, quase que pronto para ser contabilizado, era daquele depósito. E aí eu acabei indo trabalhar nesse escritório de contabilidade. Isso foi quando eu estava servindo o Exército, terminando o curso técnico e prestando vestibular para a área de economia. Até porque, nessa época, os sonhos vão mudando e quando eu via os economistas falando, eu já falava: "Pô, mas esse cara entende para caramba do contexto econômico e tal". E isso me atraía um pouco.
Serviço militar Então, acabei prestando vestibular para economia - e também era uma das únicas universidades que tinha na época, aqui em Uberlândia. Era uma escola particular e eu acabei ingressando. Fiz o vestibular quando ainda estava no servindo o Exército. A questão do Exército foi uma experiência interessante, acho que valeria a pena eu te falar dela. Porque, teoricamente, as pessoas, pelas circunstâncias, que realmente são difíceis, sempre diziam o seguinte: "Vai para o Exército e não consegue estudar". E eu lutei bastante para não servir o Exército porque eu era o único filho homem e, realmente, eu ajudava a minha família. Sempre ajudei a minha família na questão econômica, depois que comecei a ganhar dinheiro. Teve uma época que o que eu ganhava era para pagar o armazém. Então, eu tinha que negociar com a minha família se dava para eu pegar alguma coisa para eu gastar. Era mais ou menos esse contexto. E eu indo para o Exército iria trazer uma conseqüência para essa situação econômica da minha família.
Andei atrás de pessoas amigas, de sargentos que eram amigos da família e assim por diante e não tive saída, acabei indo para o Exército. Depois que eu fui para lá, que comecei a me adaptar à situação, já tinha tido substituto na empresa onde eu trabalhava. Em uma semana que eu estava lá dentro eles me chamaram e disseram: "Olha, se você quiser sair agora, você pode". Eu não quis mais sair e falei: "Não, agora eu acho que o meu espírito já está voltado para fazer o Exército".E de novo, eu falei: "Agora eu vou ser militar, já que estou aqui dentro, eu quero ser militar".E andei me preparando para cursos de militares, de sargentos e tal, mas os exames eram só bem depois. Mas aí apareceu o curso de cabo. Eu falei: "É por aqui mesmo, se essa é a primeira oportunidade, vamos lá".E o que ocorreu é que foi um achado para mim, porque no curso de cabo, não é que eu tinha privilégios, mas eu tinha mais contato com os comandantes, com o major, que era da minha área, e eu acabei indo trabalhar numa área de planejamento do Exército, de manobras, de atividades, era uma atividade meio que de escritório mesmo.
Eu era um datilógrafo muito bom e era uma das características necessárias para trabalhar naquela área de planejamento, porque você tinha que datilografar todos os mapas, todas as turmas, organizar todo o itinerário, controle de mapas e veículos e tal. Eu fui trabalhar com um major e ele acabou me conhecendo, porque ele me dava abertura para falar algumas coisas para ele dos meus sonhos, dos meus desejos, das minhas dificuldades, e ele me permitia estudar. Isso foi fantástico, porque aí eu comecei a sair da escala do trabalho à noite, pegava mais guarda no final de semana, conseguia ter essa ajuda das pessoas. Então, sábado e domingo, eu estava de guarda, mas durante a semana eu estava trabalhando na escola. Então, isso foi acontecendo de uma forma muito interessante e eu fui fazer esse curso de cabo. E esse curso me ensinou muito o quanto a vida tem um significado muito especial para a gente. Porque a gente fazia muitos testes de sobrevivência, e o cabo, na guerra, é o que está na linha de frente, é o mais bem preparado no aspecto operacional de uma ação militar. Então, fisicamente, por exemplo, você aprende treinamento de tiro, de localização geográfica de coisas, a lidar com distâncias, a lidar com bússolas. Então, foi um aprendizado interessante, fora a questão de te soltarem em um lugar e você ter que se alimentar do que tem na natureza. Testes de sobrevivência que a gente faz assim gera uma aprendizagem e, de outro lado, mexem muito com o lado do companheirismo. Claro que lá você encontra de tudo. E é assim mesmo, em qualquer lugar da vida. Mas lá você encontra muitos bons companheiros e esta é uma marca que fica. Hoje, depois de 20, 30 anos, se você encontra uma pessoa que serviu o Exército junto com você, você acaba retornando aos assuntos que discutia e se falava naquela época, às experiências conjuntas que tivemos e assim por diante. Então, eu acho que valeu por isso. Mas a carreira militar ficou por aí porque, antes de terminar o tempo, eu acabei arrumando serviço no tal banco, que eu estava te falando.
Ao voltar do Exército, tinha já passado no vestibular para economia, e eu consegui, com esse major, sair do Exército antes de cumprir todo tempo, porque eu já tinha arrumado emprego fora. Aí já ficou mais fácil, minha família já morava aqui, minhas irmãs já trabalhavam, a maioria delas em casas de família, para ajudar as famílias - a gente chama hoje de doméstica a pessoa que ajuda no lar. Tinham umas pessoas amigas que acabaram convidando minhas irmãs para trabalhar com elas. E a minha mãe é uma pessoa extremamente ativa, não tem muitas dificuldades com ela, e ela começou a vender coisas para ajudar na renda familiar, começou a viajar vendendo roupas, para ajudar nessa renda, porque nessa época da minha vida a gente estava com dificuldades enquanto eu estava no Exército. Depois, não. Depois que eu saí do Exército e ela continuou porque ela gosta muito de atividades dessa natureza, trabalha até hoje. Aí, eu fui trabalhar no Banco Português, e a coisa começou a ter um certo controle. Mas, então, retomando a questão profissional, eu saí do Banco Português, fui para a cervejaria e depois eu fui parar no escritório de contabilidade.
Souza Cruz Antes da CTBC, eu trabalhei nesse escritório de
contabilidade, depois eu fui trabalhar na Souza Cruz. Antes de construir essa fábrica aqui em Uberlândia, a Souza Cruz fez uma seleção de profissionais e levou para fora para serem treinados para que, quando montassem a fábrica, já tivessem aqui profissionais treinados. Isso foi uma primeira turma. Na segunda turma em que a fábrica já estava em construção, quase em operação, eles recrutaram um novo grupo de supervisores, que eles chamavam de produção. Supervisor de produção é um profissional que cuida lá de 100 pessoas para trabalhar nos equipamentos de produção, nas máquinas de produção de cigarros. Então, eu fui nesse segundo grupo, ser preparado para trabalhar na fábrica. Eu estava nessa empresa de administração de imóveis, já era um gerente administrativo e saí para trabalhar na Souza Cruz. Eu fiquei na Souza Cruz por cinco anos - um deles eu fiquei em Belo Horizonte, que foi a minha formação na fábrica de lá. Era o tempo todo treinando toda a fabricação do produto. Voltei para cá e fui desligado da Souza Cruz - essa foi a minha experiência de ser desligado de uma companhia. Na Souza Cruz, eu tive uma ascensão extremamente rápida. Para você ter uma idéia de comparação, para ser um supervisor sênior de manufatura, que era o cargo que eu saí, levava em média de 10 a 15 anos de empresa. Eu, do terceiro para o quarto ano, já era supervisor de manufatura da maior fábrica da Souza Cruz. Mas nós tivemos uma crise muito forte na Souza Cruz de 1979 para 80. E aí nós trabalhamos num projeto de reestruturação. No Brasil, desligamos na época em torno de 1.300 executivos da companhia no Brasil inteiro. E, na hora em que você passa por isso, não tem espaço mesmo, porque em todas as empresas, em todas as unidades, estavam desligando pessoas. E eu fiquei num grupo para ser mandado embora depois, tentando achar outras alternativas dentro da companhia, mas não teve jeito e aí eu fui desligado em 1980.
Escritório Rotina Nessa época, voltei para o escritório de contabilidade Rotina, porque, quando eu saí da Souza Cruz, meu ex-chefe me convidou de volta para a empresa. Depois disso, fiquei lá dois anos ainda. Então, em 1982, eu tive que fazer uma reestruturação na Rotina porque a gente tinha um quadro muito grande de pessoal, ou seja, nós estávamos em prejuízo nessa época. É interessante porque aí vem uma questão que me ensinou muito sobre a questão de valores. Nós tínhamos uma situação nessa empresa que era o seguinte: tínhamos que desligar pessoal, e, além disso, não podíamos fazer os reajustes salariais da época, porque a época era de inflação semestral. Acumulava e, de seis em seis meses, você repunha a inflação para os trabalhadores. E nós não tínhamos como repor essa inflação acumulada de seis meses, que dava mais ou menos, sei lá, uns 40, 50 %, e nós negociamos que não poderíamos ter aquele aumento. Com isso, traçamos todo um plano estratégico de mudança, porque a gente considerava que ia perder muitas pessoas. Começamos a selecionar, recrutar, treinar pessoas para substituir aqueles que a gente fosse perder, porque a empresa estava extremamente enxuta. Começaram a aparecer oportunidades para diversas pessoas da nossa equipe, e o dono da empresa disse: "Olha, eu vou aumentar o teu salário, embora você não esteja de acordo em aumentar o de todo o mundo, mas o seu eu acho que eu tenho que aumentar".Eu falei: "Eu não posso ter aumento, porque senão eu vou ser incoerente com a minha equipe na decisão que nós tomamos".E, então, com o meu salário defasado, eu tive uma proposta de uma pessoa.
Ingresso na CTBC Aqui talvez caiba um agradecimento muito especial às pessoas que me ajudaram em toda a minha vida. Eu era colega de uma pessoa de universidade, já tinha me formado em economia em 75, mudei de Uberlândia, fiquei um ano e meio fora e quando voltei, eu voltei a estudar de novo. Fui fazer administração e contábeis, na Universidade Federal. E eu tinha uma colega de universidade com quem fazia trabalhos juntos, e o nosso grupo era um grupo muito legal, muito animado, muito bom. O marido dela trabalhava na CTBC. Eles são meus amigos até hoje. É o Dácio Junqueira de Oliveira, uma pessoa muito especial na minha vida por causa desse fato e, naturalmente, pela nossa convivência. A esposa dele, num comentário à noite, na casa deles, disse que ele estava precisando de uma pessoa para trabalhar na CTBC. E perguntou para ela se ela não conhecia alguém. Ela falou: "Eu conheço uma pessoa e é a pessoa que você está descrevendo que precisa. Ele é colega meu de classe, trabalha na Rotina, e eu acho que ele não está satisfeito lá". Então foi quando ele me fez um convite para ir para a CTBC. Mas o salário que ele queria me pagar era igual ao que eu estava ganhando. Eu falei: "Bom, então, não faz sentido eu sair com o mesmo salário".Mas, passado um tempo, com essa defasagem salarial que tivemos na Rotina, meu salário ficou abaixo do que eu estaria ganhando no mercado, porque a CTBC tinha feito as reposições da época. Dava uma diferença significativa. E ele voltou a me convidar. Foi aí então que comecei, em abril de 1982.
Mas o que é interessante é que quando tomei a decisão de vir trabalhar na CTBC e eu voltei para a minha empresa - no caso era a Rotina, e já era a segunda vez que eu trabalhava nessa empresa -, o dono da empresa, que hoje é um grande amigo nosso, não queria que eu fosse. Ele falou: "Não, porque você não está sabendo, mas eu estou planejando que você seja sócio da nossa empresa, você não vai sair. E a questão de remuneração já está resolvida: você vai ganhar muito mais do que você ganha hoje, mais do que a proposta da CTBC". Eu falei: "Mas só tem uma coisa, eu já decidi que vou, e já falei para pessoa lá que eu vou começar daqui a 30 dias. Eu não posso chegar lá hoje e dizer que, por uma circunstância qualquer, eu não vou assumir a responsabilidade, ou seja, que eu não vou cumprir com a decisão que eu tomei lá junto com ele".E isso foi de certa forma uma mudança de trajetória na minha vida, porque quem sabe eu pudesse estar em outra atividade hoje? Poderia ser tudo diferente, mas eu acabei vindo para a CTBC nessas circunstâncias. E ele sempre me diz assim: "Quando você estiver sem o que fazer, você pode vir para cá de volta". Temos um relacionamento muito bonito nesse sentido, minha esposa também trabalhou lá nessa empresa por muitos anos, foi a primeira empregada dessa empresa, eles têm e nós temos um carinho muito especial uns com os outros.
CTBC Ambiente de trabalho
É importante compreender a CTBC. Ela é um fenômeno na nossa história de Uberlândia. E esse fenômeno não é muito explicável. Não tem como explicar. As pessoas uberlandenses, muitos deles, que no passado nasciam querendo ser empregados do Banco do Brasil, muitos deles nascem querendo trabalhar na CTBC. E olha que nós tivemos na CTBC uma história que não foi muito fácil, ou seja, houve muito trabalho, houve muitas dificuldades. As pessoas que por aqui já passaram com certeza já falaram delas, as crises que tiveram que superar. Mas ela tem isso na comunidade, na sociedade: é uma espécie de empresa que as pessoas, antes de estar dentro dela, se sentem com extremo interesse e muita vontade de estar trabalhando nela. Eu não conhecia muito a CTBC naquela época. Estava trabalhando na Souza Cruz, e, por ser uma planta de fábrica fora do centro urbano, você não acompanha muito bem a evolução da própria cidade. É interessante isso, parece que não afeta, mas tinha uma fase que eu estava trabalhando na Souza Cruz e fazendo o curso de administração, não é? E como eu tinha a universidade e trabalhava às vezes à noite na Souza Cruz, por determinados períodos, então eu trabalhava a noite inteira, estudava de manhã na Universidade, dormia do almoço até as sete da noite, depois ia para a Universidade às sete da noite, saía da universidade ia para o trabalho, saía do trabalho ia para Universidade e dormia durante o dia. Então, isso me isolou um pouco do próprio contexto da comunidade de Uberlândia. Você fica meio que isolado.
Eu não tinha muito conhecimento dessa empresa, não tinha conhecimento da família, porque antigamente a CTBC se confundia muito com a família do Sr. Alexandrino, com a família Garcia. Foi então com esses primeiros contatos com o Dácio é que eu comecei a conhecer a empresa e a identificar colegas que trabalhavam na empresa. Então, quando eu comecei, eu comecei na empresa em uma área de auditoria, na área financeira, mais de controles da companhia, com o Dácio Junqueira. O meu trabalho foi visitar algumas localidades para conferir o caixa da empresa, se tinha alguns problemas, documentações, conferir se tinha todos os terminais, se as contas estavam sendo cobradas, atividades dessa natureza. Esse foi o primeiro contato.
Recessão A CTBC, pela natureza da atividade, ela tem uma possibilidade de, eu não diria de não ser afetada com as crises, mas ela sofre menor impacto do que às vezes outros ramos de atividade. Principalmente no que diz respeito à geração de recursos, à geração de caixa. E como, naquela época, na CTBC o Sr. Wílson Luiz da Costa junto com o Dr. Luiz e o Sr. Alexandrino conduziam as finanças de uma maneira muito segura, eu diria que, claro que todos sentimos essas questões, mas a CTBC estava em crescimento, pelo menos essa é a lembrança que eu tenho, mesmo nesse contexto extremamente turbulento, ela conseguia estar em crescimento.
Talentos Humanos Foi esse o momento em que definitivamente comecei, digamos assim, a descambar para essa área de pessoal, de Talentos Humanos, de gestão de pessoas. Acho que esse projeto teve tudo a ver. Na verdade, isso começou um pouquinho antes, porque foi quando eu fui para a área de treinamento. E essa passagem para a área de treinamento foi interessante, porque eu estava vindo da Souza Cruz e,
nessa época, a Souza Cruz investia muito em treinamento e desenvolvimento do pessoal. Trabalhando lá durante cinco anos, conheci o Brasil inteiro em atividades de treinamento. Para ter uma idéia, eu fiquei durante um ano e meio me treinando antes de assumir o cargo que eu ia assumir na Souza Cruz. Então, a força que eles davam como referência do quanto o treinamento era importante era muito forte pra mim. E quando entrei na CTBC eu achava que ela também devia fazer isso para os seus profissionais.
Treinamento A CTBC sempre foi voltada para treinamento, mas não era ainda estruturada da forma que eu via lá na Souza Cruz. E eu me dirigia sempre para uma pessoa muito amiga que não está mais lá no grupo hoje, o Walter Fonseca. Ele era o diretor de Recursos Humanos na época. E como eu recebia muitos folhetos de treinamento e a cada um que eu recebia que eu já tinha feito, eu ia lá conversar com ele. Eu falava: "Sr. Walter, esse treinamento aqui eu fiz em tal época e se eu fosse o senhor faria com que pessoas daqui, fulano, fulano, fulano, pudessem fazer esse treinamento. Ele é espetacular, ele muda muito o que a pessoa acredita na gestão de pessoas, de negócios e tal". Ele ficava com esses folhetos lá e eu ia embora. Mas ele não fazia acontecer aquilo que eu combinava com ele, que eu discutia. Mas eu trabalhava em outra área, era da área financeira nessa época. Na verdade, acho que eu trabalhava com o Dácio Junqueira, eu não me lembro muito mais. Mas, com isso, de tanto eu insistir - quase toda a semana eu estava lá conversando com ele sobre isso -, 15 dias depois eu estava lá de volta. Eu entrava na sala dele - ele era uma pessoa extremamente amigável no relacionamento -
e de novo eu estava lá Daí, eles decidiram estruturar melhor a área. E aí, na hora de selecionar quem é que poderia estar indo para essa área, eles ficavam pensando quem é que tinha interesse, quem é que tinha potencial, e me convidaram para participar do processo de seleção.
Cada um dos candidatos tinha que preparar uma aula. A concepção do treinamento daquela época era dar uma aula, não é? E eu me preparei para dar a dita aula. A equipe avaliadora fez a seleção e daí me concederam a oportunidade de conduzir essa parte de treinamento. E aí começou. Então, esse projeto foi para dentro da área de treinamento. Agora, o que é interessante é que esse Dácio, uma pessoa fantástica, falava: "Eu acho que você está ficando louco".E eu falava: "Mas eu não estou te entendendo, por que?" "Porque sair da área financeira, de uma companhia dessas, para ir mexer com Recursos Humanos - naquela época se chamava assim -, acho que você não está batendo bem, acho que eu selecionei a pessoa errada. Você é louco." Eu falei: "Não, não é essa a questão, é uma questão de aprender com outras coisas". Porque eu tinha saído da Souza Cruz, da parte industrial, de produção e eu já tinha uma boa experiência de cinco anos. Depois, na Rotina já tinha uma parte administrativa na qual eu já tinha navegado, uma empresa pequena, mas já era uma experiência interessante. Na própria CTBC, eu já tinha que seis meses na área financeira.
Apareceu essa oportunidade noutra área que eu não conhecia e isso foi bom para mim. Comecei na área de Talentos Humanos em 83 ou 84, por aí, ainda chamada de Recursos Humanos. Naquela época, a empresa começou a crescer em alta velocidade, a ter outros negócios e foi exigindo uma ampliação das atividades de Recursos Humanos. E eu comecei a "navegar" depois: da área de treinamento, fui para a área de Cargos e Salários, depois fui lidar com a questão sindical, negociações sindicais - isso me trouxe uma experiência muito, muito interessante, conhecer o pensamento sindical brasileiro e todas as dificuldades que o sindicato passava e gerava para as companhias, para as pessoas. Daí, fui ampliando isso, pegando outras atividades dentro de Recursos Humanos.
Reestruturação Em 88, 89 veio Mário Grossi assumir o grupo, para dirigir o Grupo Algar, e penso que aí foi uma marca também, porque aí se propunha uma mudança cultural. Acho até que talvez aí eu tenha me realizado muito mais do que antes nessa função de Talentos Humanos do grupo. Porque para onde ele queria ir parece que coincidia muito com o que eu acreditava antes. E antes dessas mudanças na filosofia empresarial, eu sofria muito, porque tinha algumas coisas que aconteciam que não batiam com o que eu acreditava. E eu não tinha todo o poder que era necessário para poder influenciar nessas mudanças. Mas, ainda assim, diria que com a área de treinamento que eu conduzia, eu conseguia contribuir para a criação de consciência da necessidade de mudanças. Mas, quando no final de 89, quando se quis estruturar a CTBC Telecom, eu comecei nessa estruturação da CTBC Telecom já no cargo de direção da CTBC, na área de Talentos Humanos, com o desafio de fazer a mudança cultural que era buscada naquele momento.
REESTRUTURAÇÃO Reestruturação
A introdução da nova visão para o grupo Algar que o Mário Grossi vinha buscando mudava alguns referenciais de poder no grupo. Porque qualquer mudança que você queira fazer, quando está ligada à questão cultural, ela tem que estar partindo de um patrocinador. Alguém tem que patrocinar isso. Porque isso mexe com as estruturas de poder. Nessa época, uma das questões que ele fazia questão de enfatizar era o quanto era importante naquela ocasião o trabalho das pessoas para a Organização -sempre foi assim, mas de uma forma um pouco diferenciada agora. Ou seja, que significado têm agora as pessoas para a Organização, para o sucesso da empresa?. E como agora as pessoas precisarão se comprometer, de uma maneira extremamente diferenciada com as organizações? E no bojo desse comprometimento tinha que estar a cooperação entre as pessoas, o trabalho em equipe, a formação de times vencedores e assim por diante. Mas esse tom corporativo não era muito compreendido pela cultura organizacional. Então, ele começou dar os primeiros sinais. JUNTAR ABAIXO=>
Ora, uma cultura, na minha forma de ver, ela é extremamente estruturada nos seus alicerces com as decisões que são tomadas na cúpula. É o sinal que você manda para dentro da Organização. E as pessoas que não estavam alinhadas com esses novos desejos, com essas novas vontades de fazer acontecer, não ficavam na empresa. Elas eram desligadas do grupo, desde os níveis mais altos aos mais baixos. Porque isso contrariava, frontalmente, e as pessoas não se sentiam confortáveis dentro desse novo contexto. Umas saíram, outras eram desligadas. E essas decisões geravam impactos em toda a pirâmide, em toda a Organização, em toda a estrutura organizacional. E quando ele criou a direção de Talentos Humanos, uma direção corporativa mais forte, no sentido de ser mais ouvida, de poder contribuir mais, naturalmente, isso gerava resistências dentro das organizações porque a área de Talentos Humanos está como uma, eu chamaria assim, como uma guardiã. A pessoa que trabalha nessa área é mais ou menos uma guardiã dos valores, do pensamento, com relação ao respeito que se quer entre as pessoas, a essa parte de desenvolvimento das pessoas para a vida além da empresa, ou seja, a preocupação não pode ser mais centrada só enquanto você está dentro da Organização. Então, essa qualidade de vida que era desejada requeria uma ação mais forte de Talentos Humanos. E quando digo ação mais forte é no sentido de ter poderes para influenciar. Uma responsabilidade grande de um lado tem que representar um poder grande do outro, porque se não estiverem em equilíbrio, isso não acontece.
Gestão Eu me lembro bem que na época em que eu fui levado a ser o diretor de Talentos Humanos da CTBC Telecom, existiam nesse âmbito aí muitas resistências. Não só em relação ao profissional, porque sempre há resistência, existem pessoas que acham que você é capaz, existem pessoas que acham que você pode contribuir e existem pessoas que não. Então, tinha ali uma discussão se eu deveria ir como diretor, como um coordenador, como um gerente, porque diretor era um cargo de muito poder. Mas aí a discussão com o Mário era a seguinte: "Por que não pode ter poder? E por que não deve ter poder? Por que você não quer que essa pessoa tenha poder de ajudar?" Então, isso foi muito forte, as resistências, as mudanças ocorreram muito nessa direção. E a CTBC, principalmente, era a maior empresa daquela época do grupo e a mais tradicional, de grande representação. Porque tinha outras empresas quem sabe mais antigas, mas eram empresas bem pequenas. A CTBC era a maior
empresa e tinha uma cultura muito arraigada, dado a história, porque o Sr. Alexandrino trabalhava, o Dr. Luiz, o próprio Walter Garcia, falecido, mas ele também trabalhava dentro da companhia. E isso é que formou essa cultura, e as pessoas tinham crenças e valores extremamente importantes, próprios para o momento que elas estavam vivendo anteriormente. Mas para esse novo momento tinham dificuldades a serem vencidas.
O que é interessante no processo é que as mudanças propostas eram extremamente queridas pela base da Organização. Porque elas vinham para resgatar a capacidade de contribuição dessas pessoas. O discurso que se fazia nesse momento, ele era querido pelas pessoas da base da pirâmide organizacional. Então, imagine um trabalhador que de agora em diante tem o direito de participar de reuniões e discutir as coisas com todo o mundo... Ele tem o direito de montar grupos de trabalho para poder resolver problemas. Ele agora tem a possibilidade de trabalhar sem ter nenhuma supervisão. Agora, ele é o principal responsável por aquilo que ele faz e que vai continuar fazendo.
Cultura corporativa Não diria que houve uma mudança cultural nem um reforço de uma cultura que estava latente potencialmente ainda reprimida dentro do contexto da Organização. Eu penso que foi uma coisa natural. É algo próprio da evolução, está certo? Ou seja, era assim antes, e era bom antes. Não há uma crítica ao passado. Há uma consciência de uma necessidade de evolução, porque a cultura você não pode trocar. Não dá para você ter uma cultura hoje e amanhã você querer outra. Isso não é possível. Até porque os traços culturais mais importantes permaneceram. O que foi mudado, na verdade? Foram os desvios que podem ser considerados negativos em um crescimento, que eu poderia chamar entre aspas, quem sabe, desordenado dos negócios, e que a amplitude, com aquela mesma forma, não supria mais e não nutria os valores essenciais da própria cultura.
Imagine quando o Sr. Alexandrino tinha contato direto com os operacionais nas regionais? Daqui a pouco eles ficavam um ano sem ver o Sr. Alexandrino. Ocorria aí um distanciamento do poder decisório: entraram profissionais, pessoas com outros valores, com outras referências, de outras empresas e assim por diante. E o processo não estando ainda profissionalizado e estruturado aqui como suporte, ficava, quem sabe, à mercê do gerente, ou seja, à mercê do diretor daquela empresa, à mercê do que outras pessoas achavam, dos valores de outras pessoas e não daquela cultura organizacional que originou todo o empreendimento. Já se criava, então, uma forma de compartilhamento dessas responsabilidades, de comunicação muito mais eficaz, mais formalizada, não formal, mas formalizada, pela qual as pessoas conheciam o que estava acontecendo, tinham possibilidades de interagir com esses fatos, de participar desses fatos.
Eu acho que a grande mudança primeiro está no desenvolvimento de processos que foram ocorrendo na área de Talentos Humanos. Do outro lado, também houve esse sinal que as questões agora tinham que ser tratadas dessa forma. E era pra valer, e era para todo mundo. Eu acho que esse era o ponto fundamental. Porque quando você tem uma Organização que se amplia rapidamente, o que ocorria, na visão de quem estava mais em baixo na estrutura, é que havia privilégios. E os privilégios eles são destruidores da motivação das pessoas. Com essa nova estrutura, as pessoas estavam construindo juntas.
Relacionamento O que ocorria nas organizações? O sucesso é sempre do chefe. O fracasso é sempre do empregado. Então, esse contexto era sentido, era ressentido, gerava um ressentimento, e as pessoas não se motivavam o suficiente para agir. Porque quando você tinha lá o relacionamento direto com os donos da empresa, esse reconhecimento estava direto. Agora, imagina que você tivesse antes um relacionamento direto com o dono, e agora entrasse alguém no meio, que não gera o mesmo relacionamento, o mesmo reconhecimento, as mesmas informações - você sabe que tem informações que não fica sabendo. Então, eu acho que esse crescimento, ou seja, essa dimensão nova é que ficou meio que solta nesse momento, a da cultura. Não estou falando dos negócios, estou falando da cultura. E da percepção dos trabalhadores de uma maneira geral. Nós caminhamos um pouco junto com a história, mas mais alguns passos na frente em todo esse processo.
Sindicatos Em 1989, foi o meu primeiro momento como responsável dessa função numa empresa do tamanho da CTBC e nós tínhamos, na época, uma força do sindicato muito grande. Tivemos, por exemplo, momentos de greves dentro da companhia. Tínhamos uma qualidade de vida dos trabalhadores muito difícil dado o baixo nível salarial que eles possuíam, em um processo de crise econômica no país. Nós tínhamos um processo inflacionário terrível para a vida das pessoas de baixa renda, então, esses momentos eram traumáticos para a vida das pessoas, eram extremamente difíceis. E nós conseguimos criar naquela época uma espécie de crença de que era possível mudar tudo aquilo, junto com as pessoas, e de que nós éramos capazes de mudar aquilo: o corpo diretivo junto com o corpo gerencial, junto com os trabalhadores. E essa crença, na minha forma de ver, gerou toda a possibilidade de mudança, de
confiança das pessoas na direção da empresa, de confiança de que era possível fazer juntos mudanças importantes, criar novas formas de relacionamento dos trabalhadores com o capital, no caso, novas formas de remuneração que pudessem proteger a Organização e gerar mais conforto para as pessoas. Então, não tem como você falar de uma coisa isolada: são todos esses mecanismos, é um conjunto de ações que foram desenvolvidas que geravam a manutenção, a nutrição daquela vontade de trabalhar em uma empresa igual à CTBC.
Teve uma época, nessa época de crise a que eu estava me referindo, quando você imaginava que uma pessoa poderia ser desligada da companhia, ela estava querendo ser desligada mesmo, não tinham mais a vontade de trabalhar na companhia. Em muitos casos, que você achava que poderia estar, entre aspas, causando um problema para a pessoa ao desligá-la da companhia, elas ficavam felizes, porque não estavam mais suportando aquele ambiente, aquela situação que estavam vivendo lá dentro. Então, essa retomada ou essa mudança, não só no aspecto cultural mas no aspecto econômico-financeiro do grupo, era uma coisa que devia ser resgatada, que devia se acreditar como algo diferente e que era possível mudar aquele contexto. Então, acho que, se você pode me perguntar qual foi a contribuição que você mais pode ter dado nessa história da CTBC, foi resgatar essas crenças de que era possível fazer diferente e mudar o contexto que se vivia naquela época. Mas fundamentalmente baseado em um valor, que é um valor inegociável, que é o da confiança.
Motivação Quando você olhava para o processo decisório e o processo de comunicação das companhias, tinha uma palavra, e ela é uma palavra-chave, que se chama transparência. E tinham outras, que eram as seguintes: "O que nós temos são responsabilidades diferentes. Porém, nós somos seres humanos." Então, compreendendo que nós somos diferentes em decorrência das responsabilidades, essas diferenças de responsabilidade não explicam nenhum privilégio. Então, se você está em um ambiente - até saindo um pouco do próprio contexto de empresa CTBC Telecom -,
em que as diferenças são levadas em conta pelo nível de responsabilidade diferente, mas no tratamento humano você é considerado, tem o seu reconhecimento, é respeitado, você sente o valor que você dá de contribuição para a companhia e isso muda todo o relacionamento. E aí que você gera o comprometimento. Porque a motivação humana está diretamente proporcional à forma de participação no processo decisório. Essa é a minha visão. Não queira que alguém se comprometa, se ele não participa do processo decisório do que está acontecendo. É muito complexo.
A pessoa pode acreditar em quem está tomando decisão e vai junto na liderança, vai junto com o líder, isso aí não tenha dúvida. A pessoa se compromete também pelas decisões que o líder está tomando, porque ele é um líder, ele lidera. As pessoas têm a confiança nessa liderança. Agora, na hora de botar a mão na massa, de fazer acontecer aqui no seu ambiente de trabalho, o comprometimento decorre da participação das pessoas. Acho que isso era a palavra-chave do processo de comprometimento. Tinha-se, então, como palavras-chave a transparência no processo decisório e de comunicação da companhia, a participação - as pessoas agora podem participar, devem participar e se comprometer -, e a terceira palavra, o respeito que você tem às pessoas.
Comunicação Concordo plenamente que isso foi suficientemente espargido por toda a companhia a partir desse processo e já impregnou, digamos, a alma do grupo. Até porque, lembra-se que a gente estava dizendo, que a resistência maior a todas essas mudanças não estavam na base? A resistência não se encontra na base, ela se encontra no meio da pirâmide, no intermediário da hierarquia. E com muitos treinamentos esses líderes começaram a perceber que também era possível fazer diferente, considerar as pessoas diferente nos resultados, na participação, que era importante a comunicação para elas, que era importante fazer reuniões para trocar as experiências e as informações semanalmente, por exemplo. Então, tem todo um movimento e uma série de ações. E aí, talvez, uma coisa fantástica é que nesse ambiente que os críticos ajudam pra caramba: as pessoas críticas, aquelas que não acreditam direito, começam a checar, são os pontos de controle. E dizem: "Mas, espera aí, mas vocês estão dizendo isso aqui, mas esse fato que aconteceu, como é que fica?" "Opa, então se aconteceu isso, isso está fora. Então temos que corrigir este fato e não mudar o que a gente está fazendo aqui." Isso vai norteando toda a equipe, toda a companhia na mesma direção.
Cartão de Ponto Trabalhar sem marcar o ponto é uma história interessante que a gente fez. Mas, o que era mais importante, na minha forma de ver, e que ganhava a adesão de grande parte de todos os trabalhadores no grupo, é porque isso vinha para resgatar esses valores que geravam influências muito positivas na vida daquelas pessoas. E aí ficou uma resistência no meio intermediário da hierarquia. Porque no momento em que as pessoas, dado um estilo autocrático - não querendo retratar que esse era o estilo próprio da CTBC -, mas se você imagina uma empresa qualquer autocrática e que daqui a pouco você tem a possibilidade de participar, a resistência acaba ficando aqui na hierarquia. E, sabiamente, a decisão que se tomava na época era de investir fortemente em treinamento nas lideranças. Que era exatamente o escopo do bloco de resistências às mudanças mais velozes, mais motivadoras para todo o mundo. Porque você agora tinha que compartilhar informações que antes eram só suas, compartilhar espaços que eram só seus, compartilhar do relacionamento com a alta hierarquia que era só seu, a possibilidade de acesso e a discussão dos assuntos mais estratégicos, o domínio das informações de lucros, perdas, prejuízos, endividamento das companhias, custos da área que você trabalha, receita da área que você trabalha. Então, tudo isso veio numa forma de aprendizagem para as pessoas. E era muito querido isso. Com exceções claro. Sempre tem exceções nesse meio, nesse ambiente, as resistências, isso vai acontecendo.
Associados Eu penso que o mais importante para dar uma mensagem de boas-vindas para uma nova pessoa que estivesse começando hoje na CTBC é mostrar para ela fatos que ocorreram. Eu tenho às vezes oportunidade de dizer coisas e falar algumas idéias em ambientes onde estão chegando novos trabalhadores para o Grupo - novos Associados, como nós chamamos para nossas empresas -, em um momento de integração na Organização. Então, vou repeti-las agora. A primeira coisa: cada um de nós só vai estar entrando em nossas companhias para fazer diferença. Ou seja, se não for para fazer diferença, não haveria nenhum sentido de estar vindo. Então, acho que este é o primeiro ponto que a gente tem que tomar consciência. Cada um de nós só está aqui e vai continuar aqui se a gente continuar fazendo diferença. Porque se não for para isso, não faz sentido, nem para a empresa e nem para a vida da gente. É mais nobre pensar sobre o significado que tem o que você está fazendo para a sua vida, do que para qualquer outra coisa, mas num segundo momento para a Organização. Ou seja: "O que significa o que eu estou fazendo para essa Organização? Faz sentido ou não faz?" Se não faz, não tem porque estar.
Segundo, que vai encontrar resistências em relação aos que já estão nas companhias. Ou seja, é uma resistência natural, porque, quando você vai para um novo ambiente desses, lá as pessoas já experimentaram coisas que não deram certo. E elas têm como referência, muitas vezes, essas coisas que não deram certo, para orientar os novos. Mas não é por causa dessa experiência que você não deve tentar de novo. Ou seja, tente de novo, tente uma vez, duas, três vezes, porque o que não deu certo no passado pode ser extraordinariamente bem aceito no presente. E quem sabe no futuro muito mais ainda.
O terceiro, é que você pode olhar para dentro das nossas companhias as oportunidades de crescimento que elas proporcionam. Você pode pegar em todo o time que nós temos nas companhias, pessoas que começaram como estagiários, como office boys, como secretárias, e que hoje ocupam cargos de comando no grupo. Ou seja, é uma Organização que propicia oportunidades de crescimento para as pessoas. E elas poderão se realizar aqui dentro. Eu penso que, focado nesses três pontos, não é preciso falar muito. Basta você mostrar. Porque temos o nome das pessoas que estão aqui dentro, elas poderão ir verificar que elas entraram realmente como estagiários, como office boys e assim por diante, e que hoje estão ocupando cargos de alta responsabilidade dentro das estruturas das empresas.
EMPRESAS Pousada do Rio Quente
Fui responsável por um projeto e esse projeto marcou a história da CTBC. Era o seguinte: o Dr. Luiz, um dia, em uma reunião, colocou a seguinte coisa: que ele já tinha feito um prêmio para os trabalhadores antigos de companhia, mas não tinha tido ainda uma pessoa que fizesse acontecer. E o que era? Era uma viagem de prêmio para passar um tempo na Pousada do Rio Quente, para aqueles trabalhadores mais antigos, que completassem lá seus 10, 15 anos, 20 anos de empresa. E nessa época eu estava já na área de treinamento da companhia. Saí da área financeira e acabei indo para a área de treinamento. E eu adotei esse projeto para desenvolvê-lo, desenvolvi e conduzi. E o que era conduzir esse projeto? Era planejar um ônibus saindo cheio de trabalhadores da companhia, das diversas localidades - a CTBC tem diversos municípios em que ela tem pessoas trabalhando. E a gente fazia uma reunião e uma integração deles aqui em Uberlândia em um determinado dia da semana e daí saíamos para a Pousada do Rio Quente. Mas essa viagem era organizada de uma maneira muito especial, porque que a gente organizava tudo isso com muito carinho. Era mais ou menos o seguinte: a pessoa tinha contato com as bagagens dela só até chegar em Uberlândia. A partir daí, ela ia ter contato com essas bagagens de novo apenas na hora em que ela estivesse dentro do apartamento dela. E eles adoravam todo esse tratamento. E a gente fazia integração na viagem - mais ou menos um guia turístico, vamos imaginar isso -, fazia filmagens, gravações.
Chegando lá, tinha uma manhã em que a gente discutia a CTBC com esse grupo de esposas - era o casal; os casados levavam as esposas e as casadas levavam os maridos. Faziam grupo de empregados de um lado, grupo de cônjuges do outro, e ali se discutiam essas questões do relacionamento, do trabalho extra, da falta de tempo para a família, e era uma coisa muito bonita. Terminado o tempo, a gente fazia um churrasco de encerramento e essa moçada voltava para a empresa e para suas casas. Daí a um mês, pegava-se outro grupo. Nós chegamos a levar, me parece, mais de 500 pessoas nesse projeto, que deixou saudades. E no que entra o Sr. Alexandrino nisso? O Sr. Alexandrino tinha um relacionamento com essas pessoas antigas, de trabalharem juntos no campo, lá na rede mesmo, lá onde construía as coisas da empresa, levantando de madrugada, sábados, domingos e feriados, então, era muito comum as pessoas, esses mais antigos, perguntarem a ele se ele ainda se levantava de madrugada no domingo para ir trabalhar lá nas regionais. Porque era muito comum ele acordar as pessoas lá nas cidades delas. Ele levantava extremamente cedo aqui, viajava - naquela época, as estradas não eram as mesmas de hoje -, e quando lá chegava as pessoas ainda estavam dormindo e lá eles trabalhavam o dia inteiro. Às vezes, ele dormia na casa dessas pessoas e tinha uma convivência muito íntima com elas.
Com a profissionalização, o Sr. Alexandrino foi saindo desse contexto, a empresa foi crescendo, ele teve outras atividades gerenciais que não mais permitiam que ele estivesse nesse dia-a-dia com essas pessoas. E, quando eles voltavam da Pousada do Rio Quente, era o reencontro deles. As esposas ficavam muito agradecidas pela viagem, pelo prêmio e, na volta, elas queriam comprar flores para a Dona Maria, que é a esposa do Sr. Alexandrino, e traziam presente para ele na visita que a gente fazia lá na sala dele. E ele se emocionava muito com essas visitas. Eu era o responsável pelo projeto, então, quando ele se sentia tão feliz com isso, era a minha gratificação do projeto. Foi, eu acho, uma das fases mais bonitas que o Sr. Alexandrino viveu naquela época com essas pessoas, porque ele reencontrava amigos de muito tempo atrás, eles conversavam sobre coisas que resgatavam de muitos anos e contavam histórias que a gente não conhecia. Eu diria que foi um projeto fantástico, foi um projeto maravilhoso.
PESSOAS Alexandrino Garcia
Falar do Sr. Alexandrino é extremamente complexo, não é? Eu deveria ter idade para ser filho dele, quase neto dele. Mas ele tinha uma forma de pensamento extremamente atualizada, ou seja, a forma como ele pensava e como ele ensinava era uma forma extremamente atual. Tive pouco contato com ele em relação a outros profissionais do grupo que tinham contato diário, mesa a mesa e tal, mas eu tive situações muito especiais com ele. Algumas de dificuldades, mas, em outras, de grandes alegrias. As de dificuldade era porque ele tinha uma capacidade de olhar para os resultados de uma maneira fantástica. Então, transcendia os fatos, os atos contábeis, os atos burocráticos que existiam dentro da organização, e que eu lidava com aquilo, em uma visão muito mais fechada. Então, eu estava preocupado com que o dinheiro chegasse no fornecedor. Ele estava preocupado se o que havia sido comprado do fornecedor estava gerando resultados para a companhia. E aí, ele dizia: "Não, se isso não pode gerar resultados positivos para a companhia, por que nós vamos pagar?" Então, era uma forma muito interessante de administração, porque ele não estava olhando para o que ele estava vendo aqui, estava processando e gerando toda uma análise e avaliação do quanto que aquilo que você estava fazendo estava gerando resultados para o negócio. Uma visão muito nítida disso e isso ensinava muito. E, como você não tinha essa mesma visão, essa capacidade de ver desta forma, e o seu âmbito de avaliação era outro, então aí tinham muitas discussões. Era você tentando mostrar para ele que você estava certo e ele tentando mostrar para você que você, mesmo estando certo, tinha uma outra coisa que você não estava olhando. Que o fato de estar certo aqui não queria dizer que estava gerando esse resultado do outro lado. Então, tivemos aí algumas boas discussões...
O Sr. Alexandrino tinha um relacionamento com as pessoas antigas na empresa, de trabalharem juntos no campo, lá na rede mesmo, lá onde ele construía as coisas da empresa, levantando de madrugada, sábados, domingos e feriados, então, era muito comum as pessoas, esses mais antigos, perguntarem a ele se ele ainda se levantava de madrugada no domingo para ir trabalhar lá nas regionais. Porque era muito comum ele acordar as pessoas lá nas cidades delas. Ele levantava extremamente cedo aqui, viajava - naquela época, as estradas não eram as mesmas de hoje -, e quando lá chegava as pessoas ainda estavam dormindo e lá eles trabalhavam o dia inteiro. Às vezes, ele dormia na casa dessas pessoas e tinha uma convivência muito íntima com elas. Com a profissionalização, o Sr. Alexandrino foi saindo desse contexto, a empresa foi crescendo, ele teve outras atividades gerenciais que não mais permitiam que ele estivesse nesse dia-a-dia com essas pessoas. E, quando eles voltavam da Pousada do Rio Quente, era o reencontro deles. As esposas ficavam muito agradecidas pela viagem, pelo prêmio e, na volta, elas queriam comprar flores para a Dona Maria, que é a esposa do Sr. Alexandrino, e traziam presente para ele na visita que a gente fazia lá na sala dele. E ele se emocionava muito com essas visitas. Eu era o responsável pelo projeto; então, quando ele se sentia tão feliz com isso, era a minha gratificação do projeto. Foi, eu acho, uma das fases mais bonitas que o Sr. Alexandrino viveu naquela época com essas pessoas, porque ele reencontrava amigos de muito tempo atrás, eles conversavam sobre coisas que resgatavam de muitos anos e contavam histórias que a gente não conhecia. Eu diria que foi um projeto fantástico, foi um projeto maravilhoso.
LOCALIDADES Uberlândia
Uberlândia era enorme naquela época, para a minha realidade. Na verdade, as pessoas criam sonhos, e eu acho que esses sonhos movem as pessoas. Então, naquela época, eu tinha uma admiração enorme por ver uma pessoa, por exemplo, trabalhando em um banco. Quando eu vinha na cidade, passava nas ruas e via lá dentro aquelas pessoas trabalhando nos bancos. Aquelas pessoas, naquela época, para o ambiente, para o contexto, eram pessoas muito bem arrumadas, com gravatas, coisas dessa ordem. Um ambiente muito limpo, isso me atraía muito. E eu falava assim: "Um dia eu quero trabalhar num negócio desses, um dia eu quero ter uma atividade desse jeito." Eu sonhava mais ou menos com isso. Eu penso que isso me atraía pra sair da atividade das fazendas e vir para esse outro campo profissional. E eu comentava isso muito com a minha mãe, com o meu pai, esses sonhos meio que ainda de moleque, mas era o que eu conseguia enxergar de maior pra mim naquele contexto. Isso me movia muito a querer estudar, a querer me organizar, a aprender mais. Isso serviu como referência, vamos chamar assim, quando eu encontrava essas pessoas, quando eu conversava com elas... Vindo para a cidade, você começa a aprender a usar telefone, a ir pagar uma conta num banco, a receber dinheiro, a pagar coisas. Então, a pessoa que morava na fazenda naquela época, ela não tinha acesso a essas informações, a essa tecnologia, a essas formas mais fáceis de viver.
Tudo era muito mais, eu não diria mais difícil, porque é o jeito de viver que é diferente. Para quem está naquele contexto não tem grande dificuldade, porque ele se adapta muito bem àquilo, àquela forma. Mas quando você vem para cá, na verdade, não sei se é mais difícil ou mais fácil, mas é muito diferente. E eu gostava dessas diferenças, ou seja, quando o meu pai imaginava para mim continuar trabalhando lá e ser, quem sabe, o dono de uma terra, ou seja, porque esse poderia ser também um caminho a ser seguido pelos meus sonhos, talvez eu pudesse desenhar esses sonhos, mas não, eu não tinha essa vontade. Minha vontade verdadeiramente era de seguir um outro caminho.
A casa dos meus avós ficava no bairro Brasil, hoje o bairro Aparecida. Esse bairro já mudou bastante de nome. Era bairro Operário, depois bairro Brasil e depois bairro Aparecida. Mas ele fica a três ou quatro quadras da paróquia Nossa Senhora Aparecida aqui. Eu fui a primeira pessoa a vir pra cá, mas as minhas irmãs vieram num segundo momento. No tempo que eu fiquei sozinho, o meu sofrimento era muito grande, porque se relacionar com avós enquanto visita é ótimo, mas enquanto morador da casa deles não é muito agradável. Por mais que eles te queiram bem, por mais que eles tentem te agradar, existe um quadro bastante limitador, principalmente quando você se sente meio que com compromisso ou com o sentimento de quem está sendo ajudado. Quando você faz uma visita, a sua família está para te servir intensamente naquele momento. Mas a partir do primeiro mês, segundo mês, terceiro mês, entra-se num esquema de morar junto, de conviver juntos, com os mesmos problemas, de
compartilhar as dificuldades, o trabalho, e isso é totalmente diferente. Aí, tem o limite da hora de chegar, de ir para cama, da hora de estudar, da hora de almoçar. São coisas que, na sua casa, você acaba tendo maior liberdade do que morando com outras pessoas.
A minha vida, nesse primeiro momento, sozinho, com os meus avós, não foi muito fácil. Mas, logo, parece que um ano depois, veio a minha irmã mais velha, que fica abaixo de mim, depois a minha segunda irmã, e só a terceira não morou com a gente nesse mesmo lugar. Aí, a coisa se transformava mais um pouco, porque a gente tinha mais ou menos uma espécie de liderança para trazer mais pessoas para aquele ambiente, meus primos, minhas primas... então, a gente brincava muito e transformava aquele ambiente muito difícil, de saudade da família, dos pais e tal, mas, de outro lado, já tinha essas compensações. Aí, você já começa a ter um relacionamento mais forte na escola, na igreja. E eu comecei a trabalhar logo em seguida. Nessa época, o meu pai morava na fazenda e eu já trabalhava aqui e ajudava a cuidar das minhas irmãs. Então, de novo, aí, se confirmava um pouco aquela questão de eu me sentir um pouco responsável agora pelas irmãs. E elas me tratavam muito assim, como sendo o mais velho, e a questão de ser homem e de ser mulher, até hoje não sei, mas naquela época isso tinha uma diferença muito forte.
MEMÓRIA
Futuro
Quanto à CTBC Telecom, olhando por esse âmbito de longo prazo, o diferencial competitivo das companhias eu continuo pensando que poderá ser a competência humana. Porque as demais questões tenderão a ser muito iguais nas empresas, se você olhar para tecnologia e para serviços. Quando eu estou falando de pessoas humanas, estou falando da inovação, da criatividade, da liderança educadora, das pessoas sentirem oportunidade de botar todo o potencial para realização dentro da empresa. Penso que o nosso está dependendo dessa condução das empresas para esse modelo ou para essa forma, que é mais ou menos uma evolução natural do que nós buscamos construir até agora.
É natural que nesse ambiente competitivo uma aprendizagem que será extremamente necessária é a convivência com outras parcerias. Não só as parcerias internas, mas as parcerias externas à companhia, com outras empresas, com outras culturas. Essa é uma aprendizagem que na minha visão é uma demanda forte que estamos sentindo e que vamos continuar sentindo por muito tempo, porque não é fácil aprender isto. Talvez tão difícil quanto as mudanças que já se fez até agora seja essa de aprender a conviver com outras culturas, outras empresas, outras formas de pensamento quanto a negócios. Então, penso que esse é um ponto extremamente estratégico e relevante para a gente estar prestando atenção.
Quanto ao grupo Algar de uma maneira geral, penso que ele tem um significado hoje para a sociedade brasileira e já há muito tempo. Ele já tem o respeito dessa sociedade. Hoje, dada a maneira como está sendo conduzido, ele está reforçando cada vez mais a sua base, sua estrutura, para um crescimento muito forte. Além de nós mesmos, nós teremos toda a possibilidade e a base vai continuar sendo o humano, a base continua sendo pessoas, para transcender as barreiras que nós vamos ter, tanto no aspecto nacional, quanto internacional. Acho que o ramo, a atividade que se desenvolve hoje na maioria das empresas do grupo está na ponta, vamos chamar assim, das grandes oportunidades que vão ser geradas nos próximos tempos nessa área de tecnologia, na área de serviços e na possibilidade de gerar oportunidades de crescimento para as pessoas. Talvez a gente não consiga ter hoje a experiência que a gente pode ter daqui a algum tempo e que pode mudar muito daquilo que a gente pensa, fala e acredita hoje. Mas eu poderia dizer que pela minha vida até agora o que fez muita diferença foi a oportunidade que tive de ter a ajuda de muitas pessoas, tanto no âmbito da minha vida escolar, da minha vida profissional e familiar - e aí inclui-se toda a minha religiosidade, a minha religião, e todos os movimentos que tenho a oportunidade de participar.
Hoje, tenho aprendido que a questão da educação - e eu estou tentando ficar muito próximo dela - no nosso país é um fator central de preocupação. Penso que, se cada um de nós brasileiros tivesse a consciência do que pode a educação fazer pelo nosso país, estaríamos todos nós nos movendo nessa direção. Tenho feito o melhor que posso em algumas instituições aqui na nossa cidade, para contribuir com a educação na nossa comunidade. O que eu poderia dizer é o seguinte: cada um de nós está construindo uma história, como a gente está contando a história da CTBC Telecom, porque cada um de nós vai passar, as organizações, as instituições, mas nosso país vai continuar aqui. E quem sabe se a gente pudesse estar experimentando o melhor que a gente pode, com a maior intensidade possível em cada segundo que a gente está vivendo? E aí o meu agradecimento a vocês pela oportunidade que estão me dando de estar vivendo esse momento aqui muito bonito da minha vida.
Centro de Memória Dar este testemunho me deu um sentimento de reconhecimento. Porque, às vezes, a gente realiza grandes coisas na vida da gente - não falo pela minha vida, mas por outras pessoas que certamente realizaram grandes coisas -, e às vezes não fica registrado na história. Isso não é gravado, não é descrito, não é registrado. Agora, o que você faz de errado e de ruim, isso fica muito gravado, muito presente. Talvez, o que vocês estejam fazendo nesse trabalho fantástico, no qual eu tive a oportunidade de ter as primeiras participações lá ainda quando eu trabalhava na CTBC, é a busca para gerar um equilíbrio dessas coisas, ou seja, deixar registrado, explicitado e de maneira muito consistente o reconhecimento a muitas pessoas que estão construindo, fazendo a história da nossa CTBC Telecom.Recolher